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A leitura em Formação da literatura

brasileira de Antonio Cândido 1

Marisa Lajolo*

Resumo Antonio Candido publicou a Form a-


ção da literatura brasileira em 1959,
No podemos concebir como idónea final de uma década particularmente
una crítica literaria latinoamericana rica para os estudos literários dentro
empeñada en el estudio aislacionista
e fora do Brasil.
de nuestra literatura, desconectán-
dola de las otras manifestaciones
Lá fora, os anos cinqüenta do século
sociales. Más aún si tenemos en XX leram Dámaso Alonso em seu belo
cuenta que nuestras producciones livro Poesía española.Ensayode m étodos
literarias han constituido en las últi- ylím ites estilísticos (1950),W illiam Emp-
mas centurias testimonios, a menu- son em The structure ofcom plex words
do muy lúcidos, de la lucha contra (1951), Roland Barthes no Le degrézéro
los sucesivos poderes metropolitanos. de l’écriture (1953), os formalistas rus-
Contribuir al conocimiento de la re-
alidad latinoamericana para favore-
sos traduzidos para o idioma inglês por
cer su independencia no es, pues, Victor Erlich (1955). Também em 1955,
una función adicional de la crítica Lucien Goldman publicou Le Dieucaché;
que consideramos consecuente, sino George Lukacs, Der historiche Rom an e
el resultado de su ejercicio pleno, Leo Spitzer, Ode on a Grecian urn (Con-
puesto que analizar y explicar el sis- tent versus metagrammar). Um ano de-
tema de relaciones existentes entre pois (1956), Eliot publica On poetryand
la obra y el contexto histórico social
es parte fundamental de su objeto
poets; em 1957, Northrop Frye publica
de estudio. Anatom yofcriticism e Ian W att lançou

Palavras-chave: Leitura, Sistema


literário. *
Instituto de Estudos da Linguagem – Uni-
camp pesquisadora CNPq
1
Texto publicado em Antonio Cândido (org.
Jorge Ruedas de la Serna). Campinas
Ed.Unicamp; SP:IMESP.2003. p 51-75. O
livro ganhou o prêmio Jabuti 2004.

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The rise ofthe novel. Finalmente, 1958 e o contexto institucional nos quais
é o ano de publicação da Sociologia da Antonio Cândido publica, em 1959,
literatura, de Escarpit. os dois volumes da Form ação da li-
Nos mesmos anos cinqüenta, mas teratura brasileira. Já na abertura
agora com olhos voltados para a produ- do livro a noção de sistem a literário
ção literária brasileira,1 Lucia Miguel é convocada e sobre ela o crítico cons-
Pereira abre a década publicando sua trói sua interpretação histórico-crítica
Historia da literatura brasileira (prosa da literatura brasileira, sendo esta a
de ficção :1870- 1920)2 e Otto Maria responsável, talvez, por algumas das
Carpeaux publica, em 1951, sua Pe- polêmicas que envolvem o livro desde
quena bibliografia crítica da literatura seu lançamento.
brasileira. Em 1952, W ilson Martins Para a teoria em função da qual se
lança A crítica literária no Brasil, em desenvolve esse conceito de sistem a
1954, Antonio Soares Amora publica literário, literatura não pode ser conce-
História da literatura brasileira (sé- bida como (apenas)uma determinada
culos XVI-XX)e, em 1955, Afrânio categoria de textos tornados literários
Coutinho publica o primeiro volume por traços que lhe são intrínsecos, ou
de A literatura no Brasil (saindo em seja:estabelecida a noção de sistem a
1959 o último volume)e em 1956 Alceu literário como fundadora e fiadora da
Amoroso Lima publica a Introduçãoà literatura, o conceito do que éou do que
literatura brasileira. não é“literário”deixa de identificar-se
Como é nos anos trinta que se cria exclusivamente como procedimentos
um curso superior de letras no Brasil, é internos ao texto.
possível imaginar um público específico Pode-se, assim, encontrar na Form a-
para essa abundância de publicações çãoda literatura brasileira de Antonio
brasileiras sobre literatura e mesmo Cândido uma teoria da literatura, teoria
o interesse editorial de obras voltadas esta que se formula a partir e a propó-
para este público:a Faculdade de Filo- sito do caso brasileiro. Não obstante
sofia da Universidade de São Paulo data o caráter particular (e periférico)da
de 1934, tendo sido antecedida apenas situação (a brasileira)que inspira a
pela efêmera Universidade do Distrito reflexão de Antonio Cândido, a teoria
Federal. O tema da brasilidade das le- daí decorrente pode perfeitamente cons-
tras de que se ocupa a bibliografia acima tituir uma teoria literária toutcourt.
citada combina bem com um currículo de Em decorrência de aceitar-se a no-
letras que organiza os estudos literários ção de sistem a literáriocomo condicio-
pela tradição da historiografia literária, nante da literariedade de um texto, a
recortando os estudos de literatura em literatura passa a ser concebida como
nacionalidades, e no interior destas uma determinada categoria de textos
dispondo estilos e autores em seqüência que se tornam literários pela legiti-
cronológica 3 . mação que recebem do sistema pelo
Essa é, pois, a tradição imediata qual circulam.

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Esse conceito de sistem a literário da interlocução autor/leitor (a voz do
como instância essencial para a con- autor que responde ao leitor da primei-
figuração da literatura já é bastante ra edição), fica por conta dos leitores de
visível desde a primeira edição da versões posteriores à segunda edição
Form ação da literatura brasileira em da Form açãoda literatura brasileira a
cuja apresentação Antonio Cândido construção da outra voz (aquela àqual
declara a necessidade de o crítico responde).
[...]distingui[r]manifestações literá- No prefácio àsegunda edição, datado
rias de literatura propriamente dita, de novembro de 1962, Antonio Cândido
considerada aqui um sistema de obras argumenta em defesa da tese que insti-
ligadas por denominadores comuns, tuíra no livro de três anos atrás :
que permitem reconhecer as notas do- Suponhamos que para se configurar ple-
minantes duma fase. Estes dominantes namente como sistema articulado, ela [a
são além das características internas literatura, ml]dependa da existência do
(língua, temas, imagens), certos ele- triângulo “autor-obra-público”, em inte-
mentos de natureza social e psíquica, ração dinâmica, e de uma certa continui-
embora literariamente organizados, dade da tradição. Sendo assim a brasilei-
que se manifestam historicamente e ra não nasce e claro, mas se configura no
fazem da literatura aspecto orgânico da decorrer do século XVIII, encorpando o
civilização. Entre eles se distinguem:a processo formativo que vinha de antes e
existência de um conjunto de produtores continuou depois (I, p. 16).
literários, mais ou menos conscientes de
seu papel; um conjunto de receptores, É nesta perspectiva de um processo
formando os diferentes tipos de público, form ativo, isto é, de um encorpamento
sem os quais a obra não vive ; um meca- progressivo da literatura brasileira,
nismo transmissor, (de modo geral, uma que se pode refletir sobre a importân-
linguagem, traduzida em estilos), que cia da leitura nos estudos literários.
liga uns a outros 4 (I, p. 25). A reflexão começa assinalando que
Aparentemente, desde a primeira a tradiç ão dos estudos literários com
edição do livro, este conceito de sistem a muita facilidade apaga até mesmo a
literáriofoi intuído e interpretado como simples necessidade de um tipo espe-
conceito-núcleo a partir do qual os lei- cífico de leitura para a instauração da
tores se posicionavam face ao texto e, interação básica entre quem escreve um
assim, as distintas reações à tese que livro e quem lê este livro. O resultado
esse conceito sustenta talvez tenham deste apagam entoéa perda de concre-
sido os motivos que levaram Antonio tude, de objetividade e de historicidade
Cândido a retomar a questão, três anos daquilo de que se fala quando se fala
depois, no prefácio para a segunda de literatura. Só muito recentemente o
edição da obra. Este novo prefácio é leitor –por um longo tempo exilado dos
bastante sugestivo da interlocução algo estudos literários –reingressa na área,
polêmica que a obra teria deflagrado : trazendo consigo a leitura.
ao dar acesso a apenas um a das vozes Essa inclusão dos estudos da leitura

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– sua teoria e sua história- nos estudos estudos literários podem tornar-se
literários permite, por exemplo, inda- sugestivas, iluminando modos de ser
gar se as M em órias póstum as de Brás da literatura, desde sua formação
Cubas publicadas em fascículos pela enquanto início de uma prática social,
Revista brasileira em 1880 é a mesma até suas diferentes estratificações e
obra publicada em volume pela Editora manifestações.
Garnier em 1881. É? E esta, por sua Na Form ação da literatura bra-
vez, éa mesma obra publicada nos três sileira podemos encontrar a funda-
volumes em papel-bíblia editados pela mentação teórica e epistemológica
Aguilar e acrescida de poderoso aparato para a discussão da importância e da
crítico?E essas Memórias póstumas são centralidade da leitura em questões
as mesmas das edições escolares edita- de literatura :ao conceber a literatura
das, por exemplo, pela Editora Ática ou como integração de autores, obras e pú-
pela Moderna?E as Memórias póstumas blicos em um sistema articulado, não
dessas coleções escolares são as mesmas mais como uma pluralidade aleatória
que as incluídas como brinde de domingo –ainda que cronologicamente próxima
de grandes jornais, ou as acessáveis em – de autores e obras, concebidos como
diferentes sites da internet? independentes de uma articulação
Claro que não se trata da mesma socialmente visível em um sistema,
obra, caracterizando-se, inclusive, sua a Form ação permite que se tome a
alteridade para além das discrepâncias leitura como um implícito.
textuais tão competentemente assi- Não é difícil, e pode inclusive ser
naladas por Regina Zilberman, que vantajoso para todos os lados, articular
compara a edição da obra em folhetim ànoção de sistema literário formulada
e em volume,5 ou seja, os distintos su- por Antonio Cândido em 1959 alguns
portes de um mesmo texto produzem elementos que certas vertentes dos
diferentes obras, já que patrocinam di- estudos literários contemporâneos
ferentes modalidades de interação com incluem nas especulações sobre lite-
diferentes leitores. Cada uma das edi- ratura, como, por exemplo, a intertex-
ções mencionadas constitui uma obra tualidade, a recepção, as instituições
distinta. Em função da materialidade da escritura e da leitura, bem como a
de sua produção, cada versãoeditorial materialidade de seus suportes.
tem efeitos de sentido diferentes, po- Pode-se dizer que, para Antonio
tencializando e multiplicando as diver- Cândido, se não existe um sistema lite-
gências, já inevitáveis quando se trata rário, não se pode falar de literatura no
de uma mesma edição de uma mesma sentido de práticas sociais específicas e
obra lida por diferentes leitores. Esses socialmente reconhecidas e aceitas. Ou
diferentes efeitos de sentido fazem seja, não há literatura sem um sistema
parte –talvez a parte mais substancial literário6 e, a partir daí, a Form açãoda
– da historicidade da obra. literatura brasileira vai dedicar-se ao
Com base nesses pressupostos, estudo da fundação, desenvolvimento
reflexões sobre leitura no interior dos

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e consolidação do sistema literário bra- vem depois dessas balizas.
sileiro, por meio do qual certos escritos De circulação privilegiada em cursos
se tornam literatura. de letras, onde a literatura brasileira
Com base nesse pressuposto, a costuma assumir recorte historiográfico
Form ação da literatura brasileira lo- no interior de disciplinas cronologi-
caliza as origens do sistema literário camente dispostas ao longo de vários
brasileiro em meados do século XVIII semestres, é possível que tais expecta-
e considera completa sua formação em tivas se construam pelo contágio com a
meados do século XIX. Traduzindo-se leitura de outros textos que oferecem
tais datas na cronologia dos estilos como completo o recorte historiográfico/
literários ocidentais que aqui aporta- cronológico que operam ou que assu-
ram, tem-se o início do sistema literá- mem esse recorte por força do contexto
rio brasileiro no neoclassicismo e sua (o curso)no qual decorre sua leitura.
maturidade no romantismo, períodos Para fora das salas de aula, no
que, respectivamente, abrem e fecham entanto, a leitura da Form ação da li-
a Form ação da literatura brasileira : teratura brasileira também desaponta
O momento decisivo em que as manifes- outros leitores, menos ingênuos do que
tações literárias vão adquirir, no Brasil, os estudantes que reclamam porque a
características orgânicas de um sistema Form ação...não lhes fornece informa-
émarcado por três correntes principais ções para um trabalho escolar sobre
de gosto e pensamento:o Neoclassicis- Olavo Bilac, sobre Oswald de Andrade
mo, a Ilustração, o Arcadismo (p. 45). ou sobre Clarice Lispector.
[...]os escritores brasileiros que, em Haroldo de Campos, por exemplo,
Portugal ou aqui, escrevem entre, num dos últimos turnos da polêmica
digamos, 1750 (início da atividade li- que o livro de Antonio Cândido provo-
terária de Cláudio [Manuel da Costa,
cou e continua provocando, inconfor-
ml])e 1836 (iniciativa consciente de
modificação literária com a Niterói)tais
mado com o que engenhosa e trocadi-
escritores lançaram as bases de uma lhescamente chama de “seqüestro do
literatura brasileira orgânica, como Barroco”, parece não aceitar a tese de
sistema coerente e não manifestações Antonio Cândido. Para Campos,
isoladas (p. 75). A exclusão – o “seqüestro”– do Bar-
roco na Form ação da Literatura bra-
Muitos leitores, no entanto, lêem
sileira não é, portanto, meramente o
a Form ação da literatura brasileira
resultado objetivo da adoção de uma “
– presença constante nas bibliografias orientação histórica”, que timbra em
de cursos universitários de literatura separar literatura como “sistema”, de
–como se a obra pretendesse historiar a “manifestações literárias”incipientes
literatura brasileira, ou constituísse um e assistemáticas. Tampouco é “históri-
m anual de literatura.É dessa perspec- ca”, num sentido unívoco e objetivo, a “
tiva – evidentemente equivocada – que perspectiva”que dá pela inexistência
tais leitores ficam com a sensação de que de Gregório de Matos para efeito da
falta ao livro o que vem antes e o que formação de nossos “sistema literário”

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(I,24). Essa exclusão - esse “seqüestro” cionando como exemplo ou justificativa
- e também essa inexistência literária, daquilo que se quer fazer, mesmo que
dados como “históricos”no nível mani- seja para rejeitar (p. 15).
festo, são perante uma visão “descons-
Mais a frente na obra, a noção de “
trutora”, efeitos no nível profundo, la-
sistema literário” apresenta-se como
tente, do próprio “modelo semiológico”
engenhosamente articulado pelo autor categoria crítica que ilumina o enfo-
da Form ação(p. 32).7 que dado a certos momentos, autores
e obras da literatura brasileira. Ao
Esta impugnação de Haroldo de Cam- tratar do naturalismo no Brasil, por
pos, além da epistemologia a que recorre exemplo, Antonio Cândido parece
– epistemologia apontada na menção, acreditar dispensáveis maiores consi-
por exemplo, a uma visão desconstru- derações sobre natureza e história do
tora – também se apóia na paideum a sistema literário, limitando-se a men-
que Campos elege para sua própria po- cionar, com naturalidade, a inscrição
esia, na qual Gregório de Matos é peça deste estilo num sistema literário já
fundamental. De qualquer maneira, a completo e maduro:
indisponibilidade de edições da obra de
Nesse tempo podemos considerar como
Gregório de Matos, que por mais de du-
configurado e amadurecido o sistema
zentos anos teve circulação apenas oral literário do Brasil, ou seja, uma literatura
e manuscrita, recoloca de forma aguda que não consta mais de produções isola-
a questão da materialidade e da leitura das, mesmo devida a autores eminentes,
para os estudos literários. mas éatividade regular de um conjunto
A questão pode ser retomada a numeroso de escritores, exprimindo-se
partir do livro mais recente de An- através de veículos que asseguram a
tonio Cândido, Iniciação à literatura difusão dos escritos e reconhecendo que,
brasileira –, 8 no qual a idéia de um a despeito das influências estrangeiras
sistem a literárioétrabalhada em mais normais, já podem ter como ponto de re-
detalhes, estando a expressão, inclusi- ferência una tradição local (p. 52).
ve, presente no título de dois dos três Assim, nos arredores do movimento
capítulos da obra. Neste livro o con- abolicionista e republicano – cujas rei-
ceito de sistema primeiro se apresenta vindicações se concretizam, respectiva-
como especulação teórica: mente em 1888 e 1889 –, na perspectiva
Entendo por sistema a articulação dos de Antonio Cândido, o sistema literário
elementos que constituem a atividade brasileiro já está consolidado, tendo já
literária regular:autores formando um cumprido um longo processo de matu-
conjunto virtual, e veículos que permi- ração, cujas primeiras configurações
tem seu relacionamento, definindo una coincidem com o boom econômico da
vida literária :públicos, restritos ou am- mineração e o conseqüente encorpamen-
plos, capazes de ler ou de ouvir as obras, to da vida urbana brasileira, em torno
permitindo com isso que elas circulem e principalmente da cidade de Vila Rica,
atuem; tradição, que éo reconhecimen-
a atual Ouro Preto.9
to de obras e autores precedentes, fun-

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É esse espessamento da vida urba- excelentes escritores anteriores (por
na em Vila Rica que torna possível, exemplo, Gregório de Matos no século
pela primeira vez, a reunião num dezessete)ou posteriores (por exemplo,
mesmo espaço social e geográfico de Machado de Assis na segunda metade
escritores, obras e público institucional do século XIX), nascendo da mesma
e textualmente articulados, que, para o matriz a já mencionada distinção en-
crítico, são instâncias essenciais para a tre, de um lado, m anifestações literá-
configuração de um sistem a literário. rias e, de outro, literatura
A metade do século XVIIIe a metade Em 1960, quando José Aderaldo
do século XIX são, pois, os momentos Castelo – posteriormente parceiro de
que, para Antonio Cândido, marcam Antonio Cândido na organização da Pre-
respectivamente, o surgimento e o sença da literatura brasileira – publica
amadurecimento do sistema literário A literatura brasileira: m anifestações
brasileiro e, por isso, em sua obra de literárias da era colonial10 a expressão
1997, o crítico propõe três divisões para “manifestações literárias”fica consagra-
a literatura brasileira, que têm por da na organização interna do livro, o que
marco a existência ou inexistência de se reflete em seu título. A obra de José
um sistema literário : Aderaldo Castelo adota a expressão com
• a era das m anifestações literárias, que, no ano anterior, Antonio Cândido
que se estende do século XVIaté havia denominado os duzentos e cin-
meados do século XVIII; qüenta anos anteriores ao surgimento
• a era da configuração do sistem a do sistema literário brasileiro.
literário, que se estende de mea- Com essa obra de J.A Castelo, a opo-
dos do século XVIIIatéa segunda sição entre literatura e m anifestações
metade do século XIX; literárias, definidas ambas a partir da
• a era do sistem a literário consoli- existência ou da inexistência de um sis-
dado, que se estende da segunda tema literário, já encontra seu lugar na
metade do século XIX até nossos melhor historiografia crítica brasileira.
dias (p.14). Aproveitando a importância do
Vê-se, então, por que – em nome conceito de sistem a literário no mé-
dos pressupostos teóricos que em 1959 todo crítico de Antonio Cândido, vale
pautam a elaboração da Form ação lembrar que ele chegou à crítica lite-
da literatura brasileira – autores que rária e ao ensino de literatura depois
se situam antes ou depois do período de um curso de Sociologia, disciplina
definido em (2)– m eados do século que ensinou na Universidade de São
XVIIIatéa segunda m etade do século Paulo entre 1942 e 1958, e que aliou e
XIX - independentemente da qualidade continua aliando a essa formação so-
textual de suas obras, não podem cons- ciológica, sólida e duradoura militância
tar da discussão que o livro de Antonio política de inspiração socialista.11 Não
Cândido provoca em 1959. se estranha, portanto, que essa noção
Explica-se por aí a exclusão de de sistema literário – sobre a qual An-

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tonio Cândido sustenta toda sua obra dade sua dimensão social.
crítica – venha a ter implicações ao É nesse clima e nesse contexto que
mesmo tempo teóricas e políticas. se pode fazer uma proveitosa retomada
Talvez apenas hoje se possam ava- da noção de sistem a literárioformula-
liar essas implicações, já que são da por Antonio Cândido, buscando sua
contemporâneas nossas certas for- presença e suas implicações em outras
mulações que trazem para os estudos passagens de sua obra, como em seu
literários elementos que constituem o ensaio “O escritor e o público”,13 pu-
que Antonio Cândido, em 1959, intuiu blicado pela primeira vez em 1955 em
como sistema literário. A literatura noBrasil, organizada por
As últimas décadas do século XX Afrânio Coutinho. A data deste ensaio
assistem ao que se poderia chamar sugere produção talvez simultânea
de reformulação radical dos estudos à escrita da Form ação nele Antonio
literários, enriquecidos com perspecti- Candido discute como:
vas que, de uma maneira ou de outra [...]o escritor numa determinada socie-
trazem, para os domínios dos estudos dade, é não apenas o indivíduo capaz
literários, preocupações com as práti- de exprimir a sua originalidade (que o
cas sociais e individuais de leitura. delimita e especifica entre todos), mas
Com Jauss, nos anos sessenta, os alguém desempenhando um “papel so-
leitores ganham ingresso na teoria cial”, ocupando uma posição relativa ao
da literatura, com Terry Eagleton as seu grupo profissional e correspondendo
práticas escolares da leitura literária a certas expectativas dos grupos leito-
se articulam às discussões do cânon, res ou auditores. A matéria e a forma
da sua obra dependerão em parte da
com Stanley Fish 12 discute-se o papel
tensão entre as veleidades profundas
das com unidades interpretativas na e a consonância ao meio, descobrindo
proclamação do que é e do que não é um diálogo mais ou menos vivo entre
literatura e com Darnton e com Char- criador e público14 (p. 219).
tier a história da leitura começa a
ganhar perfil matizado, incluindo-se A literatura é, pois, um sistema vivo
nos estudos literários, de forma muito de obras, agindo umas sobre as outras
sugestiva, noções de protocolos e de e sobre os leitores; e só vive na medida
m odos de leitura, ou seja:a partir des- em que estes a vivem, decifrando-a,
aceitando-a, deformando-a. A obra não
sas contribuições e a partir da trans e
é um produto fixo, unívoco ante qual-
inter disciplinariedade que marcam a
quer público; nem este épassivo, homo-
epistemologia dita “pós-moderna”, já gêneo, registrando uniformemente seu
não se pode expulsar para um âmbito efeito. São dois termos interatuantes a
exterior aos estudos literários áreas de que se junta o autor, termo inicial deste
conhecimento – como, a sociologia da processo de circulação literária, para
literatura, ou teorias da leitura – que configurar a realidade da literatura,
podem enriquecer reflexões sobre os atuando no tempo15 (p. 220).
componentes que conferem à literarie- A transcrição acima articula, de

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forma bastante sugestiva, a existên- mo com o concurso de outros artistas
cia de uma prática social chamada de – músicos e bailadeiras quando fosse
“literatura”à existência consciente e o caso. A cantiga medieval portugue-
socialmente reconhecida de autores sa “Ai flores, ai flores do verde pino,”
e de leitores, tornando-se a obra um por exemplo, se prescindia do suporte
dos veículos do diálogo entre o escri- material do livro para sua circulação
tor e seu público. Esse diálogo, no (e prescindiu até a organização dos
entanto, só é possível no interior de cancioneiros), não prescindia de uma
um sistema, que, por sua vez, é his- perform ance, num sistema literário tão
tórico e flúido e torna-se mais e mais eficiente como o nosso, mas que, aos
complexo à medida que a produção do nossos pós-modernos olhos, parece de
suporte tradicional da literatura – o extrema simplicidade, sobretudo quan-
livro – vai se tornando objeto de pac- do comparado àsofisticação da indústria
tos sociais cada vez mais complexos, gráfica contemporânea, dos sistemas de
por envolverem cada vez um maior distribuição de livros e dos mecanismos
número de profissionais, dos quais se de consagração de escritores.
demandam competências distintas, À medida que passa o tempo, parece
para não mencionar as alterações que que as mediações entre o artista e o
imprime ao sistema o surgimento de público, bem como as mediações entre o
outros suportes como revistas e, mais artista e a obra, tornam-se mais e mais
recentemente, e-books. numerosas e não poucas vezes invisibi-
Dessa perspectiva, é talvez apenas lizadas. Elas se alteram, por exemplo,
por inércia – e uma inércia que rende na passagem da literatura oral para a
altos dividendos epistemológicos e escrita e, depois, na passagem dos tex-
ideológicos – que chamamos igual- tos escritos para os impressos, e, mais
mente de literatura o que produzem recentemente, na passagem dos textos
Jorge Amado, Clarice Lispector, José impressos para os eletrônicos.
Saramago e Raquel de Queirós e o que Nessa perspectiva, a retomada e o
produziam, a seu tempo, Homero, os aprofundamento da noção de sistem a
poetas homéricos, Virgílio e os trovado- literário podem constituir um passo
res medievais, para não comparar esse importante para tornar os estudos
time antiquíssimo com seus pares mais literários mais rigorosos, particular-
contemporâneos, como Stephen King, mente os estudos literários em países
João Ubaldo Ribeiro e Mário Prata latino-americanos, onde o surgimento
quando publicam suas obras na web . e adensamento dos sistemas culturais
No panorama da poesia medieval da escritura –entre os quais o sistema
portuguesa, por exemplo, a relação en- literário – são mais visíveis do que em
tre autor, obra e público ocorria quase outras partes do planeta. Aqui, seu
sem intermediários, fazendo o artista a nascimento foi ex-abrupto e sua exis-
apresentação de suas obras diretamente tência é instável, ao contrário do que
em presença de seu público, no máxi- parece ocorrer, por exemplo, na velha

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e paradigmática Europa. tos constituintes do sistema literário.
No contexto europeu, o caráter Muitos desses ensaios nos quais a
processual e as diferentes etapas de noção de sistem a literáriovai adquirin-
constituição do sistema literário têm do concretude e historicidade incluem-
pouca nitidez :sua completa integração se na antologia de Antonio Cândido
aos demais aparelhos culturais – com recém organizada por Jorge Ruedas
os quais mantém relações de comple- de La Serna e Antonio Arnoni Prado e
mentaridade – parece gerar um efeito lançada no México pela Siglo XXI.17 Um
de naturalizaçãode tal processo. Já na aspecto extremamente inovador e posi-
cultura latino-americana, e particular- tivo desta coleção mexicana éque a se-
mente no Brasil, o processo de cons- qüência cronológica na qual os ensaios
tituição do sistema é visibilíssimo em de Antonio Cândido se apresentam
virtude da peculiaridade de nossa colo- permite ao leitor perceber a presença
nização:aqui, parece ocorrer o inverso crescente e cada vez mais encorpada de
da invisibilização em função, primeiro instituições e protocolos literários, que,
da ausência e, depois, do surgimento ao lado de discursos sobre a literatura,
dificultoso e sempre inconcluso das parecem representar, no pensamento
condições de infra-estrutura essenciais do crítico, a materialização de alguns
àformação de um sistema literário16 tal constituintes do sistema literário.
como Antonio Cândido parece concebê- Nesse sentido, émuito sugestivo que
lo, tudo aqui éfrontal e explícito. o fecho da coleção seja um dos últimos
É, assim, para esse tão necessário ensaios de Antonio Cândido, original-
conhecimento mais preciso da nature- mente intitulado “Os ultramarinos”e
za e das manifestações históricas dos que trata da “Arcádia ultramarina”.18
sistemas literários que questões de lei- Esta Arcádia –filial na América Portu-
tura podem contribuir ao identificarem guesa da Arcádia Romana – éum bom
certos traços constituintes dele. exemplo da diversidade dos componen-
O interesse por alguns desses tra- tes de um sistema literário.
ços manifesta-se, inclusive em outros No ensaio em que se ocupa da Ar-
ensaios de Antonio Cândido, escritos cádia Ultramarina, Antonio Cándido
simultânea ou posteriormente à For- começa por elencar alguns dos diversos
m ação.Em Literatura e cultura de componentes de um sistema literário,
1900 a 1914, publicado em 1953 na destacando entre eles a sociabilidade
Alemanha (e em 1965 no Brasil, na que se instaura entre os escritores e
obra Literatura e sociedade), o crítico os intelectuais em geral. Essa sociabi-
menciona a alfabetização, as diferentes lidade, para o crítico, constitui a base
formas de articulação entre o escritor e da vida literária e configura-se como
seus leitores ou, ainda, os vários supor- uma espécie de rede de relacionamen-
tes da escritura (responsáveis por uma tos interpessoais, relacionamentos nos
constante redefinição das relações do quais há espaço para influência, para
escritor com os públicos)como elemen- a polêmica, para o partilhamento de

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posições estéticas e aos quais não fal- avançar em reflexões sobre as três
tam, inclusive, rituais de iniciação e de instâncias básicas de um sistema
incorporação cultural. literário enunciadas por Antonio Cân-
Este documento – de cuja curiosa dido:- autores, obras e públicos. Essas
história se ocupa o texto do Dr. José só adquirem eficácia epistemológica
Mindlin – identificado apenas na últi- quando apreendidas na particulari-
ma década do século XX e pela primeira dade concreta das situações históricas
vez aqui publicado, confirma a hipótese que as configuram desta ou daquela
que Antonio Cândido levanta e defende maneira. E uma ou outra maneira de
em 1959. Essa hipótese – na realida- sua configuração apóiam-se nas práti-
de a tese da Form ação da literatura cas de leitura vigentes em diferentes
brasileira – sustenta que na segunda momentos e em diferentes segmentos
metade do século XVIIIa colônia portu- da comunidade. Daí a constante muta-
guesa na América já dispunha do apa- ção dos elementos e da configuração dos
rato cultural mínimo necessário para sistemas literários.
a configuração de um sistema literário Talvez se possa, mesmo, dizer que
nos moldes da Europa de então. apenas hoje é possível discernir com
O documento comprova a hipótese da mais clareza o perfil instável dos siste-
existência desta Colônia ultram arina e, mas literários, precisamentre porque
ao fazê-lo, fortalece com a materialida- suas formas mais tradicionais e orto-
de das instituições corporativas a tese doxas – ou seja, as formas que os ditos
da existência de um sistema literário sistemas foram assumindo na tradição
na Vila Rica onde surgiram os poetas de recorte europeu desde a invenção
neoclássicos:trata-se do diploma de da imprensa por Guttenberg – passam
aceitação na Arcádia de Joaquim Inácio hoje por riscos sérios de esgotamente
de Seixas Brandão, sob o pseudônimo histórico:talvez a presença insistente
arcádico de Driasio Erimanteo. Como, do mundo dos livros e particularmente
salvo engano, esse poeta não émencio- do mundo dos livros literários na cine-
nado em nenhuma das histórias lite- matografia hollywoodiana represente
rárias que se ocuparam do arcadismo um réquien visual, simultaneísta e em
brasileiro, não deixa de ser irônico que technicolor de um mídia verbal, linear e
seja sua aceitação na Arcádia um argu- em branco e preto cujo sistema pelo qual
mento forte na discussão da presença circula somente agora recebe estudos
de um sistema literário na Vila Rica do mais específicos.
século XVIIIbrasileiro. Mas, além de Tais estudos serão tanto mais pro-
irônico, o fato aponta ainda para uma dutivos quanto mais se detiverem nas
eventual irrelevância, no bojo de um diferentes formas de interação entre
pensamento crítico comprometido com autores, obras e públicos no bojo de
a dimensão sistêm ica da literatura, de diferentes tradições. Discernir e iden-
questões de qualidade estética. tificar tais interações e mediações pode
A partir deste texto já se pode ser tarefa interessante para quem

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quiser dar prosseguimento à perspec- capítulo da Form ação da literatura
tiva crítica de Antonio Cândido. Numa brasileira. Sob o título “A consciência
primeira mirada, essas mediações e in- literária”fecham o livro os ensaios nos
terações articulam-se de diferentes for- quais Antonio Cândido discute, como
mas às condições de leitura – públicas indicam seus títulos,
e privadas – disponíveis na sociedade, • Raízes da crítica romântica ;
e incluem a existência de um sistema • Teoria da literatura brasileira;
que assegure : • Crítica retórica;
a)capacidade de leitura da comuni- • Formação do cânon brasileiro;
dade ; • A crítica viva.
b)disponibilidade de tecnologia Sob esses títulos encontram-se estu-
adequada para produção e mul- dos da formação do discurso histórico-
tiplicação de livros; crítico sem o qual não há literatura.
c) inserção do livro na economia de É esse discurso histórico-crítico que
mercado, de forma que ele tenha proclama certos textos como “literá-
um valor econôm ico em função rios”e outros como “não literários”; que
do qual se estabelecem as remu- valoriza e sanciona alguns destes tex-
nerações dos vários profissionais tos literários como “excelentes”, outros
envolvidos na sua produção e como “menos excelentes”e ainda ou-
distribuição ; tros como francamente “muito ruins”.
d)existência de instituições por É esse discurso histórico-crítico que
meio das quais os livros circulem estabelece o pacto da literatura que
na sociedade ; qualifica as obras a partir dos critérios
e) presença do livro e de seus entor- estabelecidos por tais discursos.
nos no imaginário coletivo, com É a partir do cumprimento dessa
sinal positivo; tarefa de construção da formação discur-
f) existência de práticas discursivas siva da literatura – da qual se ocupam
que estabeleçam; com o entusiasmo dos pioneiros os mem-
• a literariedade de alguns textos bros do Instituto Histórico e Geográfico
(teoria e história literárias, ensi- Brasileiro – que o sistema literário
no de literatura); brasileiro ganha seu atestado de matu-
• a correção e a superioridade de ridade, já que se torna autocentrado e
algumas leituras em detrimento auto-reprodutor. Nas palavras do crítico,
de outras (crítica literária, ensino o livro se encerra apontando
de literatura); [...]o esforço decisivo no setor do conhe-
Este último item que bem se poderia cimento de nossa literatura, promo-
chamar de “formação discursiva da vendo a identificação e avaliação dos
literatura”, talvez seja o constituinte autores do passado, publicando as suas
mais abstrato e inconsútil de um sis- obras, traçando as suas biografias, até
tema literário. E talvez por ser o mais criar o conjunto orgânico do que hoje
abstrato, é dele que se ocupa o último entendemos por literatura brasileira
- um cânon cujos elementos reuniu para

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que Sílvio Romero o definisse. Devemos, e a interpretar certos livros de certas
pois, entender por crítica, no período maneiras de não de outras.
estudado, em primeiro lugar as defini- Posto isso, pode-se retomar a idéia
ções e interpretações grais da literatura de que a pesquisa das formas de exis-
brasileira ; em seguida, os esforços para tência, em diferentes momentos, de
criar uma história literária, superando cada um dos constituintes do sistema
a crítica estática e superficial do passa-
literário da literatura brasileira pode
do; finalmente, as manifestações vivas
ser uma primeira tarefa de uma agenda
da opinião a propósito da arte literária e
de seus produtos atuais (II, p. 322). para estudos literários brasileiros que
queira inscrever-se na linha teórica que
Como componente mais abstrata e Antonio Cândido funda em 1959.
inconsútil do sistema literário, o discurso Talvez o estudo comparativo da for-
historico-crítico talvez seja a instância mação e desenvolvimento dos sistemas
pela qual se apaga ou se atenua muito a literários da América Latina seja outro
materialidade de qualquer sistema lite- passo desta mesma agenda, comprome-
rário. E se a história e a crítica literárias tida com uma leitura das literaturas
são os componentes mais abstratos desse latino-americanas e com uma teoria
sistema, o mais concreto é o sistema da literatura que responda de forma
escolar, base sem a qual não ocorrem al- adequada àquestão que coloca o poema
fabetização e letramento da comunidade de um poeta contemporâneo nosso e
a ser transformada em público. com o qual se fecha este texto :
É na escola que começa a desen-
volver-se a competência inicial de Rompendo uma após outra,
leitura, que aqui pode ser entendida Camadas sucessivas
como o princípio da familiaridade com De engano sobre engodo
os códigos da escrita. Seguem-se a Em círculos concêntricos
essa leitura-decifração do b+a=ba a Atinge-se –através
iniciação e a infinita aprendizagem Da crítica ortodoxa ao
de modos de leitura mais sofisticados, Discurso sobre o método
como a leitura específica da literarie- Sincrônico, aliada à
dade. Essa educação literária fica a dialética, ou seja, um
cargo das séries escolares posteriores corte epistemológico
à alfabetização, e coroa-se no curso fatal - o assim chamado
universitário de letras, no qual o estu- Brasil que, todavia
equívoco verídico,
dante aprende a valorizar certos livros
resiste sempre àanálise,
e a desvalorizar outros, a valorizar
driblando assim, a nossa
certos gêneros e desvalorizar outros raquítica hermenêutica 19

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Desenredo - Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo - jan./jun. 2005
Abstract COSTA, Horácio (Org.). Avaliação de um a
geração. São Paulo:Fundação Memorial da
América Latina, 1993.
This essay discusses the consequences COUTINHO, Afrânio (Dir.);COUTINHO. Edu-
of the fadingnotion of readingin the dis- ardo (Co-dir)A literatura no Brasil. 3. ed. rev.
cussions on literature. From the notion e atua. . Rio de Janeiro:JoséOlympio; Niterói:
of literary system established by Antonio Universidade Federal Fluminense. 1986.
Cândido em A formação da literatura D’INCAO, Maria Angela ; SCARABOTOLO,
brasileira (1959), it presents ways of in- Eloísa Faria (Org.). Dentrodotexto, dentroda
cluding the concept reading practices in vida:ensaios sobre Antonio Cândido. SP:Cia
das Letras. Instituto Moreira Salles, 1992
socio-historical literary theories.
ESBOÇO de figura (homenagem a Antonio
Key-words:Reading; literary system Cândido)
HALLEW ELL, L. Books in Brazil:a history
of the publishing trade. London:The scare-
Bibliografia crow Press. Inc. 1982
LAJOLO, M. No jardim das letras, o pomo
da discórdia. BOLETIM 3/4ALBS.RGS. p.10-
AGUIAR, Flávio (0rg.). Antonio Cândido: 27.1988. Disponível em http://www.unicam p.
pensamento e militância. SP:Edição Funda- br/iel/m em ória
ção Perseu Abramo/Humanitas – FFLCH-
USP. 1999 LAJOLO, M; ZILBERMAN, R. A leitura
rarefeita. SP:Atica, 2002.
ANTONIO CANDIDO. Iniciaçãoà literatura
brasileira SP:Humanitas, 3ª ed. 1999. 1a. ______. A form açãoda leitura noBrasil. SP:
ed. 1997. Ática, 2000.
________. Estruendo y liberación. Ensayos ______. O preço da lectura. SP:Ática, 2001.
críticos. Organización, edición, presentación
y notas de Jorge Ruedas de la serna y Anto-
nio Arnoni Prado. Mexico:Siglo XXI. 2000 N otes
________. Form ação da literatura brasileira
(momentos decisivos)2. ed. São Paulo:Li- *
Versão anterior deste texto foi apresentada no Sem i-
vraria Martins Editora. v. 1. nário Internacional sobre H istória e literatura :
hom enaje a Antonio Cândido. Centro Coordenador y
________. Vários escritos. 3. ed. cor. e aum.. Difusor de Estúdios Latinoamericanos . Universidad
São Paulo:Duas Cidades. 1995 (215-231) Nacional Autonoma de México. 21.05.2001, sendo,
nesta versão em espanhol., publicado na Revista de
________. Literatura e sociedade São Paulo: Crítica Literária Latinoamericana .Año XXVII, No. 54.
Lima- Hanover, 2ndo sem 2001. p. 07-19
Cia Editora Nacional. 1975. **
BUENO, Raul. Planteamientos de (y sobre)l
CAMPOS, Haroldo de. O seqüestrodoBarroco actual crítica literaria latinoamericana in: Escribir
en Hispanoam erica. Ensayos sobre teoría y crítica
na form ação da literatura brasileira:o caso literaria . Lima/Pittsburgh:Latinoamericana Editores.
Gregório de Mattos. Salvador:FCJA, 1989 1991. p 23

CASTELLO, José Aderaldo A literatura 1


brasileira (Manifestações literárias da era
colonial 1500 - 1808- 1836)São Paulo:Cul- 1930 A rtur Mota:H istória da literatura brasileira
trix. 1965.

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Criação da Faculdade de Filoso!a, Ciências e Letras que dos anos de 1940 por Álvaro Lins para a Editora José
1934
viabiliza a criação da U SP Olympio. O conjunto deveria ter 15 volumes, segundo
1936 Lúcia Miguel Pereira:Biografia de Machado de A ssis um plano excelente que previa obras sobre sociedade
N élson W erneck Sodré:H istória da literatura brasileira (seus e a cultura (Gilberto Freyre), o pensamento (Barreto
1938 Filho), a língua literária (Abgar Renault), as influên-
fundam entos econôm icos)RJ Civilização brasileira
2a.ed.N élson W erneck Sodré:H istória da literatura brasileira cias estrangeiras (Paulo Rónai), os vínculos portugue-
1940 ses (Fidelino de Figueiredo), a literatura oral (Luís da
(seus fundam entos econôm icos)RJ Civilização brasileira
Separação,na U sp,da cadeira Literatura luso brasileira em Câmara Cascudo). A estes seguiam as unidades por
1942 assim dizer específicas sobre os períodos e gêneros, a
Literatura brasileira e Literatura portuguesa
Lúcia Miguel Pereira:H istória da literatura brasileira.Prosa de cargo de Sérgio Buarque de Holanda, Roberto Alvim
1950 Correia, Lúcia Miguel Pereira, Astrogildo Pereira,
ficção.1870-1920 RJ :José O lym pio MEC
1957 Início da série Nossos Clássicos (Editora A gir) Otávio Tarquínio de Sousa, Aurélio Buarque de Hol-
anda, Alceu Amoroso Lima e o próprio organizador,
A frânio Coutinho:A literatura no Brasil.RJ.Livraria São José
O tto Maria Carpeaux :1o.vol.H istória da literatura ocidental Álvaro Lins. No final das contas, só foram publicados
1959 o 6o. volume, Literatura oral, de Luís da Câmara Cas-
A ntonio Cândido,ainda professor da Sociologia,pede a criação
da área Teoria G eral da Literatura cudo, em 1952, precedido em 1950 pelo 12o., Prosa de
José A deraldo Castelo :A literatura brasileira (m anifestações ficção (de 1870 a 1920), de Lúcia Miguel Pereira. Um
literárias da era colonial) memorando da Editora José Olympio mostra que, de
1960
2a.ed.N élson W erneck Sodré:H istória da literatura brasileira janeiro de 1943 a junho de 1945, Sérgio recebeu adi-
(seus fundam entos econôm icos)RJ Civilização brasileira antamentos por conta do seu volume (a última data
1961
A ntonio Soares A m ora,Sigism undo Spina,Massaud Moises : aparece como 1955, lapso evidente)p. 09
Presença na literatura portuguesa 3
Realtivamente ao ensino de literatura nos cursos de
A disciplina Lingüística passa a integrar o currículo m ínim o
1962
das Faculdades de Letras
Letras cf Lajolo, M No jardim das letras, o pom o da
discórdia. Boletim 3/4 ALBS.RGS. p.10-27.1988. Dis-
ponível em http://www.unicamp.br/iel/memória
1963 A ntonio Soares A m ora:A literatura brasileira:o rom antism o
ou 7 (Ed.Cultrix)
4
Início da série Cadernos do Povo Brasileiro (Editora Antonio Cândido. Formação da literatura brasileira
Civilização Brasileira) (momentos decisivos)São Paulo:Livraria Martins Edi-
1964
A ntonio Cândido e José A deraldo Castelo :Presença da tora. 1o. vol. 2a. ed. revista. Nas citações, os algarismos
literatura brasileira romanos indicam o volum e os arábicos a página da
1965 Massaud Moises :A criação literária qual foram extraídos os textos transcritos.
Massaud Moisés :A literatura Brasileira:o sim bolism o (Ed. 5
1966 Zilberman, Rgina Abrindo Memórias póstumas apud
Cultrix)
Subjetividade e escrita. Robson Pereira Gonçalves
1967 Vítor Manuel de A guiar e Silva:Teoria da literatura (org)Bauru,SP/Santa Maria EDUSC/Editora UFSM
1968 Início da série Debates (Editora Perspectiva) 2000 p. 13-31
A lfredo Bosi :H istória concisa da literatura brasileira.SP. 6
Pode ser promissora um a comparação entre esta teoria
Cultrix
1970
Início da série Bom livro (Editora Á tica)
de “sistema literário “formulada por Antonio Cândido
1 .Bienal do Livro de São Paulo
a no final dos anos cinqüenta do século passado e a
noção de “campo literário “formulada por Bourdieu
em 1992, formalizada em Les règles de l’ art:Genèse
A lfredo Bosi :A literatura brasileira :o pré-m odernism o.SP:
1973 Editora Cultrix
et structure du champ litteraire
7
Projeto Encontro Marcado Campos, Haroldo de. O seqüestro do Barroco na forma-
Criação da Associação Paulista de Professores de Língua e ção da literatura brasileira:o caso Gregório de Mattos.
1976
Literatura Salvador:FCJA, 1989
José G uilherm e Merquior:D e A nchieta a Euclides (Livr.José 8
Antonio Candido. - Iniciação àliteratura brasileira SP:
1977 O lym pio.Col.D ocum entos Brasileiros)
Fundação do jornal Leia livros (Editora Brasiliense)
Humanitas, 3ª ed. 1999. 1a. ed. 1997.
9
1978 Início da série Os pensadores (Editora A bril) Dados da demografia da época, ainda que precários,
1980 Início da série Primeiros passos (Editora Brasiliense)
indicam, efetivamente, uma célere urbanização da
região, o que faz supor o igualmente célere desen-
1981 Criação da A ssociação de Leitura do Brasil
volvimento dos aparatos culturais urbanos, ainda que
1985 Início da série Fundamentos e princípios (Editora Á tica) com as restrições que a política colonial portuguesa
1986
Criação da Assoiciação Naional de Pesquisa em Letras e impunha, em suas colônias, às coisas da cultura.
Lingüística Cifras citadas por Hallewell são sugestivas:os 5 mil
1988 Criação da Abralic habitantes de Vila Rica em 1710(contra os mais de 20
mil habitantes de Salvador, os 12 mil de Recife e os seis
mil do Rio de Janeiro)pulam em 1720para quinze mil
2 (contra os 25 mil de Salvador, 15 mil de Recife e dez
Na introdução àobra Capítulos de literatura colonial de mil do Rio de Janeiro), dobrando para 30mil em 1730,
Sérgio Buarque de Holanda, Antonio cândido levanta quando se iguala a Salvador, supera Recife (20 mil
a hipótese de que a obra póstuma do historiador teria habitantes)e o Rio de Janeiro (15 mil habitantes). Em
sido composta para vir a ser o sétimo volume de uma 1740, a população de Vila Rica é superior à de todas
“história da literatura brasileira planejada no começo as outras cidades brasileiras tem 50 mil habitantes,

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enquanto Salvador conta com 35 mil, Recife com 25 mil 13
Este texto foi inicialmente publicado como capítulo da
e o Rio de Janeiro com 20 mil habitantes. A partir de obra coletiva dirigida por Afrânio Coutinho A litera-
1750, no entanto, a tendência inverte-se, embora Vila tura no Brasil [Coutinho, Afrânio (dir)e Coutinho.
Rica mantenha a hegemonia:tem 45 mil habitantes, Eduardo (co-dir)A literatura no Brasil. Rio de Janeiro:
o que continua superando os quase 38 mil habitantes JoséOlympio Editora; Niterói:Universidade Federal
de Salvador, os 30 mil de Recife e os 25 mil do Rio de Fluminense. 3a. ed. revista e atualizada. 1986 [p. 219-
Janeiro. A partir de 1760 o decréscimo populacional 230]]e republicado com o mesmo título em Literatura
da região do outro se acentua, igualando –se ainda e Sociedade (Antonio Cândido:Literatura e Sociedade
neste ano, no entanto, a população de Vila Rica à de São Paulo:Cia Editora Nacional. 1975 (p. 73-107)
Salvador na cifra dos 40 mil habitantes, contra os 32 14
mil de Recife e os trinta mil do Rio de Janeiro. Coutinho, Afrânio (dir)e Coutinho. Eduardo (co-dir)
10 A literatura no Brasil. Rio de Janeiro:José Olympio
Esta obra constitui o primeiro volume de uma série Editora; Niterói:Universidade Federal Fluminense.
intitulada “A literatura brasileira”, por sua vez parte 3a. ed. revista e atualizada. 1986
do “Roteiro das grandes literaturas”planejada pela 15
editora Cultrix e hoje re-editada em parceria com a id. Ib
16
Edusp. Na orelha da segunda edição do livro de J. A. Relativamente àpouca consistência de práticas de lei-
Castelo, a informação relativa ao interesse com que o tura no Brasil bem como à infra-estrutura articulada
público universitário recebeu este livro, hoje adotado a tais prátiças, conferir Lajolo, Marisa e Zilberman,
em faculdades de Letras de vários estados braisleiros Regina:A leitura rarefeita. SP:Editora Atica. 2002 ; O
confirma a importância da universidade como desti- preço da lectura. SP:Editora Ática. 2001 ; A formação
nação prioritária da vasta produção historiográfica da leitura no Brasil. SP:Editora Ática. 2000.
relativa à literatura brasileira posterior aos anos 50 e 17
Antonio Candido. Estruendo y liberación. Ensayos
só mais recentemente substituídas por produção com críticos. Organización, edición, presentación y notas
outros nortes epistemológicos que não historiográficos de Jorge Ruedas de la Serna y Antonio Arnoni Prado.
(texto meu). Mexico:Siglo XXI. 2000
11 18
Na apresentação de Raízes do Brasil, de Sérgio Este ensaio foi originalmente publicado em 1993 (IX
Buarque de H olanda, Antonio Cândido refere-se “ Anuário do Museu da Inconfidência, Ouro preto 1993.
àqueles que, como eu, adotavam posições de esquerda, p. 130-137)e depois inluído na 3ª. Edição do livro
comunistas e socialistas, coerentemente militantes ou Vários escritos (Antonio Candido:Vários escritos. 3ª.
participando apenas por suas idéias (129) ed. corrigida e aumentada. São Paulo:Duas Cidades.
12 1995 (215-231)
Fish, Stanley :Is there a text in this class?The author-
ity of interpretive communities. 1980 19
Ascher, Nelson. “O nacional popular”apud Avalia-
ção de uma geração. Org. Horácio Costa. São Paulo:
Fundação Memorial da América Latina, 1993 p. 199

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