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A BELEZA CONVIDA AO SILÊNCIO

“No Paraíso não existe nem ética e nem política; somente estética” (N. Berdjaev)

O ser humano, imerso na civilização do ruído, esquece sua identidade essencial


de ser contemplativo e se submerge na voracidade do domínio, da manipulação e
do consumismo.
Para onde vai esta humanidade com tão pequena capacidade de se calar diante
da beleza, e ao mesmo tempo com tão grandes desejos de converter essa beleza
em mercadoria?
Só quem vence seu afã de possuir, ter e saber pode iniciar caminhos de silêncio,
de contemplação e adoração.
Necessitamos, com urgência, educar-nos para o silêncio a partir da beleza.
Toda beleza convida ao silêncio e o silêncio é criador de beleza e comunhão.
Quem não se deixa seduzir pela sublimidade de um pôr-do-sol? Quem não se encanta com o esplendor
de uma obra de arte?
Diante de uma sinfonia a gente se cala; só assim a melodia pode nos envolver e embelezar a
alma. Cala a mãe para contemplar a ternura de seu filhinho. Cala o místico, porque só tem
tempo para admirar. Cala a noite, para recolher num odre toda a vida nascida durante o dia.
Deus também se cala, embriagado com a beleza de suas obras ...
Os olhos de quem cala se abrem, seu ouvido se afina e seu coração se dilata. Daqui brota o
encantamento e a admiração diante do rastro de beleza que o envolve.
O silêncio permite uma profunda comunhão com o “mistério”. Só as águas tranqüilas e
transpa-rentes são capazes de refletir em seu coração a paisagem; só quando a pessoa se
deixa olhar pela beleza é que seu rosto se embeleza de luz.
Por isso se diz que a beleza transformará o mundo; e ao vê-lo todo formoso a pessoa se
transfor-mará em revolucionária. “Ditosos os que fazem a revolução semeando a beleza e
espalhando pelo mundo lampejos da divindade!”

Às vezes é difícil calar, porque os ritos, palavras, gestos e imagens que nos
rodeiam não estão semeados de beleza e, portanto, não convidam ao silêncio.
A beleza não consiste em adornar artificialmente as coisas, mas em descobrir
nelas a dimensão da eterni-dade. Escondido no mais profundo da realidade
existe um pulsar de beleza; basta que o coração o vislumbre por um instante,
para que o silêncio o inunde.
A beleza não obriga ao silêncio; limita-se a convidar a ele.
Para uma pessoa recolhida e pacificada, a beleza torna-se eloqüente. Ela começa a falar.
Um artista pode escutar o que a pedra lhe fala, quando ela ainda não é estátua. Outras pessoas, atentas e
silenciosas, poderão depois ouvir o que a estátua vai lhes falar, vai lhes contar dos segredos do mundo.
Assim, criando ou contemplando a arte, a existência é tocada por ela.
A obra de arte tem poder para comunicar. Frente a uma obra de arte, um horizonte de sentido se abre
diante de nós. A obra de arte manterá aberta a questão do “sentido” para novos espectadores. Ela os
convida a sair de “seu próprio amor querer e interesse” cada vez que os surpreende.

Há uma lenda sobre Michelangelo que nos aproxima da compreensão do


“mistério” revelado pela obra de arte. Ele deixou uma grande quantidade de
esculturas sem terminar. Conta-se que, quando lhe pergunta- vam por que
parava certos trabalhos, Michelangelo respondia que não podia continuar a
esculpir a pedra depois que ela começava a falar com ele. A partir desse
momento, ele não podia mais mexer ali; a estátua estava pronta, não importava
em que ponto estivesse.
Diz-se que sua experiência mais frustrante ocorreu quando ele esculpia Moisés, uma estátua belíssima,
com toda a perfeição das formas do Renascimento. Ao dar os últimos retoques, a estátua ainda não
falava com ele. Segundo a lenda, Michelangelo passou a mão no martelo, possivelmente disposto a
destruir essa obra-prima, e gritou: “Por que você não fala?”
Naquele momento, para ele, aquele bloco de pedra não era nada. Uma escultura muda é tão-somente um
bloco de pedra. A marca do golpe de martelo está lá, no joelho de Moisés, para quem quiser ver.
O artista escuta a tela em branco, o bloco de mármore, a pauta sem as notas
musicais...; ele procura ouvir uma espécie de sussurro, algo muito frágil que sua
sensibilidade permite captar. Quando começa a compre-
ender isto que, de dentro das coisas, fala por si, ele se dispõe a tornar mais
explícita a fala da coisa.
O que está envolvo em mistério, a estátua que está encoberta no bloco de pedra
ainda não trabalhado, pode falar ao ouvido do artista. Mas, provavelmente, não
fala ainda para outras pessoas.
O artista coloca-se a serviço da fala da pedra para que ela possa vir a falar para
um espectador, para que essa fala se torne mais patente.
No momento em que o artista ouviu algo desse mistério e preocupou-se em torná-lo alcançável para o
espectador comum, começa o trabalho de configuração efetiva da obra de arte.
Nesse instante, a pedra, a tela em branco, as formas do espaço, as cores, os sons do mundo e tantas
coisas mais começam a fluir e a contar o que tem para contar. Enquanto ele pinta, esculpe, escreve,
compõe, age, enfim, aquela fala se torna maior e mais vigorosa.
A partir de um ponto, o autor acredita que se esgotou o que ele poderia fazer para explicitar a fala
escondida da coisa. Ele não consegue ir além. A obra de arte está concluída.
A conclusão, entretanto, só será plena no momento em que um espectador, ao fazer silêncio, começa a
escutar algo que vem das entranhas da obra de arte.

Quando diante de uma escultura, uma tela, uma música, o espectador escuta
aquela fala, mesmo sem saber explicitar o que foi dito, ele se sente tocado,
mobilizado, e passa a ter uma relação de respeito para com aquela obra. Não é
a fala do artista, mas a “fala” daquilo que o artista possibilitou que fosse
compartilhado.
Diante da obra não se trata de tentar descobrir o que o artista quis dizer.
Talvez tenhamos de permanecer na pergunta: “o que a obra quis dizer por intermédio do
artista que, a serviço dela, fez esse dizer chegar até mim, que não sou artista?”

No momento em que a obra me toca e me diz algo, acontece um fenômeno que


poderíamos chamar de “encontro”. É como se eu, o artista e a obra
estivéssemos reunidos.
Há aí uma sensação de harmonia, de compartilhar com o outro algo que é, de
certa forma, misterioso, mas que, pelo trabalho do artista, emergiu e tornou-se
presente para mim, o espectador.
Diante da obra de arte, o clima de presença e intimidade parece-nos fazer recordar algo.
A palavra grega “aletheia” nos ajuda a compreender tal momento, pois ela, além de significar “ver-
dade”, pode significar também “recordar” (prefixo “a”, negativo e “lethe”, esquecimento).
Nesse caso, o recordado diz respeito a uma sensação de que, ao mostrar-se, a obra estava presente havia
muito tempo. Tudo se passa como se o artista, eu e a obra nos encontrássemos de novo.
É um momento de encantamento, em que nossa existência, sintonizada com a beleza escondida, acolhe
a mensagem que chega através da fala silenciosa, oculta e misteriosa das coisas do mundo.
Ao ouvirmos a fala da pedra, da tela, do poema, do som... que pelas mãos de um artista chega a nos
dizer algo, reencontramo-nos com o artista, com as outras pessoas, com as pedras do mundo, com as
telas do mundo, com os sons do mundo, com as coisas do mundo....
“A arte é uma mentira que nos faz perceber a verdade” (Pablo Picasso)

Na oração: O cristão se cala diante da beleza, mas, às vezes, guiado pelo Espírito que é o Silêncio, não
aguen-
ta e grita, louva, agradece...

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