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Resumo
Este ensaio pretende realizar uma reflexão sobre a noção de habitus em Pierre Bourdieu. A
partir da análise de sua matriz filosófica, vamos percorrer a obra de Bourdieu e analisar a
evolução do conceito. Neste percurso, serão identificadas as principais críticas ao projeto
teórico de Bourdieu em geral, e à noção do habitus em particular. O objetivo é identificar
possibilidades para pesquisas futuras que possam responder ou superar as críticas quanto ao
excessivo determinismo da noção de habitus, ou seja, como dar conta da questão da liberdade
do agente diante dos condicionamentos estruturais do habitus.
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Introdução
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A noção de capital em Bourdieu não se enquadra na tradição marxista tampouco na
teoria econômica clássica. Bourdieu se afasta de ambas ampliando a noção de capital para
além da concepção econômica convencional, caracterizada principalmente pela ênfase nas
trocas materiais, passando a incluir, também, formas imateriais e não econômicas de capital.
Para Bourdieu, portanto, capital é um recurso de poder: indivíduos lançam mão de uma
variedade de recursos materiais, culturais e simbólicos para manter e melhorar sua posição na
ordem social. Esta noção de capital também serve para mediar, no plano teórico, a relação
entre indivíduo e sociedade. De um lado, a sociedade está estruturada pela distribuição
diferenciada de capital, do outro, indivíduos lutam para maximizá-lo. O capital que os agentes
são capazes de acumular ao longo do tempo define, assim, sua trajetória social, além de
contribuir para reproduzir e consolidar as distinções de classe. Swartz (1997, p. 73) afirma
que Bourdieu conceitualiza esses diversos recursos como capitais na medida em que passam a
operar como uma “relação social de poder”, tornando-se valiosos e, por conseguinte,
convertidos em objetos de disputa.
Este ensaio não pretende realizar uma investigação do complexo arsenal teórico da
sociologia de Bourdieu. Tamanha empreitada exigiria um esforço incompatível com o
formato e a profundidade de um ensaio. O objetivo, mais modesto, é investigar a noção de
habitus em Bourdieu e identificar possibilidades para pesquisas futuras que possam responder
ou superar as críticas quanto ao excessivo determinismo do projeto bourdieusiano em geral, e
da noção de habitus em especial. Referências ao trabalho de Bourdieu são bastante comuns no
campo da Administração, particularmente no campo dos estudos organizacionais, e nos
trabalhos na área de educação, consumo e comportamento organizacional, mas é sobretudo na
tradição neoinstitucionalista onde uma apreciação crítica da noção de habitus é, seguramente,
bem-vinda (Mangi, 2009).
A pequena introdução feita aqui ao núcleo conceitual da teoria social de Bourdieu
cumpre somente o papel de contextualizar a proposta do ensaio. No entanto, ainda que o
ensaio vá privilegiar o estudo do “habitus", é importante esclarecer que os conceitos
bourdieusianos são relacionais, ou seja, não operam de forma isolada mas em conjunto. É
precisamente essa articulação entre os conceitos que confere o poder explicativo de sua teoria.
A primeira parte do ensaio será dedicada à análise da matriz filosófica da noção de
habitus e a evolução do conceito ao longo da obra de Bourdieu. Nesta parte, serão
inventariadas também algumas explicações que Bourdieu lançou mão para se defender das
críticas quanto ao determinismo da estrutura, e seu movimento em direção à psicanálise,
possivelmente influenciado pelos seminários de Foucault, aos quais assistiu regularmente. Na
parte seguinte, serão analisadas as críticas mais comuns à noção de habitus. Importa, aqui,
questionar a capacidade do habitus de se adaptar e/ou se modificar ao longo do tempo, ou
seja, como pensar a possibilidade da liberdade do agente diante dos condicionamentos
estruturais impostos pelo habitus. O ensaio é encerrado com uma conclusão, de viés mais
especulativo, onde serão indicados possíveis caminhos de pesquisa para tentar responder ou
superar essa tensão.
Ao lado da sólida formação filosófica e de uma personalidade irrequieta e polêmica, as
circunstâncias particulares nas quais Bourdieu foi treinado em Antropologia, Sociologia e
Estatística, levaram-no a desenvolver um estilo próprio de escrever. Bourdieu nunca pode ser
lido de formal casual (Swartz, 1997, p. 13). Seu texto é difícil, algumas vezes hermético. Seus
argumentos são apresentados de forma recursiva e espiralada, frequentemente construídos em
vários e longos períodos. Bourdieu faz uso consciente de técnicas de retórica para se afastar
do mundo "taken for granted", ou seja, daquilo que experimentamos na realidade como
“dado”, como "pronto", sejam objetos empíricos, formas de linguagem ou conceitos abstratos.
Por outro lado, seu estilo também pode ser visto como uma reação à ortodoxia intelectual
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francesa e sua inclinação teorizadora, e como uma estratégia para delimitar sua obra num
campo marcado por uma forte rivalidade e intensa competição por prestígio (Mangi, 2005).
Este ensaio não ficará imune a esse estilo peculiar de Bourdieu. Alguns temas e
conceitos serão expostos e frequentemente revisitados ao longo do texto, algo que poderia
soar prematuramente como repetitivo. A opção por esta estratégica é importante no contexto
deste ensaio, seja para ser fiel à trajetória intelectual de Bourdieu, seja para assegurar uma
introdução apropriada a leitores eventuais ou àqueles ainda não familiarizados com sua obra.
Esclarecendo o habitus
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discurso e linguagem. O habitus funcionaria como uma espécie de gramática cultural para a
ação, profundamente estruturada. Com o habitus, Bourdieu (1977; 1990; 2004a) desenvolve o
que chamou de “estruturalismo genético”, análogo à idéia de Chomsky de “gramática
generativa”. Assim como a gramática, que organiza o discurso, as estruturas do habitus
podem gerar uma infinidade de práticas possíveis. Em alguns momentos de sua obra,
Bourdieu destaca essa “capacidade inovadora” do habitus. Em sua análise feita sobre os
camponeses argelinos na década 1960, vivendo ainda em um contexto pré-capitalista e
expostos à invasiva economia monetária imposta pelo colonialismo francês, Bourdieu (2005a)
enfatiza que a reação dos camponeses não é uma acomodação forçada, puramente mecânica e
passiva, ao novo sistema econômico. Ao invés disto, os camponeses reagem com uma
“reinvenção criativa” em resposta à discrepância entre seus hábitos e tradições culturais e as
exigências de uma nova racionalidade econômica. De modo diferente da gramática generativa
de Chomsky, entretanto, a capacidade inventiva do habitus surge não de uma “mente
universal”, mas de uma “experiência e também de uma posse, um capital” (Bourdieu, 2003, p.
61). O habitus, portanto, não é uma capacidade inata, tal como a operação física do cérebro
postulada por Lévi-Strauss, ou a visão mentalista de Chomsky. Habitus é uma “estrutura
estruturada”, derivada das experiências específicas de classe, vividas através da socialização
na família e nos diversos grupos sociais.
Ao longo do tempo, o conceito de habitus em Bourdieu evoluiu de uma ênfase
normativa e cognitiva para um entendimento mais disposicional e prático da açãoi. Esta
mudança de foco pode ser vista na evolução de sua terminologia conceitual. O termo “ética”
que aparece em seus primeiros escritos dá lugar a “ethos”, absorvido mais tarde no conceito
de habitus. A linguagem mais recente de “disposições” indica a transição da analogia
linguística para uma perspectiva centralizada na socialização e na linguagem corporal.
O termo “disposição” é uma expressão chave para Bourdieu, pois sugere dois
componentes essenciais que deseja trazer para a idéia de habitus: estrutura e propensão. Nesse
sentido, Bourdieu (1977, p. 214) afirma:
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transformadas em aspirações ou expectativas individuais. Estas, por sua vez, são
externalizadas em ações que tendem a reproduzir a estrutura objetiva da ordem social.
Bourdieu entende este processo como:
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for-granted”) das condições fundamentais da existência. Bourdieu enfatiza o caráter
“coletivo” do habitus, argumentando que os indivíduos que internalizam oportunidades de
vida similares compartilham o mesmo habitus. Embora Bourdieu reconheça a singularidade
das experiências de socialização de indivíduos biológicos, ele argumenta que:
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As disposições do habitus predispõem os atores a escolherem formas de conduta mais
prováveis de terem sucesso à luz de seus recursos e experiências passadas. O habitus,
portanto, orienta as ações de acordo com conseqüências previstas. Com isso, Bourdieu coloca
um destaque especial na dimensão estratificadora da socialização primária, reafirmando que o
habitus transmite, a um só tempo, um senso de pertencimento e de não pertencimento num
mundo social estratrificado. Isto coloca o poder e sua legitimação no centro do funcionamento
e da estrutura do habitus, já que o habitus envolve um cálculo inconsciente do que é possível,
impossível e provável para indivíduos em suas posições específicas na ordem social. “A
relação com o que é possível é uma relação de poder” (Bourdieu, 1990, p. 4). A dinâmica
“virtude/necessidade” presente no habitus confirma que nem todos os mundos sociais estão
igualmente à disposição de todos. Nem todos os cursos de ação são igualmente possíveis para
todos; somente alguns são plausíveis, enquanto outros são impensáveis. Sobre isso, Bourdieu
explica que:
O habitus existe no nível macro de análise? Como a noção do habitus pode nos ajudar
a entender a ação humana em domínios complexos como a ética, a moral e a política? Como
pode explicar processos de construção de identidades múltiplas, diante de práticas pré-
existentes num dado contexto histórico, social e cultural? Quão durável é o habitus? Pode a
noção do habitus dar conta de transformações? Pode ser totalmente reconstruído ou
reconfigurado? Caso positivo, em quais circunstâncias poderia tornar o mundo um local
melhor para se viver?
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A questão da durabilidade do habitus é provavelmente o maior desafio que o conceito
enfrenta, tanto no plano teórico quanto empírico. Segundo Bourdieu (2005b, p. 45, tradução
nossa):
Com isso, Bourdieu sugere que o modelo de um círculo vicioso, onde estruturas
produzem o habitus que, por sua vez, reproduz as estruturas, denota um desconhecimento de
seu trabalho. Bourdieu indica que, onde as disposições encontram condições diversas
daquelas nas quais foram construídas, existe um confronto dialético entre o habitus e as
estruturas objetivas com as quais foi confrontado. Neste confronto, o habitus opera como uma
estrutura estruturante capaz de perceber seletivamente e transformar a estrutura objetiva de
acordo com sua própria estrutura, enquanto, ao mesmo tempo, sendo reestruturado, é
transformado em sua forma pela pressão da estrutura objetiva. Bourdieu aceita que o habitus
possa mudar, e o faz constantemente, mas dentro de limites inerentes à sua estrutura
originária.
Infelizmente, Bourdieu oferece pouco esclarecimento sobre como o processo de
internalização se torna ativado em um processo de externalização. Apreendemos pouco
também sobre o funcionamento do mecanismo deflagrador, ou porque certos tipos de
internalização são mais facilmente externalizados que outros.
O conceito de habitus de Bourdieu é bastante familiar para muitos pesquisadores em
sociologia, antropologia e no campo de estudo das organizações. No entanto, mesmo para
aqueles familiarizados com a teoria social de Bourdieu, existe muita discordância sobre o que
o conceito realmente representaii.
Parte do problema decorre das ambições teóricas de Bourdieu, levando até mesmo um
crítico simpatizante como DiMaggio (1979) a descrever o habitus como um "Deus Ex
Machina teórico”, ou seja, um conceito que surge repentinamente para resolver uma
dificuldade teórica aparentemente insolúvel: como relacionar estrutura objetiva e atividade
individual. Por outro lado, Bourdieu e Wacquant (1992) argumentam que essas críticas
surgem de leituras sistematicamente erradas do projeto teórico bourdieusiano, que insistem
em projetar, ainda que involuntariamente, variações da dicotomia objetividade/subjetividade
no próprio conceito que Bourdieu utiliza para transcendê-la.
Um dos debates recorrentes em torno da teoria social de Bourdieu, naturalmente, é se
o habitus é essencialmente estático ou se suas propriedades podem mudar dinamicamente em
diferentes condições e circunstâncias. Desde 2000, duas linhas relacionadas com este debate
têm recebido muita atenção na literatura: a questão colocada por Weiss (2003), resumido pelo
próprio autor na máxima “can old dogs learn new tricks?” (“cães velhos podem aprender
novos truques?”), e, num outro plano, a questão do papel da psicanálise nas elaborações de
Bourdieu sobre o habitus e sobre o inconsciente pré-reflexivo, que aparece, por exemplo, em
Fourny e Emery (2000), Frère (2004) e Mangi (2009).
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Weiss (2003) argumenta que o habitus está continuamente em expansão em resposta a
novas situações. É um fenômeno generativo, conforme Bourdieu repetidamente enfatizava,
capaz de improvisação regulada, ou seja, dotado de capacidade de auto-transformação para se
adequar a novas circunstâncias e experiências em ocasiões onde as respostas habituais dos
agentes colapsam ou se confrontam, e quando os agentes refletem conscientemente sobre si
mesmos e seus contextos modificadosiii, reconstruindo seus habitus de forma compatível. O
habitus, portanto, não apresenta aos agentes simplesmente “soluções prontas ou modos fixos
de se visualizar um problema” (Weiss, 2003, p. 7). Pode se apresentar “clivado”, ostentando a
“marca das contradições que o produziram” (Bourdieu, 2001).
Além disso, nos dias atuais, a noção de um ator social como uma multiplicidade é
amplamente aceita no âmbito das ciências sociais. Reconhecendo a probabilidade de múltiplas
fontes de influência sobre o habitus, autores como Lahire (2002) defendem a conceituação de
indivíduos como atores socais com múltiplos habitus. Por exemplo, uma jovem mulher pode
considerar-se como uma filha adolescente, uma amiga da faculdade, uma “fã de rap”, um
membro de um clube de tênis, uma colega de trabalho, ou mesmo como parceira em algum
relacionamento amoroso. Em todos os casos, vemos várias identidades incorporando
diferentes habitus, senso de pertencimento e “sensação do jogo” (para utilizar uma expressão
frequentemente citada por Bourdieu).
Esta perspectiva poderia ser classificada como uma sociologia da experiência, na
medida em que nos leva a pensar cada indivíduo como um intelectual, ou seja, como um ator
capaz de dominar, conscientemente, sua relação com o mundo. O ator não pode ser reduzido
aos seus papéis sociais, tampouco aos seus interesses. O indivíduo não assume integralmente
nenhum de seus papéis, que cumprem a tarefa de articular lógicas de ação que o conectam a
cada uma das dimensões de um sistema. O ator é obrigado a combinar diferentes lógicas de
ação, e é precisamente a dinâmica gerada por essa atividade que constitui sua subjetividade e
sua reflexividade (Lahire, 2002).
As experiências socializadoras que vivemos com nossa família, na escola, com amigos
ou no trabalho, não são o resultado de um simples processo de acumulação. Sem
necessariamente postular uma lógica de descontinuidade absoluta, assumindo contextos
diferentes, é possível, seguindo Lahire (2002), pensar as experiências como não sendo
sistematicamente coerentes, homogêneas e compatíveis. O contato precoce com outros
universos além da família está cada vez mais presente em nossas vidas.
O tratamento do habitus como sendo múltiplo, interativo e evolutivo, sugere um
desenvolvimento da teoria de Bourdieu que deixa espaço significativo para a ação individual,
no sentido de que indivíduos não estão inextrincavelmente imersos num habitus qualquer,
mas podem mover-se de um para outro, desenvolvendo novos comportamentos adaptativos.
Uma descoberta recente nesta linha de interpretação, a investigação da apropriação por
Bourdieu dos métodos e ferramentas da psicanálise, sugere que, mesmo quando agentes têm
múltiplos habitus e operam em múltiplos campos, disposições psicossociais fundamentais e
(de certa forma) similares estão em ação. Fourny e Emery (2000), destacando as similaridades
entre a socioanálise de Bourdieu e a psicanálise, localizam as disposições referidas por
Bourdieu (“negação”, “anamnese”, “divisão do ego”, “retorno do oprimido” etc.) como
associadas a categorias centrais da disciplina da psicanálise. De fato, o trabalho tardio de
Bourdieu pode ser fortemente associado à psicanálise, refletindo, talvez, a influência de
Foucault e Deleuze. Traços das idéias de Foucault são cada vez mais evidentes nos últimos
trabalhos de Bourdieu, desde a sua abordagem genealógica do habitus em Science of science
and reflexivity” (2004b) até “Esboço de auto-análise” (2005a), onde declara, textualmente, a
influência inspiradora de Foucault em seu trabalho.
Por outro lado, vários autores têm destacado, recentemente, diferenças importantes
entre a socioanálise de Bourdieu e a psicanálise, alegando que, embora os métodos e técnicas
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sejam similares, são aplicados na obra de Bourdieu a um sujeito irredutivelmente social, e
assumem como seu objeto de análise, estruturas muito maiores, mais flexíveis e
historicamente imbricadas do que as normalmente abordadas pela psicanálise. Este linha de
interpretação, portanto, aponta para uma possível inconsistência epistemológica, localizada na
incomensurabilidade entre níveis de análise. Conforme observa Crossley (2004 apud Hillier
& Rooksby, 2005, p. 14-15), para Bourdieu:
Considerações finais
Tanto a adaptação quanto a distinção são dois tipos de agência justapostas no conceito
de habitus sem que sua relação exata fique esclarecida. De um lado, as práticas surgem com
uma adaptação funcional às necessidades da vida. Tais práticas têm a tendência de reproduzir
a posição social. Por outro lado, o habitus gera práticas que diferencia os atores de seus
competidores. Aqui, Bourdieu liga a tendência de reprodução a uma tendência do habitus de
“afirmar sua autonomia em relação a situações”, tendendo, portanto, a “perpetuar uma
identidade diferencial”. Este tipo de agência é mais relacional, pois emerge da interseção das
disposições do habitus e das estruturas de restrições e oportunidades oferecidas pelos campos
nos quais opera. Ainda assim, a adaptação é o tipo mais frequente de agência nas análises de
Bourdieu.
De um modo mais geral, como muitos comentadores observaram, sua ênfase na
adaptação do habitus às circunstâncias sobrevaloriza a conformidade dos atores à sua posição
social e faz a resistência parecer uma forma anômala de comportamento, ocasionada somente
por situações específicas. Se quisermos entender a resistência e as orientações e preocupações
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normativas dos atores em relação à sua classe, precisamos modificar alguns dos conceitos
chave de Bourdieu, começando pela noção de habitus. Em particular, precisamos elaborar um
entendimento da orientação normativa do habitus, especialmente suas disposições éticas e
epistemológicas, que são marginalmente exploradas por Bourdieu ao longo da sua obra. O
habitus, afinal, tem profundas influências na nossa capacidade de julgar (tanto juízos morais
quanto estéticos) e conhecer. Essas modificações no conceito de habitus nos permitem ver
que a resistência pode ser intrínseca à formação do habitus ao invés de extrínseca.
Neste sentido, uma agenda para pesquisas futuras comprometida com esses objetivos
deve procurar um aprofundamento nos conceitos bourdieusianos, tal como ele os definiu,
como ponto de partida para o desenvolvimento de uma crítica construtiva, focalizando em
vários problemas correlatos: a relação entre habitus e habitat e a explicação do fenômeno da
resistência; a relação entre disposições incorporadas e racionalização, incluindo a
reflexividade; o caráter normativo e avaliativo do habitus; e, finalmente, a natureza das
emoções, compromissos e disposições éticas.
Vale esclarecer que o ponto deste argumento não é simplesmente desenvolver uma
crítica da abordagem de Bourdieu mas modificar seus conceitos de modo que eles possam
produzir novas possibilidades teóricas. A obra de Bourdieu contem muitas elaborações
diferentes do conceito de habitus, algumas delas, particularmente de seus últimos escritos,
mais próximas do que está sendo proposto aqui do que outras. Embora não exista intenção
alguma de deturpar a obra de Bourdieu, essa agenda de pesquisa deve se preocupar menos
com a proximidade ou distância do corpus bourdieusiano, e mais com o que pode ser
fundamentado e “defendido” teoricamente.
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i
Vemos essa ênfase cognitiva, por exemplo, em “O ofício do sociólogo” (Bourdieu, Chamboredon & Passeron,
2004), onde Bourdieu discorre sobre um tipo de habitus científico necessário para a pesquisa em sociologia.
ii
Para mais detalhes sobre às críticas à noção de habitus ver Brubaker (1993), Calhoun (1993), Everett (2002),
Fuchs (2003), Lau (2004), Lizardo (2004), Mutch (2003), Sewell (1992), Swartz (2002) e Warde (2004).
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iii
O argumento da reflexividade, sempre defendido por Bourdieu. Para uma exposição detalhada sobre o papel da
reflexividade na obra de Bourdieu, ver Bourdieu e Wacquant (1992).
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