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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

Modernismo e o
nacional popular /
A radiofonia e a integração nacional
Profa Ms. Alexandra Dias Ferraz Tedesco

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

SUMÁRIO
Introdução. A modernidade e a gestão das tensões do mundo contemporâneo. 5

O Nacionalismo e a Ideia de Nação no Brasil. 11

Os nacionalismos do século XX e a integração nacional. 18

As vanguardas e o modernismo na América Latina e no Brasil. 25

A Indústria Radiofônica e a Integração Nacional 32

Conclusão. 35

Referências 37

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

Introdução. A modernidade e a gestão lização de massa, são horizontes que aparecem, durante
o começo do século XX, em grande parte das sociedades
das tensões do mundo contemporâneo. ocidentais. Assim, ao analisarmos esse processo no Bra-
sil, por exemplo, teremos em mente que se trata de uma
A proposta desta disciplina consiste em analisar, histó-
tendência ampla, que exige uma reflexão multifacetada,
rica e sociologicamente, a relação entre o modernismo e
apta a compreender as cores locais de cada movimento
a formação de uma consciência e de uma práxis nacional
inseridas nessa órbita maior.
popular nas sociedades do ocidente. Tal objetivo abrange
inúmeras esferas da experiência dos modernos, e exige
Para iniciarmos nossa análise sobre fenômenos tão
que nossa análise se baseie em um método dialético, ou
abrangentes e importantes como as origens do modernis-
seja, que as especificidades de cada processo sejam ana-
mo e o nacional popular, portanto, é preciso, antes, que
lisadas inseridas em uma dinâmica mais ampla, já que o
tracemos um panorama das discussões com as quais se
contexto dessas tensões– a modernidade – diz respeito a
comporão esses debates. Hoje, muitos autores se utili-
toda uma sorte de fenômenos plurais e multifacetados.
zam do conceito de modernidade para conceituar as mu-
danças (econômicas, políticas, sociais, culturais, etc) que
Muito embora o modernismo seja um movimento típico
marcaram a fisionomia do mundo ocidental nos últimos
do século XX, e surja como resposta às vicissitudes do 3 séculos1. Trata-se de uma discussão bastante extensa
mundo da técnica oriundo das tensões sociais e culturais e implicada politicamente, já que o próprio conceito de
do começo do século passado, é preciso considerar que modernidade pressupõe a compreensão de uma sociedade
as contradições, posturas, manifestos e plataformas ide- com referenciais fluidos, que vive em uma temporalidade
ológicas que se projetam a partir do debate modernista em constante mutação, e se projeta a partir de um pano-
já estavam sendo geradas, na grande maioria dos países rama histórico bastante complexo, que abrange as mudan-
ocidentais, no momento da transição do século XVIII para ças na organização do trabalho, as novas formas políticas
o XIX. que ganham força no pós-Revolução Francesa e as novas
maneiras de perceber o mundo que se projetam a partir
É preciso considerar ainda, nessa análise introdutória, das novas tecnologias e das novas práticas de vida.
que o modernismo, embora seja um conceito bastante
abrangente, deve ser analisado a partir das especificida- Em suma, o cotidiano dos homens modernos (desde
des de cada conjuntura em que se deu. Ou seja, o moder- meados do século XVIII) se transforma numa velocidade
nismo italiano e o brasileiro, por exemplo, muito embo- crescente. A sociedade ocidental se complexifica em todos
ra sejam respostas críticas ou justificativas temporais ao os sentidos: novos fatores de poder, novos atores sociais,
movimento da modernidade de forma geral, não têm as novos equilíbrios políticos e, o que nos parece fundamental,
mesmas pautas, não se baseiam nas mesmas referências novas fronteiras e possibilidades de representação e
e nas mesmas tradições, justamente porque que são mo- projeção culturais, tornam a análise dos fenômenos
vimentos direcionados a formular perguntas e respostas modernos um emaranhado de perspectivas e debates.
regionais à problemáticas específicas. Assim, embora seja Certamente, a dificuldade não inviabiliza a análise. Muito
importante refletirmos sobre o conceito e suas implicações pelo contrário, nos estimula a pensar a história a partir de
teóricas, buscaremos também analisar as conjunturas his- um ponto de vista relacional, considerando, para além da
tóricas nas quais o movimento modernista esteve inseri- realidade objetiva e presumida,
do em cada país, procurando assim compreender os seus
1
  Existem diversas interpetações em torno da questão da periodicida-
desdobramentos dentro da dinâmica específica de cada de do fenômeno da modernidade. Para Berman, por exemplo, o Fausto
sociedade. de Goethe já pode ser considerado um herói típico da modernidade, na
medida em que se porta como um intelectual desvinculado das vicissi-
Da mesma forma, o referencial da integração nacional,
tudes de sua circunstância, com problemáticas circunscritas às questões
dos nacionalismos e dos movimentos em torno da mobi- pessoais e morais.

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

(...) aqueles modos de ser e aquelas obras conflitos e contradições que a própria modernidade en-
dinâmicas e concretas em cujo interior não há gendrou para os sujeitos do século XX. Em grande me-
apenas continuidades e determinações constan- dida, o século XIX é marcado por uma rejeição da antiga
tes, mas também tensões, conflitos, resoluções concepção otimista do moderno: se durante os séculos
e irresoluções, inovações e mudanças reais XVII e XVIII, a modernidade foi pensada a partir de um
referencial essencialmente positivo, que faria com que os
(WILLIAMS, 2000, p. 29). homens se livrassem do reino do medo e adentrassem no
reino do entendimento (ou do Esclarecimento, como di-
Refletir acerca do século XX – e todas as fissuras de zia Adorno)2, a partir do século XIX os conflitos sociais
ordem social, econômica, política e cultural que o carac- engendrados pela moderna sociedade europeia passaram
terizam – não é tarefa simples, e transborda a própria a fomentar opiniões menos otimistas entre historiadores,
capacidade setorial de historiadores, sociólogos e filóso- filósofos e intérpretes de maneira geral3.
fos. É preciso, nesse sentido, que partamos de uma visão
holística, transdisciplinar, apta a compreender as tensões O século XIX marca a radicalização de conflitos que
culturais como manifestações da contradição cultural sub- se apresentavam à sociedade desde o século anterior: o
jacente à própria existência dos debates. aumento de confrontos (e da violência e gravidade desses
enfrentamentos) entre trabalhadores e as empresas e o
É impossível, e indesejável, que a discussão sobre a Estado, a generalização da miséria e da desigualdade e,
história moderna esteja desimplicada do componente da principalmente, o fenômeno do colonialismo, obrigaram a
memória já que, em larga medida, ao estudar o século sociedade do século XIX a repensar-se de forma mais rea-
XX estamos procurando analisar a nós mesmos, sujeitos lista, observando que, nem sempre, a ideia de modernida-
dessas tensões e contradições. Nesse sentido, o imperati- de está carregada de sentidos positivos ou transformado-
vo metodológico para nossa análise pode ser condensado res. Essa nova interpretação, forjada a partir dos primeiros
a partir da prerrogativa de Eric Hobsbawm. Segundo ele, efeitos dos custos da “racionalidade instrumental”, volta-
va-se essencialmente para o entendimento do seguinte
A destruição do passado – ou melhor, dos questionamento: Se a modernidade não foi capaz – com
mecanismos sociais que vinculam nossas expe- seu humanismo, progresso técnico e laicização – de tornar
riências pessoais à das gerações passadas – é a sociedade mais humana, mais progressista e, em última
um dos fenômenos mais característicos e lúgu- instância, melhor, de que forma a modernidade pode ser
bres do fim do século XX. Quase todos os jo- concebida como um projeto bem sucedido?
vens de hoje crescem numa espécie de presente
contínuo, sem qualquer relação com o passado Para ajudar-nos a responder esse questionamento (que
público da época em que vivem. Por isso os his- perpassa as reflexões desde Marx à Freud4, passando por
toriadores, cujo ofício é lembrar o que outros uma enormidade de pensadores ao longo dos séculos XIX
esquecem, tornam-se mais importantes do que e XX), vamos partir de um breve histórico das interpreta-
nunca no fim do segundo milênio. Por esse mes- ções da modernidade, para, em seguida, sermos capazes
mo motivo, porém, eles têm de ser mais que de dimensionar o impacto do modernismo, das doutrinas
simples cronistas, memorialistas e compiladores” de integração nacional e dos meios de comunicação em

2
  Para melhor compreensão da questão do Esclarecimento como im-
(HOBSBAWM, 1994, pg. 13). perativo da modernidade, é possível consultar a obra de referência de
Theodore Adorno “A Dialética do Esclarecimento”.
Partimos, dessa forma, de um imperativo que congre- 3
  Nesse sentido ver TOURAINE, Alain. A crítica da Modernidade, 2006.
ga a experiência histórica na relação do passado com o 4
  Tanto Marx quanto Freud, cada um a seu modo, embateram-se com
a necessidade de pensar um novo homem, mais apto à conviver nesse
presente: compreender o fenômeno da modernidade – e
contexto de conflitos e dominações que caracteriza a sociedade moder-
a ampla gama de conflitos vinculados à ela – a partir dos na. Nesse sentido, ver KUMAR.

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

massa na formulação de uma nova visão sobre o moderno, a desenvolver um modo de vida tipicamente moderno.
da qual somos fruto e sujeito, ao mesmo tempo. Nessas comunidades passa a ocorrer, ainda em meados do
século XVIII, um fenômeno que, no século seguinte, será
Nesse momento de estudo, convêm assistir o docu-
generalizado para quase todo mundo ocidental: a sujeição
mentário de Marcelo Massagão intitulado “Nós que aqui
estamos por vós esperamos – biografia do século XX”. Na dos indivíduos à um tempo específico, o da racionalida-

obra, Massagão demonstra que as transformações ocor- de instrumental, medido pela produtividade do trabalho e

ridas durante os últimos cem anos se conectam à um do salário, e não mais pela relação harmônica do homem

amplo processo de mudanças que, em última instância, com a natureza. Para Bauman, a situação contraditória em
relacionam-se com a mudança na percepção do tempo que foram inseridos esse novo corpo de trabalhadores ge-
gerada pelo trabalho nas fábricas, ainda em meados do rou novas tensões, na medida em que “os homens livres
século XVIII. Aqui está o link: http://www.imdb.com/title/ vagabundos expunham a obsolescência dos mecanismos
tt0206805/5 tradicionais de reprodução social” (BAUMAN, 2010, p. 65).

Como percebemos, as sociabilidades, ou seja, a ma- Essa mudança, aliada ainda aos efeitos imediatos de
neira pela qual os homens se veem e se representam em grandes avanços técnicos e políticos (como a abertura do
determinado contexto histórico, são profundamente al- canal de Suez e a fotografia), alterou por completo a expe-
teradas a partir da mudança na concepção temporal dos riência dos modernos, inserindo cada comunidade numa
modernos. Nesse sentido holístico, a modernidade pode dinâmica global interligada através da economia de mer-
ser compreendida a partir de diversos fatores, de diversas cado. Diante dessa situação, os intérpretes da modernida-
esferas, que, apesar de poderem ser entendidas somente de passarão a compreender que, muito embora ela tenha
de forma conectada, carregam peculiaridades importan- contribuído para a renovação dos paradigmas culturais,
tes. Inicialmente, a mudança na organização do trabalho, sociais e políticos, os custos sociais de sua implementação
lograda a partir da Revolução Industrial inglesa (substra- eram consideravelmente altos e unilaterais. Desagregan-
to material da modernidade, no sentido em que pontua do-se as redes de segurança e vigilância do mundo an-
Touraine, 2009), influenciou sobremaneira a visão que os tigo, o trabalho passará a atuar como eixo integrador e,
homens do século XIX e XX tinham de sua relação com o nesse sentido, começa o paradoxo de um mundo repleto
tempo e com o mundo. de homens “atomizados”, que se mantém perfeitamente

No contexto da institucionalização das primeiras fábricas, isolados do mundo em que vivem e, em alguns graus, de

um largo processo de destruição das tradições camponesas foi sua própria natureza.
instaurado. Essa destruição se devia ao fato de que, para com-
pelir os trabalhadores às fábricas, nas cidades, era preciso de- A velocidade das mudanças que se dão no mundo oci-
sestruturar sua sociabilidade anterior, desmanchando assim sua dental a partir do século XVIII, como vemos, inseriram di-
rede de proteção e costumes ancestrais. Essa destruição, acom- versas problemáticas para a reflexão dos contemporâneos
panhada e subsidiada por um mercado em expansão, criaram da época. Uma das questões mais delicadas e, ao mesmo
amplas comunidades no entorno das fábricas, que passaram tempo, mais recorrentes, foi a discussão em torno do su-
jeito. O mundo da fábrica, da produção em larga escala,
da reprodutibilidade técnica, como pontua Benjamin, fize-
ram com as antigas sociabilidades que norteavam os mo-
dos de vida nas comunidades tradicionais paulatinamente
sucumbisse na reflexão dos intérpretes do XIX, posto que
as identidades coletivas antigas, como a camponesa, por
exemplo, foram sendo suplantadas para viabilizar a so-
5
  Vamos lembrar que este é um link para download. No youtube há o
ciedade industrial. Diversos autores refletiram em torno
documentário fragmentado em 7 partes. De qualquer forma, ele é de fácil
acesso, estando disponível em diversas plataformas, inclusive no Torrent. dessa problemática, buscando encontrar um espaço para

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

a existência individual nesse turbilhão de mudanças, prin- A complexificação da relação do sujeito com o mundo
cipalmente a partir do XIX. e em muitos casos, a sujeição absoluta ao tempo dá má-
quina, dão vazão a um sentimento de descrença no que
Sucintamente, como pontuamos em outro momento,
se refere à desejabilidade de uma sociedade baseada ma-
“essas mudanças na percepção do tempo, do espaço e da
joritariamente no que Weber qualificou como “razão técni-
relação com o sagrado constituem, de muitas maneiras, o
ca”. Nesse sentido, Touraine (2009), analisa que o fim do
substrato cultural de um mundo em profundas transforma-
século XIX e o início do XX marcam uma conjuntura onde
ções econômicas” (TEDESCO, A. 2012). Ainda no fim do
“pouco a pouco, o Ocidente substituiu uma visão raciona-
século XIX, nos EUA, o modelo taylorista de produção, que
lista do universo e da ação humana por uma concepção
buscava uma homogeneização da ação dentro das fábricas,
mais modesta, puramente instrumental da racionalidade”
alterou por completo a relação dos homens com o trabalho
(TOURAINE, 2009, p. 10).
e com o tempo de forma geral. Posteriormente, Henry Ford,
ao otimizar imensamente o tempo de produção a partir de
Temos, portanto, um contexto em que a ideia de mo-
uma nova orientação espacial fabril, contribui para que, na
dernidade vai paulatinamente perdendo sua força emanci-
transição do XIX para o XX, as primeiras greves e enfrenta-
patória. Outrossim, a predominância de uma visão instru-
mentos mais graves, influenciados pelas ideias anarquistas e
mental e utilitarista do mundo passa a ser responsabilizada
anarco-sindicalistas6 despertassem nas análises do período
por uma situação em que os homens não possuem mais
um pessimismo uma sensação de desencanto quanto aos
vínculos com a tradição nem com a natureza.
caminhos pelos quais se conduzia aquela sociedade7.

Para Gil Villegas, o período que vai de 1900 à 1929 pode Já no século XX, a partir da experiência dos judeus
ser considerado, justamente por conta dessas mudanças no Holocausto, Hannah Arendt procura pensar essa pro-
aceleradas no mundo da produção e da relação do homem blemática do sujeito dentro do contexto da emergência
com o tempo, o momento de consolidação derradeira da da modernidade capitalista. Para ela, a perda de vínculos
modernidade ocidental8. O autor, analisando essa nova re- com o passado e com a natureza vivenciados pelos mo-
lação com o trabalho, com a ação histórica e com a possibi- dernos está conectada à um processo de apequenamento
lidade de existência autônoma nesse contexto, pontua que: do mundo, onde paradoxalmente as pessoas se tornam
mais próximas e mais isoladas, atomizadas, incapazes de
(...) se origina a problemática situação do se identificarem enquanto comunidade sem a interferência
homem moderno: se sente rodeado por um da esfera pública.
número infinito de elementos culturais que
não deixam de ter importância para ele e que, Para Kumar9, a modernidade pode ser entendida como
todavia, tampouco tem uma importância decisiva “uma designação abrangente de todas as mudanças
(1973, p. 72).
– intelectuais, sociais e políticas – que criaram o
mundo moderno” (KUMAR, 2006, p. 106). Tal definição,
6 
No Brasil, na Argentina e, principalmente, nos EUA, a penetração
bastante simples em seu enunciado imediato, nos parece
do anarcosindicalismo, notadamente de vertente italiana, contribuíram
imensamente para que a indústria nascente e as elites governamentais capaz de congregar a imensidade dos conflitos gerados
repensassem seus planos de integração. Quando a sociedade se viu ame-
pelas dinâmicas do mundo capitalista, e nos apontar de
açada de tal forma pela onda imigrante, portanto, soube-se que os meca-
nismos de integração eram perfeitamente insuficientes para conter esse que forma essas tensões se radicalizaram durante todo o
fluxo de pessoas e ideias que advém do trabalho nas fábricas. século XX. Como pudemos apontar em outra oportunidade
7
  Para uma reflexão lúdica em torno dessas mudanças, é possível con-
sultar, na internet, o documentário de Marcelo Massagão “Nós que Aqui
estamos por vós esperamos – biografia do século XX”. Embora, portanto, os conflitos referentes à
8
  Uma das primeiras reflexões acerca da radicalização da problemáti-
ca dos custos sociais da modernidade remete à um debate inaugurado relação do homem com o tempo social já estives-
em 1900 por Georg Simmel, em diálogo com a proposta de Max Weber.
Sobre esse ponto, é possível consultar SIMMEL, G. The philosophy of KUMAR, Krishan. Da Sociedade Pós-industrial à Pós-moderna. Rio de
9 

money. Londres,Routledge & Kegan Paul, 1978. Janeiro. ZAHAR, 2006.

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sem manifestos em diversas instâncias da refle- uma nação no sentido social e cultural do tempo, depois
xão sobre o moderno, somente a partir do século de lograda e formalizada a independência administrativa.
XIX os custos sociais e políticos da nova configu-
ração passariam a protagonizar o repertório das Da mesma forma que na Europa, os contemporâneos
interpretações do moderno. A revolução indus- do XIX no Brasil também sentiram seu cotidiano trans-
trial inglesa, substrato material da modernidade, formar-se por completo. Grande parte das certezas e dos
suscita uma ampla gama de interpretações acer- referenciais que balizavam a sociedade até então caem
ca dos efeitos socioculturais da instauração da por terra diante da popularização da imprensa, da dina-
indústria, da liberalização das forças produtivas mização da economia, da formação dos centros urbanos
do campo e das novas ideias políticas atreladas e das mudanças na composição da mão-de-obra. A esfera
a essas mudanças. O capitalismo, forma econô- privada no Brasil, nos primeiros momentos da modernida-
mica por excelência da ideologia ocidental da de, é completamente transformada. Os costumes senho-
modernidade (TOURAINE, 2009), demonstra, já riais, típicos da colônia, passam a convivem com uma elite
em meados do século XIX, suas faces contraditó- urbana modernizada, cosmopolita, educada nas principais
rias e problemáticas e, assim, os conflitos sociais universidades europeias, como Coimbra, que trará para o
atrelados às novas dinâmicas produtivas passam Brasil uma certa credibilidade intelectual, e buscará forjar
a exigir dos modernos uma reflexão mais efetiva, um modelo de comportamento e sociedade similares aos
desvinculada da ideia de que os embates entre dos grandes centros europeus10.
trabalhadores e patrões representariam, somen-
te, “uma resistência às luzes e à razão” por parte O que podemos concluir, a partir desse pequeno
dos primeiros. (TEDESCO, A. UNESP, 2012). panorama sobre a questão da modernidade no ocidente, é
que é nesse preciso contexto – de transformações aceleradas
Muito embora os países europeus tenham sido os gran- em todas as esferas da vida – que se dá o surgimento de
des protagonistas desses influxos da modernidade (afinal, categorias que serão fundamentais para a compreensão
foram cenário de transformações fundamentais como as do modernismo, do nacionalismo, das ideias de integração
ocorridas em 1789 e 1848), esse processo de transforma- nacional e da sociedade de massas. É a partir desses
ções se estendeu por praticamente todo o mundo ociden- conflitos que surgirão as reflexões, por exemplo, sobre
tal. Tanto a América Latina quanto, mais especificamente, a identidade nacional: num contexto de ampla fragmentação,
o Brasil, não podem ser excluídos dessas dinâmicas da os nacionalismos surgem como forma de resguardar uma
modernidade, como é possível observar, por exemplo, a sensibilidade nacional, fundamental para o mantenimento da
partir do grande número de revoltas e conflitos coloniais coesão política de determinada sociedade.
influenciados pelas ideias de “liberdade, igualdade e frater- Assim, passaremos agora a estudar de que forma essas
nidade”, bradadas pelos jacobinos em 1789. Além desses bandeiras clássicas da modernidade, como o nacionalismo
movimentos de revolta, dentre os quais a Inconfidência e a questão da identidade nacional, se deram no Brasil,
Mineira pode ser destacada como o mais paradigmático, para que possamos, depois, compreender de que forma
os efeitos da modernidade também puderam ser sentidos essa dinâmica de criação de referências nacionais irá com-
no Brasil a partir da análise da mudança nos modos de por o repertório cultural e teórico do modernismo.
vida da sociedade brasileira durante a transição do século Origens do modernismo e da integração nacional: o
XIX para o XX. Um dos tópicos fundamentais do discurso Nacionalismo.
da modernidade – a identidade nacional, matriz ontológica
dos nacionalismos posteriores – foi fundamental durante o O nacionalismo pode ser entendido como um movi-
período do século XIX e XX no Brasil, por exemplo, quan- mento, como uma ideologia, como uma prática ou até
do, principalmente a partir da independência, em 1822,
  Para melhor compreensão dessa dinâmica dos costumes, é preciso
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as elites brasileiras sentiram a viva necessidade de criar consultar a coleção A História da Vida Privada no Brasil, tomo 1 e 2.

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

mesmo como uma maneira de enxergar as relações en- A definição do historiador inglês, como podemos per-
tre as culturas e entre as nações. Trata-se, portanto, de ceber, além de bastante ampla, nos apresenta mais uma
um conceito bastante amplo. Para Bernardo Ricupero, por problemática implícita: sua proposta analítica indica que o
exemplo, ele pode ser compreendido a partir do prisma pertencimento é uma categoria subjetiva, até certo ponto,
da integração social como uma espécie de pertencimento moral, atrelada à ideia de “consciência”. São pontos con-
religioso secularizado. troversos, que merecem ser analisados detalhadamente.
Para Hobsbawm e Ranger, por outro lado, trata-se Para pensarmos em termos de “consciência coletiva” é
de tradições funcionalizadas pelas elites políticas, em sua preciso que partamos de uma espécie de vontade geral.
maior parte dispostas a mobilizar os repertórios culturais Essa vontade, contudo, não é somente fruto da necessi-
anteriores de cada comunidade. dade espontânea que as pessoas sentem em fazer parte
de um todo, é também um aspecto que se conecta histo-
Considerando o extenso debate em torno do conceito, ricamente com os usos políticos das identidades nacionais.
podemos inicialmente partir de que a identidade nacional,
base ontológica da ideia de nacionalismo, não tem uma re- O analista Benedict Anderson pode nos ajudar a
alidade fixa, ou seja, pode encampar, em seu bojo, as mais refletir sobre essas questões a partir de seu conceito de
diversas concepções e os mais diversos critérios, sejam “comunidades imaginadas”. Ou seja, ele propõe que a
eles linguísticos, étnicos, raciais, territoriais, entre outros. sensação de pertencimento pode ser analisada a partir
do prisma da criação de uma identidade artificial, de uma
Assim, por se tratar de um conceito tão controvertido, mobilização de laços preexistentes por parte de um poder
prosseguiremos nosso estudo da seguinte forma: inicial- estatal, central, que funcionaliza as tradições coletivas.
mente, analisaremos conceitual e teoricamente a práxis e A relação do povo com o poder do Estado, assim, é um
a construção discursiva da proposta nacionalista. Depois, componente importante nessa dinâmica de construção de
pensando no Brasil de meados do século XIX, buscaremos uma identidade nacional já que é preciso, em qualquer
compreender de que forma o nacionalismo se relaciona hipótese, fornecer uma justificativa objetiva para o apoio
com o contexto brasileiro no imediato pós-independência, dos membros de determinada comunidade.
a partir da criação de uma ideologia tipicamente brasilia-
nista, que se projeta tanto na literatura quanto na pintura, Tal necessidade de legitimação de determinado gover-
na música, etc. no ou de determinada postura do Estado não é, também
ela, natural. A ideia de criação de um “consenso” nacional
A ideia de nação, como nos lembra Hobsbawm, emerge como termos de uma legitimidade institucional, embora
apenas no século XVIII, com a Revolução Francesa. Antes remeta à remotos tratados sobre filosofia política, como
disso, como sabemos, os referenciais de povo e de territó- o próprio O Príncipe, de Maquiavel, apenas ganha força
rios eram determinados por fatores alheios à maior parte a partir da revolução Francesa, momento em que a opi-
das expectativas populares. A partir do momento em que nião pública e os populares passam a ser reconhecidos,
os povos passaram a sentir a necessidade de afirmarem- minimamente, como membros ativos da comunidade. A par-
-se como unidade, diversos critérios objetivos passaram a
tir dos escritos de Rousseu, de Montesquieu e de Diderot,
ser considerados na definição do “ser nacional”. Aspectos
e da expansão dos ideais revolucionários de 1789 por todo
como o território, a língua, as tradições partilhadas, etc,
continente europeu, o antigo poder monárquico perdia seu
foram alguns desses critérios. O caráter volátil de grande
caráter naturalizado. Como pontua Bauman, esse contexto
parte desses conceitos, todavia, inviabiliza pensarmos que
pós Revolução Francesa marca um período em que “não se é
o nacional se dá por uma realidade ontológica, inata. Para
mais nobre independentemente do que se faz” (2010, p. 56).
Hobsbawm trata-se, outrossim, de “qualquer corpo de pes-
soas suficientemente grande, cujos membros considerem-
Nesse momento, os homens de letras passam a ter um
-se como membros de uma nação” (18).
papel fundamental dentro da política. Eram eles, deten-

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tores do poder-conhecimento, que atuariam como legiti- franquismo espanhol, como veremos em seguida. Todavia,
madores dos poderes estatais e, mesmo as Monarquias antes de partirmos para uma análise mais contemporânea
que emergem ou subsistem à revolução, não poderão dos reflexos dessas ideias nacionalistas, vamos entender
mais prescindir da ideia de “assentimento coletivo”. Dessa de que forma esse processo de criação de identidades
forma, o “saber” teórico passa a emprestar legitimidade nacionais se dá no Brasil. Reforçamos, portanto, nosso
ao poder, aliando, à necessidade de fortalecimento políti- método dialético: compreender as vicissitudes do processo
co dos regimes “o controle dos lugares onde julgamentos brasileiro sem perder de vista o macrocosmo no qual estão
pudessem ser pronunciados com autoridade” (BAUMAN, delineadas as principais tendências políticas e culturais do
2010, p. 97). Nas palavras de Hobsbawm “os Estados re- período, em nível ocidental.
queriam uma religião cívica (patriotismo) porque necessi-
tavam mais do que a passividade de seus cidadãos” (106),
e assim, instalam-se demandas pelo nacionalismo, que
O Nacionalismo e a Ideia de Nação no
serão encampadas pelos governos com o auxílio dos in-
Brasil.

telectuais.
O processo de independência das colônias ibéricas, tan-
to espanholas quanto portuguesas, carrega peculiaridades
Dessa análise, podemos derivar uma ampla gama de
importantes. Nos territórios espanhóis, especialmente no
problemáticas: o critério para a formulação desse patrio-
Vice Reinado do Prata (região do Uruguai e da Argentina),
tismo, desse pertencimento, variaram de lugar para lugar.
o processo de independência se deu a partir de uma elite já
Na Italia e na Hungria, ainda em meados do século XIX,
esse tipo de perspectiva favoreceu o amadurecimento de estruturada em torno do comércio de exportação que, em

uma tendência xenófoba no seio dos setores mais conser- larga medida, já era forte antes mesmo da revolução de inde-

vadores da sociedade. Essa tendência, inclusive, marcará pendência. Também no Brasil, a pauta inicial dos reivindican-

toda a construção teórica dos totalitarismos do século XX, tes era autonomia administrativa para a gestão do comércio

e continuará viva ao longo de todo o século. colonial, muito antes de converter-se em um movimento de
cunho político e emancipacionista. Como pontua Boris Faus-
Esses confrontos se estabelecem na medida em que para to, esses movimentos de emancipação política do mundo
que surja a identificação nacional o caminho mais simples ibérico devem ser analisados a partir de uma ótica plural, na
é forjar a distância do outro, criando assim a categoria do medida em que
diferente, do que ameaça a unidade nacional. Com o fim
da primeira guerra, triunfa o princípio da nacionalidade. O A independência se explica por um conjunto
contexto de hecatombe mundial faz com que as economias de fatores, tanto internos como externos, mas
e as diretrizes políticas se refugiem mais dentro de cada foram os ventos trazidos de fora que imprimiram
fronteira. Nas palavras de Maria Emilia Prado aos acontecimentos um rumo imprevisto pela
o conflito de 1914-1918 alterou todos os pa- maioria dos atores envolvidos, em uma escalada
drões de convivência que tinham sido organiza- que passou da defesa da autonomia brasileira à
dos laboriosamente durante todo o século XIX ideia de independência (FAUSTO, B. 2008, p. 129).
no que se refere às relações sociais, às relações
internacionais e ao sistema econômico No Brasil, da mesma forma, a independência política,
lograda em 1822, não significou, automaticamente, inde-
(PRADO, M E, 2001, p. 11). pendência cultural ou “moral”, nos termos de Ricupero.
A elite imperial precisou elaborar um amplo programa de
O amadurecimento dessa tendência nacionalista, pedagogia cívica à nível nacional, para poder dar sentido
principalmente aquelas baseadas em critérios étnicos, está ao novo país que surgia. O tamanho do território do Brasil,
na base mesma de projetos como o nazismo na Alemanha e o aliado às dificuldades de comunicação em meados do XIX

11
Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

indicam a dificuldade de uma política cultural sistemática tral. Nesse sentido, podemos lembrar, com Emilia Viotti
capaz de conferir governabilidade às novas elites impe- da Costa, o paradoxo em que se forjava o contexto da
riais. Foi preciso, em consonância com as elites regionais, independência
elaborar um cronograma de ações afirmativas no sentido
Facil é perceber que, com medidas que pre-
de justificar cultural e moralmente o poder central do im-
tendiam conciliar interesses tão contraditórios
pério. Assim, como alerta Ricupero, deste lado do atlântico
quanto os dos comerciantes e produtores estran-
as nações se formaram como “produto da engenharia ins-
geiros, comerciantes e produtores portugueses e
titucional de suas elites políticas” (26).
brasileiros, necessidades da Coroa, não consiga
D. João VI senão descontentar a todos (1979)
É preciso considerar, nesse sentido, que a própria in-
dependência formal do Brasil, em 1822, foi fruto de um Compreende-se, dessa forma, que o contexto político
conturbado processo oriundo da crise no sistema imperial do início do século XIX era reflexo de um país com poderes
ibérico que remete à invasão napoleônica à Portugal, em regionais fortes que procuravam assegurar sua autonomia
1808. Diante das ameaças francesas, a corte portuguesa nesse momento de centralização do poder imperial. Essa
se transfere para o Rio de Janeiro, dinamizando aquela situação de fragmentação dificultava a governabilidade do
sociedade e criando mecanismos econômicos e políticos Império. É a partir dessa necessidade que se desenvolverão
desconhecidos durante todo o período colonial, como a os intentos de criação de uma identidade específica para o
abertura dos portos para o comércio com a Inglaterra, país, que se projetasse acima das peculiaridades regionais.
dentre outras medidas importantes. Como pontua Lucia
Neves, a corte chega ao Brasil no contexto do esboço de No momento em que a Revolução do Porto e movimento
criação de “uma nova cultura política, cuja dinâmica, po- vintista exigiam a volta do Rei à Portugal, desenhou-se com
rém, acompanhou o ritmo do processo histórico mais am- mais precisão o contexto contraditório do novo império brasi-
plo” (2001, p. 77). leiro. O governo de D. Pedro I, que fica no Brasil para assegu-
rar a unidade monárquica, já se inicia de forma tumultuosa,
Embora essa situação tenha portanto favorecido e di- tanto no plano político quanto no plano cultural e social.
namizado a sociedade local, as implicações com os ingle- Muito da legitimidade lograda nos primeiros por D. Pe-
ses eram múltiplas, e remetiam tanto à tradição de favore- dro advinha do fato do medo da rebelião popular, espe-
cimento alfandegário nos tempos da colônia até questões cialmente escrava, dado que já havia, em germen, setores
mais pontuais, como os gastos com a própria escolta da da imprensa que começavam a falar em abolicionismo e,
corte para o Brasil, que foi financiada e operacionalizada timidamente, em república11. Aliado à esse temor inter-
pelos ingleses. Essas vinculações geraram uma situação no, o medo de que a Revolução Francesa se repetisse em
em que, no momento da independência, o Brasil possuía terras tupiniquins fazia convergir os interesses dos pode-
dividas globais com a Inglaterra que ultrapassavam em rosos no plano do controle social. Assim, a legitimidade e
muito sua liquidez (ou seja, sua capacidade de pagamento) a unidade do Império eram fundamentais e, para logra-la,
e, paralelamente, não possuía ainda legitimidade adminis- as cortes imperiais elaboraram um verdadeiro programa
trativa para elaborar um plano de quitação desses débitos. de pedagogia cívica.
Assim, a independência trás, no bojo de seus principais Os órgãos oficiais do império forjaram uma ampla cam-
processos, um contexto de ampla dependência em relação panha cultural para conseguir lograr essa unidade, funda-
aos capitais internacionais, principalmente ingleses. mental para a legitimação do poder central.

As restrições mercantilistas que o imperador D. Joao Através de órgãos como o IHGB, que analisaremos
VI implantava para satisfazer a Inglaterra, desagradaram logo em seguida, foi divulgada uma perspectiva nacional
uma parcela significativa dos latifundiários brasileiros,
O próprio Correio Braziliense, fundado em 1808, já trazia comentários
11 
principalmente no Nordeste, mais distantes do poder cen- com teor bastante “republicanista”.

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

de cultura, focada em fortalecer e criar, onde ainda não da criação e divulgação das culturas típicas de cada país,
existiam, as mitologias nacionais. Para tanto, o repertório notadamente das mais remotas, como as medievais.
do romantismo foi funcionalizado e adequado às expecta-
tivas nacionais. Assim, a partir desse referencial romântico, a política
cultural do império no Brasil irá forjar sua versão da iden-
O romantismo é um movimento artístico e literário que tidade nacional, baseada essencialmente no indigenismo
emerge nos círculos letrados europeus a partir de meados – versão adaptada do apelo aos referenciais medievais,
do século XVIII. Muito embora tenha caracterizado uma típico dos românticos europeus, e nas tradições mais re-
relação específica das artes com o autor e com o público, motas do território nacional, visando produzir uma identi-
não se restringiu somente à essa esfera, tendo tido proje- dade ecumênica, capaz de congregar as mais diversas e
ções, inclusive políticas, as mais diversas. fragmentadas sociabilidades.

O movimento, marcado pela valorização do passado Nesse sentido, a história tem um papel fundamental. A

mitológico, pelos referenciais platônicos no plano do senti- versão da história que foi contada seria responsável pela

mento e pela retomada de paradigmas nacionais, emerge conformação dos sujeitos históricos nacionais. Nesse sen-

no preciso contexto das transformações sociais e econômi- tido, teve papel fundamental o Instituto Histórico e Geo-
gráfico Brasileiro, o IHGB.
cas das primeiras décadas da modernidade.

Trata-se de um instituto criado para uma função bas-


Dessa forma, é preciso compreendê-lo a partir da dinâ-
tante específica: congregar, sistematizar e veicular uma
mica social na qual está inserido, notadamente no sentido
determinada leitura da história nacional, contribuindo para
de interpreta-lo como uma resposta crítica à sensação de
inculcar essa perspectiva nas narrativas posteriores que
fragmentação e incerteza que emergem após a Revolução
fundariam a base de nossa identidade e de nossa memória.
Francesa. Valorizar a história e, nesse sentido, fornecer
um sentido concreto às tensões do fim do XVIII, são ma-
nifestações típicas do movimento romântico.

Para tornar nossa análise mais concreta, podemos ci-


tar alguns exemplos de “românticos”: através de obras de
autores como Byron, Victori Hugo e Alexandre Dumas é
possível compreender o sentido do resgate histórico que
propunha o movimento. Trata-se de uma visão de mundo
focada no indivíduo, em suas vicissitudes e no “drama do
sujeito” diante das transformações da revolução industrial
e do iluminismo. O projeto de sua fundação retoma paradoxalmente al-
guns elementos iluministas, na medida em que se propunha
Um dos tópicos principais dos românticos, que inclusive a ser um polo irradiador das luzes, do esclarecimento. Esse
é capaz de os definir de forma sistemática, é o apelo às esclarecimento, todavia, era direcionado à formação das eli-
tradições nacionais, como resposta aos intentos suprana- tes que, por sua parte, assumiriam a tarefa de iluminar o
cionais pregados pela generalização dos direitos do Ho- restante da sociedade.
mem, pauta dos revolucionários de 1789 e dos iluministas Assim, a proposta era basicamente conferir um sentido
de forma geral. Muitas vezes compreendido como um mo- histórico à nação brasileira, pensar sobre seu espaço, seus
vimento de reação, o nacionalismo projeta-se à essa de- componentes, suas tradições, fusionando os diversos ele-
fesa do paradigma nacional bastante consistente, através mentos num todo inteligível.

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

O referencial civilizatório que, como vimos na introdu- defesa da pátria como forma de proceder à uma “triagem
ção, norteou os projetos dos pensadores da modernidade social”, de onde sobreviria um protótipo brasileiro superior.
europeia, encontrava no IHGB a sua vertente brasileira.
Em 1843 uma obra de Von Martius (Como se escreve a Essa proposta, além de confluir no sentido da identida-
história do Brasil) ganha um concurso de monografias do de interna, lança uma plataforma centrípeta de negação
instituto, e passa a nortear e balizar as concepções sub- do outro, de construção de si a partir da diferença em
sequentes. A ideia do escritor consistia em, a partir da relação à outros povos e outras identidades. É possível
história, fomentar o sentido de pátria e nacionalidade a perceber esse tipo de recurso também nas obras de Eucli-
partir da defesa da concepção monárquica. Tal propósito des da Cunha, onde o meio torna-se tanto cenário quanto
servia também, em larga medida, para combates as ideias protagonista da construção da identidade nacional. Nesse
republicanas que surgiam nos principais centros urbanos, sentido, para Bernarco Ricupero, essa prática de congre-
como Salvador, Minas Gerais e Rio de Janeiro gação dos elementos naturais e humanos “estabelece os
marcos da história brasileira, numa perspectiva que privi-
Nessa obra também, Martius elabora a visão indígena legia a ação do Estado, principalmente em prol da unidade
que compartilhará com Alencar: o nosso selvagem serviria territorial” (137).
de mito fundador, assim como o cavaleiro medieval servia
de referencial para os românticos europeus. O negro, por A literatura portanto foi instrumentalizada, a partir
seu caráter rebelde, era visto como um entrave ao proces- também da ideia de que ampliava-se a comunidade de
so civilizador e, nesse sentido, “essa proposta obedecia a letrados. Assim como na Europa, os detentores do cha-
um desejo e uma perspectiva de branqueamento da popu- mado “poder-conhecimento” são convocados à colaborar
lação brasileira” (NAXARA, 1999, p. 121). com essa pedagogia cívica sistemática. Um dos pais fun-
dadores da literatura nacional, José de Alencar, também
Assim como o IHGB, o Colégio Pedro II e a Academia partirá do esforço de criação de uma mitologia nacional,
Imperial de Belas Artes também eram órgãos de divulga- de um pantheon específico para o Brasil, adequado às ne-
ção dessa perspectiva nacionalista. cessidades de integração do império. Falando inclusive da
moderação e da doçura da instituição escravista no Brasil,
A partir desses órgãos, foi criado um significativo cír- a literatura de Alencar convergia com a necessidade cultu-
culo de conferências, viagens internacionais e palestras, e ral de integração do império.
não foram poucas as “missões” de estrangeiros, destina-
das a dar a conhecer o Brasil aos próprios brasileiros. Em Num de seus romances mais famosos que compõe a
1856, Francisco Varghagen publica sua “História Geral do fase “indigenista” de Alencar, o Guarani, lemos a história
Brasil”, com financiamento da coroa. A proposta da obra do amor de Ceci e Peri, ela, doce filha de um fidalgo por-
se insere dentro da temática geral do IHGB, muito embo- tuguês, ele o índio gentil que permanece em atitude servil
ra traga um diferencial importante: a valorização da com- à família da moça durante todo o livro, subjugando seu
preensão científica da teoria, que daria mais credibilidade “instinto selvagem” ao poder da civilização, absorvendo
ainda a esse tipo de visão12. enfim as necessárias luzes do esclarecimento que irradiam
do polo branco do livro. Assim Alencar efetua a operação
Ao longo de todo o século XIX essa perspectiva seguiu de transformar em caráter pitoresco, amável, o estereoti-
sendo fundamental para a constituição da identidade na- po do índio nacional.
cional. A partir de 1870, ganha força, ainda, uma concep-
ção marcada pelo darwinismo, que pregava o combate e a Eliminando o componente selvagem do índio, o autor
elabora sua composição étnica da identidade nacional, que
repercutirá em toda a literatura nacional dos anos seguin-
  Essa inserção do componente científico nas análise reflete também a
12

penetração das ideias positivistas no Brasil. tes.

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

da civilização (ALENCAR, 1872. Benção paterna


Esse componente étnico foi muito importante nas for- – prefácio à Sonho de Ouro. São Paulo s.d.).
mulações posteriores, tanto no campo da arte como no
campo da política. Vejamos a mobilização dos conceitos Para sintetizar o esforço de José de Alencar, do IHGB
étnicos que faz Silvio Romero e de outros escritores do romantismo brasileiro, como
Manuel de Araujo Porto Alegre e Joaquim Manoel de
Quanto ao segundo problema, a transforma- Macedo, podemos pensar a partir do comentário de Marcia
ção dos povos com que o português se pôs em Naxara:
contato, dois fatores parecem firmados definiti-
vamente: a desaparição progressiva, posto que Dois mitos, entre outros, foram importantes
lenta, das duas raças inferiores, e a sua inte- para se pensar o Brasil e seu povo e para o esta-
gração em um produto novo pela mestiçagem. belecimento das origens e da identidade no sé-
Em rigor, não há a perda daquelas duas raças: culo XIX: o das três raças formadoras da nacio-
há a transformação delas. O desaparecimento nalidade (o mestiçamento entre brancos, negros
das duas formas é resgatado por uma produção e índios), e o de um passado ancestral mítico,
nova. Mas, como se viu, o português não ficou
idealizado na figura no índio que, se misturando
incólume à ação modificadora do meio. Ele tam-
com o português teria formado a nova naciona-
bém se transformou. (...)
lidade, com a exclusão do negro no plano ideal,
e que caracterizou o pensamento indianista ro-
O espetáculo de nossa história, pois, é o da
mântico. Representações que se interpenetram,
modificação de três povos para a formação de
em especial se considerarmos o momento da sua
um povo novo; é um espetáculo de transforma-
formulação: momento de valorização na crença
ção de forças étnicas e de aptidões de três cul-
no progresso, mesmo que tomado com nuances
turas, de três almas que se fundem (apud NA-
diferenciadas; nas teorias e doutrinas raciais, na
XARA, 1999)
influência do meio na formação dos povos; na

A partir do fragmento de Romero, analisando a questão evolução linear do mundo e no crescente desen-

da raça como componente central da composição identi- volvimento em direção à civilização (1999, 116).

tária do Brasil, chegamos ao ponto nevrálgico da proposta


de cultura irradiada pelo IHGB, que englobou escritores É possível perceber, portanto, que além do componente
de peso como o próprio Alencar: a mistura de raças (que racial, a questão do ambiente, do cenário em que se dão
posteriormente se cristalizará sob o mito da democracia essas misturas é um elemento importante na composição
racial) foi a maneira encontrada pelos primeiros românti- do pantheon do romantismo brasileiro. O mito de que a
cos, vinculados ao poder moderador, para forjar uma es- natureza marca o caráter dos homens e que, à um país
pecificidade para o Brasil, a partir de suas origens mais tropical, corresponderia uma espécie de civilização tropi-
remotas. Dessa forma, o próprio Alencar, ao responder à cal, também é importante nessa construção identitária13.
questão sobre o que seria a literatura nacional, afirma,
Além disso, outro tópico chama a atenção na constru-
Não é senão a alma da pátria, que transmigu- ção do arcabouço simbólico dos românticos brasileiros:
rou para este solo virgem com uma raça ilustre, sua visão idealizada sobrea escravidão, tendente a amai-
aqui impregnou-se da seiva americana desta ter- nar o caráter opressivo dessa prática.
ra que lhe serviu de regaço, e cada dia se enri-
quece ao contato de outros povos e ao influxo 13
  Esse ponto de vista, muito influenciado pela obra do positivista Augus-
te Comte, reflete a preocupação dos teóricos e pensadores da época em
imprimir um sentido científico e empirista às análises sociais.

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

A ideia de que cada raça contribui com uma porção A questão dos negros, a partir da segunda metade
para a formação da identidade nacional congrega precon- do século XIX, ganha vulto a partir da dinamização da
ceitos de várias ordens, e repercute até hoje no imaginário imprensa no Brasil (principalmente a partir da criação de
nacional. A cristalização da ideia de que somos um “país pequenos jornais alinhados ao pioneiro Correio Braziliense
de mestiços” acabou mascarando as hierarquias étnicas que, a partir de sua fundação em 1808 já propunha pautas
sociais e de classe que, ainda hoje, não foram superadas. políticas bastante avançadas, como a própria ilegitimidade
Trata-se, sumamente, de uma construção que visa a ma- do império). Além das agitações internas, a pressão inglesa
nutenção da ordem do sistema imperial, inclusive porque pelo fim do tráfico também pesava.
o índio, mesmo quando visto como o ancestral originário
e fundador, só é valorizado enquanto obediente, enquanto Como nos conta Caio Prado Junior
colaborador. A resistência indígena é sumamente ignorada
pela construção romântica. Assim, o resgate do passado O eixo principal em torno do que gira essa luta
estava funcionalizado para a construção da nação brasilei- é naturalmente a questão do elemento servil.
ra. Como pontua Naxara, o novo povo Depois de 1865 ela quase monopilza a atenção
Seria mestiço, carregando elementos das três do império. Constituia já então o braço escravo o
raças na sua formação, trazendo-os da origem, maior obstáculo ao desenvolvimento do país (...).
mas estabelecendo algo novo, projetado para o Assim, a favor da escravidão estavam tão somente
futuro e visualizado no que podea ter de melhor, os proprietários de escravos, e contra todas as
com a prevalência das qualidades do elemento demais forças políticas e sociais do país (Evolução
superior que entrava em sua composição, o ho- política do Brasil e outros Estudos, p. 86).
mem branco, civilizador por excelência, destina-
do a se impor sob as raças inferiores e a conhe- Assim como a independência do Brasil não se construiu
cer, dominar e aproveitar os recuros da natureza automaticamente, mas sim através de um amplo processo
tropical (118). de legitimação social e cultural, a questão da escravidão
tampouco se resolverá somente a partir da proibição do
Assim, tanto a literatura quanto a arte pa- tráfico. O fato que se dá, a partir das primeiras leis paliati-
trocinadas pelo imperador, inseriam-se dentro do vas como a do “ventre-livre”, é o escasseamento de mão-
propósito de forjar uma nacionalidade, uma ideia -de-obra. Esses problemas acabam gerando, no Brasil das
de coletividade unida em última instância sob a últimas décadas do XIX, uma disponibilidade de capitais
figura do imperador, do Estado. ociosos, principalmente nos setores do campo. Dessa for-
ma, a vocação exportadora brasileira sofria um duro golpe
Todavia, por mais que a unidade de e os donos de terras passarão a formar a plataforma de
perspectiva favorecesse a divulgação unilateral oposição ao abolicionismo.
desses referenciais, havia discordâncias.
Durante todo o século XIX uma série de revoltas Apesar do peso político desses latifundiários, a campa-
localizadas abalaram a credibilidade dessa nha abolicionista chega à seu término ainda na década de
perspectiva otimista da democracia racial e do 1880. Abolida a escravidão, em 1888, o problema da inte-
convívio tranquilo entre os diversos setores da gração social ressurge, na medida em que a ociosidade em
sociedade. Movimentos como a Revolta Praiera, que são laçados os antigos negros escravos denunciava a
em Pernambuco nos anos de 1842 à 1849 e o necessidade da elaboração de uma nova onda de conten-
movimento Farropilha, de 1835 à 1845, no Rio são social. Como salienta José Murilo de Carvalho
Grande de Sul, manifestam as incertezas e as
discordâncias entre as elites regionais e grande A monarquia aboliu a escravidão em 1888.
parte desses intentos centralizadores do império. Mas a medida atendeu antes a uma necessidade

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

política de preservar a ordem pública ameaçada


pela fuga em massa dos escravos e a uma única No Mexico e no Uruguai, por exemplo, o século XIX
necessidade econômica de atrair mão de obra foi marcado por uma ampla gama de manifestos e tex-
livre para as regiões cafeeiras. O problema social tos de intelectuais que propunham a imigração como
da escravidão, o problema da incorporação dos forma de resolver os problemas emergentes do aumento
ex-escravos à vida nacional e, mais ainda, à das tensões sociais. Na Argentina, por exemplo, Domin-
própria identidade da nação, não foi resolvido e go Faustino Sarmiento escreve “Facundo”, obra em que,
mal começava a ser enfrentado. alegando que o gaúcho (habitante tradicional dos pampas
argentinos) não possuía hábitos civis amadurecidos, era
 
preciso vencer a batalha contra a barbárie, implantando
Assim, diante das novas tensões geradas pela abolição,
um referencial civilizacional. O esforço de povoamento de
à vinda dos primeiros imigrantes soma-se um crescimento Sarmiento, ao buscar a inserção do elemento imigrante no
urbano como nunca se havia visto antes. A partir de então campo argentino, guarda um paralelo interessante com o
tem início a articulação da grande imprensa no Brasil, fato Brasil, na medida em que, também aqui, havia uma forte
que será decisivo para a própria formação da identidade tendência dos setores letrados em atribuir ao elemento
nacional como um todo. negro a indolência e a preguiça, que seriam responsáveis
pelos entraves econômicos, sociais e produtivos do país.
Mesmo nos anos anteriores à abolição, um círculo de
intelectuais já se organizava em torno da temática. Como Nesse momento, os Estados Unidos tornam-se um
é possível perceber através da trajetória de Joaquim Na- exemplo a ser seguido, para grande parte da intelectu-
buco. alidade nacional. A ideia de um federalismo político (que
Queremos acabar com a escravidão (...) pelos favoreceria as economias regionais fortes, como a gaúcha
seguintes motivos: 1. Porque a escravidão, assim e a baiana, por exemplo) aparecia como necessária para
como arruína economicamente o país, impossi- o enfrentamento das adversidades na produção, geradas
bilita o seu progresso material, corrompe-lhe o pelo escasseamento de mão-de-obra que tem início em
caráter, desmoraliza-lhe os elementos constitu- 1888. A imigração poderia trazer ao campo, segundo esses
tivos, tira-lhe a energia e a resolução, rebaixa a teóricos, o empreendendorismo inglês e a laboriosidade
política, habitua-o ao servilismo, impede a imi- germânica, o que acabaria por “dissolver” a influência per-
gração, desonra o trabalho manual, retarda a niciosa do negro na composição da identidade brasileira.
aparição das industrias, promove a bancarrota,
desvia os capitais de seu curso natural, afasta as Podemos perceber, em muitos sentidos, que essas in-
máquinas, excita o ódio entre as classes, produz terpretações em defesa da imigração, partem da supera-
uma aparência ilusória de ordem, bem estar e ção do estado de barbárie que diagnosticavam nas partes
riqueza, a qual encobre os abismos de anarquia menos integradas do país. Dessa forma, grande parte des-
moral, de miséria e destruição que do Norte ao ses intelectuais meditaram à partir do paradoxo de Hob-
Sul margeiam todo o nosso futuro (2000, 92). bes: partem da associação imediata da violência com o
mal e pregam a superação do “Estado de Natureza”, que
Dos argumentos utilizados no manifesto de Nabuco, diagnosticavam no país. Como tivemos a oportunidade de
é preciso chamar a atenção especialmente para a ques- analisar, no caso argentino,
tão da imigração. Para grande parte da intelectualidade
latino-americana e brasileira desse momento, o elemento Outras influências muito importantes, como Tocquevil-
imigratório foi visto como panaceia para a resolução dos le, Mill e Rousseau, foram por eles funcionalizados e ope-
problemas políticos, sociais e étnicos pelos quais passa- racionalizados no intuito de construir um plano que era,
vam os países do continente nesse momento. no encontro entre as duas propostas, sumamente organi-

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

zador. Essa franca inspiração nos referenciais europeus é


uma das responsáveis pelas mais severas críticas atribuí-
Os nacionalismos do século XX e a
das à esses autores, muito embora a ideia de transposição
de modelos forâneos para a Argentina e para a América
integração nacional.

Latina possa ser diagnosticada nas mais variadas propos-
Como pudemos perceber, a formulação da ideia ro-
tas, desde os liberais, passando pelos católicos conserva-
mântica de nação, de povo e identidade, é um aspecto
dores, até os seguidores da Internacional (TEDESCO, A.
fundamental para compreendermos os desdobramento do
2012).
mundo pós-revolução francesa. A partir do caso brasileiro,

podemos pensar de que forma esses ideias, muitas ve-
Assim, na análise comparativa entre as duas realida-
zes forjados por uma cultura oficial de mecenato e apoio
des, a argentina e a brasileira, o que emerge é o esforço
formal à determinados órgãos e escritores, favoreceram
em recriar as fronteiras da dominação social, a partir do
a criação e formulação de visões específicas da história.
intento imigratório. Todavia, a iniciativa da imigração es-
Assim como no Brasil, todo o mundo ocidental de fins do
barrou na organização rural, em ambos os países. No caso
XIX passou por esse horizonte cultural nacionalista. A par-
brasileiro, a maioria do contingente que veio da Europa
tir das primeiras décadas do século XX, contudo, o nacio-
para trabalhar nas lavouras não era agricultor em seu país
nalismo, ganha novos contornos. Vamos agora pensar um
de origem, ou seja, não possuía o conhecimento nem a
pouco a respeito da visão do século XX sobre o naciona-
prática da vida no campo. Além disso, os coronelismos re-
lismo, enfocando seus principais desdobramentos, tanto
gionais e uma política de terras bastante deficitária dificul-
políticos como culturais.
tou imensamente a fixação desses elementos no campo,
acabando por compeli-los às cidades, inchando os núcleos
urbanos e gerando tensões antes desconhecidas pelas eli-
tes brasileiras.

Assim, é importante considerarmos o aluvião
imigratório como um novo fator de redefinição das
fronteiras identitárias no Brasil, e da formulação de uma
nova demanda por nacionalismo, que pudesse conferir à
essa sociedade que agora se enchia de novos e distintos
elementos, uma organicidade nacional. A maioria dos
imigrantes que chegava não se dispunha imediatamente
a desfazer-se de sua cultura originária. Não se viam como
Inicialmente, é importante considerarmos que, a partir
brasileiros. As elites, então, sentindo a necessidade de
da Revolução bolchevique de 1917, na Russia, uma nova
recriar e fortalecer o paradigma nacional, irão elaborar
perspectiva se insere no panorama político mundial: o so-
novos e modernos mecanismos de integração social cialismo.
baseada na ideia de nação.
Desde meados do século XIX, com o fortalecimento de
Todavia, antes de pensarmos de que forma essa questão organizações como a Internacional Comunista, o horizonte
do nacionalismo que se projeta a partir dos imigrantes se igualitário baseado numa mudança no modo de produ-
dá no Brasil, é preciso que pensemos um pouco sobre essa ção já se insinuava no plano da teoria. A revolução russa,
nova forma de nacionalismo, típica do fim do século XIX contudo, fornece o panorama concreto do desafio à hege-
e começo do século XX que, embora tenha relações com monia das nações capitalistas, e provoca uma mobilização
o nacionalismo strictu sensu, ganha novos contornos no de grande porte em todo o mundo, inclusive inspirando e
momento em questão. subsidiando os partidos comunistas locais.

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

Durante os primeiros anos da Revolução, a orientação sociedade de massas e a integração nacional dos novos
internacionalista visava ampliar o leque de influencias do elementos que emergem da sociedade industrial.
projeto leninista. Para os primeiros teóricos da Revolução,
importava construir uma identidade supra-nacional, base- Para ele,
ada nos critérios de classe. Somente dessa forma seria a reação às transformações no século XIX
possível expandir e concretizar definitivamente o projeto formou os críticos aristocráticos da sociedade de
revolucionário. massas, como Le Bon, Ortega e Manheimm, e
a resistência à perspectiva do totalitarismo, por
Como contrapartida à essa ofensiva da URSS, grande sua vez, deu origem ao que classifica como críti-
parte dos governos europeus formularão propostas de cos democráticos da sociedade de massas, cujos
cunho nacionalista: criando-se e reforçando-se uma iden- maiores representantes são os teóricos da Esco-
tidade nacional, minimiza-se o risco de uma identidade su- la de Frankfurt e, notadamente, Hannah Arendt
pra-nacional e classista, que poderia alterar por completo (TEDESCO, A, 2012).
o eixo social e político do continente. Assim, atores como
a classe operária e o movimento das classes médias eram Nesse momento, portanto, tanto intelectuais de “direi-
paulatinamente atrelados à pautas internas e procurava- ta” como de “esquerda”, convergem seus esforços inter-
-se dissolver a influencia perniciosa que enxergavam no pretativos na análise dessa nova sociedade. Como alerta
apanágio marxista: Proletários do mundo inteiro, Uni-vos! Kornhauser,
por paradoxal que seja, estes críticos demo-
A negação do internacionalismo, nesse sentido, tam- cráticos acabaram por recorrer, em grande par-
bém engloba outras problemáticas para além da influência te, ao armamento intelectual usado pelos pen-
da URSS. A questão judaica, por exemplo, é complexifi- sadores aistocráticos, diante do fluxo crescente
cada, na medida em que a característica do povo judeu de ideólogos democráticos no século XX (KOR-
de não possuir, estritamente, uma comunidade hermética, NHAUSER, 1969, p. 20).
num só território, acabou fomentando um anti-semitismo
de grande porte, que será chave de entendimento para Esse momento marca também o surgimento de
grande parte das hecatombes do século XX, como nos uma sensação de perda dos referenciais clássicos
lembra Hannah Arendt. da modernidade. Para Walter Benjamin, ligado aos
frankfurtianos, a elite vernácula dos países ocidentais é
Dessa forma, diversas estratégias de integração nacio- arrebatada por uma sensação de horror diante do novo
nal foram formuladas sob as mais variadas vertentes ao protagonista da cultura e da sociedade ocidentais: a
longo das primeiras décadas do século XX, principalmente multidão. Para ele, a invasão desses novos elementos
a partir das novas tecnologias de comunicação de mas- nos cafés, ruas e boulevares das grandes cidades acabam
sa, que alteram por completo as possibilidades comuni- despojando os intelectuais e os nobres de seus antigos
cativas e, essencialmente, alçam à multidão à categoria centros de convívio, causando, inclusive, a perda das
de interlocutores na esfera pública. Esse é o contexto de funções rituais na modernidade (1989, p. 214).
germinação de movimentos totalitários como o fascismo,
o nazismo, o peronismo e o próprio varguismo, como ve- Para Ortega y Gasset, no mesmo sentido, a cultura da
remos adiante. sociedade de massas carrega o germen de uma comunida-
de sem identidade, sem parâmetros e incapaz de guiar-se
Paralelamente ao fortalecimento dessas tendências no mundo da política. Em A rebelião das massas (1971,)
autoritárias, Kornhauser (1969), referência na interpretação Ortega pontua que o homem típico dessa sociedade mas-
da chamada teoria das massas, destaca que começam sificada e despojada de tradição é seria uma espécie de
a surgir os intérpretes desse fenômeno tão moderno: a “homem-massa”. Esse novo homem moderno, para ele,

19
Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

não é somente o operário da indústria ou o bárbaro do não) e dicotomias grosseiras perpassa todo um
campo, mas também o homem-medio, a aristocracia sem conjunto de obras que descaracterizam a possi-
nobreza, enfim, todos que se guiam a partir da nova con- bilidade de existência real do indivíduo na multi-
cepção de tempo e de espaço típicas da modernidade. dão (TEDESCO, A. 2012).
Para Adorno (2006), trata-se de um contexto em que
os homens ricos e cultos passam a perceber que Na contrapartida dessas concepções conservadoras
sobre o fenômeno das massas, surgiram também outras
o preço da dominação não é meramente a perspectivas, como por exemplo da do Instituto de In-
alienação dos homens com relação aos objetos vestigação Social, fundado em Frankfurt, em 1923. A pro-
dominados, com a coisificação do espírito, as posta do instituto, que congregava nomes como Lukacs,
próprias relações dos homens foram enfeitiça- Bell, Adorno, Horkheimer, Arendt e Weber, consistia em
das, inclusive as relações de cada indivíduo con- uma atualização do marxismo, capaz de compreender as
sigo mesmo (ADORNO, 2006, p. 35). dinâmicas sócio-culturais da realidade pós Primeira Guerra
Mundial.
Os intérpretes conservadores da sociedade de massas
pontuam que as novas formas de democracia social aca- Vamos analisar, nesse momento, um texto clássico de
bam fazendo imperar a vulgaridade, a inabilidade política. Adorno, onde a problemática dessa nova “cultura da mul-
Para eles, da mesma forma, a integração desses novos tidão” é analisada em termos históricos e sociológicos. Fi-
elementos é necessária, ainda que não sob forma demo- quemos atentos para que, para ele, a ideia de “cultura de
crática. Ortega responsabiliza, nesse sentido, o século massa” não existe, pois as massas ocidentais do século
XIX com sua aberta e ampla “concessão de direitos aos XX, em verdade, não possuiriam uma cultura própria, gra-
trabalhadores e privilégios aos pequenos”. Trata-se, como ças aos frequentes ataques às suas tradições ao longo de
vemos, de uma postura bastante conservadora e elitista, toda a modernidade. Para ele, trata-se, mais propriamen-
que informará grande parte da intelectualidade brasileira e te, de “indústria cultural”, o movimento de homogeneiza-
latino-americana nas primeiras décadas do século XX ção e criação de uma sociedade unificada que tem início
na década de 1920.
Nesse sentido, o conservador Gustave le Bon (1895),
pode nos ajudar a sintetizar essa proposta conservadora
de integração das massas, para ele: A tese sociológica de que a perda de apoio na
religião objetiva, a dissolução dosúltimos resídu-
para convencer as multidões é necessário, em os pré-capitalistas, a diferenciação técnica e so-
primeiro lugar, perceber quais os sentimentos que cial e a extremaespecialização, deram lugar a um
as movem, fingir partilha-los também e, depois, caos cultural é cotidianamente desmentida pelos
tentar modifica-los ou conduzi-los suscitando fatos. A civilização atual a tudo confere um ar de
certas imagens por meio de associações mentais semelhança. Filmes, rádio e semanários consti-
rudimentares (LE BON, 1895, p. 113). tuem um sistema. Cada setor se harmoniza em
si e todos entre si. As manifestações estéticas,
A associação entre as massas com um aspecto patoló- mesmo a dos antagonistas políticos, celebram da
gico, é uma das linhas mestras da perspectiva conservado- mesma forma o elogio doritmo do aço. As sedes
ra da teoria das massas. decorativas das administrações e das amostras
industriais sãopouco diferentes nos países auto-
A ideia de que a comunicação com a massa ritários e nos outros.
e na massa só pode ser feita com base em ima- Os palácios colossais que surgemde todas as
gens simplistas (sejam elas gráficas, verbais ou partes representam a pura racionalidade sem

20
Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

sentido dos grandes cartéisinternacionais a que tas e totalitárias apoiadas nas massas apontando para o
já tendia a livre iniciativa desenfreada, que tem, fato de que
no entanto, os seusmonumentos nos sombrios
edifícios circundantes - de moradia ou de ne- A ascenção de Hitler ao poder foi legal den-
gócios - dascidades desoladas. Por sua vez, as tro do sistema majoritário, e ele não poderia ter
casas mais velhas em torno ao centro de cimen- mantido a liderança de tão grande população,
toarmado têm o aspecto de sobrevivido à tantas crises internas e externas, e
slums enfrentado tantos perigos de lutas inter-partidá-
(favelas), enquanto os novos bangalôs às rias se não tivesse contado com a confiança das
margens dascidades cantam (como as frágeis massas (Origens, 28).
construções das feiras internacionais) louvores
aoprogresso técnico, convidando a liquidá-las, A crítica que o instituto de Frankfurt formulou nesse
após um rápido uso, como latas de conserva.Mas contexto, dirigida aos rumos e efeitos do que Weber clas-
os projetos urbanísticos que deveriam perpetuar, sificou como “razão técnica”, repercute de muitas formas
em pequenas habitaçõeshigiênicas, o indivíduo no mundo das letras ocidentais. Todavia, muito embora
como ser independente, o submetem ainda mais constituísse um núcleo irradiador de novas propostas e
radicalmente à sua antítese, o poder total do ca- novos referenciais, no contexto do começo do século XX
pital. Como os habitantes afluem aos centros em havia manifestações contrárias, que se posicionavam do
busca de trabalho e de diversão, como produto- sentido de legitimar e impulsionar a cultura da técnica e
res e consumidores, as unidades de construção da exaltação da violência.
se cristalizam sem solução de continuidade em
complexos, bem organizados. No plano da arte se desenvolvem as vanguardas ar-
tísticas e culturais14 que, paulatinamente, informarão te-
A unidadevisível de macrocosmo e de micro- oricamente grande parte dos movimentos modernistas,
cosmo mostra aos homens o esquema da sua tanto na Europa quanto na América Latina. Suas temá-
civilização: a falsa identidade do universal e do ticas, majoritariamente, abrangem a questão nacional a
particular. Toda a civilização de massa em siste- partir da constatação de que a sociedade moderna – e
ma de economia concentrada é idêntica, e o seu a ampla gama de mudanças e contradições à ela asso-
esqueleto, a armadura conceptual daquela, co- ciadas – não consistia somente em algo positivo, mas
meça a delinearse. Os dirigentes não estão mais também carregava um ônus importante, tanto na questão
tão interessados em escondê-la; a sua autorida- social quanto na própria impossibilidade de emancipação
de se reforça quanto mais brutalmente é reco- moral, artística e intelectual que se projetava a partir da
nhecida. Filme e rádio não têm mais necessidade chamada “sociedade de massas”. Percebemos, assim, que
de serem empacotados como arte. as respostas culturais ao mundo da técnica são diversas e
plurais. Schwartz, nesse sentido, pontua que esses movi-
Podemos perceber, através da leitura desse pequeno mentos podem ser compreendidos a partir da ideia de um
fragmento, que para Adorno o “esclarecimento” iluminista “mosaico de paradoxos”, onde, apesar do fator pluralida-
acabou criando novas mitologias, entre elas a da cultura de, podemos observar uma “unidade do processo social
de massa. As novas ferramentas comunicativas, como o amplo em que se gestaram” (SCHWARTZ, J. Vanguardas
rádio e mesmo a generalização do telégrafo, irão projetar LatinoAmericanas. São Paulo, EDUSP, 1995, p. 20).
essa sensação de “uniformização” para todos os campos
da experiência vivida dos homens de meados do século
XX. Hannah Arendt, ao analisar o regime nazista, destaca   Para Sarlo e Altamirano, a construção das vanguardas pode ser des-
14

crita como uma “revolución superestructual” que “tiene por agentes a los
essa problemática da formulação de alternativas coletivis- sujectos del campo intelectual” (1997, p. 144)

21
Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

Alguns movimentos, como as vanguardas europeias 5. Queremos celebrar o homem que segura o volan-
principalmente na Italia e na Alemanha, surgem no senti- te, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada a
do de legitimar e justificar a sociedade criticada por Ador- toda velocidade no circuito de sua própria órbita.
no e Horkheimer.
6. O poeta deve prodigalizar-se com ardor, fausto
Para pensarmos um pouco a respeito dessas questões,
e munificência, a fim de aumentar o entusiástico
vamos observar um trecho do “manifesto futurista”, movi-
fervor dos elementos primordiais.
mento que se originou na Itália a partir desse documento,
redigido por Marinetti, no jornal Le Figaro. Consideremos,
7. Já não há beleza senão na luta. Nenhuma obra
antes de iniciarmos propriamente a leitura que, como nos
que não tenha um carácter agressivo pode ser
alerta Antonio Candido na obra Literatura e Sociedade,
uma obra-prima. A poesia deve ser concebida
os autores devem sempre ser analisados a partir de seus
como um violento assalto contra as forças igno-
espaços sociais, sendo fundamental uma leitura dialética
tas para obrigá-las a prostrar-se ante o homem.
para a compreensão da produção, aceitação e divulgação
das obras, isso porque “a arte é social nos dois sentidos:
8. Estamos no promontório extremo dos séculos!...
depende da ação de fatores do meio que se exprimem
Por que haveremos de olhar para trás, se que-
na obra em graus diversos de sublimação e produz sobre
remos arrombar as misteriosas portas do Im-
os indivíduos um efeito prático” (CANDIDO, A Literatura e
possível? O Tempo e o Espaço morreram ontem.
Sociedade, São Paulo. Ed Exemplar, 1967).
Vivemos já o absoluto, pois criamos a eterna ve-

“Então, com o vulto coberto pela boa lama locidade omnipresente.

das fábricas - empaste de escórias metálicas,


9. Queremos glorificar a guerra - única higiene do
de suores inúteis, de fuligens celestes -, contun-
mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto
didos e enfaixados os braços, mas impávidos,
destruidor dos anarquistas, as belas ideias pelas
ditamos nossas primeiras vontades a todos os
quais se morre e o desprezo da mulher.
homens vivos da terra:

1.  Queremos cantar o amor do perigo, o hábito da 10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as
energia e da temeridade.[ academias de todo o tipo, e combater o mora-
lismo, o feminismo e toda vileza oportunista e
2. A coragem, a audácia e a rebelião serão elemen-
utilitária.
tos essenciais da nossa poesia.

3. Até hoje a literatura tem exaltado a imobilidade 11. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo
pensativa, o êxtase e o sono. Queremos exaltar trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; canta-
o movimento agressivo, a insónia febril, a ve- remos a maré multicor e polifônica das revoluções
locidade, o salto mortal, a bofetada e o murro. nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fer-
vor nocturno dos arsenais e dos estaleiros incen-
4. Afirmamos que a magnificência do mundo se en- diados por violentas luas eléctricas: as estações in-
riqueceu de uma beleza nova: a beleza da veloci- saciáveis, devoradoras de serpentes fumegantes:
dade. Um carro de corrida adornado de grossos as fábricas suspensas das nuvens pelos contorci-
tubos semelhantes a serpentes de hálito explo- dos fios de suas fumaças; as pontes semelhantes
sivo... um automóvel rugidor, que parece correr a ginastas gigantes que transpõem as fumaças,

sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de cintilantes ao sol com um fulgor de facas; os na-

Samotrácia. vios a vapor aventurosos que farejam o horizonte,


as locomotivas de amplo peito que se empertigam

22
Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

sobre os trilhos como enormes cavalos de aço re- Quereis, pois, desperdiçar todas as vossas me-
freados por tubos e o voo deslizante dos aviões, lhores forças nessa eterna e inútil admiração do
cujas hélices se agitam ao vento como bandeiras e passado, da qual saís fatalmente exaustos, dimi-
parecem aplaudir como uma multidão entusiasta. nuídos e espezinhados?

É da Itália que lançamos ao mundo este ma- Em verdade eu vos digo que a frequentação
nifesto de violência arrebatadora e incendiária quotidiana dos museus, das bibliotecas e das aca-
com o qual fundamos o nosso Futurismo, porque demias (cemitérios de esforços vãos, calvários
queremos libertar este país de sua fétida gan- de sonhos crucificados, registros de lances trun-
grena de professores, arqueólogos, cicerones e cados!...) é, para os artistas, tão ruinosa quanto
antiquários. a tutela prolongada dos pais para certos jovens
embriagados, vá lá: o admirável passado é talvez
Há muito tempo que a Itália vem sendo um um bálsamo para tantos os seus males, já que
mercado de belchiores. Queremos libertá-la dos para eles o futuro está barrado... Mas nós não
incontáveis museus que a cobrem de cemitérios queremos saber dele, do passado, nós, jovens e
inumeráveis. fortes futuristas!

Museus: cemitérios!... Idênticos, realmente, Bem-vindos, pois, os alegres incendiários com

pela sinistra promiscuidade de tantos corpos que os seus dedos carbonizados! Ei-los!... Aqui!...

não se conhecem. Museus: dormitórios públicos Ponham fogo nas estantes das bibliotecas!...

onde se repousa sempre ao lado de seres odia- Desviem o curso dos canais para inundar os

dos ou desconhecidos! Museus: absurdos dos museus!... Oh, a alegria de ver flutuar à deriva,

matadouros dos pintores e escultores que se rasgadas e descoradas sobre as águas, as velhas
telas gloriosas!... Empunhem as picaretas, os
trucidam ferozmente a golpes de cores e linhas
machados, os martelos e destruam sem piedade
ao longo de suas paredes!
as cidades veneradas!

Que os visitemos em peregrinação uma vez Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: resta-
por ano, como se visita o cemitério dos mortos, -nos assim, pelo menos um decénio mais jovens
tudo bem. Que uma vez por ano se desponte e válidos que nós deitarão no cesto de papéis,
uma coroa de flores diante da Gioconda, vá lá. como manuscritos inúteis. - Pois é isso que que-
Mas não admitimos passear diariamente pelos remos!
museus, nossas tristezas, nossa frágil coragem,
nossa mórbida inquietude. Por que devemos nos Nossos sucessores virão de longe contra
envenenar? Por que devemos apodrecer? nós, de toda parte, dançando à cadência alada
E que se pode ver num velho quadro, senão a dos seus primeiros cantos, estendendo os dedos
fatigante contorção do artista que se empenhou aduncos de predadores e farejando caninamen-
em infringir as insuperáveis barreiras erguidas te, às portas das academias, o bom cheiro das
contra o desejo de exprimir inteiramente o seu nossas mentes em putrefacção, já prometidas às
sonho?... Admirar um quadro antigo equivalente catacumbas das bibliotecas.
a verter a nossa sensibilidade numa urna funerá-
ria, em vez de projectá-la para longe, em violen- Mas nós não estaremos lá... Por fim eles nos
tos arremessos de criação e de acção. encontrarão - uma noite de inverno - em campo
aberto, sob um triste telheiro tamborilado por

23
Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

monótona chuva, e nos verão agachados junto A proposta do Futurismo, baseada na exaltação do
aos nossos aviões trepidantes, aquecendo as mundo da máquina, da técnica e da indústria, e alinhada
mãos ao fogo mesquinho proporcionado pelos a uma perspectiva totalitária e expansionista, projetava-se
nossos livros de hoje, flamejando sob o voo das no momento em que amadurecia, na sociedade e cultura
nossas imagens. italianas, a prerrogativa nacional-popular que desemboca-
ria e gestaria o fascismo, nas décadas seguintes.
Eles se amotinarão à nossa volta, ofegantes
de angústia e despeito, e todos, exasperados
pela nossa soberba, inestancável audácia, se Além disso, como alerta-nos Schwartz, os termos em

precipitarão para matar-nos, impelidos por um que se dão as propostas futuristas contribuem para uma

ódio tanto mais mais implacável quanto os seus visão específica da guerra como tarefa de higiene social,

corações estiverem ébrios de amor e admiração eliminando os fracos e fazendo emergir uma sociedade

por nós. bela em sua beliciosidade.

A forte e sã injustiça explodirá radiosa em


Uma das pautas importantes do Movimento Futurista
seus olhos - A arte, de facto, não pode ser senão
que partiu do manifesto publicado no Le Figaro dizia res-
violência, crueldade e injustiça.
peito à questão formal da linguagem da arte.

Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: no


entanto, temos já esbanjado tesouros, mil tesou- O movimento encampava a ideia de uma estética fun-
ros de força, de amor, de audácia, de astúcia cionalista, influenciada imensamente pela linguagem da
e de vontade rude, precipitadamente, deliran- propaganda e das novas tecnologias de comunicação de
temente, sem calcular, sem jamais hesitar, sem massa. A estética futurista, que informou movimentos
jamais repousar, até perder o fôlego... Olhai para como o cubismo, estava atrelada assim à ideia de simul-
nós! Ainda não estamos exaustos! Os nossos taneidade, de movimento, onde os objetos e as palavras
corações não sentem nenhuma fadiga, porque não se circunscreveriam somente à sua representação
estão nutridos de fogo, de ódio e de velocida- mais imediata.
de!... Estais admirados? É lógico, pois não vos
recordais sequer de ter vivido! Erectos sobre o Socialmente, o movimento pregava uma negação do
pináculo do mundo, mais uma vez lançamos o passado de forma ampla e irrestrita, inserindo-se na órbita
nosso desafio às estrelas! de um antimoralismo e de uma antitradição que, parale-
lamente, fomentavam um ideal nacionalista e corporativo,
Vós nos opondes objecções?... Basta! Basta! precisamente no contexto de uma sociedade italiana que
Já as conhecemos... Já entendemos!... Nossa vivia um momento de incertezas identitárias e crise de pa-
bela e hipócrita inteligência nos afirma que so- radigmas.
mos o resultado e o prolongamento dos nossos
ancestrais. - Talvez!... Seja!... Mas que importa? Dei Schiró inclusive, alerta-nos para um paralelo inte-
Não queremos entender!... Ai de quem nos repe- ressante entre o Manifesto de fundação do “partido futu-
tir essas palavras infames!... rista” de Marinetti e o jornal Il popolo de Italia, de Benito
Mussolini, notando que as pautas de ambos os documen-
Cabeça erguida!... tos são significantemente parecidas. Essa semelhança de
percursos, contudo, se modifica no momento em que o
Erectos sobre o pináculo do mundo, mais ideário fascista de Mussolini passa a ganhar mais adeptos
uma vez lançamos o nosso desafio às estrelas. e mais força política, momento em que o próprio Marinetti

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

reformula as bases de seu movimento e se afasta da mili- Entre eles, podemos destacar a emergência e o paulati-
tância nos órgãos regionais da juventude fascista. no fortalecimento do movimento republicano15, as tensões
com o exército e com a Igreja. Além disso, a abolição –
pensada por etapas à partir de meados da década de 1850
– gerava tensões de largo alcance entre o poder central e
as classes produtoras.

Em 1888, reforma-se o código penal e o Estado torna-


-se laico, a partir das divergências surgidas pelas novas
diretrizes do Vaticano, em 1848. Essa modernização políti-
ca, contudo, vem na esteira de um processo de criação de
uma nova elite, que dialogará com as tendências liberais
e conservadoras da sociedade de forma bastante rígida, e
que ficou conhecida, por suas vinculações sociais e fami-
O afastamento de Marinetti das fileiras do fascismo, con- liares, como República do Café com Leite. Nesse sentido,
tudo, não é definitivo. No fim da década de 1910, principal- resume Boris Fausto,
mente nos anos de 1918 e 1929, o artista retorna à militância
ao lado de Mussolini, justificando suas práticas e apoiando O fim do regime monárquico resultou de uma
ações imperialistas como a intervenção na Espanha. série de fatores cujo peso não é o mesmo. Duas
forças, de características muito diversas, devem
Embora não se possa dizer que o futurismo tenha gera- ser ressaltadas em primeiro lugar: o Exército e
do o fascismo, ou mesmo fornecido suas principais bases um setor expressivo da burguesia cafeeira de
de apoio teórico, é importante perceber que as grandes São Paulo, organizado politicamente no PRP. O
hecatombes pelas quais passará a sociedade europeia e episódio de 15 de novembro resultou da iniciati-
ocidental a partir da década de 1930 (fascismo, nazismo, va quase exclusiva do Exército, que deu um pe-
holocausto, guerra mundial, etc), são radicalizações de queno mas decisivo empurrão para apressar a

contradições do fenômeno moderno que já aparecem nos queda da Monarquia. Por outro lado, a burguesia

escritos e manifestos das primeiras vanguardas do século cafeeira permitiria à Republica contar com uma
base social estável, que nem o Exército, nem a
XX, ainda na década de 1910.
população urbana do Rio de Janeiro, podiam,
Para pensarmos essas novas dinâmicas culturais no por si mesmos, proporcionar
contexto brasileiro, vamos agora inserir em nossa análise
os influxos políticos e sociais da modernidade no contexto (FAUSTO, 2008, p. 235).
nacional, atentando-nos para os novos paradigmas cultu-
rais que o protagonismo das “massas” engendraram no São Paulo, como maior produtor de café e dotado de
funcionamento político de nossa sociedade. uma articulação política bastante proeminente, esteve na
proa desse processo de reorganização social, política e cul-
As vanguardas e o modernismo na tural. A dinâmica produtiva do eixo São Paulo-Minas, além
América Latina e no Brasil. dos planos de colonização baseados na pequena proprie-
Para Boris Fausto “A novidade da década de 1870 foi o surgimento
15 

de um movimento republicano conservador nas províncias, tendo como


A partir de 1870, segundo Boris Fausto (2008), já é
maior expressão o Partido Republicano Paulista (PRP), fundado em 1873.
possível diagnosticar “uma série de sintomas da crise do Os quadros do PRP provinham majoritariamente da burguesia cafeeira. O
ponto fundamental do programa do partido consistia na defesa da fede-
Segundo Reinado”
ração, ou seja, de um modelo de organização política do país em que as
(FAUSTO, 2008, p. 217). unidades básicas são as províncias” (FAUSTO, 2008, p. 228).

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

dade que emergiam na região Sul, fortaleceram a deman- tando que suas sociabilidades de origem se sobressaíssem
da por mão-de-obra imigrante, São Paulo, por exemplo, à brasileira. Assim, uma nova demanda de nacionalismo
recebeu cerca de 2 milhões de imigrantes. A ideia para o será construída a partir da chegada desses imigrantes. A
projeto de imigração em larga escala vem na esteira de análise de Beired para o caso argentino, pode em alguma
um desejo e de uma expectativa dupla: se por um lado medida, nos fornecer um paradigma de aproximação im-
satisfazia os líderes políticos e culturais inspirados pelo portante:
positivismo, no sentido de branquear a população e, pa-
ralelamente, mesclar o elemento imigrante europeu, que A entrada maciça de imigrantes, o surgimento
consideravam laborioso e empreendedor, por outro lado, de tensões culturais e o questionamento da ordem
atuaria como dinamizadora do mercado interno, no preci- social por um movimento operário organizado e
so momento em que o país passava pela incrementação mobilizado foram fatores que levaram o Estado
de sua capacidade produtiva. a perceber a necessidade de infundir uma nova
‘cultura cívica’ na população.
Todavia, assim como ocorreu em outros países da
América Latina – como a Argentina, por exemplo – esses (BEIRED, 1996, p. 299).
imigrantes que foram direcionados para o campo, para
suprir a mão-de-obra deixada pela escalada abolicionista,
Esse é o contexto, portanto, de uma reformulação das
não eram agricultores em seus países de origem. Eram
hierarquias e da dinâmica dos grandes centros. Nessa
operários, em sua maioria, exerciam atividade urbana mau
situação, uma nova efervescência editorial e intelectual
remunerada e não possuíam vínculos tradicionais com o
vêm completar essa dinâmica tipicamente moderna,
cultivo da terra. Aliado à isso, as leis de terras brasileiras
composta, entre outras coisas, pela pluralização dos
não favoreciam, em sua maioria, a prática da fixação dos
referenciais culturais e por uma nova versão da idéia
que se dispunham a cultivar a terra. Dessa forma, grande
de brasileiridade e da identidade nacional. O começo
parte desse contingente de População Economicamente
do século XX, dessa forma, inserirá uma vasta gama de
Ativa acabou se direcionando para as cidades, inflando os
novas perspectivas culturais e sociais. Um dos movimentos
grandes núcleos urbanos e, assim, inserindo novos dile-
mais paradigmáticos que se darão nesse contexto será a
mas para as classes dominantes do país.
semana de arte moderna de 1922, ocorrida em São Paulo.

A partir do momento em que esses imigrantes se dire-


O movimento, que culminou na “semana” organizada
cionam para as cidades, os centros urbanos passam por
no Teatro Municipal de São Paulo, gestou-se a partir da ne-
um processo de dessacralização. A emergência desses
cessidade sentida por um grupo de artistas e intelectuais
novos elementos exige a criação de canais de expressão
em reformular algumas bases sob as quais assentavam-se
política e cultural inexistentes nesse contexto inicial da
os paradigmas da cultura do país. A proposta baseava-se
Republica. Dessa forma, novas hierarquias sociais preci-
numa reformulação da ideia de que o Brasil não teria auto-
sam ser criadas. Como salienta Devoto, a elite precisou
nomia criativa, sendo permanentemente obrigado a forjar
“fortalecer, construir onde não havia, as distâncias sociais”
seus referenciais culturais a partir dos contextos, modas
(DEVOTO in AGGIO e LAHUERTA, 2003, p. 173). e movimentos internacionais. Artistas importantes como
Mario e Oswald de Andrade e Anita Malfatti empenharam-
A partir dessa necessidade de re-hierarquização social, -se em mostrar que o Brasil era portador – cultural e so-
que emerge com a inclusão dessa massa de imigrantes cialmente – de significativos próprios, capazes de criar um
na cena política e econômica, surge portanto uma nova repertório próprio de representações; propunham, nesse
demanda de integração, no sentido de congregar esses sentido, que essa cultura tipicamente brasileira fosse a
imigrantes a partir de um referencial único, patrício, evi- base da interpretação da nossa realidade nacional, ainda

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

que a sintonia com os movimentos europeus não fosse mos. De todas as religiões. De todos os tratados
imediatamente descartada. de paz.
Tupi, or not tupi that is the question.
O que podemos perceber, nesse breve panorama a res- Contra todas as catequeses. E contra a mãe
peito das linhas gerais da Semana de Arte de 1922 é que dos Gracos.
tratou-se, em última instância, da formulação e reformu- Só me interessa o que não é meu. Lei do ho-
lação dos paradigmas culturais e artísticos. Tal empenho mem. Lei do antropófago.
denota de que forma o contexto da Republica Velha, como Estamos fatigados de todos os maridos católi-
esse período foi chamado na historiografia – estava mar- cos suspeitosos postos em drama. Freud acabou
cado por tensões culturais e identitárias latentes, e que com o enigma mulher e com outros sustos da
essa proposta de nacionalismo renovado – embora tenha psicologia impressa.
sofrido duras críticas à época da exposição dos primeiros O que atropelava a verdade era a roupa, o
artistas – encontra-se no campo político com a necessi- impermeável entre o mundo interior e o mundo
dade de integrar culturalmente os novos elementos que exterior. A reação contra o homem vestido. O
emergiam na cena política, tanto imigrantes quanto mi- cinema americano informará.
grantes internos, atraídos aos grandes centros pela cria- Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados
ção das indústrias, do comércio ampliado etc. e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da
saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pe-
los touristes. No país da cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem
coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos
o que era urbano, suburbano, fronteiriço e con-
tinental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.
Uma consciência participante, uma rítmica
religiosa.

(...)

Contra a Memória fonte do costume. A expe-


riência pessoal renovada.
Para pensarmos de que forma o movimento pôde con-
Somos concretistas. As idéias tomam conta,
tribuir com essa “demanda de nacionalismo” da década
reagem, queimam gente nas praças públicas.
de 1920, podemos observar o “Manifesto Antropofágico”,
Suprimarnos as idéias e as outras paralisias. Pe-
documento que baseou toda a construção teórica dos
los roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos
participantes do movimento, ainda que a partir de apro-
instrumentos e nas estrelas.
priações distintas de acordo com cada caso. O manifesto
Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte
foi pensado e escrito pelo paulista Oswald de Andrade,
de D. João VI.
um dos nomes basilares do movimento de 1922. Antes de
A alegria é a prova dos nove.
comentar sobre os influxos teóricos e práticos do texto,
A luta entre o que se chamaria Incriado e a
vamos à sua leitura:
Criatura – ilustrada pela contradição permanen-
Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Eco- te do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano
nomicamente. Filosoficamente. e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Ab-
Única lei do mundo. Expressão mascarada de sorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em
todos os individualismos, de todos os coletivis- totem. A humana aventura. A terrena finalidade.

27
Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

Porém, só as puras elites conseguiram realizar a pouco as internas (a cultura ameríndia), mas sim em forjar,
antropofagia carnal, que traz em si o mais alto a partir da interiorização, reflexão e síntese, uma cultura
sentido da vida e evita todos os males identifi- original e profundamente agregadora. Trata-se, portanto,
cados por Freud, males catequistas. O que se de um nacionalismo mais mediatizado, mais em sintonia
dá não é uma sublimação do instinto sexual. É com o contexto de ampliação das fronteiras comunicativas
a escala termométrica do instinto antropofágico. pelos quais passava a sociedade ocidental naquele con-
De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. texto. A título de curiosidade, inclusive, durante esse mes-
Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia- mo período, na Argentina, a vanguarda Ultraísta formulou
-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A proposta semelhante, à que a historiografia daquele país
baixa antropofagia aglomerada nos pecados de acostumou-se a chamar de “nacionalismo cosmopolita”.
catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o as-
sassinato. Peste dos chamados povos cultos e O modernismo do Manifesto antropofágico, portanto,
cristianizados, é contra ela que estamos agindo. é um movimento de crítica, que ridiculariza a submissão
Antropófagos. irrestrita das elites brasileiras aos parâmetros forâneos e
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens questiona, ainda, os moldes do tecnicismo e do mundo
do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João industrial. Vemos, portanto, que além de uma revolução
Ramalho fundador de São Paulo. estética, baseada no estilo fragmentado e sintético que
A nossa independência ainda não foi procla- caracterizou grande parte dos movimentos de vanguar-
mada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, da nesse momento, o modernismo brasileiro carregou
põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum um sentido social bastante relevante, na medida em que
aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É pre- emerge da própria obsolescência e tradicionalismo da re-
ciso expulsar o espírito bragantino, as ordena- publica velha para, num movimento dialético, formular sua
ções e o rapé de Maria da Fonte. negação e sua síntese emancipatória.
Contra a realidade social, vestida e opresso-
ra, cadastrada por Freud – a realidade sem com- Esse movimento permanentemente contraditório que
plexos, sem loucura, sem prostituições e sem emerge da retórica dos modernistas carrega também di-
penitenciárias do matriarcado de Pindorama. ficuldades analíticas importantes já que, como alerta-nos
OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano Antonio Candido
374 da Deglutição do Bispo Sardinha.» (Revista
de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928. Sem o perceber, o nativismo mais sincero
arrisca a tornar-se manifestação ideológica do
Como podemos perceber através da leitura do Manifes- mesmo colonialismo cultural que o seu pratican-
to, existem aproximações teóricas importantes. te rejeitaria no plano da razão clara, e que ma-
nifesta, numa situação de subdesenvolvimento e
A tradição de Marx e de Freud é invocada como consequente dependência”
plataforma de crítica à sociedade conservadora e profun-
damente católica que compunha a classe dirigente da re- (CANDIDO, A América Latina em sua litera-
pública velha. tura. p. 358).

A proposta principal do documento, que remete ao A síntese pensada pelos modernistas direcionava-se,
anterior Manifesto Pau Brasil, é realizar uma espécie de portanto, à uma sociedade paradoxal, onde os efeitos da
deglutição, de digestão cultural, através da metáfora an- modernidade mostravam-se em sua face mais contraditó-
tropomórfica. O método consistiria, nesse sentido, em não ria. Se por um lado, a efervescência cultural e as imensas
negar as influências externas (Europa, EUA etc) nem tam- transformações na esfera privada inseriam o Brasil na ór-

28
Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

bita da modernização e da aceleração do tempo e trans- alteração no direcionamento do fluxo de investimentos


formação dos costumes, por outro lado tratava-se de uma econômicos por parte do governo.
sociedade profundamente conservadora, que irá resistir
de todas as formas contra essa proposta modernista de
transformação das bases e repertórios políticos, culturais
e sociais.

Em 1920, a partir desse contexto, teremos, no Brasil, o


amadurecimento dessa tendência autoritária, com o forta-
lecimento de grupos ligados à defesa de um Estado forte,
capaz de lidar com as oligarquias regionais, arbitrando as Já entre 1922 e 1926, o governo de Epitáfio Pessoa
pretensões de potências regionais como Minas Gerais e transcorreu todo sob estado de sítio, em meio à agitações
São Paulo. urbanas e manifestações de insatisfação popular, geral-
mente reprimidas à força. Durante seu governo, inclusive,
Em meados da década de 1920 o Brasil paulatinamente Pessoa teve de lidar com um dos movimentos mais repre-
deixava de ser um país somente rural, e passou a abrigar, sentativos desse período, o tenentismo, quando uma parte
nos núcleos urbanos, as primeiras indústrias de grande por- do oficialato, principalmente jovens coronéis e capitães,
te. As camadas urbanas, também paulatinamente, vão se queixando-se da situação de abandono em que se encon-
tornando mais numerosas e influentes. Paralelamente, o travam as forças armadas e das atribuições de repressão
aumento das tensões entre trabalhadores e patrões e a pe- policial que lhes eram conferidas, lançam um movimen-
netração do movimento anarquista, notadamente em São to de moralização pública contra os desmandos das oli-
Paulo, complexificam as relações sociais de forma drástica. garquias regionais. A sedição foi reprimida e, a partir dos
quadros que restaram do movimento, uma nova iniciativa
contestatória, a Coluna Prestes, começa a ganhar forma.

A Coluna Prestes foi um movimento liderado pelo histó-


rico líder comunista Luis Carlos Prestes que se propunha a
contestar alguns dos tópicos fundamentais da organização
política da chamada “República Velha”. Os integrantes, que
percorreram 25 mil km ao longo do país, logravam cons-
cientizar a população da necessidade de uma moralização
política no Brasil, que abrangesse inclusive a garantia do
voto secreto para representantes maiores e ensino laico e
gratuito para todos.

Diante desse cenário de turbulência, Washington Luis


Somado a esse contexto de amplas mudanças internas,
assume o governo em 1926. A situação política continua
a crise mundial que sobrevêm no fim dos anos 1920 põe
grave, com manifestações de grande porte e a comoção
em cheque as antigas legitimidades liberais, e faz com que
popular gerada pela simbólica coluna guerrilheira de Luis
novas perspectivas econômicas e sociais, principalmente
Carlos Prestes.
voltadas para uma sorte de nacionalismo autoritário, ga-
nhem espaço na cena política. As alternativas conserva-
Washington Luis protagonizou, também, uma espé-
doras surgiam precisamente para lidar com uma situação
cie de rompimento no consolidado pacto oligárquico que
de ruína da economia cafeeira do país, e propunham uma
congregava os interesses de São Paulo e Minas Gerais,

29
Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

indicando Julio Prestes, presidente de São Paulo para sua justificar essa visão. Temiam as reformas sociais
sucessão. Nesse contexto de enfrentamento entre as elites e aceitavam, ou até mesmo incentivavam, a in-
paulista e mineira, o golpe da junta militar que levaria ao terrupção do jogo democrático toda vez que ele
Estado Novo, sete anos depois, encabeçado por Getulio parecesse ameaçado pelas forças subversivas
Vargas, dá fim aos primeiros anos da experiência repu- (FAUSTO, 2009, p. 357).
blicana do Brasil. O período que se segue, marcado por
O contexto da segunda guerra e as pressões pelo en-
novas orientações de cunho nacionalista, trará mudanças
gajamento na causa dos aliados, por parte dos EUA, en-
significativas para o país e, independentemente de julga-
gendram contradições importantes dentro da órbita do go-
mentos, marca a entrada definitiva do Brasil no contexto
verno de Vargas, debilitando suas estruturas de consenso
da modernidade, tanto econômica quanto política e cultu-
diante da sociedade civil. Todavia, a rejeição não foi unâni-
ral. A experiência varguista se alinhará à tendência mun-
me. Uma máquina de propaganda já estruturada viabilizou
dial que emerge após a crise de 1929: governos fortes,
uma mobilização de grande porte em torno da defesa da
centralizadores e de forte cunho nacionalista.
permanência de Getúlio no poder.

Getúlio consolida-se no poder após dirimir diversas ten- Trata-se de um fato novo importante para compreen-
tativas de contestação da junta militar. Em 1934, já eleito dermos a dinâmica política da modernidade no Brasil. O
por emenda provisória, Vargas lança as bases de sua pla- chamado “Movimento Queremista” (Queremos Getúlio)
taforma política: limitação do habeas corpus, instituição da baseou-se na mobilização de massa dos setores favoráveis
justiça do trabalho, englobando salário mínimo, jornada de ao governo. Essa mobilização, fenômeno típico da socieda-
8 horas, repouso semanal obrigatório, férias remuneradas de descrita por Adorno, etc, insere a categoria da multidão
etc. Em 1935, a repressão à movimentação comunista e a no leque político brasileiro. A partir desse momento, as
pressão internacional pela adoção de uma postura rígida mobilizações de grande porte como por exemplo a “mar-
em relação aos “infiltrados de Moscou” forneceu à Vargas cha dos 100 mil”, em 1968 já sob o influxo da radicalização
o contexto para o golpe do Estado Novo. A partir desse da ditadura militar, ou a “Marcha da família com Deus pela
momento, o governo varguista vai paulatinamente conso- liberdade”, ainda em 1964, fomentada e encampada por
lidando sua tendência autoritária, fincada num nacionalis- setores da direita, passarão a ser protagonistas de nossa
mo discursivo de grande porte. arena pública. Assim, podemos pensar a entrada do Brasil
no contexto da modernidade a partir dessa pluralização
Para Boris Fausto, essa tendência autoritária congrega- de atores políticos e vozes com poder na esfera pública,
va diversos setores da esfera pública brasileira, e se conec- fator que muito influi na complexificação das medidas de
tava, de muitas formas, com a germinação das propostas integração social.
totalitárias que emergem em toda a Europa nesse período. Em outros países da América Latina, por exemplo, na
Nas palavras do autor Argentina do mesmo período também se projeta essa nova
esfera de legitimidade política: a multidão. Esse novo ator
O padrão autoritário era e é uma marca da político será o protagonista da maior parte das querelas
cultura política do país. A dificuldade de organi- do século XX, e fará com que as forças tanto conservado-
zação das classes, da formação de associações
ras como liberais sejam forçadas a elaborar, no sentido de
representativas e de partidos fez das soluções
preservar as hierarquias sociais, o que Ismael Saz chamou
autoritárias uma atração constante. Isso ocorria
de “visões apocalípticas das massas”, onde esses novos
não só entre os conservadores convictos como
elementos aparecem como “desenraizadas e amorfas, irra-
entre os liberais e a esquerda. Esta tendia a as-
cionais e primitivas, corrompíveis e corruptoras, violentas,
sociar liberalismo com o domínio das oligarquias;
destrutivas e bárbaras”
a partir daí, não dava muito valor à chamada
democracia formal. Os liberais contribuíam para
(SAZ in AGGIO e LAHUERTA, 2003, p. 71).

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

Em “A força é o direito das bestas”, de 1956, o em uma identidade também funcionalizada. No caso da
então presidente eleito da Argentina, Juan Domingo Perón Argentina, a identidade gaucha atuava como catalizadora
alega que “assim como não podemos conceber um homem de uma tendência xenófoba dos setores mais autoritários,
sem alma, é inconcebível um povo sem doutrina” (PERON, que viam nos imigrantes a deturpação de sua cultura e de
1956, p. 21). Para ele, sua identidade.

Vargas, assim como Perón, sairá do poder de forma


o individualismo e o direito à existência pri-
dramática, explorando ao máximo o componente lúdico
vada, tão caros aos seus opositores, consistiam
da política, da mobilização da opinião pública. Significa-
numa espécie de “bestialidade ancestral”, que
tivamente, ambos retornarão ao poder, Peron em 1973 e
deveria ser destruída em nome da coletividade
Vargas ainda em 1950, eleito por uma maioria absoluta
organizada sob a razão de direito. Em sua escala
de votos. Em 1954, Getulio suicida-se, trancafiado politi-
de valores, o indivíduo só aparece depois da Pá-
camente pela oposição encabeçada pelo jornalista Carlos
tria e do Partido, o que parecia, aos intelectuais
Lacerda. A comoção em torno do suicídio de Vargas tam-
vinculados ao liberalismo republicano, uma ver-
dadeira afronta à viabilidade do indivíduo naque- bém pode nos ajudar a compreender de que forma esse

la sociedade período marca o surgimento e fortalecimento de uma nova


espécie de relação política, balizada pela relação persona-
(TEDESCO, A. 2012). lista entre líder e povo.

A proposta nacionalista que encabeçava a plataforma


Em “Conducción Política” (PERON, 1971), lemos que de Vargas irá repercutir de forma constante e latente na
composição política dos próximos anos. As campanhas de
es muy dificil conducir una Jango e JK, por exemplo, herdam esse conteúdo de de-
masa que no está preparada; y esa mocracia de massas e de concessão de direitos dentro de
preocupación es de dos ordenes:
um pano de fundo do Estado forte. Mesmo com o golpe de
uma preparación moral para qu
1964, desferido pelos Militares, vê-se que o nacionalismo
sientan el deseo y la necesidad de
segue reformulando-se e adequando-se às mais diversas
ser conducida, y otra intelectual,
práticas políticas e ideologias. A continuidade que quere-
para que sepa ser conducida y
mos destacar, portanto, é precisamente essa permanência
ponga de su parte lo que necesita
da instrumentalização do nacionalismo em prol da criação
para que la conducción sea más
de um referencial nacional-popular. Essa experiência de
perfecta.
permanência, tipicamente moderna, é o elo capaz de unir
a experiência brasileira e latino-americana à experiência
(PERON, 1971, p. 25).
ocidental, também ela marcada pela funcionalização do
nacionalismo em prol das mais diversas aventuras e des-
A proximidade da postura adotada por Vargas e Pe-
venturas políticas.
rón diante desse novo imperativo da modernidade, as
massas, é ressaltada em diversos estudos comparativos, Assim, sumariamente, a partir do governo Vargas te-
como o de Maria Helena Capelato16. Ambos os dois, a mos, no Brasil, novas ferramentas políticas de integração:
partir do contexto de mudanças aceleradas pelas quais a ideia de consenso formulada por uma postura, várias ve-
passavam Argentina e Brasil durante a década de 1940, zes, demagógica, o reconhecimento da esfera da opinião
objetivaram criar uma sociedade harmônica, a partir de pública como parte integrante do processo político e, prin-
uma racionalidade especificamente nacionalista, baseado cipalmente, o uso de novas tecnologias e novos recursos
de legitimação, como o rádio, a propaganda, o teatro, as
  CAPELATO, M. H. R. Multidões em Cena: Propaganda política no
16

varguismo e no peronismo. Campinas. Papirus, 1998. radio-novelas etc.

31
Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

A partir dessas novas instâncias de legitimação públicas diante desse fenômeno de incorporação das massas na
podemos pensar um pouco sobre de que maneira esses política. Como podemos perceber através do exemplo var-
novos instrumentos contribuem para uma visão específica guista, a mobilização popular mobiliza a força avassalado-
da modernidade, baseada na comunicação de massas, na ra da multidão e da opinião pública, e desaloja as antigas
razão instrumental e nos referenciais coletivos. A partir hierarquias tradicionais de monopólio da palavra, no plano
da utilização política dos novos patamares comunicativos, político e, mais ainda, no plano da cultura. Esse tipo de re-
cria-se também o sujeito paradigmático da modernidade, curso, de prática política, conhecida em algumas vertentes
o homem-massa. da historiografia a partir do conceito de “populismo”, só foi
possível graças ao poder comunicativo das novas tecnolo-
gias, que se mundializaram no contexto das décadas de
A Indústria Radiofônica e a Integração
1940 e 1950.
Nacional

Nesse sentido, para Meditsch,
O conceito de “homem-massa” como categoria expli-
cativa da tipologia do homem moderno, especialmente
Como observou SCHIFFER (1991), o rádio
no contexto dos totalitarismos, está presente nas análises
foi o primeiro artefato eletrônico a penetrar no
mais dicotômicas, desde Lênin à Arendt, passando por Le espaço doméstico. Esta condição eletrônica que
Bom e Freud, e tem suas origem no clássico da filosofia está na sua origem muitas vezes é obscureci-
circunstancialismo “A Rebelião das Massas” do espanhol da quando se contrapõe uma “era do rádio” que
José de Ortega y Gasset. Trata-se, para o autor, do indi- pertenceria ao passado a uma outra “era da ima-
víduo mediano que, através da dinâmica da modernidade gem” que definiria o presente e apontaria para
que tem início ainda no século XIX, foi alçado à catego- o futuro. Como parece evidente, o rádio não ter-
ria de sujeito histórico. Esse tipo de indivíduo atomizado, minou com o fim do que seria a “sua era”. A
apartado de si e do mundo pelo imperativo coletivista da melhor maneira de explicar isto é compreender
democracia de massas, seria um ser humano inferior, in- que não foi nem o som nem a imagem que es-
capaz de conviver com abstrações, que está permanente- tabeleceram novas eras, mas sim a tecnologia
mente pronto à encampar a ideia totalitária de uma socie- eletrônica: tanto o rádio como a TV pertencem à
dade guiada por um líder. era da informação, e o rádio foi a manifestação
mais precoce da era eletrônica na comunicação
Para Ortega ainda, a política democrática, demagógica, de massa (1997, p. 8)
dos grandes líderes que arrastam multidões, traria em si
um elemento pernicioso ao tentar integrar esses elemen- Essa nova linguagem possibilitada pela inserção do
tos à política, condenando a minoria pensante à ditadura “efêmero” no campo comunicativo, alterou por completo
do coletivismo. Para ele, em suma, a realidade da socie- o quadro de referências dos ouvintes. No caso brasileiro,
dade de massas marca uma situação em que “já não há como destaca Haussen, as novas referências culturais e
protagonistas, só há coro” (ORTEGA, 1971, p. 51). “Essa os novos paradigmas de comportamento se ampliam
hegemonia do homem-massa abre caminho, para Ortega, imensamente nesse momento, posto que
para diversas sortes de degeneração intelectual, sendo
que a maior e mais perigosa delas seria a demagogia, sob Quanto aos músicos, artistas e cantores que
forma de justiça social” fizeram o rádio foram tantos que se torna difícil
(TEDESCO, A, 2012). nomear. No entanto, Carmen Miranda, Francis-
co Alves, as irmãs Batista, Paulo Tapajós, Cauby

Essa postura bastante conservadora de Ortega in- Peixoto, as rainhas do rádio como Marlene, An-

formou largamente os pensadores das elites ocidentais gela Maria e muitos outros contribuiram grande-

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

mente para o fortalecimento e a popularização condição ao vivo, e é percebida como tal, o que
do veículo. Os gêneros mais difundidos como a provoca um forte efeito de realidade e, através
radionovela, o humor, os programas de auditó- dele, a empatia do público. Porém, a simultanei-
rio, os esportivos e os jornalísticos também tive- dade a que esta condição idealmente se refere,
ram nomes de destaque que acompanharam a no caso do radiojornalismo, ocupa apenas uma
história do rádio em todo o Brasil (1997, p. 10) parcela do tempo do fluxo.

Esta parcela é geralmente menor do que apa-


O impacto da indústria radiofônica nas sociedades oci-
renta, uma vez que a condição fonográfica de
dentais não foi apenas de ordem prática. Se por um lado
um enunciado raramente é explicitada, enquan-
ele possibilitava uma nova maneira de interação comuni-
to os momentos de transmissão direta tem sem-
tária e familiar, por outro lado contribuir para forjar uma
pre esta condição enfatizada e, não raramente,
nova linguagem, especificamente radiofônica e especifica-
simulada
mente moderna, baseada na simultaneidade das informa-
ções e no convívio diário e permanente com o novo e com (1997, p. 6)
o fugidio.

Assim como a dinâmica das fábricas havia alterado a


experiência dos camponeses ainda em meados do século
XIX, essa nova dinâmica comunicativa cristalizou, nos ou-
vintes e nas ouvintes de meados do século XX, a experiên-
cia da simultaneidade e da sincronicidade, fundamentais
para a entronização de uma nova compreensão temporal-
-espacial na experiência cotidiana das décadas de 1920 à
1940. Para Schwartz

“esse desejo compulsivo da diferença e da Como representado na figura abaixo, a democratiza-


negação do passado na arte está intimamente ção dos meios de comunicação, principalmente no caso
ligado aos modernos meios de produção, à al- do rádio, atuou muitas vezes como catalizadora de uma
teração das formas de consumo e à ideologia tendência de ampliação de paradigmas culturais. Fenôme-
progressista legada pela revolução industrial” nos como o jazz, nos Estados Unidos dos anos 1940, por
(1995, p. 40). exemplo, demonstram que as “ondas” culturais passam a
ter um impacto decisivo no comportamento dos ouvintes
A partir de então, o “pertencimento” à determinada e intérpretes. Para pensarmos a relação entre esses meios
comunidade ganhou um caráter mais interativo, o que de comunicação de massa, a pluralização dos referenciais
contribuiu decisivamente para o sucesso da propaganda culturais e as novas formas de vida e de ação social nas
ideológica através do rádio. décadas de 1940 e 1950, podemos nos utilizar do conceito
de “cultura política”, ou seja, uma espécie de relação en-
Ainda segundo Meditsch tre a cultura, a sociedade e a política que considera que
os costumes, as tradições, os rituais, enfim, toda sorte
(...) o discurso do rádio não se limita a uma de manifestação cultural atuam componentes de um “re-
nova escritura feita pela composição de sons. O pertório” específico de cada sociedade, que se movimenta
discurso do rádio é isso e algo mais, e este algo social e politicamente dentro de suas fronteiras. Em suma,
mais é dado por sua enunciação em tempo real. a esfera cultural importa na compreensão do fenômeno
A radiodifusão distingue-se da imprensa por sua político e social como um todo, posto que

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

“É enquanto instrumentos estruturados e es- paganda nazista durante os anos mais duros e repressores
truturantes de comunicação e de conhecimen- do regime.
to que os sistemas simbólicos cumprem a sua No caso da Alemanha, não somente o radio, mas
função política de instrumentos de imposição ou principalmente o cinema foi utilizado na construção de
de legitimação da dominação, que contribuem uma cultura de aceitação do regime nazista. Para Pereira,
para assegurar a dominação de uma classe so- nesse sentido,
bre outra (violência simbólica) dando reforço da
sua própria força às relações de força que as O poder político, nesses casos, conjuga o mo-

fundamentam e contribuindo assim, segundo a nopólio da força física e da força simbólica; tenta

expressão de Weber, para a ‘domesticação dos suprimir, dos imaginários sociais, toda represen-

dominados’” tação do passado, presente e futuro coletivos


que seja distinta daquela que atesta a sua legi-
(BOURDIEU, 2003, p. 11).
timidade e cauciona o controle sobre o conjunto
da vida coletiva. Em regimes dessa natureza, a
Dessa forma, considerando que a ampliação dos refe-
propaganda política se torna onipresente, atua
renciais culturais também projeta seus efeitos na esfera da
no sentido de aquecer as sensibilidades e tende
política concreta, podemos dimensionar o impacto dessas
a provocar paixões, visando a assegurar o do-
novas perspectivas comunicativas e dessas novas lingua-
mínio sobre os corações e mentes das massas
gens da modernidade no contexto da cultura política de
(2003, p. 9)
cada sociedade. No Brasil, é possível esse impacto a partir,
por exemplo, da orientação de Getulio Vargas ao Congres-
so, ainda em 1937:

“instalem aparelhos rádio-receptores,


providos de alto-falantes, em condições de
facilitar a todos os brasileiros, sem distinção
de sexo nem de idade, momentos de educação
política e social, informes úteis aos seus negócios
e toda a sorte de notícias tendentes a entrelaçar
os interesses diversos da nação...” (VARGAS, G.
Mensagem ao Congresso, 1 de maio de 1937).

Ainda em 1934, no início mesmo do período var- Toda a política de legitimação e escalada eleitoral do
guista, é criado o Departamento de Propaganda, órgão a Terceiro Reich esteve vinculada à utilização do cinema.
partir do qual serão divulgadas, pelo rádio e pela impren- Mesmo antes da ascensão de Hitler ao poder, era possível
sa de forma geral, grande parte das informações referen- encontrar títulos como Parteitag der NSDAP in Nürnberg
tes ao governo, possibilitando à sociedade em geral uma (“O Congresso do NSDAP em Nuremberg”, 1927), Hitlers
aproximação e uma relação muito mais constante com os Braune Soldaten Kommen (“Os Soldados Marrons de
termos do poder. É interessante observarmos que prati- Hitler Chegam”, 1930), Hitlerjugend in den Bergen (“A
camente todos os regimes autoritários do ocidente nesse Juventude Hitlerista nas Montanhas”, 1932), Triumphfahrt
momento convergem seus esforços de capital político na Hitlers durch Deutschland (“Viagem Triunfal de Hitler pela
criação desse tipo de organismo. A Alemanha nazista nos Alemanha”, 1932), Hitler über Deutschland (“Hitler sobre
trás, nesse sentido, o clássico exemplo do ministro mais a Alemanha”, 1932) e Deutschland erwacht! (“Desperta,
próximo de Hitler, Joseph Goebbels, o encarregado da pro- Alemanha!”, 1932).

34
Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

Essas iniciativas, que depois ganham força a partir cutidos, públicos, por vezes oficializados e, de certo modo,
do Ministério dirigido por Goebbels, respondiam também garantidos pelo Estado” (BOURDIEU, 2003, p. 35).
à ofensiva midiática dos países aliados, principalmente Podemos concluir essa breve reflexão sobre o papel
dos Estados Unidos que, já na década de 1920, passa a do cinema, do rádio e da cultura de massa de forma geral
produzir propaganda cinematográfica em larga escala. A na composição das legitimidades políticas do século XX a
consolidação de uma frente de oposição ao modelo norte- partir da reflexão de Adriana Kurtz, quando pontua que
americano impulsiona a indústria cinematográfica alemã
que, durante o período do Terceiro Reich, terá um período Totalitário, o esclarecimento mitologizado
acentuado de crescimento, numérico e técnico: durante comporta-se com as coisas tal como o ditador

os 12 anos de regime nazista, acredita-se que se tenham com os seres: conhece-os na medida em que

produzido mais de 1200 longas-metragens em torno da pode manipulá-los (...) Já dizia Benjamin que

temática do regime. a estratégia fascista diante das massas resulta


na estetização da vida política (fenômeno con-
temporâneo amplamente constatável) (KURTZ,
A linguagem cinematográfica do cinema nazista,
1997, p. 3)
inicialmente, baseava-se no entretenimento. Através de
histórias comuns, banais, ia-se paulatinamente cristalizando
um movimento de ódio aos judeus e de fortalecimento Conclusão.
da raça ariana. Conforme passam os anos, a linguagem
Como pudemos perceber, analisar aspectos do mundo
se torna ainda mais radical e direta, apresentando cenas
ocidental como o nacionalismo, o modernismo, a moder-
de mais violência. Pereira ressalta que, nesse contexto de
nidade e a sociedade de massas, não é tarefa simples.
radicalização
Exige que pensemos uma enormidade de fatores em rela-
ção permanentemente contraditória e ambígua. Tal com-
Foi produzida uma série de biografias dedica-
plexidade concreta insere, por seu turno, necessidades
da aos “homens notáveis” do passado alemão,
metodológicas, na medida em que “tudo que é ideológico
na tentativa de criar um paralelo com o Führer.
possui um significado e remete à algo situado fora de si
Para esta finalidade, serviram líderes políticos
mesmo” (BAKHTIN, Marxismo e Filosofia da Linguagem,
(o rei Frederico, em Der grobe König, 1942, e
Annablume, 2002, p. 31).
Bismarck, 1940), poetas (Friedrich Schiller –
Der Triumph eines Genies, 1940), compositores
É preciso, portanto, que concluamos as reflexões dessa
(Friedemann Bach, 1941), escultores (Andreas
disciplina considerando que as esferas da vida moderna
Schülter, 1942), médicos e cientistas (Robert
não podem ser separadas, nem concreta nem analitica-
Koch der Bekämpler des Todes, 1939, Diesel, mente, pelo contrário, devem ser pensadas em relação de
1942, e Paracelsus, 1943) etc (2003, p. 4) reciprocidade e contradição, sempre em função das mu-
danças políticas, das transformações no mundo do traba-
De muitas formas, portanto, as novas possibilidades lho e da imensidade de sentidos que o termo “cultura” ad-
abertas pela comunicação de massas dinamizaram a esfe- quire na modernidade. Sobre a necessidade de pensarmos
ra da legitimação pública. Ao mesmo tempo em que foram a cultura como fator dinâmico, processual, podemos pen-
aumentadas as plataformas de enunciação dos discursos sar também a partir da reflexão de Thompson, quando,
(mais atores podiam se manifestar), o monopólio da vio- escrevendo a respeito da questão do folclore no contexto
lência simbólica torna-se paulatinamente mais eficaz e ge- da modernidade nos alerta para o fato de que
neralizado. Como pontua Pierre Bourdieu, nesse sentido,
“cada sociedade, em cada momento, elabora um corpo de Uma cultura é também um conjunto de dife-
problemas sociais tidos por legítimos, dignos de serem dis- rentes recursos, em que há sempre uma troca

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

entre o escrito e o oral, o dominante e o su- massas), novas ferramentas de controle e convencimento,
bordinado, a aldeia e a metrópole, é uma arena como o rádio e a TV mudam completamente a noção de
de elementos conflitivos, que somente sob uma cidadania e participação política dos modernos.
pressão imperiosa – por exemplo, o nacionalis-
mo, a consciência de classe ou a ortodoxia re- O contexto em que vivemos hoje é chamado por alguns
ligiosa predominante – assume a forma de um de “pós-modernidade”.
‘sistema’. E, na verdade, o próprio termo ‘cultura’
com sua invocação confortável de um consen- As interpretações são múltiplas e nem sempre a divisão
so, pode distrair nossa atenção das contradições entre o “moderno” e o “pós” moderno é aceita entre os
sociais e culturais, das fraturas e das oposições intérpretes. Independentemente do conceito nominal, con-
existentes dentro do conjunto. tudo, salta aos olhos que o processo irreversível que teve
início ainda em meados do século XVIII não está termi-
(THOMPSON, 1998, p. 17). nado nem esgotado em sua essência. Nesse sentido, não
podemos negar que os conflitos e demandas culturais dos
Nosso ponto de partida, portanto, a pluralidade de
sujeitos que procuramos estudar, ainda repercutem em nos-
tensões e de contradições emergentes na modernidade,
sa própria formação individual, em nossa participação no
e nosso ponto de chegada, nesse momento, encontram-
coletivo e em nossas incertezas políticas e carências sociais.
-se na reflexão em torno da ideia de complexidade, de
pluralidade.
Certamente, as intersecções entre o passado e o pre-
O que podemos concluir é que todos os nossos tópicos
sente sempre se projetaram no cotidiano das pessoas e na
de reflexão, desde a modernização da produção, passando
vivência em comum das sociedades.
pelos nacionalismos e pelos modernismos, chegando até
a germinação dos totalitarismos e da sociedade de mas-
Para Beatriz Sarlo “não é preciso recorrer à ideia de
sas, unem-se pelo fio tênue e abstrato da modernidade:
manipulação para afirmar que as memórias se colocam
substrato cultural de todas essas transformações, conflitos
deliberadamente no cenário dos conflitos atuais e preten-
e fissuras.
dem atuar nele” (SARLO, 2007, p. 61).
Para Schwartz, nesse sentido

Se hoje, aparentemente, a mídia e os meios de comu-


Segundo uma leitura de extração sociológica
nicação são naturalizados, ou seja, fazem parte intrinse-
(quer marxista, quer weberiana), as vanguardas
estéticas representariam a ponta de lança do camente de nossa cultura política e de nossas noções de

processo moderno de autonomização da arte, cidadania e legitimidade públicas, a questão da disputa

na medida em que são movimentos análogos à entre os coletivismos e o individualismo ainda se coloca de

divisão crescente do trabalho e à especialização forma latente. Se a tendência, diagnosticada por Ortega
técnica das sociedades industriais avançadas ainda no XIX, de conformação de uma sociedade massifi-
(1995, p. 22). cada, atomizada, se concretizou no contexto da sociedade
pós-moderna, sem dúvida não se trata de uma visão unâ-
O Brasil e a América Latina de forma geral inserem-se nime, afinal, o contexto de intensa mudança e aceleração
na dinâmica da modernidade de forma decisiva. A partir do tempo em que vivemos hoje, continua a demarcar, as-
do século XIX não será mais possível pensar em separado sim como o século XX,
os problemas internos e os externos de cada nação. Todos
os conflitos sociais e políticos se entrelaçam a partir da (...) a consciência de uma época com conte-
complexificação nas esferas de legitimidade e consagração nidos cambiantes, que se pone em relación com
culturais. Novos atores emergem no palco da história (as la antiguedad para concebirse a si mesma como

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Modernismo e o nacional popular / A radiofonia e a integração nacional

el resultado de uma trasición del antiguo a lo AGGIO, A e LAHUERTA, M. (orgs) Pensar o Século XX –
nuevo (VILLEGAS. 1998, p. 23). Problemas Políticos e História Nacional na América Latina.
São Paulo: UNESP, 2003.
Assim, resumidamente, partindo desse diagnóstico ANDERSON, B. Comunidades Imaginadas. Rio de Ja-
de complexidade e pluralidade, podemos compreender a neiro. Cia das Letras, 2008.
radiofonia e a ampliação dos meios de comunicação de
ANDRADE, O. Manifesto Antropofágico. (Revista de An-
massa como efeitos de um processo de ampliação das pla-
tropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.
taformas culturais, típicas do contexto de emergência nas
massas na cena política dos países ocidentais. Essa inser- ARENDT, H. A condição humana. 10ºed. Rio de Janeiro.
ção das massas, contudo, não é um processo homogêneo, Ed. Universitária Forense, 2005.
muito pelo contrário, é extremamente conflituoso, tendo
BAUMAN, Z. Legisladores e Intérpretes. Zahar. Rio de
despertado as visões mais críticas e as mais legitimadoras.
Janeiro, 2010.
Para compreendermos essa dinâmica, recuamos nossa
análise ao surgimento das primeiras disputas pelas identi- BEIRED, J. L. B. A Grande Argentina: um sonho na-
dades nacionais, tanto no Brasil quanto no contexto euro- cionalista para a construção de uma potência na América
peu e estadunidense. Essas disputas pela identidade, por Latina. 2001. Acessado em http://www.scielo.br/scielo.
sua vez, são reflexos de um mundo em profunda transfor- php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882001000300003
mação, característica apriorística da modernidade, contex- 17 de setembro de 2008.
to a partir do qual podem ser compreendidas as fissuras, _______ Autoritarismo e Nacionalismo: O Campo In-
contradições, conflitos e continuidades da sociedade oci- telectual da Nova Direita no Brasil e na Argentina. Tese
dental durante todo o século XX. de doutorado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São
Podemos concluir as reflexões dessa disciplina proje- Paulo, 1996.
tando brevemente os dilemas dos modernos em nossa
BENJAMIN, W. Baudelaire: um lírico no auge do capita-
própria realidade e circunstância. De nenhuma forma po-
lismo. São Paulo. Brasiliense, 1989.
demos escapar de nosso contexto histórico, nos portando,
como alertou-nos Hobsbawm no início dessa disciplina, de BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro.
forma à ignorar nossas memórias e nossas tradições, bem Bertrand Brasil, 2003.
como o impacto que elas projetam no nosso cotidiano.
BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte. Gênese e estru-
Nesse mesmo sentido, como pontuou Ortega ainda em
tura do campo literário. São Paulo. Cia das Letras, 2002.
meados da década de 1940, “yo soy yo mi circunstancia,
y no se salva ella no me salvo yo” BOURIDEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas.
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