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80 O Processo de Fortalecimento do Ministério Público Rebeca A. A.

Campos Ferreira
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O Processo de Fortalecimento do Ministério Público na ANC/1987


e sua atuação no Artigo 68 do ADCT/CF-88

Rebeca A. A. Campos Ferreira*

Resumo: O presente artigo se propõe a discorrer sobre o novo Ministério Público, que surge a
partir das decisões da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, e refletir acerca de sua
atuação em um direito coletivo específico – o garantido pelo Art. 68 do ADCT/CF-88. Para
tanto são tomadas as discussões da Subcomissão 3C, do Judiciário e do Ministério Público na
ANC, salientando o papel realizado pela Confederação Nacional do Ministério Público, lobby
significativo concretizado através da Carta de Curitiba. Serão realizadas ainda considerações
sobre os debates da Subcomissão 7C, dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e
Minorias, vinculada à Comissão da Ordem Social; o objeto volta-se especificamente às
discussões referentes ao tema que será contemplado no Artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias: o direito à propriedade de grupos remanescentes de quilombos,
tendo como quadro de referência a expansão dos direitos coletivos na Carta Magna – área esta
de significativa atuação do MPF. Os Anais das Subcomissões 3C e 7C foram, portanto, objetos
de estudo, bem como o Diário da Assembleia Nacional Constituinte, no intuito de demonstrar
as pressões que incidiram sobre ambas as Subcomissões e ecoaram na atuação do Ministério
Público, inclusive nos dias atuais; Instituição esta que passa a contar com respaldo
constitucional significativo, fortalecida e com a prerrogativa da defesa de ampla gama de
interesses sociais.
Palavras-chave: Ministério Público, Comunidades Remanescentes de Quilombo, Assembleia
Nacional Constituinte, Teoria Constitucional, Direitos Coletivos.

Abstract: The article discusses the Brazilian Public Ministry, which strengthens the basis of
decisions of the Brazilian National Constituent Assembly of 1987, and reflects on their actions
in a collective right, guaranteed by Article 68 of ADCT/CF-88. It deals with the discussions of
the Subcommittee 3C, the Judiciary and the Prosecutors in the ANC, highlighting significant
lobbying done by the National Confederation of the Public Ministry, through the 'Carta de
Curitiba'. The discussions of the Subcommittee 7C, the Blacks, Indigenous Peoples, Minorities
and Peoples with Disabilities, linked to the Social Order of the Commission, are considered,
specifically the discussion on the subject as reflected in Article 68 of the Transitional
Constitutional Provisions Act: the right to ownership remainder of quilombo community in the
context of the expansion of collective rights in the Magna Carta, field of action of MPF. The
Annals of Subcommittees 3C and 7C and Diary of the National Constituent Assembly were
objects of study to demonstrate the pressures that focus on both Subcommittees and echoed in

*
Graduanda em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
FFLCH, Universidade de São Paulo, USP. Estagiária do Setor Pericial em Antropologia da
Procuradoria Geral da República no Estado de São Paulo - PRSP, Ministério Público Federal.
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INTRATEXTOS, Rio de Janeiro, vol.1, no.1, pp. 80 - 103, 2009.

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the actions of the prosecutors; the MPF has gained support of constitutional importance and
has strengthened with the prerogative of defense of many social interests.
Key words: Brazilian Public Ministry, Remainder of Quilombo Community, Brazilian National
Constituent Assembly, Social Rights, Constitutional Theory

Résumé: L'article aborde le Ministère public, qui apparaît à partir des décisions de l'Assemblée
Nationale Constituante brésilienne de 1987, et une réflexion sur leurs actions dans un droit
collectif especifique, garanti par l'article 68 de ADCT/CF-88. Notre regard se tourne vers les
discussions de la Sous-3C, la magistrature et les Ministère Public dans l'ANC, en faisant
ressortir le rôle réalisé par la Confédération Nationale du Ministère Public, lobby significatif
concrétisé à travers la 'Carta de Curitiba'. Encore, on fait des considerations sur les débats de
la Sous-commission 7C, des Noirs, des Populations Indigènes, des Personnes Handicapées et
Minorités, attachée à la Commission de l'Ordre Social; l'objet se tourne spécifiquement aux
discussions afférentes au sujet qui sera envisagé dans l'Article 68 de l'Acte des Dispositions
Constitutionnelles Transitoires : le droit à la propriété de groupes restants de quilombos, dans
le contexte de l'expansion des droits collectifs dans la Magna Carta, le domaine d'action du
MPF. Les Annales de la Sous-3C et 7C et l’Agenda de l'Assemblée Nationale Constituante ont
été des objets d'étude, afin de démontrer les pressions sur les deux sous-comités et son écho
dans les actions du Ministère Public; cette institution, fortifiée, a gagné d’important soutien
constitutionnel et la prerogative de la défense des intérêts sociaux variés.
Mots-clés: Ministère Public du Brésil, vestiges de communautés quilombos, Assemblée
Nationale Constituante au Brésil, la théorie constitutionnelle, droits sociaux.
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Introdução

O Ministério Público que se consolidara após a promulgação da Constituição de


1988 destaca-se por sua autonomia, sua independência dos demais poderes de Estado e
por suas atribuições que extrapolam a persecução penal, conforme elenca o Art. 129 da
CF-88. É considerada, do ponto de vista institucional, a maior novidade trazida pela
Constituição de 1988 (Kerche, 1999). Ou ainda, como considera Sadek (1999:34):

No nascente arranjo institucional resplandece o Ministério


Público,(...), nenhuma outra instituição ganhou ou conquistou tão
nova configuração. Nenhum outro momento da história nacional
registrou tal extensão dos direitos constitutivos da cidadania. A nova
instituição e o vasto rol de direitos aparecem estreitamente
relacionados.

O presente artigo se propõe, primeiramente, a discorrer sobre o Ministério


Público que surge a partir das decisões da ANC 1987, para posteriormente relacionar
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sua atuação em um direito coletivo específico – o garantido pelo Art. 68 do ADCT/CF-


88, questão esta que serve à atuação do MP relativa aos direitos sociais como um todo.
A primeira parte do trabalho, portanto, volta-se às discussões da Subcomissão do
Judiciário e do Ministério Público na Constituinte, salientando o fortalecimento desta
Instituição e o intenso papel realizado pela Confederação Nacional do Ministério
Público, lobby significativo concretizado na Carta de Curitiba.
Na sequência, serão realizadas considerações acerca de debates da Subcomissão
dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, vinculada à
Comissão da Ordem Social; o objeto volta-se especificamente às discussões referentes
ao tema que será contemplado no Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias: o direito à propriedade de grupos remanescentes de quilombos, tendo
como quadro de referência a expansão dos direitos coletivos na Carta Magna, locus da
atuação do Ministério Público. São ainda realizadas ressalvas quanto ao fato de o
presente artigo ser parte do ADCT, ou seja, estar contido no corpo transitório da
Constituição Brasileira.
Deve-se considerar que o Artigo 68 não fora algo previsto pelo lobby do
Ministério Público durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, não
estivera em momento algum referido na Carta de Curitiba e, entretanto, mostra-se hoje
uma das áreas de maior atuação do Ministério Público Federal por meio da 6ª Câmara
de Coordenação e Revisão da Procuradoria Geral da República, objeto da parte final do
presente artigo.

1- O Fortalecimento do Ministério Público1

Artigo 127, CF-88: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do Regime
Democrático e dos Interesses Sociais e Individuais Indisponíveis”.

A potencialidade do Ministério Público em defender direitos, atuando como

1
A base foram os Anais da Subcomissão 3C, a Subcomissão do Judiciário e do Ministério Público na
Assembléia Nacional Constituinte, 1987.

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detentor de grandes poderes – vale lembrar o poder de transferir questões da esfera


política à judiciária – será o enfoque primeiro do presente artigo. Tal potencialidade
origina-se das decisões e deliberações travadas na Subcomissão do Judiciário e do
Ministério Público na Assembleia Nacional Constituinte de 1987, que tivera, como
Presidente, José da Costa e Plínio de Arruda Sampaio, como relator.
Há, em geral, dois modelos de Ministério Público, a saber: o controlado
politicamente2 e o não controlado politicamente. No primeiro caso, o MP é braço do
Poder Executivo, que pode intervir nos trabalhos do primeiro; o controle direto é
exercido pelo Ministério da Justiça e passando pela accountability3 horizontal pelo
Governo e vertical pelos eleitores que formam o Governo. Os agentes do Ministério
Público são aqui agentes burocráticos, sujeitos às interferências político-partidárias.
Quanto aos Ministérios Públicos não controlados pelo Executivo4, a instituição não faz
parte da esfera de influência político-partidária e minimiza-se ainda o processo de
accountability, seja pela sociedade ou pelo Governo, e ela é exercida de modo mais
efetivo pelo Poder Judiciário. Essa questão fora ponto no debate na Subcomissão do
Judiciário e Ministério Público na Assembleia Constituinte de 1987/885.
As mudanças, especificidades e a autonomia apresentadas hoje pelo Ministério,

2
Tal é o caso da Inglaterra, França, Alemanha, Canadá, Espanha, Estados Unidos, bem como o do
Ministério Público Brasileiro e do Italiano, antes de suas Constituições Democráticas.
3
O termo accountability não possui tradução exata para o português. É utilizado na literatura corrente no
sentido de responsabilização, prestação de contas por órgãos administrativos (em especial órgãos
públicos), não somente no sentido quantitativo ou monetário, mas no tocante a trabalho realizado
qualitativamente (O’Donnell, 2000). Nesse âmbito, pode ser remetido a questões de cunho ético, de
responsabilidade social, obrigações quanto às próprias ações e decisões – daí a relevância quanto aos
cargos políticos e administrativos (Ferejohn, 1997). Vale mencionar, segundo Schedler (1999:18): “I
conclude accordingly that accountability does not represent a classical concept displaying a hard core of
invariable basic characteristics. Instead, it must be regarded as a radial concept whose subtypes or
secondary expressions do not share a common core but lack one or more elements that characterize the
prototypical primary category”.
4
Onde se situam o Ministério Público do Brasil e da Itália, sendo que o italiano passara ao controle do
Judiciário após a Constituição Democrática, enquanto o brasileiro passara a ser independente dos demais
poderes, como anteriormente considerado.
5
“Quanto à ideia de audiência pública, acho-a excelente. Quanto mais mecanismos de controle, de
participação do povo, para a nomeação de chefia dentro do Ministério Público, mais salutar para a
democracia. O Ministério Público deseja ser fiscalizado. Tudo o que faz, tudo o que possa fazer deve
passar pelo crivo da fiscalização dos legítimos representantes da sociedade brasileira, como são os
membros do Poder Legislativo. O espírito que nos anima a tomar obrigatória a representação por
inconstitucionalidade é exatamente este que V. Ex. a retrata, de que qualquer pessoa jurídica de direito
público – arrolamos apenas algumas – possa exercê-la. Pela sua vivência, pela sua experiência, o
próprio Ministério Público sabe que, quanto mais controle, melhor para o interesse da sociedade que ele
procura defender. Todas essas ideias seriam aceitas pelo Ministério Público do Brasil. São bem-vindas,
são arejamentos necessários, que de bom grado gostaríamos de ver incluídas em nossas sugestões”.
Antônio Araldo Ferraz dal Pozzo. ANAIS DA SUBCOMISSÃO DO PODER JUDICIÁRIO E
MINISTÉRIO PÚBLICO, 1987:25/26.
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distintas do padrão visto por essa Instituição na maioria dos países democráticos, são
fruto da promulgação da Constituição de 1988; um dos pontos que podem colaborar na
compreensão do fato exposto é a abertura à participação de vários grupos de interesse
durantes os trabalhos das subcomissões na ANC e, desse modo, inúmeros grupos de
pressão e diversos segmentos sociais puderam intervir nos trabalhos.
Na Subcomissão do Judiciário e do Ministério Público fizeram-se presentes
membros da Confederação Nacional do Ministério Público (Conamp) e representantes
dos Defensores Públicos e dos Delegados de Polícia. Esses grupos representam
importância no tocante às decisões tomadas e o lobby exercido que mais apresentara
resultados fora da Conamp, fato este concretizado na ampliação das atribuições do
Ministério Público. A Confederação obtivera sucesso na aprovação de inúmeros pontos
de sua proposta6.
Vale ressaltar que a Conamp fora um grupo bem organizado e eficiente,
oferecera aos constituintes da Subcomissão em questão um texto constitucional, a Carta
de Curitiba, além de haver desenvolvido acompanhamento dos trabalhos dos
parlamentares e suas discussões7.
A Carta de Curitiba consolida, portanto, o intenso lobby do Ministério Público.
Está organizada da seguinte forma: Seção I, Das Disposições Gerais; Seção II, Do
Ministério Público da União; Seção III, Do Ministério Público dos Estados e do
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; Seção IV, Garantias e Dispositivos
colocados fora do Capítulo Ministério Público; Seção V, Da Ordem Social; Disposições
Constitucionais Transitórias. Há ainda na Carta de Curitiba a Monção de Curitiba,
aprovada no 1 º Encontro Nacional de Procuradores, em 1986:

As Associações integrantes da Confederação Nacional do Ministério


Público - Conamp e as Procuradorias-Gerais de Justiça vinculadas ao
Conselho Nacional de Procuradores Gerais, em face da instalação da

6
“A Conamp pode se sentir vitoriosa (...) porque apresentou uma proposta que não era contrária aos
elementos balizadores dos debates, que ia positivamente ao encontro de aspectos conjunturais e de
cultura política presentes na Assembleia Nacional Constituinte”. (Kerche, 1999:61)
7
Em 1986, reuniram-se membros do MPF em um Encontro de Estudos em São Luís do Maranhão, em
uma comissão formada pelos procuradores Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, Edylcéa Tavares Nogueira
de Paula, José Rodrigues Ferreira, Milton Menezes e Paulo Fontes, João Pedro Ferraz dos Passos, Maria
de Lourdes Abreu Monteiro e pelo Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República,
Roberto Gurgel Santos. Desse encontro saíram as diretrizes de atuação da Conamp junto à Subcomissão
do Ministério Público na ANC.
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Assembleia Nacional Constituinte e ante a necessidade de unir


esforços em busca do objetivo comum, que é o fortalecimento da
Instituição do Ministério Público em benefício da própria
comunidade, assumem formalmente os seguintes compromissos: I -
apoiar junto à Assembleia Nacional Constituinte o texto ora aprovado;
II - abster-se de apresentar diretamente emendas ao texto,
encaminhando-as à direção da Conamp e do Conselho; III - delegar à
Direção da Conamp e do Conselho a adequação do texto às
peculiaridades dos trabalhos da Constituinte, desde que
obrigatoriamente observados seus princípios. (Carta de Curitiba,
1986)

Vê-se, no excerto citado, as proporções e direções do lobby deste grupo. Sua


temática recorrente fora a relevância de um órgão não político que atuasse junto aos
interesses da sociedade. Nesse ponto vale ressaltar as considerações de Kerche (1999)
acerca do aspecto conjuntural do período da ANC, após duas décadas do Regime
Militar, restrições às liberdades e problemas econômicos, em especial a questão da
inflação. Em pauta estava a redemocratização do Brasil, contexto no qual a
implementação efetiva de direitos e a garantia dos mesmos ocupam posição
fundamental. A ampliação dos direitos coletivos fora ponto central nos trabalhos da
ANC, buscando mecanismos que engendrassem e garantissem a participação e as
liberdades.
A Conamp começara a ser desenhada no final dos anos 60, sob o Regime
Militar, sendo formada justamente para fazer frente às decisões que seriam previstas na
Carta de 19678. Em 1971, foi finalmente fundada e partir daí começou a exercer
influência junto ao Governo. Em 1981, obteve vitória significativa com a Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público (Lei Complementar nº 40) e, em 1985, conseguiu a
complementação da Ação Civil Pública, por meio da Lei 7.347, que legitima a atuação

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“Em um período de censura, corria-se o risco de que se centralizasse o modelo do Ministério Público,
e que se tivesse o padrão do Ministério Público Federal – o que não convinha aos Estados. Na época,
não existia a concepção de que o Ministério Público se dedicasse exclusivamente à defesa da sociedade,
o que acabava induzindo o legislador a seguir o modelo federal: o Procurador da República era, ao
mesmo tempo, membro do MP e Advogado da União. Um modelo prejudicial, pois o advogado
representa o cliente. E o Ministério Público não poderia representar a vontade do Governo e, ao mesmo
tempo, defender interesses sociais colidentes com as pretensões do governante. Promotores de Justiça
não concordavam com isso” (Conamp, disponível em:
http://www.conamp.org.br/index.php?a=conamp_historico.php, acesso em 03/12/2008.)
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do Ministério Público na defesa de interesses difusos e coletivos. Portanto, algumas


prerrogativas contempladas na Carta Magna de 1988 tidas como “novidades” tiveram
sua origem no Período de Exceção Brasileiro. A grande novidade sobrevinda com a
Carta fora sua independência e a expansão da abrangência de seus atos.
Até 1988 o Ministério Público fora ligado ao Executivo e, entre suas atribuições,
destacava-se já a ação penal pública junto aos tribunais. Com a nova Constituição, esta
instituição se fortalecera, passando a ser independente dos demais poderes. Ao tomar o
posto de representante da sociedade, ganhara atribuições reforçadas, inclusive
abarcando questões coletivas de fundo civil, por meio da ação civil pública.
Vale considerar que em 1993 sobrevieram a Nova Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público (Lei 8.625), dispondo sobre normas gerais de organização do MP
nos Estados, e a Lei Complementar 75, sobre a organização, as atribuições e o Estatuto
do Ministério Público da União. Ambas regulamentam os avanços obtidos com a
Constituição de 1988.
O Judiciário também teve seu papel institucional ampliado após a CF/88, na
medida em que passara a atuar em um maior número de casos que extrapolam questões
de interesses individuais. Isto provoca alterações no sistema político tomado em sua
totalidade, tendo em vista que é árbitro de conflitos entre o Executivo e o Legislativo. A
estrutura descentralizada e federativa que ganhara com a Constituição lhe permite
interferir nas próprias políticas, paralisando-as e podendo suspender medidas, mesmo de
impacto nacional (Sadek & Arantes, 1994). Todavia, ao contrário do Ministério Público,
o Judiciário é poder inerte, que só age quando provocado por terceiro – aí o Ministério
Público faz-se agente e contribui na seleção das questões que irão à apreciação judicial.
Ainda tomando como referência o Poder Judiciário, observa-se que agentes
coletivos foram legitimados, o que contraria a tradição liberal voltada ao
individualismo. Segundo Kerche (1999), a Confederação Nacional do Ministério
Público “doara” seu projeto à ANC, com base em pontos relevantes do discurso e da
função – a saber, o MP surge como defensor dos interesses da sociedade, sendo
instrumento de reforço da cidadania, colaborando para efetivá-la, em um contexto de
redemocratização. Apresenta, portanto, modelo diferenciado e novo, justificável diante
da conjuntura nacional e ideal aos fins propostos na Constituinte: a efetivação dos
direitos, a realização da cidadania e o rompimento com o passado autoritário. “O
Ministério Público, deste ponto de vista, é uma espécie de síntese dos vários aspectos
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que marcaram a feitura da Constituição de 1988” (Kerche, 1999: 69).


A ação civil pública é o meio jurídico que permite a representação de interesses
junto ao Judiciário. O mecanismo não é exclusivo ao Ministério Público, tal como é a
ação penal, porém 90% das ações civis públicas são realizadas por esta instituição
(Sadek, 1997). A criação deste mecanismo remete a 1981, durante o período Militar,
como anteriormente considerado, sendo complementada pela Lei 7.347 de 1985, onde
foram definidos objeto, foro e legitimação do uso, entre outras questões. A CF/88
ampliara a abrangência de situações abarcadas pela ação civil pública quanto à proteção
da sociedade civil no que se refere aos interesses difusos, coletivos, individuais
homogêneos e indisponíveis. A questão é que ações civis são engendradas contra o
governo, visto que o MP é autônomo, e assim esta Instituição surge como agente
detentor do veto e, portanto, fundamental no jogo político. Sua atuação é voltada a itens
de políticas públicas, que deixam o campo meramente jurídico, e assim o MP enquadra-
se no sistema de multivetos que pode paralisar a ação dos demais poderes.
Desse modo, vê-se que a ação do Ministério Público fora ampliada e fortalecida
após 1988, passando a abarcar direitos coletivos, difusos e homogêneos. A concepção
destes direitos é ampla e não há uma legislação infraconstitucional que regule seus
aspectos. Este fato permite que o MP aja em pontos que são de atuação de agentes
políticos, o que engendra a “politização da justiça” ou a “judicialização da política 9”
(Kerche, 1999:62).
O Ministério Público faz-se então como o elo entre Estado e Sociedade Civil,
embora não seja possuidor da legitimidade tradicional do voto. Nesse sentido, tomando
o modelo clássico de liberalismo, o Ministério Público faz as vias dos partidos políticos,
responsáveis por ligar as demandas da sociedade, input, ao Estado, que procura meios
de respondê-las, o output (Bobbio, 1995). O Ministério Público, desta forma, não se
enquadra como típico do modelo liberal em sua concepção clássica, pois atua no sentido
do paradoxo do liberalismo, embora faça uso da técnica liberal na defesa dos direitos
(Reis, 1988).
No tocante aos mecanismos de accountability discutidos na ANC destacam-se,
em suma: o papel do próprio Judiciário, tendo em vista que esta instituição julga ações

9
A judicialização da política engendra um novo ativismo judicial e procedimentos semelhantes aos
processos judiciais passam a ser adotados por políticos, que tomam ainda parâmetros jurisprudenciais em
deliberações. O fenômeno é consequência da ampliação dos direitos após a II Guerra Mundial, somada ao
enfraquecimento da eficácia de políticas macroeconômicas no final da década de 1960. (Castro, 1997)
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propostas pelo MP; a indicação do Procurador-Geral da República e Procuradores-


Gerais de Justiça no nível dos Estados, sendo esta indicação realizada, no primeiro caso,
pelo Presidente da República (com necessária aprovação do Senado) e pelos
Governadores, no caso dos Estados; em terceiro, destacam-se os mecanismos referentes
às promoções, que se dão no Brasil por “merecimento” ou por “antiguidade”. Todavia,
esses meios apresentam-se relevantes no debate acerca de sua efetividade, o que remete
à relevância do poder detido pelo Ministério Público:
Ou seja, se os mecanismos de accountability em relação ao Ministério
Público são frágeis e insuficientes10, a instituição detém importante
papel na rede de accountability relativa a outras instituições. A
pergunta, portanto, permanece pertinente: quem controla os
controladores? (Kerche, 1999:67)
Vale lembrar que o Ministério Público goza da prerrogativa da tutela de probidade
administrativa, pela Lei 8.429/92, que regulamenta o Artigo 37 da CF/88, sendo este um
poderoso instrumento para fiscalização dos demais poderes, em especial em relação à
corrupção.
Foram postos em discussão no plenário, tomando como fonte o Senado Federal,
oito anteprojetos da Relatoria Geral da ANC, a saber: Anteprojeto de junho de 1987,
Projeto de julho de 1987, Substitutivo do relator de agosto de 1987, 2º Substitutivo de
relator de setembro de 1987, Projeto A de novembro de 1987, Projeto A de dezembro de
1987, Projeto 2º turno de julho de 1988, Projeto B 2º turno de agosto de 1988 e por fim
o Projeto C de setembro de 1988 – que fora aprovado por 474 votos a favor, 15 contra e
seis abstenções e transformou-se na Constituição. Houve ainda o anteprojeto da
Comissão da Organização dos Poderes e Sistemas de Governo, a proposta do Centrão, e
a proposta apresentada pela Conamp, via Carta de Curitiba.
Segundo a análise de Kerche sobre estes oito anteprojetos e projetos da Relatoria
da Assembleia, pode-se ressaltar que a tendência em separar o MP dos demais poderes
foi uma constante em todas as propostas; a diferença consistiu no fato de que, nos
anteprojetos de junho e julho de 1987, bem como na Carta de Curitiba, o Ministério
Público constava em um capítulo à parte, enquanto aparece como Seção de um Capítulo

10
O mecanismo de accountability horizontal quase não existe e o vertical mostra-se incapaz de limitar e
controlar a atuação de promotores e procuradores. Somada a este fato, há a questão do monopólio da ação
penal e o papel do MP frente ao Judiciário, no tocante à ação civil pública, e ao Executivo, responsável
pela sua fiscalização. (Kerche, 1999)
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nas demais propostas11. A proposta do Centrão deixara o MP incluído no capítulo “Das


funções essenciais à Administração da Justiça”, porém como Seção à parte, tal como a
proposta da Comissão e da Carta de Curitiba. Na Constituição de 1988 o Ministério
Público aparece como Seção I do capítulo “Das Funções Essenciais à Justiça”.
Contrapondo diferentes definições do Ministério Público, pode-se ressaltar que
as propostas de junho e julho de 1987 da Relatoria da Assembleia o tomam como
“instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa do regime democrático, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”, definição esta idêntica à dada pela proposta da Comissão. A proposta de
agosto do mesmo ano define “O Ministério Público como instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica
e da legalidade democrática e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. O
projeto de setembro de 1987 apresenta o MP como “instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da Ordem Jurídica e do
Regime Democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
A proposta de novembro de 1987, bem como as que lhe sucedem e a do Centrão,
o tomam da forma pela qual será definido na Constituição de 1988: “O Ministério
Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis”. A definição dada pela Carta de Curitiba, da
Conamp, é a mais divergente, tomando o MP como “instituição permanente do Estado,
é responsável pela defesa do regime democrático e do interesse público, velando pela
observância da Constituição e da Ordem Jurídica”.
Vale considerar que a Carta de Curitiba fora modificada em maior significância
no que diz respeito à indicação e restituição do Procurador-Geral da República; fora
nesse ponto que constituintes introduziram mecanismos de controle. A proposta inicial
da Conamp voltava-se à escolha do ocupante do cargo pelo Presidente, com aprovação
do Senado, e sua destituição se daria em caso de abuso de poder ou omissão grave,
somente. Isto excluiria quaisquer intervenções de cunho político. Todavia, fora
promulgado que o Procurador-Geral seria nomeado pelo Presidente com aprovação do

11
Na proposta de agosto de 1987 o MP está incluído como Seção II no Capítulo “Das funções essenciais
ao exercício dos poderes”, enquanto está como Seção II no Capítulo “Das funções essenciais à
administração da justiça” na proposta de setembro, novembro e dezembro de 1987, sendo ainda Seção I
desse mesmo capítulo na proposta de julho e agosto de 1988.
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Senado no âmbito federal, e no nível dos estados pelo governador; a destituição, por sua
vez, seria realizada pelo Presidente, com aprovação da maioria absoluta do senado, e,
nos estados, pela maioria absoluta da Assembleia Legislativa, não sendo necessária a
apresentação dos motivos em ambos os planos. A atividade político-partidária dos
procuradores fora ainda vedada no Artigo 128 da CF/8812.
Quanto à ação civil pública, embora não seja monopólio do MP, como
anteriormente considerado, trata-se de instrumento jurídico que consta na Seção
destinada ao Ministério Público na Constituição, sendo essa instituição a única
responsável pela instauração do inquérito civil13. Portanto, o lobby empreendido pela
Conamp fora constante durante os trabalhos da ANC e, embora não tivesse suas
propostas aceitas em totalidade, é tido como o grupo de pressão mais bem-sucedido:

O trabalho dos membros da Comissão (Conamp) junto aos


Constituintes foi incansável e interminável, durava noite e dia para se
conseguir a aprovação da ideia central; muitos parlamentares
ofereceram algumas pequenas modificações, mas a base ficou intacta,
salvo observações já feitas e mais uma, a final praticamente, no
Relatório do eminente Senador Bernardo Cabral (De Paula, 2008).

No capítulo referente ao Ministério Público tenho a impressão de que


demos um passo – e, se isso for aceito pela Casa, é histórico. Trata-se
de um passo histórico e até de repercussões teóricas muito importantes
porque estamos criando outro órgão no esquema dos três poderes. É
um órgão fiscalizador que não se pendura em qualquer dos ramos do
esquema de Montesquieu. Por que propormos a autonomia financeira,
política e administrativa do órgão? Porque queremos um fiscal forte
da Lei. (Plínio de Arruda Sampaio, PT-SP, na Sétima Reunião
Ordinária da Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público

12
Artigo 128 (o Ministério Público abrange), § 5º, IIc (das vedações)– “Exercer atividade político-
partidária, salvo exceções previstas por lei”. Capítulo IV, Das funções essenciais à Justiça, Seção I, do
Ministério Público, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
13
Artigo 129 (Funções Institucionais do Ministério Público), III – “Promover o inquérito civil e a ação
civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos”. Ainda no Artigo 129: § 1º “A legitimação do Ministério Público para as ações civis
previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta
Constituição e na lei”. Capítulo IV, Das funções essenciais à Justiça, Seção I, do Ministério Público,
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
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na ANC 1987/88).

2 - Direitos Coletivos e o Artigo 68 do ADCT/ CF-88 14

A noção de direitos coletivos vem à tona na Carta Magna. Daí a relevância de combinar
ao estudo da Subcomissão do Judiciário e Ministério Público as considerações acerca
das discussões na Subcomissão das Minorias, presidida pelo constituinte Ivo Lech, cujo
relator fora Alcenir Guerra.

A novidade maior é a introdução da noção de direitos coletivos,


embora no mesmo capítulo dos individuais. Esta diferenciação, se
bem interpretada e desenvolvida, rompe uma tradição de ver o direito
exclusivamente através do indivíduo e gera o das coletividades,
autônomo, próprio e diferente. A compreensão desta nova categoria
levará à revisão de códigos, legislações, procedimentos jurídicos e
institucionais (Coelho, 1989: 27).

Os direitos supraindividuais ou sociais foram, portanto, incorporados aos


tradicionais direitos de natureza individual e desse modo tem-se o alargamento dos
direitos de cidadania (Stucchi, 2005). Direitos coletivos tomam o cenário; no presente
artigo será considerado o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, no qual o Ministério Público exerce hoje destacado papel, por meio da 6ª
Câmara de Coordenação e Revisão.

Art.68. “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando
suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes
títulos respectivos”.

O primeiro ponto a ser brevemente destacado é a criação de um novo sujeito


político e social a partir do artigo em questão, que cria a categoria “remanescente de
quilombo”. Desse modo, faz-se necessário a ressemantização do conceito, o que gera
ampla discussão no plano acadêmico e jurídico.
Em suma, como conceito jurídico de quilombo, segundo a definição da 6ª

14
Na elaboração da parte que segue foram utilizados os Anais da Subcomissão 7C, referente à
Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, da ANC, 1987.
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1
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Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da República, Ministério


Público Federal:
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os
grupos étnicos-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com
trajetória própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à
opressão histórica sofrida, conceito construído com base em
conhecimento científico antropológico e sociológico, e fruto de ampla
discussão técnica, reconhecido pelo Decreto nº 4.887/03 em seu Art.
2º.

Houve intenso debate acerca da aplicabilidade do Artigo em questão na década


de 1990, cujo cenário fora marcado por duas correntes: uma, voltada à
autoaplicabilidade do dispositivo constitucional, partindo de que sua publicação seria
suficiente para garantir emissão dos títulos de propriedade prescritos; outra, que
voltava-se à regulamentação do Artigo por meio de legislação específica que
determinasse os meios da aplicabilidade e definições quanto a procedimentos
administrativos e prazos. A segunda corrente remetia-se à Legislação Federal para que
regulamentasse beneficiários e critérios de legitimação, bem como a definição
conceitual. Todavia, não houve resposta da Legislação Federal. O Art. 68 permaneceu
no ADCT sem quaisquer emendas (Stucchi, 2005).
O Art. 68 do ADCT é, na aplicação, combinado ao Art. 215 e Art. 216, do corpo
permanente da CF/88, a Seção da Cultura15. A Carta Magna adotara, portanto, medidas de
reparação histórica e cultural dirigidas à população negra. Todavia, controvérsias circundam
o Artigo 68 aqui em questão, no tocante ao conceito de quilombo e categoria remanescente,
bem como há dissenso quanto à aplicabilidade do conceito no que diz respeito ao
reconhecimento pela autoatribuição, que dispensaria a produção de laudos periciais
comprobatórios, exceto se houver interesses conflitantes e estes apresentem contestação
explícita (Arruti, 2003).

15
Os artigos 215 e 216 da Constituição Federal garantem a proteção às manifestações das culturas
populares, indígenas e afro-brasileiras e definem como patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referências à identidade, à
ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. No campo
infraconstitucional, é o Decreto n° 4.887, de 2003, que regulamenta o processo administrativo de
delimitação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades de quilombos.

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A autoatribuição exclui quaisquer mecanismos majoritários e sociais; os princípios


da autoidentificação por parte dos grupos estão regulamentados nos artigos 1 e 2 da
Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais em países independentes, aprovados
pela Organização Internacional do Trabalho. Vê-se que o ato cabe ao grupo, o que
mostra que não há classificador da sociedade que possa se impor. Vale ainda ressaltar
que os direitos de minorias, em especial minorias étnicas, têm particularidade de
aplicação, tendo em vista que nesses casos o princípio democrático da maioria não pode
prevalecer, pois não cabe à maioria determinar quais direitos assistem à minoria
(Almeida & Pereira, 2007).
O direito garantido pelo Art.68 insere-se ainda no Art.5º, parágrafo 2º, relativo
aos direitos e garantias fundamentais, por ser o direito à propriedade “indispensável à
pessoa humana e necessário para assegurar existência digna, livre e igual”. Todavia vale
lembrar que o direito à propriedade garantido pelo Art.68 é direito de segunda geração,
tem fulcro na igualdade e é direito coletivo, e desse modo remete sua aplicação ao
Ministério Público.
Antes de se ater à atuação efetiva do MP na questão proposta, valem
considerações acerca da Subcomissão das Minorias, tendo em vista que esta foi a que
mais recebera inferências públicas, e nela discutiu-se e definiu-se grande parte da linha
de atuação do Ministério Público. O Movimento Negro16 organizara-se e exercera seu
lobby junto aos constituintes da Subcomissão das Minorias, encaminhando uma
proposta de Norma que garantisse direitos à comunidades negras rurais –
posteriormente consideradas como “remanescentes de quilombo”; esta proposta foi
encaminhada à deputada Benedita da Silva, em maio de 1987.
Foi considerado no Substitutivo da Subcomissão em questão, ainda em maio de
1987, em seu Artigo 7º: “O Estado garantirá o título de propriedade definitiva das
terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes dos Quilombos”. Assim
consta no Anexo à Ata da 16ª Reunião da Subcomissão dos Negros, Populações
Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, realizada em 25 de maio de 1987, lida pelo
presidente da Subcomissão, o Constituinte Ivo Lech – Anais da Subcomissão 7C.
Em 20 de agosto de 1987, o Deputado Carlos Alberto Cão (PDT-RJ) apresentou

16
Vale lembrar que 1988 fora o ano de comemoração do centenário da abolição do regime escravocrata,
fato este que, segundo autores do tema, teria influenciado decisões parlamentares em prol das propostas
do Movimento Negro, tendo em vista que qualquer negação seria acusada de preconceito. Somam-se ao
fato as noções de reparação histórica, escravidão inacabada e dívidas com afrodescendentes
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emenda popular para que fosse inserido no Título X do ADCT o texto: “Fica declarada
a propriedade definitiva das terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes
de quilombos, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ficam tombadas
essas terras bem como documentos referentes à história dos quilombos no Brasil”. Vale
ressaltar que o presente texto transitara pela Comissão de Sistematização sem
alterações.
Em 22 de junho de 1988, foi votado em primeiro turno o Art. 24 do ADCT:
“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando as suas
terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos
respectivos. Ficam tombados os sítios detentores de reminiscências históricas, bem
como todos os documentos dos antigos quilombos”17.
Com a promulgação da Constituição em 1988, o Art. 68 do ADCT passou a ter a
seguinte escrita: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-
lhes os títulos respectivos”.

É, portanto, este o ponto de contato no interior da proposta geral do presente


trabalho, cujo enfoque é o fortalecimento do MP e a ampliação de suas atribuições, em
contraponto às considerações acerca da Subcomissão das Minorias, tendo em vista que
deliberações desta determinam linhas de ação do MP; dentre as variadas ações, o
presente trabalho estabeleceu como recorte os direitos dos remanescentes de quilombos
– categoria criada pelo Artigo 68 da ADCT da CF/88. A questão da tutela dos interesses
coletivos é ponto chave nas inovações da Carta Magna, questão esta que se interliga
com a atuação do Ministério Público, na medida em que é parte de suas atribuições
fundamentais18. Grupos de remanescentes emergem no contexto da redemocratização,
como anteriormente referido, e com a criação de novos direitos e novos sujeitos pelo

17
Diário da Assembleia Nacional Constituinte, 1988.
18
Cabe ressaltar que os direitos indígenas são mais evidentes nas atribuições e ações do Ministério
Público do que os direitos de remanescentes de quilombo, sendo ambos direitos coletivos. Embora não
sejam esses direitos o foco do trabalho, pode-se destacar o lobby que grupos indígenas empenharam na
Subcomissão das Minorias, sendo ainda que indígenas possuem Estatuto específico e próprio, embora
obsoleto, ainda da década de 1970. A defesa de direitos e deveres das populações indígenas é ainda
determinada pela Constituição, no Art. 129, V, sendo assim parte das atribuições fundamentais do
Ministério Público. Ou seja, embora índios e remanescentes de quilombos possuam os mesmos direitos
coletivos quanto à terra, havendo distinção quanto à titulação somente, os grupos indígenas estão
explicitamente citados no corpo permanente da CF/88 – Artigo 231, parágrafo 4º – e sua defesa
claramente cabe ao MP, enquanto os direitos de quilombolas é parte do ADCT, o corpo transitório da
Constituição.
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4
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Art.68 o que se vê é o direcionamento para reflexões acerca da configuração fundiária e


dos critérios de acesso e legitimação da propriedade – direitos que remetem à atuação
do MP.

3 - Ato das disposições Constitucionais Transitórias

Merece destaque o fato de o Artigo 68 estar contido no Ato das Disposições


Constitucionais Transitórias. Conforme considerado, o direito aos remanescentes de
quilombo não estavam presentes no lobby do MP, que estava voltado ao seu
fortalecimento e aos interesses tomados em sua generalidade. O Artigo 68 prescreve um
direito coletivo específico, que fugiu aos debates da Conamp. Por outro lado, houve
forte lobby dos movimentos negros na Subcomissão das Minorias, mas, por razões não
citadas na bibliografia específica, o direito dos quilombolas foi parar no corpo
transitório da Constituição.
Os 70 artigos do ADCT são considerados, na literatura, como o “depósito” de
questões para as quais não havia acordo, nem havia mais tempo ou disposição de
negociar. Desse modo, essas questões controversas seriam deixadas no corpo transitório
da Carta Magna, à espera de novos debates, possíveis modificações e inclusões no corpo
permanente da CF. A noção de que formuladores da lei não previam os efeitos criadores
da mesma é majoritária na literatura específica ao tema, visto que no momento da
discussão o pensamento se voltava ao passado, e não ao futuro. Assim, o objeto da lei
não antecede o seu projeto; o direito cria seu próprio sujeito e o artigo em questão acaba
por criar, portanto, categoria política e sociológica (Arruti, 2003). E o Artigo 68 se
tornara, após um “cochilo” da elite no momento de sua elaboração, um dos maiores
instrumentos da luta fundiária dos anos 90 (Almeida, 2004).
Vale considerar a peculiaridade que orientara os trabalhos constituintes no
primeiro turno das votações em Plenário. Houve predomínio do consenso, dado o papel
dos líderes partidários e após mudanças no Regimento Interno, engendradas pelo
Centrão. Tais mudanças foram no sentido da inversão do quorum (e consequente
necessidade de maioria para aprovação) e aumentaram a possibilidade de “buraco
negro”. Tendo em vista ainda que os trabalhos já extrapolavam o tempo definido

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inicialmente e adentravam o ano de 1988, uma das estratégias utilizadas pelos


parlamentares para acelerar o andamento, evitando discussões excessivas que atrasariam
ainda mais, fora a adoção da “Emenda de Fusão”, tendo como destino, principalmente,
o ADCT19.
Quanto ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, este constitui-se em
partes constitucionais que têm por objetivo regulamentar o período de transição dos
regimes jurídicos da Constituição anterior à nova Carta (Editorial Jurídico, 2006). Ou
seja, valeriam apenas no período transitório entre a CF/67 e a efetivação da Carta de
1988. São, portanto, mecanismos de regulamentação, pois, salvo determinação expressa
em contrário na nova Constituição, a partir do momento em que esta se tornar eficaz, a
eficácia da Carta anterior é anulada. Como tal ab-rogação tem por consequência a
mudança brusca do regime constitucional, faz-se necessário que a realidade daquele
período seja regulamentada para que se adapte à nova realidade constitucionalmente
imposta. Tem-se ainda que os ADCT são elaborados com a noção de que irão durar
pouco tempo (ideia de transitoriedade). Sua finalidade é, portanto, a de preparar o
terreno para a eficácia plena da parte dogmática da constituição:

O alcance de normas constitucionais transitórias há de ser demarcado


pela medida da estrita necessidade do período de transição que visem
a reger, de tal modo a que, tão cedo quanto possível, possa ter
aplicação a disciplina constitucional permanente da matéria, ou seja, a
parte dogmática da Constituição (Relatório do Ministro Sepúlveda
Pertence, em 04 de dezembro de 1991).

A vigência e a eficácia de uma nova Constituição implicam a


supressão da existência, a perda da validade e a cessação de eficácia
da anterior Constituição por ela revogada, operando-se, em tal
situação, uma hipótese de revogação global ou sistêmica do
ordenamento constitucional precedente, não cabendo, por isso mesmo,
indagar-se, por impróprio, da compatibilidade ou não, para efeito de
recepção, de quaisquer preceitos constantes da Carta Política anterior,
ainda que materialmente não-conflitantes com a ordem constitucional

19
As presentes considerações foram elaboradas a partir dos textos de Jobim (1993), Pilatti (2008),
Mainwaring & Liñan (1998) e Coelho (1989).
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ordinária superveniente. (...) Dada a impossibilidade de convívio entre


duas ordens constitucionais originárias – cada qual representando uma
ideia própria de Direito e refletindo uma particular concepção
político-ideológica – exceto se a nova Constituição, mediante
processo de recepção material, conferir vigência parcial e eficácia
temporal limitada a determinados preceitos constitucionais inscritos
na Lei Fundamental revogada, à semelhança dos artigos contidos no
ADCT/88. (Relatório do Ministro Celso de Mello, em 24 de junho de
2004).

Contudo, no caso do Art. 68, vê-se que o que deveria ser transitório se tornara
permanente e o preceito constitucional, há 20 anos no ADCT, fora aplicado
efetivamente por uma instituição que é tida por muitos como o “Quarto Poder”. O
transitório tornou-se duradouro, contrariando a legitimidade da parte da Constituição
que o abriga.

4 - A atuação do Ministério Público no Artigo 68 ADCT – A 6ª Câmara de


Coordenação e Revisão

“A 6 ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal é um órgão


setorial de coordenação, de integração e de revisão do exercício funcional dos
Procuradores da República, nos termos relativos aos povos indígenas e outras minorias
étnicas. Dentre essas minorias têm tido atenção os quilombolas, as comunidades
extrativistas, as comunidades ribeirinhas e os ciganos. Todos esses grupos têm em
comum um modo de vida tradicional distinto da sociedade nacional de grande formato.
De modo que o grande desafio para a 6ª CCR e para os procuradores que militam em
sua área temática é assegurar a pluralidade do Estado Brasileiro na perspectiva étnica
e cultural, tal como constitucionalmente determinada”( 6ª Câmara da Coordenação e
Revisão do Ministério Público Federal)20

Por fim, a existência e atuação da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do


Ministério Público Federal é o exemplo concreto do “intercâmbio decisório” que se
dera entre a Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público e a Subcomissão
das Minorias, ou seja, as demandas que entraram pela segunda impactaram nos

20
Fonte: 6ª Câmara da Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. Disponível em
http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/institucional/apresentacao/apresentacao_txt, acesso em 03/12/2008.

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trabalhos do MP. Este, por sua vez, não discutira pontos de atuação em sua
Subcomissão, somente discutira a atuação em prol de interesses coletivos, difusos,
individuais homogêneos – termos gerais.
A 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República é responsável pela defesa dos
direitos de minorias, não necessariamente étnicas. Por ela se dá a defesa do direito de
propriedade de remanescentes de quilombo, prescrito no Artigo 68 e efetivado por meio
da elaboração de pareceres e participação em reuniões e audiências públicas sobre
conflitos, regularização de territórios quilombolas, ações emergenciais nas comunidades
quilombolas, impactos de grandes projetos, proposta de Projeto Legislativo, discussões
e propostas de mudança da Instrução Normativa do Incra, alimentação do Banco de
Dados das Comunidades Quilombolas, entre outras atividades, complementadas por
Reuniões regulares do GT-Quilombo da 6ª CCR.
O Grupo de Trabalho Quilombos, Povos e Comunidades Tradicionais tem como
objetivos principais: assegurar que a comunidade se mantenha na posse do território
enquanto o Processo Judicial ou Administrativo está em curso; adotar procedimentos
necessários à titulação, quando da prévia autoidentificação do grupo; verificar a
exigência de certificação pela Fundação Cultural Palmares de autoatribuição do grupo,
o Decreto 4.887/200321, bem como a aplicabilidade da Convenção 169 às Comunidades
Remanescentes de Quilombos.
A especificidade desses termos teve porta de entrada em outra subcomissão, a
das Minorias, e este fato fizera com o MP consolidasse suas diretrizes de atuação em
cima de decisões de uma subcomissão diversa da sua.
Nesse contexto, retomando, está a 6ª Câmara, braço do MPF que atua
exclusivamente em defesa de direitos de indígenas e minorias, assuntos específicos que
não fizeram parte dos debates na Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério
Público. As discussões da Subcomissão do MP, ponto forte de seu lobby, foram acerca
de seu fortalecimento e expansão de suas atribuições, tomadas de forma
demasiadamente gerais. Direitos específicos, coletivos ou individuais, não tiveram
como porta de entrada a Subcomissão do MP, que hoje neles atua; esses direitos (tal é o

21
Decreto nº 4.887 de 20 de novembro de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos de que trata o Art. 68 do ADCT. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htm, acesso em 03/12/2008.

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caso do Art. 68) são oriundos de outras Subcomissões da ANC e atualmente constituem
lócus de atuação e defesa pelo Ministério Público.
Na Procuradoria da República no Estado de São Paulo, a atuação do Ministério
Público Federal no tocante às Ações Civis Públicas se dá por Ofícios, cada qual
relacionado a uma Câmara da Procuradoria Geral da República. Desse modo, tem-se o
1º Ofício “Meio Ambiente, Patrimônio Histórico Cultural, Índios e Populações
Tradicionais” e o 4º Ofício “Família, Criança, Adolescente, Idoso, Portador de
Deficiência e Cidadania”, vinculados à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão. Ambos os
Ofícios atuam na defesa e efetivação do Art. 68 ADCT/CF-88.

Conclusões

Vê-se que, embora o processo de elaboração constitucional tenha se dado de


forma descentralizada, através de 24 subcomissões autônomas, as questões por elas
tratadas em separado se intercruzam na prática. Pressões que incidiram na Subcomissão
de Negros e Minorias acabaram por ecoar na atuação do Ministério Público, na medida
em que este tem como prerrogativa a defesa dos variados interesses socais – interesses
coletivos, difusos e individuais homogêneos. O Ministério Público que surgira após a
promulgação da Carta Constitucional mostra-se fortalecido, o “Quarto Poder” dentre os
Poderes de Estado.
Embora o direito prescrito no Art.68 do ADCT não se enquadrasse no lobby do
Ministério Público, consolidado na Carta de Curitiba, ele é atualmente foco da atuação
da Instituição. Veem-se reflexos dos interesses defendidos pela Conamp nas atribuições
atuais da instituição a qual representa, que resplandece fortalecida após a promulgação
da Constituição enquanto representante dos fins aos quais se propunha durante o
processo constituinte. Fins estes que, pelas rachaduras hermenêuticas do direito
positivo, passam por uma expansão: passam a abranger assuntos pontuais e questões
peculiares, tal como a questão quilombola.
A força política de uma corporação de classe deu demonstrações efetivas no
caso considerado e faz-se presente na atuação do Ministério Público nos dias de hoje.
Em paralelo, viu-se a força de ideologias, do Movimento Negro Unificado e dos
partidos vinculados à causa, que se concretizou na redação do Artigo 68 do ADCT/CF-
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88. Esse é ponto da intersecção: pressões paralelas, que deram entrada através de
Subcomissões diversas e seguiram caminhos distintos, mas que chegam então ao
cruzamento no momento da aplicação.
Indica-se, portanto, o processo de fortalecimento pelo qual passou o Ministério
Público, este que ganhou prerrogativas que extrapolam seu próprio lobby, considerando
a ampliação dos direitos de cidadania e a incorporação dos direitos sociais,
supraindividuais, aos tradicionais direitos de natureza individual, civis e políticos, que
ampliaram o lócus de atuação da Instituição. O MP, então, se fortalece e se consolida
como “o defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais disponíveis, ele (o Ministério Público) é chamado a agir em novas áreas,
cabendo à instituição salvaguardar e proteger interesses e direitos constitucionalmente
previstos” (Sadek, 1999:5-6).

Bibliografia

Referências a Documentos Oficiais e Sites

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República. Ministério Público Federal. http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/

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http://www.senado.gov.br/legislacao/BasesHist/asp; acesso em 09/11/2008.

ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE, Atas de Comissões, Comissão da


Ordem Social, Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e
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ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE, Atas de Comissões, Comissão da


Organização e Sistema de Governo, Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério
Público, 1987.

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Carta de Curitiba. Confederação Nacional do Ministério Público. CONAMP, 1986.


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Referências Bibliográficas

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Recebido em 04 de junho de 2009


Aprovado em 17 de setembro de 2009

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