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Campos Ferreira
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Resumo: O presente artigo se propõe a discorrer sobre o novo Ministério Público, que surge a
partir das decisões da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, e refletir acerca de sua
atuação em um direito coletivo específico – o garantido pelo Art. 68 do ADCT/CF-88. Para
tanto são tomadas as discussões da Subcomissão 3C, do Judiciário e do Ministério Público na
ANC, salientando o papel realizado pela Confederação Nacional do Ministério Público, lobby
significativo concretizado através da Carta de Curitiba. Serão realizadas ainda considerações
sobre os debates da Subcomissão 7C, dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e
Minorias, vinculada à Comissão da Ordem Social; o objeto volta-se especificamente às
discussões referentes ao tema que será contemplado no Artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias: o direito à propriedade de grupos remanescentes de quilombos,
tendo como quadro de referência a expansão dos direitos coletivos na Carta Magna – área esta
de significativa atuação do MPF. Os Anais das Subcomissões 3C e 7C foram, portanto, objetos
de estudo, bem como o Diário da Assembleia Nacional Constituinte, no intuito de demonstrar
as pressões que incidiram sobre ambas as Subcomissões e ecoaram na atuação do Ministério
Público, inclusive nos dias atuais; Instituição esta que passa a contar com respaldo
constitucional significativo, fortalecida e com a prerrogativa da defesa de ampla gama de
interesses sociais.
Palavras-chave: Ministério Público, Comunidades Remanescentes de Quilombo, Assembleia
Nacional Constituinte, Teoria Constitucional, Direitos Coletivos.
Abstract: The article discusses the Brazilian Public Ministry, which strengthens the basis of
decisions of the Brazilian National Constituent Assembly of 1987, and reflects on their actions
in a collective right, guaranteed by Article 68 of ADCT/CF-88. It deals with the discussions of
the Subcommittee 3C, the Judiciary and the Prosecutors in the ANC, highlighting significant
lobbying done by the National Confederation of the Public Ministry, through the 'Carta de
Curitiba'. The discussions of the Subcommittee 7C, the Blacks, Indigenous Peoples, Minorities
and Peoples with Disabilities, linked to the Social Order of the Commission, are considered,
specifically the discussion on the subject as reflected in Article 68 of the Transitional
Constitutional Provisions Act: the right to ownership remainder of quilombo community in the
context of the expansion of collective rights in the Magna Carta, field of action of MPF. The
Annals of Subcommittees 3C and 7C and Diary of the National Constituent Assembly were
objects of study to demonstrate the pressures that focus on both Subcommittees and echoed in
*
Graduanda em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
FFLCH, Universidade de São Paulo, USP. Estagiária do Setor Pericial em Antropologia da
Procuradoria Geral da República no Estado de São Paulo - PRSP, Ministério Público Federal.
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the actions of the prosecutors; the MPF has gained support of constitutional importance and
has strengthened with the prerogative of defense of many social interests.
Key words: Brazilian Public Ministry, Remainder of Quilombo Community, Brazilian National
Constituent Assembly, Social Rights, Constitutional Theory
Résumé: L'article aborde le Ministère public, qui apparaît à partir des décisions de l'Assemblée
Nationale Constituante brésilienne de 1987, et une réflexion sur leurs actions dans un droit
collectif especifique, garanti par l'article 68 de ADCT/CF-88. Notre regard se tourne vers les
discussions de la Sous-3C, la magistrature et les Ministère Public dans l'ANC, en faisant
ressortir le rôle réalisé par la Confédération Nationale du Ministère Public, lobby significatif
concrétisé à travers la 'Carta de Curitiba'. Encore, on fait des considerations sur les débats de
la Sous-commission 7C, des Noirs, des Populations Indigènes, des Personnes Handicapées et
Minorités, attachée à la Commission de l'Ordre Social; l'objet se tourne spécifiquement aux
discussions afférentes au sujet qui sera envisagé dans l'Article 68 de l'Acte des Dispositions
Constitutionnelles Transitoires : le droit à la propriété de groupes restants de quilombos, dans
le contexte de l'expansion des droits collectifs dans la Magna Carta, le domaine d'action du
MPF. Les Annales de la Sous-3C et 7C et l’Agenda de l'Assemblée Nationale Constituante ont
été des objets d'étude, afin de démontrer les pressions sur les deux sous-comités et son écho
dans les actions du Ministère Public; cette institution, fortifiée, a gagné d’important soutien
constitutionnel et la prerogative de la défense des intérêts sociaux variés.
Mots-clés: Ministère Public du Brésil, vestiges de communautés quilombos, Assemblée
Nationale Constituante au Brésil, la théorie constitutionnelle, droits sociaux.
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Introdução
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A base foram os Anais da Subcomissão 3C, a Subcomissão do Judiciário e do Ministério Público na
Assembléia Nacional Constituinte, 1987.
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Tal é o caso da Inglaterra, França, Alemanha, Canadá, Espanha, Estados Unidos, bem como o do
Ministério Público Brasileiro e do Italiano, antes de suas Constituições Democráticas.
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O termo accountability não possui tradução exata para o português. É utilizado na literatura corrente no
sentido de responsabilização, prestação de contas por órgãos administrativos (em especial órgãos
públicos), não somente no sentido quantitativo ou monetário, mas no tocante a trabalho realizado
qualitativamente (O’Donnell, 2000). Nesse âmbito, pode ser remetido a questões de cunho ético, de
responsabilidade social, obrigações quanto às próprias ações e decisões – daí a relevância quanto aos
cargos políticos e administrativos (Ferejohn, 1997). Vale mencionar, segundo Schedler (1999:18): “I
conclude accordingly that accountability does not represent a classical concept displaying a hard core of
invariable basic characteristics. Instead, it must be regarded as a radial concept whose subtypes or
secondary expressions do not share a common core but lack one or more elements that characterize the
prototypical primary category”.
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Onde se situam o Ministério Público do Brasil e da Itália, sendo que o italiano passara ao controle do
Judiciário após a Constituição Democrática, enquanto o brasileiro passara a ser independente dos demais
poderes, como anteriormente considerado.
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“Quanto à ideia de audiência pública, acho-a excelente. Quanto mais mecanismos de controle, de
participação do povo, para a nomeação de chefia dentro do Ministério Público, mais salutar para a
democracia. O Ministério Público deseja ser fiscalizado. Tudo o que faz, tudo o que possa fazer deve
passar pelo crivo da fiscalização dos legítimos representantes da sociedade brasileira, como são os
membros do Poder Legislativo. O espírito que nos anima a tomar obrigatória a representação por
inconstitucionalidade é exatamente este que V. Ex. a retrata, de que qualquer pessoa jurídica de direito
público – arrolamos apenas algumas – possa exercê-la. Pela sua vivência, pela sua experiência, o
próprio Ministério Público sabe que, quanto mais controle, melhor para o interesse da sociedade que ele
procura defender. Todas essas ideias seriam aceitas pelo Ministério Público do Brasil. São bem-vindas,
são arejamentos necessários, que de bom grado gostaríamos de ver incluídas em nossas sugestões”.
Antônio Araldo Ferraz dal Pozzo. ANAIS DA SUBCOMISSÃO DO PODER JUDICIÁRIO E
MINISTÉRIO PÚBLICO, 1987:25/26.
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distintas do padrão visto por essa Instituição na maioria dos países democráticos, são
fruto da promulgação da Constituição de 1988; um dos pontos que podem colaborar na
compreensão do fato exposto é a abertura à participação de vários grupos de interesse
durantes os trabalhos das subcomissões na ANC e, desse modo, inúmeros grupos de
pressão e diversos segmentos sociais puderam intervir nos trabalhos.
Na Subcomissão do Judiciário e do Ministério Público fizeram-se presentes
membros da Confederação Nacional do Ministério Público (Conamp) e representantes
dos Defensores Públicos e dos Delegados de Polícia. Esses grupos representam
importância no tocante às decisões tomadas e o lobby exercido que mais apresentara
resultados fora da Conamp, fato este concretizado na ampliação das atribuições do
Ministério Público. A Confederação obtivera sucesso na aprovação de inúmeros pontos
de sua proposta6.
Vale ressaltar que a Conamp fora um grupo bem organizado e eficiente,
oferecera aos constituintes da Subcomissão em questão um texto constitucional, a Carta
de Curitiba, além de haver desenvolvido acompanhamento dos trabalhos dos
parlamentares e suas discussões7.
A Carta de Curitiba consolida, portanto, o intenso lobby do Ministério Público.
Está organizada da seguinte forma: Seção I, Das Disposições Gerais; Seção II, Do
Ministério Público da União; Seção III, Do Ministério Público dos Estados e do
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; Seção IV, Garantias e Dispositivos
colocados fora do Capítulo Ministério Público; Seção V, Da Ordem Social; Disposições
Constitucionais Transitórias. Há ainda na Carta de Curitiba a Monção de Curitiba,
aprovada no 1 º Encontro Nacional de Procuradores, em 1986:
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“A Conamp pode se sentir vitoriosa (...) porque apresentou uma proposta que não era contrária aos
elementos balizadores dos debates, que ia positivamente ao encontro de aspectos conjunturais e de
cultura política presentes na Assembleia Nacional Constituinte”. (Kerche, 1999:61)
7
Em 1986, reuniram-se membros do MPF em um Encontro de Estudos em São Luís do Maranhão, em
uma comissão formada pelos procuradores Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, Edylcéa Tavares Nogueira
de Paula, José Rodrigues Ferreira, Milton Menezes e Paulo Fontes, João Pedro Ferraz dos Passos, Maria
de Lourdes Abreu Monteiro e pelo Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República,
Roberto Gurgel Santos. Desse encontro saíram as diretrizes de atuação da Conamp junto à Subcomissão
do Ministério Público na ANC.
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“Em um período de censura, corria-se o risco de que se centralizasse o modelo do Ministério Público,
e que se tivesse o padrão do Ministério Público Federal – o que não convinha aos Estados. Na época,
não existia a concepção de que o Ministério Público se dedicasse exclusivamente à defesa da sociedade,
o que acabava induzindo o legislador a seguir o modelo federal: o Procurador da República era, ao
mesmo tempo, membro do MP e Advogado da União. Um modelo prejudicial, pois o advogado
representa o cliente. E o Ministério Público não poderia representar a vontade do Governo e, ao mesmo
tempo, defender interesses sociais colidentes com as pretensões do governante. Promotores de Justiça
não concordavam com isso” (Conamp, disponível em:
http://www.conamp.org.br/index.php?a=conamp_historico.php, acesso em 03/12/2008.)
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A judicialização da política engendra um novo ativismo judicial e procedimentos semelhantes aos
processos judiciais passam a ser adotados por políticos, que tomam ainda parâmetros jurisprudenciais em
deliberações. O fenômeno é consequência da ampliação dos direitos após a II Guerra Mundial, somada ao
enfraquecimento da eficácia de políticas macroeconômicas no final da década de 1960. (Castro, 1997)
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O mecanismo de accountability horizontal quase não existe e o vertical mostra-se incapaz de limitar e
controlar a atuação de promotores e procuradores. Somada a este fato, há a questão do monopólio da ação
penal e o papel do MP frente ao Judiciário, no tocante à ação civil pública, e ao Executivo, responsável
pela sua fiscalização. (Kerche, 1999)
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Na proposta de agosto de 1987 o MP está incluído como Seção II no Capítulo “Das funções essenciais
ao exercício dos poderes”, enquanto está como Seção II no Capítulo “Das funções essenciais à
administração da justiça” na proposta de setembro, novembro e dezembro de 1987, sendo ainda Seção I
desse mesmo capítulo na proposta de julho e agosto de 1988.
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Senado no âmbito federal, e no nível dos estados pelo governador; a destituição, por sua
vez, seria realizada pelo Presidente, com aprovação da maioria absoluta do senado, e,
nos estados, pela maioria absoluta da Assembleia Legislativa, não sendo necessária a
apresentação dos motivos em ambos os planos. A atividade político-partidária dos
procuradores fora ainda vedada no Artigo 128 da CF/8812.
Quanto à ação civil pública, embora não seja monopólio do MP, como
anteriormente considerado, trata-se de instrumento jurídico que consta na Seção
destinada ao Ministério Público na Constituição, sendo essa instituição a única
responsável pela instauração do inquérito civil13. Portanto, o lobby empreendido pela
Conamp fora constante durante os trabalhos da ANC e, embora não tivesse suas
propostas aceitas em totalidade, é tido como o grupo de pressão mais bem-sucedido:
12
Artigo 128 (o Ministério Público abrange), § 5º, IIc (das vedações)– “Exercer atividade político-
partidária, salvo exceções previstas por lei”. Capítulo IV, Das funções essenciais à Justiça, Seção I, do
Ministério Público, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
13
Artigo 129 (Funções Institucionais do Ministério Público), III – “Promover o inquérito civil e a ação
civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos”. Ainda no Artigo 129: § 1º “A legitimação do Ministério Público para as ações civis
previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta
Constituição e na lei”. Capítulo IV, Das funções essenciais à Justiça, Seção I, do Ministério Público,
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
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na ANC 1987/88).
A noção de direitos coletivos vem à tona na Carta Magna. Daí a relevância de combinar
ao estudo da Subcomissão do Judiciário e Ministério Público as considerações acerca
das discussões na Subcomissão das Minorias, presidida pelo constituinte Ivo Lech, cujo
relator fora Alcenir Guerra.
Art.68. “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando
suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes
títulos respectivos”.
14
Na elaboração da parte que segue foram utilizados os Anais da Subcomissão 7C, referente à
Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, da ANC, 1987.
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Os artigos 215 e 216 da Constituição Federal garantem a proteção às manifestações das culturas
populares, indígenas e afro-brasileiras e definem como patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referências à identidade, à
ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. No campo
infraconstitucional, é o Decreto n° 4.887, de 2003, que regulamenta o processo administrativo de
delimitação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades de quilombos.
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Vale lembrar que 1988 fora o ano de comemoração do centenário da abolição do regime escravocrata,
fato este que, segundo autores do tema, teria influenciado decisões parlamentares em prol das propostas
do Movimento Negro, tendo em vista que qualquer negação seria acusada de preconceito. Somam-se ao
fato as noções de reparação histórica, escravidão inacabada e dívidas com afrodescendentes
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emenda popular para que fosse inserido no Título X do ADCT o texto: “Fica declarada
a propriedade definitiva das terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes
de quilombos, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ficam tombadas
essas terras bem como documentos referentes à história dos quilombos no Brasil”. Vale
ressaltar que o presente texto transitara pela Comissão de Sistematização sem
alterações.
Em 22 de junho de 1988, foi votado em primeiro turno o Art. 24 do ADCT:
“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando as suas
terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos
respectivos. Ficam tombados os sítios detentores de reminiscências históricas, bem
como todos os documentos dos antigos quilombos”17.
Com a promulgação da Constituição em 1988, o Art. 68 do ADCT passou a ter a
seguinte escrita: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-
lhes os títulos respectivos”.
17
Diário da Assembleia Nacional Constituinte, 1988.
18
Cabe ressaltar que os direitos indígenas são mais evidentes nas atribuições e ações do Ministério
Público do que os direitos de remanescentes de quilombo, sendo ambos direitos coletivos. Embora não
sejam esses direitos o foco do trabalho, pode-se destacar o lobby que grupos indígenas empenharam na
Subcomissão das Minorias, sendo ainda que indígenas possuem Estatuto específico e próprio, embora
obsoleto, ainda da década de 1970. A defesa de direitos e deveres das populações indígenas é ainda
determinada pela Constituição, no Art. 129, V, sendo assim parte das atribuições fundamentais do
Ministério Público. Ou seja, embora índios e remanescentes de quilombos possuam os mesmos direitos
coletivos quanto à terra, havendo distinção quanto à titulação somente, os grupos indígenas estão
explicitamente citados no corpo permanente da CF/88 – Artigo 231, parágrafo 4º – e sua defesa
claramente cabe ao MP, enquanto os direitos de quilombolas é parte do ADCT, o corpo transitório da
Constituição.
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As presentes considerações foram elaboradas a partir dos textos de Jobim (1993), Pilatti (2008),
Mainwaring & Liñan (1998) e Coelho (1989).
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Contudo, no caso do Art. 68, vê-se que o que deveria ser transitório se tornara
permanente e o preceito constitucional, há 20 anos no ADCT, fora aplicado
efetivamente por uma instituição que é tida por muitos como o “Quarto Poder”. O
transitório tornou-se duradouro, contrariando a legitimidade da parte da Constituição
que o abriga.
20
Fonte: 6ª Câmara da Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. Disponível em
http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/institucional/apresentacao/apresentacao_txt, acesso em 03/12/2008.
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trabalhos do MP. Este, por sua vez, não discutira pontos de atuação em sua
Subcomissão, somente discutira a atuação em prol de interesses coletivos, difusos,
individuais homogêneos – termos gerais.
A 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República é responsável pela defesa dos
direitos de minorias, não necessariamente étnicas. Por ela se dá a defesa do direito de
propriedade de remanescentes de quilombo, prescrito no Artigo 68 e efetivado por meio
da elaboração de pareceres e participação em reuniões e audiências públicas sobre
conflitos, regularização de territórios quilombolas, ações emergenciais nas comunidades
quilombolas, impactos de grandes projetos, proposta de Projeto Legislativo, discussões
e propostas de mudança da Instrução Normativa do Incra, alimentação do Banco de
Dados das Comunidades Quilombolas, entre outras atividades, complementadas por
Reuniões regulares do GT-Quilombo da 6ª CCR.
O Grupo de Trabalho Quilombos, Povos e Comunidades Tradicionais tem como
objetivos principais: assegurar que a comunidade se mantenha na posse do território
enquanto o Processo Judicial ou Administrativo está em curso; adotar procedimentos
necessários à titulação, quando da prévia autoidentificação do grupo; verificar a
exigência de certificação pela Fundação Cultural Palmares de autoatribuição do grupo,
o Decreto 4.887/200321, bem como a aplicabilidade da Convenção 169 às Comunidades
Remanescentes de Quilombos.
A especificidade desses termos teve porta de entrada em outra subcomissão, a
das Minorias, e este fato fizera com o MP consolidasse suas diretrizes de atuação em
cima de decisões de uma subcomissão diversa da sua.
Nesse contexto, retomando, está a 6ª Câmara, braço do MPF que atua
exclusivamente em defesa de direitos de indígenas e minorias, assuntos específicos que
não fizeram parte dos debates na Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério
Público. As discussões da Subcomissão do MP, ponto forte de seu lobby, foram acerca
de seu fortalecimento e expansão de suas atribuições, tomadas de forma
demasiadamente gerais. Direitos específicos, coletivos ou individuais, não tiveram
como porta de entrada a Subcomissão do MP, que hoje neles atua; esses direitos (tal é o
21
Decreto nº 4.887 de 20 de novembro de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos de que trata o Art. 68 do ADCT. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htm, acesso em 03/12/2008.
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caso do Art. 68) são oriundos de outras Subcomissões da ANC e atualmente constituem
lócus de atuação e defesa pelo Ministério Público.
Na Procuradoria da República no Estado de São Paulo, a atuação do Ministério
Público Federal no tocante às Ações Civis Públicas se dá por Ofícios, cada qual
relacionado a uma Câmara da Procuradoria Geral da República. Desse modo, tem-se o
1º Ofício “Meio Ambiente, Patrimônio Histórico Cultural, Índios e Populações
Tradicionais” e o 4º Ofício “Família, Criança, Adolescente, Idoso, Portador de
Deficiência e Cidadania”, vinculados à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão. Ambos os
Ofícios atuam na defesa e efetivação do Art. 68 ADCT/CF-88.
Conclusões
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88. Esse é ponto da intersecção: pressões paralelas, que deram entrada através de
Subcomissões diversas e seguiram caminhos distintos, mas que chegam então ao
cruzamento no momento da aplicação.
Indica-se, portanto, o processo de fortalecimento pelo qual passou o Ministério
Público, este que ganhou prerrogativas que extrapolam seu próprio lobby, considerando
a ampliação dos direitos de cidadania e a incorporação dos direitos sociais,
supraindividuais, aos tradicionais direitos de natureza individual, civis e políticos, que
ampliaram o lócus de atuação da Instituição. O MP, então, se fortalece e se consolida
como “o defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais disponíveis, ele (o Ministério Público) é chamado a agir em novas áreas,
cabendo à instituição salvaguardar e proteger interesses e direitos constitucionalmente
previstos” (Sadek, 1999:5-6).
Bibliografia
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Disponível em
http://www.conamp.org.br/index.php?a=mostra_cartas.php&ID_MATERIA=177
acesso em 12/11/2008.
Referências Bibliográficas
BONAVIDES Paulo & ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. Paz e
Terra, Rio de Janeiro: 1989.
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SADEK, Maria Tereza & ARANTES, Rogério B. A crise do Judiciários e a Visão dos
Juízes. In Revista USP, NÚMERO 21, São Paulo, março/abril de 1994.
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