Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
A NEGAÇÃO
TEXTOS /
Vladimir Safatle, Newton da Costa e Andrés R. Raggio
INTRODUÇÃO
/
UM CLARO ENIGMA DE FREUD
Marilene Ca rone
“Escrevi algu ns ensaios brev es, mas não cois a muito séria.
Talvez lhe fa le dele s mais tar de, se me deci dir a reconhecê -los.
Você pode ter acesso a seus títulos: A negação, Inibição e sintoma e
lgumas consequências da diferença sexual anatômica ” – diz Freud a
Abraham, numa carta de 21 de julho de 1925. [1] Não dei xa d e
ser intriga nte o desdém co m que Freud fa la de alg uma s de sua s
pequ enas obra s-prima s, entre as qua is as dens as cinco pá ginas
de A negação, até hoje fecundas e e stimulantes pa ra os
estud iosos das m ais diversas filiações pós -fr eudiana s. [2]
Podería mos entender essa desqua lificaçã o do próprio
tra balho como express ão de um estado de ânimo depr essivo, de
um d oente (o câncer eclodira em 1923) que es creve par a out ro
doente (Abraha m já estava gr avemente atingido pela doença
pulmonar q ue o levaria à mor te cinco meses mais tar de). Mas o
fato é que Freud, a o analis ar o conjunto da sua obra, muitos
anos depoi s, continuava a afirma r qu e, depois de Para além do
rincípio do prazer(1920) e de O ego e o id(1923) , “não dei mais
contr ibuições decisiv as à psicaná lise, e o que es crevi depois
disso poderia ter sido emitido se m ma iores prejuízos ou logo
seria apresentad o por outro”. [3]
Fica clar o, portanto, qu e, a p artir de 1923, Freud con sidera
encerrado o tra balho decis ivo de cons tru ção d o edifício teórico
da psicanálise ; entre 1923 e 1925, p ublica u ma série de
pequ enos ensaios que chama ría mos de tra balhos de
aca bamento, que visavam completar form ula ções anter iores,
aplicá-las a questões novas, r ever velho s enigmas. Não p or
acaso, são desse período os text os: A organização genital infantil
(1923); Neurose e psicose, Problema econômico do masoquismo, O
declínio do complexo de Édipo (1924); Nota sobre o bloco mágico,
Complementação à interpretação dos sonhos , Algumas consequências
síquicas da diferença sexual anatômicae A negação (1925).
O não reconhe cimento inicial, p or pa rte de Freud, d a
pa terni dad e dos três tra balhos citados na car ta a Abraha m
pa rece deve r-se não tanto a o desconhecimento da sua
importância, q ua nto ao
impa sses e obstáculos teóimpacto da descoberta
ricos a sup lanta r. de novos
Em uma carta a L ou-An dreas Salomé, e scrita na mesma
época (10 / 05 / 1925), Freud confidenci a: “Penso que d escobri
algo de importância funda mental pa ra o nosso traba lho, qu e
gua rda rei par a mim por algum tempo . É uma des coberta d e
que eu realmente devia me env ergonhar , pois deveria ter
adivinhad o essas
trinta a nos”. liga
[4] Em ções desde
Inibição, o começo
sintoma e (citado
e angústia não só depois de a
na carta
Abraham como Inibição e sintoma), Freud r etoma q uase
literalmente e ste pará grafo: “É qu ase vergonhos o que, depois
de um tra balho tão lo ngo, enco ntremos dificuld ade na
compreens ão da s relações mais fund amenta is, ma s nos
propusemo s nada simplific ar e nada ocultar. Se não pud ermos
ver com clareza,[5]vejamos pelo menos com precisão as
obscuridades”.
É em uma dessas tentativas de “ver com pr ecisão a s
obscurida des” que nasce o texto Verneinung. Aparentemente
simples, é, no en tanto, um ensaio extrema mente co mplexo, nã o
linear, ou sado e descon tínuo do p onto de vi sta t emático.
Incorpora as gr and es descoberta s mais rece ntes de Freud
(pulsão de morte e segund
síntese metapsicoló a tópica
gica, tra zendo )àebaila
rea liza
quuestões
m esforço
comodea
srcem do pensam ento e as distinções subjetivo-objetivo,
representação-percepção, interno-externo, real-não real.
Os laca nianos enfatiza m nele a represe ntaçã o verba l (o
“nã o”) como o índice ne gativo que mar ca o reconhe cimento do
inconscie nte, ou seja, o ego como o luga r do des-conhecimento;
os psicana listas do ego norte-america nos veem no ar tigo
elementos para uma aná lise positiva da estru tur a do ego –
como o lugar d a lógica, da organizaçã o temporal, d o controle
da açã o pelo pensamento, do tes te de realida de.
sãoComo se vê,
capazes de escolas psicanalíticas
se apropriar tã o rae dica
da Verneinung de tolmente o postas
rna r seu um
pensamento que ainda contin ua a requerer decifraçã o.
simplesmente. Paramomento
que decidir, a cada aVerneinung
desdobrarem “que ela comparece
” em dois outros termos, teríamos
(sem garantias contra o erro
e a arbitrariedade), qual o mais adequado. Há outros argumentos igualmente
simples, a favor dessa escolha:Verneinung
“ ” é o oposto de Bejahung
“ ”
(afirmação) – e isso desde sempre na língua alemã, não apenas em Freud. Seria,
portanto, errado opor à “afirmação” a “denegação” em vez de “negação”. Além
disso, na língua portuguesa o substantivo “negação” abrange perfeitamente as
duas acepções,
de fidelidade aoamodo
lógico-gramatical
como Freud eencarava
a psicológica. Por último,
as questões um argumento
de terminologia em
psicanálise. EmDie Frage der Laienanalyse [A questão da análise leiga], um texto
de 1926, aliás contemporâneo do texto Verneinung(Gesammelte Werke[doravante
w], v. 14. Frankfurt: S. Fischer Verlag, 1948, p. 222), diz Freud: “... wir lieben es i
der Psychoanalyse im Kontakt mit der populären Denkweise zu bleiben, und
ziehen es vor, deren Begriffe wissenschaftlich brauchbar zu machen, anstatt sie
zu verwerfen”
popular [... nae psicanálise
de pensar gostamos
preferimos tornar seusdeconceitos
ficar em cientificamente
contato com o modo
úteis, ao
invés de rejeitá-los]. Ora, “negar” e “negação” são termos correntes da fala
cotidiana, ao passo que “denegar” e “denegação” são termos intelectualizados,
sofisticados, distantes do nosso “modo popular de pensar”.
3 S. Freud,gw, v. 16. Frankfurt: S. Fischer Verlag, 1950, p. 32.
4 S. Freud & Lou-Andreas Salomé, Correspondênciacompleta. Rio de Janeiro:
deveA função
conferirdo
oujuízo temaessencialmente
recusar uma coisa umaduas decisõesqual
determinada a tomar:
idadeela
e
deve admitir ou contestar se uma representação tem ou não
existência na realidade. [12] A qualidade a ser decidida poderia
srcinariamente ter sido boa ou má, útil ou nociva. Expresso na
linguagem das mais antigas moções pulsionais [13] orais: isto eu quero
comer ou quero cuspir – e numa transposição mais à frente: isto eu
quero introduzir
isto deve em mim
ficar dentro e istodeeumim.
ou fora quero excluir
Como de mim; portanto:
demonstrei em outro
lugar, o ego-de-prazer [14] originário quer introjetar em si todo o bom
e pôr para fora todo o mau. O mau, aquilo que é estranho ao ego e
que se encontra fora, é inicialmente idêntico a ele.[15]
A outra decisão a ser tomada pela função do juízo, sobre a
existência real de uma coisa representada (prova de realidade), é
tarefa do ego-de-realidade [16] final, que se desenvolve a partir do
ego-de-prazer inicial. Agora não se trata mais da questão de saber
se algo percebido (uma coisa) deve ou não ser acolhido no ego, mas
se algo presente no ego como representação pode também ser
reencontrado na percepção
questão de externo e interno.(realidade).
O não real,Como se vê, representado,
meramente é de novo uma
subjetivo, é apenas interno; o outro, o real, está presente também no
exterior. Nessa evolução, a consideração pelo princípio do prazer foi
posta de lado. A experiência ensinou que não só é importante que
uma coisa (objeto de satisfação) possua a “ boa” quali dade e,
portanto, mereça acolhida no ego, mas também que ela esteja no
mundo
caso deexterno de umPara
necessidade. modocompreender
tal que seja possível apossar-se
esse progresso dela em
é preciso
lembrar que todas as representações provêm de percepções, são
repetições desta. Assim sendo, originariamente a existência da
representação já é uma garantia de realidade do representado. A
oposição entre subjetivo e objetivo não existe desde o início. Ela só
se estabelece pelo fato de que o pensamento tem a capacidade de
voltar a tornar presente
na representação, umao coisa
sem que objetojá exterior
percebida, graças
precise à reprodução
mais existir. O
primeiro e mais imediato objetivo da prova de realidade não é,
portanto, o de encontrar na percepção real um objeto
correspondente ao representado, mas, sim, o de reencontrá-lo, de se
convencer de que ele ainda existe.[17] Uma contribuição ulterior ao
distanciamento [18] entre subjetivo e objetivo provém de uma outra
faculdade da capacidade
representação nem sempredeépensar.
sua fielArepetição;
reproduçãoelada percepção
pode ser na
modificada por omissões, alterada por fusão de diversos elementos.
A prova de realid ade precisa, então, controlar até onde vão essas
deformações. Mas se reconhece como condição para a instalação da
prova de realidade que tenham sido perdidos os objetos que um dia
proporcionaram um a real satisfação.
O julgar é a ação intelectual que decide a escolha da ação
motora, põe fim ao adiamento pelo pensamento e faz a passagem do
pensar para o agir. Em outro lugar, também já tratei da questão do
adiamento pelo pensamento.[19] Ele deve ser considerado como uma
ação experimental,
descarga. um tatear
Consideremos agoramotor com umonde
o seguinte: mínimo dispêndio
o ego teria de
exercitado antes esse tatear, em que lugar aprendeu essa técnica
agora empregada nos processos de pensamento? Isso aconteceu na
extremidade sensorial do aparelho psíquico, nas percepções
sensoriais. Segundo nossa hipótese, a percepção não é de modo
algum um processo puramente passivo, mas o ego envia
periodicamente pequenas
sistema de percepção, por quantidades
meio das quaisde investimento
ele experimentapara
[20]o os
estímulos externos, recolhendo-se novamente após cada um desses
avanços tateantes.[21]
O estudo do juízo nos abre, talvez pela primeira vez, a
compreensão da origem de uma função intelectual, a partir do jogo
das moções pulsionais primária s. O julgar é o prosseguimento
[22]
coerente
do prazer: a daquilo
inclusão que srcinariamente
no ego é realizado
ou a expulsão para fora pelo
dele.princípio
Sua
polaridade parece corresponder à oposição existente entre os dois
grupos de pulsões supostos por nós. A afirmação como substituto da
união pertence a Eros; a negação, sucessora da expulsão, à pulsão
de destruição. O prazer de negar em geral, o negativismo de muitos
psicóticos, deve ser provavelmente entendido como sinal de
[23] [24]
defusão pulsional,dacom
Mas o desempenho a retração
função do juízodos
só componentes libidinais.
se torna possível pelo fato
de que a criação do símbolo da negação permite ao pensamento um
primeiro grau de independência das consequências da repressão e
com isso também da coação do princípio do prazer.
Essa concepção da negação se ajusta muito bem ao fato de que,
na análise, não se descobre um “não”, vindo do inconsciente, e que o
reconhecimento do inconsciente por parte do ego se expressa numa
fórmula negativa. Não há prova mais forte de que conseguimos
descobrir o inconsciente do que quando o analisando reage com a
frase: “Isso eu não tinha pensado”, ou “Nisso eu não tinha pensado
(nunca)”.[25]
1 / Traduzimos “Einfall”, sempre que possível, por “ideia que ocorre”, seu
sentido mais correto, embora seja válido falar também em “associação”
(“Assoziation
que ocorre à”).mente
Numanum
discriminação
momento dado, Einfall
mais precisa, “ ” significaria
e “associação”, a ideia
essa mesma ideia
considerada como elemento do contexto (associativo) em que ela surge. N. T.] [
2 / “Rejeição”, aqui, se refere Abweisung
a“ ”, no sentido mais comum do termo, e
não a “Verwerfung”, relativo a um mecanismo de defesa específico, comumente
traduzido por “rejeição”, “repúdio” ou “forclusão”. []
N. T.
3 / Entre outros lugares, Freud chamara atenção para isso na análise O de
homem
dos ratos[Observações sobre um caso de neurose obsessiva
] (1909d),Standard Ed., v.
10, p. 183n. [N. T. I.]
4 / Estamos cientes de estar contrariando mais uma vez uma certa corrente da
terminologia psicanalítica ao traduzirVerdrängung
“ ” e “verdrängt” por
“repressão” e “reprimido”, respectivamente, e não por “recalque” e “recalcado”.
A decisão é séria, pois envolve uma das pedras angulares da teoria psicanalítica,
e requer justificação. A tradução inglesa de James Strachey Standard
( Ed.) tem
sido criticada por uma série de imprecisões e incorreções terminológicas, dentre
as quais a tradução de T“ rieb” por “instinct” e “Verdrängung” por “repression”. De
fato, é um erro traduzirTrieb
“ ” por “instinct”, pois Freud dispunha do termo
“Instinkt” e dele fez um uso muito preciso. Nas línguas latinas não há um
equivalente de T“ rieb” (“impulso” não serviria, pois Freud também usa Impuls
“ ”,
em sentido específico) e por isso foi preciso inventá-lo: daí a razoabilidade do
termo “pulsão” e do adjetivo “pulsional” que lhe corresponde. Com
“Verdrängung” a questão é diferente. Laplanche e Pontalis,Vocabulário
no da
sicanálise(Lisboa: Moraes Editores, 1971), justificam a escolha refoulement
de “ ”
como o equivalente francês deVerdrängung
“ ” com um argumento muito claro:
refoulement
“mais ” é do
corrente umque
termo
“ consagrado
répression na língua
”. É possível e na razão
que uma literatura francesas,
da mesma muito
natureza
esteja na base da escolha de Strachey para o caso inglês. O que aconteceu no
Brasil foi uma importação da problemática francesa, desconsiderando o uso dos
termos na nossa língua. Entre nós se passa justamente o contrário do que
acontece na França: o termo corrente, utilizado não apenas no jargão
psicanalítico, mas também presente na forma comum de pensar (que, aliás,
também inclui
“repressão” poratoda
acepção sociopolítica),
parte, na literatura,éna
justamente “repressão”.
filosofia, nos meios de Fala-se
comunicação
– e para muitos custa um certo esforço trocar um termo tão legitimado na língua
por “recalcamento”, “recalque”, “recalcar” e “recalcado”. É verdade que
“recalcar”, além dos dois sentidos mais comuns que o dicionário indica
(repisar, insistir), também significa refrear, conter. Mas “reprimir” começa por
ter estes significados: coibir, represar, ocultar, refrear, conter. A etimologia às
vezes
dada nos
peloleva
uso,a caminhos
mas nesteum tanto
caso ela equivocados,
pelo menos não pois,contraria
afinal, a última palavra
a direção é
da nossa
escolha: “Verdrängung” se ajusta perfeitamente bem a “re-pressão”, pois o que
sobressai como fundamental é o conceitoDrang de (ímpeto, furor, pressão). Por
último, lembramos mais uma vez a posição de Freud sobre essas questões, num
texto de 1919, Wege derpsychoanalytischen Therapie[Caminhos da terapia
psicanalítica]: “Aber ein Name ist nur eine Etikette, zur Unterscheidung von anderem,
ähnlichem, angebracht,
Vergleich braucht kein Programm,
das Verglichene nur an keine
einemInhaltsangabe oder Definition.
Punkte zu tangieren undUnd einsich in
kann
allen anderem weit von ihmentfernen. Das Psyc hische ist etwas so einzig besonderes,
daß kein Vergleich seine Natur wiedergeben kann” [Mas um nome é apenas um
rótulo, que se aplica para distinguir de outros semelhantes a ele, não é um
programa, nem uma indicação de conteúdo ou definição. E uma comparação só
precisa tangenciar a coisa comparada em um ponto, podendo em todos os
demais se afastar bastante dela. O psíquico é algo tão unicamente particular que
nenhuma comparação isolada pode reproduzir sua natureza.] gw, (v. 12, p. 185).
[N. T.]
5 / “Zwangsvorstellung”, mais rigorosamente, “representação obsessiva”.
Standard Ed., v.
24 / Ver observação no capítulo 6 do livro sobre os chistes (1905c),
8, p. 175, nota 2.N.T.I.
[ ]
25 / Usando quase as mesmas palavras, Freud demonstrou isso em uma nota de
rodapé, acrescentada em 1923, do “caso Dora” (1905e),Standard Ed., v. 7, p. 57.
Voltou mais uma vez ao ponto muito posteriormente em seu artigo sobre
“Construções em análise” (1937d).N.T.I.
[ ]
POSFÁCIO
Fala –
Mas não separa o não do sim,
Dá ao teu falar também o sentido:
Dá-lhe a sombra.
PAUL CELAN
AQUELE QUE DIZ “NÃO”:
SOBRE UM MODO PECULIAR DE FALAR DE SI /
Vladimir Safatle
A hi p ót ese su b lim a d or a
Pa ra entender melhor es te problema , exa minemo s o começo do
texto. Nele, Freud sugere es tarmos atentos à maneira como
certa s resistências ap arecem no inte rior de situações clíni cas.
Elas tê m normalmen te a forma de uma recusa dirigida a o
ana lista: “Você acredita que direi algo de o fensivo, ma s não é o
caso”, “Você acr edita q ue essa mulher em meu son ho é min ha
mãe, masestrata
Não não éav qui
erdad
de e”.
to da e qua lquer ne gaçã o, mas
principalmen te daq uela que pa rece i mplicar a posição do
analista na f ala do pa ciente ou, se quisermos, daquela negação
feita por u m pa ciente cuja fa la se deixa a brir às opos ições
pressupostas pela posição d o ana lista. Nesse sentido,
lembremos que há uma rica g ra mática de negações no
pensamento
especificidadfreudia no ção
es. A nega e elapdeve s er na
resente conjuga
constida emosuas
tuiçã do fetiche
(Verleugnung), por exemplo , não é idênti ca à quela qu e
encontra mos quand o Freud d escreve a constituição de certas
alu cinações , como no famoso caso da alu cinaçã o do dedo
pretensamente cortad o do Homem dos lobos ( Verwerfung). Por
sua ve z, essas dua s não são da mes ma na tureza da negaçã o que
Freud
exigemaqui d escreve.
modos Tais
dis tintos denegações têm
e lab oraçã o.destin os diferentes e
Segundo uma p erspecti va clí nica d e matriz laca niana, a
hegemon ia de cad a uma d essas negações define mo dalidad es
distintas de estru tur as pat ológicas. Podemos dizer q ue a
Verleugnungé hegemônica nas e strutu ra s perve rsas, a Verwerfung
nas psicóticas e a Verneinungna s neuróticas. Deve mos ainda
fala
todasr em
as e“hegemo
strut ura nia” porque
s, mas cadháauma
s empre uma forma
delas aparece emo que
de negaçã
constitui o modelo gera l de a genciamento de conflitos
psíquicos dentro de uma estrutu ra .
Sobre tal n egação própria à Verneinung, é bem p rovável,
pensa Freud, q ue seu ca rá ter peremptório s eja a manei ra como
o conte údo recalca do pa ssa no seu opos to, r ealiza ndo-se como
uma afirma ção. No entanto , ta l pa ssagem no opos to não
signifi ca a plena a ceitaçã o do recalcado. Como dirá Freud:
A negação é uma maneira de tomar consciência do
recalcado;
do recalque,ela
majásécerta
pr opriamente
mente nãouma suspedensão
s e trata Aufhebung)
uma( aceitação
(Annahme) do recalcado.
Insistamos neste ponto : uma suspensão inte lectual do r ecalqu e
que não é uma a ceitaçã o afetiv a do recalcado. Um d os
problemas centrais do texto consi ste em compr eender o q ue
isso pode, a final, significar . Uma das interpr etações mais
conhecida s consiste em dizer qu e, nesse caso, estar íamos
diant e de um process o de simbolizaçã o atr avés do qu al o
conteúdo imediato é sus penso em prol d e sua “sublima ção”
simbóli ca. Tal lei tura , patr ocinada sobretudo por Jean
Hyppol ite, gira em torno da exploração da prese nça do termo
ufhebungno texto freudia no. Hyppolite i nsiste na proximida de
possível entre a negaçã o freudiana e a sua ma neira de
compreender a nega tividade própr ia ao pr ocesso hegeliano de
constituiçã o da consciência d e si. Um pouco como s e o
aparelho psíquico cliv ado de Freud fosse uma figur a possível do
sujeito hegeli ano qu e constitui sua identidad e atr avés de
“negações autorreferentes”.
Note-se que ess a questão não é ap enas um pa ssatempo
historio grá fico. Ela tr az consequênci as importantes par a a
compreens ão d os model os de açã o do sujeito psicanalítico, p ois
interfere na maneira como en tendemos o que sujeitos
procura m faz er qua ndo se servem da ne gaçã o para , de uma
manei ra muito pe culiar, fa lar d e si para um outro em quem
supõem um ce rto saber. Assumir a pr oximidad e entre Freud e
Hegel, ao menos tal como e la é sugerida por Hypp olite, equivale
a admitir estar mos diante de uma “ negatividad e sem restos”,
pois pronta a ser completa mente i nscrita no interio r de um
processo sublimatório.
Com tal q uestão de fund o em vista, Jean Hyppolite
comentará o texto
acqu es La can. A badeseFreud,
de suaem uma consistia
leitura sessão d os
emseminários de
afirma r que
tal Aufhebung produzida p ela Verneinungfreudiana era a ma neira
do sujei to “a presentar seu ser sob o modo do não se r”. [3] Ou
seja, nessa forma de o sujeito utili za r a negaçã o, ta l como
descrita por Freud, encontra ríamos um modo de ap resentaçã o
do ser que equiv aleria a u ma “ atitude funda mental de
[4]
simbolicidade explicitada”.
ao negar alg o que, no fu ndo, é oEss
noame
é uma mapr
de seu neira d edese
óprio dizerjo,que,
o
sujeito estar ia, na verda de, t entando inscrev er simboli camente
aquilo que e le só pode reconhe cer ao se para r a a ceitação
intelectual da aceitação a fetiva.
Isso significa q ue dizer, no interior de uma situa ção
ana lítica, “ essa mulher qu e apa rece em meu so nho não é
minha
também mãdee”aceitar
seria uma maestabeleço
, pois neira não uma
ap enas de noegar,
relaçã mas
de oposição
entre “es sa mulher” e “minha mã e” qu e permite ao segund o
termo ap arecer à cons ciência, mesmo que cortad o de sua
aceitação afetiv a. Da í por qu e Freud af irmar ia:
Por meio do s ímbolo da nega ção, o p ensamento se libera das
limitações do r ecalqu e e se enriquece de conteúdos os quais
ele não pode recusar p ara suas ativi da des.
Pois a partir d o momento em que a consci ência permite à
“minha mãe” a par ecer sob a f orma de uma negaçã o, “es sa
mulher” não se rá mais a mes ma. Ela será cada vez ma is
acomp anha da de seu oposto, até corr oer as resi stências de s ua
aceita ção pela consci ência ou a té obrigar o sujeito a mobili za r
negações cad a vez mais fortes par a que tal p assagem no o posto
não ocorra . Nesse sentido, a a ção do ana lista nã o seria outr a
coisa que a explicitação do que está implícito
, a posição do q ue está
pressuposto.
Essa açã o do ana lista não poderia ser confundida , no
entanto, com algu ma f orma insidio sa de “suges tão”, como à
sua ma neira acreditavam crítico s da psicanális e como K ar l
Popper. [5] Popper cr ê criti car um modelo de inte rpr etação no
qua l tanto a af irmação qu anto a negação do pacien te servirão
como verificaçã o pa ra os modelos explana tórios pres suposto s
pelo analista, jácomo
compreendida que res
a negaçã o seria
istência simples
à correçã mente
o da interp reta ção
propos ta. Aceitando ou recusando a interpr etação a presentada
pelo ana lista, este sempre teria ra zã o. Nesse sentido, a
psicanális e freudiana não forne ceria critério algum pa ra sua
própr ia refuta ção; ela não poderia ser tes tável , o qu e
demons tra ria cla ra mente seu car áter pseudocientífico. Daí a
ideia d e que: “Ateirrefuta
frequentemen se pens bilida
a, masde
umnão é uma
vício ”. [6]vi rtud e, como
Na verda de, a crítica ra steira de Popper não faz jus ao
cuidado de Freud. Há , sim, um princípio de refutaçã o da
interpr etaçã o analítica e ele se encontra em sua força
pra gmática, o que fica claro em um texto co mo Construções em
análise. A ad equaçã o de uma interpretação se mede pe la sua
cap acida de em produz
desenvolvimento do tra irtamento.
novas associações
Uma interpre permitir o nad a
etaçã o que
produz (e e las ocorr em com frequ ência) é equivocada , não
necessariamente por ser fa lsa no sen tido rea lista do termo, ma s
por ser irrelev ante, ou sej a, er ra da no sentido pragmát ico. Pois
o crité rio fundamental de uma interpr etação não é exatamente
sua ve ra cidade, ma s sua relevânci a em r elaçã o ao
desenvolvimento do tratamento.
No entanto, como Freud está a p ensar em mais do que
problemas pon tuais de inte rpr etação a nalíti ca, faz -se
necessário insistir na maneira c omo o tratamento se desenvolve
anegaçã
par tirodaque
assunção
sujeitosde negaçõe
procura s. Pois
m da é através
r conta da assunção
da natur eza de
conflitu al de seus desejo s. Nesse sentido, o pr oblema a respeito
da proximidad e possível entre Verneinunge Aufhebung pelas vias
da noção de s ublimação ga nha uma importância cen tra l, pois
define o des tino de ta is conflitos n o interio r da linguag em do
paciente.
Em outro texto,
inadequada. eu ins istira
[7] Resumindo o arque
gumtaento
l ap roximação era p ossível
de então, seria
dizer qu e a operaçã o lógica pr essuposta pela Verneinungse
assemelha a u ma inversão, uma passagem no contrário que resulta da
osição plena de um termo. Ass im, por exemplo , a negaçã o da mãe
é dissolvida na afirma ção da presença da represe ntação da mãe
no pensamento do analisando. A negaçã o do impulso agr essivo
contra o a Nesse
agressão. nalistasentido,
é in vertida em afir maçã
a Verneinung es tá omais
do desejo dede uma
próxima
lógica d a contrar ieda de do que de uma lógica dialétic a d a
contra dição, cuja dinâmica s uporta a Aufhebung. O esquema
lógico da Verneinungpa rece ser o resultad o da p osição dess a
negaçã o que Aristóteles chamava de “ contra riedade” [8] e que
Hegel retoma d e maneira dia lética atr avés da s considera ções
sobre a oposição
entre dois Gegensatz
te rmos( contrár ). Ela
ios: o Uindica a solidar oiedade
m e o múltiplo, ser e oexiste
nada nte
.
O Um é inicialmente negaçãodo mú ltiplo, o ser é inici almente
negaçãodo n ada . [9] Isso nos mostra que uma determinaçã o só
pode se r posta a tra vés da oposi ção, ou seja, ela deve aceitar a
realida de de seu oposto. Qua ndo nega d e maneira p eremptória
a repr esentaçã o, o sujei to é levado a a firma r seu oposto . Nesse
sentido , se há uma figura dialéti ca p róxima da s pass agens ao
contrá rio da Verneinung, é a Umschlagenqu e Hegel dis tingue
clara mente da Aufhebung.
Mas, em Freud, há o q ue não d eixa se in screver no interio r
dessa
diferenrela çãode
ciado deelaboração.
inversões entre
Há opostos, e isnão
aqu ilo que so exige
pa ssau m mod o
completamente em se u oposto e que, por isso, torna instáveis as
inversões própr ias à Verneinung. Em suma, a últi ma pa lavra do
ana lista nunca pode ser a mera posição de quem explicita o
oposto, ou sej a, de qu em mostra o desejo de ag ressão por trá s
da negaçã o do desejo de agr essão, de quem mos tra a mã e por
trá
quems dessa munta:
pergu lher. A pos
por q ueição do analista
a síntes é muito
e com esse afetomais
ou aquela de
repres entaçã o precis ou enco ntrar uma forma negativa?
Pa ra compreender melhor ess e ponto e s ua s consequências
clínicas, sigamos mais uma vez o texto fr eudia no.
Minuit,
notes de l1993;
a psychPierre Macherey,
analyse,n. 5, 1985.“Le Leurre desenvolver
Procurei hégélien: Lacan Bloc-
lecteur de Hegel”.
o problema
especialmente no primeiro capítulo de meu livro A paixão do negativo: Lacan e a
dialética. São Paulo: Editora da Unesp, 2006.
2 A esse respeito: “Faz-se necessário compreender que o estatuto do negativo
apresenta esta particularidade de ser, ao mesmo tempo, o avesso do positivo,
conotação de um tipo de valência contrária ao que é primeiramente afirmado,
mas que ele é também revelação de um ser radicalmente outro que este do
positivo, de tal maneira que a apreensão deste através dos meios que lhe são
apropriados nunca esgotará sua natureza”. A. Green, op. cit., p. 59.
Motivos
NEWTON DA COSTACome cei a me pr eocupar com a lógica
pa ra consistente, ba sicamente, p or tr ês motivos. O p rimeiro foi
que, desde jo vem, t ive vár ios problemas de natur eza
psicológica, e se ndo meu avô psi quiatr a e minha mã e uma
gra nde admirad ora de Freud, natur almente fui le vado à teori a
de Freud, p ar a ver s e conseguia me “cura r”. Em par ticular, eu
me interes sei muito p or seus discí pulos, principalmente Franz
Alexander, cuja teoria conheço relativamente bem e procurei
empregar par a me “a utocura r”. Além dis so, depoi s, muito s
anos depois , estiv e dur ante d ois anos em tra tamento
psicanalítico. Entã o, com es sa experiência, comecei a ver qu e,
no que poss o chama r de discurso analítico, no se ntido de
diálogo entre a pessoa q ue está sendo psicanalisad a e o
psicanalista, evidenteme nte há contra dições. Há contra dições
em sonhos. Eu ca nsei de ter sonhos, se bem me lembr o, qu e
eram evidenteme nte contrad itórios . Ou via cois as e fa zia coisas
que era m contra ditórias. Então, pense i cá comi go, ta mbém
com base em alguns textos de F reud : é poss ível forma lizar tal
discurso?
O segund o motivo que me levo u aos estudos sobre
pa ra consistência fora m minhas preocupa ções com o
socialismo , especialmente co m Ma rx. Sempre g ostei muito
dele, embora nã o o aceite in totum; hoje em dia estou meio
afa stado de Ma rx, mas a filosofia mar xista, pelo me nos em
alg uma s de suas interpr etações , admite a exis tência de
contra dições. Apa rentemente , algu mas interpreta ções de
Hegel também.
E por essas e outr as ra zões, isto é, pa ra ver se era p ossível, d e
algum modo, co dificar, formalizar , a lguns as pecto s do
pensamento dialético , foi que me pr eocupei com a
pa ra consistência. Nã o tanto qu e eu quisesse legitimar o
pensamento
simplesme ntedialético atr avés
pa ra evitar de uma nova
ra ciocínios lógica, tipo:
do seguinte ma sP opper,
num a rtigo céle bre, “ What is Dialetic?”, diz qu e a dialéti ca é
impossív el – se realm ente ela contém contr adições, como na
lógica clássica não é pos sível haver contra dição, quer dizer, se
houver contra diçã o, isso “trivializa” a teoria, logo, a dia lética
seria “tr ivial”.
Assim,com
dialética poder-se-ia
ba se na demonstrar a impossibilidade
lógica. Então, da
pensei qu e se conseguisse
constru ir um novo tipo de ló gica, que permitiss e que as
contra dições fossem aceitas e não esbarr asse em tr ivializa ção,
port anto seria p ossível qu e esse argum ento de Popper não se
aplicasse mais à dialétic a. Quer dizer, a dialéti ca nã o poderia
ser cr iticada do ponto de vi sta pu ra mente l ógico. Is so não
legitima
desse tipoa dialética, simplesme
co ntra a dialética nãonte mostra que um ar gumento
vinga.
E a terceira ra zã o foi que, desde jovem, dediqu ei-me à
mat emática , estuda ndo especialmente a teoria d os conjuntos e
certa s dificuldad es que nela a pa recera m no começo do s éculo e
que se c hama m a ntinomias cantorianas, ou pa ra doxos
cantor ianos, ou as contrad ições da teoria dos conjuntos .
Pensei,
supera rentão, que, a lda
essas dificu o invés de ad
des, qu otar u ma
e consiste emsolução pa raa lógica
se manter
usual e, vamos dizer ass im, mutilar g ra nde parte da teoria d os
conjunto s, por qu e não fazer ao contrário? Ma nter a t eoria dos
conjuntos com suas a ntinomi as etc., desde que se modifique a
lógica subja cente.
Esses fora m os três principa is motivos que me levara m a o
estud o sistemático da lógica pa ra consistente. Repito:
problemas de car áter psico lógico , via psicanálise ; pr oblemas
referentes à dia lética; e problemas matemát icos de car áter
extrema mente técni co, sobre os qua is não tem se ntido entra r
em detalhes
muito aqui. dCom
pa ra poder o co rrerminhas
esenvolver do tempo, tivepois
ideias, quee porfiar
las era m
demasiadamente heterodoxas.
Lógica paraconsistente
NC Em uma da s primeiras ve zes que tentei fazer conferência
sobre lógica p araconsis tente n uma universidad e bra sileira ,
sugerira m-me que o me lhor seria não pr onunciá-la, p ara não
comprometer minha ca rreira! Acho que foi e m 1953, em
Curitiba. Ha via u m pa dre, q ue prezo muito, que me dis se:
“Olha, achomelhor você cancelar a conferência, porque tenho a absoluta
certeza de que você está ficando psicótico. Um indivíduo que vem me dizer
que vai derrogar o princípio da não contradição tem que ser maluco”.
E não f oi só isso. Anos depois, um pr ofessor a migo meu
convidou-me par a faz er uma conferên cia numa das melho res
universidad es brasileira s, no Depar tamento de Matemá tica. Eu
fui todo alegre, pensando: “Bem, pelo menos talvez num grande
centro eles me ouçam” . No dia da conferênci a, o profess or me
procurou mu ito sem jeito: “ Lamentavelmente, não vai haver
conferência; ela foi cancelada ”. “ Mas como, cancelada por quê?”. Ele
ficou ainda mais sem jeito, não quer ia dizer , ma s depois
desaba fou: “ Meus colegas acham que não é possível uma lógica que não
exclua contradições. Ou seja, não é possível uma teoria com contradições.
Tudo isso não tem sentido, só um ignorante ou louco pode pensar nisso ”.
Sistematicamen te, du ra nte vário s anos , fui ta chado d e
“diferente”.
MÁRCIO PETERNes sa época você já nomeava sua lógica d e
paraconsistente?
NC Não, eu a chama va “lógic a para sistemas fo rma is
inconsistentes” ou “ lógica p ara teorias incon sistentes”. Lógica
pa ra consistente fo i uma exp ressão cunha da muito depois ,
creio
que prque na d écada
ecisava de u1970,
arra njar qu ando
m novo nomecheguei à conclusão
par a essa de
nov a lógica.
Escrevi a um g ra nde amigo meu, o pr ofessor Fra ncisco Miró
Onesada, um filóso fo peru ano, e pedi-lhe uma sugestão. Ele,
então, me r espondeu: “Há três poss ibilidades, segundo eu
penso. A pr imeira seria dizer ‘ metaconsi stente’, a lém da
consistência. Ma s ‘meta’ já é muito usad o em lógica e em
matemática: metalógi
Outr a seria ‘ ultr aconsisca, metamatemática
tente’, mas tal denoetc. Nã ooconviria.
minaçã também
acr edito que nã o seja mu ito boa. A melho r mesmo talvez foss e
‘paraconsis tente’: a lógica pa ra consistente se situa ria a o lad o
da lógica consi stente”. Por coincidência, d epois que esse termo
foi cunha do, a lógica p araconsis tente s e desenvolveu
extraordinar iamen te. Iss o pa rece co rroborar a tese de qu e é
preciso
uma nova batiza r com
dis cipli na,um
pa nome
ra q uemuito bomida
ela progr uma nova teoria,.
ra pidamente
OSCAR CESAROTTO L aca nianamente, diríamos que um signifi cante
abre caminhos .
NC Exa tamente .
OC Foi ne cessária uma denomin açã o pa ra que isso tivesse
reconhecimento de existência como discurso.
NC Na verda de, desde aquela época, u ma d as pes soas que ma is
contribuíra m pa ra divulgar a lógica p aracons istente foi um
mat emático fra ncês, profess or Mar cel Guillaume, uma espécie
de mestre meu. Por intermédio de a migos comuns , enviei-lhe
vários trabalhos sobre lógica paraconsistente. Se ele
conseguisse publicá-los, eu co ntinuar ia tr abalha ndo no tema;
se não, desistiria. Ele se encantou com minhas ideias e vár ias
notas min has fora m ap resentad as à Acad emia de Ci ências de
Pa ris. É interes sante que, depois que es sas notas saír am na
França, a qui em São Pa ulo e em outros l uga res começara m a
achar bom
as notas o que eu es
eu poderia tavaofqu
fazer azendo.
e quiseÉsse,
umasem
coisa estra nha:
as notas, não.com
A d er r og a çã o d o p r inc íp io d e nã o con tr a d iç ã o
MP Voltando à qu estão interna d essa lógica pa ra consistente, a
questão de derrogaçã o do pr incípio de n ão contradição. Como
se dá isso?
NC Na verda de, nem toda lógica p araconsistente derroga o
princípi o da não con tra dição. O pr incípio da não contradição
poderia ser en unciad o assim: da das duas proposiçõ es, uma d as
qua is é a negaçã o da outra , uma delas é fals a. Na lógica
pa ra consistente, pode oco rrer que uma proposição e sua
negaçã o sejam amba s verdad eira s. Então, nes sa forma , o
princípi o é derrogado em gra nde par te das lógi cas
pa ra consistentes. Mas existem outr os tipos de lógica
paraconsistente. Recentemente, estive pensando numas coisas
que Laca n escreveu e acho qu e, por cau sa disso, em alguns
casos, a lógica p araconsis tente que se aplica nã o é tanto ess a
que derr oga diretamente a lei da contrad ição – é a lógica
pa ra consistente generaliza da. Isto é, uma lógica é
pa ra consistente ne sse sentido se ne la for verd adeira uma tese
incompatível co m a lógica clá ssica.
La can precurso r
NC Fui lev ado a esten der o conceito da lógica para consistente
tendo em vis ta tais qu estões – n um dos meus últimos tra balhos,
que vai ser pu blicad o na Bélgica, L aca n é citad o, inclus ive.
Tenho a imp ressão de qu e é um dos primeiros tra balhos de
lógica de car áter técnico em que se cita o La can. Ele me
inspirou. E não foi s ó essa par te de Laca n que me chamou a
atenção. Ele também tra ta d e derrogação da lei de identi dad e.
Também tra tei da lógica não reflexi va, ou lógica de
Schrödinge
mesmo sentidor, naem
q ual
qunã o vale
e na o princípio
lógica da identidade,
pa ra consistente não valenoa lei
da não co ntrad ição. E Lacan ta mbém fala em ló gica
intuicion ista, que derr oga a lei do tercei ro excluído. Desenvolvi
muito o que s e chama lógica pa ra comple ta, que é uma lógica
que derroga esse princípio . A lógica intuicionis ta é um ca so
pa rticular d a lógic a pa ra comple ta. Ass im, eu diria qu e Lacan,
sob
pa racert os aspectos,
consistente, mas foitambém
um p recur sor nã não
da lógica o só reflexiva
da lógicae da
lógica pa ra completa em s entido amp lo.
MP Você disse que La can, intuitivamente, haveria pr oposto a
lógica p araconsis tente. E você , como chegou à lógica
pa ra consistente? Houve um m étodo intuitiv o?
NC Houv e uma ma neira intuitiv a, informa l; acho que por tr ás de
Lógica e matemática
MP Qua l é a r elaçã o entre ló gica e matemática?
NC Lógica e matemá tica cons tituem uma mesma ciência.
Bertr and Russell costumava dizer qu e “a lógica é a juventude
da ma temática, e a matemática é a vi rilida de da lógi ca” . Mais
ou menos o que p enso é isso. L ógica e ma temát ica são du as
disciplin as irmã s. Os div ersos ram os da lógica, c omo a lógica
pa ra consistente, podem ser estuda dos do ponto de vis ta
mat emático, como certo tipo de topolo gia etc. E, inve rsamente,
as lógicas s ervem para funda mentar a ma temática. A lógic a
funda a ma temática e, ao me smo tempo, a matemática p ode
ser u sada par a estudar a lógica. Iss o é uma cois a linda e
aparentemente par adoxal. Como é pos sível que a lógica sirva de
funda mento par a a matemática e, a o mesmo tempo , a
matemática p ossa ser usada pa ra resolver p roble mas
profundos da lógica?
MP A lógi ca é anterior à ma temática?
NC Eu r esponderia que sim e que nã o. Em certo senti do, sim; em
outro s entido, não. Acho que não dá par a separa r a lógica da
matemática. Você usa a mat emática par a fa zer ló gica, e us a a
lógica pa ra faz er matemática. Logo, poderia-s e dize r que a
lógica é a discipli na fu ndante da matemática: ela serve para
funda mentar a matemática. Ma s, por outro lado, a
mat emática dá instrumentos com os quais se podem
demons tra r teoremas ló gicos. Há um feedba ck: a ma temática
fecunda a lógica e a lógic a fu ndamenta a ma temática.
Lógica e psic anális e – a qu estão da formalizaçã o
MP Qua is seria m as poss ibilida des de articula ção entre
mat emática e psicaná lise? Como você veria a questão de uma
lógica da psicanálise e / ou de uma psicanálise da lógica?
NC Em prime iro luga r, gostaria de reafirma r um ponto
fund amenta l: o que si gnifica f orma lizar ? Às vezes ouvimo s que
não é poss ível
formalizar forma lizar
a linguísti a dialética,
ca. Repito para que nã o aluno
os meus é possível
s,
sistemat icamente, que forma lizar nã o significa colo car uma
discipli na numa camisa de força .
Forma lizar significa a lgo dis tinto. Suponha mos, por
exemplo, que se v ai visitar P aris. Para tanto é bom ter um gu ia
de Par is. É clar o que um guia de Par is não é Paris; mas um guia
de Par isuma
recebe ajuda a conhe
fotogr afia cer Par is.
de uma p Ou q uando,
essoa qu e sepvai
orenco
exe mplo,
ntra rsno
e
aerop orto. A fotogra fia nã o é a pessoa, e não se pode co nfundir
a pessoa com a fotogra fia. Mas ela con tribui
extraordinar iamen te par a que se reco nheça a pessoa. Com a
forma lizaçã o se passa algo semelhante ao caso do guia de Pa ris
e ao da fotografia: a formalizaçã o, o formalis mo por si me smo,
não r esolve
esgota tod aproblema nenhum,
a ciência. Ma s ele é em
extrciênci a nenhuma
emamente i mport. ante
Nempa ra
servir como mapa, gu ia ou foto; exis tem map as que cad a vez se
aproximam mais da realidade. Você pode te r uma fotogra fia de
Pa ris lá do alto da Torre Eiffe l, pode te r um ma pa do Quartier
La tin. Iss o ajud a você, e mais do que is so: uma p essoa que
tenha bons mapa s e fotos de Par is de certo modo ap rimora seu
conhecimento
manu al com a ddeescriçã
Pa ris.oOu
doqu
quee possua, p or exemplo,
há no Louvre. umse quer
Aqu i não
substituir o Louvre pel o manua l, nem ele consegue cap tar tud o
que es tá dentro do Louvre, mas a uxilia.
No caso da p sicanális e, qua ndo fala mos em aplicar a lógica
na psicaná lise, forma lizar a psicaná lise, o discurso analítico,
não qu er dizer q ue vamos pega r o discurso analítico e colocá-lo
numa ca misa d e força d e natureza formal e lógic a. Não é is so.
Na psicanálise deve mos con sidera r o discurso ana lítico , isto é, o
que um paciente co nversa com o ana lista, e a teoria ana lítica,
ou seja, a teoria dNo
correspondente. esse
disdiscurso e o corpo
cur so, nessa d ededoutr
tr oca ina s, existem
pa lavra
certas cara cterís ticas ge ra is que podem se r ca pta das por u ma
lógica, mas is so não quer d izer que a lógica se ja ca pa z de
capta r tudo. Ela ajuda ; é como s e tivéssemos um map a de um
pa ís, ou um ma pa de um metrô. Se um analis ta tem o mapa,
não d igo qu e ele vai r esolver todos os problemas, ma s ele
realmente
claro que aselógica
orienta. Entã o, nessa
é extremamen acepçã
te impo rtaonte
de forma
para olismo, é
psicanalis ta, porque ela formaliza , ela cons egue dar o mapa de
alg uns aspectos do discurso analítico que são extrema mente
importantes.
tomar cuida
aqui, lógi ca é,do. Mas,de
a ntes damais
forma como
nada e u ciência,
, uma a estou empregando
um corpo de
doutr ina. É a Lógica , com l maiú sculo. Porém, exis tem lógicas
com l minúsculo, que s ão as estru tur as estud adas na lógica. O
que é uma lógica com letra minúsc ula? É exatamente uma
estru tur a linguístico-formal qu e nos permite defin ir certos
conceitos, como inferência vá lida. Qua is são a s inferências
válidas
formal, fdentro da lógica
ormalizada clássica?
, formula mosPartimos de uma
certos axiomas linguagem
e regra s, e
conseguimos cara cteriza r essas inferênci as. No interplay
ana lítico e ntre o p aciente e o a nalista, isso não só s e manifesta
como uma linguagem: nessa lingua gem está embutida u ma
lógica, uma estrutu ra linguís tico-formal, que nos permite
cap tar vários i nvaria ntes. Isso é uma lógica. Na L ógica
investiga m-se asvago
conceito muito várias
de lógicas. Natu
lógica. No ra lmente
entanto, não, gesse
ostoé um
de definir
a lógica, por exemplo, como a ciênci a das inferênci as válidas,
porq ue a L ógica é muito mais do que is so. No tocante ao
discurso analítico, há certa s inferências que podem se r
capta da s, podem ser formalizada s numa lógic a, q ue é
pa ra consistente e para completa, e talvez derrogu e outr as leis
clássicas.
Inconsciente e nega çã o
MP A a rticulação entre a lógica pa ra consistente e a forma lização
da lógica do incons ciente seria justamente o postulado
freudia no de que o inconsciente não suporta contra dição?
NC Eu diria apenas que, como o inconsciente está estru tur ado
como uma linguag em, e essa linguagem tem uma lógica
subjacente pa ra consistente, na p sicaná lise é import ante se
tra tar de lógica pa ra consistente.
MP E há algu m outro ponto de articula ção entre a psicanálise e a
lógica pa ra consistente, a não se r o problema d a nega ção?
NC Sim. Na tura lmente, o pr oblema da negaçã o é um dos muito s
problemas que podem ap ar ecer. Especialmente dentro de
outr os textos de Laca n e de outr os problemas relativos à
psicanálise , poderíamos pens ar em outra s coisas como as
moda lidad es deônticas, que podem apa recer no discurso
ana lítico , ta is como “eu devo fazer iss o”, “ isso é proibido” etc.,
ou na t eoria psicanalítica, provavelmen te possam ser de
natur
se comeza
umad istinta
lógicada s da lógica
d eôntica cláss ica;tente
p araconsis poderiam r elacion
etc. Aliás, convéar-
m
tecer alg uns come ntár ios sobre a lógica p araconsis tente
deôntica.
Em ética existe o problema d os cham ados dilemas mora is.
Um d ilema mora l é o seguinte: muita s vezes uma pessoa tem
que realizar ou p ou nã o p, e ta nto p como n ão p são pr oibidos.
É o caso
ama nte.tíDepois
pico, por exemplo,
de certo de um
t empo, elehomem
pr ecisaqu e tenha
resolver u ma
essa
situa ção. Ou ele abandona a esposa, ou aba ndona a ama nte.
Abandonar a esposa é proibido do ponto de vista ético, porque
vai prejudicá-la, causar-lhe dano. Mas abandonar a amante
também o é. En tão, ele é obrigado a realizar alguma coisa q ue é
proibida. Qualquer da s duas pos síveis saídas, ou aba ndonar a
esposa
porque ou
eleaéama nte,dovaia fcriar
obriga azer uo ma
quecois
se chama
a que éde dile ma
proibi da.mora
Pois l,
bem, se usarmos a lógica clá ssica, como lógica subja cente, não
pode existi r dilema mora l. Ou seja, você pens a que é dile ma
moral, ma s não é . É q ue você não s oube hi erarq uizar as suas
necessidad es deônticas. Nã o pode existir dilema m ora l, p ois, se
for p roibido p e s e for pr oibido a negaçã o de p, iss o causa
problema s a nosso equilíbrio deôntico, à s vezes no sentido de
que tudo é proibido. Aí sua ética colapsa.
Por isso, tive a ideia de mud ar a lógica, usando uma lógica
pa
pa ra
ra consistente
consistente co m ba
é pos se na
sível lógica deôntica.
existirem Com ess
dilema s morais oua lógica
deônticos. Uma lógica americana, a p rofessora Ruth B arcan
Marcu s, dá exemplos concretos de dilemas morais, como o caso
do ab orto. S uponhamos que, como médico , você che gue à
conclusão de qu e uma pa ciente te m que a bortar , porque se não
ela morr e. Mas se você fizer o abort o, vai mata r o feto, o que é
proibido
você não do ponto
fizer isso, de vista mora
a mulher vai l,morrer.
segundo certa s éticas.
Também E se
é proibido.
Sur ge ass im um dile ma mora l. Um p adr e pode ria
argumentar que o dile ma ocorre por nã o sabermos quais s ão
nossas obrig ações mo ra is. Deus qu er qu e o filho nasça. É q ue
não conhe cemos a hiera rquia p erfeita da s normas éticas.
Port anto, nã o existe nenhum d ilema mor al: você te m qu e
deixar a mulher
cat ólico morrer.
ortodoxo. Ess aque
Ma s acho seria
isstao lvez
não afunciona.
solução de umo digo
E nã
que com a lógica pa ra consistente se possa provar que existem
dilema s éticos. Nã o é isso. O qu e penso é que só por mot ivos
lógicos não s e consegue p rova r que não existem dilema s éticos.
Mais ainda , cr eio que há dilemas ético s, como n o caso do
aborto, como n o caso de um homem que te m uma ama nte. Por
exemplo,
qua ndo seSarefe
rtr re
e defen
ao pa de a existê
triota, u mncia de que
jovem dilemas
é arr morais,
imo de
famíli a: a rrebe nta a guerra e el e, ou vai para a gu erra mata r
gente , o que é proibido , ou fica cuida ndo da mã e e não vai par a
a g uerra , o que ta mbém é proi bido, porque ele deve ajuda r a
Pá tria etc. Acredito que o problema d os dilemas morais ten ha
alg uma conexão com a psicaná lise.
OC Tem. Por exemplo, no Seminár io xi, La can r ecria ess e dilema
em termos de “ou a b olsa ou a vida” . Qu e é mais ou menos a
lógica d a ca stração e do narcis ismo, na saída d e Édipo, pa ra o
sujeito masculino: pode opta r por cons ervar o pênis e perder a
mãe.
dilemaOuestá
optaaí.r por
Ambficar
as ascom a mãe,são
soluções mapéssima
s então perde o pên nã
s e o sujeito is. oO
pode ev itar uma delas .
NC Pois bem, ness e caso, se a lógica subja cente a isso for a
clássi ca, vai tira r dessa conclusão do Os car Cesarotto que tud o
é proibido, ma s isso é falso . Esse é um a rgumento a f avor de ta is
dilemas. Acho q ue todos nós , psicanalistas e lógicos , temos
teorias
preocupcomuns
ar maisextremamente interessantes,
co m elas. Principalmente, faze deveríamos nos
endo reuniões
interd isciplinar es entre psica nalistas e lógicos, como nó s temos
feito ulti mamente lá na Biblio teca Freudiana Br asileira .
Aprendi muito com essas reuniões.
Lógica Freud-Lacan
MP Você chegou, inclusiv e, a f orma lizar um novo ti po de lógica,
a lógica f l (Freud-La can).
NC Mas ainda não termin ei de con testar a sua pergunta . Agora a
aplicaçã o da psicanális e à lógica.
MP A pergunta inicial era: há uma lógica d a p sicanális e e uma
psicanálise da lógica? Qu al a opção ma is correta ? Como você vê
essa diferença entre lógica da psicanálise o u psicaná lise da
lógica? Essas p osições não se i nvalidam mutu amente? Qu er
dizer, u ma p sicanális e da lógica não inv alida uma lógica d a
psicanálise?
NC Creio que não. É exatamente uma situação si milar à que
ocorre entre lógica e ma temática. Apa rente mente, pa rece que
existe um pa ra doxo nas relações entre ló gica e mat emática . A
lógica, sob certos aspecto s, funda a matemática, e a
matemática é usad a p ara desenvolver a lógica. Acredito que
aqui ta mbém se pa ssa a lguma coisa desse tipo. É evi dente que
existe uma lógica da psicanálise, em ce rto sen tido. Toda via, por
outr o lado,Qu
da lógica. t amb
and ém
o fuisecom
pode
Jotentar d esenvolver
rge Forbes uma
ao Rio de psicanálise
Janeiro,
recenteme nte, li um livrinho de um d iscípulo do Alexand er, u m
húngar o, Imre He rma nn, que tra tava exata mente das relaçõe s
entre ló gica e psicanálise . Ele procura va mostra r como alguns
princípio s lógicos têm srcem psi cana lítica. O tr abalho
pa receu-me e xtr emamente i nteres sante, des bravand o
cam inho.
lógica serveOrpa
igina-se, des
ra esclar se modo,
ecer uma
aspectos da situa ção interess
psicanálise , e a ante. A
psicanális e pode s er aplicada pa ra esclarecer, ou par a explicar,
certos aspecto s da lógica. Essa é uma das a porias, da s
dificuld ades que temos de enfrentar .
MP Poderia falar um pouco da lógi ca fl?
NC Poderia , ma s acontece que esse tópico é demasiada mente
Invariantes
MP O que se quer obter?
NC Uma lógica q ue seja r ealme nte a lógic a que me dê alguns
invariantes do dis cur so ana lítico . Que sej a comu m a todo
discurso analíti co. Qualquer que se ja o a nalista, qua lquer qu e
seja o d iscur so, você co nstata que p ode haver contra diçã o. Essa
circunstância é um invaria nte do discurso analítico, ao que
tudo indica.
OC Há alg o que é es pecífico no agir d o inconsciente, a tra vés até
de um discurso que se pretende coe rente. De repente, há
incidên cias, a lteraç ões, a parecem contra dições n esse discur so.
Do ponto de v ista da intencionalidad e, fu nção da consciência
que decorre da estrutu ra ção a pa rtir d o estád io do e spelho,
tende-s e à coerência. Ta lvez o fu nda mento da lógica clá ssica
surja daí.
O corpo ocupa u m luga r no es pa ço; sua refle xão es pecular é
a confirma ção diss o. Só que es sa dimens ão imag inária é
supera da pelo registro do incons ciente, onde o corp o se
inscreve co mo significante, podendo ser repr esentado d as
maneira s mais
eu enten di, bizaé rras
então, e contra
a poss ditória
ibilidade de ses,articu
até imposs íveis.
lar tud O qu e
o isso
num sistema ma is abra ngente que a lógica clá ssica qu e, por
exemplo, nes se caso, só dar ia conta de uma impossibilidade.
NC Sim. Agora , se isso pode realmente se r feito, só pode se r feito
com base “e mpírica”, como ocorre com a aplicação d e uma
teoria ma temática. Su ponhamos a mecânica ra cional de
Newton;
Por q uê?ela
Porfuncionava e funciona
que a s exper a inda
iências estão em certa
mostra ndo.sFaz
situa
-seções.
o
cálcu lo do mov imento dos pla netas, e dá certo. E só aos poucos
constatamos que funciona. O mesmo se passa em psicanálise . É
preciso encontra r esquemas lógicos e leis tais que o a nalista,
quand o estiver em seu tra balho, comece a verificar , e pensar se,
de fa to, o qu e o analisando está diz endo satisfaz essas leis ou
não, sedeôntica.
lógica a lógica prHáoposta f unciona
várias, oudelas
ma s qual não. É,
s epor exemplo,
aplica melhoraà
ética usua l? Isso é uma coisa que somen te a exp eriênci a, em
sentido amplo, pod e justificar .
Sistemas lógicos , de funda mento abstra to, pur amente
dedu tivo e matemá tico, exis tem infini tos; mas qua l é aqu ele
que se aplica à realidade? Aliás, lembrei -me de uma boa
compa ra ção.
eucli diana: Ex istem
existe vária s geometrias
a g eometria poss íveis,
de Loba chewski, na qalém
ua l,da
da da
uma reta, pa ssam infi nitas para lelas a ess a r eta; exis tem as
geometrias dos e spaços de Rie mann, nas qua is por u m ponto
fora d e uma r eta pode não pass ar nenhuma pa ra lela a essa
reta.
Qua l dessas geo metria s se aplica melhor à r ealida de? Todo
mund o sempr e pensou qu e a de Euclides s e ap licass e melho r.
E, de fato, p ara a s coisas com uns, por exe mplo, par a
levanta mentos topográ ficos, ela é a ceitável . Agora , sabe-se que,
pa ra gra
grand es ndes concentra
do unive ções de mass
rso, a geometria q uease
e par a regiõ
aplica es muito
melhor é a de
Riemann. Iss o é consequência da teoria da relatividad e. Logo, o
problema tem q ue ser resol vido com base em cons idera ções de
cará ter empírico , pela experiê ncia. Por ta l méto do, pa rece
possível constata r qu e a regra de modus ponens(da s pr oposições
“Se a, logo b”, e “a” , conclui-se “b”) nem sempre vale no
discurso
Gostarana lítico
ia de .
mencio nar , no entanto, que, nos poucos
contatos com pess oas psicó ticas qu e tive, par ece que elas não
utiliza m, como dev eriam, a regr a em ap reço. Muita s vezes tive a
impr essão de que um psi cótico aceita q ue a implica b, a ceita a,
mas que ap arentemente não é forçado a aceitar b.
MP É que b t em aí o valor de c.
NC Sem a regra
complicad a. Um modus ponens
deesquizofr , a que
ênico lógica seriacimuito
conhe mais
par ecia às ve zes
não tira r as consequências ó bvias das premiss as que a dmitia .
Ele aceitava u ma série de cois as, embora não dedu zisse. Tenho
a imp ressão de qu e a lógica d e um psicótico é tão pa tológica
que não per mite que se tirem certa s consequências óbvi as.
A m a te má t ic a d e L a ca n – o nó b or r om ea no
MP Qual a sua opin ião sobre a formalizaçã o “matemática” da
psicanálise que La can tentou?
NC O qu e conheço de La can f oi o que discuti com vo cês,
principalmente com Jorge Fo rbes. Assim, o nó borromeano,
qua ndo Lacan fa z aq uela compara ção do n ó com as rel ações
entre I mag inário, Real e Simbólico, é extra ordinar iamente
fascinante, porq ue acho muito difícil, em lingua gem comum,
conseguir fa zer uma compara ção tão boni ta e fecunda. Porém,
tirar da topol ogia des sa figura alguma consequênci a
funda mental
Mas, como p ar
valor a a psicanális
heurís e, tenho
tico, acho as minhas
a compara dúvi das.
ção a bsolutamente
genial. Até gos tar ia de saber se Lacan tinha a lgum a migo
mat emático. Como f oi que ele tomou conta to com ess as cois as?
OC É interess ante q ue, vinte anos antes de ter na mão o nó
borr omeano, ele j á fala va qu e esses três regis tros estavam
ama rra dos com um nó .
NC Então, ele já fa
viu, foi que se deulava semdaconhe
conta cer o nó. E depois , quando o
analogia…
OC Conta-se , sem muita certeza de verdade, que ele teria
encontra do o nó no brasão de uma fa mília da nobreza. A par tir
desse momento heurístico , a partir do momento e m qu e
concretizou es se acha do, ele pretendeu ir u m pouco a lém,
entra ndo no que chamava de Real. Real, terce ira dimen são,
aquilo que
com três ex-si
fios , vaiste, porqu er acada
a contece vezoque
quilo, se fizer ua
nó. Contin a mesma
ndo porcoisa
a í,
estabelec eu a relação do Real com a matemática. Além de
colocar , inclusi ve, qu e teria gostado muito de se r ma temático.
Então, a nossa perg unta seria a seguinte: como você acha q ue
La can utilizou os elementos da mat emática , de maneira
adequada , corret a, pa ra d ar conta de uma teo ria que é
psicanalítica?
NC Pens o, até onde li e até onde pe rcebi, que a principal ra zã o
pa ra faz er essa a plicação de Lacan é heurís tica. Quer dizer,
precisamos de ima gens, precisamos de certos co nteúdos
geométricos ou ma temáticos que nos e sclar eçam, de ma neira
intuitiva e bo nita, cer tas situa ções. Toda via, até que ponto,
dessas elucubr ações matemática s, se possa tira r conse quências
pa ra a psicaná lise, isso dependeria d e saber até qu e ponto essas
elucubr ações refle tem o “form alismo” nas s itua ções que elas
iluminam. É eviden te, por exemplo, qu e a fita d e Moebius
esclar ece vár,ias
mat emática coisé as
onde algem p sicaná
o trivi al. Qulise.
andNã o ta nto
o certa em ções em
s situa
psicanálise s ão compa ra das com a fita de Moebius, is to nos
esclarece. Porém, at é que ponto a topologi a, a geometria da fita
de Moebius contribui p ara se desenvolver u m tema
psicanalítico, a í dependeria d e saber at é que ponto es sa
configura ção geo métrica trad uz ou r epresenta a situaçã o
analítica. Qua de
possibilidade nto
semais ela a r epres
ra ciocinar entar , ma is haverá
geometricamente, tira r
consequência importa nte pa ra a psicanálise .
No come ço, eu a chava essas compa ra ções pur o jogo verba l.
Depois de alg uma reflexã o, cheguei à conclusão de que ess a é
uma das maneiras mais fecundas de e lucidar, de precis ar um
fato, u ma situação. P or exe mplo, o n ó borrome ano: qua ndo
entendi qua lestavam
o Simbólico era o pr oblema, quede
a mar ra dos detal
fa jeito
to o Re al, oo nó
que Imag inário e
refletia
melhor do q ue qu alquer expli cação, percebi s ua relevânci a
heurística. Por ém, se da teoria matemá tica se pode tirar
consequências psicanalíticas, nã o tenho ce rteza .
O matema
MP O qu e você acha d o conceito de ma tema? Não é um conceito
matemático?
NC Eu p referir ia q ue você falasse como você conceitua o
mat ema. D epois eu respondo.
MP É uma cr iaçã o, um neo logismo de La can, p rovavelme nte
baseado no conceito de mite ma de Lévi-Stra uss, no qual se
procura uma u nidade mí nima que dê conta de uma estrutur a.
OC E cu ja tra nsmissão f osse a ma is “objetiv a” possível, como
sendo uma formalizaçã o de uma invariável.
NC Como já d isse uma vez a vocês, suspendo o meu juíz o no
momento . Por ém, uma coisa impor tante tem sido sempr e
buscar invariantes. Então is so, provavelme nte, vai ter um
grand e significado, no futu ro. No mome nto, talvez por
defici ência minha, p rinci palmente na teo ria de La can, não
saberia o que d izer. Pr ecisaria conhe cer a teoria mais
profunda mente, ve r q ual é de fa to o significado de mat ema,
como ele se comporta , qu ais as sua s proprieda des, par a pod er
da r u ma resposta mais s ensata.
MP Você acha possível opera r com os matemas?
NC Por qu e não? Ta lvez até pudéss emos definir uma estrutur a
mat emática d iferente das usuais. O que acho – no começo não
acha va, ma s cada vez acho mais – é que todas e ssas
compa ra ções são extrema mente inte ressantes como
motivações heurísticas. No enta nto, motivações heurísticas
podem fica r só nas motivações heur ísticas, sem que se possa
desenvolvê-las com maior es deta lhes, com maior
profundida de. Talvez se co nsiga alguma coisa importante.
Tenho a impr essão, por outr o lado, de que alg uma s coisas
que Laca n fez es tão muito no começo . Será preciso um exército
de pess oas pa ra rea lmente des envolver toda s as suas ideias. E
isso não pode se r realiza do por u m mat emático ou por um
psicanalista. É pr eciso ser efetiv ado por um grupo de pes soas,
linguistas, lógico s etc., muita gente e m conjunto. Uma d as
facetas interess antes d essa revista Série Psicanalíticaé
exatamente o cará ter inte rdisci plinar da tar efa a que ela s e
propõe. A psicanálise chegou a ta l ponto, principalmente
depois de Laca n, envo lve tantas cois as, t ais como a linguística,
mat emática e lógica, que é abso luta mente n ecessário haver
colabora ção. U m dos coro lários mais notávei s da obra de La can
foi o de que a p artir dele a psicanálise se “socializou”, em certo
sentido. Ou seja, não é poss ível ma is faz er p sicaná lise ficand o-
se isolad
dúvida o. Torna -se
nenhuma; denecessár iodiante
ag ora em um tr abalho
é precisdeo,equ ipe, sem
sempre qu e
houver um gr upo de psicana listas, que ele seja a uxiliad o por
linguistas, ma temáticos e lógico s etc.
O tempo lógico
MP Uma das coisas qu e surgira m nas nos sas conversas, em qu e
você ficou de pensar, é a questão do tempo lógico. A questão da
Lógica d o tempo .
NC Ess e foi um tópico no qua l, hones tamente, não p ensei. Aliás,
é algo que gos tar ia de es tuda r a tra vés do te xto de Laca n, que
and ei folheando, ma s achei e xtr emamente difícil. É preciso
fazer u m seminár io e discuti-lo.
MP Qua is seriam as p ossíveis relações entre o tempo e a Lógica ?
NC Atualmente , a relação é grande. Na tura lmente, a lógica
tra dicio nal é atemporal. 2 + 2 = 4 não depende do te mpo. Ma s,
recenteme nte, d esenvolveu-se a lógica do temp o, a lógica
crono lógica, uma discipli na q ue os árab es, na Idade Média,
tinham inve stigado extr aor dinar iamente. Não sei bem se foi
Avicena ou Averróis quem a desenvolveu muito. A lógica dos
árabes e ra , a par entemente, uma lógica tempora l, crono lógica.
O silogismo deles era um silogismo cronológico. Um a lógica
bastante “temporalizada”.
Então, não v ejo por que não se tentar a mar ra r ma is ainda o
tempo e a lógica. Mesmo porq ue a r ealida de é tempora l e esse é
um dos grandes para doxos, uma das gra ndes dificuldades da
aplicaçã o da matemática à r ealidade. A matemática é algo,
pela sua p rópria constituição, a tempo ra l. Voc ê não diz qu e 2 +
2 = 4 hoje, e ama nhã não. Toda s as teoria s matemática s banem
o tempo . Ma s como é pos sível aplicar a ma temática à natur eza,
se a na tur eza é ess encialmente tempo e muda nça? Como é que
se pode a plicar conceitos absoluta mente imutáveis a uma
realidade qu e muda?
uma dificuldade No fundo,
eno rme é um algo
em aplicar par qu
adoxo. Você
e bane o teencontra
mpo a
uma coisa a bsoluta mente tempora l. Não existe realida de sem
tempo. No entanto, não sei bem se Laca n usa o tempo lógico na
acepção da moderna lógica crono lógica.
MP Não, é uma a cepção de te mpo que co ntrad iz a a cepção
crono lógica. É uma propr iedad e lógica. Na s articulações que
ele faz com
prática a topoloQuer
é o tempo. gia, ddiz qu oe número
izer, a r elaçã odeentre
movia mentos
topol ogia ea
para
passar d e uma figura a outra.
NC Iss o pode ser interess ante. No momento não saberia o qu e
dizer a esse respei to. Ao faz er inferênci as, a o passar d e uma
situa ção par a outra , há um certo te mpo; par ece que Laca n o
chama de tempo lógico .
Perplexidade
MP É como aquele joguinho de bar bante, no qua l sem certo
número de mov imento s não se chega a outra figu ra .
NC Isso deve ser interessante na s aplica ções psica nalít icas,
embora eu não saiba se , na própr ia lógica, se ria ou não. É
tópico par a se estudar . Peço-lhes permis são para faz er algu mas
divaga ções. Do ponto de v ista lógico pur o, qu al seria a
importância des sa idei a de Laca n, que é muito fe cunda, da
derrogaçã o da le i da iden tidade, da derrogaçã o da lei da
contra dição e da derrogaçã o do terce iro excl uído? É uma ideia
de fundamental rele vânci a pa ra a lógica, como par a a
psicanálise . Mas é pr eciso qu e ma is lógicos e matemá ticos se
interes sem pelo tema, e mais ana listas tamb ém. Que todos
procurem se e ntender. P ara uma pessoa que tem a minha
formaçã o, qua ndo co meço a fala r com psicanalis tas como
vocês, fico meio perplexo. Custou-me muito entender o que
diz iam. ,Era
começo quacomo
ndo iaseà esstivesse
reuniõ esescut and o Uma
de vocês. chinêsvez,
oubrincando,
ja ponês, no
comente i com algu ém: “ Eles passam tanto tempo com loucos
que ficara m meio pancad as”. M as aos poucos co mecei a ver
que não, qu e vocês dizia m coisas asse ntad as, ma is assentad as
que eu, ta lvez. É uma bar reira terríve l. E ainda u ma p essoa
como La can, com aq uele seu lin gua jar sui generis, pa ra segui-lo é
preciso umagra
dose muito dose
ndeextrema
de boa vde simpaatia.
ontade, Se vocêimpress
primeira não tiv erãouma
é de
que La can fa z a penas malabar ismos verba is.
A princípio, juro, fiquei desanimado. É por isso que um livro
como o de v ocês, o segundo, sobre L aca n, é muito bom. Torna
tud o muito mais simples pa ra quem o lê. De uma maneira
absoluta mente clar a, sem aq ueles exag eros de La can, vocês
conseguem
contexto de mostra r queções.
suas indaga o verba lismo
Acho quedele temdeum
obras sentidoo,
divulgaçã no
principalmente ne ssa área, são ab soluta mente e ssenciais. P or
isso fiq uei content e com os livros de vocês. L i os dois no mesmo
dia em que os recebi. Aí compreendi v ários aspectos de Laca n e
de sua obra . Só o fat o de vocês fazerem com que uma pessoa,
depois de ler aq ueles livros, ve nha a proximar -se de La can,
pensando
mais livrosque el etipo.
desse é “ma luco”, já vale a pena. Ca recemos de
Visã o p r of ét ic a
OC Quero agora p egar u m caminho qua se tangenci al ao qu e
estamos falando. Uma pala vra q ue você repe tiu ba stante fo i
“heur ística” . Em relaçã o à lógica pa ra consistente, dis se que foi
fruto de um tra balho, e apontou sua s três motivações i niciais .
Muito b em: como foi, em termos heurístico s? Você tev e uma
ideia bási ca a partir da qual come çou a traba lhar?
NC As três mo tivações mencio nad as, p elasheurís
dificulda desraque
ofereciam, fu ncionaram como alavanca tica pa que eu
elabora sse a lógica pa ra consistente. Tiv e a intuiçã o de qu e essa
lógica era possível como que nu ma visão pr ofética. Após essa
visão, tratei de trabalhar e de resolver os problemas técnicos
que apa recera m. Pa ssou-se comigo alg o semelhante ao qu e
ocorreu com Fr eud q uando ele e screveu o livro A interpretação dos
sonhos. Freud
estava ab d izmente
soluta qu e lhe custou
ce rto ba stante
de como tudoredigir o livuma
era, teve ro. Ele
“visão”,
e depois sofreu muito pa ra escrever a obra .
OC Por que você teve essa visão?
NC Ess a é uma pergunta que eu não me propus. Fra ncamen te,
talvez por que os outr os fossem espíritos muit o clássicos e eu
sempr e tenha sido uma p essoa “do contra ”. Sempr e tive certo
prazer
clássi caem
e ades
mamistificar os “deuses”,
temática clássi poresse
ca. Se pud exemplo,
provara que
lógica
a
matemática cláss ica es tá err ada, ficaria extremamen te
conten te. É interes sante iss o. U m dos lemas da minha vida
sempre foi uma fr ase de C antor, o criad or da teoria d os
conjunto s: “A ess ência da matemática ra dica na sua comple ta
liberda de”. O inte lectual, o cientista em par ticular, tem a
obriga
exploração de e xplora
r todos r toda s. as
o s caminhos Nopossibilidad es. “Então
come ço queria quis a
destruir”
lógica clá ssica, depois v i qu e podia conviver com ela. Talvez iss o
tenha a lgo a ver com o complexo de É dipo…
MP A ma temática tem algo de mulher?
NC Creio que sim, porq ue toda s as coi sas boni tas o têm. E o
mesmo ocorre com a mú sica. Aliás, o portu guês e o e spanhol
são as única s línguas vivas nas q ua is as três coi sas mais
formidá veis do mundo são den otad as por pa lavra s que se
iniciam pela mesma letra: mulher, música e matemática.
Música
OC Qual a relação en tre a música, a ma temática e a ló gica?
NC Embora conheça pouco, adoro música. Mú sica e
mat emática , nã o sei se estão relacionada s ou não, m as,
indiscutivelme nte, gosto de amba s. De matemá tica eu gosto,
em par te, como fonte de motiv açã o estética. Há u m
mat emático bra sileiro, Amoroso Costa, qu e afirmou qu e “o
valor supremo da matemática não radica no seu valor de
verdade, nem no seu valor de utilidade, mas no seu valor de
beleza ”. Sempre es tudei matemática motivado pela beleza d e
suas ap licações . De música, g osto muito porqu e ela ta mbém é
bela. Acho que é e xatamente e sse denominador comum d e
beleza que liga muito a ma temática à mú sica. Ta lvez, se
conhecesse mais a mú sica, encontra sse outro t ipo de r elação.
Mas, pa ra mim, a ma temática e a músi ca são ambas fonte s de
beleza.
OC Outr o dia foi o trice ntenário de Ba ch, cujas músic as já fora m
colocadas em um computa dor.
NC E B ach pa rece mes mo um músico que compõe como s e fosse
um ma temático
gra nde admirad ,or à sdos
vezes
trêum
s B:computa dor… Aliás,
B ach, B eethoven e Brsou um
ahms.
OC Creio que hoje não temos mais perg unta s. Espero que es ta
entrevi sta nã o tenha sido em vã o.
[Entrevis ta p ublica da em Revirão, n. 3, Rio de Janei ro, dez. 1985.
Revista por Newton da Costa em dezembr o de 2013.]
NEGAÇÃOE A LÓGICA PARACONSISTENTE – ALGUMAS OBSERVAÇÕES
SOBRE A FILOSOFIA DA LÓGICA DE NEWTON C. A. DA COSTA /
ndrés R. Raggio
Em uma série de tra balhos brilha ntes, [1] Arpad Sza bo mostrou
que a mat emática grega tomou e mprestada da dialéti ca
eleática a ideia de ne gação. Ainda que inverossímil, foi uma da s
escolas filos óficas ma is especulativas a que forneceu à jovem
matemática gr ega, em ple na expansão, a ferra menta
sistemát ica qu e lhe permitiu chega r ao seu método axiomático-
dedu tivo, que os Elementos de Euclides logo transforma ria m em
pa ra digma de toda a ra cionalidade cie ntífi ca. Com efeito,
gra ças à ne gaçã o tra zida de Ele ia, a mat emática grega pôde
emprega r em suas demons tra ções o raz oamento pelo absurdo –
em qu e momen to fez isso pela primeira vez e se, a lém diss o,
empregou a regra d a du pla negação, é o utra questão –, [2]
pa ssand o assim de uma etap a na qual elas se desenvolvera m
em uma p ura positividad e construtiva à fase madur a,
cara cterizada pelo e mprego de hipóte ses que, p or fim,
resultam falsas.
Em uma época dominad a pelo cientificis mo, o fato de qu e a
filosofia tenha sido a d oadora, e a ciência, a receptora, nos
pa rece algo insó lito. A revol uçã o nos fund amentos da
matemática introduzida por Lu itzen E . J. B rouwer no co meço
do século xx, g ra ças, pr ecisamen te, à sua análise crítica da
negaçã o, ainda está f resca em no ssa memória , e conti nua
apontando direções para a pesquisa filosó fica. Como Heinrich
Scholz costuma va d izer em seus cur sos: não são nem Hei degger
nem Sar tre os verda deiros ren ovadores da f ilosofia, mas sim
Br ouwer, p orqu e somente ele atacou o bastião du as vezes
milenar do pla tonismo: a concepçã o dos entes matemáticos
como coisas em si . Como vemos, o pensamento sistemát ico
atual e a p esquisa histórico-filo sófica mostra m a insuficiência
da imagem tr adicional da s relações entre ciê ncia e filos ofia.
Nesse sentido, a obra lógico -filos ófica d e Newton da Costa se
pa rece co m a de Br ouwer. Com efe ito, em a mbos a negaçã o tem
pa pel funda mental, o qu al, pelo que já diss emos, não nos cau sa
estra nheza.
concebe Em um
a verda movimen
de como to tipicamente
resultad o de uma d kemonstra
antia no,ção,
Br ouwer
ea
negaçã o como resultad o de uma r efutação. Na mesma época, o
último F rege o btinha a f undamentação ma is profunda que
conheço da lógica clássi ca, sepa ra ndo bru talmente gênesis e
estrutura, [3] e imputando a esta última a negaçã o. Nessa
perspe ctiva, a valida de do tertium non datura caba sendo trivial;
pa ra Brque
menos ouwer, entretanto,
a solubili dad ees se princí
de qua lquerpio ló gico
p roble ma,afirma nada
ou seja, que
todo pr oblema será d emonstrá vel ou refu tável. E ness a
interpr etação brouweriana do tertium non datur, o p rincípio se
revela u ma extrap olaçã o injustificada e apr essada a todos os
domínio s do saber naq uelas ár eas, muito limitad as e modes tas,
da s quais de fato poss uímos uma onisciência tota lizante: ca da
problema é demons
Assim como trá velatacou
Brouwer ou é refutá vel.
a idealização do terceiro
excluído, Newton da Cos ta arremete u contra a do ex falso
sequitur quodlibet
. Como s e sabe, tr ata-se do princípio ló gico que
afirma que, a par tir de uma contrad ição, pode mos inferir
qualq uer enunciado. Se na justificaçã o frequente des se
princípio ra strear mos seu fu nda mento último, nos
encontra
verdadeiraremos comseu
tão logo a a firmaçã o de que
antecedente sejauma impli
falso. Essacação
é umaé
típica ideali za ção da lógica teóric a; o falante que, em uma
situa ção concre ta, enfrenta uma impli cação com antece dente
falso encolherá os ombr os, dirá que esse caso não lhe i nteressa
etc. etc., ma s jama is irá cla ssificá-la como ve rdadeira. Essa
extrap olaçã o do ex falso sequitur quodlibet satis faz o
compo rta mento não reflexi vo do falante. Por causa disso, tra ta-
se de uma t ípica idealiza ção lógica, cujo fund amento resi de na
simplicida de teórica que dessa sorte se obtém. [4]
Pois bem, Newton da Costa tentou, d esde o começo,
desmontar
entretanto, asessa idealizaçã
outra o da lógica
s propriedades teórica,
, ma conse
is natur rvand o,
ais, da
impli cação e da negaçã o. O ex falso sequitur quodlibet viola, entre
outr as coisas, a exigênci a de homogene ida de entre pr emissas e
conclus ão que car act eriza o pens amento ló gico natur al; com
efeito , se de alg o falso s e pode deduzir qualq uer enunciad o
entre pr emissa e conclusão, nã o é pr eciso haver u m vínculo
semântico específico.
ideias similar P orda
es à “lógica esse cam inho,, Costa
r elevância” d forma
ma s de esenvolveu
completamente independente dela.
A noção fundamental de não-trivialização-finita permitiu a
Costa f ormula r suas ideias de uma ma neira muito ele gante. O
ex falso sequitur quodlibet é um caso par ticular de trivi alizaçã o
finita: a par tir de u m único en unciado logi camente
contra ditório,em.
uma linguag se Apode inferir
não-triv a tota lidadta
ialização-fini e de enunciados
genera de
liza a crítica
do ex falso sequitur quodlibet, requ erendo que ne nhum
subconjunto finito de e nunciad os de uma lingu agem possa
impli car a totalidade dos e nunci ados da lingua gem. Claro qu e
sempr e haverá pa rtes própr ias do universo de enunciabilidad e
da lingua gem que a implicam – por exempl o, aq uela que se
obtém eli minando
que a não-triv toda s asta
ialização-fini reiterações poruma
exclui é que conjunção –, ma
p arte fin ita, es o
por iss o mesmo próp ria , possa equivaler a o todo. Se
compa ra mos o universo de enunciab ilidade de uma lingu agem
a uma p aisagem – e existem motiv os fund amenta is para fazê-lo
–, teremo s que dizer que não se trata de uma pa isagem
montanhosa na qu al, desde o alto, se pode avis tar o todo; ma s
sim que se tra ta d o pampa , qu e, segundo a fina obse rvação de
Bor ges, sempre se estende par a além de qua lquer horiz onte
real.
Em sua vertente filos ófica, as pesquisas de Newton da Costa
sobre
também os sistema
chama doss lógicos não-finita mente-tr
para consistentes ivializá veisna–
– [5] se inscrevem
problemática gera l de uma genealogia do lógico . Ou seja, a
expli cação d e como, a par tir da vida – e talv ez con tra ela –, foi se
orga nizand o todo esse âmbito varia do que vai desde a
significaçã o linguística a té o conce ito cie ntífico, desde a r egra
social a té o texto cons titucional, desde o ar gum ento in tuitivo
atéCosta
a dedução fo diga
par tiu, rmalizada.
mos assim, de uma das pontas. A
demolição do objetiv ismo pla tônico de F rege, u nida à s
possibilidad es oferecid as pelos sistema s formais de seguir
pa sso a pa sso, e em suas mais remotas dependên cias, a filiaçã o
da s noções lógicas básicas, tra nsformou a identidad e
hermética d o em si lógico em uma imensa teia de a ra nha, em
uma verda deira captur
aparentemente p risão ado
de Pira nesi, nacons
e perdido, q ualegue,
o espípor
ritof humano,
im,
compree nder sua pr ópria verdad e.
A filosofia acadêmica tradicional (Kant, Nietzsche, Bergson,
os pragmá ticos, Schel er etc.) atacou o p roble ma de uma
genealogia do lógico pelo outro extr emo: a vida. [6] É uma pena
que amb as a s direções não se in tegrem; sobretudo se se leva em
conta queinad
conceitos a filosofia a cadêmica
equa dos traNess
do lógico. dicional trab alhou
e contexto, com
um exemplo é
o traba lho de Sigmund Freud so bre “a negaçã o”. [7]
A função do juízo – afirma Freud, seguindo as teorias da
psicologia, d a lógica e da filosofia de se u tempo – é afirma r ou
negar . Nega r é o substitut o intelectua l da r epressão: em vez de
repr imir um conteúdo psíquico, q ue a ssim se to rna inaces sível
de forma direta ao eu, este o classi fica c om o signo da nega ção.
Assim sendo, “o pensamento”, diz Freud, “se libera das
restriçõe s da repr essão e se enriquece com conteúdos dos qua is
não pode pres cindir pa ra realizar sua obra” . A negação es tá na
metad e do caminho
consciência t emáticae ntre a expaulsão
e a plena deoum
ssunçã conteúdo
desse da pelo
conte údo
esclar ecimento ana lítico exitoso. Essa sua amb iguida de entre
consciente/inconsciente, irra cional/racional, é o q ue lhe
confere sua profunda signifi caçã o antr opológica.
No incon sciente, segundo Freud, não há negações : é – como
diría mos hoje em dia, seguindo a terminologia de pesquisas
lógicas s imilares
positividade. [8] Oàs
eudevislumbr
Newton adao Costa
incon –sciente
um â mediante
mbito de pur a
gir os
negativos ; ou seja, a tematiz açã o do inconsciente, tematiz açã o
incomple ta e distorcida , é um p rodu to lógico -linguísti co do eu,
sendo a nega ção o ve ículo mediante o qua l se rea liza. A segunda
etap a na constituiçã o do inco nsciente – a pr imeira é a
repr essão – pr ocede via negationis(a seme lhança com a t eologia
salta a osoolhos).
tematiza conte Aúdo
negaçã o, pois
negado, , na m
o extrai doedida
anoniemmato
qu e da
também
pur a
positivida de do incon sciente. Mas, p or outr o lado, a o
“cla ssificá-lo”, não o assume em s ua plenitude. Ess a deverá ser
a tarefa d o esclar ecimento ana lítico , se tiver êxito. Des sa forma ,
a a nálise alcança uma p lena ra cionalidade, que a negação
apenas esboça, ma s que, de outr a pa rte, d esencadeia e põe em
movimento.
positiva, q ueAFreud
v ia negat iva da nega
identifica, çãopodemos
assim é seguidas upor
por u, com
ma via
as
formas da ra cionalidade cie ntífi ca de sua época. O tr aba lho do
espírito huma no se desdobra na tría de repress ão, nega ção,
esclar ecimento a nalítico.
Dito is so, salvo a sua g enial interpreta ção d o inconsciente
como âmbito de pura positividad e, Freud si tua a negaçã o em
um contexto pur amente lo cal. E no e ntanto sua fu nção global e
estru tur al salta imediata mente aos olhos. Tome mos um
exemplo: a relação entre ne gaçã o e culpa. A cu lpa é um caso
pa rticu lar de uma oposição entre um deve r ser e um s er qu e o
nega;
pode fanãzê-lo
o é estrita mente
– o dever ser,uma contra
mas sim umadiçã o: o ser
conse não nega
quência – não
prá tica
dele. A psi caná lise mostra como certa s culpa s, atr avés de
mecanismo s repress ivos – ou seja, de pr otoformas da negaçã o
–, são cap azes de perme abilizar e tingir toda uma vida ,
mar cando-a com sua onipres ença. A experiê ncia de culpa do
ovem Rous seau em relação a Mar ion, relata da no fin al da
segund a Confiss
cristalino. [9] O tr ão,
abaélho
o exemplo li encontra
analíti co terá rio mais impact ante
, d iariamente , e
situações similares.
Assim como Newton da Costa, em seus sistemas lógicos
mediante o princípio de não-trivializaçã o-fini ta, logra
restringir a s consequências lógicas que podem ser extra ída s de
uma contra dição – ou seja, sua capa cidade de permeabil ização
de todo o unive
determinar , norso de enunciabilidad
esclar e –, Freud
ecimento analítico, qu aistenta
são as
verdadeiras consequências de uma experiência traumática, ou,
por exe mplo, de uma cu lpa, p ara a totalidade de uma vi da.
Enqu anto o neurótico e o lógico clá ssico, sujeitos à
permea bilizaçã o universal e ao ex falso sequitur quodlibet,
respectiv amente, se comporta m de maneira funcionalmente
homóloga,
uma forma dSigmund
e racionFreud
alidad eeNewton
que le veda
emCosta
contaqu erem alcançar
a singularida de
do indi vidua l. Da mesma f orma q ue par a Costa nã o há
enuncia dos – nem conjunt os finitos deles – dos qu ais se possa
deduzir a totalidade do univ erso de en unciabili da de, pa ra
Freud, por ma is profunda que se ja a signific açã o de uma
experiê ncia humana, esta não pode marca r o conte údo total de
uma vida . Eis aqui, ta nto em Freud como em Costa, u ma
postura filosófica seme lhante, qu e revela uma nova concepção
da s relações entre indiv íduo e totalida de.
C antor, Georg 88
Cesaro tto, Oscar 56, 75
Chuaqu i, Rol ando 66
Costa,
Costa, Amoro
Newtonsoda8956, 89, 91-94, 94n, 96, 98
E uclides 79, 90
G ödel, Kurt 84
Green, André 35n, 37n
Grize, Jean-B laise 93n
Guillaume, Mar cel 60
L aca n, Jacques 9n, 35, 35n, 37, 40, 40n, 47, 50, 52, 52n, 61-63,
69, 73, 75, 77, 80-87
La katos , Imre 90n
La planche, Je an 18n, 22n
Lévi-Stra uss, Claude 82
Loba chewsk i, Nicolai 79
Luka siewicz, Jan 64
R iemann, Bernhar d 79
Robins on, Abraha m 91n
Rousseau, Jean-Jacqu es 97, 97n
Russell, B ertra nd 66
V assíliev, Nicolai A. 6 4
W ason, Peter Cathcar t 93n
Wright, Orville 77
Wright, Wilbur 77
Z enão de Elei a 90
Lu to e melancoli a
[ed. impressa] | [ed. digital]
Capa e composição
Produção PAULO
gráficaALINE ANDRÉ CHAGAS
VALLI
ISBN 978-85-405-0669-5
POSFÁ CIO
AQUELE QUE DI Z “ NÃO”: SOBRE UM MODO PECULIAR
DE FALAR DE SI / Vladimir Safatle
APÊNDICES
PSICANÁLISE, DIALÉTICA E LÓGICA PARA CONSISTENTE/
Newton da Costa
A NEGAÇÃO E A LÓGICA PARACONSISTENTE – ALGUMAS
OBS ERVAÇÕE S SOB RE A FILOSOFIA DA LÓ GICA DE
NEWT ON C. A. DA COSTA / Andrés R. Ra ggio
Índice onomástico
Outra s obras
Créditos
Redes Sociais
Colofão