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"Velocidade e aceleração enquanto estimulantes modernos", por Rogerio Lopes Azize [1]

“Podemos legitimamente afirmar que o relógio indica o tempo, mas ele o faz através de uma
produção contínua de símbolos que só têm significação num mundo em cinco dimensões, num
mundo habitado por homens...”. (Elias, 1998:16,) Em colocações como esta, ELIAS[2] chama a
nossa atenção para o caráter tão pouco natural que possuem as noções de tempo, velocidade
e aceleração na cultura ocidental moderna. Poderíamos dizer que na natureza o tempo passa,
enquanto que para nós tempo é algo que se pode perder, ganhar, acelerar, reduzir e até
controlar. Relógios não têm vida própria; o que eles marcam não é nada senão o nosso tempo,
o nosso ritmo, o nosso devir. Continuando com Elias, “o tempo tornou-se, portanto, a
representação simbólica de uma vasta rede de relações que reúne diversas seqüências de
caráter individual, social ou puramente físico”. (idem:17)

Quando o tempo passa a ser algo que se tem, cresce a responsabilidade de uma cultura (e dos
indivíduos que estão inseridos neste código de linguagem) quanto ao que se faz em relação ao
tempo. O freio e o acelerador são opções culturais. Sendo assim, creio que seria possível dizer
muito sobre um grupo humano analisando aquilo que chamamos ‘ritmo de vida’. Como
veremos, com a ajuda de algumas idéias de VIRILIO[3], velocidade e aceleração são palavras
que podem ter também profundas implicações políticas.

Sendo então as noções de velocidade e aceleração (que, aliás, são de difícil conceituação)
absolutamente contingentes, não naturais, tentarei propor aqui algo semelhante àquilo que
SCHNAPP[4] chamou de uma Antropologia da Velocidade.“Uma ‘antropologia’ (da velocidade)
na medida em que se pode imaginar o movimento acelerado não como um evento físico neutro
que deixava inalterados o viajante e o percurso viajado” (Schnapp,1998), mas como um evento
que se insere em um contexto cultural, transformando-o e sendo transformado por ele. Virilio
(1996) também se faz perguntas neste sentido: “onde estamos quando viajamos? Qual é esse
‘país da velocidade’ que nunca se confunde exatamente com o meio atravessado?”.

A velocidade enquanto estimulante produtor de distinção

Em seu livro Velocidade e Política, Virilio reflete sobre a existência de uma ‘aristocracia da
velocidade’, que se constitui para dominar um novo espaço, o não-lugar ou o lugar das viagens,
o lugar da velocidade e da aceleração. No prefácio, Laymert Garcia dos Santos nos apresenta o
tom da obra: o livro seria “uma introdução à lógica da corrida, à lógica que toma como referência
absoluta, como equivalente geral, não mais a riqueza e sim a velocidade”.

Esta opção de Paul Virilio implicaria em uma releitura da história do ocidente; a velocidade, e o
domínio sobre os processos de aceleração, passariam a ser a grandecommoditie, uma nova
referência para a criação de distinções. Diz ele que, tornando-se a medida, a velocidade passa a
dividir o mundo em povos esperançosos (que capitalizam a velocidade o suficiente para
continuarem projetando-a infinitamente) epovos desesperançosos (imobilizados pela
inferioridade de seus veículos técnicos). Além destes tipos ideais, úteis como categoria de
análise, interessa-me nesta autor a maneira como ele apresenta “os efeitos que o investimento
na velocidade tecnológica provoca nos corpos”. O objetivo (do autor) é mostrar como “a lógica
da corrida, desinvestindo da terra e do mundo, e investindo progressivamente no vetor, promove
um verdadeiro assalto à natureza humana”. (Virilio, 1996:12) Esta dicotomia criada por Virilio
entre povos esperançosos e desesperançosos vai criar novas dicotomias internas aos povos e
às culturas. Para ele, a progressiva desterritorialização provocada pela emergência desta lógica
de corrida é sentida de maneiras diferentes pelas diferentes classes sociais: para as elites,
significaria uma intensificação do domínio, já que elas controlariam o vetor, o processo de
aceleração, sobrevivendo em diversos ritmos; para as massas, significaria “desenraizamento,
destruição do hábitat, privação de identidade, exclusão, perda do anima, do movimento”.
Quando a velocidade passa a ser uma das principais commodities modernas, como disse Virilio,
ela passa a ser identificada como um elemento civilizador.

Neste mundo onde a velocidade e o movimento destróem o tempo e onde “o humano fica
subjugado à vertigem da aceleração”, Virilio propõe a criação de uma dromologia, uma espécie
de ciência da velocidade e da aceleração. Mas qual seria o homem objeto de estudo desta
dromologia?

Schnapp oferece-nos uma possível resposta para a pergunta acima quando fala em um sujeito
humano (moderno) da velocidade, ao qual ele dará o nome de sujeito kinemático. Este sujeito
tem a sua origem situada no início do século XIX, quando ocorre “uma bifurcação fundamental
entre os modos de transporte de massa e os de transporte individual, tanto nas experiências e
fantasias a que eles deram origem como nos tipos de discursos que são elaborados para regulá-
los e representá-los”.(pag. 2) Para este autor, o individualismo moderno se confunde “com a
posse de e o poder sobre rodas”, com a posse do poder sobre a velocidade e a aceleração.
Uma outra hipótese apresentada por Schnapp é a de que quando a tecnologia passa a forjar
mecanismos de separação “entre a superfície viajada, a força de propulsão e o viajante
individual”, torna-se possível imaginar a velocidade como um tipo de droga, como um dos
principais estimulantes modernos.

A velocidade vai exigindo doses mais e mais fortes para continuar causando sensações de
prazer em seus usuários. É neste momento que, de forma paradoxal, a velocidade enquanto
vetor dá origem a um círculo vicioso: “uma vez reconfigurado pelas repetidas experiências desse
estimulante, (o sujeito kinemático) encontrava-se (...) ameaçado, por um lado, pela monotonia,
e, por outro, pela necessidade eterna de um novo estímulo a fim de manter o mesmo nível de
intensidade”.

Como a velocidade estaria sempre pedindo um espectador, seríamos nós todos candidatos
a voyeurs modernos, assistindo e vivendo a aceleração como o principal espetáculo disponível,
a partir de diferentes pontos referenciais, que podem ir desde o nosso próprio corpo[5] até o
grande fetiche dos meios de transporte supersônicos.

Voltando a Virilio, podemos dizer que o homem não sai impune deste processo de aceleração.
Depois de afirmar ser a arte da guerra nada mais que uma arte do espetáculo e da velocidade,
diz ele que “a velocidade dromocrática não se exerce contra um adversário mais ou menos
determinado; ela se exerce como um assalto permanente ao mundo e através dele, como um
assalto à natureza do homem”. (op. cit.: 69) E ele volta a insistir em uma polaridade que será
causada pelo domínio ou não deste mundo da velocidade. “O progresso dromológico, ao impor
o idéia de dois tipos de alma, umas fracas, indecisas e vulneráveis porque tributárias do seu
hábitat, outras poderosas porque colocaram seu ‘mana’, sua vontade, fora de alcance, graças a
sua desterritorialização, à sofisticação da sua economia e de seu ponto de vista”.

Quanto às conseqüências de tomar a aceleração como um estimulante, a perspectiva de


Schnapp também não me parece nada otimista. Para ele, este mundo da velocidade pode vir a
se mostrar um beco sem saída. A sensação repetida inúmeras vezes teria um ponto de
saturação, não renovado nem com o acidente (que ele analisa como um corolário da velocidade
e da aceleração). O possível resultado disto, “o Manifesto de Fundação do Futurismo não
poderia jamais ter imaginado: a emergência do tédio mesmo como a maior excitação de todas”.
(op. cit.: 13)

Bibliografia

ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1998.

SCHNAPP, Jeffrey. Crash: antropologia da velocidade. Comunicação apresentada no VI


Congresso da ABRALIC (Associação Brasileira de Literatura Comparada), Florianópolis, 1998.

VIRILIO, Paul. Velocidade e Política. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.


Notas

[1] Rogerio Lopes Azize é mestre em Antropologia Social e professor da


Universidade Estadual de Santa Catarina.

[2] ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1998.

[3] VIRILIO, Paul. Velocidade e Política. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.

[4] SCHNAPP, Jeffrey. Crash: antropologia da velocidade. Comunicação apresentada no VI


Congresso da ABRALIC (Associação Brasileira de Literatura Comparada), Florianópolis, 1998.
mimeo. O autor situa, de maneira especulativa é verdade, o mito de fundação do Futurismo no
ponto culminante de uma possível antropologia da velocidade.

[5] Pensemos por exemplo em algumas pílulas que foram lançadas recentemente, como o
Prozac, o Viagra, e outras que prometem curas rápidas e fáceis para problemas que vão da
celulite à depressão. Estas pílulas do prazer instantâneo parecem confundir, como Marinetti no
Manifesto de Fundação do Futurismo, homem e máquina, esquecendo que alguns problemas
talvez não tenham solução possível de forma acelerada. Mas processos lentos são entendidos
como cada vez mais entediantes: para que perder tempo com longas terapias se pudermos nos
teletransportar (assim mesmo, como os personagens da série Jornada nas Estrelas) até a
cura? Mas esta velocidade intra-celular talvez seja uma das mais perigosas, já que a inércia da
subjetividade pode não acompanhar a nova velocidade moderna.

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