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A MULHER NO CORPO Emily Martin. | | Uma analise cultural da reprodugao Coordenacio ‘Moria Alera Brum Lemos CCONSELHO EDITORIAL Bertha Becker Candido Mendes Cristovam Buarque lanacy Sachs Jurandlr Freire Costa Ladislau Dowbor Pierre Salama im Ditigida por Maria Luiza Hellbor e Sérgio Carrara Coordenacio Editorial Jane Russo e Anna Paula Uziel Assistente ‘sabel Miranda Consultoria Edtoral ‘Marise Baros ‘CONSELHO EDITORIAL Albertina Costa Daniela Knauth Leila Linhares Basted Maria Filomena Gregori Mariza Corea Parry Scott Peter Fry Regina Barbosa Richard Porker Roger Raupp Bios ‘owulidade ginero esocledade__) (seralidadeeginero nar dines sacs) A MULHER NO CORPO Uma anidlise cultural da reprodugéo Emily Martin Tradugie Jill Bandera Revisdo técnica Fabiola Rohden CCONSCIENTIZACAO EIDEOLOGIA CLASSE E RESISTENCIA ‘A INCORPORAGKO DAS OPOSICOES ANEXO 1: AS PERGUNTAS DAS ENTREVISTAS ANEXO 2: PERFIS BlOGRAFICOS REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Inpice Renaissivo 299. an 39 61. ers APRESENTAGAO Fabiola Rohden’ livro da anteopéloga Emily Martin é reconhecido tanto no cam- po feminista como na academia como um estudo inovador no que se refere A medicina e 4 sua capacidade de intervengio nos corpos das mulheres, Tendo como foco de anilise os pressupostos cultu subjacentes ao discurso € & pritica médica contemporineos, a auto- ra navega na articulagio entre passado e presente, antropologia e histéria e empreende uma dificil busca pela desnaturalizagio dos objetos por meio do estranhamento do familiar em nossa cultura Publicado inicialmente em 1987, 0 livro vem sendo reeditado tnos Estados Unidos e merecendo verses em outros paises, como Alemanha ¢ Inglaterra. A mudher no corpo foi vencedor do Eileen Basker Memorial Prize de 1988, concedido pela Sociedade de An- twopologia Médica norte-americana, e objeto de um encontro reali- zado pela American Anthcopological Association, em 1989, deno- minado “Author meets critics: Emily Martin and the cultural construction of scientific knowledge” em que estavam presentes Donna Haraway e Karen Sacks, entre outros. Além disso, a repercussio nit de Miia Saco da UER)epeguiadora do Cate Laine Americano om Senne ¢ Divs Homans inicial do livro pode ser vista nos comentirios que mereceu de Strathern (1992: 68; 76), MacDonald (1990) ¢ Behar. (1990). O objetivo do trabalho € estudar os processos culturais que afe- tam as mulheres © que podem ser observados nas concepgbes que clas préprias tém de scus corpos. Martin trabalhou com’ entrevistas de 165 mulheres de Baltimore (EUA), que viviam em diferentes “comunidades” com distingbes étnicas, de idade e de classe. Consi- derando que as suas tepresentasdes sobre 0 corpo passavam pela remissio aos discursos ¢ priticas de ginecologistas e obstetras, tam- bém explorou depoimentos e, principalmente, manuais médicos. Sua proposta era, entio, investigar 0 que pessoas comuns € especia- listas dizem quando estéo descrevendo objetos como horménios, sitero, fluxo menstrual. Ou, em outros cetmos, qual a suposigio cultural implicita a respeito da natureza da mulher e do homem. A culeura médica seria um sistema culeueal cujas idéias e préticas per- passam a cultura popular, Isto poderia ser visto por meio da utiliza 40 do conccito de metéfora, Tanto os textos médicos quanto os depoimentos das mulheres estariam expressando, por meio de me- téforas, concepgbes mais gerais sobre a sociedade. E concepgées que tém fundamento nos processos econémicos, sociais e politicos em curso em um dado momento. Olivo demonstta um uso do conceito de metifora bastante efi- az, principalmente no que concerne i guestio da citculagio de dis- cursos. Martin consegue mostrar que opiniGes ¢ representagées das mulheres sobre seus corpos tém referéncia, ou, pelo menos, combi- nam com idéias mais gerais correntes na sociedade — metéforas abrangentes ¢ importantes em um determinado contexto social. Eo que ocorre nos exemplos da menstruagio e menop A pattir do século XIX, a ideologia da produgio, concretizada nas fibricas, é tao abrangente que chega aos coxpos, Os coxpos das mulheres passam a ser pensados, nos textos médicos principalmen- te, como fibricas para a produgio de eriangas. Mais especificamente, © corpo é pensado, assim como a sociedade, em termos de uma jrganizacio hierérquica: sio vérios elementos ocupando posigées de valor diferente no conjunto do sistema. No caso do corpo feminino, este sistema funcionaria a partir da seqiiéncia cérebro-horménios ovatios que se comunicam hierarquicamente, O bom andamento deste sistema teria como resultado a produgio de novos seres huma- thos. E qualquer evento que fugisse a este objetivo implic desvalorizagio. Eo caso da menstruaséo ¢ da menopausa. Segundo Martin, tal como & descrita nos textos médicos ¢ em livros popula- Fes, a menstruago aparece como uma falha na produsio. Tedo 0 sistema estava preparado para gerar um novo produto e se isto no aconteceu € devido a algum tipo de falha. Jd a menopausa é definida como © momento do término da produgio, quando as sméquinas j& estao cansadas e comegam a ter defeitos até que final- mente cessam de funcionar. Com referéncia & concepgao hierdr- ‘quica, pode-se acrescentar 0 fato de que as falhas acontecem por- ‘que alguin elemento deixou de obedecer aos sinais de comunicago enviados pelo 6rgao superior. No caso da menopausa, 0s ovirios & que deixariam de responder, quebrando a hierarquia da producio (capitulo 3). As citagdes ¢ encadeamentos que Martin faz em torno desta ques- tio, aqui resumida, sfo interessantes. Levam a pensar sobre a comu- nnicagio que pode haver entre eventos sociais mais abrangentes, como © advento da industrializagao, e ages mais cotidianas, como o tipo de tratamento e as concepgdes médicas em relagio as mulheres © & reprodugio, Com base nos exemplos que a autora traz, fica dificil pensar que a mengio & idéia da Fabrica nos textos sobre reprodugio scja uma mera coincidéncia com o sistema socioecondmico que se desenvolvia. E claro que por tras disso deve estar algo como um conjunto de referéncias proeminentes em um dado momento € que Se reproduz em uma série de niveis. “0 livro tem uma outra caracteristica forte ¢ bastante polémica que é sua inspiragio feminista na interpretagio de alguns fenéme- nos. Como exemplo, podemos citar o caso da tensio pré-menstrual (TPM), categoria desenvolvida pela medicina s6 recentemente e que, de modo surpreendente, ofereceria um espaco para que as mulheres pudessem expressar certos descontentamentos. Segundo Martin, os sintomas que as mulheres descrevem na tensio pré-menstrual podem ser entendidos como indicativos de um processo de libera- so. Os depoimentos de suas entrevistadas que falam deste periodo como um momento em que sentem raiva, € por vezes até se sentem “possufdas” por alguma forga estranha, séo usados para fazer prognds- ticos feministas. A autora acredita que estas descrigées podem ser pensadas como insrantes de manifestagio da revolta das mulheres quanto & sua condigao de subordinadas na sociedade. E vai mais longe ao afirmar que essa experiéncia comum das mulheres pede de faro se converter em uma base positiva para que se identifiquem como um grupo oprimido e busquem estratégias de fuga. Segundo ela, © problema é que até agora as mulheres identificam essa raiva muito mais com causas bioligicas do que com a sua real condigéo de opressao, Se isso fosse reavaliado, as perspectivas de conscientizaga0 seriam promissoras (capftulo 7), O destaque dado a uma experiéncia comum as mulheres de de- ‘erminada cultura ¢ seu possivel poder transformador é ainda maior nas conclusdes do liveo, em que Martin, apés sugerir que a céncia médica é ligada a uma forma particular de hierarquia € controle, afirma que as mulheres podem usar a sua experiéncia comum para confrontar as concepcdes da medicina. E interessante que, embora ddiga que nfo se trata de uma volta 4 natureza mas de um outro ipo de culeura, ela concebe esta nogio de experiencia a partir do corpo, Em fungio de vivenciarem processos corporais particulares, as mulheres conseguem ter a capacidade de articular melhor di- mensbes ideologizadas em dominios separados, como casa ¢ traba- tho, natureza e cultura, amor e contrato, Sendo assim, uma vez que se tornassem conscientes desse processo ou caracterfstica comum, poderiam ser capazes de perceber o problema destas dicotomias ¢ propor uma nova ordem socal Talvez pelo fato de operar exatamente nesse terreno delicado da articulagio entre ciéncia e feminismo, a autora consegue ser tio provocativa. E isso se reflete na conformacio do seu objeto e nas and- lises que produz. E notivel como Martin se prope a trabalhar nos ‘marcos do construcionismo social ao mesmo tempo em que concede tum valor particular ao corpo ¢ as experiéncias vivenciadas em fungio meng de determinados constrangimentos corporais, o que nao é comum em boa parce dos trabalhos que se coadunam com essa perspectiva Além disso, 0 livro tem uma caracteristica peculiar que € um certo tom de novidade no tipo de anilise e na descoberta do impac- to que o esttanhamento das concepgées cientificas é capaz. Esse tom € responsivel por uma abertura possivel a novas anilises. Temos uma pesquisa extremamente rica € rigorosa cujas interpreraghes ainda esto se forjando, A’ partir de um recorte inovador e de um material valioso, a obra de Martin ajuda a inaugurar um fértil campo de discuss6es. Pode-se ter uma idéia desse processo ao ler a introdugio 2 edigio de 1992, publicada também neste volume, na qual a autora responde is criticas feitas ao livro de forma corajosa, problematizando algumas formas de tratamento dos dados e conclusées. Tém desta- que uma reavaliagio-da relagio das mulheres com a tecnologia mé- ‘no parto ¢ auronomia feminina e os usos da categoria raga/etnia no decorrer da andlise. O debate provocado pelo livro, em virtude dlos desafios que estava inaugurando, evidencia a sua atualidade ain- da hoje. Especialmente cm fungio do impacto que uma potente critica dda ciéncia pode ter, essa obra merece ser lida no apenas por cientis- tas sociais ¢ historiadores, ou por ativistas do campo dos direitos sexuais € reprodutivos, mas também por todos aqueles comprome- ridos com 0 universo da satide © da pesquisa médica, como cientis- tas, clinicos e estudlantes. Os leitores certamente em muito se bene- ficiario ao encarar a andlise séria e provocativa que faz Martin do feito de prerrogativas culturais mais amplas no saber ¢ na prtica da medicina ¢ dos usos politicos, por vezes bastante inusitados, que as mulheres fazem da produgao cientifica a respeito dos seus corpos, ET) REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BEHAR, Ruth. The body in the woman, the story in the woman: book review and 1 personal essay. Michigan Quarterly Review 29: 695-738, 1990. MACDONALD, Maryon. Review of he woman in the body: a cultural analysis of reproduction, Sacologial Review 38: 588-591, 1990. STRATHERN, Marilyn. Reproducing she wwe, Eaayr om anthropology, bihip and she new reproductive rechnolegis. Manchester: Manchester University Pres, 1992. INTRODUGAO A EDIGAO DE 1992" Nos cineo anos que se passaram desde a sua publicagéo, A mulher no corpo me conduzit. por uma sucessio de emosées. Senti grande satis- faséo quando, ao dar uma aula na Universidade de Illinois, uma aluna da pés-graduagio, que também é enfermeira, me disse que andava pelos corredores do hospital onde crabalha com meu livro debaixo do bbrago como um talisma. “Dessa forma’, disse ela, “quando os médicos nao acteditam em mim quando falo sobre o tipo de linguagem dliscriminatéria que esto usando, posso mostrar a pagina no liveo que fala sobre isso”, Ao mesmo tempo, senti-me Frustrada quando, ao dar uumna palestta em Woods Hole, uma instituigéo de pesquisa biolégica de elite, a,maioria dos cientistas na platéia ficou irtitada comigo por eu argumentar que os conceitos da biologia reprodutiva estio petmeados de estetedtipos culturais. Mesmo no meio dessa fiustragio houve, contudo, satisfaci0 quando uma aluna de pés-graduacio, sen- tada no fundo do auditério, comesou a falar hesitante, Quase inaudfvel, cabisbaixa, cla disse que minhas descrig6es dos pressupostos culturais existences nas descrigSes biolégicas que retratam 0 esperma como sen- do viril ¢ ageessivo, avangando fortemente para frente e atingindo os * Agaieyo os dives comentitos senses ete dara oenconto “Author Mees Crt Ely Marin and the Carl Consrction of cence Knowledge genial por eth Malling ‘eunies le 1989 da Asiocag America de Antopoogin. Agree em especial aos “ccs” Gaol Brownet,Gertude Fase, yon Gand, Donn Haraway Rayna Rapp e Karen Sacks, Gos) recessos mais profundos do aparelho reprodutor feminino, ram precisas.' Estes mesmos pressupostos haviam influenciado suas pré- prias observagées cientificas. Quando ela observou pela primeira vez espermatozéides de lagosta pelo microscépio, chegara § conclusio de que todos escavam mortos, jf que no estavam se mexendo. Posteriormente, descobriu que os espermatozdides da lagosta nao se mexem absolutamente, mesmo quando estio vivos e saudiveis, Ficou surpresa ao perceber que suas expectativas culturais a respeito do vigor e da mobilidade das células “masculinas” haviam-na indu- zido ao erro em suas observagbes cientificas. Umma das motivagdes que me levou a escrever A mulher no corpo era aumentar a conscigncia, nfo sé da comunidade ciencifica mas tam- bém do piiblico em geral, do que €uma anilise feminista da ciéncia. Esperava influenciar a autopercepgao das mulheres, © contetido das politicas paiblicas e, evidentemente, da pesquisa cientifica. Sinto-me {gratificada ao saber de episédios que indicam que o livro ajudou a levantar a questio, Um artigo na revista Glamour, por exemplo, usou rminhas anslises das metaforas empregadas nas descrigées de rotina do sistema reprodutivo. masculino e fem para esclarecer por que a infertlidade e os defeitos de nascenga sao freqiientemente atribufdos a falhas no corpo da mulher Um artigo elaborado paraa revista Discover cemprega minha andlise de como imagens culturais influenciam a bio- logia da reproducio para criticar um artigo anterior publicado na mesma revista intitulado “Sperm Wars” (Guerras de esperma).. Pro- {gramas em ridios estatais australianas e canadenses aplicaram minha anélise das metéforas na biologia a questées como pressuposto lar- gamente difundido de que as mulheres s80 arrebatadas por mudangas hormonais e ndo tém 0 menor controle sobre essas mudancas. Quan- do dei uma palestra na Society for Menstrual Cycle Research, em 1991, alguns membros da Boston Women’s Health Collective, que A tote do eat lca Marin, Ey, Te pad the sperm: how cence a consul 3 mee hal an stepmom ole, Sig 16: 485501, 1900. Sts Ptr, The fats ko bn dts, lemon goto: 196995 282-38, 1991 (sig en pou de ria de eden, Dad een publicara Our Bodies, Ourselves (Nossos corpos, nés mesmas), falaram com animagéo ¢ entusiasmo que queriam revisar 0 telato cientifico da menstruagio e da menopausa feito naquela obra de acordo com as linhas sugeridas em meu livro. Meu trabalho e 0 volume crescente de trabathos feministas a respeito da cigncia contribuem para estes sinais de progresso. E cada vyez mais comum, durante minhas palestras, que pessoas na placéia jd tenham sido esclarecidas pelas criticas & ciéncia realizadas por Ruth Hubbard ou Donna Haraway. Bsporadicamente, alunos fi- cam sabendo a respeito da critica feminista & ciéncia em aulas de cigncia. Quando terminei de dar uma aula para uma turma do se- gundo ano de medicina, por exemplo, uma das mulheres presentes na sala me contou que havia utilizado o livro de Scott Gilbert, Developmental Biology (Biologia do desenvolvimento), nas aulas de biologia e que tinhs percebido havia muitos anos que imagens cultu- ralmente influenciadas na biologia no so apenas sexistas, mas tam- hhém exemplo de cigncia de ms qualidade. Nessa meia década desde que este livro foi publicado pela pri meira vez, uma crescente-percepgio de que as mulheres podem eriar imagens mais posicivas de sj. mesmas e de seus corpos tem-se desen- volvido. No nivel individual, mulheres tém-me escrito dizendo que comecaram a fazer questéo de obrer privacidade e quietude nos dias que antecedem a menstruagio; ou que desejam agora produzir um fluxo vig6roso e saudével quando menstruam. No nivel comercial, logo sera langado no mercado um novo aparelho com o qual as mulheres poderio-“coletar” seu fluido menstrual, equipado com marcagées para medigio que mostram o volume do fluxo que pro- duriram! Talvez estejamos encrando numa nova fase, mais positiva, com relagio a0 conjunto de significados que as mulheres podem usar na interpretagio de seu fluxo menstrual. 1 Viaamay, Donns, Primate vito gender rt aa ate the word of madere iene. New York Rule, 1989, Hubba, Ray, The pair of women big New Brunswick, Ns Rogers Univery res, 1990. * Git, Score, Deepal big. Sundeand, Mas: SinauerAsacaes, 15. dade ete Jon RETR) Como etnégrafa e autora, posicionei-me encre “as mulheres” que entrevistei para escrever este livro, descrevendo ciéncia ¢ clinica médicas através de seus olhos. Isto significa que me afastei proposi- tadamente de um contato direto com a pesquisa médica e a pritica clinica em curso. Percebendo isso, um cicntista biol6gico comentou comigo que as metéforas identificadas neste livro com certeza exis- tem, mas somente em textos publicados ou em matetiais didaticos, que foram minhas fontes princi uusam esse tipo de metéfora para se comunicarem com mais eficicia ‘ou mais vividamente, para, digamos assim, acordar os leicores, Mas que, no mundo teal da pesquisa cientifica, disse ele, nos bancos dos laboratérios de ciéncia, no se emprega linguajar desse tipo; li, ape- nas a puta linguagem da matemitica e da quimica ¢ falada. Verdadeitos ou nio, os comentarios do bidlogo apontam para um campo de pesquisa que precisa ser explorado: como € que linguagem © metéfora atuam em espagos reais de pesquisa, em contraste com 0 contexto inteiramente diferente de um livro escolar ou de uma sala de aula? Para responder a essa pergunta, & necessitio fazer uma observa- io ativa num espago destinado 2 pesquisa cientfica, Por si s6, isto decerto mudaria drasticamente o relacionamento do antropélogo com © cientista, passando de uma posigio de certa forma adversiria em relagio & biologia reprodutiva a algo mais préximo da consideragéo dos limites ¢ circunstincias sob os quais os bidlogos desenvolvern suas ppesquisas. Esta abordagem menos antagénica do conhecimento mé- dico seria esclatecedora em varios aspectos. Uma pesquisa assim pro- vavelmente forneceria uma imagem mais complexa das diferentes ati- vidades que envolvem a cigncia e das diferentes vozes que se poderiam expressar a partir desta posicio privilegiada.* Ble explicou que os cientistas ra alguns ats etnogriicos rect sobre cnca de pesqui, ver Chaleworth Mat, Far Ly. Stokes, Terry e Turnbull, David Lama th wit on andbaplegical stadyaf et sural sen comment. Melbourne © Onfor Oxford Univesity re. 198%; Lato, Beno Woolga, Seve, Labonery Gerth contraction of emifc fs, Pincciom, Js Prneeon University Ps 1986: Trae, Sharon, Beatin aa tines te wand of high nergy py (Cambridge. Mass: Harvard Univesity Pres, 1988 Durante a pesquisa para este livro, estava determinada, entretan- to, a abranger a diversidade das experigncias de mulheres em con- junto com as dimensGes ectrias, raciais ¢ sociais. Minhas entrevistas com os varios sujeitos neste livro representaram uma diversidade separada dos contextos sociais ~ familias, vizinhangas, locais de tra- balho —, nos quais as pessoas geram significados diversos. Os traba- thos de campo em curso, realizados em espacos familiares ou comu- nitérios, irio nos propiciar a compreensio de como as percepsées coletivas sio ctiadas, de como ag6es coletivas podem influir na con dugio € no conteiido das pesquisas cientificas ¢ de como pessoas diferentes no mesmo grupo respondem a questées de satide,” Minha visio aqui das possibilidades de “resisténcia” por parte ddas mutheres as imagens médicas e aos tratamentos de satide que as ‘oprimem ¢ simples... Meu enfoque reside em incidentes espectficos descritos por mulheres em entrevistas, durante os quais elas discor- daram fortemente das priticas ou dos procedimentos médicos, ca- sos de mulheres que arrancaram o bisturi da mao do obstetra, por assim dizer. Além disso, a nogio que tenho do poder exercido sobre as mulheres € bastante descomplicada. Num universo em que os ‘médicos abrem as mulhetes com uma faca e puxam seus bebés para fora ou, apés a menopausa, chamam partes de seu corpo de inutili dades murchas, adquiti uma boa compreensio sobre formas de po- der cruas e bratais, Para ir ainda mais longe no entendimento das estruturas de po- der que afetam as mulheres, podemos agora também olhar em ou- tras dreas. Michel Foucaule nos fer pereeber a freqiléncia com a qual, em nossa época, controlamo-nos a nés mesmos por meio de catego- ras de conhecimento, sem a presenga de qualquer figura de aut dade ou conhecimento especializado. A busca das sutilezas desse tipo de processo auto-regulador nos conduziré para fora da clinica 7 Ver Ginsburg, Faye Rapp Raya, The poli of repdsin, Anal Rew of Anlnpelogy 20 (099: 31143, pra uma ane recente ds plat de reproduo, Ver Bookman, Ann Mergen, Sana, ngs Women and che poi of enpeucment Pipa, Pa: Temple Univers Pros, 198 par ctor de abloscoltvrenvleendo ques desde da mulher ou do consultério médico e para arenas como as de geupos de apoio, nos quais, sem a presenga de qualquer especialista, mulheres ¢ ho- mens se esforcam para interpretar e aplicar novas normas emergentes de fertilidade, infertlidade ou parentalidade. O resultado desse tipo dde trabalho de campo, contudo, pode nos levar a reavaliar a possbili- dade de que as mulheres, ou quaisquer outros grupos, possam resistir 20s modelos médicos como estruturas dle poder ¢, entéo, mudi-los. Em A mulher no corpo, enfatizo como as metiforas de producio informam as descrigdes médicas do compo feminino, A maioria dessas metiforas esti claramente relacionada a formas familiares de produ- ‘io em massa, em que se dé valor a grandes quantidades ¢ & eficiéncia dle larga escala. Nesses termos, @ produgao masculina de esperma é louvada tanto pela quantidade como pela continuidade da produgio, A produgio feminina de dvulos perde porque se compreende que ela acaba quando a mulher nasce e, depois, vitio inevitavelmente o enve- thecimento e a degeneragéo. E perde também porque a ovulagio é ciclica: raros dias de fertilidade si0 interrompidos por semanas de infertitidade, Além disso, as mulheres mosteam um sinal vivido da cada ver que a produgao fracassa nos “restos” ou no fluxo mens:rual Recentemente, mudangas dramaticas na organizagio econbmica da produgio rém acontecido, Entre elas, mercados globalment: sin- tonizadlos, indiistrias reestrucuradas ¢ inovagbes aceleradas de produ- tos. Nesta minha pesquisa, exploro as manciras complexas por meio dlas quais essas mudancas estio relacionadas a mudangas nos medelos cientificos de como corpo funciona, sobretudo em éreas fora da biologia reprodutiva, como a imunologia e a genética. Estes novos ‘modelos implicam ver 0 corpo como um sistema toral, no qual todas as partes estio em interagio mtitua, continua ¢ dinimica; em que nenhuma parte é dominante e todas estéo igualmente envolvidas; em {que a condicao desejaca & um ajuste permanente em resposta a condi- ‘es, tanto externas como internas, que mudam constantemente, Ver Abs-Lughod, Lil, The romaace of rasan: cacing cafrmations of power dough Datouia women, Amerie await (7: 41-55. 1990, pars ama dca dy delat que vale eentva de interpreta esc A medida que levantamos o desenvolvimento dessas imagens, po- demos comesar a ver que 0 corpo feminino se aproxima desse novo ideal emergente de ajuste flexivel as condig6es mutantes.” O corpo feminino, que altera seus estados virias vezes codos os meses passa por ajustes draméticos na gravidez, na ovulagio ou no eérmino da ovulagio, pode vir a se tornar 0 protétipo perfeito de um novo concei- fo modal: 0 corpo de ajuste flexivel e de mudangas constantes. E justo que cu, que jé critiquei textos de biologia devido a falta de visio de seus autores diante da importincia de facores culcurais como raga ¢ género, sujeite minhas préprias percepgées ao mesmo eserutinio, Uma das maiores evidéncias de minha falta de visio foi a maneira como distingui as mulheres entrevistadas por raga: mulhe- res de identidade afro-americana foram classificadas por mim como “negtas” no apéndice, sendo-thes atribuida uma identidade comum em virtude de sua etnicidade, enquanto todas as outras mulheres, livres de qualquer termo étnico, aparecem simplesmente como in- dividuos nos quais a identidade éinica no representa nenhum pa- pel em especial Da mesma forma, nas forografias que inclu, as mulheres que jazem prostradas, com as pernas levantadas nos estribos para o ‘exame ginecolégico, si0 afro-americanas, enquanto as mulheres mostiadas de pé, parindo em uma elinica francesa, sio euro-ame- ricanas. Na verdade, praticamente sodas as ilusteagdes forogtdficas dle mulheres do livro diditico de medicina de onde tirei as foros de exames ginecolégicos (Williams Obstetrics) sia de afro-america- nas. O livro mostra, assim, um forte contraste entre © médico po- deroso ¢ (presume-se) branco que realiza exames e procedimentos € as mulhetes afro-americanas relativamente impotentes, que sio suas pacientes. Ao permitir, porém, que este contraste aparecesse em meu liveo sem comentérios, além de perder uma ocasiio de Sine a maturom dos modelos de stemas, er Ray Aescy. Wiliam, Bert inthe ae of stems Albuquerque. N, Ms: Universi of Ne Maxis Pres, 1991 Sale mal do cope inielog. ver Haraway, Donna, The pais of pcan hate: onions of sll in imme system Ahura iv Samer, ond women New Yoke Role 19, p. 203-3; Matt, aly. The end af he body? Aeris El 19: 120-38, 1992, Cea a on TT) mostrar como as categorias raciais funcionam na cultura médica, inseri minha prépria andlise nessas mesmas categotias.” ‘Apesar de toda a minha determinagao de representar diferencas de rasa e classe nas experiéncias de reprodugio das mulheres, deixei, as veves, de ver essas diferengas em meus préprios dados. Concentrei minha atengio, por exemplo, naquilo que as mulheres tinbam em comum ao paritemn: uma autopercepgao passiva ou uma autopercepgio que tenta resistir 8 passividade. Como resultado, sé fui perceber de- pois que aquilo que identifiquei como resistencia 2 passividade, ou “tomada de controle”, tina implicagdes muito diferentes para mu- Iheres de diferentes situagies étnicas ¢ de classe. Ficou claro para mim agora que as técnicas de controle de respiracio usadas em cursos de preparagio para o parto eram getalmente ensinadas por mulheres bran- cas de classe média e voltadas para a sensibilidade de mulheres nessa mesma situagio. Mulheres pobres ou mulheres de cor, obrigadas a fregiientar essas aulas pelas maternidades que as atendiam, por vezes sentiam que aquilo que thes estavam ensinando era um outro tipo de controle, Esse controle era exercido por mulheres de classe média, que valorizavam a calma ¢ o siléncio; outras mulheres talvez tivessem preferido expressar sua dor por meio de gritos altos. Para muitas mu- Iheres, “perder o controle” durante 0 parto e fazer bastante barulho podem significar uma forma de resisténcia. Uma mulher affo-ameri cana disse que Ihe fora ensinado nas aulas de parto de sua maternida- de que, "se voce tiver de gritar, grite para dentro”. Durante 0 seu parto, contou, em tom de desafio: “Eu estava gritando pra fora.”" Desde publicagio de meu livro, aprendi mais a respeito de como a raga, como categoria social e cultural, influi nas experiéncias "Param cremplo extaordintio de subyesio por pate de wn relator annie de fadicer eis, ver Willams Ober, 16. ef O tac renisivo temo em: “Chauinin, me ‘luminous amounts (Chauviasme, masculine, quandadesvolumers, fp) -t102” Ptchar, Jack Ae MacDosald, Pal C, Willams Ober, 16. e New York: Appleson-Centuy Ceo, 1980, p. 1116, Mari, Emly The ideology of ceproduction: the reproduction of idol, n Ginsbur. Faye « “Ting. Anns on Uncertain ender in american ena. Botton, Mase: Bosco Pres. 1999, p 300-314 al de reprodugio. No campo de estudos feministas atual, precisamos dedicar atengao etnogréfica aos significados culturais da raga, aos significados da cor da pele, aos tragos fenotfpicos € as caracteristicas fisico/morais, como a tolerincia & dor, & medida que essas questoes recebem uma significincia cultural contemporanca.” ‘Muito mais pode ser feito agora para relacionar o tipo de emnografia deste liveo histéria e A cultura dos Estados Unidos mais especifica- mente. Como observou para mim um colega na Inglaterra, “Nao sei se voeé tem consciéncia de como tudo isso é muito americano”.* Nesse {nterim, trabalhos desenvolvides por etnégrafos, como Faye Ginsburg € Aihwa Ong, abrem novas perspectivas."" O estudo de Ong, por exemplo, sobre 0 encontro dos refugiados do Khmer com o discurso :médico nos Estados Unidos coloca nova luz sobre o significado de “ter tum corpo”. Os refugiados véem a aquisigio de um corpo biolégico como uma experiéncia especificamente norte-americana: pata agir como dio, & preciso que a pessoa se torne um habitante desta colsa que chamam de corpo. Nos Estados Unidos, 0 relacionamento das mulheres com seus corpos pode, por- tanto, ser explorado sob a luz. da significancia especial dada a “possuir ‘um corpo” num sentido mais geral. Em resposta aos comentétios de que tenho propenssio a varios tipos de romantismos neste livto, de que me inclino perigosamente & romantizagio da “mée-terra bem norte-americana, que tem parto na- tural’, concorde que minha tendéncia a exaltar os partos sem proce- dimentos médicos me impediu de descrever um papel muito positivo para a tecnologia médica em relago & mulher.” Uma etnografia sub- seqiiente deixou claro que 0 parto como procedimento médico & visto um norte-americano ¢ tornar-se um. ac Gee, fi: Ameri midis medicine and the San vais acount ib and in ragrmaton. Cage, Mae; Harvard Univeiy Pre, 198, € un exangl regio © Boch, Maurice, comuniegso pea. ™Ginburp, Pye, Contested line: he abortion debate in an amerion community. Betksey, Cai Univer of California Pre, 1989; Ong Aiwa, "Facer of He Khmer elages biomedicine, and cally coset czeship, "*hcDonal, Mayon, Review of The womas in the body: a cultural analysis of reproduction, Saco Review 38 (1990) 588.91 com forte simpatia por muitas mulheres que realmente o desejam pelo apoio que representa a poderosa tecnologia por aquilo que encendem como os beneficios da ciéncia moderna." Minha inten. ‘0 original foi a de abrir um espago onde os leitores pudesserr ver “a variedade de maneiras pelas quais as mulheres podem tomar o controle de suas vidas reprodutivas, afirmar seus desejos e, pelo m=nos fs veves, prodaie cesuleadas eficazes. Em A mulher no corpo, o ca- sos mais impressionantes dizem respeito a mulheres que rejeiteram a medicina e suas téenicas. Mas nao se deve dizer que o liveo afirma que mulheres que decidem pela tecnologia médica nfo podem ram- bém exercer sua atuagio e sua autonomia Outros me disseram que tenho tendéncia, neste livro, a ansiar or uma “completude” indefinivel, despedagada por forsas his:éri- ‘25, principalmente pelo capitalismo. Trabalhos recentes de teoria pos-estrucuralista sugerem que qualquer tentativa de postular um modelo ou uma completude tinicos ou um estado de ser desejével é uum erro, Qualquer um desses modelos iria necessariamente excluir 6s outros, que teriam sua experincia violada ou ignorada."” Par exem- plo, a visio de parto celebrada em meu livro nao abrange as expe- rigncias de mulheres que valorizam e desejam um parto cinirgico ou altamente tecnolégico, E minha pesquisa e meu texto, voltados para as mulheres e 0 comeca, a florescimento e o término de sua capaci- dade de “reprodugio", sequer comegam a alcangar a experiéncia de todos. O enfoque na reprodugio pode ser periférico para os ho- ‘mens, para as mulheres que optaram por nao repraduzir, para as mulheres que nfo menstruam, para homens ou mulheres que sio inférteis, para homens e mulheres em relacionamentos lésbicos ou gays que “no tém nenhuma relagio intrinseca com a sexualidade procriadora”, ¢ assim por diante."* Muiras analistas do feminismo que escrevem na atualidade acham que seria melhor abandonar a Rabbi, Bran American vie of page. Berkeley, Cail; Univer of Calfania Pros 1992, " Rae Jih, Gender be: iminiom ad the sberion of deni. New Yorks Roel 1950 * Meas Kat, Fam we ane: abn gy, Kip. New Yok: Colla Univer Pi 91 busca enganadora por uma visto de completude € bem-estar, vol- visoes infinitamente miiltiplas: nada mais estaria 4 alcura das complexidades que envolvem a maneira tando-se, em ver disso, pa pela qual as pessoas.se autodefinem no final do séeulo XX, Mesmo antes de ficar claro como essas divergéncias iro se resolver dentro do feminismo contemporineo, podemos ver um caminho adiante. Podemos avaliar « adequagio de categorias analiticas por sua uutilidade escratégica em mobilizar as pessoas a buscar melhorar Sus circunstincias, sejam quais forem as definigSes de “melhorar” Neste sentido, A mulher no corpo tem como escopo a categoria restrita das “mulheres”, na medida em que essa categoria passow a existir por intermédio de processos histdricos nos Estados Unidos. Estes pro- cessos histéricos vincularam, em grande parte, as “mulheres” a seus corpos € aquilo que évisto culturalmente como processos bioligicos, principalmente menstruagio, parto e menopausa. O destaque per- manente dessas conexées na culnura & 0 que fornece a este livro sua forga em potencial como permissio para que as mulheres se tornem mais conscientes de suas circunstincias, ¢talvez as melhorem, ao entrar em acordo com quaisquer priticas que vivenciem como opressoras. Resta muito trabalho por fazer. Minha prépria pesquisa voltou- se agora da biologia reprodutiva para a imunologia ¢ a plecora de ‘questdes ¢ problemas que emergiram no rastro da epideria da Aids Pescebi que muitas das eécnicas analiticas ¢ abordagens empregadas, neste livro. podem ser prontamente aplicadas a esses outros fenéme~ nos. Os Icitores talver queiram tentar fazér sua pt6pria andlise cul- tural, seja enfocando sua experiéncia pessoal, seja criticando 0 ima- ou, ainda, iniciando um grande projeto de pesquisa.” gindrio na mi Perceber que a emnogeafia pode ter um papel singularmente impor tante no desenvolvimento de nossa compreensio critica dos novos desenvolvimentos da ciéncia ¢ da sociedade no momento em que ont surgi pri de discus com Judith Butler, Sah Bog Krce McClore Achar, Ruth Tite bay she woman, he ory in ee woman book review and personal ss, Michigan Quel Revie 9: 695.738, pro, em report aguas da quests peopos net l, 0, pra um cao de a dpa expertnla de estéo ocorrendo € a0 mesmo tempo algo assustador ¢ emocionante. Comegam a surgir andlises etnogeéficas particularmente reveladoras dos desenvolvimentos mais recentes em fertilizacao in vitro, genética molecular ¢ tecnologia genética." No inicio do século XX, a antro- pologia ganhou um grande impulso nos Estados Unidos gragas & compreensio de as do importante papel que esse campo po- deria desempenhar na critica a0 uso da ciéncia para apoiar pressupos- tos racistas nas teorias da evoluso correntes na época."* No final do século XX, a anttopologia pode representar mais uma vex este papel cerftico ao revelar os pressupostos culturais subjacentes que existem nas visbes cientificas do corpo; ao esclarccer os caminhos complexos por meio dos quais as descobertas cientificas levam a uma nova com- preensio cultural da vida e da individualidade pessoal; e,0 docu- ‘mentar 5 maneiras pelas quais os corpos das mulheres e dos homens esto inevitavelmente enredados nas operagbes de poder. ae ‘oo, Sata, Conte concise oll acount feted production. 199 Tee de dovionde, rivet of Beminghar, Mary Sher, Afr nat: Ens Knhp telemetry, avis: Cambri University Pres, 192; Rano, Pa, Moores Mater lepsean nd slemprion i te modmy, Rapp Rayos, Chomores and commuiation: he dsure of ‘enti couneing, Media Anthropol Quarly2: 3-57, 1988. Yous, Fran, Race, dinguage and clare, New York: ice Pres, 1940 Stocking, Georg, Virion Inalrpoogy. New York: Fee Pres, 1987, p. 292. Os comentras de Pl Rubino incentives a pos en Boas com relies es soca, Nao conheco nenhuma mulher — virgem, mae, lés- ica, casada, celibatdria tire ela sew sustento como dona de casa, garconete de festas ou técnica de tomografia cerebral — para quem o préprio corpo nudo soja um problema fundamental: seus significa ddos encobertos, sua fertlidade, seu deseo, sua asimn chamada figides, seu discurso sangrento, seus si Uencios, suas mudangas e mutilagbes, suas violagoes € maturagées. Existe boje, pela primeira vez, a pos- sibilidade de converter nossa fisicidade ao mesmo tempo em conhecimento ¢ poder ‘Adriene Rich Of woman born (Do nascimento da mulher) 4 Ez) responsdveis. A cultura médica tem um sistema poderoso de social zagio, que exige a conformagdo para que se possa pertencer a ele." E também um sistema cultural cujas idéias e préticas permeiam a cultura popular e no qual, portanto, todos participamos até certo pon- to, Nao existem vilées individuais neste livro. Embora os médicos, como qualquer um, possam cometer ertos, € me contaram sobre eles algumas vezes nas enteevist ilustrar meus pontos: quero chegar aos procedimentos médicas nor ais, corretos ¢ rotineiros e as idéias por tris deles. Investiguei os conceitos médicos em uso, concentrando-me nos textos que formam a base dlo ensino nas faculdades de med e nos compéndios que orientam a clinica médica nos hospitais. Além disso, assisti a aulas para alunos iniciantes ¢ dos anos finais dle me- , deliberadamente nfo usei nenhum para dicina e travei muitas conversas informais com colegas que sto médi- cos ou bidlogos. Meus dados, contudo, esto, num certo sentido, desequilibrados: nfo possuo 0 mesmo tipo de material rico, em en- trevistas, a respeito de médicos, que tenho sobre as mulheres co- muns. Este material seria muito valioso e, na verdade, esta sendo coletaclo por outros pesquisadores. Margaret Lock jf mostrou como ambientes clinicos de tipos diferentes — em especial os progressis- 1as, voltados para as familias ~ podem melhorar a visio inflexivel dos textos de medicina."” Embora nao tenha diividas de que ela esta certa quanto as variagées na clinica médica, procurei me manter no nivel da “gramética” que a medicina cientifica emprega para descre- ver 0 corpo das mulheres ¢ estou segura de que o nivel profundo no qual uma gramética assim é formulada ¢ transmitida significa que seus termos nfo sao facilmente esquecidos ou abandonados. Vere- ‘mos que as conseqiiéncias do léxico médico a respeito do corpo das mulheres aparecem claramente nas estatisticas, como no indice de cesarianas, e vividamente na percepgio das mulheres de como a medicina vé seus corpos ¢ de como elas véem seus préprios corpos Friedon 1970; Sep 19 ack 1982, FRAGMENTACAO E GENERO Una das areas pensamento humane érentar perceber qual pode sera gama de poibilidades mum fisuro que sempre carregaem mas costs firdo do presente edo paso, Bartington Moore, Reflexions on the cause of buona misery (Reflexdes sobre as causas da miséria humana) Quais sio as principais categorias pelas quais nds, nos Estados Uni- dos, pensamos e agimos no mundo? Como os ocupantes de lugares especificos nesse mundo — como as mulheres de diferentes posig6es sociais ¢ ¢condmicas ~ véem essas categorias? Serd que podemos falar de uma visio homoggnea do mundo, ou seri que as coisas parecem muito diferentes se as enxergarmos pelos olhos de uma mulher? De uma mulher de classe média? De uma mulher da classe operaria? Uma mulher negra? Comecemos por considerar como nossas maiores categorias sociais jd foram descritas por historiadores sociais ¢ antropélogos no nivel do todo social, no nivel da “pessoa” € no nivel do “corpo”. Veremos que tum tema dominante nos estudos sobre as representagdes modernas do mundo é que essas divisées constituem fragmentagées ¢ pedagas de algo que um dia foi inteiro, ou que seria melhor se fosse intciro, GE eT) Historiadores sociais que observam a familia nas sociedades oci- dentais identificaram algumas separagies definidas que surgem com especial intensidade no desenvolvimento das sociedades capitalis- tas, mais especificamente na separagdo’ entre o mundo do trabalho 1 mundo da vida familiar, entre a esfera publica, fora de casa, ¢ a esfera privada, dentro de casa.' Nossas vidas acabaram sendo organi- zadas em torno de dois mundos: 0 dominio privado, no qual as mulheres estio mais em evidéncia, ecorrendo fungées “natutais”, como 0 sexo € as fungGes corporais relacionadas com a procriagio, © contetido afetivo dos relacionamentos estando em primeiro lugar; € 0 dominio piiblico, no qual os homens estio mais em evidéncia, produz-se “cultura” (livros, escolas, arte, misica, ciéncia), ganha-se dinheito, o trabalho é realizado c a eficdcia da pessoa em produzit bens ou servigos tem primazia sobre seus sentimentos em relagio a seus colegas de trabalho. Essas separagoes surgiram durante a industrializagio, & medida que “o tamanho das unidades produtivas crescia e a atividade produ- tiva se deslocou dos lares para as oficinas ¢ fibricas. As pessoas traba- thavam, cada vez mais, para receber um salitio”:’ Mas enquanto as_ mulheres da classe operdria foram atrés dos salétios no mercado de_ atraball O culto & vida doméstica exigia que a muther burguesa cultivasse as artes delicadas da feminilidade. As caractertsticas predomi- nantes da feminilidade evam a abstinéncia — tanto a do trabalho como a da sexualidade ~ ¢ a reprodusao, isto é, a produgdo de crianeas. “As fungées da esposa’, dizia um enunciade, “exceto nas clastes mais pobres, sao, ou devem ser, exclusivamente demésticas” Iso significava que ela deveria “dar & lux, ewidar dos afuceres domésticos € ser 0 apoio e a companheira de seu mario’, Sua (Ce ian tp hima que adv ent opin possi de 1 celande goge 2 Das 197 Sel Rainan 978 iy eS 7m 38 importancia social rsidia em sua propria ociesidade. A impro- dutividade era um grande indicador da posigto social ¢ uma mulher que trabathava, wm sinal de desastre social e econémico.! Os dois mundos no sto vistos com eqitidade: 0 sucesso no do- minio piblico é praticamente 0 inico caminho para chegar a altas posigées sociais, a maioria das quais € ocupada por homens; ser pro- dutivo no mundo do trabalho remunerado (exceto em empregos subalternos) conta mais na visio cultural dominante do que qualquer coisa que se faga como “dependente” na esfera doméstica. Como 0 mundo do trabalho esteve historicamente relacionado a um rompi- mento com a naturcza ¢ exigia esforgo para dominar a natureza, as mulheres, as pessoas associadas & esfera “natural” da familia, eram vistas como dominadas.* A separagio dessas duas esferas foi descrita, com freqiiéncia, como trigica, obrigando ambos, homens e mulhe- res, a uma vida que néo é totalmente humana, totalmente plena: os homens estariam melhor se pudessem integrar, em suas vidas pro- fissionais, as preocupacSes humanas do dominio doméstico; ¢ as mulheres estariam melhor se adquirissem poder para se vealizar, em igualdade com os homens, no local de trabalho.” Embora os historiadores chem que essas categorias tenham emer- sido vertiginosamente no século XIX, elas ainda continuam conosco nas concepgées que o cidadéo comum americano faz do mundo hoje. No estudg clissico de David Schneider sobte as relagoes de paren- tesco nos Estados Unidos, realizado na década de 1960, as categorias plas quais as pessoas explicavam sua vida social eram exatamente as mesmas que foram postas em evidéncia com o desenvolvimento do capitalismo um século atrds: O contraste entre lar e trabalho levanta aspectos que completam 0 retrato das caractertticas distintas das relagdes de parentesco na cultura norte-americana, Iso pode ser compreendido melhor em ee Dep 1983: 321-22, termos do contraste entre amor e dinheiro, que representam o lay e 0 trabalho. Realmente, aguilo que a pessoa fae em casa, segundo se diz, ¢ feito por amor, ndo por dinbeiro, ao paso que 0 que fiz no srabalbo & feito estrtamente por dinero, nko por amor. O dinbeiro & material, ¢ poder, é impesoal e universal, acima de considena- ses sentimentais e morait. As relagdes entre trabatho e dinheiro sto tempordrias, efémeras, condicionais. O amor, por outro tads, & altamente pessoal, particular e cercado de consideracbes de ordem sentimental e moral. Onde o amor é expirivual, odinbeiro éeftraero -condicional. B, finalmente, sto as consideragies de orem peal 1 sto supremas mo amor ~ quem € a pessoa, e no qual & seu ae enguanto com 0 trabalho e 0 dinheiro, nao importa quem ela seja, mas apenas como derempenha suas tare.” ‘Todos esses argumentos da histéria e da antropologia pressupdem 4 existéncia do individuo, daf@say uma de nossis principais catego- rias culeurais. As pessoas s4o Gifipostas por corpo € mente ialguns acrescentariam alma) e sfo “mOnadas relacionais”, que esto isoladas umas das outras, mas tm, necessariamente, relacionamentas com os outros: Jé que é possivel, segundo nossa maneira de pensar, que al {puns seres humanos nfo sejam pessoas totalmente completas jf que esse estado parece ser derivado da condigao de ser daminado, é muito rovavel que as mulheres sejam vistas como pessoas que nao sa com- ia E altamente sugestivo que, & medida que as leis, nos Estados Unidos, passam a funcionar cada vez mais como principal érbitro has relagoes entre as pessoas, seja sempre negado as mulheres um tratamento igual ao dos homens. Isso pode estar relacionado \ nossa nnogio de que as mulheres esto intrinseca e intimamente envolvidas com a familia, em que tantas flanges “naturais” € “corporais" (e, por- tanto, inferiores) ocorrem, enquanto os homens estio intrinseca e in- ‘imamente envolvidos com 0 mundo do trabalho, onde (pelo menos Gace 68 1. mt an 973 8 Osos 1986 17 tab Seder 1982 para alguns) fangées “culturas” e “mentais” e, portanto, superiores) ocorrem, Nao & nenhum acidente que fatos “natura = asm Uheres, na forma de alegagoes sobre a biologia, sejam usados com fre- ‘éncia para justficar uma estratificagéo social baseada no género. A outra maneira fundamental pela qual seres humanos adulcos podem ser considerados como sendo menos que pessoas baseia-se nd\ragi) uma categoria social disfarcada como natural. Embora ne- hum estudo antropolgico completa tenha sido feito sobre como a aga, como categoria social, funciona em nossa sociedade (uma omis- so notivel, que necesita profundamente ser remediada), parece evidente que ela nio pode funcionar da mesma forma que as alega- es sobre genero, de forma que as mulheres negras sio simples- mente duas vezes mais oprimidas que as mulheres brancas." J& fo- ram feitas alegagdes sobre a inteligencia inferior dos negros e outras minorias, da mesma forma que sobre as mulheres, Mas aqueles que fazem esse tipo de afimagio (geralmente homens brancos) podem se separar dos grupos dle minorias de tal forma como nunca poderio sonhar em se separar das mulheres, Além de ter, em sua maioria, uma mulher em casa cuidando dos filhos, todos eles acreditam se- guramente que suas ctiangas sejam geneticamente ligadas — conectadas por elementos biolégicos compartilhados ~ nao s6 a eles préprias, mas a suas mulheres também. Defeitos nas mulheres po- clem parecer ter mais implicag6es para suas préprias familias do que efeitos efx outras categorias sociais no ceriam. © que acontece ao acompanharmos a pessoa quando ela sai de casa para o trabalho? Segundo Marx, como foi sintetizado por Cllman, os seres humanos no trabalho, em nosso tipo de socied tam alienagdo e separagao das partes de algo que d Um vinenlo esencial foi cortado ao meio. Fala-se do bomem como se fose separado de seu trabatho (ele no tem nenbuma participasao na decisto do que fixer ou como fizé-lo) — uma Urea 1972. Ver Baan € Maynard 1984 pars uma andise tries de aio ¢ seo, € Giles 1985 para cn anise hs ruptura entre 0 individuo ¢ sua atividade vital. Dizem que 0 homem esté separado de sua propria produgao (ele ndo tem nenhum controle sobre 0 que fitz. ou 0 que serd feito daguilo depois) — wma ruptura entre 0 indivlduo ¢ 0 mundo material. Também se die que eleextéseparado de seu préximo (a competiga0 a hostilidade entre clases tornaram imposstvel a maioria das formas de cooperagdo) ~ uma ruptura entre 0 homem ¢ 0 homem (oo) Q.todo foi partido em odrias partes exja iter vlagio coma odo jd ndo pode ser seja a parte em que esid sendo examinado 0 homem, sua atividade, sua produgio ou suas idéias. A mesma alienagdo e a mesma distorgéo estio evidentes em cada uma delas.” Essas idéias seminais tém levado muitas pessoas a se concentrar em descobrir quais sio as diferentes formas que a alienagao adquice, como ela pode ser detectada e como varia em experiéncias de trabalho de tipos diferentes." Além disso, muitos tém tentado compreender como a alienagio pode ser reduzida. Marx, por exemplo, pensava que essas formas de alienagio e distorgio eram menos procminentes cem estégios anteriores da evolugio social e que poderiam ser elimi- nadas em uma sociedade Futura ¢ ideal." Considera-se, em geral, ‘que a sepatagéo das partes do individuo (ou do individuo da socie- dade) seja debilicance € ruim e a integralidade do individuo, regenetadora e boa. Porém, como Sennet ¢ Cobb mostraram, as se- paragées podem, algumas vezes, ser adaptativas em cendtios espect- ficos. Os operdrios entrevistados por eles adquiriram certa protesio « teangilidade a parti do estabelecimento de separasées dentro de sis quando ci as externas negam & pessoa sua dignidade, deixar apenas uma porgio de si mesmo exposta para ser degradada ¢ uma forma de autopreservagio. “Dividir 0 eu protege uma pessoa da dor que de outra forma sentitia, caso tivesse de submeter 0 todo © Otman 1976: 133-35, 1 Aronomie 1873; Bauer 1964 Braverman 1974: Finer 1972; rae 1971; Semin 1975: Shepard 7 1977 M Olan 1976: 131-32. de si mesmo diante de uma sociedade que transforma sua condigio em algo vulnerével e carregado de angistia."” Aida que 0s estudos mais empfticas realizados sobre alienagio en- volvessem trabalhadores do sexo masculino, algumas te6ricas femini tas tentaram deixar bem claro como o trabalho alienado. Processos semelhantes aqueles que ocortem nos lo batho afetam a mulher em seu papel de mie: 0 forca nicade ou impedidas de se clas que estio decidindo quantos por circunstincias que estio fora de seu controle. Quando estio, de fato, gerando filhos, “sto vistas menos como individuos e mais como a ‘matériaprimal da qual é extraldo o ‘produto’. Nessa circunstincias, 0 médico, endo a mie, passa a ser considerado aquele que produziu 0 bebe". Depois que o bebé nasce, o proceso de criagio do filho é afeta- do de maneiras similares: “A erianca € um produto que tem de ser produzido de acordo com especificagses precisas (...] as mies sio igno- rantes sobre como criar os filhos e precisam ser instrufdas por especia- lista. Esses especialistas, é claro, sio homens em stia maioria.”” Assim como no caso do operitio no capitalismo, as mulheres sio separadas das outras pessoas 8 sua volta: ficam isoladas das outras mies, pelo menos na classe média, com a existéncia das fam insulares. Ficam isoladas de seus bebés: “Ela vé seu filho como um pr s mas que, muitas veves, pele contririo, fica contra ela, como algo de supremo valor, que € considerado barato pela sociedade. As relagées sociais da maternida- de contemporinea nao a deixam ver o filho como um ser inteiro, parte de uma comunidade maior & qual pertencem tanto @ mie como a crianga.” E fieam isoladas dos pais de suas criangas: "Em vex de seremn companheitos de trabalho das maes, os pais funcionam muitas vezes como agentes que impéem os padres da sociedade maior." fornarem mies, no so futo, como algo que deveria melhorar sua Senet © Cab 1972: 208, Jago 1983: 310, Jonge 1983: 311,312 Jogger 1983: 315, (Gama egies oR) Descendo um nivel, da pessoa para as relagées entre as partes da pessoa, encontramos também muitas descrighes de fragmentagio ¢_ _perda do todo. Uma dessas descrigoes a nogéo de Marx de aliena- sao provocada pela separagio do trabalhador de seu trabalho. O trabalho alienado impede que o trabalho seja como deveria ser pre- ferencialmente: a atividade imordial, que envolve uma uunidade de propésito € planejamento em diregao a um fim signifi- cativo para o trabalhador." Além disso, muitos elementos da cigncia mé sido considerados responsiveis, em parte, pela fragmentagio da uni- dade da pessoa. Quando a ciéneia trata a pessoa como méquina e pressupée que o corpo pode ser consertado por meio de manipula {g6es mecinicas, ela ignora, ¢ nos incentiva a ignorar, outros aspectos do nosso eu, como nossas emogies € nossas relagdes com a5 outtas pessoas." Desenvolvimentos tecnolégicos recentes permitiram que essa rendéncia progredisse bastante. Partes de nossos corpos podem agora ser passadas de uma pessoa para outra; pode-se até conceber sua compra ¢ venda.** © corpo como maquina sem mente ou alma fornou-se quase que familiar, mas 0 corpo sem a integridade de até mesmo suas partes ird necessariamente nos levar a muitos reajustes ia_ médica moderna tém em nossa concepgio do eu, ¢ a forma que emergira nfo esté nem um pouco clara. Pergunta-se freqiientemente a pacientes de transplan: tes — em especial Aqueles que receberam um novo coragio, érgio carregado de significados simbélicos como a morada mais intima do eu emocional — como é a experiéncia. “E uma idéia estranha de entender”, reflete [um paciente de transplante], “que meu coragio tenha sido retirado € 0 de outra pessoa posto no lugar. Mas nunca tive nenhum problema com a idéia, Sé faz alguns meses, mas me acostumei tanto com o fato de que fiz um cransplante de coragio que isso. no me intimida, 1 Venable 1945.50 2 Frank (981, 2 House of Represenatves(CAmara dos Deptados americans) 1983 2 Hendeson 1985 E, por outro ido, © que dizer sobre pessoas que sio declaradas mortas, mas cujas partes do corpo so transplantadas para dentro de luma pessoa viva? Uma mie “encontra alguma consolagio ao saber que 0s 6rgfos [do filho] esto dando vida a uma outra pessoa. Um de seus rins foi para uma jovem de 16 anos em Washington, 0 outro para um homem recém-casado de 28 anos, em Maryland: uma cérnea, para uma mulher de 34 anos em Baltimore. A familia Black ficou sabendo desses poucos detalhes sobre os receptores dos drgios de seu filho no dia do enterro. ‘Saber ajudow’, diz a sra. Black, realmente ajudou. Devido aos cransplantes, sinto como se Glenn continuasse, de alguma forma, a andar por a, em algum lugar” Processos similares, € claro, afeam toda o curso da reprodusio. ‘Ovulos humanos, esperma ¢ embrides podem agora ser passados de um corpo para outro ou tirados e recolocados no mesmo corpo feminino. A unidade orginica do féto com a mie no pode mais ser presumida, ¢ ‘odas essas partes recém-fragmentadas podem agora estar su zs cas do mercado, encomendadas, produzidas, compradas e vendidas.” Foucault inicia seu livro Vigiar e punir com uma descrigao fascinan- te de um esperéculo paiblico de tortura e esquartejamento do século XVIIL Ele observa que o declinio de espetéculos desse tipo “marca um enfraquecimento do controle do corpo”. Na sociedade contempori- nea, se & necessério que a lei manipule o corpo de um condenado, obrigue-o a trabalhar ou aprisione-o, “é com 0 objetivo de privar 0 individuerde uma liberdade que é vista 20 mesmo tempo como ‘um direito e uma propriedade [..] A dor fisica, a dor do préprio corpo, ‘Go é mais um elemento constituinte da pena’.” Sem divida, Foucault esté certo quando aponta o papel diferente da dor fisica nessas duas épocas, como pode ser caracterizado pelo fato de usarmos medicamen- tos para aliviar a dor ou a ansiedade durante uma execugio. Mas 0. esquartejamento conti em. ntrole do corpo” fo enfraqueceu tanto assim, uma vez que passou da lei para a ciéncia. 2 Henderson > Cones 1985 > Foucale 1979: 10,1 ‘As mulheres, segundo cem-se discutido, softem uma alienagao das partes de Em primeiro lugar, tornar-se um ser sexualmente feminino envolve uma fragmentagio interior do ser. Uma mulher deve tornat-se ape- nas um corpo fisico para ser sexual: Uma muther verdadciramente ‘feminina’, portanto, foi convencida por uma variedade de agentes culturais a ser um corpo ‘do apenas para 0 outro, mas também para si mesma. Mas, quando iso ocorre, ela pode muito bem vir a experimentar 0 que de fato é wm tabu no desenvolvimento de suas outras aptidaes Iumanas. Em nossa sociedade, por exemplo, o cultivo do intelecto torna wma mulher menos atraente, ¢ nao 0 contrdrio.* Além disso, o corpo no qual ela se transformou é, ele mesmo, um objeto para ela: Ao perceber que ela estard sujeita ao frio julgamento do connaisseur matculino ¢ que suas penpectioas de vida talvez dependam de como ela for vise, wma mulher aprende a se julgar primeiro, A objeifcacto secual da mulher produ na consciéncia feminina [..] O que ocorre no é apenas a di da pessoa em corpo e mente, mas uma divisdo do eu em um mimero de personae, algumas das quais observam e outras sdo observadas.”” Por fim, as mulheres nao so apenas fragmentadas em partes de seu corpo pelas priticas da medicina cientifica, como os homens 0 sao; elas so, também, profundamente alienadas da propria ciéncia, Estio menos envolvidas na produgio de ciéncia como forma de ati- vidade cultural devido a “uma rede de interagdes entre desenvolvi- mento do género, um sistema de crengas que equipara objetividade @ masculinidade ¢ um conjunto de valores culturais que exaltam simultinea e conjuntamente aquilo que é definido como cientifico e hy 1 138, P Banky 1982: 134,136 aquilo que € definido como masculino”." Além disso, 9 contesido da_ciéncia apresenta “um modelo de viés masculino da_natureza na ¢ da realidade social”. Vernos que os atributos da ciéncia sto 0s atributos dos homens; a abjetividade, que se diz. ser caracteristica da produsio de conhecimento cientifico, estd identificada especificamente com a ‘maneira masculina de se relacionar com 0 mundo. A ciéncia é ‘frid, dura, impessoal, objetiva; as mulheres, pelo contrdrio, so cafetuosas, suaves, emotivas, “subjetivas”.” Esta descrigao da consciéncia moderna, com suas fragmentagies e alicnagdes, bascia-se em uma série de fontes: testemunhos colhi- dos de trabalhadores ¢ cidadaos comuns; andlises filosdficas sobre a natureza da vida e do trabalho humanos; e a introspecgao pessoal ¢ as discusses em grupo de tedricos interessados. Neste livro, minha tarefa é confrontar as alegagdes sobre as nossas representagées cultu- tais que acabei de descrever com os dados empiticos dagarei como as mulheres em diferentes posigdes sociais ¢ econd cas vem a si mesmas ¢ como véem a sociedade, Vou perguntar, em especial, que imagem da realidade elas bem quando thes pedido que. a _suas familias, esposos (quando elas parecem tender muito a simplesmente reproduzir uma versio da ideologia cultural dominante), mas 4 delas mes- a ap dos por, mulheres, os quais, talvez por essa razio, so raramente falados yenstruagao, parto € AS respostas mostrar-se-do complexas, mas 0 roteiro de pergun- tas é simples. A descrigio da consciéncia moderna leva & conclusio de que a vida das mulheres “degradada, frag: tentada € empobrecida. Pelo menos esta é uma | portintermédio dos e rura das coisas. 2 Kaley 1985: 89 Joga 1983: 316 Pee 198: 38 qoute orinnted.or, i é fem em relagio as suas ‘A questéo imperativa & como as mulheres reag . Greununcae les descrevem soa exists os termos dos pela ciéncia médica ¢ pela sociedade dominante? Em caso afirmativo, seré que acham que esses termos s40 satisfatérios ¢ inquestiondveis a permeagio de toda a sociedade civil [..} por um sistema completo de valores, atitudes, crengas, moralidade etc., que, de uma maneira on de outra, sustenta a ordem estabelecida e os interesses de classe que a dominam [...} a tal ponto que esxa ou que sfo fatos da vida lamentaveis, mas impossiveis de ser muda- consciéncia predominante soja internalizada pelas massas em dos? Ou acham-nos ultrajantes ¢ intolerdveis? Existe alguma coisa que se aproxime de uma visio alternativa da mulher para com a existéncia moderna, de uma ideologia da mulher, on serd que exis- tem muitas vis6es alcernativas, refragbes dos muitos lugares diferen- tes da mulher na orclem social? Ou serdo as percepgées das mulhe- geral, tornando-se parte do. “senso comum” {..] Para que a K Inegemonia possa se afirmar com suceso em qualquer sociedade, portanto, ela precisa funcionar de uma forma dualistica: como wma “concepedo geral da vida" para as massas e como um “programa académico”® res simplesmente reflexos da visio culeural dominante, mesmo sendo esta uma visio talver degradante das experiéncias das mulyeres? Meu intenco foi o de basear esta andlise em dacs que refletissem Minha tarefa na Parte Dois ser a de importunat a “concepgio geral da vida” que ests compreendida nas idéias cientificas dominan- tes sobre 0s corpos das mulheres. Minha tarefa na Parte Tiés & ver, A medida que as mulheres Falam a respeito dos principais eventos fisicos que experimentam, da menstmagio i menopausa, se elas esto cien- tes da existéncia, nesta sotiedade, dessas idéias cientificas ¢ de outras a cxperiéncia das mulheres num largo espectro de posigbes socioecondmicas da sociedade americana e em dados capazes de transmitit a5 ricas inflexdes com as quais as pessoas fieqilentemente investem suas vidas de significado. Se as mulheres constitem um desses grupos “emudecidos’," sujeitos a um grau relativamente gran- de de opressio, de tal intensidade que nem sempre saiban que a opressio existe, fagam objegio a ela ou oponham-lhe resisténcia, gs. endo precisamos ter meios extremamente sensiveis para buscar evi- déncias da consciéncia das mulheres de sua situagio ¢ também uma grande variedade de formas de objesio ou resisténcia. ias sobre géneto ¢, caso estejam, se as aceitam ou se resistem a elas. Seremos capazes de notar em que sentido © a que p ia s rornou 0 senso comum da mulher. Na Parte Quatro, lido com a rela- ‘gi0 entre posigao social ¢ consciéncia, investigando se as mulheres sentem-se mais ou. menos perplexas a respeito da natureza de sua opressio nos niveis mais baixos da hierarquia de classe e raga, Tam- hém abordo a questo pertinente da existéncia de uma consciéncia, alternativa nas mulheres baseada em suas diferentes experiéncias de vida. A alegagio de que uma consciéncia assim existe jd foi feita em termos teéricos, mas este estudo nos permite observar, pela primeira vez, se uma consciéncia alrernativa esti de fito presente na mancira

Barbara Ratbman 1982 54,45 Ver tambon Osherton e AmtsSinghar 19815 Manning Fabegt 197%: 283; 301; Berliner 1982. 4 Were « Wer 1977: 40 ver também Donninon 1977: 42-8, 7 Sobve etn queso, vex Rothehil 1981 fabrica, ou até o dono. Se o médico for o supervisor, a mulher pode- ria ser uma “trabalhadora’, cuja “maquina” (o titero) produz 0 “pro- duto”, bebés. Para ver quais sio os elementos da metéfora, é necessa- rio examinar de perto a organizagio da producio fabril em nossa sociedade para, entéo, melhor compreender se seria possivel dizer “que os ptocessos que ocorrem If acontecem também na esfera da reprodusao.t Ampliar 0 escopo da investigagao sobre metéforas a partir do nivel limitado ~ mecinico come médico, méquina como paciente ~ também nos permite considerar se relagSes semelhantes de poder ¢ controle ocorrem nos dois mbitos da “produgao”. David Noble, em um livro recente sobre tecnologia e parto, dis- ‘eure como nossa sociedade olha para a tecnologia como se ela fosse uma forsa independente que se desenvolve de acordo com um pro- ‘cess0 auténomo de evolugao e sobre a qual nao nos resta nada a fazer exceto nos adaptar: Nessa cultura objetifica a teenologia ¢ a coloca & parte e acima dos cassuntos huamanos. Aqui, a tecnologia pasion a ser vista como um process axtinomo, tendo uma vida propria gue progride automé- ica € quase que naturalmente, por um caminbo singular. A teenologia, que supostamente se autodefine e & independente do poder e do propésito socats, parece ser uma forga externa impingida 4 sociedade, por assim dizer, de fora, que determina acontecimentos em relago aos quatis as pesoas precisam sempre se ajustar” ” Nosso enfoque na tecnologia e em suas necessidades e exigéncias que esto sempre mudando distrai nossa atengio das relagées soc de poder ¢ dominagio que esto presentes sempre que os seres hu- méquinas para produzir bens em nossa sociedade Podemos nos projetar para longe de nossa tendéncia em aceitar a tecnologia como cla é oferecida se mudarmos a natureza de seu uso. Noble sugere o exemplo imagindrio de um engenheito que projetou tum novo sistema técnico que necessitava, para funcionar bem, de * O'Bvien 1981 0 ofeece um argument tice hinted come a eprom sido nega Ne 1984: bastante controle sobre 0 comportamento dos outros engenheiros do seu laboratério. Um projeto assim, comenta Noble, poderia muito bem ser rejeitado por ser considerado ridiculo, nao impot- tando os méritos de seus componentes. Mas se 0 mesmo engenbeiro criasse 0 mesmo sistema para um industrial ou para a Forga Adrea e exigixe, para que o fan- cionamento fosse satisfitério, controle sobre o:comportamento dos operdrios on dos soldados (ou até mesmo dos engenbeiros que 0 insalariam), 0 projeo talves fose considerado vidvel, aid mesmo engenboso. A diferenca entre as duas situagées estd no poder de coagao que tém o industrial e as forgas armadas robre trabathado- res e sollados (¢ engenbeiros) ¢ na falta de poder de coxdo que tem 0 engeneiro sobre seus companheiros.® Quando se imagina a tecnologia sendo usada para controlar aqueles que geralmente a usam para controlar os outros, 9 poder das relag6es é colocado em foco. As mulheres envolvidas em organiza- {g6es ativistas que trabalham com o parto, sobretudo aquelas que Passaram por cesarianas, véem claramente as relagbes ce poder na tecnologia do parto. Observem este exemplo, que é de certa forma, semelhante 20 caso do engenheiro de Noble: Se dissessem ao seu marido que ele teria de ter uma eregio ¢ gjacular dentro de um perlodo de tempo especifico, caso contririo seria castrado, voe® acha que seria fil? Para tornar a evisa mais facil, salves enfiassem sora intravenoso em seu braco, obvigasiem- no a ficar em uma determinada posigdo, colocassems esparadrapos em volta do seu penis e mandassem-no ficar imével; ee poderia ser examinado a cada dois minutos; 0 lengol seria levantado para verificar se ocorrent algum ‘progresio”! Isto nos soa rideulo, mas, como veremos, parece-nos adequado quando uma mulher € colocada numa posigio estrutura mente and loga durante seu trabalho de parto bs cman cmdsonde * Neble 1904 4 xduro ducer 1 Cohen Fave a3 73, NG FavPunfaruto Minha primeira tarefa neste capitulo é mostrar como a literatuea obstéttica trata o “trabalho” de parto. Mencionei brevemente no capitulo T que, uma ver que 0 titero ¢ tido como misculo invo- luntétio, considera-se que ele, ¢ no a mulher, faga a maior parte do trabalho de parto. Aquilo que é realizado pelo sitero é expresso em rermos que setiam familiares para qualquer estudioso das anilises de tempo © movimento usedas na indistia para avaliat © controlar os movimentos dos trabathadores: “Parto € trabalho; trabalho, meca- nicamente, As forgas envolvidas no parto sio aquelas do titero © do abdémen, que agem para expelir o feto © que precisam vencet a resisténcia oferecida pelo colo do titero a dilatagio ¢ a fricgéo criada pelo canal de nascimenco durinte a passagem da parte que se apresenta.”” Observe que o tipo de “trabalho” presumido é o trabalho mecinico, como definido na fisica, uma concepgio limitada de uma forca tra- halhando contra uma resisténcia. E 0 mesmo tipo de subdivisio, empregada aqui num processo que na verdade & complexo ¢ inter relacionado, que se faz,.por exemplo, quando os estudos sobre tem- po e movimento subdivide trabalhos como 0 de aparafusar em pprocessos mecinicos simples. No caso desses estudas, 0 objetivo & claramente, controlar os movimentos exatos do trabalhador para consiste na geragio de movimento contea a resisténcia. aumentar a produgio." A linguagem aplicada as contragées do par: to traz suspeitas de que 0 médico teria o mesmo objetivo em mente. Os titeros produzem “contragées eficientes ow ineficientes”;" o tra- balho de parto ¢ julgado bom ow fraco segundo o “progresso alcan- sado em perfodos especificos de tempo”. Nas representagées bem conhecidas do obstetra Emanuel Friedman das curvas médias de dilatagio, o tempo que o colo do sitero da mulher leva para abrir de 4.cm para 8 cm é descrito como uma “boa medida da eficiéncia geral dda mdquina’. A “maquina” 3 qual se refere, prestume-se, € 0 ttero Picard era 1985: 311 Deal Foley 1983: 5 * Nisan 1981. 207 "pd Price a 1985: 314 Ley SIRT Jo EIST Vamos examinar mais de perto como o titero é mantido em “pro- _gresso", num certo “andamento”,” sem que se permita que ele pare fe recomece segundo seu ritmo natural." O trabalho de parto de uma mulher, como o trabalho fabril, é subdivide em muitos estégios e subestégios. © primeiro estigio inclui a fase latente (lento desapa- recimento e dilatagio do colo do titero para 3 ou 4 em) ea fase ativa (uma dilatagio mais répida, de 3 ou 4 em pata 10 cm). A fase ativa é ainda subdividida em fase de aceleragio, fase de queda méxima e fase de desaceleragao. O segundo estigio inclui a descida do bebé pelo canal de nascimento e seu nascimento; € 0 terceiro estigio in- lui o desprendimento e a expulsio da placenta.” Cada estigio e subestigio € marcado por um Indice de progressio baseado em um estudo estatistico do indice caracteristico de 95 por cento dos partos analisados. O primeiro estigio, a fase latente, deve progredir a 0,6 cm/h; a sublase de accleragio da fase ativa deve pro- gredir a 0,6 em/b; a subfase de queda maxima da fase ativa deve progredir a 1,2 cm/h ou mais, se for o primeiro parto, ¢ a 1,5 cm/h em partos posteriores. O segundo estigio deve progredir a 1 em/h ea 4 2 cmbh pata, respectivamente, o primeito ¢ o segundo partos.” Des- vios desses indices podem produzir uma variedade'de “diswirbios’ tum indice muito lento leva a uma fase latente, fase ativa ou fase de desaceleragio “protelada” ou “prolongada’; a interrupgio da dilatagio por periodos de tempo especficos leva a vitios tipos de “suspensbes”." ‘Manu: distirbios raios X ou ultra-sonografia para determinar se hi presenga de obstru- io; fSrceps ou cesariana.” © diagrama de Friedman em um manual | mostra graficamente como sio muitos os trajetos desde a suspensio ¢ —— 4.0 prolongamento ao corte cesariano € como sio poucos aqueles que podem levar a0 parto vaginal.® (Ver figura 14) © O'Dea «Foley 1983 314 1 Rothman 1982: 26, 1 Else Beckmann 1983: 224-28, 2 Friednan 1982; 166; Elise Beckmann 198} 502-3: My e Kaminecky 1981: 819. 2 lise Beckman 1983: 501 2 Eli Belay 1983: 5016 2 Fviedanan 19825173, de obsteteicia listam as formas adequadas de lidar com esses administragao de medicagio (para sedar ou estimular), | Fig }4-EASEATIVA DA DILATAGAO volo ds fie lente ‘Avalato ertado enecionsl Conger progresivas | 4 Moniora FHR | Diao progessiva Sitagto de doe cestieo ‘Apresenagiee posto do fxo @ Dietetic Dk ca oe ir A ©} Soa] [ee] Pea hm ESS, | polled] — aI Otero pn oma Niwa 1H: 184, 2 Hate 1972: 13: Newton 1964: 1056-1102 2 Pitch tal 1985 63, 2 Pichd et l 1985: 643, pif no gina > Qader complens eso eras quand se decide se dso ou aban) valuntto involio” expen auadamente a vaieade eo emda da aes hamanas, No vou aborar ‘as ques aguas para uma dict leant, rer Anscombe 1363; 89-90 " Emi nenhum lugar & sugerido que 0 estado ~~ ton ETT \edidas sugeridas pelos compéndios de obstetticia manipulagdes externas do corpo da mulher: romper 0 saco amniético, uma aplicasio cesariana, que torna outras contragées desnecessétias."* Tendo em vista a nogo de que as contragées uterinas sio involuntérias de que no sio acompanhadas de contragGes abdo- minais no primeiro estégio, a prépria mulher praticamente nao tem papel algum nesse momento. Embora possa parecer contraditério, a mulher & freqiientemente avaliada durante 0 primeiro estigio do trabalho de parto como se fosse ela quem estivesse atuando — di- fc ocitocina, que age quimicamente no ttero, ou zem-lhe se esté indo bem ou nao tao bem quanto seria necessério, se vai conseguir ou se no vai conseguir de forma alguma, além dea advertirem sobre tempo que falta para concluir cada parte do pri- meiro estigio e se ela estd progredindo bem ou mal. As estraté de gerenciamento cientifico so consideradas adequadas porque se_ considera que a mulher realmente um sujeito a ser conttolado. Se fosse apenas uma maquina que estivesse ali, as pessoas simplesmen- te iriam ligi-la, conserté-la se estivesse quebrada, ¢ néo subdividir seus movimentos e pressioné-la a manter um certo ritmo de produ- io. Em indiistrias de processo continuo, nas quais as méquinas realizam automaticamente a maior parte do trabalho, o gerenciamento cientifico deixou de ser necesstio e 0 controle sobre os poucos trabalhadores que restaram é bastante brando.” Contradigoes também aparecem nas descrigses do segundo esti- gic do trabalho de parto, Embora se considere que, nesse momento, a mulher “empurte” com seus miisculos abdominais, juntamence ‘com 0 titero que se ests contraindo, as vezes torna-se dificil sequer ——“#edetectar a presenga de uma pessoa na complexa terminologia médi- 2. Na 17! edigio do Williams Obstetrics (1985), 0 segundo estégio do trabalho de parto é descrito assim: “Apés a completa dilatagao do colo do titeto, a principal forga de expulsio do feto € aquela Benson 1982: 905-7: Ninwander 1981: 2075 Picard etl 1985: 644 2 Blauner 1964 147-56 produzida pela crescente presséo intra-abdominal criada pela contr «40 dos misculos abdominais simultaneamente com os esforgos res- piratérios forsados com a glote fechada. Isso costuma ser chamado de ‘empurrar’.”* Apesar da natureza altamente abstrata dessa des- crigio, fica evidente no exemplo de mulheres paraplégicas que é a mulher quem “empurra”. Com as mulheres paraplégicas, que néo sentem o fmpeto de empurrar, diz-se que a expulséo do recém-nas- cido & raramente posstvel, a menos que 0 obstetta perceba o inicio de uma contracio, sentindo o dtero da mulher, e entio a instrua para fazet pressio para baixo com os mmisculos abdominais. No se- gundo estigio, uma mulher que sente o fmpeco de emputtar € pres- sionada a empurrar com mais forga e the dizem que ela escé se apro- ximando do final do tempo destinado ao segundo estagio. (Por outro Jado, talver the digam para no empurrac) Aqui, ela é vista clara- mente como a “trabalhadora’® do parto. ‘Uma mulher expressou assim a confuso que sentiu diante das instrugdes contraditérias recebidas: E entdéo chegou aguela parte horrtvel, quando eles me diziam para iio empurrar e ew ndo conseguia {parar de empurrar]. Nio dé ‘para evivar. Uma bora eles dizem que o titero € um miisculo involuntério e no minuto seguinte dizem para vocé ndo empurrar. Exc no se se a pessoa empurra com 0 titero: néo acho que empurre.* Em sama, 0 imagindrio médico justapée duas imagens: 0 stero como maquina que produz o bebé ¢ a mulher como trabalhadora que produz o bebé. Em alguns momentos, as duas talver. se juntem, de maneira consistente, como a muther-trabalhadora cujo titero maquina produz o bebé. ~ Que papel é atribuido ao médico? Acho que esté claro que ele € visto predominantemente como supervisor ou capataz. do processo do parto. Primeito, uma expresso quase universal para o papel do Pied ea. 1985: 31 Iden 1985: 338 "Oakley 1984 204.5 médico é de que ele “conduz” 0 parto. Condigbes especiais deman- dam uma “condugao ativa’;" cesarianas anteriores ou tras com- plicagbes requerem uma “conducio vigilante”, no caso de se per- mitir um parto vaginal. Segundo, cabe aos médicos, evidentemente, decidir quando 0 “ritmo” do trabalho é insuficiente e quando deve ser acelerado por meio de drogas ou instrumentos mecaricos. Kieran O'Driscoll, obstetra islandés e forte defensor da “condugie ariva’, instituiu um rigido esquema para o controle do parto no National Maternity Hospital, em Dublin, Como sintetiza Ann Oakley, A natureca fundamental da condugdo ativa é de que nenbum parto pode durar mais de 12 horas, (Os gréficos empregados para registrar dados sobre partos e nascimentos no National Maternity Hospital ndo admitem 0 registro de periados de mais de 12 horas.) ‘Nas primiparas [mes de primeira vez), a conducao asiva do parto corre da seguinte forma: a ruptura artificial das mersbranas é realizada uma hora apds o diagnéstico inicial de trabathe de parto, “a ndo ser que a dilasacao do colo do sitero esteja ocorrendo em ritmo satisfatério" Uma hora depois disso, a néo ser que a dilatagao do colo do vtero tenha se acelerado, coma a ser administrada ocitocina por via intravenosa: “Existe wm procedi- mento padrio, empregado em todas as circunstincias por todos os membros do corpo médico, que & 0 seguinte: usam-se dee unidades de octocina em wm litro de solugto de deste a cinco per cento,™ Se 0 médico esté conduzindo o titero como uma maquina e a mulher como uma trabalhadora, s ia 0 bebé visto como um “pro- dduto"? Parece que a preocupagao dos médicos com o “resultado fetal” parto ¢ algo que esti acima de qualquer critica. C que parece significativo & que a cesariana, que exige 0 méximo de “condugio” por parte do médico € um minimo de “trabalho” de vicero e da mulher, € considerada como 0 processo que fornece os melhores » Daife 1993: 239, {© Gllwn eal 1983: 2985 Elise Beckman 1983: 57 ‘Onley 1884: 2065, Cites adn de O' Drill Meagher 1980; 140, 142. produtos." “Os médicos criaram 0 ponto de vista de que o patto por cesariana implica bebés perfeitos.”" Alguns relatos chegam a come- morar 0 “crescimento’dramatico” dos indices de cesarianas. O “cré- dito” deve pertencer aos colegas mais antigos que defenderam o cres- cimento do indice (de 3a 8 por cento der anos atris para 15 a 23 por cento hoje) ¢ incentivaram uma mudanga de ponto de vista (uma rmudanga que, como fica claro, deveria ser deesjads): “O enfoque, que antigamente na mie eno parto, esté concentrado agora no resultado fetal.” Conseqiientemente, 0 alto indice arual talvez nfo cesteja perto do que ser no futuro. O The New York Times cita o dow- ror Robert Sokol: “Os médicos nao hesitario em realizar uma cesa- riana se houver qualquer possibilidade de melhorar o resultado.’ Ape- nas por este critério, disse ele, ‘um indice de 20 por cento pode nio ser tio alto.""* Outros detectam um “novo principio”: “O conceito por tanto tempo mantido do parto vaginal est rapidamente ceden- do. O novo prinefpio que ver crescendo em importincia parece ser purto vaginal apenas para pacientes selecionadas.”* Fssa conviegio de que cesarianas podem produzir bebés de me- thor qualidade pode estar, em parte, relacionada 4 nogio de que mesmo partos normais sio intrinsecamente trauméticos para o bebé. Desde a antiga descrigto feita por um ginecologista do século XIX do iter como missil mortal,” passando por descrigées posteriores (1920) do trabalho de parto, que diziam ser como se a mae caisse ditetamente num forcado ou como se a cabega do bebé ficasse presi no barence da porta," até os esforgas dos obstetras contemporincos para aliviar a experiencia terrivel do nascimento para o bebé com o uso de huzes fracas ¢ banho morno depois do. parto, foi_con para_o médico 0 papel de se aliar ao bebé contra a destruigio ern Mind 1983: 189. 1 Wesker 1983: 476, Jane 1976: 257. Blk 195, ‘Var 1976: 804 argument cine Kroes, Barker Beall 1976288, ‘Wer « Wer cand Delee 1977: 142-3, aaa SIRES Jo TTT) potencial causada pelo corpo da mae. Usando as palavras de Rothman, “mae ¢ feta sio vistos pelo modelo médico como uma diade ante, € néo como uma unidade integral”. © A luz dessas imagens, extrait o beb@ por meio de uma cirurgia poderia facilmente ser visto como a tinica grasa salvadora para o bebe. De fato, apés uma cesariana que as tenha deixado com raiva € frustradas, as mulheres sio consoladas ouvindo que deveriam se sen- tir felizes por terem um bebé saudavel. O enfoque no produto do trabalho de parto ignora, é claro, aquilo que talvet fosse importante para a mulher na mesma medida: a natureza de sua prdptia expe- ia como A anulagao de sua propria experiéncia. Sua experiéncia com a cesaria- na fora de perda e frustragao por ter perdido a cena do nascimento para a qual se havia plangjado: “Nao pude vé-la sendo pesada, sew primeiro banho, pequenas coisas. Dava medo ficar ali deitada de- pois de ter sido aberta com um corte, sem poder me mexer.” Além do mais, 0 perfodo de recuperasio foi frustrante ¢ desconfortivel “Eu nio podia cuidar do bebé, néo deixavam meu marido passar a noite no hospital, nao me deixavam comer. Tinha de ficar horas sem comer ¢ ainda espetavam que eu me recuperasse de uma cirurgia importante! Quem é que consegue se curar sem nutrientes? Quan- do trouxeram a bandcja, cu tive vontade de atiré-la pelo quarto.” Nesse cantexto, ela ficava furiosa quando as pessoas (enfermeiras, meédicos ¢ familiares) diziam que cla tinha sorte de ter um bebé saudével. No curso de proparasio pré-natal que freqiientou antes de ter seu préximo filho, ficou futiosa com um casal que disse que sua prioridade era ter um bebé sauddvel. “Pulei em cima deles. Disse que era 0 Sbvio: néo deviam sequer mencionar isso, Todo mundo quer um bebé saudével, Isso nao merece ser mencionado; para come- ‘an, nao se fica geévida se ndo se deseja um bebé sauclével. [E zomban do] ‘Ah, puxa, eu queria tanto que esta crianga Fosse deficiente! Es- scimento, Uma mulher reagiu com raiva redobrada tou tio desapontada!” Pensem nisso” (Sarah Lasch). © Rohan 1982: 48, _Avtava dessa mulher veio da sensagSo de que sua propria experién- perto. do bem-estar de seu bebe. ‘Mas 0 bebé no passou por softimento em momento algum teve, na verdade, uma contagem de Apgar de 9/10 (uma contagem perfeica seria 10/10), de forma que era dificil para ela dar crédito a preocupa- «io da equipe médica com bem-estar do beb@. Outra mulher, que jé havia feito uma cesatiana, ficou surpresa ao notar © pouco que o resi- dente que a atendia no hospital sabia a respeito dos sentimentos das mulheres em relagio a cesarianas, “Ele fer um monte de perguntas ‘Por que voc? nao quis fazer outra cesariana? Eles cortam voce embai- x0, cortam voce em cima, qual é a diferenga?’ Isso me mostrou real- mente como eles sio ingénuos: a gente acaba com softimento dessa mulher ¢ cla vai ficar eternamente grata por Ihe termos dado seu bebe. Tali de minha frustracio, de ter perdido a cena do nascimento ¢ da dor que senti depois, ¢ ele disse: mesmo? Puxal” (Laura Cromwell) Em nossa maneira de pensar a esfera do lar e a esfera do trabalho ‘encontram-se, como jd vimos, totalmente separadas. O trabalho numa ibrica nos parece muito diferente do trabalho doméstico ou do trabalho de uma mulher no parto porque o primeiro é procurado e remunerado no mercado, enquanto os outros dois, nao. Talvez por essa raz0 a maioria dos relatos contemporancos sobre a produgio cm sociedades pré-industriais (em que essa divisio nao esté presen- te, pelo menos ndo da mesma maneira) afitma que nao conseguem descnvolvéer um modelo de atividade produtiva que seja suficiente- mente abrangente de modo a incluir 0 trabalho feito por uma mu- ther dentro de casa e, muito menos, o trabalho que ela tem para produzir criangas.” Como diz Raymond. William: E bastante extraordindrio que, se examinarmas toda a extensto do Marxism, a importincia fbico-material do proceso reprodu- ‘iv bumano tenha sido geralmente ignorada, Foram levantadas cls 198; indess ise 1975. sora ecenter pra "eampreender ant relgbet crie dug repredus coma parte de ue ico proces” 2 medida ques transormador ts ‘hs hina eechey 1979: 79) inluem Mackintosh 1977, Edin el 1977, Perce 1983, aidenhal 1976 © Garnsey 1978 quesies coretas e necesstrias sobre a exploragao da muller ox 0 (papel da familia, mas nao existe nenhum texto importance sobre todo este campo. Mesmo assim, € praticamente impossivel duvidar da centratidade absoluta da reproducao e do,cuidado humanos ¢ de sua inquestiondvel natureza fsca. Isso € ainda mais extraordinério porque, desde o aéculo XV, a mesma palavra em inglés, com a mesma raiz, “labor” (ou “trabalho”, ‘em portugués), € empregada para descrever o que as mulheres fa- ‘rem ao patircriangas € o que homens e mulheres fazem a0 produit coisas para uso ¢ froca em casa € no mercado." Tado isso contém tuma dupla ironia. Quando os antropélogos, armados de conceitos sobre producio e trabalho associados aquele realizado sobretudo por homens nas fibricas ¢ empresas fora do lar, centam descrever socie~ dades pré-industriais, muitas vezes ignoram completamente 0 tra- batho que as mulheres realizam; quando os médicos descrevem o trabalho que as mulheres execuitam no parto, suas expectativas estio centradas em como outros tipos de trabalho séo organizados em nossa sociedade ¢ como a tecnologia ¢ as méquinas podem ser em- pregadas pata controlar aqueles que trabalham, Em ambos os casos, as mulheres perdem; no primeiro, a0 serem ignoradas, € no segundo, pelo faro de um processo complexo, que inter-relaciona experiéncias fisicas, emocionais e mentais, ser cratado como se pudesse ser subdi- vidido e conduzido como outras formas de produgio. ‘Nos eapinulos 3 e 4 vimos que as metéforas médicas dominantes empregadas para o corpo da mulher durante a menstruagzo, 0 parro tc meoupanss cme tn stra heroes de conole ne tralizado, organizado com o propésito de obser uma produgio efi- ciente e répida Fsse sistema costuma receber atengio médica quando para de funcionar, entra em decadéncia, fatha ou se torna ineficiente Como poderfamos reagir a essa situagio? Os marxistas acharam inquietante © emprego de principios de mercado para coisas que no eram mercadorias. O préprio Marx via 4 Wiliams 1979: 147 5 Orford Engl Dinar 133 5 esse processo como inevirdvel, porém lastimavel. Ele falava de coisas “que inetentemente nao se tratam de mercadoria, como a conscién- cia, a honra ete. [..] sendo postas & venda por seus donos e, dessa forma, adquirindo, por intermédio de seu prego, a forma de merca- doria. Portanto, um objeto pode ter um prego sem tet valor. O pre- go, nesse caso, € imaginério, como certas quantidades na macemsti- cx’ A expressio “prego imaginério” define sua compreensio de que essas no so coisas em que se possa colocar um prego. Winner em- prega 0 termo “perverso” para o pracesso pelo qual normas que per- tencem ao dom{nio da produgio sio estendidas de mancira inapropriada a outros dominios, “casos em que as coisas tornaram- se, de forma insensivel ou inapropriada, eficientes, ligeiras, raciona- lizadas, medidas ou cecnicamente refinadas [...] A predomindncia de normas instrumentais pode ser vista como um excesso ou exagero do desenvolvimento de meios téenicos. Nao que essas normas sejam perversas em sis elas, no entanto, escaparam de sua esfera usual”. ‘As feministas também se opuseram a0 uso de metéfaras de produ- fo para descrever a reproducio, Em Womans Bxate (A condigio da mulher), Juliet Mitchel se refere & reprodugio como uma “triste imita- 40 da produgio”, pensando em como ter filhos pode ser visto como ‘uma imitagio do trabalho: “A crianga é vista como um objeto criado pela mie, da mesma forma que uma mercadoria ¢ criada pot um traba- thador.”* Mitchell escreveu isso em 1971. Agora, em meados da déca- dha de 1980, ew dita, e pode ser que ela concorde, que nio temos bem tuma iste imitagio da produgio, mas sim uma caricarura destrutiva Essas reagées de redricos nos levam diretamente & questio central deste livro: Como as mulheres reagem a essas meciforas cientificas sobre seus corpos enquanto vivem suas vidas normais? Para comegar, send que elas as percebem? Ser que as aceitam como sendo nacurais ¢ corretamente aplicadas 3s mulheres, ou se conformam em toleri-las? Ou serd que as combatem como ameagas profundas e sinistras a uuma existéncia plena? Mare 19674 102 Winner 1977: 230 Michal 1971; 108 A CRIAGAO DE UM NOVO IMAGINARIO 00 PARTO. A tradigao das grapes more pera «como wm pesadel na mente dos vivo. Karl Marx, O Dezoito Brumdrio de Luts Bonaparte io tipo de resistencia que descrevi até agora, as mulheres sio vistas, ssio médica. As quest6es a serem abordadas, as atividades a serem sideradas, io determinadas pelos méidicos ¢ hospitais, e nio pelas fartsientes, O| movimento para levar a pressio dos consumidores js hospitais e aos médicos demonstra isso claramente. Por exem= ‘plo, a “Pregnant Patient Bill of Rights” (Carta dos direitos da pa- “dente gravida) especifica que a paciente gravida tem o diteito de ser _ifoxmada dos viscos para a sa seguranga ou do seu bebé que envol- tio sccita inteiramente, © nem seria tazodvel faé-to, os termos modelo médico do parto.’ Um outro exemplo € 0 conceito con- “inditério da “cesariana centrada na familia”. Esse conceito (que, da cesariana) dé aos pais algama Bee ——fdo parto, incluindo a visio de que © parto é um tipo de produc, * procedimenco e oferece terapia de apoio para a mie. Ainda que eses Csforgos sejam louvéveis quando a cesérea € 0 dinico mésodo seguro de parto, nio se pode deixar de imaginar se eles nfo so uma mancicg relativamente fécil para os médicos ¢ as maternidlades tornarem o par. to cindigico mais agradvel; muito mais cil, por exempo, do que incentivar ativamente a maioria das mulheres que j softeu uma ces rian anteriormente a fazerem o parto vaginal, ou incentivar ati. mente a maioria das mulheres saudiveis a terem scus bebés em cas, ‘Avaliada como uma maneira de captar a importincia do ato d dar A luz, a analogia entre a produgéo de bens e a produgio de bebis € profundamente enganadora, Se os esforgos dos consumidores pary resistir ocorrem necessariamente no Ambito das concepgées médicas continuagdo da energia criativa que comesou com a concepgio € gue erescerd ao longo dos anos da criagtio? ‘As metéforas concretas que escolhem para explicar seu conceito enfutizam um processo que se desenvolve de dentro para fora ea comtinuidade deste processo com 0 passado ¢ 0 futuro, Um rie: “O 1x0 continuo do trabalho de parto estreita-se, transformando-se tm corrente intensa do nascimento cheio de vida’; sm fruto amadu- rcendo: "Como um feuto amadurecendo numa érvore,o parto precisa Je tempo. Se comegarmos cedo demas ou tentarmos apressé-lo, seré como colher uma frura verde: um trabalho mais duro, por mais horas e um possivel dano & colheica.”* Outras autoras se concentram mais explicitamente na energia que a8 pessoas sentem estar presente no parto: “No parto, voc’, mulher que esté dando & luz, é 0 canal para a Forga Vital, a energia ‘is criagio e da transformagio.”™ Els escolhem metiforas que cap- fam a maneira como as mulheres parecem “ser levadas” por essa enetgia, adaptando-se ativamente a ela: “Nao € possivel controlar | seu trabalho de parto, mas é possivel e necessério controlar-se, da nnesma forma que uum surfista se controla ao ser levado pelas grandes ‘ondas, mantendo o equilfbrio ao mesmo tempo que se entrega a tla.” Atendo-se & energia intensificada, essas auroras sio levadas a cafatizar as semelhangas entre’a experiéncia do parto e a experiéncia ‘ds unifo sexual: “O parto & fundamentalmente um ato criativo, “asim como 0 ato da unio séxual, A qualidade e a intensidade da nergia presente ¢ a entrega roral durante ambos os eventos estio Jntimamente relacionadas.”* A partir de uma preocupagio parecida com a energia, os morado- de uma comunidade espiritual do Tennessee chamada Farm (Fa- Hnda) criaram metéforas completamente novas para a conceituagio “contragies”, “Durante 0 trabalho de parto, seus miisculos uterinos ‘como conseguiremos, entio, uma concepsio genuinamente di rente do parto? O que fariam as mulheres quanto ao parto se pudes sem onganizar as coisas de forma a se adequarem completamente suas predisposigées ¢ desejos? Que imagindrio trariam para a exp riéncia, que providencias priticas buscariam tomar, que tecnologia desenvolveriam e sob que condigfes a empregariam? Estas pergune tas s6 podem ser respondidas por mulheres ~ de origens étnicay ¢ sociais diversas — reunidas em grupos, refletindo sobre suas prépri experiéncias e agindo de acordo com elas. Enesse cendrio que tam: bém devemos buscar por uma resposta & pergunta: O que seria per dido se as mulheres fossem afastadas como trabalhadoras do proces: so do parto? Existe uma necessidade inegavel de novas metéfoiat bisieas, simbolos essenciais do ato de dar a luz capazes de capttt aquilo que nao queremos perder no parto. 4 O “pata fae de Nae Cohen ¢ Lois Estner € uma tencatiy de desenvolver esse povo tipo de meréfo Um parto completamente livre de intervengdes médica E autos deserminado, ausoconfiante e auto-sufciente, sem necesariament ser solitdrio [...] 0 parto puro nio tem estdgios. Ao contrario, ¢ —— Aran ae Hitec fn 1983 1202, = Blivie 079 81 209.28 vin 1979: 81,135 2 Young 19 Gao RTI) ‘Muitas mutheres buscam metéforas capazes de captar o senso de © git ¢ fazer: correr uma maratona, escalar uma montanha, nadar iiuma competigso olfmpica," esquiar montanha abaixo (Sally Xenos); “evar um piano de cauda de um canto a outro da sala: tao dificil assim, mas to tecompensador, sentir aquilo se movendo." Metdforas basicas podem escorar as organizagGes de experiéncia e Fpritca que jd existem ou mostrar o caminho para novas organizagies. Se 0 parto é exatamente igual & produgéo em nossa sociedade, entéo ‘amos deixar mesmo que ele seja gerenciado, mantido em eficiéncia e, eventualmente, realizado inteiramente pelas méquinas. Mas, se 0 parto | fix parte de nosso rio da vida, parte de uma jorada intetior ¢ exterior, = vamos querer que ele acontega onde levamos nossas vidas, em casa, cercadas de amigos e familia. Se o parto € um trabalho duro, que, ainda assim, € compensador, entéo vamos querer que nos déem tem- E po, incentivo © apoio para que nés mesmas possamos fazé-lo. Se 0 parto ¢ uma experiéncia profunda e intensa, que envolve sentimentos E nvimos (muitas vezes, extéticos) ¢ a percepsio de forsas poderosas do | mundo, vamos querer ter esta expetigncia ¢ ponto final. ‘Um exemplo de como uma metifora basica pode organizar a ex- F pevigncia e a pritica de maneiras bastante especificas ven de um | grupo localizado no Kansas, dedicado a0 parto em casa no estilo _‘faga-voct-mesmo”. Empregando referencias as escrituras cristis, esse grupo sustenta uma metafora em detrimento de todas as outras: 0 = patto é um tro {ntimo entre mulher”. Quando 6 sexo genital € escolhido como metifora bésica para aquilo que 0 parto significa, segue-se uma série de conseqtiéncias em tetmos de fomportamento, Matido e mulher dario & luz sozinhos, na intimi- "dade, exatamente como fariam se estivessem envolvidos em outro ‘ipo de atividade sexual." Para ajudar no proceso, da mesma forma que em outras manifestagdes da sexualidade, fancasiar, abragat, beijar se contraem em determinados intervalos ¢, finalmente, empurram 9 bebé para fora. Enquanto isso est acontecendo, seu colo do titero se afina e se abre, Chamamos essas explosdes regulates de energia de petos’. O trabalho de parto progride melhor se vocé prestar mais atengio A expansfo, e no A contracio.”” Uma mie de tr filhos dy mesma comunidade descreve sua experiencia: “As contragies nao pre. cisam ser dolorosas. Elas sio impetos de energia que permitem que voc se abra de forma que o bebé possa sair, Se voce tiver uma posturg de que vai doer, entéo vai ficar toda tensa e no vai conseguir relaxay completamente; vai levar mais tempo para o bebé conseguir passar¢ | voc nem vai aproveitar o momento. E.um milagre ser capaz de ciar | nas forga vital e nfo hé espago para reclamagbes.” Enquanto a visio do parto como forsa vital concentrada permite A mie ser um recipiente passivo pelo qual a forsa flui ow uma pants cipance ativa que “élevada’ pela energia, outras concepg6es colocam a mulher num papel claramente ativo. Considere a nogio de “parto concentra na integragio harmoniosa de corpo, mente, coragso ¢ alma, A mente ¢ 0 corpo, quando alinhados, dangam em sincronia ¢ unis 2 dade, entregando-se livremente & nova vida que vem chegando.” ~ Outta concepgao baseada em outta metéfora bisica também colon = ca.a mulher em um papel ativo. Gayle Peterson diz: “O parto é uma _jormada (...] A visto da gravidex € do nascimento como uma jor torna-se uma oportunidade para o crescimento psicolégico ¢ um’ acontecimento a0 qual a mulher que esté em trabalho de parto se relaciona fntima e singularmente, tecendo uma experiéncia de apren- dizado toda sua." Ghee Bone 1988223. I ann wh Meo shan 1982: 20 » Gatkin 1977: 239. * Gaakin 1977: 87 2 Panuthor 1984 484 Peterson 1984: 52. ¢ acariciar io 05 meios mais relevantes.” A necessidade de privaci. Permite-se que 0 parto evolua sem recorver & amniotomia, nem qualquer tipo de medictgio para induzir 0 parto ou aumentar as contnagdes. Timbém nao sio empregades analgsicos on anestesia cexteto em partes cinirgicos. (O indice de cessrianas & mantido em niveit maize baixos, cerea de 5%.) Quando 0 parto jd avangou a jponto de a mee 0 pai se sentirem mais d vontade em wma das salas te parto, eles caminbam para ld. A mide exulbe a positzo que dosian, mudando livemente de posgao durante 0 wubalho de parto € 0 nascimento da crianga. A maioria das mulheres. prefere caminhar, ajoetbarse ou semtar durante as coniragies, ou tabvee tomem wm banko morno on relaxem em urna das piscinas de plistico com gua morna. Tados os eforgos sto no sentido de ajudar as mulheres a encontrar posigdesconfortéveise, sobretudo, permitir que seu cerebro instintivo ou vixerallafeivo determine seu comportamen- ‘0. O parto acontece em qualquer lugar ow posigdo que a mite ache confortivel. Muitas veces, esa posgto & de chcoras com sustentagao, na qual seguracte a mite por debaixo dos brazos ¢ ombros enguanto la fleciona levemente os joelbos, parindo para baixo.” dade exige que nenhum assistente de parto esteja presente, mas, “quando uma parteira ajuda fisicamente no nascimento de um bebs, isto é uma experiéncia homossexual [...] no € 0 que a parteira diz que torna 0 momento uma experiéncia lésbica. 0 que ela fiz. Ely poderia ser surda ¢ muda. Mas, se esti manuseando as partes in mas de uma mulher que csté se expressando de forma genital (e ¢ jsro que € 0 parto), entao & uma experiéncia homossecual. Apenas 6 marido da parturiente a deveria estar tocando”. Vidas diferentes, partos diferentes. Mas, apesar da civersidade, um cema comum permeia estas descrigbes ce parto nas quis as mulheres esto timidamente tentando criar um significado para 0 evento, Esse tema — encontrar um senso de completudy ~ é uma resposta & reivine dicagio que surge freqitentemente dos movimentos pela satide da mulher: “Reintegrar a pessoa em um todo a partir de quebra-cabega de pesas criado pela medicina cientifica moderna.”” A reivindicagia ¢ clara, da mesma forma que a adverténcia que a acom2anha de que a reintegragio nao pode set feita de uma maneira simples, uma vex que “as partes que so reconhecidas atualmente pela biomadicina no pox dem ser montadas novamente para formar um toda" Aparentemente, 6 que Odent tem feito pela experiéncia de parto hs mulheres é extraordinétio, $6 precisamos comparar a iconografia do parto em um hospieal (Figura 25) com a imagem forte, ativa e ereta ds mulheres em Pithiviets (Figueas 26 e 27), para perceber a diferen- a dramitica, Mas 0 custo é alto. E impossivel para Odent oferecer as mulheres esse novo cendrio para 0 parto sem descrever 0 que acontece om elas como uma volta a um estado animal ¢ infantil Ainda que tle diga que sua intengao é deixar as mulberes dacem & luz suas erian- 48," ele interpreta o que clas fizem da seguinte maneira: dlente se os defensores de um novo imagindrio do garto conseguis sem criar imagens completamente desprovidas de contradigées, coms plecamente livres da ideologia dominante de nossa sociedade. U exemplo de um esforso para transformar a experitncia do parto que esti repleto de contradigées est ocorrendo na clinica de Michel Odent, em Pithiviers, na Franga. Embora a clinica esteja na Frang 6 livro O renascimento do parto, de Odent, tem sido defendido pelas ativistas do parto nos Estados Unidos. Nao foram poucas a qu visitaram Pithiviers para ver com os préptios olhos 0 tipo de pa descrito por Odent: As mulheres parecem se exquecer de tas ¢ do fe si mesmas e do que esti acontecendo em volta delas durante 0 andamento do trabalho de parto sem medicagio [..] Elas adguirem uma expresso distante : em sens olbos, esquecem-se das convensies sociais, perdem 0 * Moca 1985 2 Dla 2 Moran 1986 9-10, ler? 1 Koctke 1983 13 aa 1 Koike 1956 13 Aen 1981 15, Fig 25—(A) A posto para parto padi usada na maioria dos hospitals dos Fs Unidos. As pemas da mulher sio mantidas levantadas ¢ afasadas pelos esis pesca ete ail re prmanece dita de cons, (B)A rao penne Pats cuadonment esepados na prepargio do pao, LengSs een bran ntcamento sbimen da nde Pha MacDonald 1980416, ne I7-MB, Repectrdascom eure da Appletn-Centuy-Crofs) if 26~-Parto na nica de Michel Oden em Pithviers, rang. As mulheres acham que confortvel car de eécorassustentadas por dete pela alas enquanto fem forga fia expelic seus bebés. (Tirado de Birch Reborn de Michel Oden, waduzido pata 0 ts por Jane Pincus Juliette Levi, p. 48. Copyright 1984, Michel Odent, Reprodu- lo com autorizagéo da Pantheon Books, uma subdivisio da Random House, Inc) aa constrangimento ¢ 0 autocontrole. Muitas soltam um grito cantcteristico no momento do parto [...] Tenbo achado muito dificil deserever essa mudanga para um nivel mais profiundo de consciéncia durante o-trabatho de parto. Pensei em chamdcla de “regressto", mas sei que a palavra parece pejorativa, evocande uma volta a algum ripo de estado animal. “Instinto” & um rermo inethor, embora cle também tenhsa sama rewondrcia de implicac des moralistas [..] ndo hd nada de vergonboso ou sexista em reconhecer gue 0 instinto representa um papel em nossos compor~ tamentos, especialmente magueles que ocorrem ma intersecpdo entre natureza e cultura, como 0 ato sexual, o trabalho de parto ou 9 recém-nascido & procura do seio materno.” © que acontecen? Segundo Odent, considera-se que as mulhe- tes, a0 darem a luz, andem para trés no tempo e na evolugio, em diregio a um estado mais simples, animalesco e livre de “autocensuras.” Esta avaliagio precisa ser examinada sob a ética da txclusio histérica das mutheres da ‘cultura’ ~ aquela atividade su- perior dos homens ~ ¢ a exclusio da cultura das mulheres (como seus escritos) da corrente dominante. E uma ironia que o preco dos esforgos de Odent em devolver 0 parto para as mulheres seja a reafirmagio da concepgio da mulher como um ser animalesco, que pertence & natureza, € nfo & cultura. Ainda que Odent tenha sido _transformado em herdi por muitas ativistas do parto nos Estados Unidos, serie bom para nds perceber que suas idéias tém muito em comum com as dos esctitores do século XIX, que relegaram as mu- | theres a0 dominio “natural” da domesticidade. Bm ver de considerar que as mulheres de Pithiviers estejam cngajadas em uma atividade “natural” de nivel inferior, por que ni podemos considerar que estejam engajadas numa atividade de na- {ureza superior? Os tipos de integragio entre corpo © mente fomen- _tados nas abordagens psicofisiolégicas, entre outras, ¢ os tipos de Oe 198K 12-13, [Bd extey (1977 axa onenas pretuposigtes em pod participa do mati no pane Fe Orne (1974) sabre genera em ao deepal ere atures tur, 48, Copyright 1984, Michel Odent, Reproduzido com autorizagio da Pantheon Books, uma subslvisto da Random House, inc) atividade que implicam um envolvimento integral que foram capis das pelas metéforas da jornada e da danga poderiam muito bem sep considerados formas de consciéncia ¢ atividade superiores, mais es. nos integeais, com todas as suas partes inter-relacionadas, engajado naquilo que talver scja a Gnica forma de trabalho verdadeiramen inalienado agora dispontvel para nds. a Se a fragmentagio na linguagem comum que empregamos pa falar sobre parto é, em parte, resultado da maneira pela qual a medi ina cientifica define e trata 0 patto, 0 que acontece com essa fine ‘guagem quando as mulheres preparam-se para parit em um cendriy diferente, segundo prinefpios diferentes? © imagindrio implicico dy separaggo — “as contragSes chegaram”, “Eu passei pelo parto” ~ ai da & comumente usado, em parte, tenho certeza, porque € muita dificil enxergar suas implicagées. Mas as mulheres conseguem gat a outras maneiras de descrever a experiénc! i mam a integeidade em face oe das mulher (Nancy Jankowski), que descreveu seu segundo parto, fe cem casa, depois de jé ter feito uma cesariana, relatou um trabs de parto dificil, com dias em que o primeito estégio parava e re megava, um bebé com apresentagio pélvica, horas fazendo forga com dor &, finalmente, 0 nascimento de um bebé de mais de 4,5 Ny: ‘Mesmo assim, niio havia nenhum sinal perceptivel em suas palaay de que alguém tivesse achado que algo estava errado, de que me d das especiais tivessem de ser tomadas ou de que houvesse alganiy causa para alarme, Evidentemente, ela, seus amigos ¢ as part consideraram © nascimento um processo que aconteceria dentro seu ptdprio tempo, algo que ela mesma seria capai, fazer e, embok ~tenha sido dificil, uma ocasifo para um ambiente festivo. A me: resumiu a experiéncia dizendo: “Eu me senti inteira”; como o bal nfo respirou de imediato, a patteira soprou suavemente no se to para mostrar a ele o que fazer. MENOPAUSA, PODER E CALOR Jovi mulheres comparare suas sensag6es a um vapor ardentesubindo da boca do estémago. Bses cores poder ser considerados como casos de ruborizagio patoldgica. Edward Tilt, The change of lifein health and diseare (A mudanga da vida na satide e na doenga), 1857 senvolver modelos alternativos que reintegram a experiéncia huma- “fa O qué acontece depois disso? Ser que existe uma “gramatica cultural” alternativa da menopausa, apesar de sua imagem pablica : indicagio “fisica” espectfica da Fenopausa.' E preciso ser dito, de inicio, que nfo existe uma ma- Eacira segura de separar os aspectos puramente “fisicos” dos calores seu contexto social ¢ cultural. Os pesquisadores tém encontrado iagGes marcantes na incidéncia dessa experiéncia e em como ela HeKinly«Jeteys 1974

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