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Origens Cristãs e a Questão de Deus: A Metanarrativa na Historiografia de

N.T.Wright

Neste nosso trabalho visamos apresentar o arcabouço epistemológico e


metodológico do programa de pesquisa de Nicholas Thomas Wright para o estudo
histórico das Origens Cristãs. Daremos um panorama geral, apresentaremos os
postulados básicos tendo em vista disponibilizar os instrumentos para o exercício a
quem se interessar por suas propostas, e brevemente, indicarmos alguns
resultados a que ele chega. Trarei para colaboração um resumo de uma
abordagem que julgo ter alguns bons paralelos, descontando o interesse
sobremaneira diverso, para o leitor poder julgar por si se os instrumentos que
Wright oferece são apropriados e úteis dentro da consideração pelo rigor crítico.

**Obs. Como o presente autor procedeu em outra ocasião, por questões de


espaço/tamanho, realizara a tradução livre direta das citações em inglês -
reportando a fonte. Reafirma como da outra vez que com prazer pode repassar, já
que são citações breves, a parte original em inglês de onde extraira caso seja
solicitado.

N. T. Wright, também conhecido como Tom Wright, é mais famoso no Brasil como
um dos expoentes da chamada “Nova Perspectiva” sobre os estudos de Paulo.
Contudo, ele é internacionalmente reconhecido como exímio debatedor e
acadêmico dos estudos sobre Origens Cristãs e Jesus Histórico. Em sua formação
inclui-se estudos em Literatura Clássica, Filosofia e História no Exeter College, em
Oxford, onde também cursara teologia e também “Divindades”, também em
Durham e St. Andrews. De 2003 até se aposentar em 2010 fora Bispo de Durham
da Igreja Anglicana. Foi professor das universidades de Cambridge e Oxford
por vinte anos, professor visitante de universidades como Harvard Divinity
School, nos Estados Unidos, Universidade Hebraica de Jerusalém e
Universidade Gregoriana em Roma.

Duas de suas mais importantes obras para os propósitos de nosso


empreendimento aqui são os livros “The New Testament and the People of God” e
“Jesus and the Victory of God”, os dois primeiros volumes da série: Christian
Origins and the Question of God. London: SPCK; Minneapolis: Fortress.

Wright situa a matriz explicativa para o despontar do cristianismo dentro de um


“quadro de referencia narrativo”, um grande raconto alimentado no incitamento
de oferecer respostas para a expectativa do futuro diante da memória histórica e
condição social relacionados aos mesmos fatores histórico-políticos. O cristianismo
foi uma irrupção de uma maneira de estar no mundo, eclodida dentro de um caldo
fervilhantes de diversas outras maneiras na fonte comum do Judaísmo do
Segundo Templo. O arrabalde cultural carregado de teologia, que era a luz sob a
qual o povo se interrogava sobre sua identidade e seu destino.

A visão de mundo básica, referenciada na história – passada, presente,


possibilidades ( e ansiedades) futuras – e ultrapassando-a, articulava símbolos,
costumes, narrativas, perguntas e respostas. Wright delineia essa busca em
termos de: “Quem somos? Onde estamos? O que está errado? Qual a solução?
Como virá?”

Interessante é que tomando este ponto de partida, vemos como apropriadamente


serve para contemplar a característica narrativa dos evangelhos tratando-a
adequadamente no momento que se toma como fonte para o estudo histórico
crítico. É algo que o eminente filósofo Alasdair MacIntyre, chama a atenção:

O que chamo de história é uma narrativa dramática encenada, na qual os


personagens também são autores. Os personagens, naturalmente, nunca
começam literalmente ab initio; eles mergulham, in medias res, o iniciar de sua
história já feito para eles por quem ou pelo quê passou por lá anteriormente.
(...)
O homem é, em seus atos e trabalhos, bem como em suas ficções,
essencialmente um animal narrador de histórias. Não é, em essência, mas se torna
no decorrer de sua história, um contador de histórias que aspiram à verdade. Mas
a questão principal não é sobre sua própria autoria; somente posso responder à
questão ‘O que devo fazer?’ se souber responder ao questionamento: ‘De que
história ou histórias eu estou fazendo parte?’ [1]

Tom Wright advoga que a memória coletiva dos judeus ainda era marcada
por um senso de continuarem no “Exílio”, sendo que mesmo após o retorno
do cativeiro babilônico, continuaram dominados por nações estrangeiras, se
debatendo sobre o porvir das promessas proféticas de Isaías, Ezequiel, etc.,
que do contrário estariam frustradas. Assim, aguardava-se a forma como
YWHW iria intervir para novamente libertar e restaurar seu povo, tal como no
Pentateuco. Wright aponta algumas referências na literatura do Judaísmo do
Segundo Templo, como o livro de Baruc e os capítpulos 13 e 14 do livro de
Tobias.

Assim, as respostas para as questões básicas levantadas giravam em torno de:


“Nós somos Israel, o verdadeiro povo do deus criador; nós estamos em nossa terra
(e/ou dispersos fora de nossa terra); nosso deus ainda não nos restaurou
completamente como um dia o fará; portanto, nós buscamos restauração, que
incluirá a justiça de nosso deus sendo exercida sobre as nações pagãs.” [2]

Nuances de amplo espectro se davam entre diferentes grupos dentro do judaísmo.


Era muito forte e intensa a expectativa de haveria uma vindicação do povo pela
divindade israelita, com uma ação com impacto em todo o mundo e um grande
julgamento final dos seres humanos. [3]

Tal maneira de pautar um programa de estudo histórico pode causar um


estranhamento. Talvez essa abordagem enquadrando em um “grande quadro
narrativo” retire o rigor científico minucioso; talvez esteja por demais
configurado por e mergulhado em temáticas teológicas e assim constituir-se-
ia uma agenda teleológica. Como Craig Keener acentua nesta entrevista:
Tom é mais sintético: ele brilhantemente reúne um vasto conjunto de ideias e vê
como elas se encaixam. Eu faço um pouco disso, mas acho que sou uma pessoa
mais detalhista: eu gasto muito tempo matutando através de textos antigos
individuais e vendo onde a evidência me leva. Tom é muitas vezes mais
diretamente teológico, eu sou quando eu prego, mas em alguns dos meus
trabalhos acadêmicos despendo muito tempo em detalhes históricos. Eu acho que
Tom também se concentra mais na leitura do Novo Testamento através da
lente do Antigo Testamento.

Eu gostaria de contribuir para nos ajudar com tais dúvidas, tratando de uma
abordagem de um cientista social com formação e interesse totalmente diverso, a
respeito de um tema histórico completamente diferente. Peço licença para fazer
uma divagação por um assunto de interesse distante da proposta do blog, mas que
nos ajudaria a captar melhor a propriedade desta proposta do Wright, para quem
quiser fomentar a análise crítica.

Immanuel Wallerstein e o aflorar ideológico da Modernidade

Immanuel Wallerstein teve como formação o B.A. (1951), M.A. (1954) e Ph.D.
(1959) na Universidade de Columbia, Nova Iorque; fora professor distinto de
sociologia da Universidade de Binghamton (SUNY) de 1976 até sua aposentadoria
em 1999, além de chefe do Centro Fernand Braudel para o Estudo das Economias,
Sistemas históricos e Civilizações até 2005.

Wallerstein ocupou vários cargos como professor visitante em universidades em


todo o mundo, recebeu vários títulos honoríficos, de forma intermitente serviu
também como Directeur d'Études Associé na École des Hautes Études en
Sciences Sociales, em Paris, foi presidente da Associação Internacional de
Sociologia entre 1994 e 1998. Durante os anos 1990 , ele presidiu a Comissão
Gulbenkian sobre a Reestruturação das Ciências Sociais. Em 2000 ingressou no
Departamento de Sociologia de Yale como Pesquisador Sênior. Em 2003 recebeu
o Prêmio Career of Distinguished Scholarship dos Estados Unidos. Sua grande
contribuição revolucionária para o mundo do conhecimento das Ciências Sociais
foi como, a partir da sistematização e reformulação de categorias de Karl Marx,
Nikolai Kondratiev, Max Weber, Karl Polanyi, Fernand Braudel, da Teoria da
Dependência, dos estudos do pós-colonialismo, criador da Análise de Sistemas-
mundo.

O cientista social engendra uma explicação para o irromper de três movimentos


ideológicos marcantes do mundo moderno: o conservadorismo, o liberalismo e o
socialismo. A apresenta dentro de um plano maior que contempla uma grande
narrativa que combina revoluções estruturais na história que perpassavam
preocupações, angústias e aspirações no imaginário e no inconsciente coletivo das
pessoas do ambiente social e cultural de onde irromperam. Ele situa esta
emergência em um intervalo que compreende o período em torno da Revolução
Francesa. E que esta se dera, concomitante, no mesmo bojo , tendo um suscitado
e desencadeado outro. Foram as racionalizações de respostas que se fizeram
necessárias a temas cuja resolução exigia uma postura social e programas
políticos, sendo que não se engendrara, porém, apenas como questão intelectual,
mas de alternativas sociais e existenciais para as pessoas. Dentre a vasta obra,
dois artigos podem ser selecionados para nossos fins. “The West, capitalism, and
the modern world-system”, e “The French Revolution as a World-historical Event. In
Unthinking Social Science: The Limits of Nineteenth-century Paradigms”.

Seu raciocínio é desenvolvido apontando que a partir do século XVI irrompera um


novo Sistema Histórico, o Capitalismo Histórico. Um "sistema histórico" se constrói
de vários tipos de instituições as quais governam, ou moldam a ação social de
forma a manter e operar os mecanismos básicos deste sistema, proporcionar
relativa coesão social entre pessoas e grupos para que o comportamento seja
compatível com esse sistema no grau mais ótimo possível, em torno de uma
divisão do trabalho que lhe permite sustentar-se e reproduzir-se. Articula assim
essas instituições, que agem reciprocamente de maneira econômica, política,
sociocultural, de forma que o sistema “funcione em essência em termos das
consequências de seus processos internos". [4]

Este sistema viera se formatando a partir de processos já desencadeados em que


o autor destaca as cidades-estado italianas e o centro financeiro em flandres. E a
grande irrupção adviera com os empreendimentos de grandes navegações e a
chegada europeia nas Américas. Na mesma zona geocultural onde então
predominavam os sistemas feudais, estes foram substituídos pelo Capitalismo
Histórico. Nos padrões de mudanças de sistema que o autor articula, o que
ocorrera fora que o sistema anterior ao capitalismo histórico experimentara a
falência das estruturas e tendências seculares que garantiam a viabilidade
renovada de suas instituições, não podendo mais fazer “os ajustes necessários
para continuar operando segundo suas próprias regras”.

Três instituições-chave entraram em colapso: o Senhorio, os arranjos estamentais,


a igreja. “De um modo geral, as estruturas políticas estavam a tornar-se mais
fracas, e a sua preocupação com as lutas internas dos politicamente poderosos
significava que pouco tempo restava para reprimir a força crescente das massas
da população. O cimento ideológico do catolicismo estava sujeito a uma grande
tensão”. Convulsões demográficas desestabilizavam o sistema de servidão na
terra dos senhores feudais, além de insurreições camponesas. As lutas entre as
nobrezas mais a queda na arrecadação colapsaram os estados reais; isto
enfraqueceu também economicamente a igreja, gerou dificuldade de sustentar sua
autoridade ao mesmo tempo que fomentou grupos libertários no seu interior.

Immanuel Wallerstein aponta que normalmente na história, sistemas assim


desmoronam e os estratos governantes se renovam devido, mais frequentemente,
a conquista externa ( um parâmetro que poderia servir para analisar a história
judaica). Não tendo sido possível, e com o colapso do papel destas instituições no
feudalismo, um fator emergente que assumira preponderância fora o “capital”.
Passou a ser uma força de motivação social e dinâmica econômica à medida que
firmou-se a característica primária de ser acumulativo autorreplicante, rompendo
todos os constrangimentos culturais. O grande fator a destravar qualquer
instituição inibidora para a “Mudança Social” e a mais potente “força motivadora”.
[5]

O que fora catalizado então se estabelecera como elemento aglutinador da


"geocultura", segundo o autor, com a eclosão da Revolução Francesa. É a questão
definidora de como o autor delineia a “Modernidade”, como uma combinação de
uma determinada realidade social com uma determinada “Weltanschauung”, ou
visão de mundo geral. A Revolução Francesa fora assim um “ponto de inflexão” no
qual se gerara respostas, em forma de programas socioculturais, à pautas
civilizatórias para o horizonte, de forma a propiciar a realização das pessoas na
sociedade; pautas estas: a “Mudança social, estabelecida agora como algo
'normal', 'inevitável' ”; a questão da legitimidade do poder político, ou 'a questão da
soberania'."

A resposta inovadora viera nos tons dos apelos ao “progresso” e à “soberania


popular”. E as três ideologias se concatenaram como respostas diferentes dadas a
estas questões. Para o “Conservadorismo”, a mudança social poderia representar
um perigo se não fosse bem “circunscrita” e limitada; para o “Liberalismo” [político],
ela deveria ser administrada tecnicamente; para o “Socialismo”, deveria ser
acelerada com luta política. Os liberais tenderam a representar o “povo” com a
figura abstração do “indivíduo” em suas competências; os conservadores, em
termos dos grupos “tradicionais” em graus hierárquicos na sociedade; os
socialistas (antes, chamados "democratas"), em termos mais totalizantes e
universais, embora enfatizando o recorte dos trabalhadores não-capitalizados. [6]

Enfim, para o interesse estrito da nossa apresentação, é importante destacar que,


a despeito das grandes diferenças, vemos paralelos em dois tratamentos de
origens de grandes movimentos socioculturais em reação a memórias históricas
dentro de realidades sociais, em busca de configurar um cenário para o futuro. O
autor trabalhou com um amplo plano temporal de escala analítica para analisar o
que suscitara as inquietações e anseios a que os movimentos ofereceram como
resposta para o povo. Chama a atenção o quanto, considerando a matéria
histórica tratada, o período, o foco e o fenômeno histórico, impera a necessidade
de não somente ter sensibilidade para, diálogo com, mas embebimento em
discussões de filosofia política. Assim também nas origens cristãs, para com
inquéritos teológicos.

Ainda dentro da discussão dos aspectos básicos do programa de pesquisa de


Wright, ele esmiúça um pouco mais questões de metodologia. Promove uma
recapitulação dos diferentes estados da arte do campo de pesquisa desde o século
XIX até os anos 90. Perpassa as críticas de Johannes Weiss e Albert Schweitzer
aos contemporâneos que produziam um Jesus "sem escatologia", reproduzindo-o
às suas imagens e semelhanças. A escola fideísta de Bultmann, às preocupações
alemãs com os "ditos mais originais" que se espalharam pelo ambiente de língua
inglesa, à inflexão com a ambientação judaica... Apresenta as teorias, os
pressupostos, promovendo uma discussão crítica quanto até que ponto
contemplavam as realidades do período histórico das origens cristãs. Ele promove
uma comparação entre as abordagens positivistas ou objetivistas (afirmam que as
entidades postuladas pelas teorias são realidades possíveis de serem captadas à
parte da interferência do observador, interessando-se pela captura dos “fatos
históricos” objetivos, a priori da interpretação), e as fenomenológicas-
construtivistas ( se interessam pelo que se pode apresentar a respeito do
“fenômeno” observável, não pela “coisa-em-si”, ou o “fato-em-si”, a preocupação
focal é quanto aos procedimentos descritivos e suas propriedades), apontando
pontos fracos e pontos fortes.

A partir daí ele explica sua posição que considera escapar das armadilhas das
outras duas e unir o que de mais teriam de consistente: o Realismo Crítico. Esta
[ i.e., o Realismo Crítico] é uma maneira de descrever o processo de "saber" que
reconhece a realidade da coisa conhecida, como algo diferente do que é o
conhecedor (daí o ‘realismo’), enquanto também reconhecendo plenamente que o
único acesso que temos a esta realidade encontra-se ao longo do trajeto em
espiral de diálogo adequado ou uma conversa entre o conhecedor e a coisa
conhecida (daí o 'crítico’). Este caminho leva à reflexão crítica sobre os produtos
do nosso inquérito sobre a ‘realidade’, para que nossas afirmações sobre ela
reconheçam a sua própria provisoriedade. O conhecimento, em outras palavras,
embora em princípio concebe a realidade independente da mediação do
conhecedor, nunca é em si mesmo independente do conhecedor. [7]

Desta forma, ele acredita que a epistemologia para o estudo do caráter literário dos
evangelhos pode se envolver com eles, sem se deixar ser tomada e perder o
caráter crítico. Fechando uma encorpada sessão em que analisa a paisagem
sociocultural da Palestina do século I d.C., ele recapitula eventos-chave para
entender como se chegou àquele cenário; destarte ele explica a formação dos
diferentes “partidos” no Judaísmo de então, os ramos mais sectários, e os pontos
que ele considera em comum, elementais para se chamar Judaísmo. Ele focaliza
sua preocupação depois com a vida e mentalidade do “judeu comum”.

Assemelha-se este foco com o que o historiador Fernand Braudel chamava de


“vida material”:

Parti do cotidiano, daquilo que, na vida, se encarrega de nós sem que o


saibamos sequer: o hábito melhor, a rotina mil gestos que florescem, se
concluem por si mesmos e em face dos quais ninguém tem que tomar uma
decisão, que se passam, na verdade, fora de nossa plena consciência. Creio
que a humanidade está pela metade enterrada no cotidiano. Inumeráveis
gestos herdados, acumulados a esmo, repetidos infinitamente até chegarem
a nós, ajudam-nos a viver, aprisionam-nos, decidem por nós ao longo da
existência. São incitações, pulsões, modelos, modos ou obrigações de agir
que, por vezes, e mais freqüentemente do que se supõe, remontam ao mais
remoto fundo dos tempos. [8]

Chama a atenção que tal historiador também trabalha com um vasto horizonte
analítico, chamado "longue durée", marcado por interações físicas, ecológicas,
geográficas, socioculturais, numa escala de tempo em que há estruturas básicas
comuns.
Tom conclui que os judeus eram rigorosamente monoteístas, referendando-se no
atributo criador da divindade, igualmente no papel redentor e escatológico,
aguardando que ela os resgataria e livraria de toda dominação. Mais
controvertida é sua posição de que as imagens e descrições apocalípticas,
sobre fenômenos de cataclismos terrenos e cósmicos, eram figuras para
expressar mudanças procelosas em toda ordem mundial [ similares seriam
Richard Horsley, “Jesus e a Espiral da Violência”, pgs 118-128; Marcus J. Borg
[ (embora o tom na escatologia de Wright seja muito mais proeminente), Conflict,
Holiness and Politics in the Teachings of Jesus, pgs 22-35] ,

Para corroborar sua posição, procede uma análise dos capitulos clássicos
apocalípticos em Daniel e na literatura chamada pseudepígrafa. Essa foi a matiz
cultural e motivacional para os nascimento do cristianismo. Wright aponta que a
literatura cristã está marcada pela convicção de que os cristãos viram esta
redenção expressa no Messias Jesus, narrando suas histórias na perspectiva
e expetação moldada pela personificação em sua obra dos temas do “êxodo,
conquista, exílio e restauração” - “batismo , ministério, morte, ressurreição,
ascensão”; paralelos com figuras como Samuel, Davi, Elias, Eliseu
expressadas em João e Jesus, projeções da imagem do Lógos... em Jesus
eles viram o cumprimento das promessas do judaísmo e assim configuraram
seu narrar sobre ele.

Aqui temos uma síntese das conclusões a que chega:

Essa idéia do plano a ser revelada é novo, caracteristicamente judaica, e os


contemporâneos de Jesus tinham desenvolvido uma forma complexa de pensar
nisso. Eles usaram imagens , muitas vezes sensacionalistas e espetaculares,
elaborada a partir das Escrituras, para falar sobre coisas que estavam
acontecendo no mundo público, o mundo da política e da sociedade, e dar a esses
acontecimentos o seu significado teológico.

Assim, ao invés de dizer "Babilônia vai cair, e isso vai ser como um colapso
cósmico", disse Isaías: "O sol escurecerá, a lua não dará a sua luz, e as
estrelas cairão do céu". (Isaías 13:10). A Bíblia Judaica está repleta de tal
linguagem, que é muitas vezes chamada de "apocalíptica", e seria um grande
erro imaginar que tudo estava predestinado a ser tomado literalmente. Era
uma forma, para repetir ponto, de descrever o que poderíamos chamar de
eventos no espaço-tempo e investi-los com o seu significado teológico ou
cosmológico. Os judeus da época de Jesus não estiveram, em grande parte, a
esperar que o universo no espaço-tempo chegasse a ficar inerte. Eles esperavam
que Deus iria agir de forma tão dramática dentro do universo no espaço-
tempo, como ele tinha agido antes em momentos-chave, como o Êxodo, que
a única linguagem apropriada seria a linguagem de um mundo desmontado e
renascido.

Estes avisos se agrupam no chamado Breve Apocalipse de Marcos 13 e seus


paralelos em Mateus 24 e Lucas 21. O capítulo inteiro é para ser lido, sugiro, como
uma previsão não do fim do mundo, mas da queda de Jerusalém. A coisa crítica,
aqui e alhures, é entender como funciona a linguagem apocalíptica. Como eu disse
antes, a linguagem do sol e a lua se escurecendo, e assim por diante, é
regularmente usada nas Escrituras para designar as grandes convulsões políticas
ou sociais da ascensão e queda de impérios, como nós dissemos, e, pelo uso
dessa linguagem, para conotar de significado cósmico ou teológico que eles
atribuem a esses eventos. [9]

A linguagem de Marcos 13 então, sobre o Filho do Homem vindo sobre as


nuvens não deve ser tomada literalmente a ferro e a fogo, como no decurso de
gerações de ambos, estudiosos críticos e crentes não-críticos têm tomado. A
linguagem aqui é retirada de Daniel 7, onde os eventos referidos são da
derrota e do colapso dos grandes impérios que se opuseram ao povo de
Deus e à vindicação do verdadeiro povo de Deus, os 'santos do Altíssimo'. A
frase sobre "o filho do homem vindo sobre as nuvens" não iria ser lida, por
um judeu do primeiro século debruçado sobre Daniel, como se referindo a
um ser humano "aproximando-se" para baixo em direção à terra montado em
uma nuvem real . Ele seria visto como a previsão de grandes eventos e
através dos quais Deus iria vindicar seu povo verdadeiro após o seu
sofrimento. Eles "chegariam", não à terra, mas a Deus.

Jesus está assim usando alguns temas-padrão dentro da expectativa judaica do


Segundo-Templo de uma forma radicalmente nova. Ele estava tomando o material
sobre a destruição da Babilônia, ou Síria, ou quem quer que seja, e aplicando-o a
Jerusalém. E redirecionando para ele e seus seguidores as previsões proféticas de
vindicação. [10]

Para ser possível concatenar coerentemente a partir desta verificação, Wright


observa que é crucial conseguir engendrar uma análise da mentalidade
motivacional das visões de mundo, se atendo ao estudo histórico e evitando
psicologizar conjecturas, algo que está em descrédito fazem muitos anos nos
estudos bíblicos. Desta forma ele adapta ferramentas desenvolvidas pelo
semiólogo lituano Algirdas Julien Greimas nos seus estudos sistemáticos
das personagens das narrativas, de acordo com as interações nas
sequências ao longo do esquema narrativo [11], onde a narratividade pode
ser compreendida como um elemento organizador e fundador do sentido, o
modo de se aperceber do sintagma; desta forma, um número finito de temas
funcionais justapostos em oposição binária com possíveis papéis ( sujeito-
objeto; emissor-receptor ; ajudante-adversário ) geraria as estruturas que
chamamos de histórias. Com isto N.T. Wright consegue entretecer as
perícopes dos evangelhos, que narram eventos e proclamações
independentes, em um enredo interligada com o grande plano geral que traça
afim de captar um sentido contatenado através das ações nas tramas.

É o ponto a partir do qual ele chega a uma das principais problematizações que
desenvolve: a esperança judaica. Ele rechaça tentativas de se trabalhá-la em
esquemas sistemáticos de dogmática; antes de tudo, para Wright, se dava como
reação às pressões de dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais,
sempre sob o auspício da humilhação da dominação romana e opressão pelos
líderes vassalos de Roma. Isso acrescenta altissonância ao centrar na “vinda do
Deus de Israel” para a libertação nacional, em contraste com expectativas de
desencarnação para sobrevivência post-mortem. [12]

Tal abordagem inverte os lugares-comuns sobre o “legalismo” judaico para com a


Lei (Torá); as observâncias de regras de pureza não eram para “ganhar a salvação
individual”, mas a sua tônica era a preocupação em manter sua distinção dado por
Deus em contraste com as nações pagãs , especialmente aquelas que se julgavam
como estando a oprimi-los. Era a demarcação do “povo da aliança”; as “obras da
Torá" não eram degraus de uma escada legalista, na qual alguém subia para
ganhar o favor divino, mas foram os emblemas que se usavam como as marcas de
identidade [13]

Isto é o que ele focaliza o conceito de narrativas formadoras de identidades, em


que podemos recapitular:

Assim é então como ela deve ser entendida, lida em contextos apropriados, dentro
de uma acústica que irá permitir os seus tons serem ouvidos. Deve ser lida com
distorção tão pouca quanto possível, e com a sensibilidade , tanto quanto possível
aos seus diferentes níveis de significado. Estes devem ser lido como histórias, e a
História, à qual se diz poder ser consistente chegar com as histórias, e não como
formas de declarar 'ideias a-históricas'. Deve ser lida sem o pressuposto de que
já sabemos o que vai se dizer, e sem a arrogância que assume que 'nós '- que
pode ser qualquer grupo- já temos direitos ancestrais sobre esta ou aquela
passagem , livro, ou escritor [14] .

Desta forma está preparado o palco interativo para “Jesus and the Victory of God”.
Wright postulando um critério que ele chama de “Dupla Similaridade e Dupla
Dissimilaridade” [15]

Dupla Similaridade tenta descobrir como Jesus cabe dentro judaísmo do primeiro
século e como tal um Jesus Judeu poderia explicar a ascensão do cristianismo
primitivo. A Dupla Dissimilaridade procura explicar por que Jesus foi rejeitado pelo
judaísmo e como as tradições evangélicas, devido à sua dissemelhança , não
poderiam ter se originado dentro da igreja primitiva. Assim, sua principal
ferramenta é muito mais abrangente do que o muito mais limitado “critério de
dissimilaridade”. Com ela, vai se afigurando uma figura profética peculiar, que
passava de aldeia em aldeia, dizendo substancialmente as mesmas coisas onde
quer que fosse, com variações e novidades surgindo em resposta a uma situação
nova, um questionamento afiada ou desafio. Contudo, com o critério da Dupla
Similaridade Wrigth postula que Jesus repetira certas parábolas-chave muitas
vezes, provavelmente com pequenas variações . . .

“Meu palpite seria que temos duas versões da parábola Grande Ceia , duas
versões da Parábola dos Talentos/Libras, e duas versões das Bem-
aventuranças, não porque um é adaptado a partir do outro, ou ambos a partir
de uma fonte comum de um único escrito, mas porque estas são duas em
uma dúzia ou mais variações possíveis que, se alguém tivesse estado na
Galileia com um gravador poderia ter 'recolhido' " [16].

Wright desmembra esta imagem na parte 2 do livro, "Perfil de um Profeta". Ela


consiste em seis capítulos. No Capítulo 5, intitulado " A Práxis de um Profeta",
Wright, com as ferramentas acima apontadas, argumenta que a melhor categoria
para classificar Jesus é a de uma “ Liderança Profética e Oracular" (162-68 ).
Explica de forma meticulosa nos capítulos 6, 7 e 8; "Histórias do Reino",
subdivididos em "Anúncio", "Convite, Boas-vindas, Desafio e Convocação" e
"Julgamento e Vindicação". Prossegue com o capítulo 9 intitulado "Símbolo e
Controvérsia", onde discute as ações de Jesus e os ensinamentos sobre o
símbolos da identidade judaica, ou seja, Sábado , Comida, Nação, Terra e Templo,
problematizando o emprego próprio por parte de Jesus dos símbolos do Reino,
que tratam do “retorno do exílio”, a “restauração da terra e da nação”, a “nova
família de Deus”, “o culto renovado”.

Wright ilustra um exemplo de atitude de arrependimento individual análogo nos


escritos de Josefo, descrevendo um chefe de turba de bandidos tramando contra
sua vida, ao passo que Josefo lhe diz: “Eu gostaria, no entanto, de desculpar suas
ações se ele mostrasse arrependimento e provasse sua lealdade a mim”. É uma
alusão que transmite a introspecção necessária para a conclamação de Jesus “se
ele arrepender e crer em mim”. [17]

“A parábola do filho pródigo é a história do exílio de Israel e sua restauração. Este


é o tema principal.

A Babilônia tinha tomado o povo em cativeiro; Babilônia caira, e voltou o retornara.


Mas nos dias de Jesus muitos, se não a maioria, dos judeus consideravam o exílio
como ainda a permaneccer. O povo voltou em sentido geográfico, mas a grande
profecia de restauração ainda não tinha chegado realmente. O que Israel fazia?
Porque, se arrependera-se do pecado que o havia levado ao seu exílio, e retornara
a YHWH com todo o seu coração, então quem ficara em seu caminho para evitar
seu retorno? A multidão mista, e não menos importante os samaritanos, tinham
permanecido na terra enquanto o povo estava no exílio. Mas Israel iria voltar,
submisso e redimido: os pecados seriam perdoados, a aliança renovada, o Templo
reconstruído e os mortos ressuscitados. O que seu deus havia feito por ela no
êxodo . . . ele iria enfim fazer de novo, ainda mais gloriosamente. YHWH
finalmente tornar-se-ia rei, e faria por Israel, em aliança de amor, o que os profetas
haviam predito. [18]

(...)"Aqueles que reclamam [ representados pelo irmão mais velho na parábola ] do


que está acontecendo estão escalado para o papel do judeus que não foram para
o exílio, e que se opunham as pessoas que regressaram. Eles são, com efeito,
virtualmente samaritanos" [19].

O tema de Jesus assim seria eminentemente escatológico, e assim se descortina


seu senso de vocação em sua pregação e visão de seu papel:
“Se, então , alguém fosse falar com os contemporâneos de Jesus de YHWH
tornando-se rei, podemos seguramente assumir que eles têm em mente, de uma
forma ou outra, essa história de dois lados sobre a dupla realidade de exílio. Israel
faria "realmente" o retorno do exílio; YHWH finalmente retornaria a Sião. Mas, se
isto viesse a acontecer teria que ser um terceiro elemento, tal como: o mal,
geralmente em a forma dos inimigos de Israel, deve ser derrotado. Juntos, esses
três temas formar a metanarrativa implícita na línguagem do reino”. [20]

E consequentemente articula o programa do ideário do nascer do cristianismo:

A práxis de Jesus, histórias e símbolos, assim, indicam suas respostas, implícitas e


às vezes explícitas, às cinco grandes questões da visão de mundo: 'Quem somos
nós?' Jesus e seus seguidores formam o povo do real retorno do exílio, o
remanescente, a semente, o pequeno rebanho. 'Onde estamos?' Estamos na terra,
embora ainda dominados, mas o nosso Deus nos fará herdar a terra. 'Em que
tempo estamos?' Em tempo de crise, a grande tribulação através da qual o reino
virá, o momento tão esperado, quando o Êxodo será re-promulgado, quando
terminará o exílio, o mal será derrotado e YHWH irá retornar a Sião. 'O que está
errado?' O mal está desenfreado não apenas dentro do paganismo, mas dentro de
Israel: do regime opressivo dos chefes sacerdotais para os movimentos populares
revolucionários, o mal do mundo radicalmente infectara Israel também. 'Qual é a
solução?' Tudo o que sabemos sobre Jesus sugere que, no fundo de seu coração,
ele deu a resposta: 'Eu sou'. [21]

[1] MacINTYRE, Alasdair. After Virtue. Indiana: University of Notre Dame, 1984,
pgs.215-16.
[2] The New Testament and the People of God, pg. 118.
[3] como desenvolvido em "The New Testament(...)", parte 3.
[4] “The Rise and Future Demise of the World Capitalist System: Concepts for
Comparative Analysis”, republicado em WALLERSTEIN, I. The Essential
Wallerstein. New York: The New York Press, 2000
[5] “The West (...)”, pgs. 561-619.
[6] “The French Revolution”(…) pgs. 7-22.
[7] The New Testament and the People of God, pg. 35
[8] BRAUDEL, Fernand. (1987), A dinâmica do capitalismo. Rio de Janeiro, Rocco.
pg. 13-14
[9] em "The Challenge of Jesus", 38
[10] The Challenge of Jesus, 51
[11] conferir GREIMAS, A. J, Semântica Estrutural: Pesquisa de Método, Ed.
Cultrix, Säo Paulo, 1976
[12] The New Testament and the People of God, 169-170
[13] The New Testament and the People of God, 237-238
[14] Jesus and the Victory of God, pg. 6
[15] Jesus and the Victory of God, 131-33.
[16] Jesus and the Victory of God, 170
[17] Jesus and the Victory of God, 250
[18] Jesus and the Victory of God, 126-127
[19] Jesus and the Victory of God, 127
[20] Jesus and the Victory of God, 206.
[21] Em “The Historical Jesus and Christian Theology “
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