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Resumo de Legislaçao Penal Especial

Lei 9.613/98 – Lavagem de dinheiro

1. Histórico da Lei 9.613/98


A necessidade de se combater o tráfico de drogas foi o motor para a
promulgação da lei de lavagem de capitais. A comunidade internacional,
através da Convenção das Nações Unidas para o Combate do Tráfico de
Substâncias entorpecentes realizada em 1988, comprometeu-se a combater o
produto do crime de tráfico de drogas, ou seja, o dinheiro obtido por meio do
tráfico. Surgiram então as primeiras leis em diversos países combatendo a
operação conhecida como lavagem de dinheiro.
1.1. Lei 12.683/12: a necessidade de se tornar mais eficiente a persecução
penal dos crimes de lavagem de capitais
A legislação brasileira estava, nos anos 90, extremamente atrasada, de forma
que não tinha condições de combater os crimes de lavagem de capitais. Foi
então que surgiu a Lei 9.613, indicando um rol taxativo de crimes antecedentes
ao crime de lavagem. Com o tempo, foi-se observando a necessidade de
aumentar essa proteção, porque mesmo com a lei o Brasil contava com
pouquíssimas condenações finais pelo crime de lavagem, tendo em vista a
grandeza da economia nacional. Sendo assim, foi inserido no rol taxativo de
crimes antecedentes alguns outros delitos, mesmo assim ainda não era o
suficiente.
A Lei 12.683/12, por fim, trouxe mais tranquilidade para o trabalho dos juízes e
promotores, modificando a lei 9.613/98 em três principais aspectos:
a) Supressão do rol taxativo de crimes antecedentes: revogou todos os
incisos que tratavam dos crimes antecedentes, alterando o caput do
artigo para prever que a lavagem de capitais estará caracterizada
quando houver a ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores,
provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, o que significa
dizer que toda e qualquer infração penal – crime ou contravenção penal
– poderá figurar como antecedente da lavagem de capitais;
b) Fortalecimento do controle administrativo sobre setores sensíveis à
reciclagem de capitais;
c) Ampliação das medidas cautelares patrimoniais incidentes sobre a
lavagem de capitais e sobre as infrações antecedentes, além da
regulamentação expressa da alienação antecipada, que tem o objetivo
precípuo de assegurar a preservação do valor dos bens constritos.
2. A expressão “lavagem de dinheiro”
A expressão surge nos EUA na década de 20 (Money laudering), porém é
utilizada em todo o mundo. A metáfora simboliza a necessidade de o dinheiro
sujo, cuja origem corresponde ao produto de determinada infração penal, ser
lavado por várias formas na ordem econômico-financeira com o objetivo de
conferir a ele uma aparência lícita (limpa), sem deixar rastro de sua origem
espúria.
3. Conceito de lavagem de capitais
Lavagem de capitais é o ato ou o conjunto de atos praticados por determinado
agente com o objetivo de conferir aparência lícita a bens, direitos ou valores
provenientes de uma infração penal.
Para Rodolfo Tigre Maia, lavagem de capitais é o “conjunto complexo de
operações, integrado pelas etapas de conversão (placement), dissimulação
(layering) e integração (integration) de bens, direitos e valores que tem por
finalidade tornar legítimos ativos oriundos da prática de atos ilícitos penais,
mascarando esta origem para que os responsáveis possam escapar da ação
repressiva da Justiça”.
4. Gerações de leis da lavagem de capitais
Logo após a Convenção de Viena, surgiram as primeiras leis que incriminavam
a lavagem de capitais, trazendo como delito antecedente apenas o tráfico ilícito
de drogas, razão pela qual foram denominadas de legislações de primeira
geração.
Nos países que adotaram esta sistemática, verificou-se que a lavagem de
capitais estava sendo utilizada para dissimular a origem de valores obtidos
mediante a prática de outros crimes, para além do tráfico de drogas. Houve
então uma ampliação do rol dos crimes antecedentes, passando a prever
outros crimes graves como antecedentes, dando origem às legislações de
segunda geração.
A lei 9.613/98, em sua origem, se inclua nesta geração, afinal abarcava um
número fechado de crimes antecedentes, dentre os quais incluía o tráfico de
drogas. Doutrina minoritária alegava que o rol de crimes antecedentes não era
numerus clausus, em virtude da abertura extensiva do inciso VII do art. 1º, que
admitia que qualquer crime praticado por meio de organização criminosa
poderia dar origem a produtos laváveis. O STF, contudo, assentou
entendimento que o conceito de organizações criminosas não poderia ser
extraído da Convenção de Palermo, e, portanto, não havia conceito de
organização criminosa no ordenamento pátrio. Assim, até o advento da Lei
12.694/12 (art. 2º), que definiu organização criminosa, a Lei 9.613/98 era sim
uma legislação de segunda geração, porquanto sobravam como infrações
antecedentes apenas aquelas listadas nos demais incisos do art. 1º.
Seguindo a tendência internacional progressiva de ampliação da abrangência
da lavagem de capitais, houve a supressão do rol taxativo de crimes
antecedentes, figurando, em seu lugar, a expressão “infração penal”, que,
doravante, passa a abranger até mesmo as contravenções penais. Como a lei
não estabelece qualquer restrição, as infrações penais podem ser de qualquer
espécie, aí incluídos crimes de natureza comum, eleitorais, militares, contra a
ordem tributária, etc. Portanto, temos agora uma legislação de terceira
geração, que considera que qualquer crime grave pode figurar como delito
antecedente da lavagem de capitais.
Só há uma condição para que o delito-base possa figurar como antecedente: a
de que se trate de infração produtora, ou seja, aquela capaz de gerar bens,
direitos ou valores passíveis de mascaramento. Há crítica minoritária à
legislação brasileira pelo fato de que até mesmo crimes de menor potencial
ofensivo ou contravenções penais podem ser antecedentes, indo de encontro
ao princípio da proporcionalidade, pois a lavagem de capitais é crime grave
(reclusão de 3 a 10 anos).
5. Fases da lavagem de capitais
De acordo com o Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro
(GAFI), o modelo ideal de lavagem de capitais envolve três etapas
independentes:
a) Colocação (placement)
Consiste na introdução do dinheiro ilícito no sistema financeiro,
dificultando a identificação da procedência dos valores de modo a evitar
qualquer ligação entre o agente e o resultado obtido com a prática do crime
antecedente. A colocação é o estágio primário da lavagem e, portanto, o mais
vulnerável à sua detecção, razão pela qual devem as autoridades centrar o
foco de sua investigação nessa fase da lavagem. Normalmente é realizada por
meio do fracionamento em pequenas quantias do dinheiro obtido ilicitamente,
para escapar do controle administrativo imposto às instituições financeiras. É o
caso do traficante que, de posse de um montante enorme de dinheiro ilícito,
deposita em pequenas quantidades em diversas contas diferentes, às vezes
em diversos países diferentes (normalmente paraísos fiscais).
b) Dissimulação ou mascaramento (layering)
Nesta fase são realizados diversos negócios ou movimentações financeiras, a
fim de impedir o rastreamento e encobrir a origem ilícita dos valores. De modo
a dificultar a trilha do papel (paper trail) pelas autoridades estatais, os valores
inseridos no mercado financeiro na etapa anterior são pulverizados através de
operações e transações financeiras variadas e sucessivas, no Brasil e em
outros países, muitos dos quais caracterizados como paraísos fiscais, que
dificultam o rastreamento dos bens.
c) Integração (integration)
Com aparência lícita, os bens são formalmente incorporados ao sistema
econômico, geralmente por meio de investimentos no mercado mobiliário ou
imobiliário, transações de importações/exportações com preços
superfaturados, ou aquisição de bens em geral (barcos, carros, joias, ouro,
etc.). Em alguns casos, o dinheiro lavado é reinvestido na mesma atividade, de
forma a perpetuar o ciclo vicioso.
A despeito da importância do estudo dessas três etapas para que se possa
compreender um ciclo completo de lavagem de capitais, é de todo relevante
destacar que não se exige a ocorrência dessas três fases para a
consumação do delito. A própria redação do tipo penal de lavagem de
capitais autoriza a conclusão no sentido de que não é necessário
expressamente o exaurimento integral das condutas do modelo trifásico para a
consumação do crime. Os atos inerentes às fases de colocação e de ocultação
não são considerados meros atos preparatórios ou de início ou curso de
execução, senão teríamos, respectivamente, a não punição dos atos
preparatórios ou a punição apenas pela tentativa. O tipo não reclama êxito
definitivo da ocultação, tampouco o vulto e a complexidade de “requintada
engenharia financeira” transnacional, basta para caracterizar a figura de
lavagem de capitais a ocultação da origem, da localização e da propriedade
dos valores respectivos.
6. Tipos de lavagem
São basicamente três tipos de lavagem de dinheiro, relacionados à
complexidade dos mecanismos utilizados no processo de lavagem. Esses
mecanismos serão mais complexos na medida em que se impõe uma maior
credibilidade ao procedimento, e também quanto maior for o volume dos fundos
a serem branqueados. A complexidade será, por sua vez, inversamente
proporcional à necessidade de liquidez (meu entendimento é de que a liquidez
se refere ao produto da lavagem, quanto maior a liquidez, menos dinheiro se
perde na lavagem, quanto menor a liquidez, mais dinheiro se perde na
lavagem).
a) Lavagem elementar: as técnicas utilizadas respondem à necessidade
de liquidez de capitais, tratando-se habitualmente de montantes
pequenos. Operações pontuais, sujeitas a um fraco constrangimento de
credibilidade. O dinheiro servirá para despesas de consumo corrente ou
realização de investimento de pouca monta.
b) Lavagem elaborada: são operações que visam o reinvestimento do
dinheiro criminoso em atividades legais. Os valores aqui são mais
elevados e exigem que as técnicas apresentem certa regularidade, com
circuitos estáveis de lavagem. Ocorre em Estados onde a pressão legal
é mais intensa e a utilização dos fundos carece de uma especial
credibilidade.
c) Lavagem sofisticada: ocorre quando se acumula, num curto espaço de
tempo, elevado volume de dinheiro. O agente se depara com grave
problema de credibilidade do dinheiro, pois é quase impossível justificar
essas somas pelo jogo normal da economia lícita. Aqui surgem com
especial importância os mercados financeiros, que são sem dúvida o
palco privilegiado do branqueamento sofisticado. Utilizam-se bancos,
corretoras, contratos com vultos altos, operações transnacionais, etc.
Todas as espécies de lavagem, mas sobretudo a elaborada e a sofisticada,
assistem a uma explosão da utilização da internet para realização das
operações, já que é possível fazer toda a circulação do dinheiro com
impessoalidade, via internet banking, permitindo a desintermediação e a
desnecessidade de contato pessoal com instituições de crédito.
7. Bem jurídico tutelado
Quatro correntes tentam explicar o bem jurídico tutelado pelo crime de lavagem
de capitais:
a) Mesmo bem jurídico tutelado pela infração penal antecedente: de
acordo com esta corrente, o crime de lavagem de capitais visa
resguardar o mesmo bem jurídico da infração antecedente. Esta posição
atende às legislações de primeira geração, nas quais o crime
antecedente era somente o tráfico ilícito de drogas. Para esta posição, o
bem jurídico tutelado pela lavagem de dinheiro que tivesse como
antecedente o tráfico de drogas seria a saúde pública, se antecedente o
furto seria então o patrimônio, causando uma dupla ou superproteção do
bem jurídico. Esta corrente é minoritária e atualmente inviabilizada, pois
das duas uma: ou o branqueamento seria considerado mero
exaurimento da infração antecedente, ou esta seria absorvida pela
lavagem em virtude da progressão criminosa;
b) Administração da justiça: nos mesmos moldes do favorecimento real,
esta corrente defende que a lavagem de capitais torna difícil a
recuperação do produto direto ou indireto da infração antecedente,
dificultando a ação da Justiça, concluindo-se que o bem jurídico tutelado
por este delito é a administração da Justiça.
c) Ordem econômico-financeira: doutrina majoritária entende que o
crime de lavagem de capitais fere o bem jurídico da ordem
econômico-financeira, pois o delito funciona como obstáculo à atração
de capital estrangeiro, afetando o equilíbrio do mercado, a livre
concorrência, as relações de consumo, a transparência, o acúmulo e o
reinvestimento de capital sem lastro em atividades produtivas ou
financeiras lícitas, turbando o funcionamento da economia formal e o
equilíbrio entre seus operadores. A doutrina costuma citar o
comprometimento do fluxo normal de capitais, a concorrência desleal, a
criação de monopólios ou grupos dominantes, abuso do poder
econômico, entre outros, como graves consequências do delito.
Um dos efeitos mais graves produzido pela lavagem de capitais é
sentido no setor privado. Afinal, é comum que a lavagem seja realizada
por empresas de fachada, que misturam rendimentos de atividades
ilícitas com capital lícito (mesclagem de capitais), a fim de esconder os
ganhos obtidos ilicitamente. O acesso a grande montante de capital
ilícito permite que possam subsidiar os produtos da empresa a preços
inferiores ao custo do próprio produtor. Assim, as empresas de fachada
têm uma vantagem competitiva sobre as firmas legítimas que são
obrigadas a obter capital através do mercado financeiro. Isso torna
quase impossível a competição, desenvolvendo uma situação que pode
resultar na quebra do setor privado pelas organizações criminosas.
d) Pluriofensividade: essa corrente sustenta que a lavagem de dinheiro
afeta mais de um bem jurídico. Há quem entenda que os bens jurídicos
tutelados são a ordem econômico-financeira e a administração da
justiça; a ordem econômico-financeira e o mesmo bem jurídico tutelado
pela infração antecedente; ou a administração da justiça e o mesmo
bem jurídico tutelado pela infração antecedente. Por abdicar da
indicação do bem jurídico tutelado, esta proposta de Pluriofensividade
esvazia o conteúdo teleológico da norma.

7.1. Princípio da insignificância e crimes contra a ordem econômico-


financeira
Como a doutrina majoritária entende que o crime de lavagem de capitais afeta
o bem jurídico da ordem econômico-financeira, parece perfeitamente aplicável
o princípio da insignificância, uma vez que outros crimes que atentam contra o
mesmo bem jurídico também vêm recebendo aceitação doutrinária e
jurisprudencial do princípio da insignificância.
A princípio cabe salientar que a lei 10.522/02 estabeleceu que “ficam
cancelados os débitos inscritos em Dívida Ativa da União, de valor consolidado
igual ou inferior a R$ 100,00”. Desta forma, entendeu-se que o desinteresse
estatal na cobrança de dívidas até esse valor serviria como parâmetro para
aplicação do princípio da insignificância.
Posteriormente, todavia, passou a ser adotado como patamar para fins de
aplicação do princípio o quantum previsto na mesma lei 10.522/02, porém no
seu art. 20, que determinava que os autos de execuções fiscais inferiores a R$
10.000,00 seriam arquivados, sem baixa na distribuição. Os Tribunais
passaram a entender que não seria possível que uma conduta
administrativamente irrelevante tivesse relevância na seara penal, pois
confrontaria os princípios da subsidiariedade, fragmentariedade e intervenção
mínima. Este entendimento passou a valer inclusive para fins de aplicação do
princípio da insignificância nos crimes de descaminho, bem como para os
crimes contra ordem tributária propriamente ditos.
Não se aplica esse entendimento ao crime de contrabando, pois este crime
afeta bem jurídico diverso do descaminho, já que ao se tratar de importação ou
exportação de mercadoria absoluta ou relativamente proibida, para além da
sonegação fiscal, há lesão à moral, higiene, segurança e saúde pública,
portanto, inviável a exclusão da tipicidade material da conduta à vista do valor
da evasão fiscal.
Solidificou-se, portanto, que o montante estabelecido para fins de arquivamento
das execuções fiscais deve ser utilizado como parâmetro par fins de aplicação
do princípio da insignificância, porquanto inadmissível que uma conduta seja
irrelevante administrativamente e tenha relevância penal.
Entretanto, foi baixada a Portaria nº 75 do Ministro da Fazenda, estabelecendo
o não ajuizamento de execuções fiscais para dívidas com valor consolidado
inferior a R$ 20.000,00. Seguindo o mesmo entendimento com relação ao art.
20 da Lei 10.522/02, as duas Turmas do STF admitiram a aplicação do
princípio da insignificância em relação ao crime de descaminho se, além de o
valor elidido ser inferior ao quantum de R$20.000,00, não houver reiteração
criminosa ou introdução, no país, de produto que possa causar danos à saúde.
Em sentido diverso, porém, a 3ª Seção do STJ vem entendendo que o valor de
20 mil estabelecido pela portaria do MF não pode vincular as decisões do
Judiciário, tampouco a Lei 10.522/02 previu competência para o Ministro da
Fazenda fixar, por simples portaria, o parâmetro para arquivamento de
execuções fiscais.
Em conclusão, o princípio da insignificância é aplicável ao crime de
descaminho, se este estiver dentro do montante admitido para arquivamento
de execuções fiscais (20 mil para o STF e 10 mil para o STJ), porém não será
aplicado o princípio caso a haja reiteração na conduta de sonegar o pagamento
do tributo devido, afinal a conduta não pode ser considerada, nestes moldes,
como despida de lesividade.
8. Da acessoriedade da lavagem de capitais
Tema importantíssimo que deve ser estudado com afinco, talvez seja melhor
até ler no livro o inteiro teor do capítulo, mas vamos lá.
Art. 2º. O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
I – obedecem às disposições relativas ao procedimento comum dos crimes
punidos com reclusão, da competência do juiz singular;
II – independem do processo e julgamento das infrações penais
antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz
competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de
processo e julgamento;
III – são da competência da Justiça Federal:
a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira,
ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União, ou de suas entidades
autárquicas ou empresas públicas;
b) quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça Federal.
§1º A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da
infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei,
ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade
da infração penal antecedente.
Embora a Lei tenha previsto a autonomia do processo e julgamento do crime
de lavagem de dinheiro em relação à infração penal antecedente, não há uma
total e absoluta independência entre o delito de lavagem e o antecedente. Na
verdade, essa autonomia é apenas relativa.
Isso porque a tipificação da lavagem depende de uma infração penal anterior
que produza o dinheiro, bem ou valor, que será objeto da ocultação. Trata-se
de verdadeira elementar do delito, e que, portanto, na sua ausência será
excluída a própria tipicidade do delito de lavagem de capitais.
Não é necessária a condenação anterior pelo delito antecedente, mas
somente é exigível indícios suficientes da existência da infração penal
anterior, que devem ser abordados pelo juiz na sentença condenatória da
lavagem.
Destarte, para fins de tipificação da lavagem de capitais, o fato anterior deve
ser típico e ilícito, sendo desnecessária, todavia, a comprovação de
elementos referentes à autoria, à culpabilidade ou à punibilidade da
infração antecedente.
O legislador brasileiro adotou, para fins de tipificação do delito de lavagem de
capitais, o princípio da acessoriedade limitada, ou seja, há necessidade de
que o delito prévio seja ao menos típico e antijurídico. A existência de uma
justificante ou de uma causa de exclusão de tipicidade (exceto autoria) leva,
necessariamente, à ausência da infração precedente e, por isso, não haveria a
subsunção típica às figuras de lavagem que exigem a comissão daquele.
Se houver o reconhecimento da insignificância em relação à conduta
antecedente não será possível a tipificação do crime de lavagem de capitais, já
que a insignificância é causa excludente da tipicidade material.
Em sentido contrário, subsiste a possibilidade de tipificação da lavagem de
capitais caso haja absolvição no crime antecedente por causa excludente de
culpabilidade.
Na mesma linha, havendo causa extintiva de punibilidade (prescrição, morte
do agente, pagamento do débito tributário), em regra, não afetará em nada a
tipificação do crime de lavagem de dinheiro, pois a punibilidade é mera
consequência do delito.
Raciocínio diverso se aplica às hipóteses de extinção de punibilidade da
anistia e abolitio criminis. As duas hipóteses, apesar de serem causas
extintivas de punibilidade, são emanadas diretamente de Lei do Congresso
Nacional, e têm como efeito precípuo a extinção de todos os efeitos penais,
subsistindo apenas os civis. São hipóteses de novatio legis que deixa de
considerar o fato precedente como crime, com efeitos ex tunc. Logo, a anistia e
a abolitio criminis alteram a qualidade dos bens ocultados por meio da
lavagem, que deixam de ser considerados provenientes de infração penal,
afastando, assim, o juízo de tipicidade do crime de lavagem de capitais.
Por fim, no que tange à tentativa, é irrelevante que a infração anterior não
chegue a ser consumada, desde que, neste processo, tenham sido produzidos
os bens aptos a serem ocultados. Obviamente é necessário o início da
execução da infração antecedente, já que a mera cogitatio e a preparação não
são puníveis no nosso ordenamento jurídico. Com relação às contravenções
penais, por expressa disposição legal, não se admite tentativa, portanto, a
tentativa de contravenção, por não ser típica, não serve como infração penal
antecedente.
Enquanto não houver a constituição definitiva do crédito tributário nos crimes
materiais contra a ordem tributária, incabível a deflagração de persecução
penal em relação a suposto crime de lavagem de dinheiro, uma vez que a SV-
24 do STF impede a persecução penal até mesmo do crime antecedente.
9. Sujeitos do crime
Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa física.
Apesar de ser possível, em tese, a responsabilização da pessoa jurídica por
crimes contra a ordem econômico-financeira (art. 173, §5º, CF), a Lei de
Lavagem somente prevê a responsabilidade criminal da pessoa física. A PJ, no
entanto, sofre com sanções administrativas previstas na Lei 9.613/98, por essa
razão o Brasil não está inadimplente para com o Direito Internacional, que
exige a punição da PJs, ao menos administrativamente, no item 2-b das
Quarenta Recomendações.
Para a doutrina majoritária o sujeito passivo é a coletividade, já que o bem
jurídico tutelado é a ordem econômico-financeira. Para parcela pequena,
contudo, o sujeito passivo é o Estado, já que o bem jurídico protegido é a
Administração da Justiça.
9.1. Autolavagem (selflaudering)
Muito se discute sobre a possibilidade de o autor do crime antecedente poder
figurar como autor do crime de lavagem de dinheiro, e se isto configuraria mero
exaurimento do crime anterior (vedação ao bis in idem) ou se é perfeitamente
possível o concurso material dos delitos.
A tradição brasileira adota integralmente o entendimento, tanto doutrinário
quanto jurisprudencial, de que as infrações são autônomas e independentes,
podendo ser processadas e julgadas como crimes autônomos.
Há legislações que não admitem que o autor do crime antecedente figure como
autor da conduta de lavagem, como na Itália e na França, sugerindo que a
lavagem de capitais é post factum impunível. No Brasil, inexiste tal vedação.
Há autores que defendem o entendimento contrário, por vezes alegando que a
conduta de lavar o dinheiro sujo já faria parte do próprio objetivo desejado
(meta optata) da atividade delituosa anterior, perfazendo mero exaurimento
(post factum impunível), ou mesmo sugerindo que a punição do autor do crime
anterior pelo crime de lavagem de capitais configuraria autêntico bis in idem,
pois o agente já estaria sendo punido pelo crime antecedente, sendo a conduta
posterior atípica.
Por fim, há autores que afastam a punição posterior em virtude do princípio da
vedação a autoincriminação (nemo tenetur se detegere), segundo o qual o
acusado não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, e consequente
exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. Em outras
palavras, não se pode exigir da pessoa que delinquiu que se entregue à polícia
ou à justiça.
Para o entendimento majoritário, entretanto, admite-se o selflaudering, de um
lado porque a legislação brasileira não veda expressamente essa possibilidade,
como em outros países que admitem a “reserva de autolavagem”, de outro
porque os sujeitos passivos dos crimes são distintos, bem como os bens
jurídicos tutelados. Inviável, portanto, a aplicação do princípio da consunção.
9.2. Desnecessidade de participação na infração antecedente
A participação na infração antecedente não é requisito para que se possa ser
autor do crime de lavagem de capitais. Somente é exigido o conhecimento
quanto à origem ilícita dos valores para que se responda pelo crime de
lavagem. Não à toa hoje em dia se vê uma crescente profissionalização da
lavagem, onde existem indivíduos altamente especializados apenas na
colocação (placement), mascaramento (layering) e integração (integration) de
capitais obtidos ilicitamente, sem que sequer tenham relação alguma com os
delitos antecedentes.
9.3. Participação por omissão
Apesar do relevante debate doutrinário, o entendimento majoritário é de que as
pessoas relacionadas no art. 9º da Lei 9.613/98 não tem o dever de abstenção
das suas condutas profissionais ordinárias que possam caracterizar o
branqueamento de capitais, devendo apenas proceder a identificação
adequada de seus clientes, manter registros das transações realizadas e
comunicar às autoridades competentes a ocorrência de operações suspeitas.
Portanto, os donos de banco não estão obrigados a deixar de fazer operações
suspeitas, ou mesmo presumidamente ilegais, por desconfiarem que os ativos
são de origem ilícita, “desde que tal conduta, inserindo-se entre suas atividades
profissionais ordinárias, não ostente desvalor jurídico-penal próprio”.
9.4. Advogados
As organizações criminosas necessitam, cada vez mais, de prepostos
especializados que facilitem o trabalho de engenharia financeira para
ocultamento dos bens obtidos ilicitamente. Surgiu então a necessidade de
inserir esses profissionais no contexto de combate a esse delito, mediante a
imposição de obrigações de comunicação de atividades suspeitas aos seus
Conselhos Profissionais ou ao COAF. Tais profissionais são chamados de
gatekeepers, e os advogados estão inseridos nesse conceito.
A obrigação de comunicar operações suspeitas de lavagem de capitais
depende do tipo de advocacia que se exerce:
a) Advogados de representação contenciosa: profissionais que atuam
na defesa de seus clientes em um processo judicial jamais podem ser
obrigados a comunicar ao COAF ou à OAB quaisquer fatos dos quais
tenham tomado ciência no estrito exercício da sua atividade profissional,
ainda que se amoldem às figuras típicas da Lei 9.613/98, sob pena de
quebra da relação de confiança com seu cliente.
b) Advogados de operações: a atividade de consultoria jurídica não
processual (empresarial, tributária) encontra-se abrangida pelos deveres
inerentes ao “know your costumer”. Consequentemente, se a
consultoria for prestada no sentido de se indicar a melhor e mais eficaz
forma de se ocultar valores obtidos a partir de uma infração penal, o
advogado deverá responder pelo delito de lavagem de capitais. Afinal,
sua conduta dolosa criou um risco não permitido de mascaramento,
colaborou causalmente com o resultado concreto, dentro do âmbito de
abrangência da norma (teoria da imputação objetiva).
O fato do advogado não responder criminalmente pelo crime de lavagem
não o exonera de responsabilização pela obtenção de valores ilícitos,
quando sabia da sua origem. Isso porque a legislação de lavagem impõe a
perda, em favor da União – ou dos Estados, nos casos de competência
estadual – dos bens, direitos e valores relacionados, direta ou
indiretamente, à prática dos crimes de lavagem de capitais, ressalvado o
direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. Nesse caso, sabendo o advogado
da origem espúria dos bens, não se pode afirmar que havia boa-fé, portanto
deverá perder os honorários obtidos pela defesa judicial do seu cliente. Por
mais que a conduta do profissional não tenha gravidade suficiente para
despertar um responsabilização criminal por lavagem, continuará sendo
ilícita à luz do ordenamento jurídico, passível de medida cautelar de
natureza patrimonial.
Diferente solução será dada ao advogado que assessorar o autor do delito
sobre como obter uma maior rentabilidade dos bens ilícitos ou como ocultá-
los mais eficazmente. Nesse caso responderá pelo crime de lavagem como
partícipe.
Por fim, cabe destacar que recente resolução do COAF sujeita ao
cumprimento de várias normas preventivas as pessoas físicas e jurídicas
não submetidas à regulação de órgão próprio regulador que prestem,
mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, entre
outros. Desta forma, estão excluídos os advogados, que se sujeitam a
regulação própria da OAB, portanto inaplicável aos causídicos judiciais.
“Advogados e as sociedades de advocacia não devem fazer cadastro no
COAF nem têm o dever de divulgar dados sigilosos de seus clientes que lhe
foram entregues no exercício profissional” – CFOAB.
10. Tipo objetivo
Trata-se de crime classificado como misto alternativo, de ação múltipla ou
de conteúdo variado, que pode ser praticado mediante qualquer das condutas
elencadas no tipo penal, respondendo o agente por crime único, ainda que
realizado vários núcleos. Obviamente, caso o agente pratique vários dos
núcleos do tipo, o juiz levará em conta para fins de fixação da pena.
É elementar da lavagem de dinheiro a infração penal antecedente, logo trata-se
de norma penal em branco homogênea homovitelina. Homogênea porque
complementado por norma de mesma hierarquia, homovitelina porque a norma
complementar é proveniente do mesmo ramo do direito.
Apesar da controvérsia doutrinária, considera-se que a lavagem de capitais é
crime formal ou de consumação antecipada, pois, apesar de previsto no tipo
penal o resultado naturalístico, ocultar e dissimular, este não necessita ser
obtido para que o crime seja consumado. Há doutrina, porém, que entende
tratar-se de crime material, pois o mero fato de ocultar o bem, valor ou dinheiro
proveniente de infração penal já produz o resultado naturalístico previsto.
10.1. Distinção entre o exaurimento da infração antecedente e o crime
de lavagem de capitais
A tipificação da conduta de lavagem de dinheiro demanda um ato de
mascaramento do produto direto ou indireto da infração penal antecedente.
Isso porque a mera utilização, o simples usufruto do produto ou proveito da
infração antecedente não tipifica o crime lavagem de dinheiro. Para além
do mascaramento desses bens, direitos ou valores, também se faz necessária
a demonstração dos elementos subjetivos inerentes ao tipo penal em questão,
quais sejam, a consciência e a vontade de limpar o capital sujo e reintroduzi-lo
no sistema financeiro com aparência lícita.
A punição somente se justifica quando a conduta não for um mero
desdobramento da infração penal anterior, ou o mero exaurimento da conduta
antecedente. A conduta de lavagem tem a intenção precípua de dar uma
aparência lícita ao bem, valor ou dinheiro que antes era ilícito. Por isso mesmo
que condutas como aquisição de imóvel em nome próprio ou utilização do
dinheiro ilícito com compras não caracterizam a reinserção do dinheiro ilícito
em circulação, com aparência lícita, típica da lavagem de capitais.
10.2. Natureza instantânea ou permanente
Trata-se de forte discussão doutrinária que ainda não alcançou pacificação
jurisprudencial. O STF ainda não se manifestou acerca da natureza jurídica do
crime de lavagem de dinheiro, se instantâneo de efeitos permanentes, ou se
permanente.
O certo é que o fato de ser classificado de uma forma ou de outra influi
diretamente na tipicidade do delito, máxime pela entrada em vigor da Lei
12.683/2012, que ampliou o número de delitos antecedentes, tornando toda e
qualquer infração penal (produtora) passível de figurar como delito
antecedente.
Com efeito, caso a infração penal antecedente for praticada antes da entrada
em vigor da Lei 12.683/2012, ou seja, antes de 10 de julho de 2012, e não
constar da antiga lista de infrações penais antecedentes, o crime de lavagem
de dinheiro estará ou não consumado a depender da sua classificação como
permanente ou instantâneo de efeitos permanentes.
a) Crime instantâneo de efeitos permanentes: considerando que o ato
de ocultação ou dissimulação tem natureza instantânea, e que o fato de
o bem, valor ou direito manter-se ocultado ou dissimulado perfaz mero
exaurimento do delito de lavagem (efeito permanente), só haverá
lavagem de capitais se tanto a infração penal antecedente quanto a
lavagem de capitais forem perpetradas após a vigência da Lei
12.683/12 (10/07/2012), salvo se a infração penal antecedente já
constava na lista original anterior à referida lei.
b) Crime permanente: considerando que o agente que oculta ou dissimula
o bem, valor ou dinheiro tem o poder de, a qualquer momento, cessar a
conduta criminosa de lavagem de capitais, este crime deve ser
considerado como permanente. Sendo assim, mesmo que a infração
penal antecedente tenha sido cometida antes da entrada em vigor da Lei
12.683/12, responderá o agente normalmente pelo crime de
branqueamento, caso a ocultação ou dissimulação venha a se protrair
no tempo após a vigência das alterações promovidas pela Lei 12.683/12,
no sentido da súmula 711 do STF.
Súmula 711 STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao
crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da
permanência.

Em que pese ainda não haver pronunciamento definitivo acerca da


classificação deste delito, pode ser aplicado o mesmo raciocínio dos tribunais
no tocante ao delito de estelionato previdenciário (art. 171, §3º, CP). Nesse
caso, se a fraude for perpetrada pelo próprio beneficiário da previdência, será
delito permanente. Ao contrário, caso o agente apenas realize a fraude, mas o
benefício seja percebido continuamente por terceiro, será crime instantâneo de
efeitos permanentes. Trazendo o mesmo raciocínio para a lavagem de capitais,
se o agente oculta ou dissimula a origem dos valores para seu próprio usufruto
e benefício, detendo o domínio permanente dos atos de mascaramento, pratica
crime permanente, ao passo que se o agente apenas atua no mascaramento
dos valores ilícitos, sem contudo posteriormente deter qualquer poder de
interrupção dos atos de escamoteamento, pratica crime instantâneo de efeitos
permanentes.
11. Tipo subjetivo
11.1. Punição exclusivamente a título de dolo
No Brasil, não se admite a punição da lavagem de dinheiro a título de culpa. O
elemento subjetivo é o dolo.
A redação antiga do art. 1º da Lei 9.613/98 exigia que o autor da lavagem
tivesse consciência de que os valores ocultados eram provenientes de uma das
infrações penais antecedentes taxativamente listadas. Isso dificultava a
punição, mormente por conta da conduta dos lavadores, chamada de “don’t
ask, don’t tell”, em que ignoravam os detalhes do crime antecedente. A
exclusão do rol taxativo facilitou a punição, pois agora só basta que o agente
da lavagem saiba que o dinheiro tem origem ilícita, direta ou indireta.
Portanto, a punição do crime de lavagem não exige que o profissional da
lavagem tenha conhecimento acerca da infração penal antecedente, afinal,
com a profissionalização do crime de lavagem, os lavadores só entram em
cena quando o dinheiro ilícito já está em mãos, pouco sabendo acerca dos
detalhes da infração anterior. Basta que o agente tenha uma “representação
paralela na esfera do profano”, em outras palavras, pouco importa o
conhecimento técnico-jurídico do agente acerca da subsunção da conduta
anterior neste ou naquele tipo penal.
Por outro lado, se o sujeito atua desconhecendo ou ignorando que os bens
sobre os quais recai sua conduta têm sua origem numa infração penal
antecedente ou, ao menos, admite por erro que não procedem de uma
infração, estaria atuando em erro de tipo, escusável ou inescusável. Se
escusável, excluído estará o dolo, e, portanto, a tipicidade. Se inescusável,
possível a punição a título de culpa, o que não ocorre com o crime de
branqueamento, portanto, conduta também atípica. Responde pelo crime,
contudo, o sujeito que determinou o erro.
11.2. Tipo congruente assimétrico (ou incongruente)
Apenas as figuras equiparadas do §1º fazem menção ao elemento subjetivo
especial “para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores
provenientes de infração penal”. As condutas do caput e do §2º não exigem
especial fim de agir. Por isso, parte da doutrina afirma que a tipificação dessas
figuras demanda apenas o dolo de ocultar ou dissimular os bens.
Apesar deste entendimento, prevalece a doutrina de que a tipificação dessa
modalidade de lavagem de capitais não se satisfaz apenas com o dolo de
ocultar ou dissimular o produto direto ou indireto de infração penal. Para além
disso, também se faz necessária a demonstração do especial fim de agir por
parte do agente consubstanciado na vontade de reciclar o capital sujo por meio
diversas operações comerciais ou financeiras com o objetivo de conferir a ele
uma aparência supostamente lícita.
É justamente esse especial fim de agir do crime de lavagem de capitais,
voltado para a reciclagem do produto direto ou indireto da infração
antecedente, dando a ele uma aparência lícita, que o distingue do delito de
favorecimento real. O crime do art. 349 do CP exige apenas o dolo genérico de
tornar seguro o proveito do crime. A boa doutrina entende o crime de lavagem
de capitais como um delito de favorecimento real qualificado pela intenção de
ocultar os bens através de sua reciclagem. Para a sua configuração, portanto,
se faz necessária a demonstração dos elementos subjetivos inerentes ao tipo
penal em questão, quais sejam, a consciência e a vontade de limpar o capital
sujo e reintroduzi-lo no sistema financeiro com aparência lícita.
11.3. Dolo eventual
É perfeitamente possível a imputação do delito de lavagem tanto a título de
dolo direto, quanto a título de dolo eventual. Portanto, restará configurado o
delito ainda que o agente, desprovido de conhecimento pleno da origem ilícita
dos valores envolvidos, ao menos tenha ciência da probabilidade desse fato –
suspeita da origem infracional -, agindo de forma indiferente à ocorrência do
resultado delitivo (dolo eventual).
A Lei 12.683/12 teve justamente o cuidado de incluir a possibilidade da prática
do crime de lavagem com dolo eventual. A antiga redação do art. 1º. §2º, inciso
I, punia apenas o agente “que sabe” que os bens, valores ou direitos eram
provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo,
exigindo, portanto, o dolo direto. Com a nova redação, a expressão foi
suprimida, dispondo, doravante, que incorre nas penas do crime de lavagem
quem “utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores
provenientes de infração penal”, podendo o agente agir com dolo eventual.
Hoje em dia, a comprovação de que estão presentes os outros elementos que
compõem o tipo penal faz com que recaia sobre o agente o ônus probandi de
que não agiu com dolo eventual, mas com culpa consciente, o que é bastante
criticado pela doutrina. O entendimento mais avançado, porém, reside na
possibilidade de se inferir que o agente teve dolo eventual a partir de
elementos e circunstâncias objetivas do crime de lavagem. Em outras palavras,
pode-se definir o elemento subjetivo do crime (dolo eventual) constatando a
presença de aspectos objetivos do crime, que, a depender da magnitude e
dimensão, tornarão inverossímeis as escusas do agente de que desconhecia a
origem ilícita dos valores ocultados. Seriam exemplos de elementos objetivos:
operações múltiplas e arrojadas, fracionamento de depósitos bancários
(smurfing), falsidades documentais, relações com paraísos fiscais,
movimentação de altas quantidades de dinheiro, mesclagem de capitais, etc.
No Brasil, a Lei 9.613/98 é avançada ao ponto de criar deveres de informação
para determinadas pessoas suscetíveis de se depararem com atos suspeitos
de lavagem (artigos 9º ao 12º). O sujeito é investido em uma posição de
garante, na qual a omissão de sua informação é indício fortíssimo da
participação no crime de lavagem.
11.4. Prova indiciária do dolo
Como é extremamente comum que não existam provas diretas da lavagem de
capitais, o elemento subjetivo do delito deve ser extraído de dados externos e
objetivos, tais como o incremento patrimonial injustificado, operações
financeiras anômalas, inexistência de atividades econômicas ou comerciais
legais como lastro para o incremento patrimonial, etc.
Os indícios devem traçar um caminho unívoco para a incriminação, devem
estar estreitamente relacionados entre si e devem ser plurais, para que autorize
o juiz a aceitar que houve elemento subjetivo de dolo na prática da conduta.
11.5. Teoria da cegueira deliberada (instruções da avestruz)
A teoria da cegueira deliberada (willful blindness), também conhecida como
doutrina das instruções do avestruz (ostrich instructions), ou da evitação da
consciência (conscious avoindance doctrine), a ser aplicada nas hipóteses em
que o agente tem consciência da possível origem ilícita dos bens por ele
ocultados ou dissimulados, mas, mesmo assim, deliberadamente cria
mecanismos que o impedem de aperfeiçoar sua representação acerca dos
fatos.
Segundo a doutrina, a teoria fundamenta-se na seguinte premissa: o indivíduo
que, suspeitando que pode vir a praticar determinado crime, opta por não
buscar a certeza sobre o cometimento do delito, demonstra um grau tamanho
de indiferença em face do bem jurídico tutelado pela norma penal quanto
aquele que age com dolo eventual, podendo sua conduta ser tida como dolo
eventual.
Para o juiz Moro, a teoria tem sido aceita nos tribunais americanos diante de
duas premissas: (a) que o agente tinha conhecimento da elevada possibilidade
de que os bens, direitos ou valores envolvidos eram provenientes de infração
penal; (b) que o agente agiu de modo indiferente a esse conhecimento.
12. Objeto material
O objeto material do crime de lavagem de capitais são os bens, direitos ou
valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Este objeto
possui acepção ampla, podendo ser móveis ou imóveis, desde que tenha
conteúdo econômico.
No caso de crimes contra a ordem tributária, por exemplo, o objeto material do
delito de lavagem será a quantidade sonegada em virtude do crime fiscal, e
não o total do valor que gera a obrigação tributária. Caso o valor efetivamente
sonegado seja inferior a R$10.000,00, a lavagem será insignificante e,
portanto, atípica.
De outro lado, com a extinção do rol de crimes antecedentes trazida pela Lei
12.683/2012, passa a ser possível a lavagem da lavagem (lavagem em
cadeia), que se consubstancia na possibilidade de o objeto da lavagem de
dinheiro ser os valores obtidos a partir de uma lavagem anterior, que, por sua
vez, possui um delito antecedente autônomo.
13. Conflito aparente de normas
O delito de lavagem de capitais muito se aproxima de outros tipos penais, mas
possui características próprias que permitem a distinção, vejamos:
A) Receptação
i) Bem jurídico tutelado: na lavagem é a ordem econômico-
financeira, enquanto na receptação é o patrimônio, público ou
privado;
ii) O branqueamento pode ser praticado pelo mesmo autor do
crime antecedente, a receptação não;
iii) A lavagem tem como objeto material bens móveis ou imóveis,
provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, enquanto
que a receptação só pode recair sobre bens móveis;
iv) O elemento subjetivo da lavagem é voltado para a ocultação ou
dissimulação da origem ilícita dos bens, direitos ou valores,
enquanto na receptação o elemento subjetivo consiste na vontade
livre e consciente de adquirir, receber, transportar ou ocultar a
coisa, sem a intenção de conferir aparência lícita a esses bens.
B) Favorecimento real
i) Bem jurídico tutelado: na lavagem, tutela-se a ordem
econômico-financeira, enquanto no favorecimento real protege-se
a administração da justiça;
ii) A autoria da lavagem pode recair sobre o mesmo sujeito ativo da
infração penal antecedente (autolavagem), enquanto que no
favorecimento real pressupõe-se que os autores sejam distintos,
máxime pela leitura do preceito primário do tipo, que dispõe que a
conduta se caracteriza pelo auxílio destinado a tornar seguro o
proveito do crime, fora dos casos de coautoria ou de receptação;
iii) O elemento subjetivo do crime de lavagem é o dolo genérico de
ocultar ou dissimular os bens, direitos ou valores provenientes de
infração penal, somado ao especial fim de conferir aparência lícita
a esses bens, enquanto que no favorecimento real inexiste
especial fim de conferir aparência lícita ao produto da infração
anterior;
C) Evasão de divisas
Mais complexa é a distinção entre o crime de lavagem de dinheiro e o de
evasão de divisas, a qual deve ser feita com base nas peculiaridades do
caso concreto.
Se a intenção do agente for a de evadir divisas, remetendo ao
estrangeiro ou fazendo adentrar no país valores de forma ilegal,
configurado estará o crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Para o
crime de lavagem de dinheiro, estes valores ilegalmente inseridos no
país ou enviados para o estrangeiro, devem ser provenientes de infração
penal antecedente. O especial fim de agir do crime de lavagem de
dinheiro, consubstanciado na intenção de conferir aparência lícita a
bens, direitos ou valores ilícitos, caracteriza o delito de lavagem e
absorve o delito de evasão de divisas, que funciona como crime meio
para o delito fim, de lavagem.
Com efeito, se a finalidade da remessa do dinheiro para o exterior é
torna-lo limpo, legitimar a origem de bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, e não promover
a evasão de divisas do país, temos um só crime: o de lavagem. A
remessa do dinheiro foi o meio para a prática do crime de lavagem. O
bem jurídico tutelado por ambos é a ordem econômico-financeira,
portanto, possível a absorção.
A diferença mais marcante que a doutrina traz, no entanto, é a seguinte:
evasão pressupõe licitude, somente se podem qualificar como divisas o
que for legítimo. Na lavagem a ilicitude é o pressuposto, pois o dolo é
voltado para esconder a origem espúria dos valores.
14. Revogado rol dos crimes antecedentes
Com o advento da Lei 12.683/12, foi extinto o rol taxativo de crimes
antecedentes à lavagem de dinheiro, transformando a Lei 9.613/98 em uma
legislação de terceira geração. Não obstante, faz-se necessário estudar o rol
de crime antecedentes previsto na legislação anterior, isso porque, a depender
da corrente adotada em relação à natureza do delito de lavagem – permanente
ou instantâneo de efeitos permanentes – a incidência do art. 1º da Lei de
Lavagem de Capitais só será possível se a infração penal antecedente e a
lavagem de dinheiro forem cometidas a partir da vigência da Lei 12.683/12.
Em outras palavras, caso considerado crime de natureza permanente, a nova
Lei terá aplicação sobre todas as ocultações em andamento, ainda que
iniciadas antes do seu advento, e mesmo que não previsto no antigo rol de
crimes antecedentes, desde que a permanência não cesse antes do advento
da Lei. Por outro lado, caso entenda tratar-se de crime instantâneo de efeitos
permanentes, na hipótese da infração antecedente e a lavagem terem sido
cometidas antes da vigência da Lei 12.683/12, mesmo que mantida após a
vigência desta nova Lei, o crime de lavagem só restará configurado caso
presente no rol taxativo dos revogados incisos do art. 1º da Lei 9.613/98.
a) Tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins: Alguns tipos
penais da Lei 11.343/06 não podem ser considerados como “tráfico de
drogas” para fins de caracterização do crime antecedente previsto no
revogado inciso I, do art. 1º da Lei de lavagem de capitais, isso porque
não objetivam o lucro, e, portanto, não são infrações produtoras. Logo,
apenas podem figurar como antecedentes os delitos previstos nos art.
33, caput e §1º, art. 34, art. 36 e art. 37;
b) Terrorismo e seu financiamento: este crime não possuía, à época da
vigência da antiga Lei de lavagem, tipificação penal autônoma no Brasil.
Não existia o crime de terrorismo no Brasil. Portanto, enquadrar
qualquer modalidade de conduta humana como ato de terrorismo, era o
mesmo que ferir o princípio da taxatividade. De outro lado, sabendo que
o crime antecedente pode ser cometido no exterior, e que legislações
alienígenas possuem tipificação do crime de terrorismo, surge a dúvida
se o crime de terrorismo fosse praticado no exterior, e a lavagem do
dinheiro proveniente deste crime fosse levada a cabo no Brasil, estaria
tipificado o delito de branqueamento? Depende, apenas se a definição
legal de terrorismo no Direito alienígena corresponder – sob outro
nomen juris – a conduta considerada criminosa no Brasil e enquadrável
nos crimes antecedentes da reciclagem, respeitando, assim, o princípio
da dupla incriminação, apesar de não ser necessária a coincidência do
nomen juris;
c) Contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua
produção: apesar da denominação que o inciso deu ao crime, não quis
se referir ao crime de contrabando (334-A do CP), mas quis o legislador
se referir aqui ao delito previsto no art. 18 da Lei 10.826/03, denominado
tráfico ilegal de armas de fogo. Também pode ser considerado tráfico o
delito do art. 17 da mesma lei, bem como o dispositivo constante no art.
12 da Lei 7.170/83, espécie de tráfico de armas de fogo, porém
necessário o elemento subjetivo da conduta: motivação política e
objetivos do agente;
d) Extorsão mediante sequestro: previsto no art. 159 do CP;
e) Crime contra a administração pública: este inciso V abrangia não apenas
os crimes contra a administração pública previsto nos CP, mas também
aqueles previstos em lei especial (8.666, Dec-lei 201/67). Não inclui,
contudo, os atos de improbidade administrativa, salvo se o ato também
configurar crime contra a administração pública. A parte final do inciso,
cuja redação assemelha-se ao crime de concussão, é totalmente
redundante, haja vista que a conduta já é tipificada como crime contra a
administração pública;
f) Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional: arrolados na Lei 7.492/86,
bem como os introduzidos na Lei 6.385/76 pela Lei 10.303/01;
g) Crime praticado por organização criminosa: Lei 12.850/13;
h) Crime praticado por particular contra a administração pública
estrangeira: estes crimes foram inseridos no CP pela Lei 10.467/02, em
virtude do compromisso assumido pelo Brasil no plano internacional,
quando firmou a Convenção sobre o Combate da Corrupção de
Funcionário Público Estrangeiro em Transações Comerciais (Paris,
17/12/1997), e estão localizados no capítulo II-A do título XI. O referido
capítulo incrimina as condutas de corrupção ativa em transação
comercial internacional (art. 337-B) e tráfico de influência em transação
comercial internacional (art. 337-C), além de trazer um conceito de
funcionário público estrangeiro (art. 337-D).
15. Tipos de conversão ou transferência e de aquisição e posse
Diferentemente das condutas previstas no caput e no §2º do art. 1º da Lei
9.613/98, o §1º deste dispositivo conforma um delito formal, também
denominado de crime de resultado cortado, ou de consumação antecipada. Isto
porque a redação do tipo contém um resultado naturalístico (ocultação ou
dissimulação), mas não exige sua ocorrência para a consumação. Importante
observar a presença do especial fim de agir presente no tipo, “para ocultar ou
dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração
penal”, do que se infere a desnecessidade de sua ocorrência para a
consumação da lavagem de capitais. Para que a figura do §1º reste
consumada, basta que o agente pratique qualquer uma das condutas
enumeradas em seus incisos com o especial fim de ocultar ou dissimular a
utilização de bens, direitos ou valores provenientes de crime antecedente.
Mesmo que não consiga êxito nessa ocultação ou dissimulação, o delito já
estará consumado, desde que, a título de exemplo, o agente obtenha êxito na
conversão dos ativos ilícitos em lícitos.
A presença do especial fim de agir na redação do §1º transforma-o em tipo
incongruente (ou congruente assimétrico), caracterizado quando a lei
estende o tipo subjetivo além do objetivo. Para a configuração do crime é
fundamental a presença do especial fim de agir, porém a materialidade já
estará consumada com a simples conduta, sem a necessidade do advento do
resultado. Também ocorre tipo incongruente quando a lei restringe o tipo
subjetivo frente ao objetivo (delitos qualificados pelo resultado, nos quais o dolo
vai até o resultado parcial – o minus delictum),ou quanto, no caso concreto,
falta a coincidência, exigida pelo tipo penal, entre a parte subjetiva e a objetiva
(caso da tentativa).
Justamente por conta desta finalidade transcendente que algumas condutas
estão excluídas de responsabilidade, nos chamados “negócios socialmente
adequados”. Embora a conduta possa ter ajudado a dar licitude aos valores
ilícitos, como uma corrida de taxi para um traficante, ela não tinha o especial
fim de agir de ocultar ou dissimular a utilização dos ativos ilícitos.
15.1. Conversão dos produtos ilícitos em ativos lícitos
§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a
utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
(Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
I - os converte em ativos lícitos;
O inciso I do §1º do art. 1º da Lei 9.613/98 é nítido exemplo de tipo subsidiário
(soldado de reserva), na medida em que, se efetivamente obtida a ocultação ou
dissimulação por meio da conversão dos produtos ilícitos em ativos lícitos, a
conduta não mais tipificará esse delito, mas sim a figura do caput do art. 1º.
Esse dispositivo existe, portanto, para punir aquele que não chegou a
conseguir ocultar ou dissimular a utilização dos bens, mas os converteu em
ativos lícitos com essa finalidade específica. A conversão dos ativos ilícitos em
lícitos configura o objetivo final do agente responsável pela lavagem de
capitais.
Grosso modo, qualquer transformação no estado do bem através da sua
substituição por ativo diverso daquele oriundo da infração penal antecedente é
suficiente, de per si, para caracterizar esta figura delituosa.
15.2. Receptação do produto da infração penal antecedente
§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a
utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
(Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
[...]
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia,
guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
Por este inciso, pune-se a conduta do receptador de bens, direitos ou valores
provenientes de infração penal.
15.3. Importação ou exportação de bens com valores falsos.
Subfaturamento e sobrefaturamento.
§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a
utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
[...]
III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes
aos verdadeiros.
Esses bens importados ou exportados não necessariamente precisam ser
produtos da infração antecedente. A intenção do agente, ao superfaturar ou
subfaturar a importação/exportação, é ocultar a origem do lucro ilícito obtido
com o delito-base, ao mesmo tempo em que tais valores são inseridos no
sistema financeiro.
16. Utilização do produto da lavagem na atividade econômica ou financeira
o
§ 2 Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou
valores provenientes de infração penal;
Na redação original do art. 1º, §2º, inciso I, como o legislador havia feito uso da
expressão “que sabe serem provenientes”, subtendia-se que este tipo penal
somente restaria configurado com a presença do dolo direto.
No entanto, com o advento da Lei 12.683/12, houve a supressão da parte final
do inciso, de forma que não se exige mais o dolo direto, basta o dolo
eventual. Logo, se o agente suspeitar da origem infracional dos bens e mesmo
assim os utilizar na atividade econômica ou financeira, assumindo o risco de
produzir o resultado “lavagem de capitais”, deverá responder pelo crime do
inciso I do §2º do art. 1º da Lei de lavagem. Houve, portanto, uma novatio
legis in pejus, aplicável somente aos crimes cometidos a partir da vigência da
nova lei, em 10 de julho de 2012.
Por outro lado, apesar de não estar previsto expressamente, como está no §1º,
a menção ao especial fim de agir de “ocultar ou dissimular” a origem ilícita dos
valores, prevalece o entendimento de que essa finalidade transcendente
também é necessária para a caracterização dessa figura delituosa.
O tipo penal do inciso I do §2º do art. 1º não se confunde com a receptação
qualificada, por dois motivos básicos. Primeiro, porque a receptação
qualificada é crime próprio, cujo autor é apenas aquele que exerce com
habitualidade a atividade comercial ou industrial, ao passo que a lavagem pode
ser praticada por qualquer pessoa que utilize os bens em atividade econômica
ou financeira, mesmo sem habitualidade. Segundo, enquanto a receptação
qualificada não pode ter como sujeito ativo o autor do delito anterior, a lavagem
de capitais pode ser praticada pelo mesmo autor da infração penal antecedente
(autolavagem).
17. Associação para fins de lavagem de capitais
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento
de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de
crimes previstos nesta Lei.
A associação para fins de lavagem está prevista no inciso II do §2º do art. 1º,
incriminando a conduta daquele que participa de grupo, associação ou
escritório, tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é
dirigida à prática de crimes de lavagem de capital.
Para a doutrina, a tipificação do inciso requer o preenchimento de alguns
requisitos: (a) demonstração de que o grupo realmente existe; (b) presença de
uma mínima estabilidade associativa; (c) que existam finalidades concretas
voltadas aos crimes descritos na lei; (d) a conduta individual deve ser
penalmente relevante.
18. Consumação e tentativa
§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do
Código Penal.
O ciclo completo do crime de lavagem de capitais abrange a colocação, a
dissimulação e a integração, contudo, a consumação desse crime independe
do aperfeiçoamento dessas três fases. Afinal, nenhum dos tipos penais da
lavagem exige, para sua consumação, que o valor sujo venha a ser integrado
com aparência lícita ao sistema econômico formal. Essa incorporação dos bens
à economia formal funciona como mero exaurimento do delito de lavagem.
Trata-se, portanto, de um crime plurissubsistente, passível de fracionamento do
iter criminis, dado que o agente pode, antes de completar a primeira fase do
crime (colocação), ser interrompido em um ato de início dessa execução,
configurando a tentativa. O crime de lavagem de capitais estará consumado
quando houver o primeiro ato de mascaramento dos valores ilícitos, porquanto
o tipo penal em questão não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado
pelo agente, nem grande vulto e complexidade.
19. Causa de aumento de pena
§ 4o A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes
definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por
intermédio de organização criminosa. (Redação dada pela Lei nº
12.683, de 2012)
Quanto à organização criminosa, apenas três observações. Primeiro, o
conceito de organização criminosa está previsto na Lei 12.850/13, configurando
norma penal em branco homogênea homovitelina. Segundo, não há bis in
idem entre a majorante prevista no §4º do art. 1º da Lei de lavagem e a
condenação por associação criminosa (CP, art. 288), uma vez que se está
diante de duas objetividades jurídicas distintas. A lavagem de capitais protege
a ordem econômico-financeira, enquanto o crime de associação criminosa
tutela a paz pública. Terceiro, há bis in idem na aplicação da majorante do §4º
em conjunto com a condenação pelo art. 2º da Lei 12.850/13. No caso, há duas
possibilidades: o agente deve responder tão somente pelo crime de lavagem
de capitais, com a aplicação da majorante do §4º, ou responde pelo crime de
lavagem de capitais sem a aplicação da referida majorante, porém em
concurso material com o crime de organização criminosa.
Na redação antiga, utilizava-se a expressão “de forma habitual”, ou por
intermédio de organização criminosa.
Quanto à primeira parte do §4º, a pena será aumentada de um a dois terços
caso os crimes sejam cometidos de forma reiterada. Não se trata aqui de
crime habitual, no qual a tipicidade só se configura pela prática reiterada da
conduta descrita no tipo, sendo irrelevante e atípica a prática de um único ato
isolado.
Para a incidência da causa de aumento do §4º não se exige uma
homogeneidade de circunstância de tempo, lugar, e modus operandi, tal qual
se exige para o reconhecimento do crime continuado. O pressuposto de
aplicação da causa de aumento é a reiteração da lavagem de capitais sem
qualquer nexo de continuidade, e se restar comprovado que o acusado investia
na prática delituosa de lavagem de capitais de forma reiterada e frequente, é
perfeitamente possível o aumento da reprimenda. Por outro lado, quando
houver um nexo de continuidade pelas condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes, aplica-se a regra do crime continuado para a
reiteração da lavagem de capitais.
20. Colaboração premiada
§ 5º. A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida
em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de
aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de
direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente
com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à
apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores
e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do
crime.
A colaboração premiada prevista na Lei 9.613/98 foi uma inovação legislativa
no campo das demais colaborações premiadas. Esta foi a primeira a prever a
possibilidade de perdão judicial do colaborador, além de possibilitar o início da
pena em regime mais brando, ou obter os benefícios decorrentes da
colaboração mesmo durante a execução penal. Trata-se de uma figura muito
mais sedutora do que as outras previstas anteriormente, tais como na Lei
8.072/90, no art. 159, §4º do CP, na revogada Lei 9.034/95, na Lei 7.492/86 e
na Lei 8.137/90.
A Lei de lavagem de capitais prevê três benefícios possíveis para o
colaborador, a depender do grau de colaboração:
a) Diminuição de pena de um a dois terços e fixação do regime inicial
aberto ou semiaberto;
b) Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, ainda que o fato não se amolde às disposições do art. 44 do
CP;
c) Perdão judicial como causa extintiva da punibilidade.
Para ser beneficiado, o colaborador deve prestar esclarecimentos que
conduzam à, pelo menos, um dos três efeitos listados na lei. Trata-se de uma
novidade da Lei 12.683/12, que faz uso da conjunção alternativa “ou”, do que
depreende-se que os três objetivos são alternativos e não cumulativos, como
era na redação original do dispositivo. São os possíveis efeitos da colaboração:
a) Apuração das infrações penais;
b) Identificação dos demais coautores e partícipes;
c) Localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
A colaboração deve ser espontânea, ou seja, deve ser despida de qualquer tipo
de coação, podendo o colaborador ter sido suscitado ou até induzido por
alguém para efetuar a colaboração. Pouco importa a motivação do agente, se
movido por legítimo arrependimento, desejo de vingança em relação aos
comparsas, medo ou até interesse na obtenção das vantagens.
Por fim, nota-se que a colaboração pode ser efetuada a qualquer tempo, ou
seja, mesmo depois do trânsito em julgado da sentença condenatória,
afinal, para o Estado, o mais relevante é a apuração dos detalhes das infrações
penais e a recuperação dos valores, pouco importando se antes ou depois do
trânsito em julgado. Portanto, pode o colaborador efetuar sua colaboração
durante a execução penal, desde que ainda seja objetivamente eficaz.
21. Procedimento comum ordinário
O procedimento a ser seguido nos crimes de lavagem é o procedimento
comum ordinário, por disposição expressa do art. 2º da Lei 9.613/98, e também
pelo fato da pena máxima cominada para o crime ser de 10 anos. Ainda que
presente uma causa de diminuição de pena, como a tentativa ou mesmo a
colaboração premiada, esta deverá ser computada no seu mínimo legal (já que
a fixação do procedimento leva em conta o máximo da pena), hipótese em que,
mesmo assim, a pena superará os quatro anos de pena máxima para adoção
do rito ordinário.
Em suma, o rito seguirá as seguintes etapas: a) oferecimento da denúncia; b)
juízo de admissibilidade da peça acusatória (rejeição ou recebimento); c) sendo
recebida, citação do acusado; d) resposta à acusação em até 10 dias; e)
possibilidade de absolvição sumária; f) designação da audiência una de
instrução e julgamento (até oito testemunhas).
A absolvição sumária, que tem lugar logo após a apresentação da resposta à
acusação, poderá ser decretada em quatro casos distintos: a) existência
manifesta de causa excludente de ilicitude do fato (estado de necessidade,
legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de um
direito ou consentimento do ofendido); b) existência manifesta de causa
excludente da culpabilidade, salvo inimputabilidade (coação moral irresistível,
obediência hierárquica, inexigibilidade de conduta diversa); c) que o fato
narrado evidentemente não constitui crime: reconhecida a atipicidade formal ou
material (insignificância) da conduta delituosa; d) extinta a punibilidade do
agente (morte, prescrição, decadência).
Obviamente, a decisão de absolvição sumária somente poderá recair sobre as
infrações descritas na inicial acusatória. Portanto, somente se absolverá o réu
pela infração penal antecedente caso esta esteja compreendida na inicial
acusatória em conjunto com o crime de branqueamento. Afinal, estes dois
crimes não necessitam obrigatoriamente de figurar num simultaneus
processus. O restante do procedimento possui as características normais do
rito comum ordinário.
21.1. Procedimento no caso de crimes conexos
Existe a possibilidade, a depender do caso concreto, de que o crime de
lavagem seja processado e julgado em um mesmo processo da infração penal
antecedente. Esta união pode ser decorrente de uma conexão objetiva
(lavagem cometida para ocultar a infração antecedente ou garantir a
impunidade ou vantagem do outro delito) ou uma conexão instrumental,
probatória ou processual (a prova da infração antecedente influi na prova da
lavagem).
É possível que o delito antecedente, a ser julgado em um simultaneus
processus, esteja submetido a um rito procedimental distinto do comum
ordinário (típico da lavagem). O que fazer nestes casos?
Em primeiro lugar, é preciso verificar se existe algum juízo que exerça força
atrativa, como é o caso do Tribunal do Júri, que atrai todos os delitos conexos
com o crime doloso contra a vida, podendo inclusive atrair o processo e
julgamento dos crimes de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, conexos
com o homicídio doloso, por exemplo.
A controvérsia se instaura verdadeiramente quando a força atrativa para julgar
os delitos recai sobre o mesmo juízo singular comum. O caso mais
emblemático é o da conexão entre os delitos de trafico de drogas, submetido
ao rito da Lei 11.343/06 e o branqueamento.
O raciocínio mais correto é o seguinte: o rito a ser seguido é o do procedimento
mais amplo, que não é necessariamente o mais demorado, mas sim o que
oferece às partes maiores oportunidades para o exercício de suas
faculdades processuais. Portanto, se é verdade que a Lei de drogas oferece
ao acusado a possibilidade de defesa preliminar, antes do recebimento da
denúncia, esta mesma lei reduz o número de testemunhas para cinco, além de
resumir o procedimento a uma audiência una de instrução e julgamento, na
qual o interrogatório é o primeiro ato da instrução processual. No mesmo
sentido, não existe a possibilidade, no rito tóxico, do requerimento de
diligências ao final da audiência, nem substituição das alegações orais por
memoriais. Conclui-se, portanto, que o procedimento comum ordinário é
mais amplo do que o rito entorpecente, já que oferece maiores
oportunidades para o exercício das faculdades processuais, devendo
prevalecer nas hipóteses de conexão e/ou continência com os crimes de tráfico
de drogas. Jurisprudência firme do STF e STJ.
22. Autonomia relativa do processo
O processo criminal pelo delito de lavagem de dinheiro independe do
julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticadas em outro
país. A Lei 9.613/98 consagra a autonomia relativa do processo de lavagem de
dinheiro, que não precisa tramitar obrigatoriamente em conjunto com aquele
relativo à infração antecedente. O dispositivo não proíbe a reunião dos
processos, mas apenas a possibilita, a juízo do magistrado competente para o
processo do crime de lavagem. É o caso concreto que vai demonstrar a
necessidade ou não da unificação dos feitos.
Há casos em que evidentemente os processos dos dois delitos terão que
tramitar separadamente, como quando a infração antecedente for cometida no
exterior, sob outra jurisdição. Há casos, contudo, que será mais efetiva a
persecução penal se os processos tramitarem em conjunto, como nas
hipóteses em que há uma conexão objetiva (lógica ou material) entre os
delitos, sendo a lavagem cometida para ocultar a infração anterior, ou mesmo
para assegurar a vantagem em relação a ela. Também será favorável a reunião
nos casos em que a lavagem possui conexão instrumental com o delito
precedente, na medida em que a prova da infração antecedente influi na prova
do delito de lavagem.
Em suma, o juiz deve concluir pela reunião dos processos sempre que as
peculiaridades do caso indicarem uma otimização da pretensão punitiva
estatal.
Separados ou em conjunto, a comprovação da infração antecedente figura
como questão prejudicial homogênea (mesmo ramo do direito) do próprio
mérito da ação penal da lavagem. O juiz tem o dever de abordar essa questão
quando da fundamentação da sentença condenatória, afirmando estar
convencido da ocorrência da infração penal antecedente.
Quanto à suspensão do processo, como se trata de prejudicial homogênea,
não tem o condão de suspender o processo do delito de lavagem, afinal, de
acordo com o CPP, apenas questões prejudiciais heterogêneas são aptas a
suspender o curso do processo penal. Há duas possibilidades para a solução
desta questão prejudicial homogênea:
a) Julgamento conjunto da lavagem e infração penal antecedente:
na hipótese de serem julgadas em conjunto, é natural que, por
pressuposto lógico, primeiro seja julgada a infração antecedente;
b) Julgamento separado da lavagem e infração penal antecedente:
por diversas razões os processos poderão correr em separado,
sobretudo quando não houver conexão lógica ou instrumental entre
os delitos. Nesses casos, o reconhecimento da infração penal
antecedente passa a figurar como questão prejudicial homogênea a
ser apreciada incidentalmente pelo magistrado. Sendo assim, revela-
se inviável o sobrestamento do feito a fim de aguardar o julgamento
da infração penal antecedente.
É possível que ocorra o julgamento e condenação da lavagem antes do término
do processo relativo à infração penal antecedente. No caso de condenação
pela lavagem e posterior absolvição pela infração penal antecedente, o
remédio para curar esse desatino é a revisão criminal ou até mesmo o HC.
Por fim, existe a possibilidade de a infração penal antecedente cometida no
estrangeiro seja julgada no Brasil, na hipótese de extraterritorialidade
condicionada, obedecendo a algumas condições, previstas no art. 7º, §2º do
CP, dentre elas a dupla tipicidade e o reingresso do agente no território.
22.1. Da questão prejudicial e da influência da coisa julgada no
processo referente à infração antecedente
É fundamental analisar os efeitos que a coisa julgada no processo da infração
penal antecedente produz no processo do crime de lavagem.
A autoridade da coisa julgada de uma sentença absolutória pela infração
antecedente impedirá o processo pelo crime de lavagem de capitais nas
seguintes hipóteses, lembrando que o autor de delito anterior não precisa
necessariamente coincidir com o autor da lavagem, e a relação entre os dois
delitos, como já estudado, é de acessoriedade limitada:
a) Inexistência material do fato, porquanto não haverá produto direto ou
indireto passível de lavagem;
b) Atipicidade da conduta antecedente, uma vez que os bens, direitos ou
valores não seriam produto direto ou indireto de infração penal;
c) Licitude da conduta, se o fato típico anterior foi considerado lícito pela
presença de alguma excludente de ilicitude.
Nestas hipóteses de absolvição da infração penal antecedente, pouco importa
se a decisão se deu por certeza negativa da ocorrência ou pela dúvida de sua
ocorrência. Ou seja, quer pela prova categórica de sua presença, quer pela
fundada dúvida de sua ocorrência, a absolvição da infração antecedente por
estas razões impede o processo do crime de lavagem. De outro lado, não se
questiona a autoria da infração antecedente, tampouco a culpabilidade ou a
punibilidade da conduta (nesta última, salvo a abolitio criminis e a anistia).
Por fim, sabe-se que a autoridade da coisa julgada material da infração penal
antecedente só pode ser oposta no delito de lavagem de dinheiro caso o
acusado pelo crime posterior tenha participado do processo anterior. Em caso
positivo, ele não poderá questionar a decisão anteriormente proferida. Por
outro lado, se não tiver participado, poderá impugnar e apresentar provas de
que não existiu a infração antecedente, pois a coisa julgada não opera efeitos
contra quem não participou do processo (questão prejudicial homogênea).
23. Competência criminal
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de
bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou
empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da
Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando,
iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no
estrangeiro, ou reciprocamente;
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por
lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;

A leitura do art. 109 da CF nos permite afirmar que os crimes contra o sistema
financeiro e a ordem econômico-financeira só serão de competência da Justiça
Federal caso assim esteja determinado por lei. Sendo assim, cabe analisar se
há ou não previsão legal quanto à competência da JF.
Na Lei 1.521/51 (Crimes contra a economia popular) não há previsão legal,
portanto subtende-se que esses crimes são de competência estadual.
Súmula 498 do STF: Compete a justiça dos Estados, em ambas as
instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a economia
popular.

A Lei que dispõe sobre o Sistema Financeiro Nacional (Lei 4.595/64) também
é omissa, prevalecendo o entendimento de que os crimes nela previstos são de
competência estadual.
Contudo, em relação à Lei 7.492/86, que define os crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional, há disposição expressa no art. 26 assinalando a
competência da JF. Eventual alegação de que o prejuízo decorrente do delito
foi suportado unicamente por instituição financeira privada não afasta a
competência federal.
Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida
pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.

Para se falar em crime contra o sistema financeiro nacional é preciso ter em


mente o art. 1º da Lei 7.492/86, que conceitua instituição financeira, e seus
parágrafos, que definem as instituições equiparadas (inclusive pessoa física
que realiza as atividades típicas de instituição financeira).
Importante salientar a competência da Justiça Estadual para julgar o crime de
utilização de documentos falsos para contrair empréstimos na
modalidade CDC (crédito direto ao consumidor), que está subsumido ao art.
171 do CP, e não erroneamente no art. 19 da Lei 7.492/86. Isso porque o art.
19 fala em financiamento, o que se difere de empréstimo, já que
financiamentos são operações realizadas com destinação específica, em que,
para a obtenção do crédito, existe alguma concessão por parte do Estado
como incentivo, assim há vinculação entre a concessão do crédito e o
patrimônio da União, atraindo a competência da JF.
De outro lado, embora o leasing financeiro não seja um financiamento
propriamente dito, ele constitui o núcleo ou elemento preponderante dessa
modalidade de arrendamento mercantil. Logo, se se trata de crime contra o
SFN previsto no art. 19 da lei 7.492/86, há de se reconhecer a competência da
JF, nos termos do art. 26 da referida lei.
Com relação à Lei 8.137/90, que dispõe sobre crimes contra a ordem
tributária, econômica e contra as relações de consumo, não há disposição
expressa acerca da competência. Assim, quanto aos crimes previstos nos arts.
1º a 3º desta lei, a competência somente será da JF se houver a supressão ou
redução de tributos federais; tratando-se de tributos estaduais ou municipais, a
competência será da Justiça Estadual.
Em relação ao crime de formação de cartel, previsto no art. 4º da Lei
8.137/90, o STJ entende que, por não haver dispositivo expresso na lei, a
competência, em regra, é da Justiça Estadual. Porém, em se verificando
ofensa a bens, serviços ou interesses da União, suas autarquias ou empresas
públicas, ou que, pela magnitude da atuação do grupo econômico ou pelo tipo
de atividade desenvolvida, o ilícito tenha propensão de abranger vários
Estados da Federação, prejudicar setor estratégico para a economia nacional
ou o fornecimento de serviços essenciais, evidenciando interesse supra
regional, a competência será da Justiça Federal.
Quanto ao delito de venda de combustível adulterado, previsto na Lei
8.176/91, há silêncio da lei, denotando competência da Justiça Estadual, pouco
importando o fato de a Agência Nacional de Petróleo exercer o controle,
fiscalização e regulação da atividade de distribuição e revenda de derivados de
petróleo, o que configura interesse meramente mediato, genérico e reflexo.
Quanto aos crimes de lavagem de dinheiro, em regra, são de competência da
Justiça Estadual, o que é confirmado pela própria lei, em seu art. 2º, inciso III:
III - são da competência da Justiça Federal:
a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem
econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou
interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas
públicas;
b) quando a infração penal antecedente for de competência da
Justiça Federal.
Quanto à primeira hipótese, a conclusão de que todo e qualquer delito de
branqueamento atinge a ordem econômico-financeira pode levar à errônea
conclusão de que esse crime sempre será julgado pela Justiça Federal. Isso
porque, o simples fato de o dinheiro circular pelo sistema financeiro não atrai a
competência da JF. O ideal é concluir que o crime de lavagem de capitais será
julgado pela JF apenas quando atingir o sistema financeiro e a ordem-
econômico financeira nacional como um todo, isto é, de todo o país, colocando
em risco toda a credibilidade do sistema.
A segunda parte da alínea “a” é mera repetição do art. 109, IV da CF.
Sempre que o processo da infração penal antecedente recair sobre a Justiça
Federal ou perante ela estiver tramitando em razão de conexão, ainda que o
delito seja estadual, caberá à JF o julgamento da lavagem de capitais. Isso
ocorrerá em grande parte dos casos, afinal o delito de evasão de divisas (art.
22 da Lei 7.492/86), geralmente associado com a lavagem de capitais, é de
competência federal. Ademais, fica a súmula 122 do STJ:
Súmula 122 do STJ: Compete à Justiça Federal o processo e
julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e
estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, “a”, do Código de
Processo Penal.

Por fim, embora não prevista em lei, há uma última hipótese que atrai a
competência do julgamento dos crimes de branqueamento para a JF: quando
a lavagem for praticada além do território nacional e houver tratado ou
convenção internacional firmado pelo Brasil no qual o Estado brasileiro
se compromete a reprimir a infração penal antecedente. Afinal, compete à
JF, por força do art. 109, inciso V, CF, o processo e julgamento de crimes
previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução
no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente. Logo, para além da previsão no ato internacional ratificado
pelo Congresso e Presidente da República, é imprescindível que o delito se
revista do caráter de internacionalidade, ou seja, que sua execução tenha
iniciado no país, com o resultado ocorrendo ou devendo ter ocorrido no
estrangeiro, ou reciprocamente.
Exemplos de Tratados: Convenção de Viena contra o Tráfico Ilícito de
Entorpecentes e substâncias psicotrópicas; Convenção de Paris da OCDE
sobre Corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações
comerciais internacionais; Convenção de Palermo contra o Crime organizado
internacional; Convenção de Mérida contra a Corrupção; Convenção
Interamericana contra o Terrorismo de Barbados.
O simples fato de o Brasil ser signatário desses diversos Tratados
internacionais não significa dizer que a lavagem de capitais cometida além do
território nacional deverá ser processada e julgada pela JF, independentemente
da infração penal antecedente.
Apesar dos diversos compromissos internacionais firmados pelo Brasil, não há
um tratado específico que obrigue o Brasil a reprimir a lavagem de capitais
isoladamente considerada, de maneira autônoma e independente da infração
antecedente.
Conclui-se que a lavagem de capitais cometida além do território nacional
deverá ser processada e julgada pela JF apenas quando possuir as seguintes
infrações penais como antecedentes: 1) tráfico de drogas; 2) crimes contra a
Administração Pública previstos na Convenção de Mérida; 3) terrorismo; 4)
delito de corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações
comerciais internacionais; 5) quando a infração antecedente for praticada por
organização criminosa transnacional. A contrario sensu, não constando a
infração antecedente de tratado internacional (ex. roubo), subsiste a
competência da Justiça Estadual para o processo e julgamento do feito, ainda
que o branqueamento seja cometido além do território nacional.
23.1. Varas especializadas para processar e julgar os crimes contra o
sistema financeiro nacional e os delitos de lavagem de capitais
Houve relevante movimento de fortalecimento do combate ao crime de
lavagem de dinheiro, após a pesquisa realizada em 2001 pelo Centro de
Estudos Judiciários, o que culminou em diversas modificações da estrutura
administrativa nesse sentido, com criação varas especializadas para processar
e julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional e os delitos de lavagem
de capitais.
Por meio de resolução (nº 314/2003), o CJF determinou que os TRF deveriam
especializar, em 60 dias, varas criminais com atribuição exclusiva para estes
delitos. Por conta dessa e outras resoluções, surgiu intensa discussão nos
Tribunais quanto à (in)compatibilidade dessas varas especializadas com o
princípio do juiz natural, e sobre a remessa dos autos em andamento a essas
varas especializadas.
Não há falar em violação ao princípio (R. Brasileiro) do juiz natural – pois a
proibição de tribunais de exceção não significa impedimento à criação de
justiça especializada ou de vara especializada. Não se pode confundir juízos de
exceção (ou ex post factum) com juízos especializados, os quais são divisões
da função jurisdicional, inseridas no quadro geral do Judiciário para colaborar
na administração da justiça. A própria CF assegura ao Judiciário autonomia
administrativa e financeira, podendo proceder a sua auto-organização
administrativa.
Também não há falar que a especialização de varas está sujeito ao princípio da
legalidade estrita (necessidade de lei ordinária), porém apenas pelo princípio
da legalidade (CF, 5º, II). Os tribunais, ao especializar varas, o fazem no
desempenho da sua função normativa. Contudo, não podem essas portarias e
resoluções alterar a competência territorial definida no art. 70, do CPP.
Súmula 206 do STJ: A existência de vara privativa, instituída por lei
estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de
processo.

Quanto aos inquéritos e processos em andamento, acabou prevalecendo o


entendimento segundo o qual seria possível a aplicação subsidiária da regra da
perpetuação de competência do art. 43 do NCPC (antigo 87 CPC/73):
Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da
distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do
estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando
suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.

Não dispondo nada em contrário no provimento de especialização das varas,


serão redistribuídos à vara especializada todos os processos em curso,
tornando o juiz de vara federal diversa absolutamente incompetente para
processar e julgar os delitos em questão. Competência em razão da matéria,
caráter absoluto. Não há se falar em perpetuação de competência.
Por fim, só devem ser encaminhados à vara especializada quando houver
indícios concretos da prática do crime de lavagem de capitais. Entendimento
reconhecido na súmula 34 do TRF 3ªR:
“O inquérito não deve ser redistribuído para Vara Federal Criminal
Especializada enquanto não se destinar à apuração de crime contra o
sistema financeiro (Lei 7.492/86) ou delito de lavagem de ativos (Lei
9.613/98)”

23.2. Reconhecimento da conexão e/ou continência pelo juízo


competente para o processo e julgamento do crime de lavagem de
capitais
Muitas vezes a íntima relação entre dois fatos delituosos torna conveniente a
reunião de todos eles num só processo, com julgamento único (simultaneus
processus), evitando-se decisões contraditórias.
Em se tratando do delito de lavagem de capitais, talvez as hipótese mais
comuns de conexão sejam a objetiva e a probatória. A objetiva, lógica ou
material, prevista no art. 76, II, CPP, ocorre quando um crime é cometido para
facilitar ou ocultar o outro, ou para impunidade ou vantagem em relação ao
outro. A conexão probatória ou instrumental, art. 76, III, CPP, ocorre quando a
prova de um crime influenciar na existência do outro.
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido
praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por
várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou
por várias pessoas, umas contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para
facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou
vantagem em relação a qualquer delas;
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas
circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
Reconhecida a conexão ou continência, e desde que nenhum dos processos já
tenha sido sentenciado, deverá haver a reunião num único processo. A
prolação da sentença impede a reunião, ainda que não tenha havido o trânsito
em julgado.
Súmula 235/STJ: A conexão não determina a reunião dos processos,
se um deles já foi julgado.

A despeito da conexão ou continência, nem sempre será possível a reunião


dos feitos num simultaneus processus. Há situações em que o CPP veda a
reunião dos processos:
a) Concurso entre a jurisdição comum e a militar: disposição expressa
do art. 79, inciso I, CPP, bem como das didáticas súmulas 30 do extinto
TFR e 90 do STJ:
Súmula 90 STJ: Compete à Justiça Estadual Militar processar e
julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela
prática do crime comum simultâneo àquele.
Súmula 30 TFR: Conexos os crimes praticados por policial militar e
por civil, ou acusados estes como co-autores pela mesma infração,
compete à Justiça Militar Estadual processar e julgar o policial militar
pelo crime militar (CPM, art. 9º) e à Justiça Comum, o civil.
Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e
julgamento, salvo:
I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;

b) Concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores:


disposição expressa do art. 79, II, CPP:
Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e
julgamento, salvo:
II - no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de
menores.

c) Concurso entre a Justiça Eleitoral e a Justiça Federal: pela regra do


art. 78, IV, CPP, no concurso entre a jurisdição comum e a especial,
prevalecerá esta. Contudo, sabe-que que a competência da Justiça
Federal foi estabelecida pela própria constituição, não podendo ser
relativizada por conta de uma regra legal. É a lei processual penal que
deve ser interpretada de acordo com a constituição, e não o contrário. A
conexão entre crimes de competência da Justiça Eleitoral e da Justiça
Federal não importa em unidade de processo e julgamento. Contudo,
caso a conexão se dê entre crimes eleitorais e crimes estaduais, haverá
reunião dos processos na justiça eleitoral, uma vez que a competência
estadual é residual, não estando expressamente prevista na CF;
d) Doença mental superveniente à prática delituosa: sobrevindo doença
mental a um dos acusados, em qualquer caso cessará a unidade de
processo, ficando suspenso o processo quanto ao enfermo, salvo para
as diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento, cabendo o
magistrado a nomeação de curador. Por ausência de disposição legal
expressa, entende-se que o prazo prescricional não fica suspenso
durante a inatividade processual;
e) Citação por edital de um dos corréus, seguida da não apresentação
da resposta à acusação: processo instaurado contra vários corréus,
um deles citado por edital, não apresenta resposta à acusação, devendo
ser aplicado o art. 366 do CPP, suspendendo-se o processo e o prazo
prescricional tão somente com relação a ele. Ocorre que, para os
acusados que foram citados pessoalmente, ainda que deixem de
apresentar resposta à acusação, o processo será desmembrado e
seguirá normalmente. Por outro lado, para o que foi citado por edital e
permaneceu inerte, o processo será desmembrado e ficará suspenso;
f) Suspensão do processo com relação ao colaborador: o colaborador
da lei 12.850 poderá ter o processo e o prazo prescricional suspensos
por até 6 meses, para as diligências necessárias à colaboração,
devendo o processo ser desmembrado com relação aos demais corréus
não colaboradores. Por consequência, para evitar o prolongamento
indevido do processo em relação aos demais acusados, notadamente
quando um deles estiver preso, surge aí mais uma hipótese de
separação obrigatória dos processos.
Há situações, contudo, em que o CPP (art. 80) estabelece a separação
facultativa dos processos:
Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as
infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de
lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e
para não Ihes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo
relevante, o juiz reputar conveniente a separação.

a) Infrações praticadas em circunstância de tempo ou de lugar diferentes;


b) Excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão
provisória;
c) Motivo relevante pelo qual o juiz repute conveniente a separação.
A lei não estabelece até quando é possível a separação, porém, se a reunião
dos feitos pode ocorrer até a sentença de primeiro grau, conclui-se que é
possível que o juiz determine o desmembramento dos processos até o
momento da sentença.
Por fim, convém dispensar atenção especial ao juízo competente para o
reconhecimento da conexão ou continência entre a infração penal antecedente
e o delito de lavagem de capitais.
O art. 2º, inciso II, da Lei 9.613/98 determina que o juízo competente para o
julgamento do delito de lavagem de capitais decidirá acerca da unidade de
processo e julgamento. Ou seja, ainda que a força atrativa do processo não
seja exercida pelo juízo da lavagem, mesmo assim caberá a este juízo a
decisão acerca da unidade de processo e julgamento.
Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
II - independem do processo e julgamento das infrações penais
antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz
competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a
unidade de processo e julgamento;
Com efeito, o art. 78 do CPP determina qual o juízo exercerá força atrativa em
relação aos demais, trazendo para si o julgamento do simultaneus processus.
Há casos em que o juízo federal exercerá a força atrativa (súmula 122 do STJ),
máxime quando a conexão se der entre um crime estadual e um delito federal.
Porém, no concurso de jurisdições da mesma categoria, o art. 78, inciso II,
determina quem exercerá a força atrativa:
Il - no concurso de jurisdições da mesma categoria:
a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a
pena mais grave;
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior
número de infrações, se as respectivas penas forem de igual
gravidade;
c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;
Sendo assim, ainda que a força atrativa do julgamento seja exercida pelo juízo
da infração penal antecedente (por exemplo, quando ao crime antecedente é
cominada pena mais grave), a decisão acerca da unificação ou não dos
processos caberá ao juízo competente para o julgamento da lavagem. O juiz da
lavagem pode até estar impedido de avocar o outro processo para si, mas ele
pode definir que a lavagem não será avocada pelo outro processo. Esta
disposição da lei 9.613 vai de encontro ao disposto no art. 82 do CPP, que
define como juízo competente para a decisão acerca da unificação o que tiver a
força atrativa.
Art. 82. Se, não obstante a conexão ou continência, forem
instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição
prevalente deverá avocar os processos que corram perante os
outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste
caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o
efeito de soma ou de unificação das penas.

Em síntese, pode-se dizer que, para os crimes de lavagem de capitais, não


será aplicável a regra geral do art. 82 do CPP, visto que o art. 2º, II, in fine, da
Lei 9.613/98, estabelece uma regra especial, no sentido de que o juízo
competente para o julgamento do crime de lavagem de capitais sempre terá
competência para deliberar sobre a unidade de processo e julgamento das
infrações conexas e/ou continentes, pouco importando se, no caso concreto,
não tenha ele força atrativa para o processamento do simultaneus processus.
24. Justa causa duplicada
Em se tratando de crimes de lavagem de capitais, não basta demonstrar a
presença de lastro probatório mínimo quando à ocultação de bens, direitos e
valores, sendo indispensável que a denúncia seja instruída com suporte
probatório demonstrando que tais valores são provenientes, direta ou
indiretamente, de infração penal.
Temos o que a doutrina chama de justa causa duplicada, ou seja, lastro
probatório mínimo com relação ao delito de lavagem e quanto à infração penal
antecedente. Incumbe ao Ministério Público trazer em conjunto com a denúncia
indícios suficientes e seguros da ocorrência da infração penal antecedente, sob
pena de inépcia material da peça acusatória.
o
Lei 9.613: Art. 2º, § 1 A denúncia será instruída com indícios
suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo
puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou
isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal
antecedente.
A demonstração da autoria é desnecessária, pois o crime é punível ainda
que desconhecido ou isento de pena o autor antecedente, portanto prescindível
a demonstração de indícios de autoria da infração penal antecedente. É
imprescindível, no entanto, demonstrar o elo de ligação entre os bens, direitos
e valores obtidos com a infração antecedente e a lavagem de dinheiro, ou seja,
indícios da materialidade do delito.
A palavra “indícios” pode indicar tanto a prova indireta quanto a prova
semiplena. Prova indireta quando o indício for um fato comprovado que leve a
presunção da ocorrência de outo fato. Prova semiplena quando significar um
elemento de prova menos persuasivo, isto é, obtido a partir de uma cognição
não exauriente, superficial, inapta para justificar uma sentença, mas apta para
o recebimento da denúncia.
O art. 2º, §1º da Lei 9.613/98 usou a palavra indícios no sentido de prova
semiplena, ou seja, no momento do recebimento da denúncia, ainda que não
seja exigido um juízo de certeza, é necessária a presença de, no mínimo,
algum elemento de prova, ainda que indireto ou de menor aptidão persuasiva,
que possa autorizar pelo menos um juízo de probabilidade de que os bens,
direitos ou valores ocultados sejam provenientes, direta ou indiretamente, de
determinada infração penal.
Por fim, se a denúncia em relação ao crime de lavagem de capitais exige a
demonstração somente de indícios da existência da infração penal
antecedente, para a prolação de um decreto condenatório é exigível prova
plena, capaz de produzir um juízo de certeza de que os bens, direitos ou
valores objeto de lavagem são produto direto ou indireto de determinada
infração penal.
25. Suspensão do processo e da prescrição (CPP, art. 366)
Espécie de citação ficta, a citação por edital serve para chamar ao processo o
acusado que não foi encontrado para citação pessoal. Se o acusado citado por
edital não comparecer ao processo nem constituir defensor, tampouco
apresentar resposta à acusação em 10 dias, não cabe outra solução ao juiz se
não suspender o processo e o curso do prazo prescricional, a fim de garantir a
observância dos direitos de audiência e de presença do acusado, consectários
lógicos dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Assim, o art. 366 atende aos ditames da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos – Dec. 678/92 (art. 8, §2º), que assegura a toda pessoa acusada as
garantias mínimas de comunicação prévia e pormenorizada da acusação
formulada (“b”), concessão do tempo e dos meios adequados para a
preparação de sua defesa (“c”) e o direito de comunicar-se, livremente e em
particular, com seu defensor (“d”).
25.1. Aplicação do art. 366 do CPP na Lei de Lavagem de Capitais
No art. 2º, §2º da Lei de Lavagem, o legislador simplesmente determina que o
processo não será suspenso se o acusado for citado por edital e não
comparecer nem constituir defensor, obrigando o juiz a conduzir o processo até
o seu final com a nomeação de defensor dativo.
Art. 2º, § 2º No processo por crime previsto nesta Lei, não se aplica
o disposto no art. 366 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de
1941 (Código de Processo Penal), devendo o acusado que não
comparecer nem constituir advogado ser citado por edital,
prosseguindo o feito até o julgamento, com a nomeação de defensor
dativo.

O autor entende que este dispositivo é inconstitucional, sendo mais um


exemplo de norma que ganhou vigência com sua publicação, mas que não
possui validade.
O autor explica ainda que a suspensão do processo com base no art. 366 do
CPP jamais representa um prêmio ao acusado. Primeiro, porque o juiz está
autorizado a decretar sua prisão preventiva, se presentes os requisitos do art.
312. Segundo, porque o juiz pode determinar a execução de medidas
assecuratórias do art. 4º da Lei 9.613, salvaguardando a eficácia do processo
principal, com a ressalva de que a restituição dos bens só poderá ser deferida
com o comparecimento pessoal do acusado. Terceiro, porque a prescrição fica
suspensa por prazo indeterminado. Em quarto, mas não menos importante,
porque a reforma de 2008 passou a admitir a citação por hora certa no
processo penal. Logo, a citação por edital e consequente suspensão do
processo ficaria reservada apenas às hipóteses em que não houver má-fé por
parte do acusado, tampouco exercício abusivo do direito de defesa, o que
jamais pode ser considerado um prêmio à impunidade.
Fica firmada a premissa, portanto, de que o art. 366 do CPP pode ser aplicado
normalmente aos processos por crimes de lavagem de dinheiro.
25.2. Limitação temporal do prazo de suspensão da prescrição
O art. 366 prevê que a prescrição fica suspensa por prazo indeterminado. Na
verdade, ele silencia acerca do prazo, o que levou a alguns autores defender a
indeterminação do prazo. Ocorre que o STJ não entende desta forma, tendo
inclusive editado uma súmula para tratar do assunto:
Súmula 415 do STJ: O período de suspensão do prazo prescricional
é regulado pelo máximo da pena cominada.

Sendo assim, para o STJ, o processo fica suspenso pelo mesmo prazo
prescricional regulado pela pena máxima abstratamente cominada para o delito
narrado na inicial. Sendo, por exemplo, o delito de lavagem de capitais, a
aplicação do art. 366 do CPP levaria à suspensão do prazo prescricional pelo
prazo de 16 anos, já que a prescrição para este delito é regulada pelo máximo
de pena cominada – 10 anos. A tendência é que o STF acate o mesmo
entendimento no RE nº 600.851/DF, com julgamento ainda não concluído, já
tendo sido reconhecida a repercussão geral.
25.3. Produção antecipada de provas urgentes
O art. 366 do CPP permite a produção antecipada de provas, quando da
suspensão do processo e do prazo prescricional por não comparecimento do
acusado citado por edital. O CPC é aplicável à produção deste tipo de prova,
devido ao silêncio do CPP.
Para o autor, toda e qualquer prova testemunhal deve ser colhida antes da
suspensão do processo. Isto porque o tempo causa efeitos deletérios na
memória humana, fazendo esquecer os fatos, devendo este tipo de prova ser
colhido desde já.
No STF a questão é dividida. Enquanto a 2ª turma admite indiscriminadamente
a produção antecipada de prova testemunhal, a 1ª turma é mais rígida,
entendendo que o simples efeito de esquecimento pelo transcurso do tempo
não é idôneo à autorização para produção antecipada de provas urgentes.
O STJ, por sua vez, tem jurisprudência pacificada em súmula, exigindo que a
prova colhida antecipadamente seja justificada de maneira satisfatória, não
sendo suficiente a alegação dos limites da memória humana:
Súmula 455 do STJ: A decisão que determina a produção antecipada
de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente
fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do
tempo.

Cabe salientar, entretanto, que, para esta corte superior, a produção


antecipada de provas do art. 366 em desacordo com a sua súmula 455 é causa
de nulidade relativa, devendo ser alegada oportunamente, sob pena de
preclusão, além de ser necessária a comprovação de prejuízo (pas de nulitté
sans grief).
25.4. Prisão preventiva
O art. 366 do CPP não criou hipótese de prisão preventiva obrigatória. A
própria redação do dispositivo remete aos pressupostos e requisitos do art.
312, que devem ser analisados em conjunto com os arts. 310 e 313 do CPP.
Será incabível a prisão preventiva se possível alguma medida cautelar diversa
da prisão. Portanto, a revelia do acusado citado por edital não gera, por si só, a
presunção de que o acusado pretenda se furtar à aplicação da lei penal, não
justificando, isoladamente, a decretação da prisão preventiva.
25.5. Comparecimento do acusado
O comparecimento do acusado ou do seu defensor faz despertar o processo
adormecido, abrindo-se prazo de 10 dias para apresentação da resposta à
acusação, retomando o processo no seu curso normal. Da mesma forma
ocorrerá caso o juiz tome conhecimento do paradeiro do denunciado (quando
for preso, por exemplo), podendo determinar a sua citação pessoal.
26. Liberdade provisória
A antiga redação do art. 3º da Lei 9.613/98 vedava a concessão de fiança e
liberdade provisória para os crimes de lavagem. Utilizou o legislador de técnica
imprópria, já que liberdade provisória é gênero, do qual são espécies: a)
liberdade provisória com fiança; e b) liberdade provisória sem fiança.
Tratava-se de uma nítida inconstitucionalidade, afronta direta ao princípio da
não-culpabilidade, ofensa também à vedação da prisão ex lege e ao poder de
tutela cautelar do processo e da jurisdição penal, apenas realizado pelo
magistrado a partir de cada situação fática.
Portanto, a revogação do art. 3º foi extremamente salutar, devendo ser
aplicado aos delitos de lavagem de capitais o regime das medidas cautelares
de natureza pessoal previsto no CPP. Doravante, pode ser determinada
qualquer das medidas do art. 319 e 320, cabível a liberdade provisória (com ou
sem fiança) e, logicamente, a prisão preventiva, se presentes os pressupostos.
27. Recolhimento à prisão para apelar
O antigo art. 3º da Lei 9.613/98 previa que o juiz deveria decidir
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. Este artigo foi
revogado pela Lei 12.683/2012, incidindo agora, sobre a lei de lavagem, as
disposições gerais do recurso de apelação previstas no CPP, que impedem a
prisão como requisito de admissibilidade recursal.
Não é outro o entendimento do STJ sobre o tema, demonstrado pelo enunciado
347 da sua súmula de jurisprudência dominante:
Súmula 347 do STJ: O conhecimento de recurso de apelação do réu
independe de sua prisão.

O STF também possui o mesmo entendimento do STJ, pacificado após


reviravolta jurisprudencial que teve como marco teórico o Pacto de São José da
Costa Rica, no HC 88.420/PR. Duas conclusões foram extraídas do julgado: a)
o direito à apelação não é condicionado pelo recolhimento do réu à prisão,
independentemente de ser primário ou não, portador de bons antecedentes ou
não; b) nada impede que o juiz decrete, na sentença condenatória, a prisão
preventiva do acusado, fundamentadamente, com base nos pressupostos do
CPP, se inadequadas as medidas cautelares diversas da prisão.
28. Medidas assecuratórias previstas na Lei de Lavagem de Capitais
As medidas cautelares reais têm como objetivo assegurar o confisco como
efeito da condenação, garantir a futura indenização ou reparação à vítima da
infração penal, o pagamento das despesas processuais ou das penas
pecuniárias ao Estado, sendo úteis, também, para fins de evitar que o acusado
se locuplete indevidamente da prática delituosa. Estas medidas foram
fortalecidas com a edição da Lei 12.683/12, uma vez que a recuperação de
ativos pela justiça criminal era baixíssima, o que acarretava na continuidade da
prática dos delitos pelas organizações criminosas, malgrado fossem presos os
seus integrantes. Um dos meios mais eficientes para a repressão de certos
delitos passa pela recuperação de ativos ilícitos.
A nova redação do art. 4º da Lei 9.613/98 é a seguinte:
Art. 4º O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou
mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério
Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de
infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens,
direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em
nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou
proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais
antecedentes.
§ 1º Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor
dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de
deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua
manutenção.
§ 2º O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e
valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a
constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à
reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias,
multas e custas decorrentes da infração penal.
§ 3º Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o
comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que
se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de
atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem
prejuízo do disposto no § 1o.
§ 4º Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens,
direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração
penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de
prestação pecuniária, multa e custas.

Da leitura do artigo, percebe-se que lei admite genericamente a possibilidade


de decretação de medidas assecuratórias, gênero do qual são espécies
apreensão e sequestro. Estas medidas só são aplicáveis aos produtos e
instrumentos do crime. Mas a lei foi mais além, permitindo, no §4º, que também
sejam decretadas medidas cautelares patrimoniais para assegurar a
reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da lavagem
de capitais ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas.
Portanto, as medidas assecuratórias podem ser decretadas para:
 Perda dos instrumentos e do produto do crime;
 Reparação do dano;
 Pagamento de prestação pecuniária, multas e custas.
A primeira finalidade somente pode incidir sobre os bens ilícitos que configuram
produto ou instrumento do delito. As duas últimas finalidades podem incidir
sobre bens ilícitos ou lícitos, pertencentes ao patrimônio dos réus.
São as seguintes as medidas cautelares patrimoniais passíveis de decretação:
a) Sequestro: recai sobre bens móveis ou imóveis que sejam produto
indireto da infração antecedente ou do crime de lavagem, com o
objetivo precípuo de assegurar o efeito da condenação de perda do
produto da infração;
b) Especialização e registro da hipoteca legal: recai sobre bens imóveis
e tem como objetivo precípuo assegurar a reparação do dano
causado pelo delito;
c) Arresto prévio à especialização e registro da hipoteca legal e
arresto subsidiário de bens móveis: o primeiro recai sobre bens
imóveis, o segundo sobre bens móveis, tendo como finalidade preservar
o efeito genérico da sentença condenatória com trânsito em julgado de
tornar certo o dever de reparar o dano causado pelo delito.
Ante ao novo regramento, tais medidas assecuratórias poderão incidir sobre os
seguintes bens:
a) Produto direto da infração antecedente (producta sceleris): consiste
no resultado imediato do delito, como o objeto furtado (155), dinheiro de
propina (317) e dinheiro da venda da droga (33);
b) Produto indireto (ou proveito) da infração antecedente (fructus
sceleris): consiste no resultado mediato do delito, o proveito obtido pelo
criminoso como resultado da utilização econômica do produto direto do
delito (dinheiro obtido com a venda do objeto furtado, veículos ou
imóveis adquiridos com o dinheiro obtido com a venda de drogas);
c) Produto direto da lavagem de capitais: consiste no lucro ou ganho
aparentemente lícito, já reinserido na economia formal, que decorre da
lavagem de capitais (rendimento financeiro do depósito de valores
espúrios em contas correntes abertas em nome de laranjas);
d) Produto indireto da lavagem de capitais: consiste no proveito obtido a
partir do produto direto da lavagem, quando já finalizada a operação de
reciclagem (bens de luxo ou de alto valor adquiridos com o dinheiro
lavado com aparência lícita em nome dos seus beneficiários);
e) Patrimônio lícito do acusado: como o §4º permite a decretação de
medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação
do dano decorrente da infração penal antecedente, tais medidas
também poderão recair sobre o patrimônio lícito do acusado (como
especialização e registro de hipoteca legal). Ademais, quando o produto
direto ou indireto da lavagem ou da infração antecedente não for
encontrado ou estiver no estrangeiro, as medidas assecuratórias
também poderão recair sobre bens ou valores equivalentes licitamente
adquiridos pelo acusado.
Apesar de não poder ser rotulada como medida cautelar patrimonial, a
apreensão também é importante instrumento de combate à lavagem,
notadamente quando se tratar de bem móvel produto direto do crime ou de
instrumento do crime. Ante a facilidade de ocultação dos bens móveis, a
apreensão da coisa e posterior desapossamento é relevante para preservar os
efeitos genéricos da condenação: perda dos produtos e instrumentos do
delito.
Por fim, sabe-se que as medidas cautelares patrimoniais podem ser decretadas
em qualquer momento da persecução penal, seja na fase de investigação
ou no processo penal.
28.1. Noções introdutórias
28.1.1. Jurisdicionalidade
Em primeiro lugar deve-se ter em mente que apenas o juiz pode decretar
medidas cautelares patrimoniais, estando estas medidas submetidas à cláusula
de reserva de jurisdição. Desta forma, nem mesmo a CPI – Comissão
Parlamentar de Inquérito, que detém poderes próprios da autoridade
jurisdicional, tem o poder de decretá-las.
Apesar da abrangência do art. 4º da Lei 9.613, afirmando que o juiz pode
decretar as medidas assecuratórias de ofício, o entendimento sistemático do
processo penal impede que esta decretação de ofício seja feita na fase
investigativa, pois ainda não há denúncia formal do MP. A Lei 12.403/11, que
alterou o CPP, confirma isso em relação às medidas cautelares pessoais,
devendo o mesmo entendimento ser esposado para as medidas cautelares
patrimoniais.
28.1.2. Legitimidade
O art. 4º da Lei 9.613 afirma que são legitimados para requerer as medidas
cautelares patrimoniais o Ministério Público e o delegado de polícia, ouvido
o membro do MP em 24 horas. Uma leitura apressada e literal pode levar, no
entanto, a erros ou simplificações.
Note-se que, segundo a própria lei, as medidas cautelares patrimoniais podem
ser decretadas não apenas com relação ao produto ou proveito da lavagem de
capitais, como também em relação ao produto ou proveito da infração penal
antecedente. Por isso, não se pode afastar a legitimidade do ofendido de uma
das infrações antecedentes em pleitear, no curso do processo de lavagem, a
decretação de medidas cautelares capazes de preservar seu interesse
patrimonial na reparação do dano causado. Dizer o contrário seria retirar do
ofendido a possibilidade de ver garantida a satisfação dos seus interesses.
Esta legitimação se estende, naturalmente, ao assistente de acusação, uma
vez que este é legitimado pelo CPP (aplicado subsidiariamente à Lei 9.613)
para requerer medidas cautelares pessoais (prisão preventiva e outras do art.
319), quanto mais para medidas patrimoniais.
Portanto, são legitimados:
a) Ministério Público;
b) Delegado de polícia, ouvido o MP em 24 horas;
c) Ofendido e seu assistente de acusação.
28.1.3. Pressupostos
Para a decretação das medidas cautelares reais é fundamental a
demonstração de indícios suficientes de infração penal. Segundo a doutrina,
estes indícios suficientes fazem referência não apenas ao fumus comissi delicti,
mas também ao periculum in mora, indispensável para a decretação de medida
de natureza cautelar.
O periculum in mora se refere à necessidade de se garantir a preservação dos
bens, direitos ou valores, pois a demora da prestação jurisdicional pode vir a
possibilitar a dilapidação do patrimônio do acusado.
O fumus comissi delicti, por sua vez, é a análise da plausibilidade da medida
pleiteada, a partir de critérios de mera probabilidade e verossimilhança, em
cognição sumária dos elementos disponíveis no momento. Não necessitam ser
elementos que induzam a uma certeza absoluta, contudo, a suspeita ou
desconfiança não despertam a necessidade de uma decretação deste tipo. Na
verdade, basta que haja elementos de informação ou provas que permitam
afirmar a existência de indício veemente, isto é, probabilidade conclusiva
acerca da origem espúria do bem.
28.1.4. Contraditório prévio
A celeuma doutrinária gira em torno da necessidade de haver o contraditório
prévio à decretação da medida cautelar patrimonial. Decerto que, para a
decretação das medidas cautelares pessoais é necessário o contraditório
prévio, ao menos em regra, devendo o mesmo raciocínio, segundo o autor, ser
transmudado para a decretação de medidas cautelares reais.
O STJ entende, porém, que na hipótese de sequestro, o contraditório será
diferido em prol da integridade do patrimônio e contra a sua eventual
dissipação, sem que se possa objetar qualquer cerceamento à defesa, que terá
a oportunidade de impugnar a determinação judicial a posteriori, utilizando os
meios recursais legais previstos para tanto.
Há de se lembrar que os embargos do acusado ou embargos do terceiro de
boa-fé podem ser opostos contra a decisão da medida cautelar, porém só
serão julgados após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, daí
por que se diz que não promovem o efetivo exercício do contraditório e ampla
defesa.
Por fim, importante notar que, apesar do art. 282, §3º do CPP ter instituído o
contraditório prévio como regra geral para decretação das medidas cautelares,
o próprio dispositivo ressalta que, nos casos de urgência ou de perigo de
ineficácia da medida, o provimento cautelar poderá ser determinado pelo juiz
sem a prévia oitiva da parte contrária. A prévia comunicação ao acusado
poderia levá-lo a desaparecer com os bens, desafiando a eficácia do processo.
A defesa poderia interferir na medida em momento posterior.
28.2. Sequestro
O sequestro é uma medida cautelar patrimonial com o objetivo de:
 Ulterior perdimento de bens como efeito da condenação (confisco);
 Secundariamente, de reparação do dano causado pela infração penal
ao ofendido.
O sequestro pode recair sobre:
 Bens móveis;
 Bens imóveis.
Os bens sobre os quais recai o sequestro devem ter sido adquiridos pelo
investigado ou acusado com os proventos da infração, ou seja, devem ser
proveito da lavagem de capitais ou das infrações penais antecedentes.
Vale ressaltar que, na hipótese de o produto ou proveito do crime não ser
encontrado ou se localizar no exterior, também poderá recair sobre outros
bens ou valores equivalentes de origem lícita.
Trata-se de medida assecuratória de competência do juízo criminal que permite
a operacionalização dos dois efeitos extrapenais da sentença condenatória
transitada em julgado:
 Reparação do dano causado pelo delito;
 Perda do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua
proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
Em se tratando de proveito do crime, ou seja, de coisas adquiridas pelo
rendimento que a prática delituosa proporcionou ao agente, deve ser aplicado o
sequestro (art. 132 do CPP), já que incabível a apreensão. No entanto, na
hipótese de se tratar de bem móvel, sendo ele próprio o produto direto da
infração, a medida assecuratória a ser utilizada será a apreensão. Em se
tratando de bens imóveis, por ausência de previsão legal específica, entende-
se ser cabível o sequestro, ainda que produto direto da infração. Portanto:
Produto direto da Proveito (produto
infração indireto) da infração
Bem móvel Apreensão (art. 240, Sequestro (art. 132
§1º, b, do CPP) CPP)
Bem imóvel Sequestro (ausência de Sequestro (art. 125 a
previsão legal) 131 do CPP)
Compreendidos os proventos da infração como o lucro auferido pelo produto
direto do crime, é de se concluir que o sequestro pode recair sobre bens
imóveis (arts. 125 a 131) e sobre bens móveis (art. 132). A única diferença
entre eles é que o sequestro de bens móveis tem um requisito negativo de não
ser cabível a apreensão da coisa sequestrada, o qual, à evidência, não se
aplica ao sequestro de imóveis.
Segundo doutrina, o sequestro é destinado a assegurar a utilidade e eficácia de
uma provável sentença condenatória, não se podendo sequestrar bens que
integrem o patrimônio ilícito do acusado, mas que tenham sido obtidos pela
prática de um crime diverso daquele que é objeto do inquérito policial ou da
ação penal em que se requereu a medida cautelar.
No que se refere ao crime de lavagens de capitais, a referibilidade é dupla, ou
seja, o sequestro pode se referir a bens objetos da lavagem de capitais ou
mesmo das infrações penais antecedentes.
Note-se que, até bem pouco tempo atrás, só era possível que o sequestro
recaísse sobre o produto indireto da infração penal, não podendo recair sobre o
patrimônio lícito do acusado. A Lei 12.694/12, entretanto, mudou este
panorama. O sequestro, doravante, pode recair sobre bens do patrimônio
lícito do acusado, em valor equivalente ao produto ou proveito da infração
penal, desde que estes não sejam encontrados ou quando se localizarem no
exterior (art. 91, §1º).
O sequestro de bens imóveis será inscrito no Registro de Imóveis, a fim de
evitar que seja objeto de compra e venda. A despeito de tornar o bem
sequestrado inalienável, isso não priva o uso do bem (moradia) nem mesmo o
aproveitamento dos seus frutos (aluguéis). Por outro lado, a restrição de
impenhorabilidade de bem de família não é oponível ao bem sequestrado,
ainda que único do investigado, uma vez que a própria Lei 8.009/90 excetua a
impenhorabilidade aos bens adquiridos com produto de crime ou para
execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou
perdimento de bens.
Caberá o sequestro ainda que o bem já tenha sido alienado a terceiro, que só
conseguirá afastar a medida se demonstrar que a aquisição se deu a título
oneroso e de boa-fé.
28.2.1. Procedimento
CPP: Art. 127. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público
ou do ofendido, ou mediante representação da autoridade policial,
poderá ordenar o seqüestro, em qualquer fase do processo ou ainda
antes de oferecida a denúncia ou queixa.
O sequestro será processado em autos apartados, evitando tumultuar o
processo principal. Será deferido quando demonstrado os indícios suficientes
da infração penal, no curso da fase investigatória (inquérito policial ou outro
procedimento) ou da ação penal (nesta última hipótese até mesmo de ofício
pelo juiz).
o
Lei 9.613/98: Art. 4 -B. A ordem de prisão de pessoas ou as
medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser
suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua
execução imediata puder comprometer as investigações.

Trata-se de uma nítida hipótese de ação controlada, na qual o juiz poderá


suspender a efetivação do sequestro, a fim de que este se dê no momento
mais oportuno para colheita de elementos probatórios. A suspensão ou
retardamento do sequestro não se confunde como seu levantamento, que
ocorre quando há superveniência de determinada circunstância legal que
produz a perda da eficácia da medida constritiva (v.g. procedência dos
embargos). Na suspensão, a medida é decretada e apta a produzir seus efeitos
regulares, porém sua concretização é postergada para momento posterior,
objetivando maximizar a produção de provas.
Da decisão que defere ou indefere o pedido de sequestro não cabe recurso.
Todavia, nada impede o uso do mandado de segurança por parte da
acusação.
28.2.2. Defesa
A defesa no procedimento de sequestro (autos apartados) será realizada pela
pessoa que teve os bens constritos por meio de embargos, os quais poderão
ser opostos pelo próprio acusado ou por um terceiro. A matéria passível de
alegação já vem delimitada pelo próprio Código. Vejamos os possíveis:
1) Embargos do acusado: se opostos pelo próprio acusado, o fundamento
haverá de ser a licitude da origem dos bens. O juiz deverá liberar
(levantar) total ou parcialmente os bens quando comprovada a licitude de
sua origem, mantendo-se os necessários e suficientes à reparação dos
danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas
decorrentes da infração penal.
O sequestro não poderá recair sobre bens pertencentes ao patrimônio
lícito do acusado, como os que já o pertenciam antes da prática delituosa.
Porém, com o advento da Lei 12.694/12, caso o produto direto ou indireto
do crime não seja encontrado ou esteja no exterior, o sequestro poderá
recair sobre bens ou valores em valor equivalente, mesmo que de
procedência lícita.
A acusação deverá demonstrar, para o deferimento do sequestro, indícios
suficientes da infração (fumus boni iuris e periculum in mora), enquanto que
o embargante deverá comprovar (prova plena) a licitude da origem dos
bens. Trata-se de uma verdadeira inversão do ônus da prova em desfavor
do acusado, admitida pelo ordenamento e convenções internacionais
(Convenção de Palermo) e considerada constitucional pelos tribunais.
o
§ 2 O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos
e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-
se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes
à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias,
multas e custas decorrentes da infração penal.
Observe-se que essa inversão do ônus da prova circunscreve-se à
apreensão ou ao sequestro de bens, direitos ou valores, não se estende ela
ao perdimento dos mesmos, que somente se dará com a condenação. Ou
seja, para o perdimento definitivo (confisco) exige-se prova plena da origem
ilícita, enquanto que para o sequestro, prova semiplena.
Carga probatória Acusação Acusado
necessária para a
decretação
Sequestro Indícios (prova Comprovação da licitude
semiplena) (prova plena)
Perdimento Condenação (prova In dubio pro reo
plena)
Por fim, a Lei condiciona a oposição dos embargos ao comparecimento
pessoal do acusado. A mera presença do advogado não é suficiente para
o conhecimento dos embargos, que sequer serão processados caso o
acusado não dê o ar da sua graça. Abre-se, neste caso, a possibilidade de
o juiz adotar medidas necessárias para a conservação dos bens,
direitos ou valores objetos da constrição, inclusive a alienação
antecipada, caso os bens constritos estejam sujeitos a qualquer grau de
deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua
manutenção.
o
§ 3 Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o
comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que
se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de
atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem
o
prejuízo do disposto no § 1 .
2) Embargos de terceiro estranho à infração penal: trata-se de embargos
opostos por terceiro totalmente estranho ao fato discutido no processo
penal. Ocorre, por exemplo, quando a constrição foi imposta sobre o imóvel
“A”, porém, por algum equívoco, recaiu sobre o imóvel “B”. O terceiro que
teve o seu bem constrito poderá embargar o procedimento a qualquer
tempo no processo de conhecimento ou no processo de execução, até 5
(cinco) dias após a arrematação, adjudicação ou remição, mas sempre
antes da assinatura de respectiva carta.
CPP: Art. 129. O seqüestro autuar-se-á em apartado e admitirá
embargos de terceiro.
Ao contrário dos embargos do acusado ou do terceiro que comprou o bem
de boa-fé, os embargos de terceiro completamente alheio à infração penal
devem ser julgados imediatamente após o encerramento da instrução
probatória do procedimento incidental, não havendo necessidade de se
aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, como nos
outros.
3) Embargos de terceiro que comprou o bem do acusado de boa-fé: é
possível a oposição de embargos pelo terceiro que adquiriu o bem
sequestrado a título oneroso e de boa-fé. Este terceiro de boa-fé não se
confunde com o terceiro estranho ao processo penal. Enquanto aquele
adquiriu o bem a título oneroso do acusado, sem que tivesse consciência da
origem espúria, este é senhor e possuidor do bem sequestrado que foi
equivocadamente submetido à constrição, sem qualquer relação com o
delito.
Art. 130. O seqüestro poderá ainda ser embargado:
I - pelo acusado, sob o fundamento de não terem os bens sido
adquiridos com os proventos da infração;
II - pelo terceiro, a quem houverem os bens sido transferidos a título
oneroso, sob o fundamento de tê-los adquirido de boa-fé.
Em se tratando de embargos opostos pelo acusado ou pelo terceiro que
adquiriu o bem de boa-fé, a sentença não poderá ser proferida nos autos
apartados enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória
do processo principal (§ único do art. 130):
Parágrafo único. Não poderá ser pronunciada decisão nesses
embargos antes de passar em julgado a sentença condenatória.
Os embargos opostos à decisão de sequestro admitem ampla produção
probatória. Contudo, caso haja provas concretas da licitude dos bens
sequestrados, consubstanciadas em elementos concretos que confirmem
que o sequestro viola o direito líquido e certo do proprietário em ter seu
patrimônio livre e desembaraçado, a medida adequada será o mandado de
segurança, com procedimento mais célere e que admite liminar.
28.2.3. Levantamento do sequestro
Trata-se da perda da eficácia da medida constritiva, que ocorrerá nas seguintes
hipóteses:
Art. 131. O seqüestro será levantado:
I - se a ação penal não for intentada no prazo de sessenta dias,
contado da data em que ficar concluída a diligência;
II - se o terceiro, a quem tiverem sido transferidos os bens, prestar
caução que assegure a aplicação do disposto no art. 74, II, b,
segunda parte, do Código Penal;
III - se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu, por
sentença transitada em julgado.
1) Se a ação penal não for intentada no prazo de 60 (sessenta) dias,
contado da data em que ficar concluída a diligência: segue-se o prazo
de 60 (sessenta) do CPP por ausência de disposição acerca do prazo na
Lei 9.613/98. O antigo prazo de 120 dias previsto nesta lei foi revogado pela
Lei 12.683/12, passando a valer a aplicação subsidiária do CPP. Note-se,
contudo, que tal prazo não é absoluto, ou seja, a complexidade da causa ou
pluralidade de acusados são circunstâncias aptas a dilatar o referido prazo;
2) Admissão judicial de caução prestada pelo terceiro: o dispositivo é claro
ao permitir que apenas o terceiro preste caução, jamais o acusado;
3) Extinção de punibilidade ou absolvição do acusado: apesar do art. 131,
III, determinar o levantamento do sequestro apenas após o trânsito em
julgado da sentença absolutória, este entendimento não pode prosperar.
Primeiro, porque, ainda que interposta apelação (sentença absolutória) ou
RESE (sentença extintiva de punibilidade), estes recursos não produzem
efeitos suspensivos. Segundo, porque a cognição para a decretação do
sequestro é perfunctória (sumária), não podendo prevalecer sobre a
cognição exauriente utilizada para a sentença absolutória. Ademais, por ser
medida acessória, o sequestro deve seguir a sorte do principal. Sendo
absolvido o acusado ou extinta sua punibilidade, independentemente de
trânsito em julgado da decisão, a constrição deve ser levantada. De mais a
mais, o art. 386, II, do CPP, determina que, na sentença absolutória, o juiz
ordenará a cessação das medidas cautelares provisoriamente aplicadas,
resolvendo esta questão com fundamento na regra lex posterior derogat legi
priori.
Por outro lado, suspendendo-se o processo, a exemplo do parcelamento
nos crimes tributários, não se deve levantar o sequestro, uma vez que
suspensão não é o mesmo que extinção da punibilidade, que somente
ocorrerá com a quitação do parcelamento e pagamento integral do débito
tributário.
Por fim, a absolvição ou a extinção de punibilidade do acusado não faz
coisa julgada no cível, de forma que o ofendido pode buscar o
ressarcimento do prejuízo por meio da ação indenizatória. As duas únicas
possibilidades de impedimento de indenização cível serão a absolvição por
negativa de autoria ou ausência de materialidade.
4) Procedência dos embargos: apesar de não estar expressamente descrita
no CPP, é óbvio que a procedência dos embargos acarreta o levantamento
do sequestro, seja porque o acusado adquiriu os bens com dinheiro lícito,
ou mesmo porque o terceiro adquiriu o bem do acusado a título oneroso e
de boa-fé.
28.2.4. Destinação final do sequestro
Incumbe ao magistrado, por ocasião da sentença condenatória, fazer menção
ao destino a ser dado aos bens sequestrados, pois a prisão preventiva e as
medidas cautelares serão analisadas fundamentadamente na sentença.
Art. 133. Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz, de
ofício ou a requerimento do interessado, determinará a avaliação e a
venda dos bens em leilão público.

O próprio juízo penal providenciará a avaliação e a venda dos bens


confiscados, em hasta pública.
Art. 133, Parágrafo único. Do dinheiro apurado, será recolhido ao
Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou a terceiro de boa-fé.

Há prioridade de reparação do dano em detrimento do pagamento de multa,


das custas processuais e da realização do confisco. Portanto, o confisco
funciona como efeito patrimonial da condenação subsidiário à reparação do
dano. Consequentemente, o confisco dos bens somente ocorrerá quando os
bens apreendidos ou sequestrados tiverem valor maior do que a soma do dano
a ser reparado e das penas pecuniárias propriamente ditas.
28.3. Especialização e registro da hipoteca legal
A especialização e registro de hipoteca legal é medida assecuratória prevista
na legislação processual penal, com base no instituto da hipoteca, típico do
direito civil. Com efeito, a hipoteca pode ser convencional, judicial, ou legal,
esta última quando deriva diretamente da lei.
O art. 1.489, III, do Código Civil estabelece que:
Art. 1.489. A lei confere hipoteca:
III - ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do
delinqüente, para satisfação do dano causado pelo delito e
pagamento das despesas judiciais;
Como se pode perceber, ao contrário do sequestro, que visa, além de reparar o
dano, garantir o confisco dos bens, a especialização e inscrição hipoteca legal
destinam-se apenas a assegurar a indenização ao ofendido pelos danos
causados pelo delito e o pagamento das despesas judiciais. A inscrição da
hipoteca legal, portanto, não tem qualquer finalidade de confisco. Pode-se dizer
que tanto ela quanto o arresto, que será estudado na sequência, são medidas
assecuratórias fundadas no interesse privado, que têm por finalidade assegurar
a reparação civil do dano causado pelo delito, em favor do ofendido ou de seus
herdeiros.
Finalidades da especialização da hipoteca legal:
 Reparação do dano sofrido pelo ofendido ou seus herdeiros;
 Pagamento de despesas judiciais.
Desta finalidade de reparação do dano inerente à especialização da hipoteca
legal deriva outra importante diferença entre ela e o sequestro. Enquanto o
sequestro, pelo menos em regra, só pode atingir o patrimônio ilícito do agente,
salvo se não forem encontrados os bens ilícitos ou se estiverem localizados no
exterior, a especialização da hipoteca pode recair tanto sobre o patrimônio
ilícito quanto sobre o lícito, uma vez que visa reparar o dano sofrido pelo
ofendido. Da mesma maneira, pode incidir sobre bens adquiridos antes ou
mesmo depois da infração penal, enquanto o sequestro só pode recair sobre
produtos, diretos ou indiretos, da infração. Em regra, a inscrição da hipoteca
legal deve recair exclusivamente sobre bens do acusado, salvo no caso deste
ser sócio proprietário de pessoa jurídica, ocasião em que a hipoteca poderá
incidir sobre os bens da pessoa jurídica.
Da mesma forma que o sequestro, a impenhorabilidade de bem de família não
é oponível à especialização e registro de hipoteca legal, uma vez que a própria
Lei 8.009/90 ressalva que “a impenhorabilidade é oponível em qualquer
processo, salvo de movido para execução de sentença penal condenatória a
ressarcimento, indenização ou perdimento de bens”. É possível, portanto, a
inscrição de hipoteca legal sobre imóvel gravado como bem de família.
28.3.1. Momento
A especialização e registro da hipoteca legal só podem ser requeridas durante
a fase judicial. Portanto, diversamente do sequestro, que pode ser decretado
durante as investigações e na fase judicial, a medida assecuratória em cena só
pode ser requerida pelo interessado no curso do processo penal. A razão é a
grave constrição ao patrimônio licitamente obtido pelo acusado, não sendo
razoável sua deflagração antes do processo penal.
Como existe a demora para o início da ação penal, inviabilizando o
requerimento da especialização de hipoteca legal, o art. 136 do CPP permite
que o arresto do imóvel seja decretado pelo juiz de início. Esse arresto
prévio também tem natureza cautelar e funciona como providência liminar a
ser decretado pelo juízo penal antecedendo a inscrição da hipoteca legal.
Levando a efeito o arresto prévio, caso o processo de inscrição de hipoteca
legal não seja promovido em até quinze dias, será revogada a medida.
28.3.2. Pressupostos
Como toda medida cautelar, a especialização e inscrição de hipoteca legal
demanda a demonstração do fumus boni iuris e do periculum in mora. O
primeiro requisito, na verdade, é presumido, afinal, se esta medida só pode ser
decretada durante o processo judicial, o delito já passou pelo crivo da justa
causa, durante o recebimento da peça acusatória, razão pela qual já resta
demonstrada a ocorrência de infração penal.
Com relação ao segundo requisito, este sim deverá ser demonstrado pelo
ofendido que deseja ver registrada a hipoteca sobre bens do acusado. Mais
precisamente, o periculum in mora será evidenciado a partir de dados
concretos que demonstrem que, antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória, esteja o acusado praticando atos de disposição de seu
patrimônio com o objetivo de tornar-se insolvente, o que poderia prejudicar o
direito do ofendido de obter a reparação dos danos da infração.
28.3.3. Legitimidade
Considerando o objetivo da inscrição da hipoteca legal de assegurar o
patrimônio do acusado para que possa responder pelo prejuízo causado pela
infração, é evidente que a legitimidade para requerer a inscrição da hipoteca
legal recai sobre o ofendido, sobre seu representante legal (se incapaz) ou
sobre seus herdeiros, no caso de morte.
O CPP, no seu art. 142, diz que o MP pode também requerer a especialização
de hipoteca legal, se houver interesse da Fazenda Pública ou se o ofendido
for pobre. Ora, com o advento da CF, o MP não mais defende interesses da
Fazenda Pública em juízo, razão pela qual o dispositivo não foi recepcionado.
De outro lado, a especialização da hipoteca legal não mais serve para garantir
o pagamento da pena pecuniária, não havendo mais interesse da Fazenda
Pública. Quando ao ofendido pobre, o MP continua sendo legitimado para
requerer as medidas assecuratórias, se não houver Defensoria Pública na
comarca (art. 68 do CPP).
Legitimados:
 Ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros;
 MP, se o ofendido for pobre e não houver DP na comarca.
28.3.4. Procedimento
A especialização deve ser compreendida como uma estimativa do valor da
responsabilidade civil do agente, assim como uma estimativa do valor do bem
ou dos bens designados, sendo que seu procedimento pode ser dividido em
quatro partes:
1) Petição de especialização;
2) Nomeação de perito e apresentação de laudo;
3) Manifestação das partes;
4) Decisão do juiz.
A hipoteca legal que recai sobre os imóveis do acusado para satisfação da
reparação do dano pelo delito deriva da própria lei, portanto, não é dado ao juiz
indeferi-la, desde que presente o fumus boni iuris e o periculum in mora. A
preocupação do juiz, neste procedimento cautelar, é com a exata estimação
dos danos patrimoniais sofridos pelo agente, para que sejam constritos a exata
quantidade de bens de valor equivalente ao estimado.
Para esta tarefa, o juiz vale-se do perito, podendo ter ajuda de assistentes
técnicos indicados pelas partes, porém, o magistrado não fica adstrito aos
termos dos laudos apresentados, podendo decidir diversamente.
Ouvidas as partes e o MP, no prazo comum de dois dias, o juiz decidirá,
ordenando a inscrição da hipoteca legal nos bens especificados. Da decisão
cabe apelação, desprovida de efeito suspensivo, portanto, viável a impetração
de mandado de segurança.
Com a inscrição da hipoteca junto ao registro do imóvel, os autos do
procedimento apartado devem permanecer no aguardo da conclusão do
processo principal. Havendo o trânsito em julgado de eventual sentença
condenatória, caberá ao ofendido requerer a liquidação da medida junto ao
juízo cível.
28.3.5. Defesa
O sequestro possui três meios de defesa: a) os embargos do terceiro estranho
a infração penal; b) embargos do próprio acusado; c) embargos de terceiro que
tenha adquirido o bem onerosamente e de boa-fé.
Em sentido diverso, nada diz o CPP acerca de instrumentos de defesa que
possam vir a ser utilizados pela parte prejudicada em caso de inscrição de
hipoteca legal. Sem embargo da omissão aparente, há algumas possibilidades:
a) Embargos de terceiro estranho à infração penal: nos mesmos
moldes que ocorre no sequestro;
b) Substituição da hipoteca legal por caução: mesmo que presentes
todos os requisitos para a inscrição da hipoteca, ou ainda que já
realizada a hipoteca legal de bem imóvel do acusado, este poderá
oferecer caução, em dinheiro, no valor equivalente ao constrito para
garantir o pagamento da suposta dívida, ou ainda, a caução pode ser
prestada em títulos da dívida pública, por valor de sua cotação em
bolsa;
c) Oitiva das partes no curso do procedimento de especialização e
inscrição da hipoteca legal: o procedimento de especialização e
registro de hipoteca legal garante a oitiva das partes no prazo comum de
dois dias, após a apresentação do laudo pericial. Essa regra acaba por
assegurar o contraditório ao acusado, que poderá se valer da
oportunidade para se insurgir contra o valor estimado para a reparação
ou o valor arbitrado dos imóveis, ou até questionar a própria existência
dos pressupostos indispensáveis para a concessão da medida.
28.3.6. Finalização
Uma vez levada a efeito a inscrição da hipoteca legal no registro de imóveis, e
desde que não ocorra seu cancelamento (v.g. extinção de punibilidade ou
absolvição), o procedimento incidental ficará sobrestado até o trânsito em
julgado da decisão no processo penal a que responde o acusado.
Passando em julgado a sentença penal condenatória, que funciona como título
executivo judicial, os autos da hipoteca devem ser encaminhados para o juízo
cível competente e ficar no aguardo da manifestação o ofendido para promover
a execução da hipoteca. A execução segue o procedimento cível.
Note-se que, ao contrário do sequestro, que corre integralmente no juízo
criminal, inclusive a alienação em hasta pública, a inscrição da hipoteca legal
tem início do juízo criminal, porém se encerra no juízo cível (art. 143, CPP).
Por outro lado, e for proferida sentença absolutória ou declarada a extinção
de punibilidade, a hipoteca deve ser cancelada, ainda que não tenha havido
trânsito em julgado, pelas mesmas razões do levantamento do sequestro
(cognição sumária para a inscrição da hipoteca X cognição exauriente para
absolvição do acusado). Ainda assim, o ofendido poderá buscar a indenização
no cível, em procedimento autônomo, salvo se a absolvição foi por negativa de
autoria ou ausência de materialidade.
28.4. Arresto prévio (ou preventivo)
O CPP diz que o arresto prévio pode ser decretado de início, revogando-se,
porém, se no prazo de 15 (quinze) dias não for promovido o processo de
inscrição da hipoteca legal.
O tópico anterior demonstrou como o processo de inscrição da hipoteca legal é
complexo e moroso, demandando petição inicial, peritos, manifestações e
decisão do juiz, que deverá fixar o quantum de reparação e quais bens deverão
sofrer a hipoteca.
Ante a complexidade do procedimento e a possível ineficácia da medida, o art.
136 do CPP prevê a possibilidade de ser decretado o arresto do imóvel de
início, ou seja, em momento anterior à deflagração do procedimento de
inscrição da hipoteca legal.
Esse arresto prévio do bem imóvel, portanto, funciona como uma medida
preparatória da inscrição da hipoteca legal, de natureza pré-cautelar, cuja
finalidade é tornar os bens imóveis do acusado inalienáveis durante o
lapso temporal necessário à tramitação do pedido de registro de hipoteca.
Por interpretação sistemática, diz-se que a legitimidade para requerer o
arresto prévio de bem imóvel é a mesma para o registro de hipoteca legal,
apesar de não haver nada dispondo na lei neste sentido. Portanto, abrange
apenas o ofendido.
Neste procedimento, apesar da necessária demonstração do fumus boni iuris e
do periculum in mora, é despicienda a estimação do dano causado pela
infração, tampouco do valor dos bens cujo arresto é pleiteado. Trata-se de
procedimento mais célere.
O arresto é cabível na fase investigatória, apesar da legislação não ser clara
nesse sentido, pois funciona como medida subsidiária em relação à
especialização e registro da hipoteca, exatamente por esta não ser cabível no
período da fase investigatória.
Não cabe embargos no procedimento de arresto prévio de bens imóveis,
tampouco apelação. Uma vez deferido o pedido de arresto, a sua finalidade é
acautelar a eficácia do futuro pedido de registro de hipoteca legal, portanto, o
procedimento de registro deve ser iniciado em até 15 (quinze) dias do
deferimento do arresto, sob pena de cancelamento do arresto e impossibilidade
de ser novamente requerido no processo.
28.5. Arresto subsidiário de bens móveis
O art. 137 do CPP:
Art. 137. Se o responsável não possuir bens imóveis ou os possuir
de valor insuficiente, poderão ser arrestados bens móveis suscetíveis
de penhora, nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos
imóveis.

É chamado de arresto subsidiário justamente porque só é cabível caso não


seja possível efetivar a inscrição da hipoteca legal, em razão do acusado não
possuir bens imóveis ou os possuir em valor insuficiente.
Não se confunde com o arresto prévio, pois este é medida pré-cautelar
destinada a garantir a eficácia da futura inscrição da hipoteca. O arresto
subsidiário não é destinado a assegurar os imóveis que serão objeto de
hipoteca, mas assemelha-se em muito à função da hipoteca, porém, só recai
sobre bens móveis de origem lícita do acusado.
Para compreender melhor: o arresto prévio de bens imóveis tende a ser
substituído pelo registro da hipoteca legal, enquanto que o arresto subsidiário
de bens móveis do art. 137 será convertido em penhora na fase de execução.
Além da insuficiência de bens imóveis do acusado, o arresto subsidiário está
condicionado à demonstração dos mesmos requisitos da inscrição da hipoteca
legal (fumus boni iuris e periculum in mora), além das mesmas condições de
legitimidade e oportunidade.
Vejamos as principais diferenças entre o arresto prévio de bens imóveis e o
arresto subsidiário de bens imóveis:
1) Caráter subsidiário (ou residual) em relação à hipoteca legal: o
nome arresto subsidiário deriva justamente da sua função residual, ou
seja, só é cabível o arresto de bens móveis se não forem encontrados
bens imóveis no domicílio do acusado, ou se estes bens forem de valor
insuficiente;
2) Depósito ou alienação dos bens fungíveis e facilmente
deterioráveis: caso os bens móveis arrestados sejam fungíveis e
facilmente deterioráveis, segue-se o procedimento do art. 120, §5º, a
saber:
a. Os bens podem ser entregues em regime de depósito ao
próprio acusado ou terceiros nomeados pelo juiz;
b. Tratando-se de coisas fungíveis e facilmente deterioráveis, é
possível a avaliação e posterior leilão dos bens, depositando-
se o dinheiro apurado. Se houver órgãos próprios de registro
dos bens móveis, como o Detran, a medida constritiva
poderá ser registrada.
3) Suscetibilidade de penhora: somente poderão ser arrestados os bens
móveis suscetíveis de penhora. O art. 137 do CPP é expresso em
afirmar que não se admite arresto de bens móveis insuscetíveis de
penhora. Portanto, diversamente das demais medidas cautelares
anteriormente estudadas – sequestro, inscrição de hipoteca legal e
arresto prévio –, o arresto do art. 137 não pode recair sobre bem móvel
de família que guarnece a casa, porquanto tais objetos são
impenhoráveis;
4) Fornecimento de recursos para o acusado e sua família: das rendas
dos bens móveis poderão ser fornecidos recursos arbitrados pelo juiz,
para a manutenção do indiciado e de sua família. Isso porque existe a
possibilidade de o juiz nomear um depositário dos bens móveis, ao invés
de mantê-los sob a guarda do acusado, como ocorre na hipoteca legal;
5) Arresto prévio (art. 136) como medida pré-cautelar preparatória do
arresto subsidiário (art. 137): a finalidade do arresto prévio de bens
imóveis é para garantir a eficácia da futura inscrição de hipoteca legal. O
art. 136 nada diz a respeito da utilização para assegurar a eficácia do
arresto de bens móveis (art. 137). Não obstante, prevalece o
entendimento no sentido de que o arresto prévio do art. 136
também pode ser utilizado para assegurar a eficácia do arresto de
bens móveis do art. 137. Primeiro, porque o arresto de bens móveis
possui o mesmo procedimento moroso da inscrição de hipoteca legal,
comprometendo sua eficácia caso inexista medida pré-cautelar capaz de
resguardá-lo. Segundo, a transferência de bens móveis é muito mais
fácil do que de bens imóveis, normalmente por simples tradição, razão
pela qual o risco de alienação dos bens enquanto tramita o
procedimento de arresto subsidiário é bem maior do que o de inscrição
de hipoteca.
28.6. Apreensão
A apreensão é utilizada para a tomada de bens móveis instrumento ou produto
direto da infração penal, daí porque se fala em dupla função: busca de meios
de prova ou apreensão do produto direto do crime.
Apesar de a Lei 9.613/98 não mais se referir expressamente à apreensão como
medida cabível, o art. 17-A desta lei admite a aplicação subsidiária do CPP,
razão pela qual só resta possível a apreensão como forma de se obter
preventivamente os bens móveis produtos (diretos) da infração penal (producta
sceleris) ou os instrumentos do crime (instrumenta sceleris).
Destaque-se que não podem ser apreendidas as coisas e valores adquiridos
com os proventos da infração (produto indireto ou fructus sceleris):
a) Mediante sucessiva especificação (joias feitas a partir do ouro
subtraído);
b) Mediante alienação (dinheiro correspondente à venda da coisa furtada).
Diversamente do que se dá com o produto direto do crime, que pode ser
apreendido, o produto indireto da infração penal é passível de sequestro, nos
termos dos arts. 125 a 132 do CPP.
A apreensão realizada em escritório de advocacia deve seguir um
procedimento mais dificultoso, devendo haver prévia autorização judicial
decretada com base em indícios e materialidade da prática de crime por parte
de advogado, com mandado de busca e apreensão específico e
pormenorizado, além da presença de representante da OAB.
28.6.1. Defesas contra a apreensão
Cumprida a finalidade da apreensão, as coisas apreendidas devem ser
restituídas a quem de direito. Contudo, não será possível a restituição dos
objetos apreendidos nas seguintes hipóteses:
a) Enquanto interessarem à persecução penal:
Para a realização, por exemplo, de trabalho pericial em busca de vestígios de
pólvora, impressões digitais, resíduos de sangue, etc.
b) Instrumentos do crime (instrumenta sceleris), desde que consistam
em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua
fato ilícito:
Como se percebe, no tocante aos instrumentos do crime, a restituição será
vedada apenas na hipótese de objeto proibido ou que se encontre em situação
de ilegalidade no momento da prática delituosa. Ademais, deve ser respeitado
o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. Assim, se o sujeito utilizou um
computador para a prática do delito, este deverá ser restituído, em virtude da
sua posse não constituir fato ilícito, desde que não mais interesse à
persecução penal.
c) Qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente
com a prática do fato criminoso:
Neste caso, tanto o produto direto quanto o indireto da infração penal não
poderão ser restituídos ao agente, salvo se pertencentes à terceiro de boa-fé e
não mais interessarem à persecução penal.
O produto direto (producta sceleris) e o indireto (fructus sceleris) sofrerão
ulterior confisco, não se afigurando possível a sua restituição.
d) Quando houver dúvida quanto ao direito do reclamante:
Se houver dúvidas quanto ao direito do reclamante, o CPP prevê a
possibilidade de instauração de procedimento incidental para solucionar a
controvérsia.
e) Sem o comparecimento pessoal do acusado:
Tanto a Lei 11.343/06 quanto a Lei 9.613/98, em relação aos bens apreendidos
em razão dos crimes tipificados por estes diplomas, nenhum pedido de
restituição será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado,
podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação dos
bens, direitos ou valores.
28.6.2. Destinação das coisas apreendidas não restituídas
Art. 122. Sem prejuízo do disposto nos arts. 120 e 133, decorrido o
prazo de 90 dias, após transitar em julgado a sentença condenatória,
o juiz decretará, se for caso, a perda, em favor da União, das coisas
apreendidas (art. 74, II, a e b do Código Penal) e ordenará que sejam
vendidas em leilão público.
Parágrafo único. Do dinheiro apurado será recolhido ao Tesouro
Nacional o que não couber ao lesado ou a terceiro de boa-fé.
O art. 122 do CPP impõe a perda das coisas apreendidas em favor da União,
se decorrido o prazo de 90 dias após transitar em julgado a sentença
condenatória, medida que deve ser decretada pelo juiz.
28.6.3. Procedimento da restituição de coisas apreendidas
Não havendo dúvidas acerca do direito do interessado, as coisas apreendidas
poderão ser devolvidas ao legítimo dono por simples petição, dirigida à
autoridade policial, durante as investigações, ou ao juiz, no curso do processo.
A restituição pode ser feita desde a instauração do inquérito policial até 90 dias
após o trânsito em julgado.
Contudo, se houver dúvida quanto ao direito do reclamante, a devolução das
coisas deverá ser objeto de procedimento incidental próprio perante o juízo
competente, denominado de restituição de coisas apreendidas (CPP, arts. 118
a 124). Como se percebe, diversamente do pedido de restituição anteriormente
estudado, esse incidente de restituição consiste em verdadeiro procedimento
instaurado perante a autoridade judiciária competente, com ampla atividade
instrutória, para determinar quem é o verdadeiro dono da coisa.
O procedimento de restituição de coisas apreendidas será instaurado quando
houver dúvidas quanto ao direito do reclamante ou quando as coisas forem
apreendidas em poder de terceiro de boa-fé. Em ambas as hipóteses o MP
será ouvido.
Ao contrário do sequestro e do arresto prévio, que possuem prazos de validade
(eficácia limitada), cessando caso a denúncia não seja oferecida em 60 dias,
no caso do sequestro, e em 15 dias, no caso do arresto prévio, não há previsão
legal de prazo de eficácia para a apreensão, devendo ser analisado de acordo
com o princípio da razoabilidade.
28.6.4. Recursos cabíveis
Caso a restituição da coisa apreendida seja ilegalmente indeferida pelo
delegado de polícia, cabe MS perante o juiz competente. Por outro lado, caso a
restituição seja deferida, o MP pode pleitear a busca e apreensão, se entender
que os objetos ainda interessam à persecução penal.
Nada diz a lei acerca do recurso cabível contra a decisão que resolve o
incidente de restituição de coisas apreendidas, qualquer que seja a decisão.
Não obstante, entende-se cabível o recurso de apelação. Este é o
entendimento do STJ, por tratar-se de decisão definitiva de mérito.
No entanto, esta apelação (art. 593, II, CPP), não é dotada de efeito
suspensivo, razão pela qual o requerente pode optar pela impetração de
mandado de segurança, com fundamento no art. 5º, II, da Lei 12.016/09, desde
que haja perigo de ocorrência de dano irreparável.
29. Alienação antecipada
A alienação antecipada não era prevista na Lei de Lavagem de Capitais, razão
pela qual o entendimento majoritário era pelo não cabimento da medida em
relação aos crimes de branqueamento. Contudo, como a Lei 11.343/06 sempre
permitiu a alienação antecipada, toda vez que o crime antecedente era o de
tráfico de drogas, a alienação antecipada era perfeitamente admitida.
Com o advento da Lei 12.683/12, a alienação antecipada foi expressamente
prevista e regulada pela Lei 9.613/98. De todo modo, a Lei 12.694/12 adicionou
o art. 144-A ao CPP, permitindo a alienação antecipada de bens para todo e
qualquer crime, desde que os bens estejam:
a) Sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação;
b) Quando houver dificuldade para sua manutenção.
29.1. Momento
A Lei 9.613/98 não trouxe disposição acerca do momento adequado para a
alienação antecipada. Contudo, à primeira vista, poder-se-ia afirmar que este
procedimento poderia ser requerido durante todo o curso da persecução penal,
até o trânsito em julgado da sentença.
Ocorre que o autor faz uma análise mais apurada do instituto, afirmando ser
cabível apenas durante a fase processual. Primeiro, porque se antes da
denúncia não há sequer justa causa para ação penal, tampouco haverá motivo
para medida tão gravosa que é a alienação antecipada dos bens, evitando a
problemática situação em que os bens sejam alienados e o MP posteriormente
arquive o inquérito policial. Segundo, porque as outras medidas cautelares
patrimoniais, como o sequestro e o arresto prévio, quando cabíveis antes da
ação penal, submetem-se a prazo de eficácia, de 60 ou 15 dias,
respectivamente. Terceiro, porque a própria Lei de Drogas traz disposição
expressa segundo a qual a alienação antecipada só é cabível após a
instauração da competente ação penal.
29.2. Pressupostos
O objetivo precípuo do instituto é a preservação do valor dos bens constritos
em virtude da adoção de medidas cautelares patrimoniais ou de anterior
apreensão. Portanto, a alienação antecipada será possível nas seguintes
hipóteses:
a) Quando o bem estiver sujeito a qualquer grau de deterioração ou
depreciação;
b) Quando houver dificuldade para a manutenção do bem constrito.
A interpretação dos pressupostos deve ser feita de maneira restritiva, portanto,
não é qualquer grau de deterioração ou depreciação que impulsionará a
alienação antecipada, tampouco qualquer tipo de dificuldade de manutenção,
devendo ser uma dificuldade séria e contundente.
29.3. Legitimidade
Expressamente prevê a lei que a medida pode ser decretada pelo juiz, de
ofício, mediante requerimento do MP, ou por solicitação da parte
interessada. Logo, são os legitimados:
a) O juiz, de ofício, ou mediante requerimento;
Como a medida só pode ser decretada durante a fase processual, logo o
magistrado possui legitimidade para decretá-la de ofício a qualquer tempo.
b) O Ministério Público;
Para preservar o valor dos bens para ulterior reparação do dano ou para
suportar possível confisco ao final do processo.
c) A parte interessada:
Que pode ser:
i) Próprio acusado;
ii) Terceiro interessado;
iii) Ofendido/assistente de acusação.
29.4. Procedimento
A alienação antecipada deverá ser solicitada por meio de petição, que será
autuada em apartado, configurando procedimento incidental. Os autos devem
tramitar em separado do processo principal. O pedido deve constar a
individualização de todos os bens cuja alienação se pretende.
Uma vez garantida a ampla defesa e o contraditório em relação ao laudo de
avaliação dos bens, o juiz homologará o valor atribuído por sentença definitiva
(que desafia apelação) e determinará sejam alienados em leilão ou pregão,
preferencialmente eletrônico, por valor não inferior a 75% da avaliação.
Realizado o leilão, serão deduzidos da quantia apurada todos os tributos e
multas incidentes sobre o bem alienado. O montante, então, seguirá a
disciplina bancária (preferencialmente bancos públicos) para ser depositado na
conta do Tesouro Nacional (crimes de competência federal) ou Tesouro
Estadual (crimes de competência estadual).
Com o trânsito em julgado da condenação, os valores serão definitivamente
incorporados ao patrimônio da União ou do Estado-membro, ressalvado o
direito do lesado ou do terceiro de boa-fé. Os bens que sofreram medidas
assecuratórias, mas não foram alienados antecipadamente, também serão
perdidos em favor do ente público. Por sua vez, o inciso III do §10º do art. 4º-A
determina que os bens que sofreram medidas assecuratórias, mas não foram
objeto de perdimento pela sentença condenatória, ficarão disponíveis para
restituição ao legítimo proprietário, pelo prazo de 90 dias após o trânsito em
julgado, após o qual serão perdidos em favor do ente público, não porque se
trata de bem ilícito, mas porque não foi reclamado no prazo legal.
A sentença absolutória faz com que todos os bens objeto de constrição sejam
restituídos ao réu, inclusive os valores obtidos pela alienação antecipada.
Por fim, os bens objeto de restrição, inclusive os valores obtidos pela alienação
antecipada, que forem oriundos do crime de tráfico ilícito de drogas, e que
tenham sido objeto de lavagem de dinheiro posteriormente, permanecem
submetidos à disciplina definida em lei específica (Lei 11.343/06).
29.5. Utilização dos bens constritos pelos órgãos que atuam na
persecução penal
Apesar da tentativa de abrir a possibilidade de os bens objeto de constrição
serem utilizados pelas instituições de persecução penal, a mudança não foi
aprovada pelo Congresso, porém restou incólume o §12 do art. 4º-A da Lei
9.613/98. Este parágrafo, desprovido da sua regulamentação, não tem efeito
prático nenhum, razão pela qual deve ser desconsiderado.
30. Ação civil de confisco
Efeitos genéricos e específicos
Art. 91 - São efeitos da condenação:
II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de
boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico,
alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito
auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
Um dos efeitos genéricos da condenação é o confisco dos bens utilizados
como instrumentos do crime ou obtidos a partir da prática criminosa (produto
do crime). Lembrando que também poderá ser decretada a perda de bens ou
valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem
encontrados ou quando se localizarem no exterior
§ 1o Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto
ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se
localizarem no exterior.
O confisco, contudo, tem sua eficácia comprometida em virtude de só ser
levado a efeito após o trânsito em julgado da condenação. Mesmo as medidas
assecuratórias que visam resguardar a eficácia do ulterior confisco nem
sempre se revelam eficazes o suficiente para resguardar o interesse da União
ou dos Estados.

Por isso, vários países passaram a prever a possibilidade de ação civil de


confisco, nos mesmos moldes da ação civil ex delicto, proposta no juízo cível,
só que visando o confisco dos bens do acusado.
Essa ação civil de confisco (ou perdimento) tem o objetivo de formar um título
executivo judicial cível, antes do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória, com maior celeridade e todas as garantias de um devido
processo legal, pois trata especificamente dos bens, não envolvendo outras
questões do processo penal típico ou tradicional que geralmente encobrem os
problemas decorrentes dos bens apreendidos. Tem como pressuposto o desvio
ou abuso no exercício do direito de propriedade por quem se encontra na
posse ou detenção do bem de origem ilícita. Trata-se de processo judicial in
rem contra a propriedade, e não contra o transgressor.

Dentre os benefícios da ação civil de confisco, pode-se afirmar que:

a) Permitiria a possibilidade de recuperação de ativos em casos de


decisões terminativas ou sentenças absolutórias no processo penal
que não fazem coisa julgada no cível (todas exceto negativa de
autoria ou de materialidade);
b) Permitiria a obtenção de uma sentença civil condenatória antes da
sentença no processo penal, geralmente mais lento. A independência
das instâncias garantiria a plena validade e eficácia da sentença cível,
ainda que houvesse, em sede criminal, prescrição ou a extinção de
punibilidade por qualquer outra razão;
c) Seria possível a inversão do ônus da prova, sem cogitar eventual
violação à regra probatória que deriva do princípio da presunção de
inocência. Afinal, este princípio só se aplica à pessoa do acusado, e não
aos seus bens.
31. Ação controlada
Art. 4o-B. A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens,
direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público,
quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações.
A ação controlada, que consiste no retardamento da intervenção do aparato
estatal, serve para que a intervenção se proceda no momento mais oportuno
do ponto de vista da investigação criminal.
O novel art. 4º-B da Lei 9.613/98 permite que o juiz determine a suspensão da
ordem de prisão de pessoas ou das medidas assecuratórias de bens, direitos
ou valores, quando a sua execução imediata puder comprometer as
investigações (princípio da oportunidade). A ação controlada pode ser
autorizada para qualquer medida assecuratória prevista na Lei de Lavagem e,
ainda, para qualquer medida cautelar dos arts. 319/320 do CPP, uma vez que,
permitindo a sua autorização para prisão preventiva, mais grave, implicitamente
também a permite para as medidas cautelares menos graves.
Contudo, doutrina acorda para o fato de que a ação controlada não pode ser
dirigida para o retardamento da prisão em flagrante, por ausência de
expressa disposição legal. Sendo assim, a prisão em flagrante continua sendo
obrigatória para os prepostos policiais.
32. Administração de bens
Art. 5o Quando as circunstâncias o aconselharem, o juiz, ouvido o Ministério
Público, nomeará pessoa física ou jurídica qualificada para a administração dos
bens, direitos ou valores sujeitos a medidas assecuratórias, mediante termo de
compromisso.
Art. 6o A pessoa responsável pela administração dos bens:
I - fará jus a uma remuneração, fixada pelo juiz, que será satisfeita com o
produto dos bens objeto da administração;
II - prestará, por determinação judicial, informações periódicas da situação
dos bens sob sua administração, bem como explicações e detalhamentos sobre
investimentos e reinvestimentos realizados.
Parágrafo único. Os atos relativos à administração dos bens sujeitos a
medidas assecuratórias serão levados ao conhecimento do Ministério Público, que
requererá o que entender cabível.
Esta administração não retira a propriedade do acusado, mas tão somente a
gestão dos bens, que é transferida a um órgão auxiliar do juízo. O
administrador não poderá utilizar o bem, mas apenas administrá-lo de forma a
maximizar os frutos e rendimentos.
A necessidade de nomeação de um administrador judicial somente será
necessária quando o proprietário for desapossado do bem, ou seja, nas
hipóteses de sequestro e arresto subsidiário de bens móveis. Em alguns
casos é possível, no entanto, que o bem permaneça sob a posse de seu titular,
que terá o dever de guarda e conservação. É o que ocorre na hipótese de
sequestro de bens imóveis, em que o proprietário ficará na posse do bem, com
as responsabilidades inerentes ao depositário. O objetivo de proteger o bem,
neste caso, estará resguardado com o registro na matrícula do imóvel, evitando
a alienação.
De todo modo, ainda que os bens constritos permaneçam em poder do
acusado (sequestro de bens imóveis, arresto prévio e especialização e registro
de hipoteca legal), a doutrina entende ser cabível a nomeação de administrador
em três hipóteses: a) sério risco de deterioração dos bens; b) administração
dos bens de modo a reduzir-lhe o valor; c) utilização dos bens para fins ilícitos.
A administração pode ser atribuída a pessoas físicas ou jurídicas, a
depender da natureza da coisa e da complexidade da administração. O
administrador fará jus a uma remuneração que será satisfeita com o produto
dos bens administrados, bem como deverá prestar informações periódicas da
situação dos bens sob sua administração.
33. Efeitos da condenação
Além dos efeitos já enunciados no Código Penal, aplicáveis a toda e qualquer
condenação criminal, a Lei de Lavagem de Capitais ainda prevê alguns efeitos
específicos para os condenados pelo branqueamento.
São efeitos genéricos, previstos no CP:
1) Obrigação de reparar o dano;
2) Perda, em favor da União, dos instrumentos do crime, desde que
consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção
constitua fato ilícito, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-
fé;
3) Perda em favor da União do produto do crime ou de qualquer bem ou
valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato
criminoso, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé.
Analisados os efeitos da condenação previstos no CP, os quais podem ser
aplicados subsidiariamente ao crime de lavagem de capitais, resta analisar os
efeitos específicos da condenação pelo crime de lavagem.
Ao contrário do que prevê o CP, o efeito de perda dos bens e valores (efeitos 2
e 3) será convertido em favor da União ou dos Estados, se a competência
para julgamento do delito de lavagem recair sobre a Justiça Estadual. A
segunda diferença é a seguinte: diferentemente do CP, a condenação por
lavagem de dinheiro acarreta a perda da fiança prestada, seja em favor da
União ou dos Estados. Por fim, da mesma forma que no CP, este é um efeito
automático da condenação, não precisando estar expresso na sentença, pois
decorre diretamente da lei.
Outro efeito da Lei 9.613/98 é a interdição do exercício do cargo ou função
pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de Conselho de
Administração ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º, pelo
dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada. Diversamente do
efeito anterior, esta penalidade é facultativa e acessória, devendo ser
motivadamente declarada na sentença, produzindo efeitos após o trânsito em
julgado.
Forçoso é salientar que a penalidade de perda definitiva do cargo ou função
pública, prevista no CP, não se aplica à Lei 9.613/98, pois esta define
expressamente o efeito de interdição do exercício de cargo ou função
pública, pelo dobro do tempo da condenação, razão pela qual tratou do tema
de forma diferente do CP.
CP Lei 9.613/98
Efeito automático Tornar certa obrigação de Tornar certa obrigação de
indenizar. indenizar.
Efeito automático Perda de bens e valores Perda de bens e valores
(instrumentos e produtos) (instrumentos, produtos e
em favor da União. fiança) em favor da União
ou dos Estados.
Efeito acessório Perda de cargo, função Interdição do exercício de
(deve ser pública ou mandato eletivo cargo ou função pública de
motivadamente para as condenações qualquer natureza e de
declarado na acima de 4 anos ou, nas diretor, de membro de
sentença) condenações acima de 1 conselho de administração
ano, para os crimes ou de gerência das
cometidos com abuso de pessoas jurídicas referidas
poder ou violação de dever no art. 9º, pelo dobro do
para com a Administração tempo da pena privativa
Pública. de liberdade aplicada.

34. Colaboração internacional e reciprocidade


Dos Bens, Direitos ou Valores Oriundos de Crimes Praticados no Estrangeiro
o
Art. 8 O juiz determinará, na hipótese de existência de tratado ou
convenção internacional e por solicitação de autoridade estrangeira competente,
medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores oriundos de crimes
o
descritos no art. 1 praticados no estrangeiro.
§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo, independentemente de tratado ou
convenção internacional, quando o governo do país da autoridade solicitante
prometer reciprocidade ao Brasil.
o
§ 2 Na falta de tratado ou convenção, os bens, direitos ou valores privados
sujeitos a medidas assecuratórias por solicitação de autoridade estrangeira
competente ou os recursos provenientes da sua alienação serão repartidos entre
o Estado requerente e o Brasil, na proporção de metade, ressalvado o direito
do lesado ou de terceiro de boa-fé.
Existem duas hipóteses de colaboração internacional relativa ao crime de
lavagem de capitais e um efeito decorrente da cooperação:
a) Existência de tratado internacional de cooperação: caso exista o
tratado internacional, a autoridade brasileira pode cooperar com a
estrangeira, determinando medidas assecuratórias sobre os bens objeto
de infração penal do art. 1º, mediante a expedição de carta rogatória ou
outro procedimento mais célere previsto nos variados tratados bilaterais
que o Brasil assina com outros países;
b) Inexistência de tratado internacional de cooperação: inexistindo
tratado de cooperação, mesmo assim será possível a cooperação,
desde que o país solicitante prometa reciprocidade ao Brasil;
c) Efeitos da cooperação internacional: na falta de tratado ou
convenção, os bens e valores que foram objeto de medidas
assecuratórias por via de cooperação serão repartidos entre o Estado
requerente e o Brasil, ressalvado o direito de terceiro de boa-fé. Para
que a repartição produza efeitos, necessário o trânsito em julgado da
sentença e a homologação da sentença condenatória estrangeira pelo
STJ, confirmando a origem espúria dos bens.
35. Das pessoas sujeitas à Lei nº 9.613/98
Uma persecução penal eficiente da lavagem de capitais exige uma perfeita
interação entre três subsistemas: prevenção, repressão e recuperação de
ativos.
No tocante à prevenção, a Lei 9.613/98 determinou que certas pessoas físicas
e jurídicas, notadamente aquelas que trabalham com grandes vultos de
capitais, mantenham cadastros de clientes e registro de operações realizadas,
de forma que, na hipótese de se identificar alguma transação ou operação
suspeita, imediatamente (em até 24 horas) e sigilosamente (sem abstendo-se
de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa) comuniquem a ocorrência ao
COAF ou ao órgão regulador de sua atividade.
As atividades elencadas pela Lei, praticadas pelas pessoas sujeitas às
obrigações do art. 11, podem ser feitas em caráter permanente ou eventual,
como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não com outras.
O fundamento desta divisão de tarefas é o seguinte: como o crime de lavagem
de capitais ofende a coletividade como um todo, não pode a sua prevenção
ficar restrita aos órgãos oficiais do Estado, sob pena de ineficiência do
combate. O art. 144 da CF estabelece como dever da coletividade a segurança
pública, portanto, tendo como vítima a coletividade, este crime deve ser
prevenido por todos, e não apenas pelo Estado.
O combate à lavagem de capitais passa pela cooperação entre o setor
público e o setor privado, sistema esse que a doutrina denomina de twin
track figth, no qual pessoas físicas e jurídicas que atuam em campos
sensíveis à lavagem de capitais, que exerçam atividades em setores
tradicionalmente utilizados pelos lavadores, são caracterizados como
gatekeepers, como torres de vigia, pois atuam ou têm acesso aos caminhos
e trilhas por meio dos quais flui o dinheiro obtido com infrações penais.
35.1. Da identificação dos clientes e manutenção de registros
As obrigações impostas aos gatekeepers podem ser sintetizadas da seguintes
forma:
a) Política do “know your costumer”: consistente no dever da instituição
financeira de conhecer o perfil de seu correntista de forma que seja
possível a definição de um padrão de movimentação financeira
compatível com seus rendimentos declarados. Existindo
incompatibilidade de movimentação, a notícia dessa operação suspeita
deve ser encaminhada à autoridade administrativa responsável, que
poderá ser o órgão regulador de sua atividade (BACEN – para as que
operam no sistema financeiro; CVM – para as que operam com valores
imobiliários; SUSEP – para as que operam no sistema de seguro e
capitalização) ou o próprio COAF;
b) Comunicação às autoridades competentes de atos e transações
suspeitas de lavagem de capitais;
c) Desenvolvimento de políticas interna de “compliance”: qualificação
de funcionários, elaboração de programas, normas e regulamentos para
prevenção e identificação da lavagem de capitais, assim como
implementação de instrumentos de investigação e controle interno para
impedir e reprimir estas operações.
Por fim, note-se que se as pessoas listadas deixarem de cumprir o previsto nos
arts. 11 e 12, a elas podem ser aplicadas penalidades: a) advertência; b) multa
pecuniária variável de até 20 milhões; c) inabilitação temporária para
exercício de cargo de administrador por até 10 anos; d) cassação ou
suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou
funcionamento.
36. Aplicação subsidiária do CPP
A partir do advento da Lei 12.683/12 restou expressamente disposto na Lei
9.613/98 a aplicação subsidiária do CPP. A depender do caso concreto,
também será possível a aplicação subsidiária de outras leis, como a 11.343/06.
37. Acesso a dados cadastrais
A exemplo da Lei 12.850/12, a Lei 12.683/12 acrescentou a possibilidade de
acesso direto pelo MP e pelo delegado de polícia aos dados cadastrais do
investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço,
independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral,
pelas empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e
administradoras de cartões de crédito.
38. Forma de comunicação dos dados financeiros e tributários
Um dos maiores entraves por ocasião da quebra do sigilo de dados financeiros,
bancários e fiscais diz respeito à ausência de definição de um parâmetro único
a ser observado pelas instituições bancárias e pela Receita Federal ao prestar
as informações. Daí a importância do art. 17-C:
Art. 17-C. Os encaminhamentos das instituições financeiras e tributárias em
resposta às ordens judiciais de quebra ou transferência de sigilo deverão ser,
sempre que determinado, em meio informático, e apresentados em arquivos que
possibilitem a migração de informações para os autos do processo sem
redigitação.

39. Afastamento do servidor público de suas funções como efeito automático


do indiciamento em crimes de lavagem de capitais
Art. 17-D. Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem
prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz
competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.

Trata-se de um efeito automático do indiciamento, permitindo seu retorno às


atividades funcionais apenas se houver decisão judicial fundamentada nesse
sentido.

O autor defende que este dispositivo é inconstitucional, pois, além de violar o


princípio da presunção de inocência, porquanto estabelece o afastamento
como efeito automático do indiciamento, o artigo também vai de encontro ao
princípio da jurisdicionalidade, vez que permite que uma autoridade não
judiciária – o delegado de polícia – determine medida de natureza cautelar sem
qualquer aferição acerca de sua necessidade, adequação e proporcionalidade.

Não obstante, a autoridade judiciária competente pode determinar, com base


no art. 282 do CPP, a suspensão temporária das atividades de funcionário
público, como medida cautelar típica prevista na legislação.

40. Preservação de dados fiscais pela Receita Federal


Art. 17-E. A Secretaria da Receita Federal do Brasil conservará os dados fiscais
dos contribuintes pelo prazo mínimo de 5 (cinco) anos, contado a partir do início
do exercício seguinte ao da declaração de renda respectiva ou ao do pagamento
do tributo.

Trata-se de prazo mínimo (a Receita pode conservar por mais tempo) para
garantir a preservação desses dados, visando eventual quebra do sigilo fiscal.

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