Vejo muitas pessoas perdidas em suas vidas. Inseguras quanto ao seu
destino, à sua profissão, ou mesmo quanto ao sentido daquilo que fazem. Algumas semanas atrás publiquei um texto sobre como sempre vivemos com a sensação de que estamos aquém de nossas metas, e sentimos estar desperdiçando tempo e oportunidade de um ganho maior. Na última semana foi noticiado na mídia o caso de um homem que insatisfeito com seu emprego, matou sua esposa e dois filhos e depois se suicidou. Numa carta deixada antes de cometer seu ato, relatava estar passando por um grande desgosto perante a vida e que temia as dificuldades financeiras. Neste texto pretendo então dialogar com todos aqueles que compartilham desse nosso tempo e dessa nossa sociedade, aqueles que cresceram sob a “onda do empreendedorismo”, a geração que escutou desde criança que deveria fazer aquilo que desejava e ser feliz assim. Que deveria largar os modelos formais de emprego e abraçarem a errância da vida para encontrarem seu propósito no mundo. Enfim, dialogar com quem acredita que basta encontrar sua verdadeira vontade que o universo vai dar conta do recado, como se o mundo fosse um benevolente pai. Primeiramente, qual a meta inicial de qualquer jovem adulto? Fazer uma faculdade. O que pode significar um desastre, já que muitas vezes esta pode ser uma perda de tempo, energia e dinheiro. Pode parecer chocante para muitos ouvir isso, e até contrassenso vindo de alguém formado e envolvido com a vida acadêmica. Mas a verdade é que a universidade é uma bolha fora do seu tempo, não apenas no Brasil como no mundo todo. Atualmente, das turmas que saem formadas com seus quase cinquenta alunos todo semestre, a experiência costuma demonstrar que talvez dois vão conseguir um emprego logo nos primeiros meses. E talvez nem sejam os dois melhores alunos. Simplesmente porque o mercado de trabalho, nas suas condições atuais, não absorve os milhares de profissionais que são criados a todo ano. Do mesmo modo, a expectativa de salário para tais profissionais é muito baixa, e a cada ano diminui ainda mais. E se você for subindo a escala da formação, você encontrará cada vez mais pessoas bem formadas, com experiência, fluência em outras línguas, pós-doutor disso ou daquilo, mas que simplesmente não há emprego pra elas. Aquela história que lhe contaram desde criança que você deveria estudar para arrumar um bom emprego é uma mentira. Talvez valesse até a década de 80, mas não no século XXI. A verdade é que estamos em meio a uma revolução social da divisão do trabalho, e não sabemos exatamente no que vai dar. Por enquanto tem terminado em crise econômica. Vou dar um exemplo simples. Quase ninguém mais imprime fotos, apenas posta no Instagram. Assim, a demanda por papel de fotos cai drasticamente, indústrias fecham, milhares de pessoas que trabalhavam nos diversos processos desta indústria vão para o olho da rua. O Instagram por sua vez é uma startup que emprega muito menos funcionários que aquela indústria já falida. A mesma fórmula se aplica ao Uber, e todos os outros apps maravilhosos que tornam nossa vida mais simples e econômica. Uma série de empregos, funções e indústrias estão sendo destruídas, e o contingente humano que costumavam empregar não está sendo reaproveitado. Faça faculdade se realmente ama uma profissão, e não se vê de outro modo senão enfermeiro, fisioterapeuta, advogado, economista, etc. Mas saiba que não terá oportunidades tão cedo, precisará de outra renda ou mesmo pais que lhe sustentem por anos nas várias especializações, até que você tenha oportunidade de trabalhar e ganhar dinheiro na sua própria área de formação. Ficar na casa dos pais com mais de 30 anos não é mais “a preguiçosa geração y“, é a impossibilidade do diferente. Possuir um diploma superior não significa muita coisa hoje em dia. E se não lhe agrada essa perspectiva, vá investir em outras coisas que lhe agreguem valor e lhe façam crescer. Das pessoas que fazem universidade, raramente estas se arrependem. Eu mesmo atesto isso. Foram anos maravilhosos, fiz grandes amigos, tive ótimas experiências, discussões fantásticas e desenvolvi um pensamento crítico com professores que representam a elite intelectual do país. E sem isso não estaria onde estou hoje. Só que há também muita gente inteligente, competente e ativa que está desempregada. E a culpa não é deles Portanto, antes de entrar numa faculdade vale a pena pensar se é realmente isso que você deseja para sua vida. Não seguir apenas o fluxo automático da escola para colegial, do colegial para a faculdade, e da faculdade para o mercado de trabalho. Até porque na vida as coisas são mais complexas que essa fórmula repetida até a exaustão. A vida na universidade pode terminar sendo um belo exercício estético. Nem sempre é caminho para o mercado de trabalho. Pode ser caminho para o diploma que muitas profissões ainda exigem. Mas entre o diploma e a possibilidade de exercer sua profissão há ainda uma grande fronteira. Esta última que, infelizmente, ainda são barreiras sociais quase intransponíveis para quem não está naquelas velhas classes favorecidas. Outro dia me caiu o texto de uma blogueira, que prefiro mantê-la anônima, cuja crença principal dela é que somos uma geração de insatisfeitos por culpa da educação e expectativa dos nossos pais, e que as pessoas experimentam mais felicidade quando largam a segurança para abraçar o inesperado da vida. Como largar uma carreira administrativa segura numa empresa e fazer um mochilão ou trabalhar num food truck. Essa blogueira tem 28 anos, formada, já apareceu na televisão algumas vezes, doutoranda em uma universidade europeia. Linda, cheia de seguidores nas redes sociais, o livro dela é um dos mais vendidos do país ultimamente. Procedi a um velho hábito acadêmico: checar o currículo vitae. Além de formada numa universidade particular de grande nome no país, numa grande cidade brasileira, havia uma quantidade considerável de cursos e especializações no exterior que só podiam ser cursados por alguém que foi bancada por pais com uma considerável condição financeira. Não quero lhe tirar os méritos dos justos esforços, a dedicação de muito estudo que ela certamente teve. Mas não podemos esquecer que sempre alguém deve pagar a conta da mesa, mesmo quando alguém come muito. Não há almoço grátis. Isto é, algumas pessoas simplesmente tem a sorte de possuírem famílias que podem pagar a conta por elas, e bancá-las enquanto se dedicam intensamente para conquistar algo na vida. Essa não é a realidade do povo brasileiro. Muitos não possuem pais ricos que colocam expectativas em seus filhos com seus cursos caríssimos no exterior. Possuem na verdade pais que trabalham muito para dar a mínima possibilidade de estudo para seus filhos. Algo que eles mesmos não tiveram oportunidade. E que, como disse anteriormente, seus filhos também não terão as mesmas oportunidades, pois mesmo tendo acesso a um curso superior, a realidade do mercado de trabalho atualmente ainda lhes é completamente desfavorável. Se o pobre ascendeu ao diploma superior nos últimos tempos, este não significa muita coisa. Há uma série de outros fatores, como redes de contatos, experiência anteriores que não são de baixo investimento financeiro, e por aí vai, que vão ser determinantes para além do diploma. Largar a segurança do seu empreguinho e o conforto de sua casa, e, por exemplo, voltar a ser estudante no exterior, pegando ônibus e metrô lá fora é um discurso muito elitista. Ainda que não pareça. Para começar: qual o valor de uma passagem de avião? Qual o custo de vida – mesmo num padrão baixo – considerando estadia, alimentação e o mínimo de lazer num país de primeiro mundo? Fazendo as contas, simplesmente não é algo para qualquer um que “deseje profundamente e faz acontecer”. Um caso ou outro de fortuito sucesso não é suficiente para ignorarmos todos os outros que cotidianamente falham. Pode parecer bonito inflar o discurso de autoajuda e incentivar os outros a isso, mas temos que ter cuidado de não estar criando expectativas pouco reais, que terminam como fantasias de autorrealização opressoras no cotidiano de muita gente. No fim, estamos diante do fato de que a globalização existe para os padrões de consumo. Todo mundo deseja mais, e cada vez mais neste mundo globalizado. Mas as possibilidades de atingir os ideais de consumo continuam muito difíceis para quem está fora da cadeia de privilégios. Infelicidade é o que se segue. Fingir que todos têm iguais oportunidades – ou mesmo que a intensidade do desejo seja fator suficiente para igualar as possibilidades – não parece ser a melhor solução. A dificuldade financeira, as inseguranças e incertezas da nossa sociedade, as marcas de classe, gênero e etnia são questões reais, e talvez apenas quem viva elas no cotidiano possa dizer o que isto representa em sua própria história. Mas até quando vamos ignorar que suicídios, o aumento da criminalidade, o aumento dos índices de depressão e ansiedade são fenômenos sociais ligados à forma como nos organizamos e estamos dispostos a viver? Solução para esse cenário? Aqui entra a vez da boa e (não tão) velha psicanálise. Freud dizia que todos nós somos insatisfeitos por não podermos realizar o incesto, ou seja, somos proibidos de transar com a própria mãe. A verdade é que o incesto não é mais que uma metáfora para tudo aquilo que desejamos na vida. Muito disso que ansiamos alcançar é, em alguma medida, impossível. Talvez porque certas metas são extremamente fantasiosas (conhecemos muito pouco das dificuldades contínuas por trás de cada sucesso), ou mesmo porque há mecanismos sociais operando por trás disto. Não vou dizer que você deve ter uma atitude empreendedora, acreditar, trabalhar muito para fazer acontecer. Você provavelmente já faz isso. E na medida em que encontra certas barreiras e dificuldades, você certamente fica frustrado. Direi apenas que viver é aprender a lidar com certa dose de insatisfação. Viver é lidar com a impossibilidade de que as coisas sejam exatamente como queremos, e a partir disso devemos organizar meios para alcançar outras coisas que também podemos desejar. Talvez você não possa se mudar para o exterior imediatamente e começar aquele curso do seu sonho, ou ter aquele tão esperado emprego. Mas você pode fazer algumas coisas nesta direção. Iniciar o estudo de outra língua, pesquisar o que as pessoas tem feito na sua área e tem dado certo. Isto é, dividir seu grande objetivo em metas mais acessíveis por enquanto. Eventualmente você pode até realizar aquilo que tanto desejava, ainda que com um tempo diferente de outras pessoas que tiveram o caminho facilitado. Respeitar o próprio tempo neste caminho é essencial. Na vida não há fórmula pronta para seguirmos. Talvez o grande problema seja seguirmos fórmulas que nem sempre são adequadas à singularidade do nosso desejo, de quem somos e de nossa história. Importamos valores e crenças que pouco tem a ver com nossa realidade. O que é justo, já que sonhar é ótimo e necessário para crescermos e nos desenvolvermos, mas trocar uma vida que com certeza já deve ser repleta de qualidades pela exigência descabida de uma fantasia é tortura autoimposta. A vida cotidiana é repleta de possibilidades de realizações, mudanças, invenções e satisfações. Talvez seu jardim não seja tão verde como a grama do vizinho, mas tenha certeza que seu vizinho também não está tão feliz com o jardim dele, por mais que superficialmente possa parecer o contrário. Enquanto luta pelas grandes realizações, não se esqueça de apreciar as pequenas felicidades. No fim, são elas que realmente lhe sustentam. Autor: Igor Teo é psicólogo e psicanalista.