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FACULDADE DE LETRAS
2018
Resumo
negligenciado, por isso, neste trabalho iremos criar novas perspetivas sobre esta temática,
ambos os exércitos - egípcio e cananeu - para assim observarmos a forma como ambos se
comportam em batalha, de modo a concluir sobre o que poderá ter acontecido realmente.
Isto tudo será complementado com uma explicação sobre as intenções do Egipto ao
avançar para a sírio-palestina e como o conseguiu fazer. No final, a nossa intenção é criar
Abstract
For a long time, studies about Ancient Egypt focused, only, in tombs, pharaohs,
gods and treasures. Warfare has always been a little overlooked, so, with this paper we
will create new prespectives about this matter, doing a study-case about the battle and
siege of Meguido. The traditional analysis of this conflict is often based on propaganda,
so, we will study the strengths and weaknesses of both the Egyptian and Cananite armies,
as well as how they behave in battle. All of this will be complemented with an explanation
about Egypt’s intentions in moving to Syria-Palestine, and how was this done. In the end,
our intention is to create new interpretations hypotheses, so we can contribute to this new
study area.
Conteúdo Página
Introdução ......................................................................................................................... 1
O impulso para a expansão egípcia .................................................................................. 2
A batalha e o cerco de Meguido (c. 1457 a. C) ................................................................ 4
A batalha ....................................................................................................................... 7
O cerco ........................................................................................................................ 11
Conclusão ....................................................................................................................... 17
Anexos ............................................................................................................................ 19
Bibliografia consultada ................................................................................................... 25
Fontes ......................................................................................................................... 25
Bibliografia geral ........................................................................................................ 25
Introdução
batalha de Meguido (c. 1457 a. C), de forma a retirar conclusões pertinentes sobre este
conflito. Para tal irão ser utilizados os Anais de Tutmés III1 como fonte, de forma cuidada,
certos aspetos e comprovar a sua veracidade. O que se pretende é observar o conflito com
uma perspetiva, mas sim olhar para ambos os exércitos e perceber os seus diferentes
aprofundados sobre este conflito, especialmente sobre o cerco. Os que encontramos não
tiram outras conclusões senão as que já estão presentes nos Anais de Tutmés III, não
contribuindo muito para o estudo deste assunto. O autor que parece mais contribuir para
estas questões é Richard Gabriel, que iremos utilizar para nos auxiliar em alguns aspetos.
Outras conclusões que iremos retirar irão ser a resposta a várias hipóteses colocadas. Por
isso, no presente trabalho iremos responder a várias problemáticas sobre o tema: Como é
que o exército cananita perde para o Egipto? O exército egípcio foi assim tão perfeito
como nos descrevem as fontes? Que consequências teve o cerco tanto para os cananeus,
1
Os Anais de Tumés III podem ser consultados em:
ARAÚJO, Luís Manuel de, “A batalha de Meguido”, em António Ramos dos Santos e José Varandas
(coord.), A Guerra na Antiguidade, II, Lisboa: Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, 2006, pp. 116-125;
1
O impulso para a expansão egípcia
analisar a evolução do seu exército após a presença dos Hicsos. Antes do Império Novo
(1 550 a.C. - 1 070 a.C.), graças às suas fronteiras naturais2, o Egipto estava isolado, então
raramente tinha contactos militares com outros povos, à exceção da Núbia e da Líbia, na
bronze não era usado nas armas3, sendo estas relativamente leves nesta época4, mas,
mesmo assim, o Egipto conseguia conter incursões vindas da Núbia ou da Líbia, que eram
militarmente inferiores, tendo uma organização bastante tribal, por isso eram facilmente
controláveis, apesar de não deixarem de ser uma preocupação. Por isso, foram construídas
comerciais entre o Egipto e a Síria-Palestina desde muito cedo. Temos que nos recordar
comerciais entre estas duas zonas eram bastante ativas. Porém, não existiam ainda
Antes da vinda dos Hicsos, o Egipto possuía um exército bastante primitivo e não-
2
Deserto a oeste, o deserto do Sinai, a costa mediterrânica e a primeira catarata no Assuão;
3
Já nos exércitos da síria-palestina o bronze era usado no armamento há bastante tempo;
4
Ver CREASMAN, Pearce Paul e WILKINSON, Richard H. (ed.). Pharaoh’s land and beyond: Ancient
Egypt and its neighbors, Oxford University Press, Nova Iorque, 2017, p. 93;
5
Ver anexos, figura 6;
2
os conflitos bélicos não eram frequentes, já que o Egipto tinha fronteiras naturais que lhes
davam uma certa proteção. O império egípcio começou a ser construído com a XVIII
dinastia. Depois da expulsão dos Hicsos pelo faraó Amósis, iniciou-se uma época de
à dinastia hicsa, que se instalou no Baixo Egipto, mais propriamente na cidade de Aváris,
entre dois dos seus inimigos – a norte os Asiáticos e a sul os Núbios7. Esta situação
Kopech8, um tipo de espada semelhante à cimitarra e o arco compósito9, ótimo para curtas
Novo, foram o carro de guerra e o cavalo, símbolos do poder militar desta época10. A
infantaria egípcia organizou-se graças a toda esta tecnologia, mas a marinha continuou
com a sua função: transporte de mantimentos e de soldados, como veremos com Tutmés
III.
6
Graças a esta falta de organização, sem progresso militar, aliado à falta de centralização governamental,
no Primeiro Período Intermediário (2181 a.C. – 2055 a.C.), os egípcios perdem a Núbia, o que fez com que
muitas fortalezas fossem tomadas, emergindo uma dinastia local em Kerma, na Alta Núbia;
7
Ver ARAÚJO, L. M. O Egipto faraónico. Uma civilização com três mil anos, Edições Arranha-céus,
2015, Lisboa, p. 95;
8
O bronze foi-lhes introduzido pelos Hicsos, já que os reinos da Ásia Menor tinham já um grande
desenvolvimento metalúrgico. Por isso, a partir daqui os egípcios passaram a lutar com armas de bronze.
9
Apesar do arco compósito ter sido introduzido pelos Hicsos, o arco de bastão continuou a ser utilizado e
preferido pelos egípcios, isto porque o primeiro era mais dispendioso e consumia tempo;
10
Ver SHAW, Ian, Egyptian Warfare and Weapons, Shire Publications, 1991, p. 42;
3
O Império Novo é caracterizado como um período de centralização política, de
ampla política expansionista. A projeção do poder militar longe do Egipto foi a melhor
tática para conter e submeter os povos que pudessem ser uma ameaça11. Uma das razões
para isto foi a existência de um exército moldado e moralizado por um faraó-general. Este
fator torna o exército predisposto para o combate e para a vitória. O movimento defensivo,
O faraó era considerado, pelos egípcios, o rei de todo o mundo conhecido, então,
seriam a imagem do Egipto nos quatrocentos anos seguintes. Esta presença na Ásia tinha
duas funções: facilitar o escoamento de produtos para o Egipto e servir de barreira para
invasões futuras. Tutmés I iniciou esta expansão alcançando o rio Eufrates12, mas com
Tutmés III é que houve uma presença definitiva e organizada do exército egípcio nesta
área13.
Kadesh cresceu rapidamente em mãos deste reino e ganhou influência nos estados de
11
Ver HEALY, Mark e MCBRIDE, Angus, New Kingdom Egypt, Osprey Publishing, Londres, 1992, p.
10-11;
12
Os egípcios conheciam-no como o rio que corria ao “contrário”;
13
Ver idem, ibidem, pp.11-12;
14
Reino no noroeste e nordeste da Mesopotâmia;
15
Ver ARAÚJO, Luís Manuel de, “A batalha de Meguido”, em António Ramos dos Santos e José Varandas
(coord.), op cit, p. 97-98;
4
Hatchepsut16 não resolveu este problema, provocando uma falta de resposta egípcia e,
como consequência, o avanço da influência de Mitanni para sul, o que, por sua vez,
resultou em revoltas nas cidades vassalas dos egípcios, que tiveram que ser contidas 17.
Estas revoltas estão descritas nos Anais de Tutmés III como o motivo da primeira
Egipto”19.
poder, o reino de Mitanni já tinha uma nova configuração. Desde a expulsão dos Hicsos,
os egípcios viam os sírios e cananeus como os herdeiros destes “invasores”20. Tutmés III
poder no planalto, poucas forças egípcias estariam disponíveis para os travar antes que
eles chegassem a Gaza e a Charuhen23. Depois destes territórios, e até ao Egipto, não
existem fortificações naturais que os egípcios pudessem usar. Consoante isto, Tutmés III
teria que travar os Asiáticos antes que estes atravessassem o Monte Carmelo, para depois
vencê-los numa batalha e tomar a cidade de Meguido24. Este era o plano inicial. O que
16
Esta rainha concentrou-se mais no sul do império egípcio, chegando até ao Punt (atual Etiópia);
17
“Isso aconteceu no tempo de outros reis, quando a guarnição que lá estava se encontrava em Charuhen,
enquanto desde Yerasa até aos confins da terra grassava a rebelião contra sua majestade” - Consultar os
Anais de Tutmés III, ll. 13-15;
18
Consultar os Anais de Tutmés III, ll. 11-12;
19
Consultar os Anais de Tutmés III, ll. 19-20;
20
Os Hicsos provinham da região do Canaã.
21
Ver GABRIEL, Richard A., Thutmose III: The Military Biography of Egypt’s Greatest Warrior King,
Potomac Books, Inc., 2009, pp. 82-83;
22
Montanha em atual Israel;
23
Apesar disto, o este do Delta egípcio já era fortificado desde o Império Médio com fortes que controlavam
as rotas de Canaã e do sul do Sinai;
24
Ver idem, ibidem, p. 82;
5
conseguimos perceber pelos Anais de Tutmés III é que o rei de Kadesh e os príncipes de
outras cidades sírias se tinham refugiado nesta cidade, tornando a sua conquista algo
prioritário25. Além disto, Meguido era um centro nuclear estratégico e um vital ponto de
passagem que controlava o Norte de Canãa. Quem controlava Meguido, controlava toda
esta área.
não podemos ter a certeza se é uma fonte totalmente confiável, pois temos que nos
recordar que tem um teor propagandístico, o que é natural em fontes militares egípcias
desta época. Esta fonte só nos mostra a perspetiva egípcia, logo teremos que analisar os
pontos fracos e fortes de ambos os exércitos, e especular o que pode ter acontecido na
realidade. Afinal de contas, o Egipto, apesar de ter claramente vencido a batalha e o cerco,
também teve os seus pontos fracos que, obviamente, não estão totalmente mencionados
nos registos reais. Contudo, é uma fonte que nos pode fornecer imensa informação sobre
outros pormenores acerca da campanha e do saque, o que nos pode ajudar a compreender
a magnitude das conquistas de Tutmés III. Todavia, quando analisamos a fonte, parece
do cerco em si. Contudo, não podemos deixar de assinalar a sua importância como
forma minuciosa e muito precisa. Estratégias usadas pelo faraó também são bem
25
“Esse miserável inimigo de Kadesh veio encerrar-se dentro de Meguido e encontra-se neste momento
lá. Ele reuniu em torno de si os príncipes de todas as terras estrangeiras” – Consultar Anais de Tutmés III,
ll. 24-25;
6
A batalha
manter um exército de cerca de 10000 homens26, por isso os egípcios acampavam nas
cidades que ainda se aliavam ao faraó, o que foi fulcral para o provimento de comida e
água, facilitando o avanço do exército egípcio27. Além disto, como a marcha do exército
foi junto à costa mediterrânica, podem ter sido acompanhados por barcos com
mantimentos e contingentes28. Tutmés III também pode ter deixado guarnições nos
acampamentos por onde passou, caso houvesse uma retirada. O faraó poderia saber a
assim, podia-se antever se os cananeus ainda estavam perto de Meguido 29. Estes foram
profissionalização do seu exército nesta altura, comparando com o seu estado antes do
Império Novo. Isto também se pode demonstrar no cuidado que se tinha com os carros de
guerra: existe a possibilidade de estes nem irem montados durante toda a viagem, pois
podiam-se gastar ou mesmo estragar. As peças podiam ser transportadas por meio naval,
para assim não desgastar o exército em marcha. Depois podiam ser montados em cidades
para leste, que vai dar a Taanak; o caminho que iria dar ao norte de Meguido e, por fim,
a rota que conduz diretamente a Meguido, por um desfiladeiro, a partir do vale de Aruna,
lugar perfeito para uma emboscada. Nos Anais de Tutmés III assistimos a um concílio
entre o faraó e os seus generais, onde se discute que caminho se tomar, entre os que já
26
Ver idem, ibidem, p. 86;
27
Como é o caso da cidade de Yehem;
28
Ver anexos, figura 2;
29
Ver idem, ibidem p. 88;
30
Ver anexos, figura 9;
7
foram mencionados. Apesar do risco, o faraó decide ir diretamente para Meguido, pelo
vale de Aruna, pois o inimigo nunca esperaria que os egípcios tomassem o caminho mais
vulnerável31. Também poderia se ter tratado de uma questão de orgulho, em que Tutmés
III pretendida passar uma imagem de coragem aos cananeus, ao enfrenta-los diretamente
e não se esconder32. O vale de Aruna era bastante estreito, então o exército egípcio teria
de ter uma ordem de marcha em que Tutmés III iria na vanguarda e cada unidade iria
atrás do faraó33. O facto de este ter esperado pelo seu exército no final do desfiladeiro foi
crucial para a enfrentar o rei de Kadesh e mostrou uma grande capacidade de liderança
por parte do faraó, pois sem as unidades completas, existiria uma grande probabilidade
apoiaria, estando, também, em maior número. Já no exército cananeu existia uma enorme
31
“Como podemos nós seguir por esta estrada que é estreita, quando se sabe que os inimigos nos estão
esperando [do outro lado] em grande número?”; “há dois caminhos a seguir. Um dirige-se para leste e
vai dar a Taanak, o outro fica a norte de Djefti, pelo que iremos sair a norte de Meguido. Que o nosso
valente senhor escolha um destes dois, mas não nos faça seguir por aquela estrada difícil” – Consultar os
Anais de Tutmés III, ll. 30-38;
32
“Será que sua majestade tomou um outro caminho porque tem medo de nós? – É assim que eles dirão”.
- Consultar os Anais de Tutmés III, ll. 45-46;
33
“Assim sua majestade decidiu que ele próprio seguiria à frente do seu exército, tendo cada homem sido
informado da ordem de marcha, cavalo atrás de cavalo, com sua majestade à frente das tropas” - Consultar
os Anais de Tutmés III, ll. 54-56;
34
“Sua majestade decidiu então esperar à entrada do vale para aguardar a chegada da retaguarda do seu
valoroso exército” – Consultar os Anais de Tutmés III, ll.79-80;
35
Por exemplo, Ramsés II (1279 a. C. - 1213 a. C.), na Batalha de Kadesh (1274 a.C.) não esperou para
que o seu exército estivesse reunido. As unidades de Ptah e Set só chegaram ao terreno de batalha mais
tarde, o que prejudicou o exército egípcio contra os Hititas e mostrou uma certa desorganização por parte
do faraó. Assim, a capacidade de um general organizar o seu exército e de ser paciente é crucial para o
sucesso em batalha;
36
Ver idem, ibidem, p. 89;
37
Ver anexos, figura 10;
8
Temos que reconhecer que os egípcios estavam mais organizados em campo de batalha
que os cananeus, pois estes últimos não esperavam um ataque preventivo, mas estavam
sim focados em preparar uma ofensiva e uma invasão ao Egipto. Não se pensou que
houvesse um ataque direto que colocasse os cananeus à defensiva, não tendo estes, tempo
de se preparar38. Não podemos dizer que o exército cananeu era desorganizado, até pelo
contrário, era bastante profissional, mas Tutmés III aproveitou-se bem do fator surpresa
e usou-o a seu favor. O exército do rei de Kadesh tinha vários fatores a sua vantagem, tal
como o bom conhecimento do terreno, bom equipamento, a presença de uma elite militar
de veteranos, em que a guerra era uma obrigação no seu status social, e o facto de terem
Então, como é que um exército tão profissional perde para o Egipto? Isto deve-se
primeiramente ao facto de o rei de Kadesh não estar à espera de um ataque direto, como
já foi mencionado. Por isso, não teve tempo para organizar bem o seu exército, misturando
contingentes de carros de guerra com a infantaria39. Além disto, temos que nos recordar
que o exército cananeu era composto por príncipes de várias cidades, que falavam várias
identidade cultural conjunta, por isso era um exército mais unido e moralizado, também
graças à mentalidade da maet40 e pelo facto de ter um faraó divino como comandante41.
batalha. A arma principal do Egipto era a organização e a boa logística, sendo que isto foi
38
Ver idem, ibidem, p. 110.
39
Ver idem, ibidem, p. 89;
40
A ordem (o Egipto) e o caos (os outros);
41
O exército egípcio também continha mercenários estrangeiros, mas estes eram “egipcianizados”.
9
O facto de o exército do rei de Kadesh se ter apoiado na utilização de carros de
guerra foi fatal, isto porque o terreno à volta de Meguido era instável, irregular e com
imensas árvores42. O carro de guerra só poderia ser usado na parte sul da cidade, onde o
terreno é mais plano. Já Tutmés III colocou os carros de guerra no centro e a infantaria
nos flancos, o que facilitou imenso a utilização do espaço de manobra43. Aqui a infantaria
egípcia era a maior ameaça porque conseguia envolver os carros de guerra cananeus. A
principal tática egípcia seria reduzir o espaço de manobra do exército do rei de Kadesh,
fazendo-os recuar.
batalha, pois, naturalmente, tiveram as suas falhas que poderiam ter comprometido os
seus objetivos. Apesar de a tática de Tutmés III ter resultado, temos que propor que podia
não ter sido necessário um cerco depois. Talvez o faraó não esperaria um cerco, mas sim
somente uma batalha. Temos que nos recordar que os Anais de Tutmés III se focam,
recolhido pelo exército egípcio, tanto no cerco, como também nas cidades que foram
tomadas à sua volta. Como o exército egípcio tinha uma vitória garantida em batalha, o
exército do rei de Kadesh resguardou-se dentro da cidade de Meguido, deixando para trás
carros de guerra, cavalos e armamento44. A descrição da batalha nos Anais de Tutmés III
rei de Kadesh estava a ser puxado para dentro. Os egípcios perderam uma oportunidade
de entrar na cidade. Isto pode significar que o faraó teria planeado somente um ataque ao
42
Ver anexos, figura 7;
43
Ver idem, ibidem, p.111;
44
“Quando viram sua majestade a avançar sobre eles, recuaram [para] Meguido com o medo estampado
nas faces, abandonando os seus cavalos, carros de ouro e prata”. – Consultar os Anais de Tutmés III, ll.
100-102;
10
exército cananeu? Pode ser que sim, porque um cerco após uma batalha poderia desgastar
o exército. Porém, Tutmés III, graças à clara vitória na primeira batalha, tinha agora um
O cerco
cercos, o que nos permite obter imensas informações de como estes poderiam ter sido.
que os egípcios tinham contacto com a guerra de cerco desde cedo e possuíam armamento,
como aríetes47, escadas e torres48. Não temos a certeza de onde vieram, mas podem ter
Mesopotâmia.
podemos concluir que já empregavam escadas51 e sapadores para minar as paredes das
45
“Se as tropas de sua majestade não distraíssem os seus corações a saquear os bens dos inimigos teriam
capturado Meguido nesse instante, quando o miserável inimigo de Kadesh e o miserável inimigo desta
cidade estavam a ser puxados do alto das muralhas apressadamente para nela se refugiarem. O temor de
sua majestade penetrou os seus corpos, os seus braços perderam força pelo poder do diadema real”. –
Consultar os Anais de Tutmés III, ll. 105-110;
46
Ver SHAW, Ian. Op cit, pág. 15-17;
47
Ver figura 5, em anexo;
48
Ver anexo, figura 1;
49
Ver anexo, figura 1;
50
Necrópole;
51
Ver anexos, figura 1;
11
a. C.) 52, em Beni Hasan53. Evidências físicas de ataques a fortificações vêm de fortes em
Buhen54, na Núbia, no entanto, os indícios diretos de tais ataques encontram-se nas fontes
perseguição dos Hicsos pela síria-palestina, tomou Charuhen após 3 anos de cerco.
Kadesh e o seu exército fecham-se dentro da cidade. O objetivo dos egípcios ainda não
estava concluído, Meguido ainda não estava tomada, então o faraó ordena o que deverá
de ser feito57, a captura imediata da cidade. Como já foi explicado, o Egipto já pratica a
guerra de cerco desde muito cedo e podiam conseguir quebrar muitas muralhas dentro do
seu próprio território, mas tiveram grandes dificuldades em se adaptar à guerra de cerco
dificuldade aumenta58. O contacto mais impactante que os egípcios tiveram com este tipo
de muralhas foi com a tomada de Aváris e Charuhen, cidades dos Hicsos, povos
neste local os egípcios não evoluíram as suas táticas de cerco de forma tão gradual como,
Já que, apesar das dificuldades, os egípcios sempre tiveram muito contacto com
a guerra de cerco, por que razão Meguido não foi tomada por assalto? Não se derrubaram
52
Ver anexos, figura 5;
53
Ver Introdução, em MORKOT, Robert G., The A to Z of Ancient Egyptian Warfare, Scarecrow Press,
Inc., Reino Unido, 2003;
54
Ver anexos, figura 8;
55
“Southern boundary, made in the year 8, under the majesty of the King of Upper and Lower Egypt,
Khekure (Sesostris III), who is given life forever and ever; in order to prevent that any Negro should cross
it, by water or sby land, with a ship, (or) any herds of the Negroes”. – Ver Ancient Records of Egypt , p.
319.
56
Primeiro faraó da XVIII dinastia;
57
“Capturem [habilmente] a cidade! Capturem [habilmente] a cidade, meus valentes soldados! […].
Atendendo a que todos os príncipes dos países do Norte estão lá dentro da cidade, a captura de Meguido
é a captura de mil cidades!” – Consultar Anais de Tutmés III;
58
GABRIEL, Richard A., op cit, p. 112;
59
Ver anexo, figura 1;
12
as muralhas? Segundo Richard Gabriel60, isto deve-se ao facto do armamento de cerco
egípcio só resultar com muralhas de barro/tijolo. Meguido estava amuralhada com pedra,
e aqui instrumentos como o aríete seriam inúteis. Os mineiros não iriam conseguir escavar
facilmente neste tipo de muralhas. Além disto, Tutmés III poderia querer reaproveitar as
muralhas para não precisar de gastar recursos ao reconstrui-las. Então porque não se
utilizou o ariete nos portões? O portão é uma zona construída de forma a ser facilmente
defendida, então era inútil ataca-la. Por isso, o exército egípcio colocou-se por toda a
Sem possibilidade de usar algum armamento de cerco, Tutmés III utilizou outro
método, construindo uma linha de defesa à volta da cidade, rodeando-a com um fosso e
erguendo uma paliçada com madeira das árvores de fruto caídas 61.Recordando que a
cidade se encontra no topo de uma colina, encontramos aqui uma defesa natural que tem
que ser aproveitada 62. A única parte acessível era a sul, o portão, onde o solo era mais
plano, logo não era necessário colocar grande parte do exército egípcio à volta da cidade,
nem era necessário construir torres de cerco, pois o terreno também não o permitiria.
Além disto, a própria geografia da cidade não permitia a saída nem a entrada de
contingentes nem de aliados do rei de Kadesh. O exército egípcio estava dividido em três
partes: um grupo estava no noroeste da cidade, o segundo estava no centro com o faraó e
63
um terceiro estava na zona sul . Com isto, outra parte do exército de Tutmés III
60
Ver idem, ibidem, p. 188;
61
“Mediram a cidade e rodearam-na com um fosso, ergueram uma paliçada com madeira fresca de todas
as suas árvores de fruto” – Consultar os Anais de Tutmés III, ll. 126-127;
62
Ver idem, ibidem, p. 113;
63
Ver MARTINS, Daniela Filipa Ferreira. «Até aos pilares do céu» Estratégias de domínio político-
administrativo na síria-palestina no reinado de Tutmés III. Dissertação de Mestrado em História Antiga,
no ramo da Época Pré-Clássica, apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2013. Exemplar policopiado. Disponível em
http://repositorio.ul.pt/handle/10451/10932, p. 77;
13
lentamente os aliados mais próximos. Ao mesmo tempo, o Egipto ia recebendo alianças
faraó desproveu o inimigo de recursos, com a tomada destas cidades, e o cerco durou sete
submeter cidades inimigas em torno de Meguido. Além disto, a maior parte dos soldados
e dos príncipes das cidades cananeias podiam já ter falecido em campo de batalha, isto
de elite – foram quase todos destruídos. Então, era improvável que viesse auxílio de outras
cidades68. Portanto, isto foi mais um fator que levou à vitória egípcia. Tudo isto aliado à
fome que a cidade pode ter enfrentado, permitiu o faraó tomar a cidade.
A duração de um cerco podia ser ditada por fatores práticos que iriam influenciar
água. Sabemos que Meguido tinha um bom sistema de fornecimento de água, a partir de
um túnel escavado desde a cidade até à fonte, que estava camuflada para não estar exposta
a inimigos possíveis69. Então, durante o cerco, a água pode não ter sido um problema para
os sitiados, o que explica a razão pela qual o cerco durou tanto tempo. Podemos assumir
64
Ver ARAÚJO, Luís Manuel de, “A batalha de Meguido”, em António Ramos dos Santos e José Varandas
(coord.), op cit, p. 108;
65
Ver idem, ibidem p. 108;
66
A Estela pode ser consultada em: ARAÚJO, Luís Manuel de, “A batalha de Meguido”, em António
Ramos dos Santos e José Varandas (coord.), op cit, p. 125-126;
67
É possível que este tempo seja um exagero por parte da Estela de Gebel Barkal, mas podemos presumir
que o cerco se deu durante muito tempo, porque a cidade pode não ter sido tomada pela sede, mas sim pela
fome;
68
Não existiam governadores para dar ordens.
69
Ver anexos, figura 11;
14
que tomar uma cidade pela fome torna o cerco mais longo do que pela sede70. Quando
fome, sede e doenças. Como Meguido não tinha dificuldade em obter água, podemos
concluir que o cerco foi vencido a partir da fome, que facilita a propagação de doenças e,
também do que foi trazido das suas cidades aliadas, podemos colocar a possibilidade de
cerco. Os egípcios acamparam durante sete meses no lado de fora da cidade. Contudo,
doenças e a perdas no exército, e o terceiro fator também é natural num cerco, já que
existem dias em que nada acontece, o que acaba por ter consequências psicológicas nos
soldados. Talvez Tutmés III tenha enviado parte do seu exército para conquistar outras
cidades à volta de Meguido para quebrar um pouco esta monotonia e não só para criar
Após a tomada de Meguido, Tutmés III, não aprisionou nem matou todos os
73
príncipes restantes, deixando-os seguir para as suas cidades respetivas . Isto não era
70
O corpo humano aguenta a fome durante mais tempo do que a sede. Os cananeus, dentro da cidade,
podem ter começado a comer os animais. Apesar de ser macabro, não podemos retirar a possibilidade de
terem existido casos de canibalismo, o que explica o facto de o cerco ter durado tanto tempo.
71
Neste aspeto insere-se o facto de não tomarem banho com tanta frequência e a falta de limpeza dos
excrementos;
72
O cerco deu-se durante 7 meses, de Abril a Novembro, logo os egípcios aguentaram no mínimo 4 meses
de primavera e verão ou seja, um calor intenso;
73
Ver idem, ibidem, p. 108;
74
Ver anexos, figura 12;
15
Hicsos) e perseguindo-os. O faraó permitiu que estes príncipes voltassem a governar as
suas cidades, sempre com supervisão egípcia, claro. Estes príncipes podem ter-se tornado
população de que o poder cananeu ainda governava a cidade, prevenindo, assim, revoltas
contra a presença egípcia, tal como tinham acontecido após a morte de Hatchepsut. Isto
era uma forma de criar um estado-tampão para prevenir invasões futuras ao Egipto.
75
“Depois sua majestade nomeou os novos chefes para [cada cidade] ” - Consultar os Anais de Tutmés III,
l. 146;
16
Conclusão
Médio Oriente. Apesar de a fonte que utilizámos não fornecer todos os dados e ter um
das problemáticas apresentadas no início deste trabalho, contudo, também foi necessário
analisar outros fatores como a própria geografia do local, com a ajuda da análise de outros
Contudo, não podemos negar que o exército do rei de Kadesh tinha muitos fatores a seu
favor como o bom conhecimento da área, a posse de bom armamento e o auxílio do reino
do Mitanni, contudo a sua falta de organização no momento ditou a sua derrota. Tutmés
III conseguiu usar o fator-surpresa a seu favor. Apesar disto, o exército egípcio também
teve as suas falhas, porém, o faraó, graças a ter vencido gloriosamente a primeira batalha,
teve capacidade para fazer um cerco. Se na batalha inicial tivessem existido mais perdas
ou dificuldades, os egípcios podiam não ter tido capacidade de montar um cerco. A falta
deixado para trás pelos cananeus, podia ter resultado num desastre, por isso, teve que se
gastar recursos e tempo para tomar a cidade por cerco. Porém, isto resultou ser benéfico,
pois não só se tomou Meguido, como também as cidades à sua volta, criando assim
abastecimento e aliados.
O cerco durou imenso tempo, o que é natural quando se toma uma cidade pela
fome, o que pode levar ao desespero. No entanto, podemos assumir que não foram só os
cananeus que sofreram com o cerco, mas os egípcios também, apesar dos recursos que
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possuíam, devido ao calor e a doenças. Ambos os exércitos sofreram com o cerco, mas
foi graças a ele que Tutmés III triunfou e cumpriu o seu objetivo, evitar revoltas
faraó. Se resultou inteiramente, não sabemos ao certo, mas como o rei de Kadesh escapou
e o Mitanni ainda tinha influência, podemos presumir que ainda houveram revoltas. Por
Meguido fizeram parte da primeira campanha e foram só o primeiro passo, apesar da sua
grande importância, para controlar estas populações. Contudo foi graças a este pequeno
episódio que a presença egípcia na Ásia conseguiu prosperar por mais tempo.
da Ásia prosseguem ainda mais do que com a chegada dos Hicsos no Segundo Período
18
Anexos
76
Imagem retirada de: http://www.touregypt.net/images/touregypt/siege1.jpg (consultado a: 12/11/2017);
77
Imagem retirada de: GABRIEL, Richard A., Thutmose III: The Military Biography of Egypt’s Greatest
Warrior King, Potomac Books, Inc., 2009, pág. 88;
19
Figura 3 (cerco de Askalon de Ramsés II 78 79).
Figura 4 (Cena num túmulo em Tebas que mostra soldados egípcios a utilizar uma torre
de cerco móvel 80).
78
Nesta imagem podemos ver algum armamento de cerco utilizado pelos egípcios, além da tática de leva o
escudo às costas, que servia de proteção;
79
Imagem retirada de: http://www.touregypt.net/featurestories/siegewarfare.htm (consultado em:
14/11/2017);
80
Imagem retirada de: http://www.touregypt.net/featurestories/siegewarfare.htm (consultada em:
21/11/2017);
20
Figura 5 (cena num túmulo do Império Médio, em Beni Hasam que demonstra o uso do
aríete 81).
81
Imagem retirada de: SHAW, Ian. Egyptian Warfare and Weapons, Shire Publications, 1991, p. 17;
82
Imagem retirada de: http://www.touregypt.net/featurestories/fortresses.htm (consultada a: 28/11/2017);
21
Figura 7 (Fotografia aérea de Meguido na atualidade83)
83
Imagem retirada de: https://www.margaretmorsetours.com/israel-tours/tel-megiddo-and-druze-village/
(consultada em 1/12/2017);
84
Imagem retirada de: https://en.wikipedia.org/wiki/Buhen. (Consultada a: 4/12/2017);
22
Figura 9 (Rotas de Yehem, para Meguido85)
85
Imagem retirada de: SHAW, Ian. Egyptian Warfare and Weapons, Shire Publications, 1991, p. 84;
Imagem retirada de: GABRIEL, Richard A., Thutmose III: The Military Biography of Egypt’s Greatest
86
23
Figura 11 (Túnel de fornecimento de água em Meguido87)
87
Imagem retirada de: http://www.generationword.com/devotions/sep/6b.html (Consultada a:
11/12/2017);
88
Imagem retirada de: https://www.pinterest.pt/pin/839639924247548259/ (Consultada a: 26/12/2017);
24
Bibliografia consultada
Fontes
Bibliografia geral
O Egipto faraónico: Uma civilização com três mil anos, Edições Arranha-céus, Lisboa,
2015;
Pharaoh’s land and beyond: Ancient Egypt and its neighbors, Oxford University Press,
Nova Iorque, 2017;
25
GABRIEL, Richard A.,
Thutmose III: The Military Biography of Egypt’s Greatest Warrior King, Potomac
Books, Inc., 2009;
The A to Z of Ancient Egyptian Warfare, Scarecrow Press, Inc., Reino Unido, 2003;
SHAW, Ian,
26