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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

Guerra e diplomacia no Império Novo:


Análise dos aspetos militares presentes nas Cartas de Amarna

Irene Alexandra Semião Tavares

Mestrado em História Militar


Armas e Sociedades: Mundo Pré-Clássico
(Prof. Dr. Luís Manuel de Araújo)

2018
Resumo

Não se encontram muitos estudos sobre os aspetos militares encontrados nas


Cartas de Amarna, talvez porque a guerra não é um assunto muito estudado pela
Egiptologia. Isto provoca alguma dificuldade em encontrar algumas informações sobre
este assunto. As principais conclusões retiradas para este estudo foram obtidas pela
própria análise das correspondências e pelo auxílio de alguns autores e obras. Neste
trabalho vamos perceber porque é que estas cartas podem ser uma fonte militar, devido a
serem muito ricas em dados sobre armamento, alianças e tratados, informando-nos sobre
o período entre os reinados de Amenhotep III e Tutankhamon. A guerra e a diplomacia
são claramente importantes, pois contribuem para a estabilização do poder egípcio e das
suas relações internacionais. Por fim, o nosso objetivo é contribuir para esta área de
estudo, em que a guerra e a diplomacia se complementam.

Palavras-chave: Cartas de Amarna; Guerra e diplomacia; Relações internacionais.

Abstract

There aren’t many studies about the military aspects of the Amarna Letters, maybe
because ancient egyptian warfare isn’t a popular subject in Egyptology. This causes some
difficulty in finding some information and aspects on this subject. The main conclusions
drawn for this study were taken from the analysis of the correspondence itself and from
the support of some authors and books. In this paper we will see why these letters may be
a military source, because they are very rich on information about weaponry, alliances
and treaties, being an essential source about the reigns between Amenhotep III and
Tutankhamen. Warfare and diplomacy are clearly important as they contribute to the
stabilization of Egyptian power and its international relations. At the end, our goal is to
contribute to this theme, in which warfare and diplomacy complement each other.

Key-words: Amarna Letters; Warfare and diplomacy; International relations.

1
Índice

Conteúdo Página

Resumo ............................................................................................................................. 1
Abstract ............................................................................................................................. 1
Introdução ......................................................................................................................... 3
O poder egípcio na Síria-Palestina: a sua construção e solidificação............................... 4
A correspondência de Amarna ......................................................................................... 5
Correspondência internacional e vassálica: trocas de armamento e formação de
alianças ......................................................................................................................... 6
A importância das Cartas de Amarna como fonte militar .......................................... 11
Conclusão ....................................................................................................................... 14
Anexos ............................................................................................................................ 15
Bibliografia consultada ................................................................................................... 17
Fontes literárias .......................................................................................................... 17
Bibliografia ................................................................................................................. 17

2
Introdução

O Egipto, no Império Novo, (c. 1550-1070 a. C.), manteve relações diplomáticas


bastante ativas com os reinos da Ásia Menor. No entanto, o período mais bem
documentado é entre Amenófis III e Tutankhamon graças às Cartas de Amarna1. Estas
correspondências foram encontradas na cidade de Amarna e consistem em 382 tábuas de
argila, escritas em cuneiforme e acádico, “língua franca” desta época. Do conjunto,
apenas nove foram escritas pelo Egipto, sendo que as restantes são correspondências em
que o destinatário era o faraó. Com isto, o objetivo deste trabalho é analisar estas cartas e
as suas características militares, de modo a se retirar conclusões sobre o comércio de
armamento, alianças e tratados do Egipto com os outros reinos. Pretende-se relacionar a
diplomacia com a guerra, conectando-os com a formação e manutenção do império
egípcio.

A escolha deste tema deve-se ao facto de não se encontrar muitos estudos feitos
sobre as questões militares presentes nas Cartas de Amarna. Também pretendemos
analisar se estas correspondências são úteis para a História Militar e a sua importância
para o estudo da diplomacia e da guerra no Império Novo, respondendo a várias hipóteses
e problemáticas: Qual o armamento que era trocado pelos vários reinos? Por que razão o
Egipto não enviava as suas princesas para casar com os reis dos outros reinos, já que o
casamento era visto como um tratado? De que forma as Cartas de Amarna nos podem
fornecer informações sobre a guerra e os conflitos existentes? Podemos considera-las uma
fonte militar?

1
Podem ser consultadas em: SCHNIEDEWIND, William M. (ed.) e RAINEY, Anson F. (traduzido), The
El-Amarna Correspondence: A New Edition of the Cuneiform Letters from the Site of El-Amarna based
on Collations of all Extant Tablets, Brill, Boston, 2015;

3
O poder egípcio na Síria-Palestina: a sua construção e solidificação

Antes do Império Novo, para o Egipto, a Ásia era valiosa em termos de produtos
e recursos, tais como a madeira de cedro. O Egipto tinha relações militares somente com
a Núbia e com a Líbia, povos que eram controláveis a partir de ações de policiamento.
Contudo, com a ameaça e a ocupação dos Hicsos2, entendeu-se a necessidade de ter um
exército profissional e organizado, e de utilizar a Ásia como uma região-tampão para
proteger o Egipto de um potencial retorno dos “governadores estrangeiros”, que podiam
ameaçar o seu poder. Amósis, o primeiro faraó da XVIII dinastia, que derrota os Hicsos
e os persegue até à Síria-Palestina, inicia a presença egípcia na Ásia, criando um modelo
de faraó-guerreiro que submetia os povos inimigos e os tornava seus vassalos, obrigando-
os a jurar-lhe fidelidade3.

Os faraós que se seguem a Amósis continuam a expansão do Egipto pela Ásia e o


império solidifica-se, através não só da guerra, mas também da diplomacia. Este Império
durou bastante tempo graças a estes dois fatores. A diplomacia no Império Novo é um
recurso bastante importante para compreendermos como este império funcionava. Sem
estas fontes diplomáticas, o nosso estudo sobre o poder egípcio na Síria-Palestina seria
baseado apenas em iconografia militar de cariz propagandística.

No Próximo Oriente sempre existiu uma grande tradição de tratados, sobre os


quais blocos de poder eram construídos e mantidos. Existiam dois tipos: riku (um tratado
de igualdade) e adê (um tratado de vassalagem), que serviam para clarificar as relações e
posições de cada príncipe e reino4. Era evidente que o Egipto iria assumir, na região
dominada por si e com os outros reinos, atividade diplomática. O uso de dialetos acádicos
e babilónicos como língua diplomática sugere que o Egipto começou a ter um papel
importante nesta rede internacional. O aumento da influência na Síria-Palestina e a
expulsão dos Hicsos fez com que os egípcios adotassem uma aproximação mais
consciente nas relações internacionais. A rápida construção de uma rede de alianças e
tratados deu-se juntamente com a organização e profissionalização do exército, para
assim se poder equiparar às potências militares do Médio Oriente.

2
Povos provenientes da região do Canaã;
3
Ver REDFORD, Donald B., Egypt, Canaan and Istrael in Ancient Times, Princeton University Press,
Nova Jersey, 1992, p. 148-149;
4
Ver SHAW, Ian. Egyptian Warfare and Weapons, Shire Publications, 1991, p. 45;

4
Durante o reinado de Amenófis III, o controlo egípcio sobre a Síria-Palestina
estava dividido em três áreas: a região onde se encontram os atuais países de Israel,
Palestina, Jordânia e a costa libanesa até Beirute, ou seja, a região do Canaã, que era
controlada pelo governador de Gaza; a região do atual Líbano, que tinha como
responsável o governador de Kumidu5; e a região de Simurru (na Síria), área também
conhecida como Amurru, correspondendo às terras ao norte de Ugarit, cujo responsável
era o governador de Simurru6. Quando Amenófis III morre, o faraó deixa para trás um
reino bastante rico e poderoso; e Tutmés IV trouxe paz e estabilidade ao Egipto, ao
realizar um tratado com o reino do Mitanni. Houve então, uma grande percentagem de
lucros obtidos, que resultavam não só, dos próprios recursos egípcios, como também do
comércio estrangeiro, sendo aplicados em projetos de construções monumentais, a uma
escala sem precedentes.

Em suma, o Egipto não só solidifica o seu império através do conflito, mas


também através da diplomacia. A corte de Amenófis III tornou-se num verdadeiro centro
diplomático de importância internacional, o que resultou numa nova atmosfera entre o
Egipto e os seus vizinhos7. Agora assistimos a uma maior permeabilidade do Egipto para
com culturas estrangeiras, no entanto, mantinha-se sempre a ideia de que o faraó era o rei
legítimo de todo o mundo conhecido, tendo o dever de proteger todos os povos,
juntamente com o deus Rá. Este cosmopolitismo egípcio é típico do Império Novo, sendo
possível ver trocas de aspetos culturais através da religião: o Egipto adota várias
divindades típicas das civilizações da Ásia Menor, principalmente as que eram
relacionadas com a guerra, como Baal8.

As correspondências de Amarna

Amenófis III é sucedido pelo seu filho, Amenófis IV (1352 - 1336 a. C). O faraó,
nos primeiros anos do seu reinado inicia uma política de construção de templos em
Karnak, o centro do culto de Amón. Contudo, estes novos templos não eram dedicados a

5
Atual Kamid al lawz, no Líbano;
6
Ver SANTOS, Moacir E. e COELHO, Liliane C., As Cartas de Amarna e as Relações Internacionais no
Egito do final da XVIII Dinastia, Centro Universitário Campos de Andrade, Panamá, [s.d.], p. 4;
7
Não se está a negar o facto de o Egipto sempre ter adotado aspetos culturais dos povos do levante. Na
arte do Império Antigo encontramos criaturas que se assemelham a grifos, imagem típica na arte
mesopotâmica;
8
Ver idem, ibidem, p.265;

5
esta divindade, mas sim a uma nova forma de deus-sol, o disco solar9. A palavra egípcia
para o «disco-solar» era «Aton», por isso, Amenófis IV decide mudar o seu nome para
«Aquenaton» (“o espírito atuante de Aton”), o que significou uma rejeição completa a
Amón-Rá e do seu culto. Muitos templos de Amón foram destruídos devido a esta
ideologia e uma nova cidade foi construída de raiz, Aquetaton (“o horizonte de Aton”) ou
Amarna, como é conhecida atualmente, que se tornou a nova “capital” do Egipto10.

Quanto ao exército, pensa-se que o reinado de Aquenaton terá sido bastante


pacífico, contudo, não o podemos subestimar. Este novo programa político e religioso de
Aquenaton nunca podia ter tido sucesso sem o auxílio do exército. Podem ter existido
campanhas punitivas na Núbia; e na Ásia estas ações militares podem nem ter sido muito
significativas. Recorrendo às Cartas de Amarna, a atividade militar de Aquenaton no
norte da Síria-Palestina, resumiu-se a atividades de policiamento11, com o objetivo de
prevenir que os vassalos do Egipto o traíssem. É a partir destes documentos que podemos
estudar a atividade política, militar e diplomática da época de Amenófis III a
Tutankhamon. Estas cartas foram encontradas, naturalmente, em Amarna, devido a esta
ser a “capital” política e diplomática12 do reino, contudo, muitas das que foram enviadas
para Aquenaton não chegaram a ser respondidas, talvez pelo facto de o faraó estar focado
nas questões religiosas, o que acabou por prejudicar as relações internacionais do
Egipto13, porém, iremos aprofundar isto mais tarde. As Cartas de Amarna são a principal
fonte para o estudo da presença egípcia no Médio Oriente14.

Correspondência internacional e vassala: trocas de armamento e


formação de alianças

Podemos dividir as Cartas de Amarna em duas categorias: as correspondências


trocadas entre os outros reinos independentes, e as cartas enviadas e recebidas pelos

9
Na sua representação também se podem ver os raios solares;
10
Ver DIJK, Jacobus Van, (“The Amarna Period and the Later New Kingdom (c. 1352 – 1069 BC)”), op
cit, p. 268;
11
“Canaan is your country and its kings are your slaves, in your country I was robbed. Bind them and
return the money they robbed. And the men who murdered my slaves, kill them and avenge their blood” –
Ver carta EA8;
12
No entanto, temos acesso a outras cartas que não estavam originalmente em Amarna;
13
Ver DIJK, Jacobus Van, (“The Amarna Period and the Later New Kingdom (c. 1352 – 1069 BC)”), op
cit, p. 270;
14
Ver Introdução. Em MORKOT, Robert G., The A to Z of Ancient Egyptian Warfare, Scarecrow Press,
Inc., Reino Unido, 2003;

6
reinos vassalos do Egipto. Na correspondência internacional, os grandes reinos
independentes e áreas referidas são a Babilónia, Assíria, Mitanni, Hatti, Alashiya (Chipre)
e Arzawa (Anatólia ocidental). Já nas correspondências com os vassalos do Egipto são
referidos os pequenos reinos da Síria-Palestina15. Ambos nos dão inúmeras informações
sobre armamento e sobre a forma como o Egipto interagia internacionalmente: a criação
de alianças, casamentos e tratados.

Os assuntos tratados são dos mais diversos, mas os cabeçalhos das


correspondências começam geralmente por «Diga a X. Assim disse Y», por exemplo, a
carta EA8 inicia-se com: “Para Naphkhororia16, rei do Egipto, meu irmão, Assim disse:
fala Burnaburiash, rei da Babilónia, o teu irmão”17. Nota-se a diferença no tratamento
do destinatário, pela sua categoria de vassalo ou de reino independente. Nesta última, a
forma de tratamento entre reinos transmite-nos uma extrema proximidade, em que o
destinatário é tratado por “irmão”, como vemos na carta EA8. Isto transmite-nos uma
relação de proximidade, remetendo para laços familiares. O que também faz parte do
início destas correspondências é as saudações à família do destinatário, como podemos
ver na mesma carta já mencionada18: “Para o teu reino, a tua casa, a tua mulher, os teus
filhos, os teus ministros, os teus cavalos, os teus carros, muitas saudações”19. Notamos
que o armamento também está aqui presente como é o caso dos cavalos e dos carros, o
que demonstra a sua importância e significado de poder e opulência.

Os assuntos mais recorrentes nas correspondências internacionais são:


declarações de amizade ou a manutenção de relações diplomáticas provenientes de
reinados anteriores; a discussão sobre as listas de presentes relacionadas com estes
vínculos de amizade; e os pedidos de casamento e as alianças diplomáticas. O que aparece
nestas correspondências são, principalmente, as trocas de presentes, nomeadamente
armamento e matérias-primas como ouro e madeira. Contudo, no reinado de Aquenaton
não encontramos uma manutenção tão forte destas alianças, comparando com o reinado
de Amenófis III. Aquenaton concentrou-se em demasia nas questões religiosas e politicas,
como já mencionado, não respondendo à maior parte das correspondências recebidas, no

15
Ver SANTOS, Moacir E. e COELHO, Liliane C., op cit, p. 4;
16
Aquenaton;
17
“To Naphkhororia King of Egypt, my brother, to say: Thus speaks Burnaburiash King of Babylon, your
brother” – Ver carta EA 8;
18
Ver MORAN, W. L., Les Lettres d’el-Amarna, Les Éditions du Cerf, Paris, 2004, pp. 28-29;
19
“To your country, your house, your women, your sons, your ministers, your horses, your chariots, many
greetings” - Ver carta EA 8;

7
entanto, o faraó não as desprezou completamente, mas não esteve tão atento a estas
questões como o seu antecessor. O crescimento militar de reinos como a Assíria e o Hatti
foi negligenciado por ele, o que veio a ter consequências. Na carta EA 41, o rei dos Hititas,
Suppiluliuma, parece desagradado com o governo egípcio após a morte de Amenófis III.
O rei hitita vê os seus pedidos negligenciados por Aquenaton, o que prejudica a relação
entre os dois reinos20.

Na troca de presentes, o armamento é algo que é sempre mencionado, em imensas


quantidades, tanto que os túmulos em Amarna estão carregados de representações
militares e de tecnologia bélica da altura, o que nos permite saber o que era recebido
realmente. Uma cena do túmulo de Meryre II21, em Amarna, mostra-nos cavalos a serem
trazidos como presente por dois diferentes grupos de Asiáticos, além de carros de guerra,
também trazidos22. Outra cena proveniente da iconografia do templo de Huy, vice-rei de
Kush, que serviu a Tutankhamon, mostra-nos também certos tipos de armamento como
parte de tributo, como arcos compósitos, aljavas23 e escudos com padrões de chita24. Já
no templo de Horemheb encontramos iconografia do que nos parece ser um tributo por
parte de povos asiáticos, que consiste em servos, que provavelmente iriam integrar o
exército egípcio25. Nas Cartas de Amarna, as correspondências trocadas com o Mitanni,
são as que nos parecem mais ricas em informações sobre as trocas de armamento.
Algumas cartas fazem um inventário dos presentes de casamento enviados por Tushratta,
rei do Mitanni, aquando do casamento de Amenófis III com a sua filha26. Por exemplo, a
carta EA 17 contém imensa informação sobre as trocas de carros de guerra, cavalos e
servos27, porém, a carta EA 22 é a que possui uma grande lista de armamento oferecido a
Amenófis III, de forma muito detalhada. Encontramos um grande número de armas de

20
“The messages I sent to your father and the wishes he expressed to me will certainly be renewed
between us. O King, I did not reject anything your father asked for, and your father never neglected none
of the wishes I expressed, but granted me everything. Why have you, my brother, refused to send me what
your father during his lifetime has sent me?” – Ver carta EA41;
21
Superintendente da rainha Nefertiti;
22
Ver anexos, figura 1;
23
Estojo para as flechas;
24
Ver anexos, figura 3;
25
Ver anexos, figura 2;
26
Ver a entrada: Weapons trade. Em MORKOT, Robert G., The A to Z of Ancient Egyptian Warfare,
Scarecrow Press, Inc., Reino Unido, 2003;
27
“Behold, one chariot, two horses, one male servant, one female servant, out of the booty from the land of
Hatti I have sent you. And as a gift for my brother, five chariots (and) five teams of horses I have sent you.
And as a gift for Kelu-Heba, my sister, one set of gold pins, one set of gold earrings, one gold idol, and one
container of "sweet oil." I have sent her” – Ver carta EA17;

8
bronze, bigas, flechas, maças, arcos, entre muitos outros28. Em troca de armamento podia-
se receber ouro29, marfim, madeira, lápis-lazúli, cobre, estanho, entre outros. A carta
EA15, enviada de Ashur-Uballit I, rei da Assíria, menciona, além de armamento, outros
presentes para o Egipto, tais como pedras preciosas30. O envio de mercenários31 também
fazia parte desta troca de armamento, pois estes eram necessários para a disseminação de
armas e técnicas militares32. Os reinos Asiáticos solicitavam ao Egipto, nomeadamente,
arqueiros núbios, que só o Egipto poderia fornecer, contudo, também eram trocados líbios
e chardanos; navios e diversas embarcações, feitas com madeira da núbia, que também
eram enviadas pelo Egipto aos vários reinos e vice-versa33.

As relações entre o Egipto e o reino de Mitani são bem documentadas nas Cartas
de Amarna. Esta relação era baseada em trocas de presentes e em casamentos. Por
exemplo, Amenófis III casou com duas princesas mitannias, (a filha de Shuttarna e depois
com a filha de Tushratta), e o seu pai, Tutmés IV casou com a filha de Artatama. Os
casamentos eram usados para selar uma aliança. Podemos notar que em nenhuma
correspondência o faraó oferece qualquer uma das suas filhas para se casar com um rei
estrangeiro, o que não é feito por acaso, sendo uma maneira de afirmar a sua posição
como um superior entre iguais34. A carta EA3 é um exemplo, onde notamos um certo
descontentamento da parte Kadashman Enlil I, rei da Babilónia, quando Amenófis III lhe
nega o envio de uma princesa egípcia para ser sua esposa, argumentando que a relação
entre os dois reinos não se tornará mais próxima35. Em suma, as relações internacionais
entre o Egipto e os reinos independentes podem-se resumir à consumação de alianças e
trocas de recursos como matérias-primas e armamento. Tudo isto era essencial para se
manter relações estáveis com os vários reinos.

28
Consultar carta EA 22;
29
O ouro, geralmente, era a moeda diplomática, visto como um símbolo de aliança;
30
“I have sent you today: one fine chariot, two horses, (and) a jewel from precious stone, a date shaped
bead from genuine lapis lazuli as a good-wish present”. – Ver carta EA15;
31
“Furthermore, send me the ʿapîru men of Amurru (!) concerning which I wrote to you” – Ver
SCHNIEDEWIND, William M. (ed.) e RAINEY, Anson F. (traduzido), op cit, p. 34;
32
”Send a large regular army and you can drive out the enemies of the king from within his land and all
the lands will be joined to the king” – ver carta EA 76; “we would pay the hire of the man” – ver carta EA
112;
33
“4 kukkubu(-vessels) for/with fine wine” – Ver Carta EA31;
34
Ver a entrada: Diplomatic marriage. Em MORKOT, Robert G., The A to Z of Ancient Egyptian
Warfare, Scarecrow Press, Inc., Reino Unido, 2003;
35
“How is it possible that, having written to you in order to ask for the hand of your daughter - oh my
brother, you should have written me using such language, telling me that you will not give her to me as
since earliest times no daughter of the king of Egypt has ever been given in marriage? […] Why hasn't my
brother sent me a wife?” – Ver carta EA3;

9
Quanto às correspondências por parte dos reinos da Síria-Palestina, as conquistas
realizadas no Império Novo resultaram numa rede de reinos vassalos por todo o retenu36.
Estes reinos eram extremamente importantes para o controlo estratégico desta zona e para
não permitir que nenhum exército decida colocar as fronteiras do Egipto em perigo.
Muitos destes reinos tinham que pagar tributo, não só em ouro, madeira, entre outros, mas
também em soldados. Nas correspondências provenientes de reinos vassalos encontramos
cartas com características diferentes das que eram trocadas com reinos independentes.
Estas cartas contêm, na sua maioria, juramentos de fidelidade ao faraó e provas de
servidão a ele, o que conseguimos ver, por exemplo, na carta de Yabitiri, governador das
cidades do Canaã, Hazzatu e Yapu37, para Amenófis III38. Notamos que estas
correspondências iniciam-se quase sempre por uma demonstração de submissão ao faraó,
com frases como: “Para o rei, meu senhor, meu deus, meu sol39”, tal como conseguimos
ver na carta de AbiMilku, príncipe de Tiro. Os principais objetivos destas cartas eram
adquirir bens e providenciar soldados. Também existiam avisos sobre a situação política
e económica destes reinos40, para assim o faraó estar informado de alguma infidelidade
ou hostilidade que pudesse existir. A exemplo disto, temos a carta EA 298, de Yapahu, o
governador de Gezer41, que avisa o faraó sobre rebeliões na sua localidade42. Então, estas
correspondências têm um meio de tratamento diferente, mais distante e submisso e são
um meio de controlo por parte do faraó.

A importância estratégica da zona da Síria-Palestina está bem clara nas Cartas de


Amarna. Era importante para o Egipto não perder o contacto com estes territórios pois
eram a base para o movimento e abastecimento do exército egípcio. Ao utilizar as cidades
da Palestina evitava-se problemas de lentidão na marcha do exército para qualquer eixo
do Médio Oriente, o que tornava a logística e a defesa mais eficaz. Por isso, era crucial
para o Egipto manter relações diplomáticas com estes territórios, atendendo às suas

36
Nome que os egípcios davam ao corredor sírio-palestiniano;
37
Joppa;
38
“Yabitiri, thy servant, the dust of thy feet, at the feet of my lord, my king, my gods, my sun, seven times,
and seven times more, I fall down. Behold, I am thy servant, true to my lord, my king” Ver carta de Yabitiri
para Amenófis III, retirada de: http://www.reshafim.org.il/ad/egypt/yabitiri.htm. (Consultada a:
17/12/2017);
39
Traduzido do texto original: “To the king, my lord, my god, my Sun” - Ver Carta de Abi Milku de Tiro,
retirada de: http://www.reshafim.org.il/ad/egypt/abi-milku.htm. (Consultada a: 17/12/2017);
40
Ver MORAN, W. L., op cit, p. 38-39;
41
Cidade na atual Israel;
42
“Let the king, my lord, be aware that my younger brother, has rebelled against me and has entered
Muhhazu, and he has given over his two hands to the leader of the 'Apiru . And since [..]anna is at war
with me, take care of your land. May my lord write to his rabisu about this matter” – Ver carta EA 298;

10
necessidades43. Por exemplo, na carta EA 75, conseguimos observar pedidos de ajuda de
Biblos para o faraó devido à ameaça dos Hititas, que começaram a ameaçar os territórios
vassalos do Egipto44.

O carro de guerra é, possivelmente, a arma mais mencionada nas Cartas de


Amarna. O seu uso e o seu comércio eram de larga escala, pelo Egipto e pela
Mesopotâmia. Estas cartas indicam a sua natureza internacional na Idade do Bronze
Tardia, com a transmissão de tecnologia bélica por toda a Ásia Menor. Existe a
possibilidade de os carros de guerra terem chegado até à Núbia, como presente por parte
dos faraós egípcios, já que a madeira núbia era bastante usada para os fazer. Alguns
cavalos, inclusive, podem ter sido criados na Núbia e também eram pedidos pelos outros
reinos45.

Cartas de Amarna: uma fonte militar?

As Cartas de Amarna são uma fonte extremamente preciosa para o estudo da


guerra e das relações internacionais do Egipto no Império Novo, período onde a
diplomacia se alia à guerra para a manutenção de um império. O primeiro aspeto a ter em
conta é a detalhada descrição dos eventos que as cartas nos podem dar, descrevendo,
detalhadamente, os laços de vassalagem e os confrontos entre vários reinos. Já as cartas
enviadas pelo Egipto mostram-nos a visão que este tinha dos “outros”, tanto vassalos,
como aliados. Podem-nos dizer também o que o faraó esperava dos seus vassalos,
mostrando uma visão mais realista dos acontecimentos. As relações diplomáticas entre o
Egipto e os outros reinos mostram-nos o nível de hegemonia que este poderia ter, a sua
noção de superioridade, norma vista nas cartas enviadas.46

Como fonte, sempre tem alguns problemas: as cartas não incluem datas e há
poucas enviadas por parte dos faraós. Além disto, mostram as relações diplomáticas
durante poucos reinados e não durante todo o Império Novo, porque a maior parte dos
arquivos diplomáticos do Egipto foram destruídos durante invasões de inimigos como os
persas. Uma das únicas fontes diplomáticas deste período são as Cartas de Amarna, que

43
Ver SPALINGER, ANTHONY J., War in ancient egypt: The New Kingdom, Blackwell Publishing,
Reino Unido, 2005, p. 165;
44
Ver carta EA75 em: http://www.reshafim.org.il/ad/egypt/a-rib-addi.htm (Consultado a: 13/01/2018);
45
“Verily the chariots are here; verily the horses of my country are here!All the chariot horses had to be
supplied!” – ver carta EA1; “send to me garrison troops and horses” – Ver carta EA 263;
46
Ver: War and Economics. Em: MORKOT, Robert G., The A to Z of Ancient Egyptian Warfare,
Scarecrow Press, Inc., Reino Unido, 2003;

11
chegaram a nós graças a terem sido guardadas na cidade de Amarna47, e tratados a que
temos acesso, como o tratado entre os egípcios e os hititas. As correspondências de
Amarna mostram-nos uma máquina diplomática poderosa, que contrabalança com as
descrições de vitórias heroicas no Império Novo. Isto quer dizer que as Cartas de Amarna
nos mostram uma versão mais realista dos factos e não tão propagandística. Estas
correspondências não eram suposto serem vistas, somente por quem as conseguisse ler48
e por altos funcionários, por isso tinham informação mais verídica.

Outra razão pela qual podemos considerar as Cartas de Amarna como uma fonte
militar é pela sua exemplar descrição da lista de armamento e do seu comércio
internacional. O tipo de equipamento e a sua quantidade também é algo bastante presente.
Esta troca dava-se principalmente com o Mitanni, devido ao casamento de Amenófis III
com as filhas dos reis mitannios. Outro exemplo é o do túmulo de Tutankhamon, em que
as armas lá presentes são as que estão descritas nas cartas, sendo que foram oferecidas
como presente, isto porque vemos imensos carros de guerra e uma adaga de ouro, que não
servindo para combater, era um presente para motivos votivos49.

Podemos também apontar a sua importância para a contextualização dos conflitos.


Por exemplo, nas correspondências notamos preparações para um conflito de grande
escala, o que se deve à rápida ascensão dos Hititas e a sua ameaça para outros reinos e
para os vassalos do Egipto. Podemos observar várias cartas de pedidos de ajuda ao Egipto,
como é o caso da carta EA 75, em que Rib-Addi, governador de Biblos, informa o faraó
que o rei de Hatti tem tomado algumas das suas terras tributárias e as do rei do Mitanni50.
Portanto, aqui estão presentes comunicações sobre o aviso de conflitos e de ameaças. Isto
é uma das provas que a máquina militar e diplomática está mais complexa desde o início
do Império Novo51, pois conseguimos perceber o que acontece não só no Egipto, mas
também na Síria-Palestina e no Médio Oriente somente a partir destas correspondências.
Garante-nos também uma perspetiva da forma como a marinha funcionava nesta altura.
A marinha egípcia funcionava com o suporte de portos que eram a chave para uma base

47
Ver CREASMAN, Pearce Paul e WILKINSON, Richard H. (ed.), Pharaoh’s land and beyond: Ancient
Egypt and its neighbors, Oxford University Press, Nova Iorque, 2017, p. 85;
48
Recordando que estavam escritas e acádico;
49
O ouro não era um bom metal para o combate;
50
“May the king, my lord, be apprised that the king of Ḫatti has taken all the lands,tribute bearers (?),of
the king of the land of Mittani, the king of theland of Nah‹ri›na, the land of great kings” – Consultar carta
EA 75;
51
Ver SPALINGER, ANTHONY J., op cit, p. 164;

12
logística e militar, isto para evitar quaisquer ameaças na zona da Síria-Palestina. Esta
política, tão bem revelada nas Cartas de Amarna, permite-nos perceber por que razão o
exército egípcio levava consigo a sua marinha para as suas campanhas militares,
acompanhando-os por mar52. Pela carta EA 101 podemos concluir que não se podiam
deixar sair navios de Amurru53 devido ao conflito desta cidade com Biblos, Tiro e Bairut,
vassalos do Egipto. Por isso, a marinha egípcia deveria de supervisionar esta zona54. Isto
mostra-nos a cautela do Egipto para não perder estas cidades portuárias, mas também nos
mostra a atenção que se dava ao possível início de conflitos que poderiam ameaçar a sua
presença na Palestina, por isso, iriam ter que se tomar medidas para conter quaisquer
ameaças.

A burocracia egípcia era venerável, e aliada à guerra tornava-se uma ferramenta


poderosa, no entanto, existiam situações em que somente a diplomacia conseguia
resolver. Segundo Anthony Spalinger55 é por isto que, num determinado período,
encontramos poucas guarnições egípcias na Ásia. Muitos problemas políticos eram
resolvidos somente com a diplomacia, logo não seria necessário tanto poder militar na
Ásia, contudo, esta medida poderia dar problemas. Talvez é por isto que existiam ainda
algumas revoltas nas cidades da Síria-Palestina contra a presença egípcia, pois alguns
problemas a diplomacia poderia não conseguir resolver. Quando Aquenaton começou a
perder apoiantes na Ásia - como é o caso de Amurru, que caiu em mãos dos Hititas – a
sua atitude para com esta situação pode se basear numa política estabelecida para reduzir
o número de campanhas, que podiam ser incertas e caras. Nesta altura, o Egipto parece
não ter mais a necessidade de expansão, mas sim tentar preservar os contactos de
vassalagem que já existiam, mantendo um status quo.

52
Ver idem, ibidem, p. 164;
53
Amurru fazia parte do império egípcio, mas foi tomada pelos Hititas;
54
“Behold, they are with you now; seize th eships of the men of the city of Arwad which are in the land of
Egypt”. – Ver Carta EA 101;
55
Ver idem, ibidem, p.165.

13
Conclusão

Podemos concluir que conseguimos encontrar e analisar muitos aspetos militares


das Cartas de Amarna e conectar a diplomacia com a guerra. A troca de armamento, a
formação de alianças (a partir dos casamentos) e os tratados, mantiveram a presença
egípcia na Ásia estável por mais tempo. Foi no reinado de Amenófis III que a diplomacia
esteve no seu auge, o que foi essencial para esta estabilidade e riqueza, apesar de não
encontrarmos muitas cartas enviadas pelo Egipto.

Embora cubram um pequeno período do Império Novo, as Cartas de Amarna são


uma extraordinária base para a compreensão do cenário político e militar do Egipto para
com os reinos do Canaã e do Médio Oriente. Auxiliam-nos para uma ampla perceção de
como o Egipto mantinha os seus domínios nesta época e como se relacionava com os seus
vizinhos. Fica claro, a partir destes documentos, que a guerra e a diplomacia são
essenciais para se manter territórios e alianças.

Apesar disto, a linguagem diplomática não era o único fator importante nas Cartas
de Amarna, mas também a linguagem militar, pois existe nelas: a enumeração do tipo de
armamento da época, e a importância dada ao carro de guerra e ao cavalo; comprovando
isto como uma fonte de cariz militar. Podemos comprovar a veracidade disto ao comparar
o armamento descrito nelas, com aquilo que encontramos nos túmulos desta época
[armamentos e iconografia]. Além disto, também conseguimos notar, nestes documentos,
sintomas de conflitos, a partir da ascensão de potências militares – neste caso os Hititas e
os Assírios – que ameaçavam as pretensões egípcias no Médio Oriente. Graças à análise
das Cartas de Amarna, conseguimos comprovar a existência de uma transmissão de
tecnologia bélica entre Egipto e a Ásia.

Assim, por meio da documentação diplomática, é possível entender como se


realizavam alianças neste período, como decorria o comércio e a disseminação do
armamento e de que modo o Egipto e os seus vizinhos se relacionavam, tanto de forma
política, como de forma militar.

14
56
Anexos

Imagem retirada de: https://en.wikipedia.org/wiki/Meryre_II. (Consultada a: 16/12/2017);


56
Figura 1 (Cena no túmulo de Meryre II, superintendente da

15
rainha Nefertiti, em Amarna que mostra um tributo dos “reis
estrangeiros” a ser dado a Aquenaton).
Figura 2 (Cena do túmulo de Horemheb que mostra tributo a Tutankhamon57)

Figura 3 (Iconografia do túmulo de Huy, que serviu Tutankhamon58)

57
Imagem retirada de: https://www.flickr.com/photos/menesje/8317193131. (Consultada a: 16/12/2017);
58
Imagem retirada de: https://www.nilemuse.com/montana/favorites.html. (Consultada a: 16/12/2017);

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Bibliografia consultada

Fontes literárias

SCHNIEDEWIND, William M. (ed.) e RAINEY, Anson F. (traduzido),

The El-Amarna Correspondence: A New Edition of the Cuneiform Letters from the Site
of El-Amarna based on Collations of all Extant Tablets, Brill, Boston, 2015;

Bibliografia

DIJK, Jacobus Van,

“The Amarna Period and the Later New Kingdom (c. 1352 – 1069 B.C.) ”. In SHAW,
Ian, The Oxford History of Ancient Egypt, Oxford Univercity Press, Nova Iorque, 2000;

MORAN, W. L.,

Les Lettres d’el-Amarna, Les Éditions du Cerf, Paris, 2004;

MORKOT, Robert G.,

The A to Z of Ancient Egyptian Warfare, Scarecrow Press, Inc., Reino Unido, 2003;

REDFORD, Donald B.,

Egypt, Canaan and Israel in Ancient Times, Princeton University Press, Nova Jersey,
1992;

SANTOS, Moacir E. e COELHO, Liliane C.,

As Cartas de Amarna e as Relações Internacionais no Egito do final da XVIII Dinastia,


Centro Universitário Campos de Andrade, Panamá, [s. d.];

SHAW, Ian,
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SPALINGER, ANTHONY J.,

War in ancient egypt: The New Kingdom, Blackwell Publishing, Reino Unido, 2005.

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