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Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares, vol.4. n. 1, 2007.

“CONSTRUTORES DO IMAGINÁRIO”
os arquitetos sem diplomas

Amelia Zaluar

O artigo fala da inventividade de pessoas, em todas as partes


do mundo, que, sem formação acadêmica, usam da imagina-
ção para concretizar as fantasias que os dominam, na cons-
trução de suas casas, de uma maneira única, pessoal, origi-
nal. A autora propõe chamar esse tipo de obra de arquitetura
espontânea. Estão citados alguns dos artistas, arquitetos sem
diplomas que, no Brasil, levantaram e decoraram, de maneira
talentosa, suas moradias.

Palavras-chave: ARQUITETURA ESPONTÂNEA, CRIATIVIDADE, IMAGINÁRIO.

ZALUAR, Amelia. “Construtores do imaginário”:


os arquitetos sem diploma. Textos escolhidos
de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, v.
4, n. 1, p. 133-138, 2007.

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Casa é o espaço destinado à habita- e isso ocorre até hoje, apesar do precon-
ção, é o lugar que nos abriga, que nos ceito segundo o qual são coisa de pobre
protege das forças da natureza superio- ou o habitat da miséria.
res a nós, das tempestades, do sol incle- Só nas últimas décadas, após a expo-
mente, das chuvas, do frio, dos ventos. sição no Museu de Arte Moderna de
Como símbolo, tem o sentido de re- Nova York – “Arquitetura sem Arquite-
fúgio, de proteção, de mãe, de seio ma- tos” – em 1964, é que arquitetos, soció-
ternal. O estudo dos símbolos mostra que logos, etnólogos e geógrafos começaram
tudo pode assumir uma significação: a reconhecer a importância dessa forma
objetos naturais (pedras, animais, ho- de expressão arquitetônica, até então
mens, montanhas, luz e sol, vento, água desconhecida ou pouco conhecida, como
e fogo, plantas) ou fabricados pelo ho- afirma o arquiteto alemão Wolf Tochter-
mem (casas, barcos, carros, o triângulo, man (198-?). Segundo ele, não há razão
números). Ao transformar objetos ou para se desprezar materiais baratos como
formas em símbolos, enorme importân- o adobe, o barro e o bambu, nem há
cia psicológica lhes é conferida e o ho- motivo para se considerá-los próprios do
mem expressa isso na religião e nas ar- subdesenvolvimento.
tes visuais, inclusive na arquitetura. Métodos tradicionais de construção
Nesta última, tradições culturais de não afastam a existência da criatividade
milênios estão presentes, desde o uso de individual de seus donos. Como exem-
pedras enormes – monolitos – signifi- plo, numa aldeia na Mauritânia, na Áfri-
cando deuses, às construções de grande ca, todos os anos, depois da colheita do
altura – igrejas, catedrais, pirâmides – milho, repete-se uma tradição secular:
quando a verticalidade representa a ele- as mulheres refazem, com os dedos e tin-
vação do homem a uma esfera espiritu- tas fabricadas com corantes vegetais, a
al. Mandalas – símbolo universal da pintura das fachadas com desenhos que
harmonia – aparecem em construções expressam crenças, profecias, e senti-
seculares e sagradas e no traçado de ci- mentos como medo e alegria. As técni-
dades medievais e mesmo modernas, cas da pintura e os desenhos são ensina-
como Paris, Washington, Belo Horizon- dos de mãe para filha, durante um perí-
te. odo de iniciação no qual as meninas não
Na arquitetura de terra, as constru- saem de casa.
ções são feitas com o material mais na- Com pedras, barro, cimento, constru-
tural, gratuito, retirado da natureza: são ídas na horizontal ou na vertical, com
as técnicas da taipa, do adobe, do pau- um ou mais andares (há edifícios na
a-pique. São milênios de um inteligente África com sete ou oito andares, cons-
aproveitamento da terra em edificações truídos em pau-a-pique), a casa do ho-
presentes em um terço das habitações no mem do povo sempre conta sobre sua
mundo, seja nas regiões quentes ou fri- cultura, sobre as tradições locais, mas
as, seja nas secas quanto nas chuvosas, diz ainda da criatividade de seus donos,

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de sua liberdade no ato de criar. censurados em seus desejos e pulsões.


Vejamos agora as habitações nasci- Os surrealistas propunham a prática da
das da fantasia de algumas pessoas, em poesia, entendida como criatividade:
geral iletradas, com pequena ou nenhu- queriam devolver o homem à sua pure-
ma educação formal, desligadas portanto za inicial, armá-lo com o poder da ima-
de compromissos com regras acadêmi- ginação, a potência do desejo, a energia
cas ou modelos oficiais, sem conheci- da liberdade. André Breton, fundador do
mento da arte mundial, cujas obras não movimento, dava ênfase à criação dos
nascem em pranchetas e não são ensi- “inspirados”, pessoas que, na constru-
nadas em escolas de belas-artes e uni- ção de suas moradias, sentiram a neces-
versidades. Pessoas, que, obsessivamen- sidade imperiosa de materializar um
te, durante décadas, criam, de forma ori- conjunto de fantasias que representavam
ginal, só para si mesmas, com o materi- sua visão peculiar do mundo. Entre es-
al que têm à mão, sem planos ou proje- ses visionários, os “construtores do ima-
tos pré-programados. Mostram sua vi- ginário”, muito admirados pelos surre-
são interior, pessoal, com o objetivo de alistas, estão na França o carteiro Cheval
deixar uma marca no mundo. Sua sin- e seu Palácio Ideal, em Hauterive; o fun-
gularidade é impossível de ser captada cionário de um cemitério, Raymond Isi-
e aceita por regras sociais e políticas que dore, e La Maison de Picassiete, em
massificam e robotizam. São produtos Chartres; Robert Tatin e a Frênouse, em
dessa natureza, espalhados pelos quatro Cossé-le-Vivien; Robert Vasseur e La
cantos do planeta, as casas exóticas, que Maison aux Papillons em Louviers, e,
instigam pela originalidade, pela inge- em Chandigarh, na Índia, Nek Chand e
nuidade e também pela ousadia, por uma o Jardim de Pedra. Na arquitetura eru-
pitada de loucura... São obras únicas, que dita desponta Gaudí, que revolucionou
coexistem, concretamente, com a poe- e criou uma arquitetura de caráter es-
sia. Casas nascidas das idéias de seus cultórico, deixando em Barcelona pré-
criadores, fruto da elaboração do cons- dios belíssimos e extravagantes. Livros
ciente e, ao mesmo tempo, manifesta- de arte e documentários já se ocupam
ção do inconsciente. Como conseqüên- do tema arquitetura espontânea. Em
cia, seus autores são, muitas vezes, vis- nosso país, o estudo dessas manifesta-
tos como excêntricos ou loucos, fruto do ções culturais ainda é incipiente. A obra
preconceito, muito comum, contra tudo de alguns arquitetos sem diplomas, suas
o que é diferente ou novo. casas e jardins em nosso país são:
O Surrealismo, movimento cultural
surgido em 1922, na Europa, tinha como Donas Romana
máxima devolver ao homem a capaci-
dade poética da qual foi despojado, pres- Dona Romana, sessenta e cinco anos,
sionado pela dura realidade da vida, trei- semi-analfabeta, criou uma construção
nado a se reprimir por normas sociais, surreal em Natividade, no Tocantins, a

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250 km de distância da capital. Ouve Usa cacos, xícaras antigas, relógios, bo-
vozes que guiam sua produção. São seus tões, pratos, pedras para a decoração
guias curadores e seus santos, anjos, es- surreal. Em seu jardim suspenso, três
trelas, cruzes, animais e símbolos que andares acima, plantou árvores frutífe-
ela mesma não consegue explicar. Usa ras, e colhe pitangas, jabuticabas, romãs.
a pedra-canga (porosa). Diz que tem Tem ainda plantadas ervas e flores (or-
contato com extraterrestres e viaja para quídeas). Iniciou sua obra há 23 anos.
outros planetas.
Gabriel Joaquim dos Santos
Cícero Alves dos Santos, e a Casa da Flor
o Véio
Em 1912, em São Pedro da Aldeia,
Vive em Nossa Senhora da Glória, município do Estado do Rio de Janeiro,
Sergipe. No sítio Soarte cria esculturas Gabriel Joaquim dos Santos (1892-
em madeira (mulungu, jurema). 1985), negro e filho de ex-escravo e de
índia, começou a construir só para si
uma casa pequenina, para cumprir a “in-
Geraldo Simplício, o Nêgo tuição” de que teria que viver sempre
Vive em Friburgo, Rio de Janeiro, no sozinho. Trabalhando nas salinas e ro-
Campo do Coelho, a 13 km da cidade, ças próximas, foi erguendo aos poucos
na estrada Friburgo–Teresópolis. seu lar, composto de três cômodos ape-
Descobriu, por acaso, a técnica, que nas – sala, quarto e um depósito para
lembra a topiaria, mas modela na terra guardar quinquilharias. Terminada a
e cobre a escultura com o musgo, evi- obra, veio-lhe, no ano de 1923, por meio
tando a erosão. Planta, rega, poda. São de um sonho, a idéia de enfeitá-la. Mas
esculturas vivas: presépio, bebê, mulhe- não tinha recursos para comprar o ma-
res, animais, velhos, retirantes... terial necessário. “Então, ‘matutando’,
decidiu concretizar aquelas visões com
o refugo das construções próximas, com
Estêvão Silva da Conceição coisas imprestáveis jogadas no lixo, e
Mora na favela de Paraisópolis, no fazer ‘uma casa do nada’”.
bairro do Morumbi, na cidade de São A partir daí, com cacos de garrafas,
Paulo. É jardineiro e porteiro. Cansado de pratos, de xícaras, de azulejos e de
de observar o cinza na favela, resolveu telhas; com pedras, conchas, ossos, lâm-
embelezar sua moradia. Parece uma teia padas, bibelôs e outros objetos quebra-
de aranha: paredes sinuosas, ângulos dos, por vezes insólitos, garimpados nos
quebrados, uma escada totalmente irre- montes de lixo e selecionados, sem pre-
gular direcionada para todos os lados. conceitos, por sua singularidade e bele-
za, começou a criar enfeites diversos,

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embelezando a moradia com flores, vida, ó que alegria pra mim...


mosaicos, “bordados”, luminárias, colu- Quando acendo a luz e vejo tudo
nas e nichos. Inventava luminárias com prateado de noite, fico tão satis-
lâmpadas queimadas; nichos para pro- feito! Eu mesmo faço, eu mesmo
fico satisfeito, me conforta.Tudo
teção de um osso de baleia e de um bibelô
caquinho transformado em bele-
mais bonito; molduras para retratos afi-
za!”
xados à parede; uma estante, chamada
por ele de “altar dos livros”; bancos e Sua firme preferência pelos materi-
armários de alvenaria cobertos de cacos ais rejeitados por todos pode ser consi-
de louça. Gravava ou moldava com ci- derada natural nos dias de hoje, com a
mento inscrições para assinalar os tra- compreensão recente que se tem de que
balhos mais significativos. Uma compo- a reciclagem de materiais impõem- se
sição de riqueza plástica surpreendente, com elemento de harmonização do ho-
o barroco intuitivo criado por um artis- mem com o meio ambiente, mas, em
ta marginal e solitário. Como um alqui- 1923, fez com que Gabriel fosse visto
mista, ao transpor os materiais mais com “fraco das idéias”.
grosseiros à categoria de arte, Gabriel No Brasil, a Casa da Flor vem tendo,
se incorporava ao grupo de artistas ino- muito lentamente, sua beleza e impor-
vadores – Picasso, Miró, Braque, Paul tância reconhecidas, embora alguns dos
Klee, Kandinski – que, no início do sé- nossos mais brilhantes intelectuais já
culo 20, revolucionaram os conceitos de tivessem manifestado sua admiração
arte até então vigentes. Toda essa orna- pela poética obra, como Ferreira Gullar,
mentação fantástica foi surgindo de suas Alcides da Rocha Miranda, Carlos
“visões” e sonhos, sem projetos e pla- Scliar, Nise da Silveira, Lélia Coelho
nos rígidos a serem obedecidos. Dizia: Frota, Carlos Byington, Ítalo Campofi-
“sonho pra fazer e faço”. Com o materi- orito, Affonso Romano de Sant’Anna.
al restrito que possuía, Gabriel impro- Para Ariano Suassuna, a Casa da Flor é
visava sempre, compondo uma grande uma das obras mais importantes de ar-
variedade de conjuntos, que não se re- quitetura brasileira, um exemplo para os
petiam. Nessa “bricolagem” sem fim, ao arquitetos brasileiros de formação uni-
sabor de uma prodigiosa imaginação e versitária.
totalmente desprovido de preconceitos É preciso aprofundar a discussão so-
em relação aos materiais, foi decorando bre esse tipo de criação popular e inici-
os espaços vazios até sua morte, já com ar um movimento que seja a semente de
93 anos de idade e praticamente cego. um novo olhar, um olhar sem precon-
Melhor do que ninguém, ele explica- ceitos para as ricas, tão esquecidas e
va o impulso em busca do prazer que o pouco valorizadas manifestações cultu-
movia nesse esforço que durou 63 anos: rais do homem simples, entre as quais
sobressai sua fantástica arquitetura.
“De noite acendo um lampião,
O arquiteto/construtor, artista/operá-
me sento nessa cadeira, ó que

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rio, autor e único morador da Casa da ______. Os construtores do imaginário – a


Flor conseguiu em vida integrar deva- casa como expressão do ser. Clínica Po-
neio e realidade, pôde materializar sua mar: Rio de Janeiro, 1997. (Palestra pro-
ferida no Encontro de Arteterapia).
emoção, habitar seu sonho. Sua mora-
dia é um organismo vivo, um corpo, um
coração. É a concreta expressão de uma
REFERÊNCIA
alma poética.
BIBLIOGRÁFICA
Sugestões de leitura TOCHTERMAN, Wolf. Arquitetura
sem arquitetos. O Correio da Unesco,
ARQUITETURA DE TERRA ou o futuro de
[198-?].
uma tradição milenária. Centre Georges
Pompidou, Centre de Création
Industrialle. Rio de Janeiro: Avenir Edito-
ra, [198-?].
Amelia Zaluar é professora de Arte Popu-
BOERCI, Mariella. África: as cores da alma lar e Arte-Educação.
feminina. Passagen. Das Magazin Fur die
Schonste Art Des Reisens. Nov. 2004.

JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1964.

PONGE, Roberto (org.). Surrealismo e o


Novo Mundo. Porto Alegre: Editora da
Universidade - UFRG, 1999.

SCHAEWEU, Deide von. Fantasy worlds.


Los Angeles: Tachen America, 1999.

SCHUYT, Michael et alii . Fantastic


archiecture personal and excentric
visions. New York: Harry N. Abrahms. Inc.
Publishers, 1980.

ZALUAR, Amelia. A Casa da Flor, uma ten-


tativa de compreensão. In: ARAÚJO,
Emanoel (org.). A mão afro-brasileira,
significado da contribuição artística e his-
tórica. São Paulo: Tenenge, 1988.

______. A Casa da. Flor: tudo caquinho


transformado em beleza. (inédito).

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