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EU,

MULHER.
PSICÓLOGA
E NEGRA
Quando nossa comissão editorial resolveu ouvir psicólogos negros, para discutir
a questão racial, no contexto da vida profissional, já enfrentamos de início
algumas dificuldades.
Nosso interesse era verificar questões relativas ao preconceito na relação
terapeuta negro e paciente, negro ou não.
No âmbito dos psicólogos psicanalistas não encontramos psicólogos negros. A
orientação psicanalítica interessaria particularmente por lidar com os conceitos
de transferência e contratransferência, o que poderia nos trazer relatos
experienciais bastante significativos.
Com essa limitação, resolvemos ampliar o tema, discutindo as relações do
profissional com a clientela.
Como a profissão é marcadamente feminina, foi menos difícil encontrar
psicólogas negras, mesmo sendo pouquíssimas.
Em Brasília, a presidente da comissão editorial, Vera Lúcia Colucci e o
secretário Jairo Eduardo Borges Andrade ouviram os depoimentos das
psicólogas Olga Inácio de Moura e Neli Ferreira Mures, essa também membro
do CFP. Posteriormente, em São Paulo, Vera reuniu outras duas psicólogas
negras, Edna Maria Santos Roland e Gicele Maria de Menezes Alakija.
Aqui estão seus depoimentos. São histórias de vida pessoal e profissional que
fazem, a partir de relatos próprios, uma análise da situação do negro no Brasil.
As discriminações, os preconceitos, as dificuldades no trabalho, as idéias e
posições sobre o racismo, o movimento negro e, principalmente, a trajetória de
vida, enquanto mulher, psicóloga e negra.
Por isso resolvi fazer a minha tese
exatamente sobre isso: a discriminação
Olga Inácio de Moura — Mineira, em relação ao negro. Uma das questões
formada pela Universidade Católica de que vou tentar descobrir, ou classifi-
Belo Horizonte, professora da Univer- car, com a tese, é que no Brasil o pro-
sidade Federal de Uberlândia, atual¬ blema da discriminação é bastante so-
mente fazendo mestrado em Brasília cial.
(sua tese é sobre a discriminação do ne- Me parece que o negro, depois que
gro no Brasil). Sempre trabalhou na ele chega a um determinado nível de
área de Psicologia Industrial. formação, ele é aceito pela posição que
tem e não pela própria pessoa que ele é.
Quando sou apresentada a alguém,
ao invés da pessoa dizer — Esta é Olga,
"Quem é o negro no Brasil? Qual é a minha amiga —, diz assim: — Esta é
situação dele? Existe ou não existe dis- Olga, professora de Uberlândia, mes-
criminação? Desde criança eu sempre tra ... aí vem todos os títulos. E isto
soube muito pouco a respeito do negro numa situação social, onde não haveria
e pela minha vida afora tenho muitas necessidade desse tipo de apresentação.
questões que ficaram sem resposta.
É como se a pessoa estivesse se justifi- a situação da mulher, o problema de
cando. trabalho, etc...
Uma coisa que eu percebo, na convi- Aqui, até a terminologia discrimina- Neli Ferreira Mures — Carioca, for-
vência com outras pessoas negras, è a ção e racismo è confusa, parece não mada pela Universidade Estadual do
falta de identificação entre nós mes- haver distinção. Racismo, mesmo, eu Rio de Janeiro, em 1974. Nos três anos
mos. duvido que haja no Brasil — se sou de residência trabalhou em hospital
Existem coisas que as pessoas negras branca ninguém vai questionar se meus psiquiátrico atendendo indigentes. Fez
fazem para parecerem menos negras, antepassados foram negros, enquanto curso de especialização no Instituto de
por exemplo, alisar o cabelo. Na minha nos Estados Unidos, isto de anteceden- Medicina Psicológica.
própria família existe isso. Quando re- tes é algo muito importante. Atualmente trabalha na Fundação
solvi usar meu cabelo crespo, houve Nossa situação é bastante diferente. Estadual do Menor (FEM), do Rio de
uma resistência explicita por parte de- Até há pouco tempo o negro era escra- Janeiro.
les. vo. Sair dessa condição para chegar,
Acho que as pessoas podem alisar o por exemplo, a um curso de nível supe-
cabelo, a forma como isto è usado que rior, é um caminho muito difícil. "Hoje, na Fundação do Menor, nu-
me faz questionar. Usar cabelo crespo A grande maioria, das pessoas ne- ma equipe de 24 psicólogos, somos
pode ser, também, uma agressão. Se gras, tem um problema tão grande de apenas duas negras. Na faculdade eu
estou diante de uma pessoa negra que sobrevivência — onde morar, comer, era a única negra da turma, e isso no
usa cabelo crespo e sinto que está inte- dormir — esse dia-a-dia é tão forte, Rio de Janeiro, onde o negro já se en-
grada com ela mesma, acho ótimo. que vai mascarando a verdadeira dis- contra mais assimilado.
Porque a pessoa è daquele jeito, está criminação." São esses alguns pontos que faz com
coerente e isso é o mais importante. que paremos para pensar o problema,
Ê necessário que haja uma identifi- até histórico, da discriminação do ne-
cação, com um grupo, com as pessoas, gro no Brasil.
è bom você pertencer a alguma coisa. O que eu tenho vivido não é fácil.
Existe um fato que considero muito Quando comecei com meu consultório,
importante — é a discriminação do ne- muitas vezes chegava alguém com uma
gro pelo negro. Já ouvi muito isto de 'é indicação e vinha procurar a psicóloga.
preciso melhorar a raça', precisa ir Assim que eu abria a porta, e a pessoa
branqueando. percebia que era eu mesma que ia aten-
Na minha atividade profissional, en- dê-la, que era eu a psicóloga, levava
quanto psicóloga industrial, eu não te- aquele susto, ficava com uma expres-
nho indícios para atribuir alguma coisa são de espanto. Um dado importante:
que tenha acontecido no trabalho, en- nesses anos todos de consultório, nun-
quanto discriminação, exatamente pelo ca tive um cliente negro.
fato de ser negra. Já na Fundação acontece outro pro-
Eu me percebi, às vezes, privilegiada cesso. É uma instituição de carencia-
com os problemas dos outros por pare- dos, tenho um número enorme de ne-
cer mais próxima deles. Acho que a gros. Então, vem a questão da proxi-
forma do cliente chegar — procurando midade — quando encontram um téc-
ser empregado da empresa — é diferen- nico negro chegam para mim com alí-
te do cliente que vai ao consultório. vio: 'é uma igual, essa dai vai entender
Outro dado que gostaria de acres- o que passo.'
centar é em relação à tese que estou de- Uma outra forma de discriminação
senvolvendo. Durante o levantamento — várias vezes fui impedida de subir
bibliográfico tenho constatado que a pelo elevador social, tendo que usar o
produção nacional è bastante limitada elevador de serviço, isto ocorre no dia-
sobre o tema. a-dia do Rio de Janeiro.
Até houve uma ocasião interessante.
Nos Estados Unidos, por exemplo, Eu estava com uma amiga no aparta-
as pesquisas são muitas, o assunto bas- mento de um amigo comum nosso.
tante explorado e é possível encontrar Descemos para comprar lanche e volta¬
publicações sobre todos os aspectos —
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mos as duas, ela branca e eu negra. sendo pobre não ascende e porque não mudança da posição social da popula-
Quando passamos pelo porteiro ele fa- ascende tem dificuldades aumentadas. ção negra no Brasil, é preciso pensar-
lou: 'Psiu, venha cá, a doméstica não Então, não é aceito, não tem acesso mos em termos de mexer com tudo, de
pode entrar por aí não'. Minha amiga às coisas e é discriminado. uma verdadeira revolução.
ficou irada com a história e soltou to- Acho que racismo, no sentido mes- Então, o racismo é uma prática ati-
dos os meus títulos. Eu fiquei parada, mo do que é o racismo, não existe no va, não é apenas uma questão de pre-
olhando. Disse para ela que não preci- Brasil." conceito, da questão subjetiva das ati-
sava se preocupar porque acontecia tudes, e sim práticas concretas que fa-
sempre. zem com que determinados grupos per-
Isso de valer pelos títulos, eu encon- maneçam nos lugares subalternos.
trei até dentro de minha própria famí- Muitas vezes as pessoas se espantam
lia. Eu tinha primas brancas, louras e quando encontram negros em funções
minha tia não me apresentava como elevadas ou de chefia. Esse espanto re¬
membro da família. Quando terminei o flete uma situação real, da ausência
curso normal, passei a ser a sobrinha dos negros de funções que não sejam
professora, depois a sobrinha doutora, subalternos. O que deve ser questiona-
e as coisas mudaram. Então, se você do, fundamentalmente, é o porquê des-
tem acesso a uma formação, e princi- ta ausência.
palmente, se de nível superior, a discri- Tenho vivenciado essa situação. No
minação fica mais amainada. meu primeiro dia de trabalho estáva-
Mas, algo que sempre questiono, é mos eu (33 anos) e uma assistente so-
como se dá essa aceitação. Se é pelo cial (22 anos). Fomos apresentadas a
que eu sou enquanto pessoa, por mim Edna Maria Santos Roland — Mara- uma médica do Centro de Saúde, e na
mesma, ou pelo potencial que tenho a nhense, formada pela Universidade Fe- seqüência da conversa a médica per-
dar. deral de Minas Gerais, pós-graduada guntou à jovem 'você é a psicóloga?' En-
Uma coisa importante é termos os em Psicologia Social pela PUC/SP (te- tão na cabeça da médica, já houve a in-
nossos princípios, os nossos valores — se sobre o relacionamento entre patroa versão, a outra deveria ser a psicóloga
tenha a pessoa a cor que tiver. Por e empregada doméstica). Atualmente e eu, a assistente social, porque na rede
exemplo, eu não sei sambar, é algo di- trabalha no serviço de saúde pública, de saúde, primeiro vem o médico, se-
ficílimo para mim. Minha educação no Centro Estadual de Taboão da Ser- gundo o psicólogo e terceiro, o assis-
ra, S.P. Militante do movimento ne- tente social.
musical foi toda dentro da música clás-
sica, erudita — venho de uma família gro. Esta expectativa corresponde à hie-
de músicos, meu avô era maestro, hoje rarquia das profissões existentes na so-
eu rejo coral. Mas as pessoas, numa ciedade, tanto em termos das pessoas,
festa por exemplo, esperam e pressio- como em termos de grupos étnicos e ra-
nam para que eu dance o samba! "Acho que o problema da discrimi- ciais. Acho que não se pode dizer que
É algo de formação. Vou continuar nação do negro não seria resolvido se esta expectativa seja descabida, mas ela
a vida toda ouvindo Bach, Mozart, eliminássemos somente as questões já expressa, de certa maneira, como as
Mendelson porque eu gosto disso, è econômica e social. coisas estão organizadas na cabeça das
uma escolha. A engrenagem da sociedade está pessoas, essa realidade externa-se.
O que eu vejo, o que existe mesmo montada para manter determinados Para estar em contato com isso e es-
de determinante, de desagregação é es- grupos em certos lugares subalternos. tudar a discriminação, resolvi fazer a
se circulo vicioso — é negro e è pobre, Para pensarmos na possibilidade de
minha tese a respeito de empregada do- Muitas vezes encontramos, por
méstica, com abordagem em diversos exemplo, um homem negro que não Gicele Maria de Menezes Alakija —
níveis (econômico, questão racial), consegue se relacionar afetiva, amoro- Baiana, formada pela Universidade Fe-
pensando em termos da relação emo- sa e sexualmente com uma mulher ne- deral da Bahia, em 1975. Pós-graduada
cional que se estabelece entre patroas e gra, ou vice-versa. Isto porque o mode- em Psicologia Experimental (USP),
empregadas. lo do belo, do que é esteticamente dese- cursando doutoramento na USP (tese
Isto tem a ver comigo, com a minha jável, é representado pela mulher bran- sobre creches). Professora durante sete
história, é também uma forma de po- ca. Isso interfere até no direcionamen¬ anos na Faculdade Brás Cubas - SP.
der transpassar um pouco da minha ex- to da libido. Trabalhou em ambulatório de saúde
periência; acho que a minha problemá- Nosso espaço na sociedade brasileira mental. Atualmente é coordenadora da
tica individual foi o centro dessa esco- ainda é muito limitado. Posso exempli¬ creche da PUC/SP.
lha da tese. ficar com um fato que ocorre, nor-
Venho também, militando no movi- malmente, com brasileiros que vão pa-
mento negro há dois anos. Participei ra o exterior. Quando relembram o
da fundação do Bloco Afro Alafiá, Brasil, os pontos referenciais utilizados "Foi em São Paulo, quando mudei
uma entidade cultural voltada para a são elementos da cultura negra — o para cá, que realmente vivi a proble-
problemática racial; e da fundação do carnaval, o samba, a feijoada e o can- mática da discriminação racial. Na Ba-
Coletivo de Mulheres Negras, que já domblé. hia a questão da cor é mais diluída,
tem um ano de existência e que realizou Quando se fala de cultura brasileira existe muita miscigenação e a grande
o I Encontro de Mulheres Negras de não há como se esquecer e se ocultar a maioria da população é negra. Tam-
São Paulo. presença dos negros. bém lá, minha família é muito conheci-
Acho que não podemos resolver os Porém, aqui não há o reconhecimen- da, meu pai é psiquiatra e somos classe
preconceitos e a discriminação soman- to disso, esses elementos não têm um média.
do todas as diferenças e batendo tudo espaço mais central na vida do conjun- Aqui eu vivenciei situações de discri-
no liquidificador. Temos que lutar pelo to da população que não é negra." minação. Acho que, mesmo resolvido
direito de ser diferente, de ter outra o aspecto econômico ele muitas vezes
forma de ser, outros modelos, outros serve até para camuflar o preconceito.
padrões culturais e estéticos, outro cor- Tanto que não é à toa, o ditado —
po. 'quando um negro começa a se desta-
Não é o fato de eu ser negra, que es- car, embranqueceu.'
sa característica deva ser sempre men- Certa vez, estava muito bem vestida,
cionada como algo que se desvia do de roupa importada, e fui barrada na
normal. É como se a condição humana entrada de um prédio. O que aparece
— o ser humano universal — fosse da- primeiro é a cor, então não é só uma
da pela característica da pessoa branca. questão de nível econômico.
Dependendo do lugar que eu vou, se
A questão racial no Brasil, se com- estou com uma pessoa branca, ela é o
parada com a dos Estados Unidos, é meu cartão de visita. Isto somente mu-
uma coisa extremamente séria. A socie- da um pouco, na medida que a pessoa
dade brasileira é considerada multira- começa a ter um valor, um trabalho de
cial e a americana bi-racial; enquanto destaque, a movimentar-se num mes-
lá existe o critério de raça, aqui o crité- mo círculo. Mas, se muda de ambiente,
rio é de classificação pela cor, e aí en¬
contram-se dez mil tipos. começa tudo de novo. É como se desse
uns passos para trás.
Isto tornou-se um mecanismo de No início do meu trabalho como psi-
pulverização da população negra, do cóloga, atendia crianças no Ambulató-
indivíduo não se identificar como tal, rio de Saúde Mental. Com crianças a
na medida que se tem uma sociedade relação sempre foi tranquila. Mas, no
com uma ideologia de branqueamento. ambulatório também vinham outros
O individuo coloca como ideal, como pacientes e se dirigiam a mim, de início
objetivo social, o objetivo do bran- com desrespeito: 'cadê a médica? cadê
queamento, inclusive como instrumen- a doutora?', como que xingando. É o
to e canal para ascenção social. tipo de reação que você percebe ime¬
Da esquerda para a direita:
Neli Mures, Olga Moura,
Jairo Andrade e Vera Colucci
diatamente, que está permeada pela Algumas vezes até me divirto quan- de é o preconceito, esse preconceito ar-
questão racial. do chega alguém na creche procurando
E isto sempre foi algo difícil. Difícil raigado de não aceitar o negro.
pela coordenadora. Se estou na sala Temos que trabalhar, em termos da
porque escolhi uma profissão, trabalho com uma branca, a pessoa fica perdi- estruturação de personalidade, tanto
nela e tento desempenhar da melhor da, ou se dirige imediatamente à bran- da criança negra como da branca. Por
forma possível e, na verdade, eu não ca. E, também quando lido com ho- isso inclusive, que não sou muito a fa-
sou uma cor. mens no trabalho a discriminação é du- vor de um movimento negro. Não que
Seja branca ou seja negra a pessoa é pla — mulher e negra. o movimento negro tenha essa posição.
um profissional. Então, fica difícil Quando eu era adolescente, uma vez Mas, algumas pessoas do movimento
quando tomamos consciência de que estávamos com um grupo de crianças, estão repensando muito esta questão
estas coisas permeiam o tempo inteiro. brancas e negras, e uma delas compa- da formação das crianças. E, não po-
Trabalhamos, e muito, para que isto rava — 'esse é mais branco, o outro é dem estar esquecendo que estamos nu-
não interfira em nossa própria auto-es¬ preto ...' Aí o adulto recriminou: — ma sociedade multiracial, que tem
tima, em nosso auto-conceito e na ava- 'que é isso menino? Ninguém aqui é brancos também, que não se pode iso-
liação de nosso trabalho. preto nem branco; branco é papel.' lar a criança negra. Às vezes me parece
As pessoas ainda se espantam quan- As pessoas têm medo de dizer que que pode-se tomar um caminho de
do me vêem num cargo de chefia, não você é negro e que isso seja uma ofen- criar a criança negra para se defender.
só o fato de ser psicóloga, mas, de sa. Acho que não é por aí. Temos que
coordenar uma creche, que é função Para mim fica difícil separar até on- criá-la para a valorização e o respeito,
eminentemente usada por pessoas de é espanto, que até acho compreensí- tanto branca como negra, ao diferente,
brancas. vel devido à nossa sociedade, e até on¬ ao outro."

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