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Nenhum ramo do Direito tem autonomia plena, muito menos o Direito Penal, que,
por princípio, busca diversos conceitos fundamentais em outras áreas. O Processo
Penal, como instrumento de aplicação do direito material, admite interpretação
extensiva e aplicação analógica de regras do Processo Civil (art. 3º do CPP). Daí
advém a necessidade de profundo diálogo entre essas áreas aparentemente
antagônicas, mas que, em realidade, possuem diversos pontos de intersecção.
Ora, se o juiz deve aplicar a lei e não concordar com a jurisprudência pacífica
de um tribunal superior na interpretação dessa lei, poderá ressalvar seu
entendimento em sentido contrário, mas obedecerá a jurisprudência pacífica
ou dominante. E as partes do processo também precisam ater-se ao
entendimento da jurisprudência dominante. No processo penal, há recursos
do Ministério Público contra decisões absolutórias em casos de furto de barra
de chocolate, dentifrício, "engradadinho" de cerveja etc., tudo de valor
insignificante e chegam aos Tribunais Superiores, obrigando-os a julgar, em
detrimento de casos de maior repercussão e gravidade.
Dir-se-á que tal era possível, por tratar-se de norma de direito penal.
Ora, essa obrigação dos juízes e tribunais deverá ser obedecida somente a
partir da vigência do novo Código, isto é, somente após 17 de março de
2016? ou a decisão sem estas qualidades prevalecerá, porque a lei, ainda
em fase de vacância, não está vigendo? Decisão mal fundamentada será
injusta somente daqui a alguns meses?
Penso que o juiz não poderá, ante o que dispõe o artigo 489 do novo CPC,
justamente em consonância com o artigo 93, inciso IX, da Constituição
Federal, deduzir uma fundamentação singela e incompleta. Aliás, nunca
pôde, mas agora o legislador processual civil deixou expresso como entende
a idoneidade e adequação da fundamentação de uma sentença.
Mas, não me parece prudente aplicar essa regra no processo criminal, já que
o Código de Processo Penal regulamenta especificamente essa matéria.
Mais para a frente, veremos como a jurisprudência resolve a questão, pois
não é saudável que prazos processuais sejam tratados de forma diferente
em cada ramo.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com
base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às
partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria
sobre a qual deva decidir de ofício.
No processo penal, não caberá mais a "mutatio libelli”, quando o juiz pode
dar qualificação jurídica diferente da dada na denúncia, nos termos do artigo
383 do Código de Processo Penal. Diz-se que o acusado se defende de
fatos, não da classificação dada na denúncia. Não é bem assim. Se um réu é
acusado de estelionato e o juiz o condena por furto mediante fraude, sem
baixar os autos, para a manifestação da defesa, haverá, sim, surpresa. Ou
vice-versa: se é acusado de furto mediante fraude e o juiz desclassifica para
estelionato, haverá surpresa. Ainda se o acusado se defende de tentativa de
homicídio, mas o juiz o condena por lesão corporal de natureza grave,
haverá surpresa, se não se der à defesa a possibilidade de entrever a
possível desclassificação.
Com tais inovações, o Código deseja e espera que as decisões sejam mais
céleres, efetivas e de melhor qualidade, o que também dependerá dos
profissionais do Direito, elevados à condição de colaboradores entre si,
exatamente para a consecução dos fins almejados pela função jurisdicional.
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