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Por Carlo Velho Masi

A coluna desta semana é dedicada aos colegas membros do Grupo de Estudos em


Direito Penal e Processo Penal da Escola Superior de Advocacia (ESA) da Ordem
dos Advogados do Brasil, seccional do Rio Grande do Sul (OAB-RS).
Um dos temas mais relevantes do Direito no momento é a recente entrada em
vigor do novo Código de Processo Civil, lei que promove profundas modificações
na forma como os operadores jurídicos devem portar-se diante da possibilidade de
uma demanda judicial.

Nenhum ramo do Direito tem autonomia plena, muito menos o Direito Penal, que,
por princípio, busca diversos conceitos fundamentais em outras áreas. O Processo
Penal, como instrumento de aplicação do direito material, admite interpretação
extensiva e aplicação analógica de regras do Processo Civil (art. 3º do CPP). Daí
advém a necessidade de profundo diálogo entre essas áreas aparentemente
antagônicas, mas que, em realidade, possuem diversos pontos de intersecção.

A interlocução entre Processo Penal e Processo Civil tem reflexos diretos na


prática forense. O advento no novo CPC coloca os juristas diante tanto da criação
como da extinção de certas regras, o que demanda cuidadoso estudo de possíveis
conflitos e convergências. Segundo o Prof. Paulo de Souza Queiroz,
“[…] tudo quando significar, comparativamente com o CPP,
aumento das garantias do réu, é aplicável ao processo penal. São-
lhe também aplicáveis as normas que, embora não importem em
aumento de garantias, estão em conformidade com os princípios
constitucionais e processuais penais. Contrariamente, sempre que
houver incompatibilidade com as garantias que informam o
processo penal democrático, por restringi-las ou aboli-las, não
incidirão.
Para aferir os impactos do novo CPC no Processo Penal, portanto, é preciso
analisar o seu texto com uma perspectiva própria do Processo Penal, isto é, com
todo o seu arcabouço principiológico próprio, tendo muito clara a distinção entre
as partes processuais, e seus respectivos papeis e garantias, em um e outro ramo
do Direito, abandonando definitivamente a ideia de uma Teoria Geral (unitária) do
Processo. Como refere o Prof. Rômulo de Andrade Moreira,
[…] o Direito Processual Civil conteúdo próprio, que o difere
substancialmente do conteúdo do Direito Processual Penal, motivo
pelo qual não é possível aplicar princípios e regras do Processo
Civil ao Processo Penal, sob pena de fazermos uma verdadeira e
odiosa “processualização civil” do Processo Penal.
Pois bem. Diversos tópicos merecem atenção. No novo CPC, por exemplo, não há
mais previsão da regra da identidade física do juiz, tal como constava do art. 132
do CPC/1973. Tal supressão é preocupante e, no Processo Penal, totalmente
inaceitável, na medida em que não resta dúvida de que o magistrado que colheu
pessoalmente a prova é o mais indicado a decidir o mérito do processo, dando
plena concretização ao princípio constitucional da ampla defesa. Houve inclusive
uma reforma legislativa em 2008, promovida pela Lei nº 11.719, que alterou a
redação do art. 399 do CPP, incluindo o §2º, que prevê que “O juiz que presidiu a
instrução deverá proferir a sentença”.
Em termos de aumento de garantias, destaca-se sobretudo a ampliação das
hipóteses de contraditório e o regramento detalhado da fundamentação,
inovações que, se ampliadas no processo civil, com muito mais razão devem ser
adotadas no Processo Penal, que trata de um bem individual muito mais relevante:
o direito à liberdade de ir, vir e permanecer.
O novo CPC busca evitar as chamadas “decisões-surpresa”, proferidas pelo juiz
sem prévia manifestação das partes, que são surpreendidas por não terem podido
influenciar no convencimento do julgador. Agora, porém, de acordo com o art. 10
do CPC, “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em
fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se
manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. Desta
forma, em vislumbrando a possibilidade da ocorrência de questões como
prescrição penal ou incompetência absoluta, deveria o juiz criminal intimar as
partes para que se manifestem previamente sobre o tema.

A tão polêmica manifestação atípica do Ministério Público após a oferta de


resposta à acusação agora passaria a ter algum fundamento legal, até porque o
contraditório é válido tanto para a acusação quanto para a defesa. Nada obstante,
remanesce a discussão acerca de a última fala ser sempre a da defesa, a qual se
encontra presumidamente em posição de inferioridade.
A ementatio libelli, efetuada pelo juiz na sentença, com previsão no art. 383 do
CPP, não traz como pré-requisito a oportunização do contraditório, tal como ocorre
na mutatio libelli do art. 384 do CPP. Agora, por aplicação analógica do novo CPC,
ao observar que a definição jurídica do fato pode ser diversa da capitulada pela
acusação, o juiz deveria intimar as partes para que digam se reconhecem a
mudança ou se sustentam a mesma capitulação. Ora, sabe-se que a emendatio
libelli pode acarretar sérias consequências para o acusado, já que a nova pena
pode ser mais grave. Logo, a ampliação do contraditório, já prevista no novo CPC, é
medida integrativa cuja negativa é injustificável.

No tocante à fundamentação, o novo CPC (art. 11) reconhece os ditames do art.


93, IX, da Constituição Federal, mas, para dar-lhe ainda mais efetividade, vai além e
no §1º do art. 489 prevê o seguinte:

§1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial,


seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato
normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão
decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar
o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra
decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no
processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo
julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que
o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento.
Aprofunda-se o conteúdo da fundamentação. Então, novamente, se isto é válido
para o processo civil, quem dirá para o penal, onde o risco é o cerceamento da
liberdade ou a expropriação do patrimônio pelo Estado e, consequentemente,
muito mais fundamentadas deveriam ser as decisões judiciais. Reportar-se
exclusivamente ao artigo de lei; utilizar decisões padronizadas ou com argumentos
válidos para qualquer caso; valer-se de conceitos indeterminados (ex.: ordem
pública), sem explicar em que medida eles encontram cabimento no caso em
análise; deixar de enfrentar as alegações trazidas pelas partes quando estes
puderem mudar a decisão; ou invocar jurisprudência que não tenha similitude ao
caso, são expedientes que passam a ser vedados ao juiz penal, ante as mudanças
do CPC.

Ademais, de acordo com os parágrafos 2º e 3º do mesmo art. 489, “No caso de


colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da
ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na
norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”; e “A
decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus
elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”.

Outra enfática preocupação do novo CPC é com a vinculação a precedentes, o que


busca, em última análise, promover a segurança jurídica. De acordo com o art. 926,
“Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e
coerente”. Já o artigo 927, caput, determina que os juízes e os tribunais
observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle
concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de
resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos
extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em
matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em
matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais
estiverem vinculados.
Houve modificação de diversos regramentos também observados pelo processo
penal não menos relevantes para a prática forense, como a “Citação por Hora
Certa” (art. 252 a 254); a suspensão do processo civil para aguardar o julgamento
do mérito do processo penal (art. 315); a escusa de exibição de documento ou
coisa cuja publicidade representar perigo de ação penal (art. 404, III); e a
cooperação internacional, auxílio direto e carta rogatória (arts. 26 a 41).

Em relação aos recursos, de um modo geral, houve uma notável desformalização.


No recurso de agravo, por exemplo, o relator deverá conceder o prazo de 5 dias ao
recorrente para sanar vício ou complementar documentação exigível faltante (art.
932, parágrafo único). Conforme o art. 938, questões preliminares suscitadas no
julgamento serão decididas antes do mérito, deste não se conhecendo caso seja
incompatível com a decisão. “Constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive
aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização ou a
renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição,
intimadas as partes”. Não há mais necessidade de ratificação de Recurso Especial
ou Extraordinário quando a outra parte opuser embargos que não modifiquem a
situação do recorrente (art. 1.024). Ainda, “Consideram-se incluídos no acórdão os
elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que
os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal
superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade” (art.
1.025).
A forma de processamento dos recursos Especial e Extraordinário passa a ser
prevista nos arts. 1.029 e 1.030 do novo CPC. Todos os artigos do capítulo que
tratava desses recursos na Lei 8.038/90 foram revogados. A previsão inicial de que
o juízo de admissibilidade seria efetuado pelo próprio tribunal ad quem foi
revogada pela Lei nº 13.256/2016, durante a vacatio legis do novo CPC. Há uma
mudança bastante significativa nos recursos cabíveis em caso de
inadmissibilidade do REsp ou RExta. Via de regra, o recurso da inadmissão será o
agravo ao STJ ou ao STF (art. 1.042), porém, quando a decisão estiver fundada na
aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em
julgamento de recursos repetitivos (art. 1.030, §2º), o recurso cabível será o agravo
interno, do art. 1.021.
Algumas previsões específicas do novo CPC aparentemente não se aplicam ao
processo penal por haver regramento específico no CPP, tal como ocorre com os
prazos processuais (que no novo CPC só tramitam em dias úteis, art. 218 e ss.), o
recurso de embargos infringentes (que no novo CPC foi transformado em técnica
de julgamento, art. 942) e o direito a não autoincriminação (que é resguardado no
novo CPC, mas não exime a parte de adotar uma postura colaborativa, art. 379).
Inúmeros outros temas, como os efeitos da revelia, a reclamação aos tribunais
superiores, ou a atribuição de efeito suspensivo aos recursos excepcionais
(especialmente após a decisão do STF sobre execução provisória da pena), ainda
merecerão estudos próprios, pois muito em breve passarão a ser enfrentados na
prática. Os regimentos internos dos tribunais também precisarão ser readaptados
e interpretados sem redução de garantias (princípio da proibição do retrocesso). O
importante é o reconhecimento da relevância destes novos padrões para o dia a
dia do operador do processo penal, revelando ainda mais o quão dependente é a
ciência penal de outros ramos do saber jurídico.

O Novo Código de Processo Civil busca o aperfeiçoamento da função


jurisdicional, com decisões de primeiro e segundo graus de melhor
qualidade, mais justas e com mais efetividade, e também a celeridade no
andamento dos processos, especialmente com foco no devido processo civil-
constitucional, tão enaltecido pela doutrina.

Se houvesse mudança de mentalidade, as alterações legislativas seriam


desnecessárias, mas muitas vezes somos vencidos pela vaidade.
Operadores do direito não gostam de submeter-se, por exemplo, à
jurisprudência dominante nos tribunais, nem mesmo às súmulas e às
súmulas vinculantes!

Pensamos que somos ilhas. Contudo, os profissionais do direito não devem


desconsiderar a existência de tribunais e de uma ordem hierárquica, que
deve ser seguida.

A missão do Supremo Tribunal Federal prende-se a tornar uniforme sua


jurisprudência sobre temas constitucionais em todo o território nacional, o
mesmo ocorrendo com o Superior Tribunal de Justiça em relação a temas
infraconstitucionais.

Esses tribunais estão autorizados pela Constituição Federal a editar súmulas


resultantes de decisões pacificadas. O Supremo Tribunal detém o poder de
editar súmulas vinculantes.

Ora, se o juiz deve aplicar a lei e não concordar com a jurisprudência pacífica
de um tribunal superior na interpretação dessa lei, poderá ressalvar seu
entendimento em sentido contrário, mas obedecerá a jurisprudência pacífica
ou dominante. E as partes do processo também precisam ater-se ao
entendimento da jurisprudência dominante. No processo penal, há recursos
do Ministério Público contra decisões absolutórias em casos de furto de barra
de chocolate, dentifrício, "engradadinho" de cerveja etc., tudo de valor
insignificante e chegam aos Tribunais Superiores, obrigando-os a julgar, em
detrimento de casos de maior repercussão e gravidade.

O Novo Código de Processo Civil já foi editado, encontrando-se em período


de vacatio legis, isto é, já faz parte do ordenamento jurídico da nação,
apenas tendo sua incidência suspensa, para as necessárias adequações,
estudos e adaptações. Desse modo, somente a partir de 17 de março de
2016 estará vigendo plenamente.
Relembro que a Nova Parte Geral do Código Penal, Lei nº 7.209, de 11 de
julho de 1984 , também teve período de seis meses de vacância, para as
necessárias adaptações, segundo seu artigo 5º, a partir de sua publicação.

Essa Nova Parte Geral punha fim às medidas de segurança detentivas


impostas contra imputáveis que fossem reincidentes em crimes dolosos,
mantendo-as somente para inimputáveis.

Pergunta-se: era lícito que o juiz penal, mesmo no período de vacância da


lei, cancelasse, desde logo, a medida de segurança detentiva imposta para
reincidentes imputáveis, ou estava obrigado a mantê-las, mesmo quando o
legislador, orientado pela opinião pública e pelos doutrinadores as reputava
injustas? Ou somente seriam injustas depois dos seis meses?

Embora houvesse de início alguma discussão, prevaleceu a tese de que ao


juiz cumpria, até de ofício, cancelar a medida de segurança detentiva,
mesmo no período de vacância da lei.

E é claro o fundamento moral desse entendimento: se o legislador,


representando a vontade da sociedade, inovou, pondo fim à aplicação de
medida de segurança detentiva a imputáveis, certamente isso se deu, por
acreditar que tal sistemática era injusta e desnecessária.

Ora, se a medida de segurança era injusta e desnecessária, assim


reconhecido pelo legislador, qual a razão para obrigar o imputável a cumpri-
la? Ou, em outras palavras, como continuar aplicando-a, se, no mérito, não
mais haveria razão de sua existência, assim reconhecido pela nova lei? Se,
em suma, a lei já a considerava injusta e a revogara?

Claro, de tal arte, que todas as medidas de segurança detentivas impostas a


condenados reincidentes imputáveis foram canceladas, pois, para o Estado,
este já havia formado a convicção de que tais medidas eram injustas e
desnecessárias.

Excelente artigo da lavra do saudoso Desembargador Adauto Suannes (Lex


Mitior e Vacatio Legis, in Justitia, 55-61, abr./ju. 1984), tratou do tema com
profundidade e concluiu pela obrigação moral do Estado de cancelar as
medidas de segurança impostas a reincidentes imputáveis.

Esse artigo invoca lição de Pontes de Miranda:


A lei, desde que existe, lei é; todavia, raramente a lei começa de
incidir e ser aplicável desde que existe. Se, nela mesma, publicada
a 1º, ou noutra, do dia 1º, se diz que ‘entrará em vigor no dia 12,
há, necessariamente, lapso entre sua publicação, no dia 1º e sua
vigência, de modo que surge a distinção conceptual entre
existência e incidência da lei. Cf. Tratado de Direito Privado, tomo I, § 4º,
6.
Não é outro o entendimento de José Afonso da Silva (cf. seu Princípios do
Processo de Formação das Leis no Direito Constitucional, p. 231) e de
Vicente Ráo (cf. O Direito e a Vida dos Direitos, n. 245), para os quais a
lei nova se aplica durante a vacatio legis. Afinal, existindo lei posterior mais
benéfica, no Direito Penal, ela retroage. E, note-se: a lei se refere à
existência de lei mais benéfica, e não à incidência de lei mais benéfica.
Registre-se que o período de vacatio legis não é período destinado a que o
legislador pondere a respeito do mérito da lei. Claro que, em tese, o
legislador poderia – e poderá, no caso do novo Código de Processo Civil –
proceder a alterações da lei, no período de vacância, mas não é o que de
regra acontece, seguindo-se a ordem natural das coisas. E a lei, embora
exista mas com suspensão de sua vigência, pode ser excepcionalmente
aplicada, quando for mais favorável ao réu, no direito penal, diante do
disposto no artigo 2º do Código Penal, que obriga a retroatividade da lei mais
benéfica.

Dir-se-á que tal era possível, por tratar-se de norma de direito penal.

No entanto, é preciso meditar: o novo Código de Processo Civil, em seu


artigo 489, dispõe que, na fundamentação, as decisões, sejam elas
emanadas dos tribunais ou dos juízes, não poderão simplesmente referir-se
ao artigo de lei ou à súmula de tribunal. É preciso que se explique por quais
razões o artigo ou a súmula se aplica ao caso em julgamento. Certamente
será preciso adentrar o exame da matéria fática e de direito, a mostrar a
pertinência do artigo de lei ou da súmula invocada e proceder à correlação
entre os fatos e a súmula ou ao artigo de lei.

Ora, isso significa que o Código de Processo Civil está simplesmente


cumprindo um dos mais importantes preceitos constitucionais, insculpido no
artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, estabelecendo que todos os
julgamentos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade.

Isto é, porque lamentavelmente há no Brasil uma tradição de muitas vezes


não haver respeito aos princípios constitucionais, o novo Código está
mostrando aos juízes e à sociedade como deve ser e o que se entende por
fundamentação. Não se aceitará uma simples fundamentação, que não
desça ao minucioso exame da matéria fática e de direito. Exige-se, agora,
uma fundamentação adequada, profunda, necessária, idônea e convincente,
a revelar que o juiz se deteve no estudo do processo e, especialmente,
cumpriu um dos princípios da democracia, que é o da transparência
(complementado pelos princípios da publicidade, do contraditório e de outros
não menos importantes), com acesso da sociedade ao raciocínio do
magistrado ou tribunal, como garantia de que a decisão não foi fruto de
arbítrio, nem tendenciosa ou parcial. O juiz detém parcela da soberania
nacional e o povo, que lhe outorgou tal poder, tem todo o direito de conhecer
as razões de uma decisão judicial. Não se perca de vista a importância do
Judiciário, especialmente no tocante a ser o grande guardião da Constituição
Federal e dos direitos e garantias fundamentais do ser humano.

Ora, essa obrigação dos juízes e tribunais deverá ser obedecida somente a
partir da vigência do novo Código, isto é, somente após 17 de março de
2016? ou a decisão sem estas qualidades prevalecerá, porque a lei, ainda
em fase de vacância, não está vigendo? Decisão mal fundamentada será
injusta somente daqui a alguns meses?

Penso que o juiz não poderá, ante o que dispõe o artigo 489 do novo CPC,
justamente em consonância com o artigo 93, inciso IX, da Constituição
Federal, deduzir uma fundamentação singela e incompleta. Aliás, nunca
pôde, mas agora o legislador processual civil deixou expresso como entende
a idoneidade e adequação da fundamentação de uma sentença.

Não se trata de mera recomendação, mas de uma exigência legal, com o


cumprimento de todos os requisitos previstos no artigo 489 do Novo Código
Processual, sob pena de nulidade.

Se, a partir do ano próximo vindouro, os juízes e tribunais terão essa


obrigação, não a terão desde logo, diante do artigo 489 do novo Código que
declara e esclarece o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal?

Afinal, embora no período de vacância, o ordenamento jurídico pátrio deve


ser aplicado imediatamente, em especial porque se estará dando
cumprimento a preceito constitucional vigente desde a promulgação da
Constituição Federal de 1988.

Entenda-se: o legislador, atendendo aos reclamos da sociedade, edita uma


nova lei, pela qual são enumerados os requisitos para a fundamentação de
uma sentença. A Constituição Federal desde sua promulgação em 1988
sempre exigiu essa fundamentação, nem sempre atendida. Agora vem a lei
ordinária e diz como tem de ser a fundamentação de uma decisão judicial.
Ora, se a sociedade passou a exigir maior rigor na fundamentação e o
Congresso Nacional a atendeu, isso significa que há um fundamento moral
para que se exija hoje e dede já o cumprimento desse rigor formal.

E se isso ocorre no processo civil, o que não se dirá de uma sentença


condenatória no processo penal, em que o bem individual violado pelo
Estado é de extrema relevância, a liberdade de ir, vir e permanecer?

Conclui-se, de tal arte, que desde já sentença criminal sem os requisitos


previstos no artigo 489 do novo Código de Processo Civil é nula e desde já
os tribunais devem assim decidir.
No tocante ao artigo 489, parágrafo 1º, do Novo Código de Processo Civil,
veja-se que, in verbis:

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja


ela interlocutória, sentença ou acórdão que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato
normativo, sem explicar sua relação com a causa ou questão
decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o
motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra
decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o
caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Assim, simplesmente parafrasear a lei ou indicar artigo de lei sem explicar


sua relação com o caso em julgamento significa que a decisão se ressente
de fundamentação e deve ser declarada nula (inciso I).

Invocar conceitos abertos, indeterminados, como ordem pública, sem


explicar a relação com a causa significa, igualmente, decisão sem
fundamentação (inciso II).

Decisões padronizadas, tão comuns nos dias de hoje, em todos os juízos e


tribunais, também serão consideradas destituídas de fundamentação e, pois,
nulas (inciso III).

Decisões que dizem dispensar o exame dos demais argumentos, sob o


fundamento de que um deles basta, igualmente serão imotivadas e nulas,
apesar da inconsistência ou mesmo da absurdez da alegação. Cf. inciso IV.

A invocação de súmula, sem identificar seus fundamentos nem demonstrar


que a espécie em julgamento se subsume a essa súmula também é decisão
sem fundamentação e nula (inciso V).

Deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente sem


descer ao exame do caso concreto para mostrar que aquele caso não se
subsume ao precedente, ou que houve superação do entendimento, também
é decisão imotivada. Cf. inciso VI.

Eis, pois, como o juiz deve fundamentar a decisão, já a partir do momento


em que o Novo Código ingressou no ordenamento jurídico da Nação.
Com a obrigação de fundamentar as decisões, a tão sonhada celeridade
ficará prejudicada, porquanto essa obrigação demandará detido estudo dos
autos. A melhor qualidade das decisões, contudo, compensará a delonga.

No entanto, em contrapartida, o Novo Código se preocupa enfaticamente


com os precedentes. O artigo 926 impõe aos tribunais a obrigação de manter
coerente e estável sua jurisprudência. O artigo 927, combinado com o artigo
489, § 1º e seus incisos, obriga os magistrados e tribunais a observar as
decisões do Supremo Tribunal em controle concentrado de
constitucionalidade, os enunciados de súmula vinculante e adota outros
mecanismos semelhantes, de tal sorte que reduzem os debates das causas,
não havendo muito o que discutir, diante da prevalência de precedentes,
súmulas e decisões do Supremo e do Superior Tribunal. Mediante tais
mecanismos, o Novo Código, mesmo encurtando o debate, garante o
cumprimento dos princípios de segurança jurídica, da proteção da confiança,
e da isonomia. Claro que tais mecanismos se aplicam ao
processo penal.

Outra alteração se prende à contagem dos prazos processuais. O artigo 219


do Novo Código de Processo Civil regulamenta a contagem nos seguintes
termos:

Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou


pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.

Mas, não me parece prudente aplicar essa regra no processo criminal, já que
o Código de Processo Penal regulamenta especificamente essa matéria.
Mais para a frente, veremos como a jurisprudência resolve a questão, pois
não é saudável que prazos processuais sejam tratados de forma diferente
em cada ramo.

Da mesma forma, o recesso de fim de ano, previsto no artigo 220, in verbis:


Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos
entre 20 de dezembro e 20 de janeiro inclusive.

Caso sério está na questão da identidade física do juiz. O Código de


Processo Civil de 1973 é bem mais moderno que o atual Código de Processo
Penal. Aquele previa o princípio da identidade física do juiz, e por isso foi
sempre muito elogiado.

E, para modernizar o vetusto estatuto processual penal, a Lei nº 11.719, de


2008, introduziu o princípio da identidade física do juiz no processo penal.

É notório que o juiz que presidiu a audiência de instrução e julgamento e


interrogou o acusado, no processo penal, estará mais habilitado do que
qualquer outro, para julgá-lo, pelo que, em meu sentir, prevalece o princípio,
apesar de afastado no processo civil.

Outra inovação se prende a que o Novo Código não quer decisões-surpresa.


Veja-se o disposto no artigo 10:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com
base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às
partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria
sobre a qual deva decidir de ofício.

Assim, em caso de incompetência absoluta, o juiz deve dar à parte


oportunidade de manifestar-se, para depois, sim, remeter os autos ao juiz
competente.

No processo penal, não caberá mais a "mutatio libelli”, quando o juiz pode
dar qualificação jurídica diferente da dada na denúncia, nos termos do artigo
383 do Código de Processo Penal. Diz-se que o acusado se defende de
fatos, não da classificação dada na denúncia. Não é bem assim. Se um réu é
acusado de estelionato e o juiz o condena por furto mediante fraude, sem
baixar os autos, para a manifestação da defesa, haverá, sim, surpresa. Ou
vice-versa: se é acusado de furto mediante fraude e o juiz desclassifica para
estelionato, haverá surpresa. Ainda se o acusado se defende de tentativa de
homicídio, mas o juiz o condena por lesão corporal de natureza grave,
haverá surpresa, se não se der à defesa a possibilidade de entrever a
possível desclassificação.

No reconhecimento de prescrição no cível e no penal o juiz deve, igualmente,


deixar entrever a possibilidade de seu reconhecimento, embora seja
adiantamento de sua convicção...

Algumas inovações trazem vantagens. Vemos que, na busca pela efetividade


da Justiça, a filosofia adotada pelo legislador foi a de afastar óbices ao
conhecimento de recursos e mitigou formalismos, para que as ações,
afinal, sejam julgadas pelo mérito e não morram sem
julgamento. O novo CPC quis pôr fim à jurisprudência defensiva dos
Tribunais Superiores, que especializam seus assessores em levantar óbices
e, assim, reduzir o trabalho dos magistrados, que, convenhamos, é
desumano.

O Novo Código Processual preocupa-se com o excesso de formalismo, que


impede o conhecimento de recursos e culminam por denegar justiça.
Alinham-se alguns artigos que minimizam o rigor formal.

Assim, o artigo 932, parágrafo único, estabelece que, antes de considerar


inadmissível o recurso, o relator concederá prazo de 5 dias ao recorrente
para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

O artigo 938, § 1º, oportuniza ao jurisdicionado a possibilidade de corrigir


erros que impediriam o conhecimento do recurso.

O art. 1017, § 3º, possibilita a juntada de peças ausentes no agravo. Era o


terror dos advogados...
O artigo 1024, § 5º, dispensa a ratificação do recurso especial em caso de
não acolhimento de embargos de declaração da parte contrária.

O art. 1025, no caso de embargos de declaração inadmitidos ou rejeitados,


consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante
apresentou, para fins de pré-questionamento, caso o tribunal superior
considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

O art. 1030, par. único, arreda o juízo de admissibilidade pelo


próprio tribunal recorrido. A remessa ao Supremo ou ao STJ
será feita independentemente desse juízo, que
costumeiramente decidia mediante decisões padronizadas.

O art. 1029, §§ 2º e 3º, dispõem que recurso fundado em dissídio


jurisprudencial não pode ser inadmitido com base em fundamento genérico
de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência
dessa distinção.

Com tais inovações, o Código deseja e espera que as decisões sejam mais
céleres, efetivas e de melhor qualidade, o que também dependerá dos
profissionais do Direito, elevados à condição de colaboradores entre si,
exatamente para a consecução dos fins almejados pela função jurisdicional.

___________

*Celso Limongi é ex-presidente do TJ/SP, ex-presidente da Apamagis,


desembargador convocado para o STJ, aposentado, advogado em Limongi
Sociedade de Advogados.

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