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O CONCEITO DE MEMÓRIA

Manter vivo o passado por meio da preservação da memória ou da


valorização de aspectos da tradição é uma prática identificada na construção da
memória histórica sobre a Revolução de 1930. Entendemos que essa prática também é
elemento fundamental na construção da memória sobre a atuação de Antônio Carlos
neste processo. Para demonstrar essa ligação buscamos definir o conceito de memória c
apontar a forma como ele é utilizado em nossa análise.
Sobre o conceito de memória, Jacques Le Goff afirma que tal ideia nos
remete, em primeiro lugar, a um fenômeno individual e psicológico, que possibilitaria
ao homem a atualização de impressões ou informações passadas (LE GOFF, 1990).
Relacionando essa afirmação com os debates referentes à psicologia individual, Jô
Gondar (2008) afirma que teríamos aqui uma memória caracterizada como experiência
interior e subjetiva. A essa memória, restrita ao indivíduo, faltaria a dimensão visível e
tangível da memória social que seria o documento. É o documento que garante que a
memória individual possa ser compartilhada, enquanto, por outro lado, como fenômeno
singular, ela só seria passível de transmissão através da palavra.
Para Pierre Nora, a memória relaciona-se aos vestígios preservados do
passado que encontram-se nos lugares de memória. O processo de registro é uma das
vias de preservação e transmissão da memória individual que torna possível sua
transformação em memória social. Mesmo sendo um individuo o produtor da memória,
esta se relaciona com o grupo ao qual ele se vincula. Segundo Pierre Nora (1993, p. 09),
a memória emerge de um grupo que ela une, havendo tantas memórias quantos grupos
existirem, enquanto a história pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação
ao universal. Mas, com a crise das sociedades-memória, onde esta faz parte da vivência
direta do presente, cada vez mais a memória é tomada como história (NORA, 1993, p.
14). Quanto menos a memória é vivida do interior, mais ela tem necessidade de suportes
exteriores e de referências tangíveis de uma existência que só vive através delas.
Devido a essa necessidade de referências tangíveis, por não ser mais algo
vivido, a memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto.
Contudo, na perspectiva historiográfica a memória se torna objeto de uma história
possível (NORA, 1993, p. 11), uma interpretação do passado dentro de uma infinidade
de testemunhos. O fim da história-memória multiplicou as memórias particulares que
reclamam sua própria história (NORA, 1993, p. 17), relacionando os indivíduos que a
produzem com os grupos sociais aos quais estão ligados. A memória passa então por
uma metamorfose histórica e por uma conversão à psicologia individual.
Ocorre assim um deslocamento decisivo da memória do histórico ao
psicológico, do social ao individual (NORA, 1993, p. 18). Inaugura-se um novo regime
de memória, a partir de agora privada. A psicologização da memória levou a uma
economia singularmente nova do eu, dos mecanismos da memória e da relação com o
passado, sendo agora identificada com o individuo, com a ação privada, com aspectos
subjetivos. Quanto menos a memória é vivida coletivamente, mais ela tem a necessidade
de homens que tomem para si a responsabilidade de conservá-la. Contudo, essas
memórias individuais são usadas para fomentar as memórias dos grupos aos quais estes
indivíduos encontram-se ligados1.

1
Os embates se modificam, mas produção da memória continua em função das demandas do presente e
do futuro. Enquanto na década de 1930 a memória sobre Antônio Carlos se identifica ao grupo de
correligionários da Aliança Liberal que busca preservar a memória do líder político para que sua palavra
não se perca, na década de 1980 essa produção está ligado aos membros da família que buscam manter
presente as referências a Antônio Carlos como forma de manter viva a tradição política familiar.
Dentre as críticas que são feitas à obra d Pierre Nora encontramos os
apontamentos de Jô Gondar ao destacar que a construção dessa noção de memória
ocorre sob a perspectiva da degradação (GONDAR, 2005, p. 21). A memória só existe
na condição de estabelecimento do distanciamento entre o passado que ela evoca e a
vida vivida no presente. A perspectiva do tempo é levada em conta no apontamento da
relação entre passado e presente, mas tal noção de memória o define no sentido da
perda. O presente é marcado pela perda de algo que existiu como parte da vida no
passado. Isso define a necessidade dos lugares de memória como meios de manter vivo
na memória algo que já não se encontra presente na vida cotidiana. Contudo,
consideramos a perspectiva de Nora interessante por apontar elementos que indicam a
interferência de elementos do passado no presente. A relação temporal na construção
dos lugares de memória aponta para a preocupação do autor em discutir a forma como
os discursos sobre o passado são construídos como forma de conferir sentido ao
presente.
Distinguindo-se de Pierre Nora, Maurice Halbwachs elabora sua definição de
memória apontando para a relação insuperável entre o indivíduo e os grupos sociais,
definidos como grupos de memória. Sua definição de memória coletiva aponta que esta
só se define dentro dos grupos sociais. Mesmo que se trate de acontecimentos nos quais
apenas o indivíduo esteve envolvido, as lembranças permanecem coletivas, pois são
sempre lembradas pelos outros. Isso permite que um fato ganhe mais espaço na
memória de um grupo na medida que se este encontra-se presente nas vivencias e nas
lembrança de um número maior de seus membros (HALBWACHS, 1990, p. 26, 44).
Analisando a definição de memória coletiva para Halbwachs é possível perceber
a passagem de uma noção puramente individual para a afirmação da importância do
envolvimento do indivíduo em grupos sociais em seu processo de produção. Contudo,
como apontado por Jô Gondar (2005, p. 21) sua definição não discute com clareza quais
seriam as formas de construção dessa memória e os efeitos sobre o presente. Essa
ausência de apontamentos relativos à relação temporal na produção da memória
contribui para que sua noção de memória coletiva não abra espaço para a discussão dos
confrontos entre as várias memórias produzidas no interior de diferentes grupos.
A integração das diferenças ganha mais destaque que o confronto entre
diferentes memórias já que, para o autor, o mais importante é o que foi construído do
que os embates e a invisibilidade da construção. Isso pode ser percebido na distinção
entre memória e história presente na obra de Halbwachs (BONA, 2010, p. 136). As
memórias, tanto individual quanto coletiva, são formas de as recordações se
organizarem. Elas se interpenetram, pois são definidas exatamente na relação entre
indivíduo e grupo, situando-se no âmbito das afeições do vivido. Estando no campo do
vivido, para a memória não se coloca a necessidade da problematização e da crítica
conceitual, campos destinado à História. Esta como um saber abstrato, referindo-se a
uma temporalidade exterior, se estabelece como campo distinto da memória por estar
fora da dimensão do vivido2.
Consideramos de grande relevância o conceito de memória coletiva na medida
em que aponta a possibilidade de construção de diferentes memórias ligadas a grupos
específicos e considera a relevância da atuação individual na produção de tais
memórias. Contudo, para utilizar as indicações de Maurice Halbwachs sobre memória
coletiva seria necessário analisar as diferentes memórias presentes em vários grupos
para idnetificar de que forma seus elementos encontram-se presentes em um outro lugar,
a historiografia, ou ainda, em uma outra definição de memória, a memória social. O
2
Dessa forma se estabelece também a oposição entre história e tradição em que uma começa onde a outra
termina.
conceito de memória coletiva como proposto por Halbwachs apresenta um obstáculo
para a abordagem histórica, pois não encontram-se necessariamente ligados a um
suporte que torne possível a transmissão de suas informações e possibilite sua
transformação em memória social.
Pensando as distinções entre a conceituação de memória coletiva e memória
social, Jô Gondar aponta que a intencionalidade na montagem dos documentos e
lembranças é elemento importante no fomento da memória social.

Há sempre uma concepção de memória social implicada na


escolha do que conservar e do que interrogar. Há nessa escolha
uma aposta, um penhor, uma intencionalidade quanto ao porvir.
Tanto quanto o ato de recordar, nossa perspectiva conceitual põe
em jogo um futuro, ela desenha um mundo possível, a vida que
se quer viver e aquilo que se quer lembrar. O conceito de
memória, produzido no presente, é uma maneira de pensar o
passado em função do futuro que se almeja. Seja qual for a
escolha teórica em que nos situemos, estaremos comprometidos
ética e politicamente (GONDAR, 2005, p. 17).

As questões que definem a memória social, e a distinguem daquela


definição de memória coletiva, são sob quais circunstâncias e a partir de quais vontades
os rastros do passado puderam chegar até o presente. Estas circunstâncias e vontades
apontam os motivos que permitem a estes rastros ser encontrados em um arquivo ou nas
práticas e discursos de um grupo, além disso, os que nos levam a escolhê-los e dar-lhes
o estatuto de documento para o trabalho histórico. A memória social tem, portanto, um
elemento de intencionalidade na produção e preservação dos rastros do passado para o
devir que não é encontrado na definição de memória coletiva. Não se relaciona a
uma verdade escondida, mas a uma vontade a partir da qual nós a conservamos,
escolhemos e interrogamos.

A partir das noções de lugares de memória, memória coletiva e memória


social, temos elementos que já nos permitem refletir sobre nosso objeto: o tipo de
memória produzida sobre a Revolução de 1930. Essa produção de memória encontra-se
ligada aos indivíduos que participaram de tais eventos, como é o caso de Antonio
Carlos, e também está ligada aos grupos que contribuem para sua construção, como a
elite política mineira. Contudo, se identificar o grupo é necessário para pensar que tipo
de memória ele produziu e como a memória do indivíduo encontra-se presente nessa
produção e contribui para tal, essa análise só é possível a partir do momento em que tal
memória é socializada. Essa transformação da memória em memória social passa pela
preocupação da família Andrada, tal como ocorreu com outros grupos, com a
construção da memória sobre os eventos nos quais se envolveu. Isso está ligado à
preservação dos documentos e também dos discursos do grupo como forma de manter
viva a relação entre passado e futuro.
Portanto há nessa preocupação com a preservação dos rastros do passado
um elemento temporal que não é uma preocupação fundamental para Halbwachs. Essa
preocupação aponta ainda para a permanência deste passado como elementos de
transformação ou influência sobre o presente, portanto como algo que se busca manter
vivo, o que se aproxima da abordagem de Pierre Nora sobre os lugares de memória.
Contudo, mais do que manter viva a memória sobre algo que já não exsite como
vivência, essa memória sobre a Revolução de 1930 busca tornar-se um elemento de
ação eficaz no presente influindo sobre ele apontando os caracteres que permanecem
inalterados neste passar do tempo. A preservação dos rastros selecionados
cuidadosamente e socializados com o mesmo cuidado seletivo aponta para os elementos
de construção de uma memória social que não se identifica unicamente com o grupo que
a produziu nem é percebido como algo que encontra-se descolado do presente. Essa
memória socializada aponta para as permanências e as mudanças entre passado e
presente buscando justificar aquilo que caracteriza o próprio presente e as projeções de
futuro que se apresentam neste momento. E ainda buscam estabelece a identificação
deste presente e deste futuro não mais com o grupo que produziu este rastros que nos
chegaram do passado, mas com novos grupos que se formaram, quando não com o
próprio conjunto social.

Memória para Michel Pollak.


A partir de outra perspectiva temos a definição de memória presente na obra
de Michel Pollak (1989). O autor identifica a memória como um campo de disputa entre
uma memória oficial, nacional, e as memórias subterrâneas que sobrevivem em meio às
camadas populares. Seria possível identificar a memória de Antonio Carlos por meio
das biografias e dos discuros com essa definição de memória subterrânea? Está claro
que ela disputa espaço com uma memória oficial, ligada àquela construída sobre Getúlio
Vargas, mas o termo popular pode ser tornar um problema. Afinal, qual o grupo que
detém ou constrói a memória de Antonio Carlos?3

Distinguindo-se de Pierre Nora, Michel Pollak analisa a ideia de memória


chegando ao conceito de “enquadramento”, também utilizado por Henry Roussou.
Segundo Pollak, a memória coletiva, dos grupos sociais, fomentada pelas memórias
individuais, não é imposta de forma coercitiva (1989, p. 03). Ela é acessada por meio da
adesão afetiva ao grupo, sendo a nação a forma mais bem acabada destes grupos e a
memória nacional a sua memória coletiva. As duas funções principais da memória
seriam “manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em
comum”, incluindo aí o território, no caso de Estados. O significado dessas duas
funções seria o fornecimento de um quadro de referências e de pontos de referência. Por
isso, para Pollak, o termo memória enquadrada seria mais específico e adequado do que
memória coletiva. Ainda segundo Michel Pollak (1989, p. 10):

“O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do


material fornecido pela história. Esse material pode sem dúvida
ser interpretado e combinado a um sem-número de referências
associadas; guiado pela preocupação não apenas de manter as
fronteiras sociais, mas também de modificá-las, esse trabalho
reinterpreta incessantemente o passado em função dos combates
do presente e do futuro”.

A memória se constitui assim como uma forma de ação sobre o presente. É


o passado como instrumento para a transformação do presente. Neste sentido Pierre
Nora também aponta que não há memória espontânea (NORA, 1993, p. 13). Temos o
exemplo claro dessa assertiva na construção dos textos sobre Antonio Carlos:
encontramos as justificativas para a produção de narrativas sobre o político tanto na
introdução à sua coleção de discurso, publicados em 1930, quanto na apresentação de

3
Pensar o conceito de memória em Asmman.
sua biografia publicada em 1998. Enquanto a primeira aponta a narrativa como uma
forma de impedir que “a palavra do Presidente seja esquecida”, a segunda aponta a
importância da produção como forma de fazer conhecido ao grande público um político
de grande relevância que, no entanto, “não se tornou um herói”. O afastamento temporal
entre os dois pode é mais uma confirmação da assertiva de que a memória é uma
construção espontânea, mas algo que se forma em função dos embates no presente e no
futuro.

Memória em Paul Ricoeur.


O que é memória para Paul Ricoeur. A ideia da representancia e o papel do
historiador na construção da memória. Ver BONA.

No apontamento da relação entre história e memória Paul Ricoeur (2007, p. 248)


destaca que a lembrança se dá como imagem do que foi antes visto, ouvido,
experimentado, aprendido, adquirido. Por isso é em termos de representação que se
pode identificar os elementos da memória enquanto referência a algo do passado.
Depois da representação mnemônica, ou seja, dos elementos próprios do exercício da
memória como recordação, segue-se a representação histórica, identificada na ideia de
interpretação.
Este trabalho próprio da história é identificado pela noção de representância
(RICOEUR, 2007, p. 248). Tal noção corresponde à representação literária ou
escrituraria construída pelo historiador. Ela enfatiza o caráter ativo da operação histórica
e destaca o caráter intencional que faz da história a herdeira erudita da memória.

“A representação no plano histórico não se limita a conferir uma


roupagem verbal a um discurso cuja coerência estaria completa
antes de sua entrada na literatura, mas que constitui
propriamente uma operação que tem o privilegio de trazer à luz
a visada referencial do discurso histórico” (RICOEUR, 2007, p.
248).

A representação histórica não é simplesmente a transformação em texto de algo


que já existe fora dele. A reconstrução do passado pelo historiador se relaciona a dois
pontos: a capacidade de construção da narrativa clara, nítida, compreensível, e a
construção de imagens do que foi experimentado no passado para que possa ser
compreendido no presente (RICOEUR, 2007, p. 249). Neste sentido, a memória
funciona como mediadora entre o tempo – o passado como tempo do vivido, do
experimentado – e a narrativa – como momento de reconstrução de tais experiências no
âmbito da escrita (BONA, 2010, p. 131). Dessa forma podemos definir representância
como a capacidade do discurso histórico de representar o passado (RICOEUR, 2007, p.
250). Essa definição designa a intencionalidade do conhecimento histórico que se
enxerta no conhecimento mnemônico, na medida em que a memória é do passado.
O que aponta a distinção entre memória e história é o aprisionamento da
memória pela lembrança como um tipo de imagem e a capacidade de demonstrar a
existência de tal lembrança por meio dos rastros do passado. Tal distinção se baseia na
possibilidade e capacidade de apontar a diferença entre as imagens construídas pela
memória e pela representação historiadora como irreais ou como referenciais a algo
ligado ao passado. A capacidade que os rastros do passado conferem à representação
historiadora estabelece a diferença de principio entre a imagem do ausente como irreal e
a imagem do ausente como anterior.
Outra questão fundamental na relação entre história e memória apontada por
Paul Ricoeur é a anterioridade da narrativa em relação ao conhecimento histórico na
identificação dos acontecimentos. Antes de se tornar objeto do conhecimento histórico,
o acontecimento é objeto da narrativa, especialmente das narrativas de contemporâneos
que ocupam lugar privilegiado como fontes documentais (RICOEUR, 2007, p. 251).
Sob este aspecto o autor aponta que historiadores, sobretudo aqueles ligados à escola
francesa, como Marc Bloch, consideram as narrativas um gênero menor destacando sua
relação estreita com a noção de acontecimento e definindo-a como uma forma primitiva
de discurso, muito ligada à tradição, à lenda, ao folclore e ao mito e pouco elaborada
para fazer jus ao corte epistemológico entre a história moderna e a história tradicional.
Contudo, a relação entre narrativa e acontecimento no debate que visa
definir a relação entre história e memória aponta para a necessidade de questionar tal
noção limitada de acontecimento. O questionamento às regras de uso deste termo faz
pensar se há algum sentido em dizer que dois historiadores fazem histórias diferentes de
um mesmo acontecimento. Se o acontecimento é um fragmento da narrativa, ele segue o
destino da narrativa, e não há acontecimento básico que possa escapar da narrativização
(RICOEUR, 2007, p. 254). Contudo, como aponta Ricoeur, não se pode prescindir da
noção de “mesmo acontecimento” por não poder sem este elemento comparar duas
narrativas que tratam do mesmo assunto. Tal separação entre acontecimento e narrativa
abre um novo abismo, comparável ao que separa a historiografia da história tal como ela
se produziu de fato. Em suma, os acontecimentos não existem em si como algo definido
fora da narrativa. Eles só existem a partir do momento em que a narrativa é construída.
Ainda que em duas narrativas o referencial seja o mesmo evento, a ideia de
“acontecimento” só existe a partir da construção narrativa que se produz sobre ele.

Para solucionar tal problema é preciso unir a inteligibilidade narrativa e a


inteligibilidade explicativa (RICOEUR, 2007, p. 255). Nesta noção complexa de
coerência narrativa a intriga é a forma literária da coordenação entre acontecimentos
múltiplos em uma mesma unidade de sentido. A intriga consiste em conduzir uma ação
complexa de uma situação inicial para uma situação final por meio de transformações
regradas que se prestem a uma formulação apropriada no quadro da narrativa. O teor
dessas transformações pode ser encontrado na definição aristotélica do provável e do
verossímil, onde o verossímil é a face que o provável exibe ao leitor para persuadi-lo a
acreditar na coerência narrativa da história narrada.
Contudo, não há ligação direta entre a narrativa e os acontecimentos tais como
se produziram de fato (RICOEUR, 2007, p. 256). A ligação só pode ser indireta através
da explicação e, de forma distinta e limitada, através da fase documental que remete ao
testemunho e ao crédito dado à palavra alheia. Neste sentido o que se pode afirmar é
que não existe em si o acontecimento do Renascimento, da Revolução Francesa ou da
Revolução de 1930. O que existe são as narrativas que foram construídas sobre ele.
Essas narrativas não podem ser vistas como uma transposição do evento como de fato
ele se produziu. A relação entre a narração do evento e o próprio evento só ocorre por
meio da explicação, baseada nas ideias de provável e verossímil, e no crédito dado à
palavra daqueles que testemunham sobre tal evento.
O alcance de um acontecimento aponta para a persistência de seus efeitos para
além de sua fonte (RICOEUR, 2007, p. 257). Ele é correlativo ao alcance da própria
narrativa e da permanência de sua unidade de sentido. Aspectos da narrativização, como
a personalização marcada pelo uso dos nomes “quase próprios”, como aquelas que
identificam o Renascimento, a Revolução Francesa, a Guerra Fria e, acrescentamos, a
Revolução de 1930, como acontecimentos ocorrem devido á permanência no tempo das
narrativas que atribuíram tal propriedade a estes fenômenos.
Segundo Aldo Bona, Paul Ricoeur concebe a relação entre memória e
história como dialógica. Não são nem sinônimos, nem se opõem radicalmente. Há
relação de reciprocidade pelo controle da memória pela história. Contudo, se é possível
estabelecer a junção entre história e memória pelo processo de glorificação do passado
(BONA, 2010, p. 132, 135), Paul Ricoeur (2007, p. 261) destaca que existe uma
dimensão de anterioridade, de rastros, que estão presentes em todas as fases da operação
historiográfica. Uma presença irrefutável para o trabalho historiográfico que define a
distinção entre os campos da memória e da história.

“Arrancado do mundo da ação pelo arquivo, o historiador


reinsere-se nele ao inscrever seu texto no mundo de seus
leitores; por sua vez, o livro de história faz-se documento, aberto
à série das reinscrições que submetem o conhecimento histórico
a um processo contínuo de revisão” (RICOEUR, 2007, p. 247).

O texto de história não fica preso ao próprio texto. Ele interfere – ou pode
interferir - no mundo no momento em que sua escrita é inserida no universo dos
leitores. Neste trabalho de reconstrução do passado por meio da representação
historiadora a memória é tomada como fonte privilegiada do conhecimento histórico
(BONA, 2010, p. 131).

Memória para Assmann.


A análise crítica e a nova noção de memória para Assmann. A crítica às
perspectivas de Nora e Halbwachs.
A ideia de gestão do passado, trabalhada por Aleida Assmann4 para pensar
como os biógrafos e memorialistas da ação política de Antônio Carlos constroem uma
narrativa que tenha resultados no presente. A forma como a memória de Antônio Carlos
é construída aponta para a formação de um mito político sustentado por suas ações
como homem público. Tal memória utilizada com o objetivo de fomentar tal mito
estabelece usos do passado que apontam para o destaque de determinados fatos e para
interpretações singulares ou mesmo o esquecimento de outros eventos.

“Pois uma memória cumulativa desvinculada da memória


funcional decai à condição de fantasmagoria, e uma memória
funcional desvinculada da memória cumulativa decai à condição
de uma massa de informações sem significado. [...] Cabe que
ambas estejam juntas, ambas pertencem a uma cultura que se
diferencia e autonomiza, uma cultura “que se posiciona em face
da pluralidade de sua diferença interior e se abre para sua
diferença exterior” (ASSMANN, 2011, p. 155).

Memória social para Gondar.


Gondar e a noção.de memória social.

Temporalidades da memória.

4
Ver a ideia de gestão do passado como forma de construção da memória. Ver texto de Aleida Assmann.
A prática da produção da memória pode ser identificada no texto de Julio Pinto
(1998, p. 206) que discute a relação entre a produção memorialística e a historiografia.
Citando Cinthia Brown ele escreve:

Qual a relação entre o passado, a memória e o texto histórico?


Quando se fala em historiografia é preciso dar conta de duas
temporalidades, ou seja, o tempo em que se desenrolam os
acontecimentos contados e o tempo da construção da narrativa.
A memória desempenha o papel de intermediaria entre essas
duas temporalidades.

Da mesma forma a memória também estabelece o diálogo entre passado e


presente na produção biográfica, mas vai além ao possibilitar a identificação entre
indivíduo e grupo social. A memória é dotada de uma flexibilidade que permite às
narrativas se constituir sempre a partir de aspectos pessoais, mas apoiadas em
referências coletivas. Tais repertórios são individualmente apropriados e seletivamente
repostos (PINTO, 1998, p. 207) na medida em que as ações do indivíduo são
superdimensionadas no processo de interpretação das transformações sociais.
Na validação da experiência do individuo, a conexão entre o passado pessoal e
uma memória coletiva ou história pública determinam ou reiteram uma identidade que
pode, muitas vezes, parecer frágil, mas que é continuamente nutrida pelo exercício da
lembrança e por sua ligação a temporalidades passadas, a episódios de que não
participamos, mas que ilustram um vínculo comum a homens em sociedade (PINTO,
1998, p. 208).
É lançada do centro ás margens. Margem como lugar de conservação ou
produção de referenciais. Espaço possível de culto ao passado como forma possível de
não perdê-lo no caos da história acelerada do presente (PINTO, 1998, p. 208).
Na operação histórica, o passado é tornado exclusivamente racional, destituído
da aura do culto, metamorfoseado em conhecimento, em representação, em reflexão; na
constituição de memória, ao contrário, é possível reincorporar a ele, passado, um grau
de sacro, de mito (PINTO, 1998, p. 209).
Se a aceleração da história partiu a história-memória, a história subjetiva emerge
como resposta possível frente à ameaça de dissipação do passado (PINTO, 1998, p.
210).
Não é mais a história – problematização, crítica -, mas a memória que
(re)conecta o homem contemporâneo, presa do quadro rarefato da modernidade, ao
passado enquanto fonte de identidade, estatuto de origem (PINTO, 1998, p. 210).

Henry Rousso (2014), ao analisar a experiência do Holocausto, trabalha a


questão da memória como presentismo. Esta ideia pode ser definida como a manutenção
no presente de aspectos do passado para que a memória e a tradição se mantenham
vivas. É uma forma de manter viva no presente uma experiência passada. Como aponta
Benito Schimidt (2003, p. 61), o presentismo pode ser identificado como “regime de
historicidade” característico do século XX. É contra a celebração do passado e a ideia
de progresso, afirmando o presente como único tempo possível.

Ligação entre memória e biografia.


A produção da memória encontra na escrita biográfica um campo fértil para
o estabelecimento de relações entre individuo e grupo social. Wilton Silva (ver citação
GT Memória e Sociedade) aponta três questões importantes do biografiasmo
relevantes para pensarmos a importância da identificação entre estes dois entes. Em
primeiro lugar, a existência de uma biografia pressupõe a ampla utilização de forças
sociais para manutenção de uma memória na qual o individuo é parte de um grupo e
representação de suas idéias e expectativas. Em segundo lugar, o individuo, objeto da
biografia, é visto com distinção dentro do grupo e da sociedade da qual faz parte. A
priori, ele não representa grupos marginalizados, silenciados, minoritários. Ele se situa
no campo de disputas no qual memória e esquecimento também se estabelecem em
relação tanto à sua trajetória, quanto a de outros que compõem o mesmo grupo.
Destacar um individuo necessariamente implica em “esquecer” outros. Em terceiro, o
biografismo é um objeto que torna possível a constatação da multiplicidade de
significados e expectativas que uma mesma matéria narrativa provoca, o que fica
evidenciado na produção memorialística e biográfica referente ás ações e atores da cena
política da Revolução de 1930.

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