Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
1
Os embates se modificam, mas produção da memória continua em função das demandas do presente e
do futuro. Enquanto na década de 1930 a memória sobre Antônio Carlos se identifica ao grupo de
correligionários da Aliança Liberal que busca preservar a memória do líder político para que sua palavra
não se perca, na década de 1980 essa produção está ligado aos membros da família que buscam manter
presente as referências a Antônio Carlos como forma de manter viva a tradição política familiar.
Dentre as críticas que são feitas à obra d Pierre Nora encontramos os
apontamentos de Jô Gondar ao destacar que a construção dessa noção de memória
ocorre sob a perspectiva da degradação (GONDAR, 2005, p. 21). A memória só existe
na condição de estabelecimento do distanciamento entre o passado que ela evoca e a
vida vivida no presente. A perspectiva do tempo é levada em conta no apontamento da
relação entre passado e presente, mas tal noção de memória o define no sentido da
perda. O presente é marcado pela perda de algo que existiu como parte da vida no
passado. Isso define a necessidade dos lugares de memória como meios de manter vivo
na memória algo que já não se encontra presente na vida cotidiana. Contudo,
consideramos a perspectiva de Nora interessante por apontar elementos que indicam a
interferência de elementos do passado no presente. A relação temporal na construção
dos lugares de memória aponta para a preocupação do autor em discutir a forma como
os discursos sobre o passado são construídos como forma de conferir sentido ao
presente.
Distinguindo-se de Pierre Nora, Maurice Halbwachs elabora sua definição de
memória apontando para a relação insuperável entre o indivíduo e os grupos sociais,
definidos como grupos de memória. Sua definição de memória coletiva aponta que esta
só se define dentro dos grupos sociais. Mesmo que se trate de acontecimentos nos quais
apenas o indivíduo esteve envolvido, as lembranças permanecem coletivas, pois são
sempre lembradas pelos outros. Isso permite que um fato ganhe mais espaço na
memória de um grupo na medida que se este encontra-se presente nas vivencias e nas
lembrança de um número maior de seus membros (HALBWACHS, 1990, p. 26, 44).
Analisando a definição de memória coletiva para Halbwachs é possível perceber
a passagem de uma noção puramente individual para a afirmação da importância do
envolvimento do indivíduo em grupos sociais em seu processo de produção. Contudo,
como apontado por Jô Gondar (2005, p. 21) sua definição não discute com clareza quais
seriam as formas de construção dessa memória e os efeitos sobre o presente. Essa
ausência de apontamentos relativos à relação temporal na produção da memória
contribui para que sua noção de memória coletiva não abra espaço para a discussão dos
confrontos entre as várias memórias produzidas no interior de diferentes grupos.
A integração das diferenças ganha mais destaque que o confronto entre
diferentes memórias já que, para o autor, o mais importante é o que foi construído do
que os embates e a invisibilidade da construção. Isso pode ser percebido na distinção
entre memória e história presente na obra de Halbwachs (BONA, 2010, p. 136). As
memórias, tanto individual quanto coletiva, são formas de as recordações se
organizarem. Elas se interpenetram, pois são definidas exatamente na relação entre
indivíduo e grupo, situando-se no âmbito das afeições do vivido. Estando no campo do
vivido, para a memória não se coloca a necessidade da problematização e da crítica
conceitual, campos destinado à História. Esta como um saber abstrato, referindo-se a
uma temporalidade exterior, se estabelece como campo distinto da memória por estar
fora da dimensão do vivido2.
Consideramos de grande relevância o conceito de memória coletiva na medida
em que aponta a possibilidade de construção de diferentes memórias ligadas a grupos
específicos e considera a relevância da atuação individual na produção de tais
memórias. Contudo, para utilizar as indicações de Maurice Halbwachs sobre memória
coletiva seria necessário analisar as diferentes memórias presentes em vários grupos
para idnetificar de que forma seus elementos encontram-se presentes em um outro lugar,
a historiografia, ou ainda, em uma outra definição de memória, a memória social. O
2
Dessa forma se estabelece também a oposição entre história e tradição em que uma começa onde a outra
termina.
conceito de memória coletiva como proposto por Halbwachs apresenta um obstáculo
para a abordagem histórica, pois não encontram-se necessariamente ligados a um
suporte que torne possível a transmissão de suas informações e possibilite sua
transformação em memória social.
Pensando as distinções entre a conceituação de memória coletiva e memória
social, Jô Gondar aponta que a intencionalidade na montagem dos documentos e
lembranças é elemento importante no fomento da memória social.
3
Pensar o conceito de memória em Asmman.
sua biografia publicada em 1998. Enquanto a primeira aponta a narrativa como uma
forma de impedir que “a palavra do Presidente seja esquecida”, a segunda aponta a
importância da produção como forma de fazer conhecido ao grande público um político
de grande relevância que, no entanto, “não se tornou um herói”. O afastamento temporal
entre os dois pode é mais uma confirmação da assertiva de que a memória é uma
construção espontânea, mas algo que se forma em função dos embates no presente e no
futuro.
O texto de história não fica preso ao próprio texto. Ele interfere – ou pode
interferir - no mundo no momento em que sua escrita é inserida no universo dos
leitores. Neste trabalho de reconstrução do passado por meio da representação
historiadora a memória é tomada como fonte privilegiada do conhecimento histórico
(BONA, 2010, p. 131).
Temporalidades da memória.
4
Ver a ideia de gestão do passado como forma de construção da memória. Ver texto de Aleida Assmann.
A prática da produção da memória pode ser identificada no texto de Julio Pinto
(1998, p. 206) que discute a relação entre a produção memorialística e a historiografia.
Citando Cinthia Brown ele escreve: