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Salvador – Ba
2009
MONIQUE FRANÇA CARNEIRO
Salvador – Ba
2009
FICHA CATALOGRÁFICA – Biblioteca Central da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592
CDD: 363.46
MONIQUE FRANÇA CARNEIRO
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profª. MSc. Maria da Conceição Costa Rivemales
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
________________________________________
Profª. MSc. Mary Lúcia Souto Galvão
Universidade do Estado da Bahia
________________________________________
Profª. MSc. Patrícia Figueiredo Marques
Universidade Federal da Bahia
“Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado
para melhor entender o significado terrível de uma sociedade
opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da
opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a
necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão por
acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e
reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que,
pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de
amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência
dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa
generosidade referida”.
Paulo Freire.
Dedico este trabalho a todas e todos que
mantém acesa a chama da esperança e da
luta por uma sociedade justa, humana e
digna, pelo fim das opressões e das
injustiças, pela Revolução Socialista.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho não seria possível sem a participação de diversas pessoas, que
com sua colaboração, em diferentes momentos, possibilitaram que este se tornasse
realidade. Creio ter sido um desafio para muitas das pessoas envolvidas na
concretização da pesquisa ter escolhido trabalhar com esta temática, a qual envolve
ainda muita polêmica, tabus, preconceitos e incompreensões, ainda mais numa
realidade objetiva onde a academia, em sua estrutura bancária de ensino, pouco
possibilita o seu aprofundamento e a construção de práticas diferenciadas, inclusive
no concernente à produção de conhecimento.
Agradeço a Deus e a minha família, em especial aos meus pais Marília e José,
pelo amor, carinho e pelos momentos de apoio e força imensuráveis. Obrigada por
acreditarem em mim e me trazerem conforto nas horas em que mais precisei.
À Yuri, muito mais que camarada e amigo em todas as horas. Muito obrigada
pelo suporte, pelo apoio, pelo amor e carinho dados, por confiar em mim mais do
que eu mesma e fazer dos meus dias sempre mais felizes.
Às professoras Mary Galvão, Tânia Bispo e Patrícia Marques, por terem aceitado
compor a banca examinadora e pelas valiosas contribuições que deram à pesquisa.
Também aos professores da UNEB, para os quais tenho um carinho especial.
Às colegas (e amigas), obrigada pela acolhida, por todo o afeto e amizade que
desenvolvemos ao longo do tempo.
Aos amigos, obrigada pela lembrança, carinho e incentivo. Próximos ou
distantes, vocês fizeram e fazem parte do que sou hoje, agradeço por tudo que
vivemos e viveremos.
Agradeço a todos aqueles que de forma direta ou indireta contribuíram para que
esse trabalho fosse concretizado. Todos vocês são parte dessa realização.
RESUMO
1 INTRODUÇÃO 11
2 OBJETIVOS 15
3 JUSTIFICATIVA E CONTRIBUIÇÕES 16
6 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA 36
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 69
REFERÊNCIAS 73
ANEXOS 84
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1 INTRODUÇÃO
Diversos estudos revelam uma maior ocorrência da prática abortiva nas camadas
mais pobres da população (FONSECA et al, 1996; LIMA, 2000; ADESSE; MONTEIRO,
2007), portanto pertencentes à classe trabalhadora. Antunes e Alves (2004) definem a
classe trabalhadora enquanto “seres sociais [homens e mulheres] que vivem da venda
de sua força de trabalho, que são assalariados e desprovidos dos meios de produção”
(p. 343), incluindo-se aqui os trabalhadores desempregados, os prestadores de serviço,
trabalhadores informais e o trabalho em domicílio, entre outros, os quais são explorados
através da mais-valia durante o processo de trabalho.
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Ao mesmo tempo, através de uma análise da realidade que tenha como centro a
histórica luta entre as classes, e admitindo a dialética enquanto elemento fundante para
análise da realidade material e subjetiva socialmente construída, pode-se afirmar que a
prática dos sujeitos sobre a realidade está intrinsecamente relacionada às suas
construções, significados e percepções, as quais derivam da própria realidade da qual
fazem parte (MINAYO, 1999; MARX; ENGELS, 2006).
A partir deste problema inicial, outras questões necessitam ser respondidas, para a
compreensão do todo no qual está presente esta problemática: quais significados as
enfermeiras têm sobre a prática do aborto? Como elas relacionam a prática do aborto à
ilegalidade atualmente atribuída? Como percebem a influência da opressão à mulher
trabalhadora na prática abortiva?
2 OBJETIVOS
3 JUSTIFICATIVA E CONTRIBUIÇÕES
Para além das discussões em âmbito institucional, o recente drama de uma menina
pernambucana de apenas nove anos de idade, estuprada desde os seis pelo padrasto
e grávida de gêmeos deu maior visibilidade à temática. Excomungada por um bispo
juntamente com sua mãe e a equipe de saúde que realizou o aborto na menina, o caso
dividiu a opinião pública e suscitou o debate sobre como a proibição legal do aborto fere
a dignidade e os direitos das mulheres, e sobre como a Igreja Católica tem sido
inflexível com relação à questão em nome da manutenção de suas doutrinas religiosas
(CASO..., 2009).
O interesse pela temática também foi reforçado pela aproximação com as mulheres
trabalhadoras em situação de abortamento provocado durante a realização de disciplina
voltada à Saúde da Mulher, durante a graduação. As discussões acerca do aborto
suscitaram bastante polêmica em sala de aula, porém a prática de campo acabou por
não contar com uma atuação que oferecesse suporte experimental aos resultados da
discussão obtida, priorizando e tornando exclusiva a atenção à gestante e à puérpera e
colocando a atenção de Enfermagem à mulher que abortou num patamar secundário.
Toledo (2005) afirma que, mesmo não trazendo o ponto exato do surgimento da
opressão à mulher no curso do desenvolvimento das relações sociais, o estudo
antropológico das sociedades primitivas foi importante para desmistificar a aparente
naturalidade da posição inferior da mulher em relação ao homem. Através da
associação desses estudos com a teoria econômica, filosófica e política de base
materialista de Marx e Engels, pode-se fazer a correlação entre a atribuição do papel
social da mulher na família e as condições materiais sobre as quais as sociedades de
cada época se organizavam para garantir sua sobrevivência.
Ainda na era primitiva, o ser humano passa a exercer maior domínio sobre a
natureza (desenvolve a agricultura, a domesticação de animais e o uso do fogo na
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Essa situação mostra claramente sob quais condições está enquadrada a mulher
trabalhadora da atualidade: divisão sexual do trabalho reforçada, em concomitância a
uma situação de desvalorização do trabalho feminino e de super-exploração da sua
força de trabalho, sujeitando-a a uma condição social subalterna e reforçando as bases
da sociedade excludente e opressora.
Os hebreus proibiam a prática do aborto, atribuindo para quem fizesse uma grávida
abortar desde o pagamento de multa para o marido da gestante até mesmo a morte do
agressor; para a mulher que provocasse abortamento, a pena imposta era o exílio ou a
aplicação de duros castigos corporais, mas apesar disso, a sua prática permanecia
quase sempre impune. Com o advento do cristianismo, o abortamento provocado passa
a ser totalmente condenado (SCHOR; ALVARENGA, 1994).
Essa atestação traz consigo o caráter histórico (e não natural como na teoria
malthusiana) da dinâmica de aumento ou diminuição populacional e a possibilidade de
interferir diretamente na sua transformação, inclusive por meio do Estado, como fica
claro na passagem a seguir:
Segundo Fonseca (1995), as regras morais aplicadas pela Igreja Católica tiveram
grande impacto no processo de manutenção do domínio do senhor feudal sobre o
servo, agindo enquanto instrumento repressor do comportamento sexual e de práticas
que incidissem sobre o controle populacional. Contudo, a práticas de contracepção e
abortamento parecem ter sobrevivido à repressão, fazendo-se presentes até os dias de
hoje.
Ao mesmo tempo em que a Igreja Católica mantinha uma dura posição em relação
às práticas abortivas e outras formas de controle da população, estimulava o aumento
do contingente da força de trabalho ao pregar a estabilidade conjugal e o casamento
precoce (FONSECA, 1995). A iniciação sexual do homem e da mulher passou a ocorrer
mais cedo que o habitual, ampliando a quantidade de anos onde a mulher poderia
exercer o seu papel reprodutivo e, por conseqüência, aumentar o número de
nascimentos e potenciais fiéis.
Diversos elementos dessa conduta moral ditada pela Igreja Católica ainda fazem-se
presentes nos dias atuais. A sociedade, permeada por estes conceitos, ainda encontra
muita dificuldade em compreender essa questão, inclusive no âmbito acadêmico, dentre
os profissionais que são formados (SOARES, 2003).
Segundo a autora, a formação dos trabalhadores de saúde, inclusive dos que atuam
na assistência aos casos de aborto, muitas vezes é dirigida sob valores
morais/religiosos, evidenciado pela presença importante de conceitos que colocam o
pecado e da conseqüente punição à mulher, bem como a condição de crime do
abortamento no centro da análise desta problemática.
Para Fonseca (1995), esse novo contexto de produção, que visa a acumulação de
capital, é imprescindível que se haja controle da reprodução da força de trabalho
empregada na produção, ou seja, da classe trabalhadora. Isso pode ser explicado,
segundo a autora, de acordo com a criação de uma “lei do superpovoamento relativo”
(p. 24), para que a formação de um exército de reserva de trabalhadores
desempregados garanta a manutenção da exploração de toda a classe, através dos
ditames do capital acerca das condições de trabalho e do controle dos salários.
Entre permissão e proibição, a prática do aborto chega até os dias atuais, trazendo
consigo diversas polêmicas geradas em torno de questões ético-morais, religiosas,
científicas e políticas, não sendo exagero reafirmar que todas elas são frutos das
relações entre os homens e, portanto, determinadas socialmente através da
necessidade de manter-se vivo enquanto ser e enquanto espécie.
Por ser uma prática social, o abortamento até hoje nunca deixou de ser realizado
pela mulher, porém as condições para essa prática, incluindo a existência ou não de
legalidade, são apontadas como um grande problema social, tanto do ponto de vista da
saúde quanto do direito das mulheres (SCHOR; ALVARENGA, 1994; ABRAMOVAY;
CASTRO; SILVA, 2004; TOLEDO, 2005).
Lima (2000) afirma que mesmo sendo proibida por lei, a prática do abortamento vem
sendo adotada como um dos principais métodos de controle de natalidade na América
Latina, em detrimento da prevenção da gravidez indesejada através do planejamento
familiar, o que demonstra a insuficiência do poder público na ação preventiva sobre a
gravidez indesejada. No Brasil, há um grande fracasso na adoção de métodos de
planejamento familiar por parte das mulheres de baixa renda (FONSECA et al, 1996), o
que talvez as coloque numa situação onde seja mais provável a busca deste grupo pela
interrupção da gravidez.
Nesse sentido, nos últimos anos, vários setores da sociedade vêm disputando e
discutindo a despenalização do aborto, a nível nacional e mundial. No Brasil, o
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Segundo afirma Amaral (2008), o atual governo brasileiro vem se colocando numa
postura mais permissiva à discussão sobre a descriminalização do aborto e sua
possível legalização, compreendendo a prática clandestina do abortamento enquanto
um problema de saúde pública e criando mecanismos de suporte à atenção das
mulheres que abortam, a exemplo da norma técnica de Assistência Humanizada ao
Abortamento em 2005 (BRASIL, 2005).
Contudo, mesmo com a disposição em discutir o tema sob esse viés, o debate sobre
a temática ainda sofre muitas retaliações e refreamentos por conta da grande influência
que inúmeros setores ligados a Igreja Católica e a bancada evangélica exercem sobre o
Estado, fato observado inclusive na limitação da Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde da Mulher e na resistência de aprovação das leis que sugerem a
descriminalização do aborto (ROCHA, 2006; AMARAL, 2008).
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Situação bem diferente da vivida pela maioria dos países da América Latina e
Caribe foi experimentada há cerca de noventa anos, na ex-URSS: a legalização do
aborto e a adoção de diversos direitos que beneficiavam as mulheres trabalhadoras,
colocando-as em igual patamar de oportunidades que os homens, por ocasião da
Revolução Socialista de 1917.
Como afirma Toledo (2005), baseada em reflexão feita por Lênin (um dos grandes
dirigentes e teóricos bolcheviques da ex-URSS, na época da Revolução Socialista
russa) a respeito da condição da mulher nas sociedades, a situação jurídica da mulher
é o que melhor indica o nível cultural e de vida de um povo. Sendo assim, a autora
considera a Revolução Socialista de 1917, na Rússia, um grande marco na luta pela
emancipação feminina e humana, inclusive no que diz respeito ao aborto:
[...] Pela primeira vez, um país tomava medidas concretas para alcançar a
igualdade entre homens e mulheres. [...] Todas as leis que colocavam a mulher
em uma situação de desigualdade em relação ao homem foram abolidas, entre
elas [...] todos os privilégios ligados à propriedade que se mantinham em
proveito do homem no direito familiar. [...] Por meio da ação política do
Zhenotdel, o departamento feminino do Partido Bolchevique, em 1920 as
mulheres conquistaram o direito ao aborto legal e gratuito nos hospitais do
Estado. Não se incentivava a prática do aborto e quem cobrava para praticá-lo
era punido (TOLEDO, 2005, pp. 96-97, grifo nosso).
Além disso, posturas assim contribuem para a manutenção das práticas inseguras,
pois não dão outra alternativa à mulher senão recorrer às práticas clandestinas e
artesanais para findar uma gravidez que, para ela, traz conseqüências devastadoras,
seja do ponto de vista da sobrevivência material ou dos aspectos subjetivos,
psicológicos e emocionais relacionados ao abortamento provocado e à opressão que
sofrem.
Apesar de não possibilitar uma leitura mais aprofundada sobre as questões sociais e
de gênero e classe relacionadas à saúde da mulher, o documento avança no sentido de
localizar o debate enquanto problema de saúde pública e de reconhecer que há
entraves na assistência prestada pelos profissionais. Além disso, afirma-se a
necessidade da compreensão mais ampla da temática do aborto provocado e da
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6 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
Este trabalho é fruto de uma pesquisa de abordagem qualitativa, pois nele discorreu
acerca do universo dos significados atribuídos pelos sujeitos da pesquisa ao fenômeno.
A escolha pelo caráter qualitativo possibilitou uma análise aprofundada sobre o caráter
social presente na temática, de forma dialética, como afirma Minayo (1999):
Trata-se também de uma pesquisa descritiva por ter sido capaz de identificar os
significados que as enfermeiras carregam a respeito da prática do aborto provocado. Ao
mesmo tempo, relacionou as concepções explicitadas através de falas e de práticas
observadas com o entendimento destas trabalhadoras de saúde sobre o processo de
opressão feminina, sobretudo em mulheres também trabalhadoras. Foi também traçada
a relação entre as temáticas “prática do abortamento” e “opressão à mulher
trabalhadora” –, conferindo maior familiaridade com o tema através de uma abordagem
exploratória (GIL, 2002).
Optou-se pela utilização dos nomes de flores de forma a estabelecer analogia entre
a humanização na assistência de Enfermagem, muitas vezes referida pelas
entrevistadas durante a pesquisa, e a ambiência realizada no Centro Obstétrico em
questão, ou seja, a condição física, estrutural e estética da unidade que auxiliam na
garantia da assistência humanizada. Entendendo o ambiente enquanto parte do
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A escolha pela análise temática foi escolhida por possibilitar a retirada de núcleos de
sentido presentes no conteúdo das falas, atribuindo significados a eles por meio da
categorização em temas, de acordo com os objetivos estabelecidos (MINAYO, 1999). O
material coletado através do roteiro de entrevista semi-estruturada foram transcritos na
íntegra e submetidos à análise de conteúdo, de modo a possibilitar a correlação destes
com o material gerado pela observação não-participante.
Explorar o universo dos valores e dos significados atribuídos por estas trabalhadoras
da saúde à prática do abortamento expôs em diversos momentos a contradição ao qual
o debate sobre o aborto provocado está localizado: de um lado, a posição profissional
que requer uma prática e uma conduta coerente com o que é preconizado para um
enfermeiro, na busca por uma assistência humanizada e digna; por outro lado, um
contexto onde a mulher sofre grande opressão de gênero, situação ainda mais
agravada pela condição de classe social e pela ideologia predominante sobre a prática
do abortamento, que a descreve enquanto pecado ou crime.
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Além disso, algumas delas pareceram não conhecer a fundo as condições de vida
das mulheres que procuraram o serviço em situação de abortamento provocado, a
exemplo de um dos depoimentos, onde a enfermeira afirmou que “questiona, mas sem,
sem entrar muito nas minúcias” (Jasmim). A despeito disso, as enfermeiras expuseram
em seus relatos características acerca do contexto do aborto na vida das mulheres que
o praticaram e percepções sobre os sentimentos expressos (ou não) por estas.
“[...] pelo que eu percebo, é quem tem provocado muito o aborto, são essas
mulheres que estão mais jovens mesmo, é que têm provocado.” (Dália)
Em seus relatos, a pouca idade aparece como causa ou como conseqüência (ou
ambos) de algumas situações envolvidas com a prática abortiva. As enfermeiras
apontaram que a concentração de abortos nesta faixa etária pode ser conseqüência de
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“Acho que começa por uma sexualidade muito cedo, né, [...] tem aquelas
jovens, né, às vezes meninas mesmo de doze, treze anos, que engravidam por
irresponsabilidade [...]” (Margarida)
Essa situação parece ser mais agravada ainda nas regiões Norte e Nordeste, devido
às desigualdades de condições sociais e de vida presentes entre as regiões do Brasil,
pois se constata um maior risco de exposição de jovens de 15 a 19 anos à prática
insegura do aborto nessas áreas (ADESSE; MONTEIRO, 2007).
A elevada recorrência da prática do aborto também foi trazida nos depoimentos das
enfermeiras:
“Elas fazem abortos repetidos, então ela é uma paciente que tem uma gravidez
não planejada e provocou ao aborto, e algumas são recorrentes.” (Rosa)
Algumas apontaram ainda que há relação direta entre a prática do aborto, recorrente
ou não, e a dificuldade de acesso às informações e aos métodos contraceptivos
disponibilizados pelo SUS:
“Tem a dificuldade de acesso aos métodos, né, unidade de saúde, aquela coisa
pelo SUS [...]” (Margarida)
Ratificando os achados acima descritos, Lima (2000) coloca que “as altas taxas de
utilização de serviços de saúde por abortamentos refletem as dificuldades persistentes
de contracepção e planejamento familiar” (p. 168). Mesmo tendo sido observado
aumento no conhecimento e uso dos métodos contraceptivos pelos jovens
(ABRAMOVAY; CASTRO; SILVA, 2004), estudo realizado em Salvador revelou que o
aborto esteve fortemente associado à condição social das mulheres mais jovens, o que
vem submetendo-as a limitações das escolhas reprodutivas e, conseqüentemente, a
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Dentre as razões apontadas pelas enfermeiras para que a mulher recorra ao aborto,
as mais importantes estiveram relacionadas ao trabalho e à renda (vínculo empregatício
instável, desemprego, dependência financeira do companheiro ou família, mercado de
trabalho informal, baixa renda) e à falta de aceitação ou apoio emocional pelo
companheiro ou pela família. Dentre estes fatores, os problemas relacionados à vida
concreta (os quais caracterizam a condição de classe das mulheres atendidas)
apareceram como principais para a grande maioria:
“Trabalho, é, assim, a mulher que tem um emprego recente, que não tem um
vínculo empregatício [...] Muito a situação financeira, eu acho que é o principal
fator. Em alguns poucos casos, eu acho que é a família mesmo, a falta de
coragem de assumir pra família.” (Dália)
Outros fatores também foram lembrados pelas enfermeiras como fatores, quando
questionadas sobre o que leva uma mulher a recorrer ao aborto:
“A questão conjugal, né, às vezes o marido não quer, ou o namorado não quer,
ou às vezes ela não tem nem um nem outro, né?” (Hortênsia)
Silva (2008) aponta que “o motivo fundamental que leva uma mulher ou casal a
recorrer ao abortamento provocado está na necessidade de manter o número de filhos
dentro dos limites econômicos considerados convenientes” (p. 5). Segundo a autora,
diante das poucas alternativas contraceptivas dadas pela sociedade para “ajustar” as
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famílias a esse “padrão”, muitas vezes o aborto é considerado como saída para evitar o
nascimento inoportuno, o qual poderia causar conseqüências psicológicas e estruturais
deletérias para a mulher.
Mesmo o aborto sendo praticado dentre todas as camadas sociais, são as mulheres
em condições precárias de vida, pouca ou nenhuma escolaridade, que encontram
dificuldades no acesso aos métodos contraceptivos e aos serviços de saúde
qualificados que mais sentem o seu impacto, por conta da exposição às práticas
inseguras relacionada à situação de clandestinidade (OLINTO; MOREIRA-FILHO, 2006;
ADESSE; MONTEIRO, 2007; DOSSIÊ..., 2008).
“[...] é uma mulher que, que a gente vê que é uma mulher angustiada, é uma
mulher inquieta, né? [...] de alguma maneira né, ela se culpa de alguma forma
por ter praticado esse aborto [...] A gente vê pacientes tranqüilas, mas a grande
maioria..., é..., das pacientes que são internadas aqui a gente vê essa falta de,
de paz, de tranqüilidade e de serenidade em enfrentar esse ato, mesmo que
provocado. (Jasmim)
“Assim, as mulheres normalmente que, que provocam aborto muitas vezes elas
chegam talvez um pouco mais agressivas pro serviço, ou chegam um pouco
mais acuadas. Elas nunca chegam muito normais, elas nunca chegam
chorosas, elas nunca chegam deprimidas com o que tá acontecendo, né?”
(Dália)
“Eu não acredito, é..., que seja a única, a primeira opção, né? Eu acredito que
seja mais uma questão, é..., de escolha, né, no momento que, que não houve
uma prevenção dessa gestação, e eu acho que é uma escolha dessa mulher.”
(Acácia)
“Eu acho que existem formas da gente se prevenir, né, de, de, de pensar antes
de, de chegar, chegar até uma gravidez... Eu não vejo como uma boa opção.”
(Margarida)
“[...] eu acho que prevenir hoje é muito fácil, entendeu? [...] Mas..., é...,
infelizmente algumas pessoas engravidam e nem todo mundo consegue dar
seqüência a essa gravidez.” (Dália)
“E, também eu acho que o descuido. Tem muita gente que engravida porque
acha que não vai acontecer com, com ela, né [...].” (Margarida).
“Na cabeça vem crítica, com certeza, né? [...] Eu fico imaginando: ‘Pô, não é tão
fácil usar um preservativo? Não é mais fácil do que, depois estar realizando um
aborto?’” (Hortênsia).
Essa visão não permeia somente o imaginário das profissionais de saúde, mas
também se faz presente na sociedade, imputando somente à mulher a preocupação
com as questões reprodutivas e isentando o homem da responsabilidade sobre a
prevenção da gravidez, como afirma Chumpitaz (2003). Seguindo o raciocínio da
autora, classificar a mulher que praticou aborto como “irresponsável” por ter “colocado”
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Vale também lembrar que a prática do aborto imputa grandes riscos à saúde das
mulheres por conta da sua condição criminalizada, o que a faz recorrer a práticas
inseguras, mesmo com a existência de técnicas modernas capazes de prevenir agravos
e mortes (SORRENTINO, 2003).
O aborto carrega consigo uma conotação bastante negativa por parte da maioria
das enfermeiras. A grande maioria das enfermeiras afirmou ser contra o aborto, fato
este bastante relacionado à compreensão enquanto pecado ou transgressor das
crenças religiosas:
“Pra mim, é..., o aborto, né, é..., diante da minha formação cultural, religiosa, né,
eu nunca praticaria, o aborto, né? [...] Eu não..., não concebo o aborto de forma
nenhuma... né? Acho que a gente não tem o direito a tirar a vida. Apesar de ser
uma questão muito polêmica, mas assim, na minha formação, questão cultural e
familiar, a gente não aceita o aborto.” (Jasmim)
Provocar o aborto constitui um ato que fere não somente os princípios religiosos aos
quais as enfermeiras são crentes, mas também aquilo que elas acreditam ser o papel
correspondente ao sexo feminino: a maternidade.
Além disso, o autor aponta que o movimento de católicas a favor do aborto, baseado
na permissão de posicionamento contrário aos dogmas da Igreja, defende que a
condenação do aborto é mantida muito mais pelo papel histórico e tradicional de
disseminadora de conceitos negativos sobre as mulheres e o aborto, questão que vai
muito além da questão teológica que envolve o tema. Dessa forma, buscam a
compreensão do problema para além das questões teológicas, colocando-a no patamar
político.
“Porque se essa mulher engravidou, é..., como a maioria delas é solteira, né,
engravida duns homens que ela nem conhece.” (Hortênsia)
“Faz o sexo sem, sem pensar, acaba engravidando, não é o que quer, não tem
um relacionamento sério, ou sei lá, às vezes esse namoro desenfreado que sai
namorando com um, namorando com outro, acaba engravidando e aí...”
(Margarida)
[Na minha opinião] estar numa gravidez, de um..., de um..., né, digamos, uma
situação que a..., que a..., sociedade não aceita e leva uma mulher a fazer,
praticar esse aborto [...]” (Jasmim)
Sobre o assunto, Zaretski (1976), citado por Loyola (2000), afirma que a destruição
das formas familiares tradicionais, após o advento do capitalismo industrial “deu impulso
à procura de uma nova identidade pessoal [que] não podia realizar-se através do
trabalho ou da posse de propriedades” (p. 156), tornando a família a esfera de interação
onde o indivíduo passou a afirmar-se diante da sociedade.
“Eu acho bem complicado julgar quem faz um aborto, mas eu considero uma
prática ilegal, não oriento ninguém que faça [...]. acho que assim, fazer um
aborto hoje é ilegal, é errado, é perigoso, muito arriscado, mas é opinião! [...]”
(Dália)
“Eu prefiro imaginar os motivos que levaram a mulher a fazer isso, do que julgar
enquanto caráter, etc, hã.. Até porque a gente sabe que tem países que o
aborto é legal, é legalizado, no caso do Brasil não é [...].” (Margarida)
Destaca-se na fala uma questão importante a ser discutida: a denúncia pela punição
da prática do aborto. Por um lado, a colocação nos faz imaginar que a ausência de
punição pode estar relacionada a certa flexibilidade e tolerância social da prática,
mesmo em virtude da ilegalidade atualmente atribuída pelo Estado brasileiro, sendo
considerada prática comum. Por outro, a fala pode evidenciar o desconhecimento de
alguns profissionais a respeito da denúncia da prática abortiva nos serviços de atenção
ao abortamento provocado.
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Diante do exposto, pode-se inferir que a opinião de boa parte das enfermeiras está
condicionada a concepções oriundas da formação moral ou religiosa, constituídas sob
uma ideologia que coloca as mulheres em condição de opressão sexual e de gênero.
Sendo assim, lançam-se as seguintes questões: será que as mulheres abortam porque
negam a moral na qual as enfermeiras (e elas próprias) acreditam e seguem? Ou
abortam porque as condições materiais e subjetivas levam essas mulheres a negarem
momentaneamente essa moral?
“A gente trabalha aqui no hospital com atendimento humanizado, né? [...] Então
a paciente que provoca um aborto ela é uma paciente que precisa de uma
orientação.” (Rosa)
“Mas assim, nós como profissionais de Enfermagem, a gente não pode estar
julgando pelo que nós achamos, ou pelo que nós acreditamos, né? Nós temos
que ver o paciente de uma forma holística, com toda..., toda situação social,
cultural, né, independente do que a gente acredite, ou aceite.” (Jasmim).
“Converso com elas, né, o tempo todo, pra extrair, né? [...] Eu procuro saber por
que que ela provocou, né? A situação familiar dela em casa, [...] é uma questão
que entra na nossa evolução de enfermagem, [...] e o que ela usou, né,
principalmente o que ela usou pra provocar esse aborto, né? Até porque o
quadro clínico dela vai depender da, do que ela usou [...].” (Hortênsia)
privilegia um diálogo efetivo entre mulheres e enfermeiras: a fala de uma fica limitada às
perguntas fechadas, contidas no roteiro; a fala da outra, limitada às respostas que deve
fornecer para conclusão da entrevista de enfermagem.
O diálogo real vai além da relação entre duas pessoas, sendo compreendido
enquanto práxis social onde mulheres e homens ganham significado perante o mundo,
baseados nas relações do mundo real, constituindo-se num requisito existencial
(FREIRE, 1994). Seguindo essa linha, na relação estabelecida durante a anamnese,
não existe diálogo estabelecido entre enfermeiras e mulheres, mas apenas uma
conversa vazia de sentidos, desprovida de trocas, onde não há objetivo de reflexão
sobre a realidade da mulher trabalhadora que provocou o aborto.
“Fica muito a parte clínica, clínica, de exame físico, e a parte emocional eu acho
que fica um pouco a desejar.” (Jasmim)
muito esses detalhes, essa informação com a paciente. É mais a parte técnica
mesmo.” (Margarida)
“Muitas vezes, alguns profissionais, né, enfermeiros, né, é..., submetem as suas
questões pessoais, né, no atendimento às pacientes, né” (Acácia).
Esse “receio” em dizer por qual tipo de aborto as mulheres foram admitidas insinua
que pode haver diferenciação na assistência de acordo com o julgamento da enfermeira
sobre o que para ela significa o tipo do abortamento em questão e com os sentimentos
percebidos, expressos pelas mulheres. A colocação de Violeta ilustra a situação:
A conduta de acolhimento parece não ter uma diretiva maior quando se trata de uma
mulher que tenha provocado um aborto, mesmo que a demanda emocional desta
mulher seja considerada “bem maior do que a mulher que teve um aborto espontâneo”
(Hortênsia). O relato evidencia ainda que, para algumas enfermeiras, a prática de
abortos recorrentes está relacionada à incapacidade de sofrimento com a situação,
como se para todas as mulheres que recorreram ao aborto não houvesse perda
alguma.
A despeito das falas que afirmam que a mulher (paciente) é tratada sem
diferenciação alguma, o relato das enfermeiras relaciona o tratamento não diferenciado
quando se trata dos aspectos clínicos da abordagem, através de depoimentos que
afirmam que: “a prescrição médica é executada na íntegra” (Magnólia); agir com
naturalidade significa que quando ela é admitida, “a gente tem que fazer a anamnese
mesmo, né?” (Jasmim); e a atuação frente à mulher que praticou um aborto é a mesma
no caso de aborto espontâneo ou de um óbito fetal, “e que por conta disso vai precisar
provocar um, um aborto” (Dália).
“Tem dia que tem mais aborto, mais paciente pra..., de aborto incompleto pra
curetagem do que paciente pra parto, e acaba as coisas acontecendo que a
gente nem pára pra pensar no processo assim, tá entendendo?” (Margarida)
“E a gente aqui da área tem que ser assim mesmo, imparcial, em vários casos,
não só nesse como em outros casos, senão a cabeça da gente não vai
agüentar não.” (Hortênsia)
Dentre os motivos possíveis, os que foram abordados nos relatos sugerem que a
prática do cuidado muitas vezes pode estar sendo feita de forma automática e
mecânica, com ausência da reflexão necessária à compreensão ampliada acerca da
mulher e das circunstâncias que fizeram com que o aborto fosse praticado. Essa
postura não reflexiva parece ser intensificada pela acomodação que rotina de trabalho
oferece, já que o aborto é tido como um problema freqüente e muitas vezes encarado
como rotineiro (GESTEIRA; BARBOSA; ENDO, 2006), fato evidenciado durante
observação e presente no discurso das enfermeiras.
64
Outra possível inferência pode ser feita acerca do conflito de valores interposto entre
a postura cobrada enquanto profissional de enfermagem na assistência ao aborto e o
conjunto de significados e valores pessoais da enfermeira (morais, éticos e religiosos)
acerca do abortamento. Nesse sentido, algumas enfermeiras assumem a postura não
reflexiva aparentemente para evitar a tensão entre aquilo que é sua concepção acerca
do aborto e da mulher que o pratica e aquilo que deve ser feito durante a assistência a
essa mulher, levando em conta a humanização.
Além disso, durante a observação e a análise dos relatos, ficou subentendido que
não há um espaço formal para a troca de experiências e problematizações entre as
mesmas. Sendo assim, as reflexões acerca de “o que que essa mulher tá passando” ou
sobre “como é que eu tenho que chegar nessa mulher” (Acácia) existem e fazem parte
do cotidiano da atenção, mas ficam limitadas a divagações pessoais.
Mesmo enfrentando diversas barreiras impostas pela moral dominante, que atribui
ao abortamento valores negativos e sobrepostos à realidade material que levou a
mulher a realizá-lo, uma parte das enfermeiras demonstram em seus depoimentos a
preocupação pessoal em como abordar a mulher, ao reconhecer que aquele momento
pode ser vivenciado com dificuldades por estas. O “respeito” pela decisão (Margarida),
a “serenidade”, a “tranqüilidade” e o profissionalismo (Jasmim) foram posturas
65
“[Falta] uma instrução, sei lá, alguma coisa assim que, é..., permitisse chegar
até essa paciente [...] A gente fica meio... Porque querendo ou não, é uma parte
né, que... Principalmente quando é provocado. As mulheres, elas se retraem
mais, não é?” (Margarida)
“Eu acho que as enfermeiras têm que ser um pouco mais preparadas pra, é,
estarem abordando de forma mais humanizada a paciente.” (Acácia)
Através dos seus relatos, as enfermeiras deixam claro que a formação profissional
que receberam não foi suficiente para que elas se sentissem preparadas para trabalhar
de forma efetiva as questões subjetivas presentes durante o cuidado frente ao aborto
provocado, dando abertura para a desumanização.
entre outros) o motivo pelo qual não conseguem ampliar a abordagem aos aspectos
sociais e da subjetividade das mulheres trabalhadoras que abortam.
Durante a observação, constatou-se que as enfermeiras por diversas vezes não têm
condições de separar as mulheres atendidas em decorrência de aborto, seja ele
espontâneo ou provocado, das mulheres que estavam em trabalho de parto, ou das que
já haviam dado à luz e aguardavam com seus recém-nascidos o encaminhamento para
o alojamento conjunto.
Essa situação permite com que mulheres em estados emocionais às vezes até
antagônicos dividam o mesmo espaço, podendo gerar conflitos entre os sentimentos
vivenciados por elas. Esse potencial para o conflito psicológico das mulheres pode ser
inclusive intensificado em decorrência dos sentimentos de perda e luto, que estão
presentes não só nas mulheres que tiveram aborto espontâneo, mas também em
muitas das mulheres que o provocaram (GESTEIRA; BARBOSA; ENDO, 2006).
Além da estruturação física, o suporte emocional deficiente à mulher que aborta foi
colocado por boa parte das enfermeiras como resultante também do fator tempo,
revelando que a organização do trabalho da enfermeira é determinante no atendimento
às mulheres que abortam:
“Eu acho que primeiro teria que haver uma mudança de rotina [...] pra gente
poder dar uma assistência melhor em relação à essa parte que eu falei que
falta, que é da..., da..., do apoio psicológico, da conversa, que às vezes acaba
sendo é..., é..., esquecida, né? Assim, não é bem ‘esquecida’, você acaba não
podendo se deter muito nisso por conta do..., do serviço né, do restante do
serviço [...]” (Margarida).
“A gente faz o que, o que... Digamos assim, o básico de acordo com o que, o
que é fornecido pra gente, no caso é recursos humanos, tempo que às vezes é
curto, [... ] Mas em função do fluxo, do número de procedimento que é muito
grande [...].” (Jasmim)
A observação feita também foi capaz de revelar que boa parte das informações
contidas no prontuário das mulheres era produzida pelos médicos e restringia-se ao
quadro clínico da mulher. As anotações de enfermagem eram realizadas, em sua
maioria, pelas auxiliares e técnicas de enfermagem, e também se referiam aos
aspectos clínicos.
67
Em estudo realizado na região Sul do Brasil, verificou-se que nos prontuários das
mulheres atendidas em virtude de abortamento incompleto, a grande maioria por aborto
induzido, as informações eram voltadas para a compreensão e as demandas do
fenômeno biológico do abortamento, sem considerar a história ou fatores que
pudessem ter contribuído para a realização deste, além da falta de avaliação do Serviço
Social e da Psicologia e de anotações relacionadas ao uso de agentes analgésicos ou
anestésicos para os procedimentos (CARVALHO et al, 2008).
ao processo de cuidado, não foi possível perceber por parte das enfermeiras algo que
remetesse à insatisfação pelas limitações internas e externas das condições de atenção
às mulheres que praticaram aborto.
Não foi constatada nenhuma fala que remontasse à necessidade de reflexão política
sobre o tema. Somente uma enfermeira situou o aborto no plano de discussão
enquanto “um problema de saúde pública” que necessita de “uma atenção específica
por parte, né de nossos governantes” (Rosa). Esta enfermeira, inclusive, foi a única que
declarou ter participado de uma entidade de natureza política, no caso o Diretório
Acadêmico na época da graduação.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao considerar o aborto provocado como escolha da mulher por uma prática ilegal ou
pecaminosa, as enfermeiras realizaram julgamentos com base nos seus preceitos
morais e religiosos colocando a mulher como culpada pela sua realização. Dessa
forma, as questões morais e religiosas prevaleceram sobre o restante da problemática
que envolve o abortamento provocado, causando entraves na compreensão mais
profunda sobre a temática, além de interferências na assistência prestada.
No entanto, tais considerações não devem ser feitas sem atentar-se à estrutura
ideológica e social que possibilita a criação destas construções valorativas
evidenciadas pelas enfermeiras nos seus relatos. A ilegalidade e o pecado atribuídos
ao aborto respectivamente pelo Estado e pela moral (burguesa e religiosa) colocam
para a mulher da classe trabalhadora o aprofundamento da situação de opressão, e da
manutenção da sua dominação de classe. As enfermeiras também acabam sendo
vítimas dessa superestrutura social, ao reproduzirem os valores hegemônicos perante o
aborto e os sobrepujarem à conduta profissional adequada.
71
Mais do que nunca, é também preciso se construa uma prática e uma reflexão em
saúde emancipadoras, compreendendo o aborto para além do agravo à saúde das
mulheres, mas localizando sua discussão em meio à luta das mulheres da classe
trabalhadora pela superação dessa matriz social que o gera e o sustenta enquanto
problema.
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Marxismo e Opressão. São Paulo: Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2005.
A sua participação não envolve nenhum custo ou risco para sua pessoa, assim
como nenhuma interferência nas suas atividades. Sua identidade será mantida no
anonimato. Você tem toda a liberdade de recusar sua participação. Caso aceite
participar, você poderá, a qualquer momento, obter informações sobre o andamento
desta pesquisa e também retirar o seu consentimento mesmo que tenha antes se
manifestado favorável. Será garantido o sigilo das informações por você fornecidas
(COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA, 2000).
______________________________ ______________________________
Monique França Carneiro Nome: ______________________
(71)8755-7347; 3117-2416; 3230-8937 Telefone: _______________________
___________________________
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I. DADOS GERAIS
a. Idade: _____ _____________________________
b. Situação conjugal: ___________________________
( ) Solteira ( ) Relacionamento g. Formação acadêmica:
estável ( ) Saúde coletiva
( ) Casada ( ) Divorciada ( ) Área clínica
( ) Viúva h. Atuação política
c. Número de filhos: _____ ( ) Nunca atuou
d. Religião/ crença: ( ) Atuou/atua. Local/atividade:
_________________________ ____________________________
e. Tempo de atuação na área: __________________________
_________ ( ) Movimento de gênero (somente
f. Vínculo empregatício: se atuou/ atua)
Observar:
ANEXOS