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demora; quando me surpreendi o professor havia faltado, esperançosa arma do pecado, eu me ocupava com medo
não me contive e fui até a direção para saber o motivo. em esperar; sem falar que eu estava permanentemente
Não me souberam responder, nem sabiam o que tinha ocupado em querer e não querer ser o que eu era.
Não, não era para irritar o professor que eu estudava, Capitulo III
só tinha tempo de crescer.
Muito tempo depois, tendo finalmente me organizado
em um corpo e sentindo-me mais garantido, pude-me
aventurar e estudar um pouco mais.
Foi uma pena o professor não ter visto tudo aquilo
que em quatro depois eu me tornara: aos quinze anos, de
mãos atadas, banho tomado, todo composto e arrumado,
ele provavelmente teria orgulho ao me ver como um cromo
de natal à varanda de um sobrado. Mas em vez dele,
passara um ex-amuiguinho meu, que gritava alto meu
nome, sem perceber que eu já não era mais um moleque
e sim um jovem digno, cujo nome jamais poderia ser
berrado pelas calçadas da cidade. “Que é?”, indaguei ao
intruso com a maior frieza. Recebi então como resposta
gritada a notícia de que o professor morrera naquela
madrugada. E gélido, de olhos abertos e compaixosos eu
Com a notícia da morte do meu estimado professor
olhava a rua vertiginosa a meus pés, minha compostura
vieram também as férias de fim de ano. Pude usar esse
quebrada como um espelho que acabara de cair ao chão.
tempo para refletir e amargurar minha perda. Passei muito
tempo lembrando dos momentos e das tentativas de
cativa-lo. Dos momentos de fúria que ele tinha ao chamar
minha atenção e até mesmo das raras vezes em que ele
esboçou o mínimo de simpatia para com a turma, que
muitas vezes eu bobo, achava que era para mim. Enfim ligava, sem falar a quantidades de professores, já estava
as férias desse ano foram diferentes, mas serviram para na segunda semana de aula e ainda não tivera visto todos.
organizar a minha mente e começar um ano letivo com a
Na manhã seguinte, fiz o mesmo percurso de
melhor inspiração de todas: a memória do meu querido
sempre, pegando a mesma condução que passara a duas
professor.
quadras da minha casa. Chegando a escola, sempre
x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x quinze ou dez minutos antes do portão principal abrir.
Aproveite esse tempinho para observar as pessoas que ali
Com o início do ano letivo, veio a escola nova, em
passavam, tudo pra mim, era novo.
um bairro mais distante de minha casa, pois a serie que
eu estava, com quinze anos, prestes a fazer dezesseis, Ao soar o sino, todos nós íamos para suas
iniciava mais um ciclo da minha vida, o ensino médio. respectivas salas. Sentava-me na cadeira da frente, do
lado da janela que dara para o pátio, próximo a mesa do
Era tudo novo, precisava pegar condução para
professor. Quase não conversava com ninguém, com o
chegar até a escola. Admito que achei horrível essa ideia,
tempo, talvez eu pudesse me entrosar.
mas me acostumei já na primeira semana.
A primeira aula seria de um professor que a sala
No ambiente escolar tudo também era novo e me
ainda não conhecera. Passara-se já quinze minutos, e ele
intimidava: a quantidade de alunos era bem maior que a
ainda não estava na sala, coisa rara de acontecer naquela
escola anterior; as normas eram mais rígidas e eu nem
escola.
Conversávamos bastante quando uma figura de Confesso que fiquei boquiaberto e um turbilhão de
imagem esbelta, estatura mediana, idade aparente de 25 coisas passou pela minha cabeça. De certo ele me
anos, com pele clara, com cabelos escuros encaracolados lembrava meu antigo professor, não pelo modo de se
entra na sala de forma rápida e chamativa. A turma fica vestir, nem pela sua espontaneidade, não sei o que era
em silencio e observa com dúvida a figura daquele jovem. que ele havia que me lembrara dele.
Seria nosso professor? Acredito que esse era o
- Bom dia professor... falou a turma em tom tímido
pensamento que também ecoava na cabeça dos outros
e recatado.
alunos.
O que ele contou: um homem paupérrimo que balancei a cabeça, dando sinal do sim, e com os braços
sonhara que descobriria um tesouro e ficara rico; cruzados, e com o rosto pra baixo, permaneci.
sorriso:
Depois de me olhar em silêncio por uns dois
– Sua composição do tesouro está tão bonita. minutos ele levantou-se e saiu.
– Você é um menino muito engraçado, disse ele. normalmente, e voltei a senti os dedos dos pés. Foi
quando o sinal tocou, era a hora de retornar para a sala.
Foi a primeira vergonha da minha vida. Abaixei os Após alguns minutos a sala já estava completa novamente
olhos, sem poder sustentar o olhar. com todos os alunos enfileirados.
Sim, minha impressão era a de que, apesar da sua O professor estava em sua mesa, parado com uma
raiva, ele de algum modo havia confiado em mim. das sobrancelhas mais arqueada que a outra, e mordia a
ponta do lápis, enquanto esperava que todos calassem a o que o professor havia pedido eu mal podia controlar
boca. minha ansiedade em saber o que ele faria...