Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
1
INTRODUÇÃO
A queixa de corrimento é extremamente freqüente nos consultórios dos ginecologistas. A
vaginose é a principal causa de descarga vaginal de natureza infecciosa, sendo
responsável por aproximadamente 40-50% de todos os casos 1. O termo vaginose
bacteriana (VB) foi introduzido para descrever uma leucorréia sem sinais clínicos de
inflamação e ausência de leucócitos nos esfregaços 2. Foi denominada bacteriana pela
ausência de fungos e protozoários, sem, entretanto ter sido identificada uma bactéria
1,2
específica como responsável pela síndrome .
2
EPIDEMIOLOGIA DA VB
DEFINIÇÃO
A vaginose bacteriana (VB) é uma síndrome polimicrobiana caracterizada pelo aumento
maciço de germes anaeróbios, particularmente a Gardnerella vaginalis e espécies de
Mobiluncus e Bacteróides em substituição dos Lactobacillus produtores de peróxido de
hidrogênio 11.
3
FISIOPATOLOGIA
As mulheres na fase reprodutiva têm seu equilíbrio vaginal mantido às custas dos
lactobacilos que constituem 85-95% dos microorganismos presentes na vagina. Os
lactobacilos produtores de ácido lático têm efeito protetor contra os patógenos estranhos
ao meio vaginal. Estes compõem a flora vaginal normal e controla o crescimento de outros
microorganismos através produção de peróxido de hidrogênio. Essa substancia é a
12
responsável pela manutenção do pH vaginal em níveis normais entre 3,5 a 4,5 .
A VB é caracterizada pela diminuição do número de lactobacilos aeróbios produtores de
peróxido de hidrogênio e aumento na concentração de microorganismos anaeróbios tais
como: Peptostreptococcus, Bacteróides sp, Gardnerella vaginalis, Mobiluncus sp e
Micoplasma hominis. Esta proliferação de anaeróbios é acompanhada por produção de
enzimas proteolíticas que, atuando nos peptídeos contidos nas células vaginais, liberam
aminas (trimetilamina, cadaverina e putrecina) que se volatilizam em contato com
substâncias alcalinas no meio vaginal. As aminas atuam aumentando a transudação dos
fluídos vaginais e a esfoliação das células epiteliais. Estas células vaginais descamadas
passam a ser denominadas “clue cells” ou células guia, por resultarem da aderência da
Gardenerella à sua superfície, tornando seu contorno pouco nítido, sendo evidenciado sem
dificuldades no exame a fresco do conteúdo vaginal assim como na bacterioscopia corada
13
pelo Gram . A exacerbação destes microorganismos induz a um decréscimo no número
de lactobacilos produtores de peroxidase que tem efeito viricida e também impede a
ativação local do linfócito T CD4, favorecendo a mulher a ficar mais susceptível a ser
9, 14, 15,16
infectada pelo vírus da imunodeficiência humana adquirida (HIV) .
4
homogêneo e escasso, podendo ainda apresentar colorações variadas: esbranquiçado,
acinzentado ou amarelado. O prurido estará ausente em quase todos os casos em que
não haja outra infecção concomitante (Fotos 1 e 2 – VB clínica) 1, 2, 7, 8, 10, 14, 15,16.
Para a homogeneização dos diagnósticos, foram propostos alguns critérios que poderão
incluir dados clínicos e laboratoriais ou apenas dados microbiológicos. Os critérios mais
conhecidos e divulgados são os de Amsel 17 e os de Nugent 18.
Critérios de Amsel
Considerar pelo menos três dos relacionados abaixo:
- Corrimento vaginal branco-acinzentado em pequena quantidade
- pH > 4,5
- Teste de aminas (whiff) positivo (desprendimento de aminas aromáticas com odor
semelhante a “peixe podre” ao se adicionar duas gotas de KOH a 10% ao conteúdo
vaginal).
- Presença ao exame bacterioscópico de “Clue Cells” (células epiteliais superficiais
17
recobertas por cocobacilos Gram lábeis) .
Critérios de Nugent
Os critérios de Nugent são um sistema de score para o diagnóstico de VB com coloração
pelo Gram que quantifica os elementos microbiológicos tornando-se mais objetivos.
Fundamenta-se principalmente na presença ou não dos lactobacillus. Tendo como padrão
de normalidade escore variando de 0 a 3, flora vaginal indefinida o escore de 4 a 6 e o
diagnóstico de vaginose Bacteriana quando é encontrado um escore de 7 a 10 (Quadro
1)18.
Exame bacterioscópico
Na VB encontra-se a presença de células guia (“clue cells” -células epiteliais recobertas
por Gardnerella vaginalis, dando aspecto de “rendilhado”), e “comma cells” (Mobilluncus sp
recobrindo as células epiteliais) são achados sugestivos desta infecção. Habitualmente, a
VB apresenta no esfregaço do conteúdo vaginal um número pequeno ou até inexistente de
19,20
leucócitos (Foto 3 – Esfregaço de VB) . A ausência de processo inflamatório ocorre
talvez, porque tanto a Gardnerella vaginalis, o Mobilluncus sp e outras bactérias, podem
fazer parte da microbiota normal da vagina, não suscitando uma resposta inflamatória
16
evidente mesmo em grandes quantidades . Outra possibilidade é que estes
5
microorganismos possam liberar substâncias que inibem a quimiotaxia das células
inflamatórias 16.
O exame bacterioscópico embora seja considerado um bom meio de diagnóstico etiológico
das vulvovaginites infecciosas, algumas ponderações devem ser feitas. A maioria dos
ginecologistas não recebeu instrução formal quanto à leitura microscópica, o que favorece
bastante os erros e discordância de diagnóstico. As infecções mistas (vaginose e
tricomoníase concomitantes) predispõem a um maior número de falso negativo. Não existe
o hábito de solicitar de rotina a bacterioscopia entre a maioria dos ginecologistas, que se
satisfazem apenas com a avaliação parcial da flora fornecida pelo exame de Papanicolaou
8
.
TRATAMENTO
O tratamento e o controle da VB visa restabelecer o equilíbrio da flora vaginal, mediante a
redução da população de germes anaeróbios e um possível incremento dos Lactobacillus
produtores de peróxido de hidrogênio.
Os derivados imidazólicos ainda se constituem na primeira opção terapêutica. O
metronidazol é um antibiótico e antiparasitário de primeira linha da família dos
20
nitroimidazólicos que erradica praticamente todos os anaeróbios . É ativo contra
anaeróbios gram-positivos tais como: Peptococcus spp, Peptostreptococcus spp,
Clostridium perfringens, C. difficile e contra os anaeróbios gram negativos: Bacteróides
6
fragilis e Bacteriodes spp, Fusobacterium spp, Gardnerella vaginalis, Prevotella spp,
Actinobacillus spp, e Campylobacter fetus 21.
O metronidazol é totalmente absorvido por via oral, sendo amplamente difundido no
plasma, sistema nervoso central, bile, brônquios, líquidos peritoneal e órgãos
intrabdominais, sendo metabolizado pelo fígado e eliminado pela urina e fezes, com meia-
vida de 6 a 10 horas. Atravessa a barreira placentária e pode está presente no leite
materno 21,22.
A dose recomendada para a vaginose bacteriana é de 400mg de 12 em 12 horas, durante
7 dias ou dois gramas em dose única, de mais fácil adesão, embora para os casos de VB
recorrente o tratamento prolongado pareça ser mais eficiente. Existe ainda a opção do
metronidazol via vaginal também por 7 dias. A eficácia das duas vias para a VB parece ser
semelhante 22.
As contra-indicações para a utilização para a utilização deste produto são limitadas ao
primeiro trimestre de gravidez e a hipersensibilidade a esta droga 22.
As interações e reações adversas do metronidazol já foram bem estudadas. O
metronidazol combinado ao álcool e ao dissulfiram pode causar desordens psiquiátricas,
tais como delírio agudo e confusão mental. As reações adversas mais freqüentes são dor
21
epigástrica, náuseas e vômitos .
Existem ainda outros derivados nitroimidazólicos como o tinidazol e o secnidazol com
indicações e efeitos colaterais semelhantes ao metronidazol, sendo preferencialmente
utilizados na VB não complicada na dose única de dois gramas diários 22,23.
A clindamicina 300 mg via oral a cada 12 horas ou vaginal (creme 2%), uma vez à noite,
durante 3 dias ou o tianfenicol (Glitisol) – 2,5 grama ao dia via oral durante 2 dias pode ser
uma alternativa para pacientes com vulvovaginites intensas ou recorrentes e/ou em
pacientes imunodeprimidas, portadoras de VB associada a Mobiluncus (VB tipo II) sendo
tão eficaz quanto o tratamento prolongado com o metronidazol, com uma tolerância bem
maior 22,23.
Tratando-se de uma síndrome de etiologia polimicrobiana, justifica-se a diversidade de
opções terapêuticas existentes nos dias atuais. A aplicação de duchas vaginais com
peróxido de hidrogênio ou clorexidine tem apresentado em alguns estudos resultados
semelhantes ao metronidazol administrado em dose única 24,25.
Diversos estudos têm buscado o controle fisiológico desta síndrome mediante a utilização
de probióticos ou Lactobacillus acidophilus que são microorganismos vivos que quando
administrados em quantidades adequadas conferem benefícios à saúde 26.
7
Tratamento do parceiro
Conceitualmente o tratamento do parceiro da mulher portadora de VB não se justifica, pois
não se tratar de uma doença sexualmente transmissível, e sim de uma doença causada
por um desequilíbrio endógeno da flora vaginal. Além de que, diversos estudos
demonstraram que o tratamento do parceiro não melhorou os índices de cura, nem
diminuiu as recorrências 27.
8
CRITÉRIOS DE CURA DA VAGINOSE BACTERIANA
9
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 BISWAS, M. K. Bacterial vaginosis. Clinical Obstetrics and gynecology, v. 36, p.
167-75, 1993.
2 HOLMES, K. K.; SPIEGEL, C.; SCAGLIONE, N. J. et al. Bacterial vaginosis: current
review with indications for asymptomatic therapy. Scand. J. Infect. Dis., v. 26, p.
110, 1981.
3 KRÖNIG, I. Uber diie Natur de Scheidenkeime, speciell uber 12 das vorkommen
anërober Strptokokken im Scheidensekret Schwangerer. Leipzig, 1892. 532 p.
4 HENRIKSEN, S. D. Gram-negative diplo-bacilli from the genitourinary tract. Acta
Pathol Microbiol Scand., v. 24, p. 184-97, 1947.
5 LEOPOLD, S. Heretofore undescribed organism isolated from genitourinary system.
US Armed Forces M ed J., v. 4, p. 263-6, 1953.
6 GARDNER, H. L.; DUKES, C. D. New etiologic agent in nonspecific bacterial
vaginitis. Science, v. 120, p. 853, 1954.
7 HOLMES, K. K.; HILLIER, S. Bacterial vaginosis. In: Sexually Transmitted
Diseases, 2ª edição , 1980. 1123 p.
8 ALLEN-DAVIS, J.; BECK, A.; PARKER, R. et al. Assessment of vulvovaginal
complains: Accuracy of telephone triage and in-office diagnosis. Obstet. Gynecol.,
v. 99, p. 18-22, 2002.
9 BAYLEY, J. V.; FARGERHAN, C.; OWEN, C. Bacterial vaginosis in lesbians and
bisexual women. Sex Transm Dis., v. 3, p. 691-4, 2004.
10 TAHA, T. E.; HOOVER, D. R.; DALLBETTA, G. A. et al. Bacterial vaginosis and
disturbances of vaginal flora: association with increased Acquisition of HIV. AIDS, v.
12, p. 1699-706, 1988.
11 FARO, S. Bacterial vaginosis (Gardnerella vaginalis Vaginitis). In: Benign diseases
of the vulva and vagina. 4ª ed.,USA: Mosby, 1994, p.353-66.
12 SOBEL, J. D. Vulvovaginitis in healty women. Compr Ther., v. 25, p. 335-46, 1999.
13 SOBEL, J. D. Vaginitis. N Engl J Med., v. 337, p. 1893-903, 1997.
14 MOODLEY, P.; CONNOLLY, C.; STURM, A. W. Interrelationships among Human
Immunodeficiency Virus type 1 Infection , Bacterial Vaginosis, Trichomonais, and
the presence of yeasts. J Infec Dis, v. 185, p.69-73, 2002.
15 LANDERS, D. V.; WIESENFELD, H. C.; HEINE, R. P. et al. Predictive value of the
clinical diagnosis of lower genital tract infection in women. Am J Obstet Gynecol.
190:1004-10, 2004.
10
16 MURRAY, P. R.; ROSENTHAL, K. S.; KOBAYASHI, G. et al. Microbial flora in
health and disease. Medical microbiology. 3a.ed. USA: Mosby, 1998. Cap 9, p. 70-
3.
17 SPIEGEL, C. A.; AMSEL, R.; HOLMES, K. K. Diagnosis of bacterial vaginosis by
direct gram staim of vagin fluid. J. Clin. Microbiol., v. 18, p. 170-2, 1983.
18 NUGENT, R. P.; KROHN, M. A.; HILLIER, S. L. Realibility of diagnosing bacterial
vaginosis in improved by a standardized method of gram stain interpretation. J. Clin.
Microbiol., v. 29, p. 297-30, 1991.
19 GUPTA, K. P. Pratical cytopathology in WASTARITA, R. Cytology of the Female
Genital Tract., USA: Ed Churchill Livingstone;1990. p.23 –47.
20 GUPTA, K. P. Comprehensive Cytopathology. In: BIBBO, M. Microbiology,
Inflammation and viral infections, USA: W.B.Saunders, 1991. Cap 8, p. 115-52.
21 MARTINEZ, V.; CAURNES, E. Metronidazole. Annales de dermatologie et de
vénéréologie, v. 128, p. 8-9, 2001.
22 PAAVONEN, J. ; MANGIONI, C. ; MARTIN, M. A. et al. Vaginal clindamycin and
oral metronidazole for bacterial vaginosis : a randomized trial. Obstet Gynecol., v.
96, p. 256-60, 2000.
23 ANDREEVA, P. M.; OMAR, H. A. Effectiveness of current therapy of bacterial
vaginosis. Int Adolesc Med Health, v. 14, p. 145-8, 2002.
24 CHAITHONGWONGWATTHANA, S.; LIMPONGSANURAK, S.; SITTHI-AMORN, C.
Single hydrogen peroxide vaginal douching versus single dose metronidazole for
the treatment of bacterial vaginosis: a randomized controlled trial. J. Med Assoc
Thai., v. 86, p. 379-84, 2003.
25 MOLTENI, B.; D’ANTUONO, A.; BANDINI, P et al. Efficacy and tolerability of a
new chlorhexidine-based vagina vaginal infections. Curr Med Res Opin., v. 20, p.
849-53, 2004.
26 REID, G. Probiotics for urogenital health. Nutr. Clin Care, v. 5, p. 3-8, 2002.
27 POTTER, J.; Should sexual partners of women with bacterial vaginosis receive
treatment? Br J Gen Pract, v. 48, p. 913-8, 1999.
28 HONEST, H.; BACHMANN, L. M.; KNOX, E. M. et al. The accuracy of various tests
for bacterial vaginosis in predicting preterm birth: a systematic review. BJOG, v.
111, p. 409-22, 2004.
11
29 KLEBANOFF, M. A.; HAUTH, J. C.; MACPHERSON, C. A. et al. Time course of the
regression of asymptomatic bacterial vaginosis in pregnancy with and without
treatment. Am J Obstet Gynecol, v. 190, p. 363-70, 2004.
30 OAKESHOTT, P.; KERRY, S.; HAY, S.; HAY, P. Bacterial vaginosis and preterm
birth: a prospective community-based cohort study. Br J Gen Pract, v. 54, p.119-22,
2004.
31 UGWUMADU, A.; HAY, P.; TAYLOR-ROBINSON, D.HIV-1 infection with abnormal
vaginal flora morphology and bacterial vaginosis. Lancet, v. 350, p. 1251, 1997.
32 SEWANKAMBO, N.; GRAY, R. H.; WANER, M. J. et al. HIV-1 infection associated
with abnormal vaginal flora morphology and Bacterial vaginosis. Lancet v. 350, p.
1037, 1997.
33 HASHEMI, F, B.; GHASSEMI, M.; FARO,S. et al. Induction of human
immunodeficiency virus type 1 expression by anaerobes associated with bacterial
vaginosis. J. Infect disease, v. 181, p. 1574-80, 2000.
34 MICHAEL, J.; FERRIS, A.M.; KENNETH, E. et al. Association of Atopobium
vaginae, a recently described metronidazole resistant anaerobe, with bacterial
vaginosis. BMC Infect Dis, v. 13 p. 5-9, 2004.
35 GEISSDORFER, W.; BOHMER, C.; PELZ, K. et al. Tuboovarian abscess caused by
Atopobium vaginae following transvaginal oocyte recovery J Clin Microbiol, v. 41, p.
2788-90, 2003.
36 BLACKWELL, A. L. Vaginal bacterial phaginosis? Sex Transm Infect, v. 75, p.352-3,
1999.
37 TAYLOR-ROBINSON, D. The future of bacterial vaginosis-related research. Int J
Gynaecol Obstet, v. 67, p.35-8, 1999.
12
18
Quadro 1 - CRITÉRIOS DE NUGENT
Score Lactobacillus Gardnerela Bacilos curvos
ssp. Bacteróides Mobiluncus
13
Quadro 2 - CRITÉRIOS DE CURA DA VAGINOSE BACTERIANA
Doença Critérios Obs
Vaginose Ausência de Sinais e Sintomas Flora 2 e Clue cells = 1- 5,
Bacteriana Flora vaginal tipo 1, pH < 4,5. retratar.
Simples Teste de Whiff neg.
Ausência de Clue cells. *
14
Quadro 3 -TEMPO DE SEGUIMENTO DO TRATAMENTO DA VAGINOSE BACTERIANA
Doença Seguimento após o término do
tratamento.
Vaginose Bacteriana Simples 30 dias
15
FOTO 1 - Corrimento vaginal decorrente de vaginose bacteriana
16
FOTO 2 - Vaginose bacteriana clínica
17
FOTO 3 – Esfregaço de vaginose bacteriana corado pelo Gram
18