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Comunicacoes ~

´ Modernidade, Instituicoes ~
e Historiografia Religiosa no Brasil
´

A RELIGIOSIDADE POPULAR NA OBRA DE MARIA BETHÂNIA

______________________________________

Marlon de Souza Silva


Mestrando em História pela UFSJ
marllonssilva@yahoo.com.br
______________________________________

A música é conhecida como um importante meio de expressão do ser humano. Ela


pode ser reflexo de pensamentos, de idéias e, ao mesmo tempo, pode instigar, fazer
pensar, estimular ações... A partir da análise de uma obra musical – seja uma músi-
ca ou até mesmo o conjunto/resultado da trajetória de um indivíduo (intérprete,
compositor, músico...) – podemos pensar a realidade em uma determinada época e
local uma vez que a música, além de se fazer presente no cotidiano, pode ser en-
tendida enquanto seu reflexo. É o que acontece com a obra musical produzida pela
cantora Maria Bethânia: ela transita facilmente entre vários universos da cultura bra-
sileira seja político, religioso ou romântico.
Tomando como ponto de partida o repertório da referida intérprete, o pre-
sente artigo tem como objetivo fazer uma análise da religiosidade de Bethânia ex-
plicitada ao longo de sua carreira. Como bem afirma Prandi, o entendimento em
torno da religiosidade se faz de capital importância para os estudos a respeito da
cultura brasileira.1

A obra musical de Maria Bethânia e o processo de legitimação da MPB


Maria Bethânia Viana Telles Veloso nasceu no dia 18 de junho de 1946 em
Santo Amaro da Purificação, cidade do Recôncavo Baiano, sendo a mais nova entre
os oito irmãos da família Veloso. Em 1960, muda-se com o irmão Caetano Veloso
para a “Bahia” – nome como era conhecida a cidade de Salvador no período –
para cursar o ginásio. A adaptação em Salvador deveu-se à efervescência cultural
da cidade no início dos anos 60 que tinha como ponto central de produção e di-
vulgação, a Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. É através do grupo
amador dessa escola que os irmãos vão ter seus primeiros contatos com a música e
a vida artística. À convite feito pelo diretor de teatro, Álvaro Guimarães, o Alvinho,

1
PRANDI, Reginaldo. The expansion of black religion in white society: Brazilian Popular Music and
legitimacy of Candomblé. Texto apresentado no XX International Congress of the Latin American Stu-
dies Association, em Guadalajara, México, 17-19 de abril de 1997.
Maria Bethânia estréia como cantora em Salvador, no espetáculo Boca de ouro, de
Nelson Rodrigues, em 1961. Dentro desse contexto de efervescência cultural, Cae-
tano e Bethânia conhecem os baianos Gal Costa, Gilberto Gil, Tom Zé e Piti. Jun-
tos, realizaram em 1964, dois shows de música com conceito, ideologia e literatu-
ra2: Nós, por exemplo, que devia sua existência à Bossa Nova; e Nova bossa velha,
velha bossa nova, que era uma visão sobre a música brasileira realizados no Teatro
Vila Velha, em Salvador. A primeira a se apresentar em show individual foi Maria
Bethânia. No show intitulado Mora na filosofia de 1964 cantou sambas inéditos e
outros que Nara Leão tinha acabado de gravar, ambos oferecidos por Nara à Be-
thânia por entender que estes eram adequados às intenções da cantora baiana. Um
destes sambas era Opinião de Zé Kéti, canção homônima do espetáculo que a lan-
çaria no cenário musical brasileiro ao substituir Nara Leão, em 1965.
O espetáculo Opinião, sucesso no Rio de Janeiro em 1964, reunia um com-
positor nordestino, João do Vale; um sambista de morro, Zé Kéti; e uma cantora
bossanovista da zona sul carioca, Nara Leão; onde se fazia uma aproximação entre
a música brasileira e a arte engajada. Opinião surge da vontade de Nara voltar-se
para o samba de morro e para a música do sertão nordestino, somando-se a isso,
composições engajadas de cunho social, em um momento de debate acerca do
papel da arte como veículo de politização de massas. O convite feito a Bethânia
para substituir Nara Leão – que por motivos de saúde teve que abandonar o espe-
táculo – partiu dos produtores do espetáculo, entre eles, Oduvaldo Vianna Filho e o
diretor Augusto Boal, que seguiram a indicação feita pela própria Nara. Ela havia
conhecido Bethânia naquele mesmo ano, ao passar férias em Salvador e tomar co-
nhecimento do grupo dos baianos, por intermédio de Roberto Santana, que era
produtor dos shows do grupo. Assim, em 13 de fevereiro de 1965, Maria Bethânia
sobe ao palco do teatro Opinião para substituir Nara Leão.
Com o sucesso do Opinião, Bethânia grava pela RCA-Victor dois compactos,
cujo carro-chefe foi a música Carcará, composta por João do Vale e José Cândido,
canção responsável pelo lançamento da cantora. Ainda no mesmo ano, a cantora
grava pela mesma gravadora, um LP, intitulado Maria Bethânia, onde a música
também se fazia presente.
Marcos Napolitano, em seu livro História & Música3, aponta quatro momen-
tos históricos da tradição musical popular brasileira: os anos 1920/1930, tendo o
samba como gênero nacional; o período compreendido entre fins dos anos 40 e
meados dos anos 50, onde se tem uma invenção da tradição da música brasileira;
o período compreendido entre os anos de 1958/1969, com a invenção da MPB; e,
os anos de 1972/1979, onde a MPB passa a ser o centro da história musical brasi-
leira. A carreira da cantora iniciou-se, assim, em um período onde a música popu-
lar brasileira moderna estava se formando, em meados dos anos 1960. Esse perío-
do de produção musical brasileira é comumente apontado por estudiosos que tra-
balham com a temática da música, seja como fonte seja como objeto, através de
dicotomias, como erudito versus popular, tradição versus modernidade, cultura ali-
2
VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 77.
3
NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959
– 1969). São Paulo: Annablume, Fapesp, 2001.

2
enada versus cultura engajada4. Dicotomias oriundas do debate estético-ideológico
acerca do popular que toma corpo durante toda a década de 1960, principalmente
a partir do golpe militar instaurado no ano de 1964, que acabou aprofundando a
discussão acerca da cultura popular e do seu papel dentro de um contexto de dita-
dura. Novas questões foram colocadas para os artistas e intelectuais, como, por
exemplo: o que cantar? e Para quem cantar?.
No ano de estréia da cantora, em 1965, houve uma redefinição do que se
entendia como Música Popular Brasileira, que segundo Marcos Napolitano, passou
a aglutinar uma série de tendências e estilos musicais que tinham em comum a von-
tade de “atualizar” a expressão musical do país, aliando elementos tradicionais a
técnicas e estilos inspirados na bossa nova, surgida em 1959.5 O surgimento da
bossa nova marcou o início do que o autor chama de “ciclo de institucionalização”
da música brasileira, sendo o filtro pelo qual, antigos paradigmas foram assimilados
pelo mercado musical dos anos 1960.6 Além disso, foi introduzido no mercado um
novo estrato social, ou seja, a classe média. Antes do golpe de 1964, uma primeira
questão se colocou para uma ala da bossa nova, que buscava ampliar o público: a
conscientização da população. A canção “Zelão”, composta por Sérgio Ricardo
lançou “as bases para uma canção ‘nacionalista e engajada’, de olho na tradição,
mas que incorporava parte das ‘conquistas’ estéticas da bossa nova”7, tornando,
esse tipo de canção engajada, uma vertente “nacionalista” da bossa nova, em con-
traponto a vertente “jazzística”. Entre 1962 e 1963, ocorre a demarcação de fron-
teiras – não tão delimitadas assim – entre essas duas perspectivas bossanovistas,
potencializada pela consagração da bossa nova no mercado internacional o que
acirrou a discussão sobre o caráter “entreguista” do gênero. Os músicos nacionalis-
tas propunham a conscientização ideológica e a elevação do gosto médio, uma vez
que para eles, vulgarização estética, massificação cultural e alienação política an-
dam lado a lado.8
O lançamento do Manifesto do CPC da UNE, em fins de 1962, tentava dire-
cionar a criação engajada dos artistas. Para tal manifesto, a arte de elite era superi-
or, o que importava na obra não era sua qualidade estética, mas sim a construção
de um veículo ideológico, tendo como base da expressão do nacional-popular, as
classes populares. Napolitano aponta que o manifesto propunha uma coisa, mas os
artistas fizeram outra. Para o autor, os músicos “buscavam uma canção engajada,
porém moderna e sofisticada, capaz de reeducar a elite e ‘elevar o gosto’ das clas-
ses populares, ao mesmo tempo em que as conscientizava”9. A partir de 1964, com
a nova conjuntura desencadeada pelo golpe militar, o debate em torno das novas

4
Para tal discussão, ver: COUTINHO, Eduardo Granja. Velhas histórias, memórias futuras: o sentido
da tradição na obra de Paulinho da Viola. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2002; NAPOLITANO, op. cit.,
entre outros.
5
NAPOLITANO, op. cit.
6
Idem, ibidem.
7
NAPOLITANO, Marcos. A síncope das idéias: a questão da tradição na música popular brasileira.
São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1º edição, 2007. (Coleção História do Povo Brasileiro)
8
Idem, ibidem, p. 76.
9
Idem, ibidem, p. 77.

3
questões colocadas na ordem do dia para a canção engajada, foi acompanhado
pela reestruturação da indústria cultural brasileira.
Alguns eventos musicais ocorridos a partir desse momento serviram como um
caminho para ampliar o público de música brasileira. Os shows do circuito universi-
tário, dentre eles, os realizados no Teatro Paramount, em São Paulo, reuniam tanto
o circuito boêmio quanto o circuito estudantil, aprofundando “a busca da síntese
entre a bossa nova ‘nacionalista’ e a tradição do samba, paradigma de criação
desenvolvido antes do golpe”10.
Além disso, espetáculos como o Opinião, tendo a música como amálgama
do debate estético-ideológico, deram novo alento ao nacional-popular. Segundo
Marcos Napolitano,

“Tratava-se de fazer com que o elemento popular desse sen-


tido ao nacional, e não com que o elemento nacional educas-
se o popular, tal como na canção engajada pré-golpe, carac-
terizada por uma tentativa de adequação entre sofisticação
estética e pedagogia política, na busca de produto cultural
nacional de alto nível”11

Da mesma forma que o teatro, a televisão também contribuiu para a ampli-


ação da faixa etária consumidora de música popular brasileira com a exibição dos
festivais da canção iniciados em 1965, e com programas como O fino da bossa.
Napolitano aponta que o sucesso de eventos como o programa O fino da bossa e o
espetáculo Opinião, mesmo estando situados em séries socioculturais distintas, pa-
receu resolver, momentaneamente, os impasses da cultura nacional-popular de es-
querda, dilacerada, a partir de então, entre escolhas dicotômicas, como “comuni-
cabilidade” versus “popularidade” ou “tradição” versus “modernidade”12. Porém, tal
resolução esbarrou no surgimento da jovem guarda, em 1966. O movimento lide-
rado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia era visto como uma versão
do rock americano e por isso, considerado como antítese da MPB, explorando o
potencial de consumo do público jovem.
No período pós-jovem guarda, uma nova questão se coloca no debate:
Qual o caminho a seguir? Além disso, a crescente indústria cultural acirrava ainda
mais a discussão e a questão do engajamento musical. Duas posições se tornam
cada vez mais nítidas nessa discussão: os “nacionalistas”, no sentido de fortalecer
os “gêneros convencionais de raiz” e o conteúdo nacional-popular da música brasi-
leira dentro da indústria cultural; e os “vanguardistas”, no sentido de questionar o
código cultural vigente na MPB, recuperando alguns parâmetros formais da bossa
nova, mas aproveitando e ampliando o mercado conquistado até então.13 Outro
fator que vai contribuir para acalorar as discussões durante esse período é o surgi-
mento de outro movimento: o tropicalismo, constituído na tentativa de desenvolvi-

10
Idem, ibidem.
11
Idem, ibidem, p. 86.
12
Idem, ibidem, p. 94.
13
Idem, ibidem.

4
mento da música popular a partir do rock. Formado basicamente pelo grupo dos
baianos, juntamente com Os Mutantes, esse movimento se constitui em resposta à
vertente nacionalista de esquerda, para qual a música possuía o caráter pedagógi-
co de politizar as massas. Em contraposição a essa música engajada, os tropicalis-
tas ofereciam uma música de massa, porém, individualista e hedonista.14
Em meio a todas essas discussões está inserida a carreira de Maria Bethânia.
Segundo Marcos Napolitano, “o debate musical que começa a se configurar em
meados de 1966 e atinge seu ponto de radicalização máxima em 1968 não pode
ser resumido entre ‘nacionalismo’ versus ‘universalismo’.”15 O autor ainda salienta
que “através da análise das formas pelas quais se encaminharam os impasses daí
decorrentes é que se pode identificar correntes que procuravam redirecionar o sen-
tido da MPB, ainda em fase de instituição.”16
Parece-nos que as discussões acerca da música popular brasileira levantadas
pelos estudiosos não consegue dar conta da complexidade do processo histórico no
qual essa música se desenvolve. A utilização de dicotomias do tipo “tradição versus
modernidade” e também tratar a Bossa Nova, a Jovem Guarda e o Tropicalismo,
como movimentos independentes e auto-suficientes, ao invés de explicar tal comple-
xidade, acaba gerando outro problema: a visão desses movimentos e vertentes en-
quanto processos únicos e separados, ou seja, como se cada um desses movimen-
tos e vertentes seguissem caminhos distintos e não estivessem em um mesmo contex-
to. Tomemos como exemplo, o caso das intérpretes, Maria Bethânia em específico:
em qual movimento ela se encaixaria? Como tratar de forma linear uma carreira
que possui inserção em diversos estilos? Podemos citar, além da cantora, Elis Regi-
na, Clara Nunes e Nara Leão, que possuem em seus repertórios músicas de diver-
sos compositores. Os primeiros momentos da carreira de Bethânia coincidem com o
período de reformulação e institucionalização da música popular brasileira. Com
relação a tais movimentos, Caetano Veloso afirma que o “não-alinhamento com a
Bossa Nova a deixava livre para aproximar-se de um repertório variado” e também,
quando surge o tropicalismo, “Bethânia ficou sempre a par das nossas decisões (e
indecisões), deu frequentemente sua aprovação, mas se manteve à parte, defen-
dendo a sangue e fogo sua individualidade.”17 Isto nos mostra como era a relação
de Bethânia com os movimentos musicais dos anos 60: uma relação de não-
adesão, mas isso não significava um total afastamento. Além disso, a cantora é
quem chama a atenção de Caetano para as músicas de Roberto Carlos. O fato de
não participar de tais movimentos musicais gerou um repertório onde há presença
de compositores pertencentes aos diversos estilos que, para nós, não são excluden-
tes. Muito pelo contrário, em um período caracterizado por forte hibridismo musical,
as vertentes musicais interagem o tempo todo.
Da estréia em 1965 até os dias de hoje, a cantora registrou em sua trajetória
artística, 45 discos, excetuando-se os compactos, onde encontramos elementos di-
versos com relação à temática das canções. A partir da análise deste repertório

14
COUTINHO, op. cit., p. 78.
15
NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção... op. cit., p. 138.
16
Idem, ibidem, p. 297.
17
VELOSO, op. cit., p. 133.

5
chegamos a um total de 827 músicas, que podem ser divididas, com relação à te-
mática, da seguinte forma: 636 com temática amorosa; 97 com tema social e 94
que dizem respeito à questão religiosa. A temática amorosa engloba as músicas que
falam do amor e, também, de mulher, praias, lua, mar, conflitos interiores etc.; a
temática social abrange as músicas de cunho social, como o regime militar, a mi-
gração e mazelas sertanejas etc.; a terceira temática e a que mais interessa a este
artigo, é a religiosa. Esta engloba as músicas que tratam da religiosidade, abran-
gendo as que falam dos orixás, da cultura baiana como um todo – por esta possuir
aspectos religiosos – e também, de santos e festas católicas.
Tal classificação pode sofrer alterações, dependendo da forma que a música
é analisada. Napolitano18 salienta que a recepção musical deve ser entendida em
planos multidimensionais e entrecruzados, pois os ouvintes da música popular não
formam um grupo coeso. A forma que cada ouvinte receberá a mensagem de uma
canção dependerá de diversos fatores, entre eles, a classe social a qual pertence, o
grau de escolaridade etc. Uma mesma canção pode ser interpretada de diversas
formas por diferentes pessoas. Soma-se a isso a apropriação que a cantora faz das
músicas. Se por um lado temos os ouvintes que se apropriam da canção e tiram
dela interpretações, por outro, temos a leitura feita pelo intérprete de uma determi-
nada música, que imprime à mesma, uma leitura própria. Esse é o caso de Maria
Bethânia: por possuir discos em sua carreira com temas específicos, uma mesma
música ser classificada por temas centrais diferentes.
Apesar de a temática religiosa possuir o menor número de canções de todo
o repertório da cantora, optamos por analisar de que forma essas músicas se apre-
sentam ao longo da trajetória artística de Maria Bethânia, uma vez que a cantora
representa não só sua religiosidade em seus discos, mas também, pode ser vista
como um referencial para se entender a forma da sociedade – baiano e porque
não, brasileiro – chegar até Deus. Além disso, podemos entender a relação da can-
tora com a cultura brasileira como um todo.

A religiosidade de Maria Bethânia


As músicas com referências religiosas vão ser uma constante ao longo do re-
pertório de Maria Bethânia. A primeira referência as religiões na obra da cantora
ocorre em seu primeiro LP, intitulado Maria Bethânia, lançado em 1965. Encontra-
mos na letra tanto referência a Iemanjá quanto a Nossa Senhora, mas a temática
religiosa não é a principal da música. A letra trata da questão amorosa, da perda
do amor. Em 1969, no disco Maria Bethânia, a religião já começa a aparecer co-
mo tema central.
Nas 94 músicas que tem a religião como tema principal, encontramos diver-
sos elementos das religiões afro-brasileiras, bem como do catolicismo. Estão pre-
sentes os orixás, os santos e a relação entre eles, ou seja, o sincretismo religioso.

18
NAPOLITANO, Marcos. História e música – história cultural da música popular. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002, p. 82.

6
Religiosidade afro-brasileira nas músicas gravadas por Maria Bethânia
Reginaldo Prandi salienta que a primeira referência às religiões afro-
brasileiras na música popular brasileira, ocorreu no ano de 1930: as músicas Ponto
de Exu e Ponto de Ogum, ambas de domínio público, foram gravadas por Amor
(Getúlio Marinho da Silva), Mano Elói e Conjunto Africano, em disco de 78 rota-
ções. Segundo o autor, a partir dos anos 60, isto é mais visível19. Napolitano apon-
ta que Elis Regina, Nara Leão e Elizeth Cardoso procuraram seguir a orientação
estético-ideológica de “subida ao morro” e de “ida ao sertão”, na tentativa de con-
solidar um repertório popular20. É sintomático que Nara Leão tenha conhecido Be-
thânia em uma de suas pesquisas na Bahia. Tal repertório pautado pela valorização
do popular passava, também, pela religião. Alguns fatores foram importantes para
que a presença de elementos afro-brasileiros proliferassem a partir dos anos 1960,
entres eles, o aparecimento de cantores e compositores baianos no cenário musical
brasileiro, como Caetano Veloso, Maria Bethânia, entre outros, além dos afro-
sambas de Vinícius de Moraes e Baden Powell, gravados em 1966 etc. Prandi des-
taca também, o papel desempenhado pelas intérpretes que, na década de 1960,
foram responsáveis pela revalorização e legitimação das religiões afro-brasileiras.
São elas: Nara Leão e Elis Regina, seguidas por Gal Costa, Maria Bethânia e Clara
Nunes. Concordamos com Prandi nesse aspecto, mas vale ressaltar que Nara Leão
e Elis Regina não continuaram desenvolvendo a temática da religião ao longo de
suas carreiras. A partir dos anos 70, destacam-se Clara Nunes e Maria Bethânia,
que continuarão a divulgar as religiões afro-brasileiras através de seus repertórios,
difundindo assim, a cultura dos terreiros baianos: azeite de dendê, ritmos, orixás,
vatapás passaram a ser divulgados para outros setores da sociedade, como as clas-
ses médias e o público estudantil. Além de uma “popularização”, no eixo Rio-São
Paulo, de famosas mães-de-santo (ialorixás) baianas, como Olga de Alaketo e Mãe
Menininha do Gantois.
Maria Bethânia, apesar de ser baiana, só teve contato com Mãe Menininha
em 1971. A cantora foi apresentada à ialorixá por Vinícius de Moraes. Na música
Samba da benção, Vinícius pede a benção aos grandes sambistas do Brasil. No
disco gravado ao vivo, em 1971, com Maria Bethânia e Toquinho em La Fusa, na
Argentina, o compositor pede à benção a outras pessoas na letra da música entre
elas, aos músicos que os acompanham, a Toquinho e à própria cantora. Nessa
gravação, Vinícius diz em uma das frases: “A benção, todos os grandes sambistas
do meu Brasil branco, preto, mulato, lindo e macio como a pele de Oxum. E agora
de Iansã também.”21 Podemos perceber a referência feita a Maria Bethânia e Mãe
Menininha. Filhas de Iansã e Oxum, respectivamente. Quando ele diz “agora de
Iansã também” nos remete ao fato de que a cantora foi iniciada como filha de Ian-
sã por Mãe Menininha no ano de gravação do disco, em 1971. A partir deste ano,
a ialorixá desempenhará papel fundamental na vida e obra da cantora.

19
PRANDI, op. cit.
20
NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção... op. cit., p. 107.
21
Samba da benção. Composição de Vinícius de Moraes e Baden Powell. LP Vinícius + Bethânia +
Toquinho en Buenos Aires, Phono Musical Argentina, 1971. (6966146-0)

7
Maria Escolástica Conceição Nazaré22 nasceu em Salvador em 10 de feve-
reiro de 1894, filha de Maria dos Prazeres Nazaré e bisneta da mãe-de-santo afri-
cana Maria Júlia da Conceição Nazaré, fundadora do Gantois. O nome do terreiro,
originalmente, era Ilê Iáomi Axé Ia Massê (Casa da Mãe das Águas). A propriedade
onde foi fundado pertencera anteriormente a uma família francesa, os Gantois. Daí
o nome do terreiro. A sucessão no terreiro ocorria por via dinástica, sendo que Me-
nininha, enquanto filha de Oxum, assumiu o posto de sacerdotisa em 1922, com
28 anos de idade. O terreiro do Gantois foi comandado pela sacerdotisa durante
74 anos, até sua morte em 13 de agosto de 1986, com 92 anos de idade. Em seu
lugar assumiu Mãe Cleusa.
No repertório gravado por Bethânia que tem as religiões afro-brasileiras co-
mo tema, encontramos referências a alguns orixás, entre eles Obá, Nanã, Iemanjá,
Oxum, Xangô, Oxalá, Dois-Dois, Euá, Awô e também, à Mãe Menininha. A partir
de 1971 percebemos que esta ganha um maior destaque nas gravações referentes
a tal temática, apesar de encontramos registro no disco de 1970. Dos orixás, Iansã
é a que mais aparece nas músicas. De um total de 59 músicas, a deusa da tempes-
tade aparece em 12 canções. São elas: As ayabás, de Caetano Veloso e Gilberto
Gil, em 1976 e 1999; Iansã, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, em 1972, 1973,
1990 e 1999; Ponto de Iansã, de domínio público, em 1970; Senhora do vento
norte, de Jaime Alem, em 1999; A dona do raio e do vento, de Paulo César Pinhei-
ro, em 2006 e 2007; Assombrações, de Sueli Costa e Tite Lemos, em 1971 e
1999.
Iansã é a divindade dos ventos, das tempestades e do rio Níger, que em io-
ruba, chama-se Odò Oya. Foi a primeira mulher de Xangô e possui um tempera-
mento ardente e impetuoso. É considerada a deusa da transformação e dos misté-
rios. Domina a morte, sendo a única mulher capaz de enfrentar e dominar os Egun-
guns, que são os espíritos dos mortos. Iansã transita entre todos os elementos da
natureza: comanda os ventos, a água, transforma-se em fogo e como búfalo, do-
mina a terra. Segundo a lenda, Oiá desejava ter filhos, mas não podia. Ao consul-
tar um babalaô, ele a mandou fazer um ebó, tendo que oferecer um agutã23, muitos
búzios e muitas roupas coloridas. Oiá fez o sacrifício e teve nove filhos. Ao passar,
o povo dizia: “Lá vai Iansã”. Iansã quer dizer mãe de nove vezes. Maria Bethânia é
conhecida por seu temperamento forte, característico de filhas de Iansã. Devido a
algumas de suas características, a deusa foi sincretizada no Brasil, com Santa Bár-
bara, protetora contra tempestades, raios e trovões. Por isso, o dia de Iansã é co-
memorado em 4 de dezembro.
Vale ressaltar especificamente o disco gravado ao vivo, em homenagem à
cantora, em dezembro de 1969. A primeira música do disco é um ponto de ma-
cumba: Ponto de Iansã, de domínio público. A cantora evoca a deusa ao entoar
versos do tipo: “Oiá, Oiá, Oiá, ê” e aos gritos de “Eparrei!”. Neste momento, a
impressão que se pode ter é a de que se está em um terreiro de candomblé, pois os

22
SCHUMAHER, Schuma & BRAZIL, Érico Vital (organizadores). Dicionário mulheres do Brasil: de
1500 até a atualidade. Biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
23
No Brasil e em Cuba significa o nome ritual do carneiro. Origem: ioruba. Ver: LOPES, Nei. Enci-
clopédia da diáspora africana. São Paulo: Selo Negro Edições, 2004.

8
instrumentos presentes são os freqüentemente utilizados nos rituais religiosos africa-
nos e afro-brasileiros, como o caxambu (tambor de timbre grave), o atabaque (tim-
bre agudo) e o berimbau. A música é uma louvação a Matamba, como é conhecido
o orixá Iansã na nação Angola. A cantora entra no palco gritando: “Hey Eparrei,
estou descendo minha Iansã”. É sintomático que o disco tenha sido gravado no dia
04/12/1969, dia de Iansã. Como disse Carlos Imperial, produtor do disco, na con-
tra-capa: “Para os ‘experts’ avisamos que foi gravado no dia 4-12-69, dia de Ian-
sã”24. Apesar de só ter sido apresentada a Mãe Menininha em 1971 a cantora já
freqüentava terreiros de candomblés antes disso. Em 1969, a cantora freqüentava
um terreiro no subúrbio da Leopoldina, no Rio de Janeiro, e ao ser perguntada se
recebia algum orixá ou preto velho, a cantora já se afirmava como médium: “Não,
apesar de eu ser médium. Segundo eles me dizem, eu só recebo quando estou can-
tando. Eu só tenho vibração. Por exemplo: na festa do velho Omolu, tenho vibra-
ções muito fortes. Fico gelada. Mas isso é bom. A vibração dele em mim é muito
bom. Vou lá no centro todas as segundas-feiras”25.
Em um outro momento, a cantora reforça sua relação com Mãe Menininha,
em um texto da própria Bethânia:

“Sem ela não se anda


Ela é a menina dos olhos de Oxum
Flecha que mira o sol
Oiá de mim”

A referência a Mãe Menininha está explicitada no verso: “Ela é a menina dos


olhos de Oxum”. Como foi dito anteriormente, Mãe Menininha é filha de Oxum e
Maria Bethânia filha de Iansã. Nesse texto, percebemos que por serem filhas das
deusas Iansã e Oxum, Maria Bethânia e Mãe Menininha são comparadas às pró-
prias deusas. A relação da cantora com a religião se dá de forma íntima. A cantora
expressa sua religiosidade através dos orixás femininos, principalmente através de
Iansã, o orixá que rege sua cabeça.

Bethânia e a devoção mariana


A valorização do popular por Maria Bethânia também se manifesta em outra
dimensão de sua religiosidade: a devoção à Nossa Senhora. Ao mesmo tempo que
é filha de Iansã, a cantora consagra-se como filha de Nossa Senhora, que, juntas,
formam a totalidade de sua religiosidade e fé, mas a pertença a uma não excluí a
pertença à outra. Em sua carreira temos uma variedade de músicas que nos reme-
tem à devoção católica, em um total de 35 canções. Estão presentes Nossa Senho-
ra, Deus, São Jorge; São João, Santo Antônio; São José, Jesus Cristo e São Francis-
co, sendo que 20 músicas fazem referências à Nossa Senhora. São elas: Ilumina, de
Noca da Portela, Toninho Nascimento e Tranka, em 1992; Mãe Maria, de Custódio
Mesquita e David Nasser, em 1976; Oferta de flores, de domínio público, em
2001; Ave Maria, de domínio público, musicada por Caetano Veloso, em 2001;

24
Contracapa do disco Maria Bethânia – ao vivo, de 1970. [MOFB 3615]
25
Uma rainha para o rei. O Pasquim, 05/09/1969.

9
Magnificat, de Johann Sebastian Bach, em 2001; Ave Maria, de Vicente Paiva e
Jayme Redondo, em 1996 e 2001, sendo que na última gravação, esta é introduzi-
da pela Ave Maria de Franz Schubert; Nossa Senhora da Ajuda, de Sueli Costa, so-
bre poema de Cecília Meireles, em 1974; És lírio, Sancta Maria, Totta pulchra, Hino
de Nossa Senhora da Purificação, ambas de Domingos de Farias Machado, em
2001; Mãe de Deus das Candeias, de domínio público, musicada por Gilberto Gil,
em 2001; Romaria, de Renato Teixeira, gravada em dois discos de 1999; Ave Mari-
a, de J. Velloso, em 2006; Ave Maria, de Fernando Pessoa, em 2006; Maria do
Rosário de Fátima, de Mabel Velloso, em 2006; Maria Matter Gracie, de domínio
público, em 2006.
A devoção mariana inicia-se juntamente com a anunciação do anjo Gabriel,
quando Maria é agraciada com a notícia de que geraria o filho de Deus. A partir
desse momento, Maria se tornou modelo de fé, de amor a Deus e ao próximo, e
também, modelo a ser seguido26. Maria esteve presente na vida de Jesus até sua
crucificação. A devoção à Virgem como a mãe de todos inicia-se no momento em
que o filho de Deus, estando pregado à cruz, diz a ela que a partir daquele momen-
to, ela seria mãe de João Batista e este, seu filho. Segundo o evangelista João:

“Jesus viu sua Mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele ama-
va. Então disse à Mãe: ‘Mulher, eis aí o teu filho.’ Depois dis-
se ao discípulo: ‘Eis aí tua Mãe.’ E dessa hora em diante, o
discípulo a recebeu em sua casa.”27

O amor que os discípulos dedicaram a Maria passou a caracterizar as de-


mais gerações de cristãos, fazendo com que surgissem diversos títulos marianos,
associados a diferentes características da Mãe de Deus e a fatos de sua vida: títulos
ligados aos dogmas, como Maternidade Divina, Imaculada Conceição, Virgindade
Perpétua, Assunção etc.; devoções ligadas a momentos de sua vida como, Anuncia-
ção, Natividade, Desterro, Apresentação, Visitação, Dores, etc.; títulos ligados a
traços de sua personalidade e dons, como, Auxiliadora, Alegria, Consolata, Pieda-
de, Graças, Glória, Imaculado Coração, etc.; títulos ligados a santuários e imagens
especiais, como Aparecida, Candelária, Altagracia, Almudena, Lapa, Loreto, Penha,
etc.; além dos títulos ligados às aparições, como por exemplo, Pilar, Fátima, Gua-
dalupe, Salete, Lourdes, Medjugorje, etc.28
Juliana Beatriz Almeida de Souza afirma que por “ser única e ao poder to-
mar diferentes representações, Maria se consolidou como mediadora do povo cris-
tão junto a Deus”29. Assim, o fato de possuir diferentes representações a tornou
mais popular na devoção católica, tornando-a mediadora entre os homens e o sa-
grado. Devido a tal popularidade de Nossa Senhora no imaginário popular, tão
26
ZANON, Frei Darlei. Nossa Senhora de todos os nomes: orações e história de 260 títulos maria-
nos. São Paulo: Paulus, 2005, p. 6.
27
Bíblia Sagrada. João 19, 26-27
28
ZANON, op. cit., p. 7.
29
SOUZA, Juliana Beatriz Almeida de. Virgem Mestiça: devoção à Nossa Senhora na colonização do
Novo Mundo. In.: Tempo. Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, v.6, nº 11,
jul. 2001. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001, p. 91.

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forte no Brasil e também na Bahia em específico, esta devoção se mostra presente
na vida e obra da cantora Maria Bethânia. A cantora vem de família católica, sendo
batizada e crismada.

Conclusão
Maria Bethânia é uma das intérpretes mais representativas da chamada Mú-
sica Popular Brasileira. Como uma cantora de origem baiana e que vivencia e valo-
riza suas origens, elementos da cultura baiana não poderiam deixar de estar presen-
tes. Pensar a religiosidade em sua obra é pensar em uma relação direta dos fiéis
com o sagrado, o que nos remete ao universo religioso baiano no qual as diversas
formas de se chegar ao sagrado convivem de forma intensa. É o sincretismo viven-
ciado de forma tão peculiar pelas pessoas e pela cantora.
Ao longo de todo o seu repertório encontramos diversas referências às religi-
ões afro-brasileiras e estas se apresentam de forma freqüente. Notamos que há uma
predileção, por parte da cantora, com relação aos orixás femininos, principalmente,
com relação à Iansã, o orixá que rege sua cabeça. Foram 12 músicas gravadas que
fazem referências à deusa das tempestades. Da mesma forma que as religiões afro-
brasileiras, o catolicismo também se mostra presente. Do mesmo modo que Iansã
ocupa um lugar de destaque na devoção de Bethânia, Nossa Senhora também se
mostra presente em tal devoção. São 20 músicas gravadas em louvor a Mãe de
Deus e dos homens.
A cantora transita entre o catolicismo e as religiões afro-brasileiras de manei-
ra bem popular: o pertencimento a uma não significa a exclusão da outra. É a vi-
vência religiosa no âmbito do privado: cada um vive à sua maneira. Principalmente
porque, concordando com Roberto DaMatta, cada religiosidade é suplementar a
outra, mantendo com ela uma relação de complementaridade30. Nossa Senhora e
Iansã, na devoção de Maria Bethânia, ao invés de se excluírem, se completam. A
delicadeza de uma se junta à força da outra para formar um canto que pode mos-
trar-se ora calmo, ora explosivo. Se ao iniciar seu disco gravado ao vivo em 1969,
a cantora saúda a deusa das tempestades ao dizer: “Hey Eparrei, estou descendo
minha Iansã”, no encarte do disco Cânticos, preces, súplicas à Senhora dos Jardins
do Céu na voz de Maria Bethânia, de 2003, a cantora diz: “Nossa Senhora! Nasci
de vossas mãos, vivo amparada por elas e morrerei abrigada nelas”. É a própria
cantora quem afirma sua intimidade com o sagrado:

“Eu acredito em Deus, sou católica: batizada, crismada, fiz


primeira comunhão, vou à missa, confesso, comungo, tenho
uma relação profunda com Nossa Senhora. Não tenho muita
intimidade com Deus, e o modo de chegar até ele é através
de Nossa Senhora. Com Ela tenho uma relação de intimida-
de, com todo o respeito. Me sinto à vontade para conversar
com Ela, para chorar, sorrir, cantar para Ela, reverenciá-la. A-
través dela peço para que minhas orações cheguem a Ele.

30
DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco, 10º edição, 1999, p. 115.

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Minha relação com Mãe Menininha era mais ou menos assim:
tentava chegar aos deuses africanos por meio dela”31.

Nesta passagem, fica clara a busca de um intermediário, por parte da canto-


ra, para se comunicar com o divino: seja através de Nossa Senhora, seja através de
Mãe Menininha.
A forte presença da religião em Maria Bethânia é expressada através do seu
canto. Seja para louvar seu orixá (Iansã) seja para louvar Nossa Senhora, ao longo
de seus mais de 40 anos de palco, a intérprete mostrou “o drama de pertencer a
uma coletividade sem deixar de ser singular; de ser singular como produto de tanta
mistura; de ser, enfim, a síntese difícil de tanta diferença”32, principalmente, quando
o assunto é religião.

31
Extraído do site www.us.geocites.com. Acessado em 12/04/2006.
32
Paulo Roberto Pires. No mínimo, 07/10/2003.

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