Vous êtes sur la page 1sur 75

- A VIDA DIVINA (SRI AUROBINDO) -- Capitulo XI a XX

Capítulo XI
O DELEITE DA EXISTÊNCIA: O PROBLEMA
Pois quem poderia viver ou respirar se não existisse este deleite da existência, como o éter no
qual moramos?

Do Deleite todos estes seres nasceram, pelo Deleite existem e crescem, pelo Deleite retornam.

Taittiriya Upanishad[1][1]
Ainda que aceitemos esta pura Existência, Sat, este Deus ou Brahman, como o
princípio, fim e conteúdo absolutos das coisas, e em Brahman uma inerente auto-
consciência inseparável de seus seres projetando-se como força do movimento da
consciência que é criadora de forças, formas e mundos, todavia não teríamos
resposta à questão: Por quê, Brahman, perfeito, absoluto, infinito, que nada
necessita, que nada deseja, haveria de projetar força de consciência para criar em si
mesmo estes mundos das formas?” Porque temos deixado de lado a solução de que
está obrigado, por sua própria natureza de Força, a criar, obrigado, por sua própria
potencialidade de movimento e formação, a mudar-se nas formas. É certo que tem
esta potencialidade, mas não está limitado, restringido nem compelido por ela; é
livre. Se então, -sendo livre para expandir-se ou permanecer eternamente quieto,
para projetar-se nas formas ou reter a potencialidade das formas em si mesmo-, se
concede poder de movimento e formação isso só pode ser por uma razão: por
deleite.
Esta Existência primeira, última e eterna, como a vêm os Vedantinos, não é uma
mera existência desnuda, nem uma existência consciente cuja consciência é bruta
força ou poder; é uma existência consciente cujo termo preciso, tanto do ser como
da consciência, é a bem-aventurança. Assim como na existência absoluta não pode
existir o nada, nem a noite da inconsciência, nem a deficiência, vale dizer, nem o
fracasso da Força, -pois se houvesse alguma destas coisas não seria absoluta-, tão
pouco pode haver sofrimento ou negação do deleite. O absoluto da existência
consciente é bem-aventurança ilimitável da existência consciente; ambas só são
frases diferentes para a mesma coisa. Toda ilimitabilidade, todo infinito, todo
absoluto é puro deleite. Inclusive nossa humanidade relativa tem esta experiência
de que toda insatisfação significa limite, obstáculo, -a satisfação chega por
consecução de algo retido, por transpasso do limite, pela superação do obstáculo-.
Isto sucede porque nosso ser original é o absoluto em plena possessão de sua auto-
consciência e auto-poder infinitos e ilimitáveis; uma auto-possessão cujo outro nome
é auto-deleite. E em proporção, enquanto o relativo acede a essa auto-possessão,
se lança para a satisfação, acede ao deleite.
No entanto, o auto-deleite do Brahman não está limitado pela quieta e imóvel
possessão de seu auto-ser absoluto. Assim como sua força de consciência é capaz
de projetar-se nas formas infinitamente com uma variação sem fim, de igual modo
também seu auto-deleite é capaz de movimento, de variação de revelar-se nesse
fluxo e mutabilidade infinitos de si mesmo, representados por inumeráveis universos
repousantes. Liberar e desfrutar este movimento e variação infinitos de seu auto-
deleite é o objetivo de seu extensivo ou criativo despertar de Força.
Em outras palavras, o que projetou de si mesmo, dentro das formas é uma e
trina Existência-Consciência-Bem-aventurança, Satchitananda, cuja consciência é em
sua natureza uma criativa ou melhor dizendo, auto-expressiva Força capaz de
infinita variação em fenômeno e forma de seu ser auto-consciente e que desfruta
interminavelmente do deleite dessa variação. Dele, se segue que todas las cosas
que existem são o que são como termos dessa existência, termos dessa força
consciente, termos desse deleite de ser. Tal como descobrimos que todas as coisas
são formas mutáveis de um ser imutável, resultados finitos de uma força infinita, de
igual modo descobriremos que todas as coisas são variável auto-expressão de um
invariável e todo-abarcante deleite de auto-existência. Em tudo o que é, mora a
força consciente, e existe e é o que é em virtude dessa força consciente; de igual
e
modo também em tudo o que é, está o deleite da existência e existe é o que é em
virtude desse deleite.
Esta antiga teoria Vedântica da origem cósmica enfrenta-se de imediato, na
mente humana, com duas poderosas contradições: a consciência emotiva e sensitiva
da dor e o problema ético do mal. Pois se o mundo é uma expressão de
Satchitananda, não só de existência que é força-consciente, -pois isso pode admitir-
se facilmente-, senão também de existência que é também infinito auto-deleite,
como temos de explicar a presença universal do pesar, do sofrimento, da dor? Pois
este mundo mais nos parece mundo de sofrimento que de deleite da existência.
Certamente, essa visão do mundo é um exagero, um erro de perspectiva. Se o
olhamos desapaixonadamente e com um só critério em ordem a uma apreciação
precisa e não emocional, descobriremos que a soma do prazer da existência excede
com acréscimo a soma da dor da existência, - não obstante às aparências e casos
individuais que podem argumentar o contrário -, e que o ativo ou passivo, superficial
ou subjacente prazer da existência é o estado normal da natureza, enquanto que a
dor é um evento contrário que temporariamente suspende ou altera esse estado
normal. Mas por essa precisa razão a menor soma de dor nos afeta mais
intensamente e muitas vezes se destaca em maior proporção que uma soma
superior de prazer; justamente porque o último é normal, não o valorizamos,
dificilmente o observamos a menos que se intensifique em alguma forma mais
aguda de gozo, em uma onda de felicidade, em uma crista de alegria ou êxtase. São
estas mais altas coisas que buscamos, o que chamamos deleite, e a satisfação
normal da existência, -que está sempre ali independentemente do sucesso e da
causa ou propósito particulares-, nos afeta como algo neutro que não é nem prazer
nem dor. Isto é assim, e se trata de um grande fato prático, porque sem ele não
existiria o universal e poderoso instinto de auto-conservação, mas não é o que
buscamos e portanto não o fazemos entrar em nosso balanço de perdas e ganhos
emocionais e sensitivas. Nesse balanço só estabelecemos prazeres positivos por um
lado e mal-estar e dor pelo outro; a dor nos afeta com mais intensidade porque é
anormal para nosso ser, contrário a nossa tendência natural e é experimentado
como um ultraje a nossa existência, uma ofensa e ataque externo contra o que
somos e buscamos ser.
Não obstante, a anormalidade da dor e sua soma maior ou menor não afeta à
questão filosófica; maior ou menor, sua mera presença constitui o problema total.
Sendo tudo Satchitananda, como podem existir a dor e o sofrimento? Este, é o
problema real, é muitas vezes confundido por uma questão falsa que parte desde a
idéia de um pessoal Deus extra-cósmico e uma questão à parte, a dificuldade ética.
Satchitananda, pode racionalizar-se, é Deus, é um Ser consciente que é autor da
existência; como então pode Deus haver criado um mundo nele qual Ele inflinge
sofrimento a Suas criaturas, aceita a dor, permite o mal? Sendo Deus Todo-Bem,
quem criou a dor e o mal? Se dizemos que a dor é juiz e condena, não resolvemos o
problema moral, alcançamos a um Deus moral ou amoral, -um excelente mecânico
do mundo talvez, um astuto psicólogo-, mas não um Deus do Bem e do Amor a
quem possamos adorar, só um Deus de Poder a cuja lei devemos submeter-nos ou
cujos caprichos podemos esperar propiciar. Porque quem inventa a tortura como
meio de prova ou reflexão, resulta convicto de crueldade deliberada ou de
insensibilidade moral e, em caso de que exista uma moral, esta é inferior ao
supremo instinto de suas próprias criaturas. E se para iludir esta dificuldade moral,
dizemos que a dor é resultado inevitável e castigo natural do mal moral, -explicação
que não se ajustará aos fatos da vida a menos que admitamos a teoria do Karma e
renascimento pela que a alma sofre agora por pré-natais pecados de outros corpos-,
ainda não eludimos a raiz mesma do problema ético, quem criou ou por quê ou de
donde foi criado esse mal moral que implica o castigo com dor e sofrimento? E
vendo que o mal moral é em realidade uma forma de enfermidade ou ignorância
mentais, quem ou que criou esta lei ou inevitável conexão que castiga uma
enfermidade mental ou um ato de ignorância com um fato tão terrível, com torturas
às vezes tão extremas e monstruosas? A lei inexorável do Karma é irreconciliável
com uma suprema Deidade moral e pessoal, e portanto a clara lógica de Buda
negou a existência de qualquer livre e oni-governante Deus pessoal; Buda afirmou
que toda personalidade é uma criação da ignorância e está sujeita ao Karma.

Em verdade, a dificuldade assim bruscamente apresentada só surge se damos por


confirmada a existência de um pessoal Deus extra-cósmico, que em Si mesmo não é
o universo, que criou bem e mal, dor e sofrimento para Suas criaturas, mas que O
mesmo está acima sem que aqueles lhe afetem, vigiando, regendo, fazendo Sua
vontade com um mundo sofredor e em luta ou, se não faz Sua vontade, se permite
que o mundo seja governado por uma lei inexorável, sem Seu auxílio, ou socorrido
ineficientemente, então não é Deus, não é onipotente, não é todo-bem e todo-amor.
Com nenhuma teoria de um moral Deus extra-cósmico, podem explicar-se o mal e o
sofrimento, -a criação do mal e do sofrimento-, exceto mediante um insatisfatório
subterfúgio que ilude a pergunta discutida em vez de respondê-la, ou um claro ou
implícito maniqueísmo que praticamente anula a Deus ao procurar justificar seus
modos ou recusar suas obras. Mas esse Deus não é o Satchitananda Vedântico.
Satchitananda do Vedanta é uma só existência sem uma segunda; tudo o que é, é
Ele. Então, se o mal e o sofrimento existem, é Ele quem leva o mal e o sofrimento à
criatura na que Ele Se há corporizado. O problema muda assim por completo. A
pergunta já não é como chegou Deus a criar para suas criaturas sofrimento e mal,
dos quais Ele Mesmo estaria isento e portanto imune, senão como a única e infinita
Existência-Consciência-Bem-aventurança chegou a admitir em si mesma o que não é
bem-aventurança, o que parece ser sua positiva negação?
A metade da dificuldade moral desaparece, -essa dificuldade em sua única forma
incontestável-. Já não se suscita nem pode apresentar-se mais. A crueldade para os
outros, ficando Eu imune ou ainda participando de seus sofrimentos mediante
subsequente arrepentimento ou tardia piedade, é uma coisa; auto-infligir-se
sofrimento, sendo eu a única existência, é uma coisa muito distinta. A dificuldade
ética pode retornar a uma forma modificada; sendo o Todo Deleite necessariamente
todo-bem e todo-amor, como podem existir em Satchitananda o mal e o sofrimento,
dado que ele não é existência mecânica, senão ser livre e consciente, livre para
condenar e rejeitar o mal e o sofrimento? Temos de reconhecer que a questão assim
formulada é também falsa porque aplica os termos de uma afirmação parcial como
se pudessem aplicar-se ao todo. Pois as idéias de bem e de amor que dessa maneira
introduzimos no conceito do Todo-Deleite surgem de uma dualista e divisional con‐
cepção das coisas; estão baseadas inteiramente nas relações entre criatura e
criatura e enquanto, persistimos em aplicá-las a um problema que parte, pelo
contrário, da suposição do Uno que é tudo. Primeiro temos de ver como se
apresenta o problema e como pode resolver-se em sua pureza original, sobre a base
da unidade na diferença; só então podemos com segurança tratar com suas partes e
seus desenvolvimentos, tal como nas relações entre criatura e criatura o faríamos
sobre a base de sua divisão e dualidade.
Temos de reconhecer, -se enfocamos desta maneira o todo, sem limitar-nos pela
dificuldade humana e ao ponto de vista humano-, que não vivemos em um mundo
ético. A tentativa do pensamento humano de forçar um significado ético dentro da
totalidade da Natureza é um desses atos de caprichosa e obstinada auto-confusão,
uma dessas patéticas tentativas do ser humano endereçados a ler seu limitado e
habitual eu humano em todas as cosas e a julgar-las desde o ponto de vista que ele
pessoalmente desenvolveu; isso é o que mais efetivamente lhe impede chegar ao
conhecimento real e à visão completa. A Natureza material não é ética; a lei que a
governa é uma coordenação de hábitos fixos que não tem conhecimento do bem
nem do mal, senão só da força que cria, a força que dispõe e preserva, a força que
perturba e destrói imparcialmente, não eticamente, senão de acordo à secreta
Vontade nela, de acordo à muda satisfação dessa Vontade em suas próprias auto-
formações e auto-dissoluções. A Natureza animal ou vital também é não-ética, ainda
que a medida que progride põe aliviada o cru material a partir do qual o animal
superior desenvolve o impulso ético. O tigre porque mata e devora a sua presa não
o culpamos mais que a tormenta porque destrói ou ao fogo porque tortura e mata;
tão pouco a força-consciente na tormenta, o fogo ou o tigre se culpa ou se condena
a si mesma. Culpa e condenação, ou mais claramente, auto-culpa e auto-
condenação são o princípio da verdadeira ética. Quando culpamos aos demais sem
aplicar-nos a mesma Lei, não expressamos um verdadeiro juízo ético, senão que só
aplicamos a linguagem ético que temos desenvolvido para nós em ordem a um
impulso emocional de retirada ou desgosto pelo que nos desagrada ou fere.
Esta retirada ou desgosto é a origem primária da ética, mas em si mesmo não é
ético. O medo do cervo até o tigre, o furor da criatura forte contra seu agressor é
uma retirada vital do deleite individual da existência em relação com o que a
ameaça. Ao progredir, a mentalidade se refina a si mesma em repugnância, des‐
agrado, desaprovação. A desaprovação do que nos ameaça e nos fere, a aprovação
do que nos alaga e satisfaz, se refinam na concepção de bom e mau para si mesmo,
para a comunidade, para os demais distantes a nós, para as outras comunidades e
finalmente na aprovação geral do bem, a desaprovação geral do mal. Mas, contudo
e isso, a natureza fundamental da coisa permanece igual. O homem deseja a auto-
expressão, o auto-desenvolvimento, em outras palavras, o progressivo despertar em
si mesmo da Força-consciente da existência; esse é seu deleite fundamental.
Quando fere essa auto-expressão, esse auto-desenvolvimento, essa satisfação de
seu progressivo eu, para ele é mal; quanto ajude, confirme, eleve, alargue,
enobreça, para ele é seu bem. Somente, sua concepção do auto-desenvolvimento[2]
[2] muda, se torna mais elevado e amplo, impeça a sobrepassar sua limitada
personalidade, a abarcar aos demais, a abarcá-lo todo em sua perspectiva.
Em outras palavras, a ética é uma etapa na evolução. O que é comum a todas as
etapas é o impulso de Satchitananda até a auto-expressão. Este impulso ao princípio
é não-ético, depois infra-ético no animal, logo, no animal inteligente inclusive anti-
ético pois nos permite aprovar o dano feito aos demais que desaprovamos quando
fazem-no a nós. A este respeito, o homem é todavia agora só semi-ético. E assim
como tudo o que está debaixo de nós é infra-ético, de igual maneira pode ser que o
que está por cima de nós ao que eventualmente alcançaremos, que é supra-ético,
não tenha necessidade de ética. O impulso e atitude éticos, tão oni-importantes para
a humanidade, é um meio pelo que trabalha desde a harmonia e universalidade
inferiores baseadas na inconsciência e interrompidas pela Vida em discórdias
individuais, até uma harmonia e universalidade superiores baseadas na consciente
unidade com todas as existências. Ao chegar a esa meta, este meio já não é
necessário nem possível, dado que as qualidades e oposições dos que depende se
dissolverão e desaparecerão com naturalidade na reconciliação final.
Logo, se o ponto de vista ético só se aplica a um temporário ainda que oni-
importante passagem de uma universalidade a outra, não podemos aplicá-lo à total
solução do problema do universo, e só podemos admiti-lo como um elemento nessa
solução. Obrar de modo distinto é correr o perigo de falsificar todos os fatos do
universo, todo o significado da evolução detrás e mais além de nós em ordem a
satisfazer uma temporária perspectiva e uma semi-evoluída visão da utilidade das
coisas. O mundo tem três estratos: infra-ético, ético e supra-ético. Temos de
descobrir o que é comum a todos; pois só assim podemos resolver o problema.
O comum a todos é, como temos visto, a satisfação da força-consciente da
existência desenvolvendo-se nas formas e buscando seu deleite nesse
desenvolvimento. Evidentemente começou desde essa satisfação ou deleite da auto-
existência; pois isso lhe resulta normal, a isso se adere, e o faz sua base; mais
busca novas formas de si e, no passo até formas superiores, intervém o fenômeno
da dor e o sofrimento que parece contradizer a natureza fundamental de seu ser.
Este, só este, é o problema radical.
Como o resolveremos? Diremos que Satchitananda não é o princípio e fim das
coisas, senão que ó princípio e fim é Nihil, um vazio imparcial, um nada que contudo
contém todas as potencialidades da existência ou da não-existência, da consciência
ou da não-consciência, do deleite ou do não-deleite? Se preferimos, podemos aceitar
esta resposta; mas ainda que procuremos assim explicar tudo, em realidade não
temos explicado nada, unicamente temos incluído tudo. Um Nada que está cheio de
potencialidades é a mais completa oposição de termos e coisas possível e, portanto
temos unicamente explicado uma contradição menor por meio de uma maior,
levando a auto-contradição das coisas a seu máximo. Nihil é o vazio, donde não
pode haver potencialidades; una imparcial indeterminação de todas as
potencialidades é o Caos, e quanto temos feito é por o Caos no Vazio sem explicar
como foi a parar ali. Permita-nos retornar a nossa concepção original de
Satchitananda, e ver se sobre esta base não é possível uma completa solução.
Primeiro devemos deixar-nos claro que assim como quando falamos de consciên‐
cia universal significamos algo diferente de, mais essencial e amplo que a
consciência mental em vigília do ser humano; assim também, quando falamos de
deleite universal da existência significamos algo diferente de, mais essencial e amplo
que o comum prazer emocional e sensorial da criatura humana individual. O prazer,
a alegria e o deleite, tal como o homem usa as palavras, são movimentos ocasionais
e limitados que dependem de certas causas habituais, e emergem, como seus
opostos pena e pesar, -que são movimentos igualmente limitados e ocasionais-, de
um fundo distinto deles mesmos. O deleite do ser é universal, ilimitável e auto-
existente, não dependente de causas particulares, o fundo de todos os fundos, do
qual emergem o prazer, a dor e outras experiências mais neutras. Quando o deleite
do ser busca realizar-se como deleite do devir, se expressa no movimento de força e
toma diferentes formas de movimento, das quais o prazer e a dor são as correntes
positiva e negativa. Subconsciente na Matéria, superconsciente mas além da Mente,
este deleite busca na Mente e na Vida realizar-se mediante o emergir no devir, na
crescente auto-consciência do movimento. Seus primeiros fenômenos são duais ou
impuros, se manifestam entre os pólos do prazer e a dor, mas apontam a sua auto-
revelação na pureza de um supremo deleite do ser que é auto-existente e
independente de objetos e de causas. Assim como Satchitananda se expande até a
realização da existência universal no indivíduo e até a realização da “consciência
superando-a-forma” na forma de corpo e mente, de igual maneira se expande até a
realização do universal deleite, auto-existente e sem-propósito no fluxo das
experiências e objetos particulares. Esses objetos agora os buscamos como
estimulantes causas de um efêmero prazer e satisfação; livres, possuidores de si,
não os buscaremos senão que os possuiremos como refletores mais que como
causas de um deleite que existe eternamente.
No egoísta ser humano, na pessoa mental que emerge da débil casca da matéria, o
deleite da existência é neutro, semi-latente, ainda na sombra do subconsciente,
pouco mais que um oculto terreno ao que o desejo cobriu em abundância de um
exuberante cultivo de ervas venenosas e flores não menos venenosas, as dores e
prazeres de nossa existência egoísta. Quando a divina força-consciente que trabalha
secretamente em nós, tenha devorado estes cultivos do desejo, quando segundo a
imagem do Rig Veda o fogo de Deus tenha queimado os rebentos da terra, aquilo
que está escondido nas raízes destas dores e prazeres, sua causa e secreto ser, a
seiva de seu deleite emergirá em novas formas, não de desejo, senão de satisfação
auto-existente que substituirá o prazer mortal pelo êxtase Imortal. E esta
transformação é possível porque estes cultivos de sensação e emoção são, em seu
ser essencial, as dores não menos que os prazeres, esse deleite da existência que
eles buscam mas fracassam em revelar, -fracassam por causa da divisão, da
ignorância do eu e do egoísmo.

--------------------------------------------------------------------O---------------------------------------------------------------

Capitulo XII
O DELEITE DA EXISTÊNCIA: A SOLUÇÃO
O nome Daquilo é o Deleite; como Deleite devemos adorá-lo e ir em posse Disso.

Kena Upanishad[1][3]
Nesta concepção de um inalienável deleite subjacente da existência, da qual todas
as sensações externas ou superficiais são um despertar positivo, negativo ou neutro,
--ondas e espumas dessa infinita fundura--, alcançamos a verdadeira solução do
problema que examinamos. O ser-em-si das coisas é uma indivisível existência
infinita; dessa existência, a natureza ou o poder essencial, é uma imperecível força
infinita do ser auto-consciente; e dessa auto-consciência, a natureza essencial ou
conhecimento de si mesmo é, novamente, um inalienável deleite infinito do ser. Na
carência de forma e em todas as formas, no conhecimento eterno do ser infinito e
indivisível e nas multiformes aparências da divisão finita, esta auto-existência
mantêm perpetuamente seu auto-deleite. Assim como na aparente inconsciência da
Matéria, nossa alma, --fugindo de sua escravidão a seu próprio hábito superficial e
modo particular de existência auto-consciente--, descobre essa infinita Força-
Consciente constante, imóvel, concentrada, assim, na aparente não-sensação da
Matéria chega a descobrir e relacionar-se com um infinito Deleite consciente,
imperturbável, oni-abarcante, extático. Este deleite é seu próprio deleite, este ser-
em-si é seu próprio eu em tudo; mas para nosso critério ordinário do eu e as coisas,
que desperta e se expande só sobre superfícies, fica oculto, profundo,
subconsciente. E tal como é em todas as formas, assim é em todas as experiências,
já sejam aprazíveis, dolorosas ou neutras. Ali, demasiado oculto, profundo,
subconsciente, está o que capacita e compele às coisas a permanecer na existência.
Isto é a razão dessa fixação à existência, esse superdominante querer-ser, traduzido
vitalmente como instinto de auto-conservação, fisicamente como o imperecível da
matéria, mentalmente como o sentido da imortalidade que acompanha a
existência em formas através de todas suas fases de auto-desenvolvimento e do
qual, inclusive o ocasional impulso de auto-destruição é só uma forma inversa, uma
atração até outro estado do ser e um conseguinte retirado do atual estado do ser. O
Deleite é a existência; o Deleite é o segredo da criação; o Deleite é a raiz do
nascimento; o Deleite é a causa de permanecer na existência; o Deleite é o fim do
nascimento e aquilo no qual a criação cessa. “Da Ananda”, diz o Upanishad,
“nasceram todas as existências; pela Ananda permanecem no ser e crescem, para
a Ananda partem”.
Quando vemos os três aspectos do Ser essencial, --um na realidade, trino em nossa
visão mental, separável só em aparência, nos fenômenos da dividida consciência--,
somos capazes de por em seu justo lugar as divergentes fórmulas das antigas
filosofias de modo que se unam e sejam uma só, cessando em sua ancestral
controvérsia. Pois se consideramos o mundo-existência só em suas aparências e só
em sua relação com a Existência pura, infinita, indivisível e imutável, estamos
facultados a considerá-lo, descrevê-lo e compreendê-lo como Maya. Maya, em seu
sentido original, significou uma continente e compreensiva consciência capaz de
abarcar, medir e limitar, e portanto, formadora; é a que delineia, mede, molda as
formas no amorfo, aprofunda na psique e parece tomar cognoscível o Incognoscível,
se faz geométrica e parece tornar mensurável o ilimitado. Mais tarde, a palabra
passou, de seu original sentido de conhecimento, destreza, inteligência, a adquirir
um sentido pejorativo de astúcia, fraude ou ilusão que é o usado pelos sistemas
filosóficos.
O mundo é Maya. O mundo não é irreal no sentido de carecer de tipo algum de
existência; pois ainda que fosse só um sonho do Ser-em-si ainda existiria Nele como
sonho, real para Ele no presente ainda que, em última instância, irreal. Tão pouco
devemos dizer que o mundo é irreal no sentido que não têm um gênero de
existência eterna; pois ainda que formas particulares e mundos particulares podem
dissolver-se ou se dissolvem fisicamente e retornam mentalmente da consciência da
manifestação à não-manifestação, contudo, a Forma em si mesma, o Mundo em si
mesmo, são eternos. Da não-manifestação voltam inevitavelmente à manifestação;
têm uma recorrência eterna, quando não, uma persistência eterna, uma
imutabilidade eterna, em soma e fundamento, junto com uma eterna mutabilidade
em aspecto e aparição. Tão pouco temos segurança alguma de que houve ou
haverá um período no Tempo no que nenhuma forma do universo, nenhum
despertar do ser, se represente no eterno Ser-Consciente, senão tão só uma
intuitiva percepção de que o mundo que conhecemos pode aparecer e aparece
desde Isso e retorna dentro Disso perpetuamente.
O mundo todavia é Maya porque não é a verdade essencial da existência infinita,
senão só uma criação do ser auto-consciente, —não uma criação no vazio, não uma
criação no nada nem fora do nada senão na eterna Verdade e fora da eterna
Verdade desse Auto-ser--; seu continente, origem e substância são a Existência
essencial e real, suas formas são formações mutáveis Disso para Sua própria
percepção consciente, determinada por Sua própria força-consciente criadora. São
capazes de manifestação, capazes de não-manifestação, capazes de outra-
manifestação. Se preferimos, podemos chamá-las, portanto, ilusões da consciência
infinita, arrojando dessa maneira, audazmente, uma sombra de nosso sentido
mental de sujeição ao erro e à incapacidade sobre Isso que, sendo maior que a
Mente, está mais além da sujeição à falsidade e à ilusão. Mas vendo que a essência
e substância da Existência não é uma mentira e que todos os erros e deformações
de nossa dividida consciência representam alguma verdade da indivisível Existência
auto-consciente, só podemos dizer que o mundo não é a verdade essencial Disso
senão a verdade fenomênica de Sua livre multiplicidade e infinita mutabilidade
superficial, e não a verdade de Sua Unidade fundamental e imutável.
Se, por outra parte, olhamos o mundo-existência só em relação à consciência e à
força da consciência, podemos considerá-lo, descrevê-lo e compreendê-lo como um
movimento de Força que obedece alguma secreta vontade ou alguma necessidade
que lhe está imposta pela existência mesma da Consciência que a possui ou
contempla. É então o jogo de Prakriti, a força Executiva, satisfazendo a Purusha, o
contemplativo e alegre Ser-Consciente ou é o jogo de Purusha refletido nos
movimentos da Força e identificando-se com eles. O mundo, então, é a obra da Mãe
das coisas impulsionada a repartir-se para sempre, dentro de infinitas formas, e
ávida das experiências que fluem eternamente.
Se olhamos o Mundo-Existência muito mais em sua relação com o auto-deleite
do ser eternamente existente, podemos considerá-lo, descrevê-lo e compreendê-lo
como Lila, o jogo, a alegria da criança, a alegria do poeta, a alegria do ator, a
alegria do mecânico da Alma das coisas, eternamente jovem, perpetuamente
inextinguível, criando-se e recriando-se em Si Mesmo, pela pura bem-aventurança
dessa auto-criação, dessa auto-representação, —Ou mesmo o jogo, Ele mesmo o
jogador, Ele mesmo o campo de jogo--. Estas três generalizações do jogo da
existência em sua relação com o eterno e estável, o imutável Satchitananda,
partindo das três concepções de Maya, Prakriti e Lila, e representando-se em nossos
sistemas filosóficos como filosofias mutuamente contraditórias, são, em realidade,
perfeitamente coerentes cada uma com as outras, complementarias e necessárias
em sua totalidade para um critério integral da vida e o mundo. O mundo do que
somos uma parte é em sua mais óbvia aparência um movimento de Força; mas essa
Força, quando transpassamos suas aparências, dá mostras de ser um constante e
sempre mutável ritmo de consciência criadora calculando, projetando em si mesma
forças fenomênicas de seu próprio ser infinito e eterno; e este ritmo é, em sua
essência, causa e propósito, um jogo do deleite infinito do ser, sempre ocupado em
suas próprias inumeráveis auto-representações. Esta vista tripla ou tríplice deve ser
o ponto de partida de toda nossa compreensão do universo.
Então, dado que o eterno e imutável deleite do ser que se expande dentro do
infinito e variável deleite do devir é a raiz de todo o assunto, temos de conceber um
só indivisível Ser consciente detrás de todas nossas experiências, sustentando-as
mediante seu inalienável deleite e efetuando, mediante seu movimento, as variações
de prazer, dor e neutra indiferença em nossa existência sensitiva. Esse é nosso ser-
em-si real; o ser mental sujeito à tripla vibração só pode ser uma representação de
nosso eu real, posto à frente aos fins dessa experiência sensitiva das coisas que é o
primeiro ritmo de nossa dividida consciência em sua resposta e reação aos múltiplos
contatos do universo. É uma resposta imperfeita, um ritmo discordante e confuso
que prepara e preludia o pleno e unificado jogo do Ser consciente em nós; não é a
verdadeira e perfeita sinfonia que pode ser nossa se podemos entrar uma vez em
simpatia com o Um em todas as variações e entrar no mesmo tom com o absoluto e
universal diapasão.
Se esta opinião é correta, então inevitavelmente se impõem certas
consequências. Em primeiro lugar, dado que em nossas profundidades nós mesmos
somos esse Um, dado que na realidade de nosso ser somos a indivisível Oni-
Consciência e portanto a inalienável Todo-Bem-aventurança, a disposição de nossa
experiência sensitiva nas três vibrações de dor, prazer e indiferença só pode ser um
superficial ordenamento criado pela parte limitada de nós mesmos que está no mais
elevado de nossa consciência em vigília. Detrás deve haver algo em nós, --muito
mais vasto, mais profundo, mais verdadeiro que a consciência superficial—, que
assume deleite imparcialmente em todas as experiências; é esse deleite que
secretamente sustenta o ser mental superficial e o capacita para perseverar através
de todas as fadigas, sofrimentos e suplícios no agitado movimento do Devir. Isso
que chamamos nós mesmos é só um trêmulo raio na superfície; detrás está todo o
vasto subconsciente, o vasto supraconsciente aproveitando-se de todas estas
experiências superficiais e impondo-as em seu ser-em-si externo ao
qual põe relevado como uma sorte de sensitiva cobertura dos contatos do mundo;
velado, todavia recebe estes contatos e os assimila dentro dos valores de uma
experiência mais verdadeira, mais profunda, mais dominante e criadora. De suas
profundidades retorna-os à superfície em formas de força, caráter, conhecimento e
impulso, cujas raízes são misteriosas para nós, pois nossa mente se comove e
estremece na superfície e não aprendeu a concentrar-se e viver nas profundidades.
Em nossa vida ordinária esta verdade se nos oculta, ou só a vislumbramos
obscuramente às vezes, ou a sustentamos e concebemos imperfeitamente. Mas se
aprendemos a viver no interior, infalivelmente despertamos a esta presença dentro
de nós que é nosso eu real, uma presença profunda, calma, jubilosa e pujante, da
qual o mundo não é o amo, —uma presença que, se não é o Senhor Mesmo, é a
irradiação do Senhor interiormente--. Temos conhecimento dela internamente
apoiando e auxiliando ao aparente e superficial eu, e sorrindo a seus prazeres e
dores como ao erro e a paixão de uma criança pequena. E se podemos voltar dentro
de nós mesmos e nos identificamos, não com nossa experiência superficial, senão
com essa radiante penumbra do Divino, podemos viver nessa atitude até os contatos
do mundo e, --permanecendo em nossa consciência total detrás dos prazeres e
dores do corpo, do ser vital e da mente--, possuí-los como experiências cuja
natureza, que é superficial, não toca nem se impõe a nosso principal e real ser. Nos
inteiramente expressivos termos sânscritos, há um Anandamaya detrás
do Manomaya, um vasto Bem-aventurança-Eu detrás do limitado eu mental, e o
último é só uma sombria imagem e perturbado reflexo do primeiro. A verdade de
nós mesmos jaz dentro e não na superfície.
No entanto, esta tripla vibração de prazer, dor e indiferença, --sendo superficial,
sendo ordenação e resultado de nossa evolução imperfeita--, pode não ter nela nada
de regra absoluta, nem ser necessária. Em nós não há obrigação real de devolver a
um particular contato uma particular resposta de prazer, dor ou reação neutra; só
há una obrigação de hábito. Sentimos prazer ou dor em contato particular porque
esse é o hábito que formou nossa natureza, porque essa é a constante relação que
o receptor estabeleceu com o contato. É de nossa competência devolver a resposta
absolutamente oposta; prazer onde acostumamos ter dor; dor onde acostumamos
ter prazer. Igualmente está dentro de nossa competência acostumar o ser superficial
a devolver, em lugar das mecânicas reações de prazer, dor e indiferença, essa livre
réplica de inalienável deleite que é a experiência constante do verdadeiro e vasto
Bem-aventurança-Eu que está dentro de nós. E esta é uma conquista maior, uma
mais profunda e completa auto-possessão que uma agradável e desapegada
recepção nas funduras das habituais reações de superfície. Pois já não se trata de
uma mera aceitação sem sujeição, de uma livre aquiescência em imperfeitos valores
de experiência, senão que nos capacita para converter os valores imperfeitos em
perfeitos, os falsos em verdadeiros, —o constante e verdadeiro deleite do Espírito
em coisas que assumem o lugar das dualidades experimentadas pelo ser mental--.
Nas coisas da mente, esta pura relatividade habitual das reações de prazer e dor
não é difícil percebê-la. Certamente, o ser nervoso em nós está acostumado a certa
rigidez, a uma falsa impressão do absoluto nestas coisas. Para ele, vitória, bom
êxito, honra e boa fortuna de toda índole, são coisas aprazíveis em si mesmas,
absolutamente, e devem produzir regozijo assim como o açúcar há de ter gosto
doce; derrota, fracasso, contrariedade, desgraça e má fortuna de toda índole, são
coisas desagradáveis em si mesmas, absolutamente, e devem produzir pesar assim
como o absinto há de ter gosto amargo. Variar estas respostas é para ele uma fuga
dos fatos, anormal e enfermiça; pois o ser nervoso é uma coisa escravizada ao
hábito e em si, é o meio idealizado pela natureza para fixar a constância da reação,
a igualdade da experiência e o determinado esquema das relações do homem com a
vida. Por outra parte, o ser mental é livre, pois é o meio que a Natureza idealizou
para conseguir flexibilidade e variação, mudança e progresso; está sujeito só na
medida que prefere ficar sujeito, morar num hábito mental antes que em outro, e
tanto como se permite a si mesmo ser dominado por seu instrumento nervoso. Não
está atado a apenar-se pela derrota, a desgraça e a perda; pode encontrar estas
coisas e todas as coisas com uma perfeita indiferença, inclusive as pode falar com
uma perfeita alegria. Portanto, o homem descobre que quando mais recusa ser
dominado por seus nervos e corpo, quanto mais se aparta de sua implicação em
suas partes físicas e vitais, maior é sua liberdade. Converte-se em dono de suas
próprias respostas aos contatos do mundo, já não é escravo dos contatos externos.
Com respeito ao prazer e dor físicos, é mais difícil aplicar a verdade universal;
pois este é o domínio mesmo dos nervos e o corpo, o centro e sede daquilo em nós
cuja natureza há de dominar-se mediante o contato externo e a pressão externa.
Inclusive aqui, no entanto, temos vislumbres da verdade. A vemos no fato de que de
acordo ao hábito, o mesmo contato físico pode ser aprazível ou doloroso, não só
para diferentes indivíduos, senão para o mesmo indivíduo sob diferentes condições
ou em diferentes etapas de seu desenvolvimento. A vemos no fato de que os
homens, em períodos de grande excitação ou alta exaltação, ficam fisicamente
indiferentes a dor ou inconscientes diante ele, sob contatos que ordinariamente
infligiriam severa tortura ou sofrimento. Em muitos casos é só quando os nervos se
recuperam e recordam à mentalidade sua habitual obrigação de sofrer, que o
sentido do sofrimento retorna. Mas este retorno à obrigação habitual não é
inevitável; é só habitual. Vemos que nos fenômenos de hipnose não só pode ao
sujeito hipnotizado proibir-lhe sentir a dor de uma ferida ou fincada achando-se no
estado anormal, senão que também, com igual bom êxito, pode impedir-lhe voltar a
sua habitual reação de sofrer quando está desperto. A razão deste fenômeno é
perfeitamente simples; se deve a que o hipnotizador suspende a habitual
consciência em vigília, que é escrava dos hábitos nervosos, e é capaz de apelar ao
subliminal ser mental nas profundidades, ao ser mental interior que é dono, se quer,
dos nervos e o corpo. Mas esta liberdade do ser mental interior que é efetuada pela
hipnose, --anormalmente, rapidamente, sem verdadeira possessão, por uma
vontade alheia--, pode igualmente recuperar-se normalmente, gradualmente, com
verdadeira possessão, por parte da própria vontade, de modo que se conquiste
parcial ou completamente uma vitória do ser mental sobre as habituais reações
nervosas do corpo.
A dor da mente e o corpo é um recurso da Natureza, vale dizer, da Força em suas
obras, endereçado a servir a um definido objetivo de transição em sua evolução
ascendente. O mundo é, desde o ponto de vista do indivíduo, um jogo e um choque
complexo de multiplas forças. Em meio deste complexo jogo está o indivíduo como
limitado ser construído com um limitado monte de força exposto a inumeráveis
impactos que podem ferir, aleijar, romper ou desintegrar a construção a que chama
ele mesmo. A dor está na natureza do retirar nervoso e físico diante um contato
perigoso ou daninho; é uma parte do que o Upanishad chama jugupsa, a retração
do ser limitado daquilo que não é ele mesmo e que não é simpático nem está em
harmonia com ele, seu impulso de auto-defesa contra os "outros". Desde este ponto
de vista é uma indicação da Natureza do que há de evitar-se ou, se não se evita
exitosamente, do que há de remediar-se. A dor não tem existência no mundo
puramente físico enquanto a vida não entra em jogo; pois até então os métodos
mecânicos são suficientes. Seu ofício começa quando a vida com sua fragilidade e
imperfeita possessão da Matéria entra em cena; cresce com o crescimento da Mente
na vida. Seu ofício prossegue enquanto que a Mente está atada à vida e ao corpo
que usa, dependendo deles para seu conhecimento e meio de ação, sujeito a suas
limitações e aos impulsos e objetivos egoístas que nascem dessas limitações. Mas
entanto e enquanto a Mente do homem se torna capaz de ser livre, não-egoísta, em
harmonia com todos os outros seres e com o jogo das forças universais, o uso e
ofício do sofrimento diminui, sua razão de ser deve finalmente cessar de ser e só
pode continuar como um atavismo da Natureza, um hábito que há sobrevivido a sua
utilidade, uma persistência do inferior na ainda imperfeita organização do superior.
Sua eventual eliminação deve ser um ponto essencial na predestinada conquista da
alma sobre a sujeição à Matéria e à limitação egoísta da Mente.
Esta eliminação é possível porque a dor e o prazer são correntes, um imperfeito, o
outro perverso, mas, contudo, correntes do deleite da existência. A razão desta
imperfeição e desta perversão é a auto-divisão do ser em sua consciência mediante
a medida e limitação de Maya e, em consequência, uma egoísta e parcelada
recepção dos contatos por parte do indivíduo, em lugar de uma recepção universal.
Para a alma universal todas as coisas e todos os contatos das coisas levam em si
uma essência de deleite melhor descrito pelo estético termo sânscrito rasa,que
significa de uma vez seiva ou essência de uma coisa e seu sabor. É porque não bus‐
camos a essência da coisa em seu contato conosco, senão que só vamos em posse
da maneira na que afeta nossos desejos e temores, nossos apetites e medos que o
pesar e a dor, o imperfeito e efêmero prazer ou a indiferença, vale dizer, a
incapacidade absoluta de captar a essência, são as formas que toma a Rasa. Se
pudéssemos desinteressar-nos por inteiro na mente e o coração e impor esse
desapego ao ser nervoso, a progressiva eliminação destas formas imperfeitas e
perversas da Rasa seria possível e ficaria a nosso alcance o verdadeiro sabor
essencial do inalienável deleite da existência em todas suas variações. Alcançamos
algo desta capacidade de variável mas universal deleite na recepção estética das
coisas tal como a representam a Arte e a Poesia, de modo que ali desfrutamos da
Rasa saboreamos o angustiado, o terrível, inclusive o horrível ou repelente[2][4] ; e
a razão obedece a que estamos desapegados, desinteressados, sem pensar em nós
mesmos nem na auto-defesa (jugupsa), senão só na coisa e sua essência.
Certamente, esta recepção estética dos contatos não é uma precisa imagem ou
reflexo do puro deleite que é supramental e supra-estético; pois o último eliminaria
o pesar, o terror, o horror e o desgosto com suas causas enquanto que o primeiro
os admite; pois isto representa parcial e imperfeitamente uma etapa do deleite
progressivo da Alma universal das coisas em sua manifestação e nos admite em
uma parte de nossa natureza nesse desapego da sensação egoísta e essa universal
atitude através da qual a Alma única vê harmonia e beleza onde nós, seres
divididos, experimentamos muito mais caos e discórdia. A plena liberação pode
chegar a nós só mediante uma similar liberação em todas nossas partes, a
universal aesthesis, o universal ponto de vista do conhecimento, o universal
desapego de todas as cosas e inclusive a simpatia para tudo em nosso ser nervoso e
emocional.
Dado que a natureza do sofrimento é uma falha da força-consciente em nós para
fazer frente aos impactos da existência e um conseguinte retirar e contração, e sua
raiz é uma desigualdade dessa força receptiva e possessiva, devida a nossa auto-
limitação pelo egoísmo que deriva em ignorância de nosso verdadeiro Eu, de
Satchitananda, a eliminação do sofrimento primeiro deve proceder porsubstituição
do titiksa,--
o enfrentamento, a resistência e a conquista de todos os impactos da
existência--, em lugar de jugupsa, --
a retração e contração--; mediante esta forma
de resistir e conquistar procedemos a uma igualdade que pode ser, bem uma
equânime indiferença a todos os contactos ou bem uma equânime alegria em todos
os contatos; e esta equanimidade deve achar novamente um firme fundamento na
substituição da consciência de Satchitananda que é Oni-Bem-aventurança em lugar
do ego-consciência que desfruta e sofre. A consciência de Satchitananda pode ser
transcendente do universo e estar isolada dele, e o caminho a este estado da
distante Bem-aventurança é a indiferença equânime; é o caminho do asceta. Ou a
consciência de Satchitananda pode ser ao mesmo tempo transcendente e universal,
e o caminho deste estado de atual e oni-abarcante Bem-aventurança é a submissão
e perda do ego no universal e a possessão de um equânime deleite que tudo
penetra-o; é o caminho dos antigos sábios Védicos. Mas a neutralidade diante os
imperfeitos contatos do prazer e os perversos contatos da dor é ele o primeiro
resultado direto e natural da auto-disciplina da alma, e a conversão ao equânime
deleite pode, comumente, chegar só depois. A direta transformação da triple
vibração em Ananda é possível, mas menos fácil para o ser humano.
Tal é então a visão do universo que se desprende da integral afirmação Vedântica.
Uma infinita e indivisível existência oni-bem-aventurada em sua pura auto-
consciência se expande fora de sua fundamental pureza e entra no variado jogo da
Força que é a consciência, dentro do movimento de Prakriti que é o jogo de Maya. O
deleite de sua existência está, ao princípio, auto-concentrado, absorto,
subconsciente na base do universo físico; logo, emerge em uma grande massa de
movimento neutro que ainda não é o que chamamos sensação; mais tarde, emerge
mais com o crescimento da mente e o ego na tripla vibração de dor, prazer e
indiferença que se originam pela limitação da força da consciência na forma e por
sua exposição aos impactos da Força universal, que os encontra alheios e ausentes
de harmonia com suas próprias normas e medidas; finalmente, tem lugar o
consciente emergir do Satchitananda pleno em suas criações por universalidade, por
igualdade, por auto-possessão e conquista da Natureza. Este é o curso do
movimento do mundo.
Se então pergunta-se por quê a Existência Única deveria ter deleite nesse
movimento, a resposta a achamos no fato de que todas as possibilidades são
inerentes a Sua infinitude e que o deleite da existência —em seu mutável devir, não
em seu imutável ser—, se encontra precisamente na variável realização de suas
possibilidades. E a possibilidade que se estruturou aqui no universo de que somos
parte, começa desde o ocultamento de Satchitananda no que parece ser seu próprio
oposto e seu auto-encontro inclusive em meio dos termos desse oposto. O ser
infinito se perde na aparência do não-ser e emerge na aparência de uma Alma finita;
a consciência infinita se perde na aparência de uma vasta inconsciência
indeterminada e emerge na aparência de uma superficial consciência limitada; a
infinita Força auto-sustentadora se perde na aparência de um caos de átomos e
emerge na aparência do inseguro equilíbrio de um mundo; o Deleite infinito se
perde na aparência de uma insensível Matéria e emerge na aparência de um
discordante ritmo de variada dor, prazer e sentimento neutro, amor, ódio e
indiferença; a unidade infinita se perde na aparência de um caos de multiplicidade e
emerge em uma discordância de forças e seres que buscam recobrar a unidade
possuindo-se, dissolvendo-se e devorando-se uns a outros. Nesta criação há de
emergir o real Satchitananda. O homem, o indivíduo, há de converter-se em um ser
universal e viver como tal; sua limitada consciência mental há de ampliar-se à
unidade supraconsciente na que cada um abarca tudo; seu estreito coração há de
aprender o infinito abraço e substituir suas luxúrias e discórdias pelo amor universal
e seu restringido ser vital há de chegar a ser equânime diante o total impacto do
universo sobre ele e capaz de deleite universal; seu mesmo ser físico há de
conhecer-se como entidade não separada senão como uma com, --e sustentando
em si mesma--, o fluir total da Força indivisível que é todas as coisas; sua natureza
toda há de reproduzir no indivíduo a unidade, a harmonia, a unicidade-no-todo da
suprema Existência-Consciência-Bem-aventurança.
Através de todo este jogo a secreta realidade é sempre una e o mesmo deleite da
existência, o mesmo no deleite do sono subconsciente antes do emergir do
indivíduo, no deleite da luta e de todas as variedades, vicissitudes, perversões,
conversões e reversões do esforço por encontrar-se a si mesmo em meio dos
labirintos do sono semi-consciente do qual o indivíduo é o centro, e no deleite da
eterna auto-possessão supraconsciente dentro da que o indivíduo deve despertar e
chegar a ser um com o indivisível Satchitananda. Este é o jogo do Uno, do Senhor,
do Todo, como se revela a nosso conhecimento liberado e iluminado, desde o
conceitual ponto de vista deste universo material.

--------------------------------------------------------------------O---------------------------------------------------------------

Capítulo XIII
A DIVINA MAYA
Pelos Nomes do Senhor e dela, eles formaram e mediram a força da Mãe da Luz; usando poder
sobre poder dessa Força como uma vestimenta os senhores de Maya modelaram a Forma neste
Ser.

Os amos de Maya formaram tudo mediante Sua Maya; os Pais que têm visão divina puseram-No
dentro como uma criança que está por nascer.

[1][1]
Rig Veda

A Existência que atua e cria mediante o poder e desde o puro deleite de seu ser
consciente, é a realidade que somos, o ser-em-si de todas nossas modalidades e
disposições de ânimo, a causa, o objetivo e a meta de todo nosso fazer, devir e
criar. Assim como o poeta, o artista ou o músico quando criam realmente não fazem
senão desenvolver alguma potencialidade de seu não-manifestado eu verdadeiro em
uma forma de manifestação, e assim como o pensador, o estadista, o engenheiro só
projetam na forma das coisas o que jaz oculto neles mesmos, era eles mesmos, e é
todavia eles mesmos quando é tornado na forma, de igual maneira é com o mundo
e o Eterno. Toda criação ou devir não é senão esta auto-manifestação. Da semente
evolui aquilo que está já na semente, pré-existente no ser, predestinado em sua
vontade de devir, pré-disposto no deleite de devir. O plasma original continha em si,
como “força de ser”, o organismo resultante. Pois é sempre essa força secreta,
repleta, auto-sabedora, a que trabalha sobre seu próprio impulso irresistível para
manifestar a forma de si com a qual está carregada. Só o indivíduo que cria ou
desenvolve desde si mesmo, efetua uma distinção entre ele mesmo, a força que
trabalha nele e o material no que trabalha. Em realidade a força é ele mesmo, a
consciência individualizada que instrumentaliza é ele mesmo, o material que usa é
ele mesmo, a forma resultante é ele mesmo. Em outras palavras, é uma só
existência, uma só força, um só deleite de ser que se concentra em vários pontos,
diz de cada um "Isto é Eu” e trabalha nisso segundo um variado jogo de auto-força
em ordem a um variado jogo de auto-formação.
O que produz é isso mesmo e não pode ser outra coisa que isso mesmo; estrutura
um jogo, um ritmo, um desenvolvimento de sua própria existência, força de
consciência e deleite do ser. Portanto, quanto chega ao mundo, não busca senão
isto, ser, elevar-se a uma intentada forma, alargar sua auto-existência nessa forma,
desenvolver, manifestar, aumentar, realizar infinitamente a consciência e o poder
que está nisso, ter o deleite de chegar à manifestação, o deleite da forma do ser, o
deleite do ritmo da consciência, o deleite do jogo da força e alargar e aperfeiçoar
esse deleite por qualquer meio possível, em qualquer direção, através de qualquer
idéia disso que possa ser sugerida pela Existência, a Força-Consciente, o Deleite
ativo dentro de seu ser mais profundo.
E se existe alguma meta, alguma plenitude até a qual tendem as coisas, pode ser
somente a plenitude, -no indivíduo e em tudo o que os indivíduos constituem-, de
sua auto-existência, de seu poder e consciência, e de seu deleite de ser. Mas tal
plenitude não é possível na consciência individual concentrada dentro dos limites da
formação individual; a plenitude absoluta não é factível no finito pois é alheia à
auto-concepção do finito. Portanto, a única meta final possível é o emergir da
consciência infinita no indivíduo; é sua recuperação da verdade do mesmo mediante
o auto-conhecimento e a auto-realização, a verdade do Infinito no ser, o Infinito na
consciência, o Infinito no deleite repossuído como seu próprio Ser-em-si e a
Realidade da que o finito é só uma máscara e um instrumento de variada expressão.
Dessa maneira, pela natureza mesma do jogo do mundo, -tal como há sido realizado
por Satchitananda na vastidão de Sua existência estendida como Espaço e Tempo-,
temos de conceber primeiro uma involução e auto-absorção do ser consciente
dentro da densidade e a infinita divisibilidade da substância, pois de outro modo não
pode haver variação finita; logo, um emergir da auto-aprisionada força dentro do ser
formal, do ser vivente, do ser pensante; e finalmente uma liberação do formado ser
pensante na livre realização de si como o Uno e o Infinito ao jogo no mundo e,
mediante a liberação, sua recuperação da ilimitada existência-consciência-bem-
aventurança que ainda agora é secretamente, realmente e eternamente. Este triplo
movimento é a chave total do enigma-do-mundo.
É assim como a antiga e eterna verdade do Vedanta recebida em si mesma,
ilumina, justifica e nos mostra todo o significado da moderna e fenomênica verdade
da evolução no universo. E é só assim que esta moderna verdade da evolução, --que
é a velha verdade do Universal desenvolvendo-se sucessivamente no Tempo, vista
opacamente através do estudo da Força e a Matéria--, pode achar seu sentido e
justificação plenos, --iluminando-se com a Luz da verdade antiga e eterna, todavia
preservada para nós nas Escrituras Vedânticas. O pensamento do mundo já está
contemplando este mútuo auto-descobrimento e auto-iluminação que representa a
fusão do antigo conhecimento oriental e o novo conhecimento ocidental.
Mas ainda que tenhamos descoberto que todas as coisas são Satchitananda, não
tudo está explicado. Conhecemos a Realidade do Universo, não conhecemos ainda o
processo pelo qual essa Realidade há entrado neste fenômeno. Temos a chave do
enigma, nos falta todavia a fechadura na que há de girar. Pois esta Existência,
Força-Consciente, Deleite, não trabalha diretamente nem com soberana
irresponsabilidade como um mago que constrói mundos e universos com o mero
mandato de sua palavra. Percebemos um processo, somos conhecedores de uma
Lei.
É certo que esta Lei quando a analisamos, parece consistir em um equilíbrio do
jogo de forças e uma determinação desse jogo dentro de linhas fixas de trabalho
mediante o acidente do desenvolvimento evolutivo e o hábito da energia realizada
no passado. Mas esta aparente e secundária verdade vem a ser uma verdade última
para nós só na medida em que pensamos na Força isoladamente. Quando
percebemos que a Força é uma auto-expressão da Existência, estamos obrigados a
perceber também que esta linha empreendida pela Força corresponde a alguma
auto-verdade dessa Existência que governa e determina sua constante curva e
destino. E dado que a consciência é a natureza da Existência original e a essência de
sua Força, esta verdade deve ser uma auto-percepção no Ser-Consciente e esta
determinação da linha empreendida pela Força deve resultar de um poder de
conhecimento auto-diretivo inerente à Consciência que a capacita para guiar sua
própria Força inevitavelmente junto com a linha lógica da auto-percepção original. É
então um poder auto-determinante na consciência universal, uma capacidade em
auto-conhecimento da existência infinita de perceber certa Verdade em si e dirigir
sua força de criação junto com a linha dessa Verdade, a qual há presidido a
manifestação cósmica.
Mas por quê temos de interpor qualquer poder ou faculdade especial entre a
Consciência infinita mesma e o resultado de seus trabalhos? Este Auto-conhecimento
do Infinito não se estenderá livremente criando formas que depois sigam em jogo
enquanto não surja o mandato que as faça cessar, —tal como a antiga Revelação
Semita nos conta: “Disse Deus: Faça-se a Luz e a Luz se fez”--? Mas quando
dizemos: "Disse Deus: Faça-se a Luz”, damos por acabado o ato de um poder da
consciência que determina a luz saindo de tudo o que não é luz; e quando dizemos
“e a Luz se fez” presumimos uma faculdade diretora, um ativo poder
correspondendo ao original poder perceptivo, que produz o fenômeno, criando a Luz
de acordo à linha da percepção original e lhe impede ser avassalada por todas as
infinitas possibilidades que diferem dela. A consciência infinita em sua ação infinita
só pode produzir resultados infinitos; estabelecer-se sobre uma Verdade fixa ou
sobre uma ordem de verdades, e construir um mundo de conformidade com isso
que está fixado, demanda uma faculdade seletiva do conhecimento comissionado
para modelar uma aparência finita da Realidade infinita.
Os videntes Védicos conheciam este poder com o nome de Maya. Maya
representou para eles o poder da consciência infinita para compreender, conter em
si e medir, vale dizer, formar —pois forma é delimitação — o Nome e a Forma
partindo da vasta Verdade ilimitável da existência infinita. É mediante Maya que a
verdade estática do ser essencial se converte em ordenada verdade do ser ativo, —
ou, para por isto em uma linguagem mais metafísica, a partir do ser supremo no
que tudo é tudo, sem barreira de consciência separativa, emerge o ser fenomênico
no que tudo está em cada um e cada um está em tudo para o jogo de existência
com existência, consciência com consciência, força com força, deleite com deleite.
Este jogo do tudo em cada um e de cada um no todo, está oculto de nós, ao
princípio, pelo jogo mental ou ilusão de Maya que persuade a cada um de que está
em tudo mas não tudo nele, e que está em tudo como um ser separado, não como
um ser sempre inseparavelmente um com o resto da existência. Depois temos de
emergir deste erro ao jogo supramental ou a verdade de Maya donde a “cada um" e
o “todo” coexistem na inseparável unidade da verdade única e do símbolo múltiplo.
A inferior, presente e enganosa Maya mental primeiro há de ser abarcada, logo
vencida; pois é o jogo de Deus, com divisão, obscuridade e limitação, com desejo,
contenda e sofrimento, no que Ele Se submete à Força que saiu Dele Mesmo e pela
obscuridade dela, suporta O mesmo ser obscurecido. A outra Maya, ocultada por
esta mental, há de ser sobrepassada, logo abarcada; pois é o jogo de Deus das
infinitudes da existência, dos esplendores do conhecimento, das glórias da força
dominada e dos êxtases de amor ilimitável donde Ele emerge saindo da influência da
Força, em vez dele, a sustenta e consegue nela iluminar aquilo para o qual ela saiu
Dele ao princípio.
Esta distinção entre Maya inferior e superior é o vínculo entre o pensamento e o
Fato cósmico que as filosofias pessimista e ilusionista negam ou descuidam. Para
elas a Maya mental, ou talvez uma Sobremente, é a criadora do mundo, e um
mundo criado pela Maya mental seria em verdade um inexplicável paradoxo e um
fixo ainda que flutuante pesadelo da existência consciente que não poderia
classificar-se como ilusão nem como realidade. Temos de ver que a mente é só um
termo intermediário entre o governante conhecimento criador e a alma aprisionada
em suas obras. Satchitananda, --(envolto por um de Seus movimentos inferiores na
auto-esquecida absorção da Força que está perdida sob a forma de suas próprias
obras)--, retorna saindo do auto-esquecimento a Ele mesmo; a Mente é só um de
Seus instrumentos no descenso e na ascensão. É um instrumento da criação
descendente, não a criadora secreta, --um estado de transição na ascensão, não
nossa elevada fonte original nem o consumado termo da existência cósmica--.
A supramental que organiza idéias reais em uma harmonia perfeita antes de
plasmar-se no molde mental-vital-material. Mente, Vida e Corpo são uma cons‐
ciência inferior e uma expressão parcial que luta por elevar, no molde de uma
variada evolução, a essa superior “expressão de si”, já existente para o que está
Além-da-Mente. O que está no Além da-Mente é o Ideal que, em suas próprias
condições, se esforça por realizar-se.
Desde nosso ponto de vista ascendente podemos dizer que o Real está detrás de
tudo o que existe; se expressa “intermediado em um Ideal” que é uma harmonizada
verdade de si; o Ideal projeta uma realidade fenomênica do variável ser-consciente
que, inevitavelmente atraído até sua própria Realidade essencial, procura por último
recobrá-la inteiramente mediante um violento salto ou normalmente através do
Ideal que a pôs em marcha. Isto é o que explica a imperfeita realidade da existência
humana tal como é vista pela Mente, a instintiva aspiração no ser mental em prol de
uma perfetibilidade sempre além dele, em prol da escondida harmonia do Ideal, e o
surgimento supremo do espírito além do Ideal ao transcendental. Os fatos mesmos
de nossa consciência, sua constitução e sua necessidade pressupõem essa tripla
ordem; negam a dual e irreconciliável antítese de um mero Absoluto e uma mera
relatividade.
A Mente não é suficiente para explicar a existência no universo. A Cosnciência
infinita primero deve traduzir-se na infinita faculdade do Conhecimento, ou como o
chamamos desde nosso ponto de vista, onisciência. Mas a Mente não é uma
faculdade do conhecimento nem um instrumento da onisciência; é uma faculdade
para a busca do conhecimento, para a expressão tanto quanto convenha em certas
formas de pensamento relativo e para utilizá-lo em prol de certas capacidades de
ação. Ainda quando descobre, não possui; só mantêm certo fundo de moeda
corrente de Verdade —não a Verdade em si— no banco de Memória para empregá-
lo de acordo a suas necessidades. Pois a Mente é a que não conhece, a que procura
conhecer e a que nunca conhece a não ser como em um cristal obscurecido. É o
poder que interpreta a verdade da existência universal para os usos práticos de
certa ordem de coisas; não é o poder que conhece e guia essa existência e,
portanto, não pode ser o poder que a criou ou manifestou.
Mas se supomos uma Mente infinita que fosse livre de nossas limitações, ao menos
bem poderia ser a criadora do universo? Mas essa Mente seria algo muito diferente
da definição da mente tal como a conhecemos: seria algo além da mentalidade;
seria a Verdade supramental. Uma Mente infinita constituída dentro dos termos da
mentalidade como a conhecemos, só poderia criar um caos infinito, um vasto
choque de probabilidade, acidente e vicissitude vagando para um fim indeterminado
depois do qual estaria sempre buscando às cegas e aspirando. Uma Mente infinita,
onisciente e onipotente, não seria, de nenhum modo, mente na plenitude do
conceito, senão conhecimento supramental.
A Mente, como a conhecemos, é um espelho refletor que recebe imagens ou
representações de uma Verdade ou Fato pré-existente, externo a ela ou, ao menos,
mais vasto que ela. Representa para si, momento após momento, o fenômeno que é
ou há sido. Possui também a faculdade de construir em si imagens possíveis,
diferentes das do fato real que se lhe apresenta; vale dizer, representa para si não
só o fenômeno que há sido senão também o fenômeno que pode ser: não pode,
note-se bem, representar para si o fenômeno que seguramente será, exceto quando
é uma segura repetição do que é ou foi. Por último, tem a faculdade de predizir
novas modificações que busca construir a partir do encontro do que foi e o que pode
ser, a partir da possibilidade cumprida e a incumprida, algo que às vezes acerta em
construir mais ou menos exatamente, às vezes fracassa na realização, mas
usualmente o encontra vertido em distintas formas que as que vaticinou, e aplicado
a outros fins que o desejado ou tentado.
Uma Mente infinita, deste caráter, possivelmente poderia construir um cosmos
acidental, de possibilidades em conflito, e o poderia modelar dentro de algo mutável,
algo sempre efêmero, algo sempre incerto em seu câmbio, nem real nem irreal, sem
estar possuído de algum fim nem objetivo definidos senão só uma interminável
sucessão de objetivos momentâneos que —dado que não existe um superior poder
diretor do conhecimento-- eventualmente não conduzem a nenhuma parte. O
Nihilismo ou o Ilusionismo, ou alguma filosofia afim, é a única conclusão lógica
desse puro noumenismo[3][3].
O cosmos assim construído seria uma representação ou reflexo de algo não de si,
senão sempre e até o fim uma falsa representação, um distorsido reflexo; toda a
existência cósmica seria uma Mente lutando para estruturar plenamente suas
imaginações, mas sem ter êxito, pois não têm imperativa base de auto-verdade;
subjugadas e levadas adiante pela corrente de suas próprias energias passadas;
seria para sempre, indeterminadamente, empurrada para adiante sem resultado
algum, ou até que se destrua ou até que caia em eterna quietude. Isso levado a
suas raizes é o Nihilismo e o Ilusionismo, e é a única sabedoria se supomos que
nossa mentalidade humana, ou algo que se lhe pareça, representa a suprema força
cósmica e a concepção original que trabalha no universo.
Prontamente descobrimos, no original poder do conhecimento, uma força
superior à que está representada por nossa humana mentalidade, esta concepção
do universo se torna insuficiente e, portanto, carente de valor. Tem sua verdade
mas não a verdade toda. É a lei da aparência imediata do universo, mas não de sua
original verdade e último fato. Pois percebemos detrás da ação de Mente, Vida e
Corpo, algo que não está abarcado pela corrente da Força senão que a abarca e
controla; algo que não nasceu em um mundo que busca interpretar, senão que há
criado em seu ser um mundo do qual tem a onisciência; algo que não trabalha
perpetuamente para formar algo mais de si enquanto que se muda no
supradominante surgimento de passadas energias que já não pode controlar, senão
que já tem em sua consciência uma Forma perfeita de si e aqui está desenvolvendo-
a gradualmente. O mundo expressa uma Verdade prevista, obedece a uma Vontade
pré-determinante, realiza uma formativa auto-visão original, —é a crescente imagem
de uma criação divina--.
Na medida que trabalhamos só através da mentalidade governada pelas
aparências, este algo além e detrás, e sempre imanente, pode só ser uma
interferência ou uma presença vagamente sentida. Percebemos uma lei de
progresso cíclico e inferimos uma sempre crescente perfeição de algo que, em
alguma parte, é pré-conhecido. Por toda a parte vemos a Lei fundada no auto-ser e,
quando penetramos dentro no racional de seu processo, descobrimos que a Lei é a
expressão de um conhecimento inato, um conhecimento inerente à existência que
está expressando-se, e implicita na força que a expressa; e a Lei desenvolvida pelo
Conhecimento, assim como nos permite a progressão, implica uma meta
divinamente vista até a que se dirige o movimento. Vemos também que nossa razão
busca emergir a partir da impotente deriva de nossa mentalidade e dominá-la, e
alcançamos à percepção de que a Razão é só uma mensageira, uma representante
ou uma sombra de uma consciência maior, além dela, que não necessita raciocinar
porque ela é tudo e conhece tudo o que é. E então podemos passar a inferir que
esta “Fonte da Razão” é idêntica com o Conhecimento que atua como Lei no mundo.
Este Conhecimento determina sua própria lei, soberanamente, porque conhece o
que há sido, é e será, e o conhece porque existe eternamente, e se conhece
infinitamente. O Ser que é consciência infinita, a consciência infinita que é força
onipotente, quando faz de um mundo —vale dizer, de uma harmonia de si — seu
objetivo da consciência, chega a ser captável por nosso pensamento como uma
existência cósmica que conhece sua própria verdade e realiza em formas isso que
conhece.
Mas é só quando cessamos de raciocinar e aprofundamos em nós mesmos,
dentro desse segredo donde a atividade da mente esta aquietada, que essa outra
consciência chega realmente a ser-nos manifesta, —ainda que imperfeitamente
devido a nosso prolongado hábito de reação mental e limitação mental--. Então
podemos conhecer com segurança, em uma crescente iluminação, isso que
havíamos concebido incertamente mediante a pálida e trêmula luz da Razão. O
Conhecimento aguarda assentado além da mente e do raciocínio intelectual,
intronizado na vastidão luminosa da auto-visão ilimitável.
--------------------------------------------------------------------O---------------------------------------------------------------

Capítulo XIV
A SUPERMENTE COMO CRIADORA
Todas as coisas são auto-despertadas do Divino Conhecimento.

Vishnu Purana[1][1]

Um princípio de Vontade e Conhecimento ativos, superior à Mente e criador dos


mundos, é então o poder intermediário e o estado do ser entre essa auto-possessão
do Uno e este fluir dos Muitos. Este princípio não é inteiramente estranho a nós; não
pertence exclusiva e incomunicavelmente a um Ser que por inteiro difere de nós
mesmos ou a um estado da existência desde o que somos misteriosamente
projetados no nascimento, mas também rejeitados e incapazes de retomar. Parece-
nos que está nas alturas muito por cima de nós contudo suas alturas são as de
nosso ser, e acessíveis a nosso passo. Não só podemos inferir e vislumbrar essa
Verdade senão que também somos capazes de compreendê-la. Mediante uma
progressiva expansão ou uma súbita auto-transcendência luminosa podemos escalar
esses cumes em inesquecíveis momentos, ou morar nelas durante horas, ou dias, de
máxima experiência supra-humana. Quando descendemos novamente, há portas de
comunicação que podem deixar-se sempre abertas ou reabrir-se inclusive ainda que
constantemente se fechem. Mas morar ali permanentemente, neste último e
supremo cume do ser criado e criador é, ao final, o supremo ideal de nossa humana
consciência em evolução quando busca não a auto-anulação senão a auto-perfeição.
Pois, como temos visto, esta é a Idéia original, a harmonia final, e a verdade à que
nossa gradual auto-expressão no mundo retorna e que se propôe alcançar.
Enquanto, podemos duvidar se é possível, agora ou sempre, dar alguma conta deste
estado ao intelecto humano ou utilizar de algum modo comunicável e organizado
suas obras divinas para elevação de nosso conhecimento e ação humanos. A dúvida
não se suscita só pelo raro e duvidoso de qualquer fenômeno conhecido que possa
delatar a obra humana desta faculdade divina, nem da grande distância que separa
esta ação da experiência e do verificável conhecimento da humanidade ordinária;
também o sugere vigorosamente a aparente contradição em essência e operação
entre a mentalidade humana e a Supramente divina.
E certamente, se esta consciência não tem relação nenhuma com a mente nem
identidade com o ser mental, seria por completo impossível dar conta dela a nossas
noções humanas. Ou, se fosse em sua natureza só visão no conhecimento e não
poder dinâmico do conhecimento, poderíamos esperar alcançar com seu contato um
beatífico estado de iluminação mental, mas não uma luz e poder maiores para as
obras do mundo. Mas dado que esta consciência é a criadora do mundo, deve ser
não só estado de conhecimento, senão poder do conhecimento, e não só Vontade
para a luz e a visão senão Vontade para o poder e as obras. E dado que a Mente
também é criada por ela, a Mente deve ser um desenvolvimento, -não expansivo
senão limitativo-, que parte desta primária faculdade e deste ato mediador da
suprema Consciência, e deve portanto ser capaz de resolver-se reingressando
através de um inverso desenvolvimento por expansão[2][2].
Pois sempre a Mente deve ser idêntica à Supramente em essência, e ocultar em si a
potencialidade da Supramente, por mais diferente ou inclusive contrária que poda
haver chegado a ser em seus atuais formas e em seus assentados modos de
operação. Não pode então ser um irracional ou improdutiva tentativa de trabalhar, --
mediante o método de comparação e contraste--, em prol de adquirir alguma idéia
da Supramente desde o ponto de vista e segundo os termos de nosso conhecimento
intelectual. A idéia, os termos, bem podem ser inadequados mas ainda servem como
um dedo apontando à luz que nos assinala um caminho que, até alguma distância
ao menos, podemos recorrer. É mais, a Mente lhe é possível elevar-se além de si,
acedendo a certas alturas ou planos da consciência que recebem em si mesmos
alguma luz ou poder modificados da consciência supramental, e conhecer esta por
uma iluminação, uma intuição ou um direto contato ou experiência, ainda que viver
nela e ver e atuar desde ela é uma vitória que todavia não há sido tornada
humanamente possível.
E primeiro devemos detenos um momento e perguntar-nos se não há de encontrar-
se alguma luz do passado que nos guie até estes mal explorados domínios.
Necessitamos um nome, e necesitamos um ponto de partida. Pois temos chamado a
este estado de consciência, a Supramente; mas a palavra é ambígua dado que pode
tomar-se no sentido da mente mesma eminente e elevada por cima da mentalidade
ordinária mas não radicalmente modificada, ou pelo contrário pode levar o sentido
de tudo o que está além da mente e, portanto, assumir uma demasiado extensa
compreensividade que traria incluído ao Inefável mesmo. É imprescindível uma
descrição subsidiária que limite mais minuciosamente seu significado.
Aqui nos servem de ajuda os críticos versos do Veda; pois contêm, ainda que,
velado, o evangelho da divina e imortal Supramente e, através do véu, chegam a
nós alguns flashes iluminadores. Podemos ver através destas afirmações a con‐
cepção desta Supramente como uma vastidão além dos firmamentos ordinários de
nossa consciência na que a verdade do ser é luminosamente uma com tudo o que a
expressa, e assegura inevitavelmente a verdade da visão, formulação, ordenação,
expressão, ato e movimento e, portanto, a verdade também do resultado do
movimento, do resultado da ação e a expressão, infalível ordenança ou lei. Vasta
todo-compreensividade; luminosa verdade e harmonia do ser nessa vastidão e no
vago caos ou auto-perdida obscuridade; verdade da lei e do ato, e conhecimento
expressivo dessa harmoniosa verdade do ser; estes parecem ser os termos
essenciais da descrição Védica. Os Deuses, que em sua suprema entidade secreta
são poderes desta Supramente, nascidos dela, assentados nela como em seu próprio
lugar, são, em seu conhecimento, "verdade-consciente” e, em sua ação, são
possuídos da “vidente-vontade”. Sua força-consciente dirigida para as obras e a
criação está possuída e guiada por um conhecimento perfeito e direto da coisa por
fazer, de sua essência e de sua lei, —Um conhecimento que determina uma
absolutamente efetiva vontade-poder que não se desvia nem vacila em seu processo
nem em seu resultado senão que se expressa e se realiza espontânea e
inevitavelmente no ato que há sido visto pela visão--. Aqui a Luz é uma com a
Força, as vibrações do conhecimento com o ritmo da vontade são umsó,
perfeitamente, sem busca, tentativa nem esforço, com o resultado assegurado. A
Natureza divina tem duplo poder, por um lado, uma auto-formulação e uma auto-
ordenação espontâneas que brotam naturalmente da essência da coisa manifestada
e expressam sua verdade original, e por outro, uma auto-força da luz inerente à
coisa mesma e a fonte de sua auto-ordenação espontânea e inevitável.
Há detalhes subordinados, mas importantes. Os videntes Védicos parecem falar de
duas faculdades primárias da alma “verdade-consciente”; são a Vista e o Ouvido,
pelos que se pretende dirigir as operações de um Conhecimento inerente descritível
como verdade-visão e verdade-audição e refletido a grande distância em nossa
mentalidade humana pelas faculdades da revelação e inspiração. Além disso, parece
haver uma distinção nas operações da Supramente entre o conhecimento por
compreensão e penetrante consciência que está muito próximo do conhecimento
subjetivo por identidade, e o conhecimento por projeção, confrontação, apreendente
consciência que é o princípio da cognição objetiva. Estas são as pistas Védicas. E
podemos aceitar desta antiga experiência o termo subsidiário “verdade-consciência”
para delimitar a conotação da frase mais elástica, Supramente.
Vemos de uma só vez que essa consciência, descrita por essas características, deve
ser uma formulação intermediária que retrocede a um termo por cima dela e mais
adiante a outro debaixo dela; vemos ao mesmo tempo que esta é, evidentemente, o
vínculo e o meio através dos quais o inferior se desenvolve a partir do superior e
igualmente seria o vínculo e o meio pelos que o inferior pode desenvolver-se de
regresso outra vez até sua fonte. O termo de cima é a consciência unitária e
indivisível do puro Satchitananda no que não há distinções separativas; o termo
debaixo é a consciência analítica ou divisora da Mente que só pode conhecer por
separação e distinção e que, no mais, tem uma vaga e secundária apreensão da
unidade e infinitude, —pois, ainda que pode sintetizar suas divisões, não pode
atingir a uma verdadeira totalidade--. Entre eles está essa consciência compreensiva
e criadora, que com seu poder de conhecimento penetrante e compreensivo é o filho
desse auto-conhecimento por identidade que é o equilíbrio do Brahman; e com seu
poder de conhecimento por projeção, confrontação e apreensão é o pai desse
conhecimento por distinção que é o processo da Mente.
Acima, a fórmula do Um eternamente estável e imutável; abaixo, a fórmula dos
Muitos que, eternamente mutável, busca mas dificilmente encontra no fluir das
coisas um ponto de apoio firme e imutável; no meio, a sede de todas as trindades,
de tudo o que é bi-uno, de tudo o que chega a ser Muitos-em-Um e contudo segue
sendo Um-em-Muitos porque originariamente foi Um que potencialmente é sempre
Muitos. Este termo intermediário é, portanto, o princípio e o fim de toda criação e
ordenação, o Alfa e o Ômega, o ponto de partida de toda diferenciação, o
instrumento de toda unificação, origem, executor e consumador de todas as
harmonias realizadas a realizáveis. Tem o conhecimento de Um, mas é capaz de
extrair do Uno suas escondidas multiplicidades; manifesta os Muitos, mas não se
perde em suas diferenciações. E não diremos que sua existência mesma assinala
detrás a Algo que está além de nossa suprema percepção da inefável
Unidade, ¾Algo inefável e mentalmente inconcebível não devido a sua unidade e
indivisibilidade, senão por causa de sua liberdade de inclusive estas formulações de
nossa mente—, algo além da unidade e a multiplicidade? Isso seria o total Absoluto
e Real que assim nos justifica nosso conhecimento de Deus e nosso conhecimento
do mundo.
Mas estes termos são imensos e difíceis de captar; passemos às precisões. Falamos
do Uno como Satchitananda; mas na descrição mesma propomos três entidades e as
unimos para alcançar a uma trindade. Dizemos "Existência, Consciência, Bem-
aventurança”, e logo dizemos “elas são uma só”. É um processo da mente. Mas para
a consciência unitária esse processo é inadmissível. A Existência é Consciência e não
pode haver distinção entre elas; a Consciência é Bem-aventurança e não pode haver
distinção entre elas. E dado que nem sequer existe esta diferenciação não pode
haver mundo. Se essa é a única realidade, então o mundo não existe nem existiu
jamais, nem nunca pode haver sido concebido; pois a consciência indivisível é
consciência indivisível e não pode originar divisão nem diferenciação. Mas isto é
um reductio ad absurdum; não podemos admiti-lo a menos que nos contentemos
com baseá-lo todo em um impossível paradoxo e uma antítese irreconciliável.
Por outra parte, a Mente pode conceber com precisão divisões como se fossem
reais; pode conceber uma totalidade sintética ou o finito estendendo-se
indefinidamente; pode captar agregados de coisas divididas e a singularidade
subjacente a elas; mas a unidade última e a infinitude absoluta são, para sua
consciência das coisas, noções abstratas e quantidades incontáveis, nada que seja
real para sua captação e menos todavia, algo que seja o único real. Há aqui,
portanto, o termo oposto da consciência unitária; temos, ao confrontar a unidade
essencial e indivisível, uma multiplicidade essencial que não pode alcançar à unidade
sem abolir-se a si mesma e no ato mesmo confessar que em realidade jamais
poderia haver existido. Contudo, existiu; pois é esta a que há encontrado a unidade
e aboliu-se a si mesma. E novamente temos um reductio ad absurdum repetindo o
violento paradoxo que busca convencer ao pensamento aturdindo-o e igualmente de
novo, a não reconciliada e irreconciliável antítese.
A dificuldade, em seu termo inferior, desaparece se advertimos que a Mente é só
uma forma preparatória de nossa consciência. A Mente é um instrumento de análise
e síntese, mas não de conhecimento essencial. Sua função é cortar, separar algo
vagamente da Coisa desconhecida em si mesma e chamar a esta medição ou
delimitação dela o todo, e novamente analisar o todo em suas partes que considera
como separados objetos mentais. São só partes e acidentes o que a Mente pode ver
definidamente e, a sua maneira, conhecer. De todo sua única idéia definida é uma
montagem de partes ou uma totalidade de propriedades e acidentes. O todo, --não
visto como uma parte de algo mais ou em suas próprias partes, propriedades e
acidentes--, é para a mente não mais que uma vaga percepção; só quando é
analisado e situado por si mesmo como separado objeto constituído, uma totalidade
dentro de uma totalidade maior, a Mente pode dizer-se a si mesma, “Agora conheço
isto”. E em realidade não o conhece. Só conhece sua própria análise do objeto e da
idéia que se há formado dele mediante uma síntese das separadas partes e
propriedades que há visto. Ali seu poder característico, sua segura função cessa, e
se tivéramos um conhecimento maior, mais profundo e real, —Um conhecimento e
não um intenso mas amorfo sentimento como os que advêm às vezes em certas
partes profundas mas inarticuladas de nossa mentalidade—, a Mente haveria de
fazer lugar para outra consciência que colmara à Mente fazendo-a transcender, ou
ao revés e assim, rectificara suas operações depois de saltar além dela mesma; o
cume do conhecimento mental é só um trampolim desde o qual esse salto pode ser
realizado. A suprema missão da Mente é treinar nossa obscura consciência emergida
da obscura prisão da Matéria, em iluminar seus cegos instintos, fortuitas intuições e
vagas percepções, até que chegue a ser capaz dessa luz maior e dessa superior
ascensão. A mente é uma passagem, não uma culminação.
Por outra parte, a consciência unitária ou Unidade indivisível não pode ser essa
entidade impossível, uma coisa sem conteúdo da que há saído todo o conteúdo e na
qual desaparece e chega a ser aniquilado. Deve ser uma original auto-concentração
na que tudo esteja contido mas de maneira distinta à manifestação temporal e
espacial. Isso que desse modo se concentrou, é a completamente inefável e
inconcebível Existência que o Nihilista imagina em sua mente como o negativo Vazio
de tudo o que conhecemos e somos, mas o Transcendentalista, com igual razão,
pode imaginar sua mente como a positiva mas indistinguível Realidade de tudo o
que conhecemos e somos. “No princípio”, diz o Vedanta, “estava a Existência única
sem uma segunda”, mas antes e depois do princípio, agora, para sempre e além do
Tempo, está o que não podemos descrever nem sequer como o Uno, nem quando
dizemos que nada salvo Isso é. Como podemos ser conscientes de que é, primeiro,
sua original auto-concentração pela que nos esforçar-nos em compreendê-lo como o
Uno indivisível; em segundo lugar, a difusão e aparente desintegração de tudo o que
estava concentrado em sua unidade que é a concepção Mental do universo; e em
terceiro lugar, sua firme auto-extensão na Verdade-consciência que contêm e
sustenta a difusão, e evita que passe a ser uma real desintegração, mantêm a
unidade na máxima diversidade e conserva a estabilidade na máxima mutabilidade,
insiste na harmonia na aparência de uma oni-penetrante contenda e colisão,
mantêm ao eterno cosmos donde a Mente alcançaria só a um caos eternamente
intentando dar-se forma. Esta é a Supramente, a Verdade-consciência, a Real-Idéia
que se conhece a si mesma e a tudo o que chega a ser.
A Supramente é a vasta auto-extensão do Brahman que contêm e desenvolve.
Mediante a Idéia desenvolve o princípio tríplice da existência, consciência e bem-
aventurança, de sua indivisível unidade. Há diferenças mas não as divide. Estabelece
uma Trindade, não chegando como a Mente das três ao Uno, senão manifestando às
três desde o Uno, —pois ela manifesta e desenvolve—, e mantendo-as na unidade
—pois conhece e contêm--. Mediante a diferenciação é capaz de apresentar a uma
ou outra delas como a Deidade efetiva que contêm as demais envolvidas ou
explicitas em si, e este processo cria o fundamento de todas as outras
diferenciações. E mediante a mesma operação atua em todos os princípios e possi‐
bilidades que faz evoluir a partir desta todo-constituinte trindade. Possui o poder de
desenvolvimento, de evolução, de tornar explícito, e esse poder leva consigo o outro
poder de involução, de cobrimento, de tornar implícito. Num sentido, pode dizer-se
que a criação toda é um movimento entre duas involuções, uma, Espírito no que
tudo está envolvido e do que tudo evolui desde baixo, até o outro pólo da Matéria,
outra, Matéria na que também tudo está envolvido e da que tudo evolui desde
baixo, até o outro pólo do Espírito.
Assim todo o processo de diferenciação mediante a Real-Idéia criadora do
universo é uma assentada exposição de princípios, forças e formas que contêm, pela
compreensiva consciência, todo o resto da existência dentro deles, e enfrentam a
apreensiva consciência com todo o resto da existência implícito detrás deles.
Portanto, cada um está em tudo como tudo está em cada um. Por ele cada semente
de coisas implica em si mesma toda a infinitude de variadas possibilidades, mais é
submetida a uma lei de processo e resultado pela Vontade, vale dizer, pelo
Conhecimento-Força do Ser-Consciente, que está manifestando-se a si mesmo e
que, seguro da Idéia em si mesmo, pré-determina por ela suas próprias formas e
movimentos. A semente é a Verdade de seu próprio ser que esta Auto-Existência vê
em si mesma, a resultante dessa semente de auto-visão é a Verdade da auto-ação,
a lei natural do desenvolvimento, formação e funcionamento que segue
inevitavelmente à auto-visão e mantêm os processos envolvidos na Verdade original.
Toda a Natureza é, simplesmente, então, a Vontade-Vidente, o Conhecimento-Força
do Ser-Consciente, trabalhando para despertar em força e forma toda a inevitável
verdade da Idéia à que originariamente se entregou.
Esta concepção da Idéia nos assinala o contraste essencial entre nossa
consciência mental e a Verdade-consciência. Consideramos o pensamento como
uma coisa separada da existência, abstracto, insubstancial, diferente da realidade,
algo que aparece não se sabe donde e se separa da realidade objetiva em ordem a
observá-la, entendê-la e julgá-la; tal nos parece e assim é, portanto, para nossa
mentalidade oni-divisora e todo-analisadora. A primeira tarefa da Mente é ser
“separadora”, efetuar fissuras mais que discernir, e é assim como fez esta
paralizante fissura entre o pensamento e a realidade. Mas na Supramente todo ser é
consciência, toda consciência é de ser, e a idéia, uma repleta vibração da
consciência, é igualmente uma vibração do ser repleto de si mesmo; é uma saída
inicial, um auto-conhecimento criador, do que está concentrado no auto-
conhecimento não-criador. Sai como Idéia que é realidade, e essa realidade da Idéia
é a que se desenvolve a si mesma, sempre por seu próprio poder e consciência de
si, sempre auto-consciente, sempre auto-desenvolvendo-se mediante a vontade
inerente à Idéia, sempre auto-realizando-se mediante o conhecimento engranado
em seu próprio impulso. Esta é a verdade de toda criação, de toda evolução.
Na Supramente, o ser, a consciência do conhecimento e a consciência da
vontade não estão divididos como parecem estar em nossas operações mentais; são
uma trindade, um movimento com três aspectos efetivos. Cada um tem seu efeito
próprio. O ser dá o efeito da substância, a consciência o efeito do conhecimento, da
auto-guiante e conformadora idéia, da compreensão e a apreensão; a voluntade dá
o efeito da força auto-realizadora. Mas a idéia é só a luz da realidade iluminando-se;
não é pensamento nem imaginação mentais, senão auto-entendimento efetivo. É
Real-Idéia.
Na Supramente o conhecimento na Idéia não está divorciado da vontade na
Idéia senão que é um com ela, —assim como não é diferente do ser ou substância,
senão que é um com o ser, luminoso poder da substância--. Assim como o poder de
acender luz não é diferente da substância do fogo, de igual modo o poder da Idéia
não é diferente da substância do Ser que se estrutura na Idéia e seu
desenvolvimento. Na nossa mentalidade todos são diferentes. Temos uma idéia e
uma vontade de acordo com a idéia ou bem, um impulso da vontade e uma idéia
afastando-se dela; pois diferenciamos efetivamente a idéia da vontade e a ambas de
nós mesmos. Eu sou; a idéia é uma misteriosa abstração que se me apresenta, a
vontade é outro mistério, uma força mais próxima à concretização, ainda que não
concreta, senão sempre algo que não é eu mesmo, algo que tenho ou consigo ou
captei, mas não sou. Trago um abismo também entre minha vontade, seu meio e o
efeito, pois os considero como realidades concretas externas e diferentes de mim
mesmo. Portanto nem eu mesmo, nem a idéia nem a vontade em mim são auto-
efetivas. A idéia pode cair fora de mim, a vontade pode fracassar, o meio pode
faltar, eu mesmo, por todas ou por uma qualquer destas lacunas posso realizar
irrealizado.
Mas na Supramente essa divisão paralizante não existe, porque o conhecimento
não está auto-dividido, a força não está auto-dividida, o ser não está auto-dividido
como na mente; não estão interrompidos em si mesmos, nem divorciados um dos
outros. Pois a Supramente ou o Vasto; parte da unidade, não da divisão, é
primeiramente compreensiva, a diferenciação é só seu ato secundário. Portanto
qualquer que seja a verdade do ser expressada, a idéia que lhe corresponde
exatamente, a vontade-força o faz a sua vez a idéia, —sendo a força só o poder da
consciência—, e o resultado torna-o, a vontade. A idéia não choca com outras idéias,
a vontade ou outra força não choca com outra vontade ou força, como no homem e
seu mundo; pois há uma vasta Consciência que contêm e relaciona todas as idéias
em si mesma como suas próprias idéias, uma vasta Vontade que contêm e relaciona
todas as energias em si mesma como suas próprias energias. Atrasa isto, adianta
aquilo, mas de acordo a sua própria pré-concebida Idéia-Vontade.
Esta é a justificação das corrintes noções religiosas da onipresença, onisciência e
onipotência do Ser Divino. Longe de ser uma irracional imaginação são
perfeitamente racionais e de nenhum modo contradizem à lógica de uma filosofia
compreensiva nem às indicações da observação e experiência. O erro consiste em
construir um incomunicável abismo entre Deus e o homem, entre o Brahman e o
mundo. Esse erro eleva uma real e prática diferenciação no ser, na consciência e na
força dentro de uma divisão essencial. Mas este aspecto da questão o tocaremos
depois. Agora temos alcançado uma afirmação e a alguma concepção da divina e
criadora Supramente na que tudo é uno em ser, consciência, vontade e deleite,
ainda que com uma infinita capacidade de diferenciação que desperta mas não
destrói a unidade, —na que a Verdade é a substância, a Verdade surge na Idéia e a
Verdade surge na forma e há uma verdade de conhecimento e vontade, uma
verdade de auto-realização e, portanto, de deleite; pois toda auto-realização é
satisfação do ser. Portanto, em todas as mutações e combinações, sempre, uma
harmonia auto-existente e inalienável.
--------------------------------------------------------------------O---------------------------------------------------------------

Capitulo XV
A SUPREMA VERDADE-CONSCIÊNCIA
Aquele assentado no sonho da Supraconsciência, uma concentrada Inteligência, bem-aventurado, e
gozoso da Bem-aventurança... Este é o onipotente, este é o onisciente, este é o controle interior,
este é a fonte de tudo.

Mandukya Upanishad[1][3]
Portanto, temos de considerar a esta Supramente oni-continente, oni- originadora, e
todo-consumante como a natureza do Ser Divino, não por certo em sua auto-
existência absoluta, senão em sua ação como o Senhor e Criador de seus próprios
mundos. Isto é a verdade do que chamamos Deus. Obviamente não se trata da
demasiado pessoal e limitada Deidade, o magnificente e supranatural Homem da
ordinária concepção ocidental; pois essa concepção erige um Ídolo demasiado
humano de uma certa relação entre a Supramente criadora e o ego. Devemos
certamente não excluir o aspecto pessoal da Deidade, pois o impessoal é só uma
face da existência; o Divino é Oni-existência, mas é também o único Existente, —é o
único Ser-Consciente, mas ainda um Ser--. Não obstante, agora não nos referimos a
este aspecto; o que procuramos fazer é sondar a impessoal verdade psicológica da
Consciência divina; isto é o que temos de fixar em uma ampla e clarificadora
concepção.
A Verdade-Consciência está presente por toda parte no universo como um
ordenante auto-conhecimento pelo qual o Uno manifesta as harmonias de sua
infinita multiplicidade potencial. Sem este ordenante auto-conhecimento, a
manifestação seria meramente um caos cambiante, precisamente porque a
potencialidade é infinita, --(que por si mesma só conduziria a um jogo de
incontrolada probabilidade ilimitada)--. Se só houvesse potencialidade infinita, --
(sem alguma lei de guiadora verdade e harmoniosa auto-visão, sem alguma Idéia
pré-determinadora na semente mesma das coisas, originada para a evolução)--, o
mundo não seria senão uma incerteza abundante, amorfa e confusa. Mas o
Conhecimento que cria, posto que o que cria ou libera são formas e poderes de si
mesmo e não coisas diferentes dele mesmo, possui em seu próprio ser a visão da
verdade e a lei que governa cada potencialidade, e junto com ela um intrínseco
entendimento de sua relação com outras potencialidades e as harmonias possíveis
entre elas; tem tudo isto pré-figurado na general harmonia determinante que a total
Idéia rítmica de um universo deve conter em seu nascimento mesmo e em sua auto-
concepção e que, portanto, deve inevitavelmente estruturar-se mediante a
interrelação de seus componentes. É a fonte e custódia da Lei no mundo; pois essa
lei não é nada arbitrário, —(é a expressão de uma auto-natureza que está
determinada pela pujante verdade da Idéia real que cada coisa contêm em seu
início)--. Portanto, desde o princípio, o desenvolvimento total está prédeterminado
em seu auto-conhecimento e em todo instante em sua auto-elaboração; cada coisa
é o que deve ser em cada instante mediante sua própria e original Verdade inerente;
e se expande até o que deve ser no instante seguinte, mediante sua própria e
original Verdade inerente; e ao fim será o que estava contido e proposto em sua se‐
mente.
Este desenvolvimento e progresso do mundo de acordo com uma verdade
original de seu próprio ser, implica uma sucessão de Tempo, uma relação no Espaço
e uma regulada interação de coisas relacionadas no Espaço, ao qual a sucessão do
Tempo lhe brinda o aspecto de Causalidade. O Tempo e o Espaço, conforme com a
metafísica, só têm uma existência conceitual e não real; mas dado que todas as
coisas não só estas são formas assumidas pelo Ser-Consciente em sua própria
consciência, a distinção não é de grande importância. O Tempo e o Espaço são esse
único Ser-Consciente vendo-se em extensão, subjetivamente como Tempo,
objetivamente como Espaço. Nosso ponto de vista mental destas duas categorias
está determinado pela idéia de medida que é inerente na ação do analítico movi‐
mento divisório da Mente. O Tempo é para a Mente uma móvel extensão medida
pela sucessão de passado, presente e futuro na que a mente se situa em um certo
ponto de observação desde o que olha o antes e o depois. O Espaço é uma estável
extensão medida pela divisibilidade da substância; em certo ponto dessa divisível
extensão a Mente se situa e contempla à disposição da substância em seu redor.
De fato, a Mente mede o Tempo por sucesso e o Espaço por Matéria, mas é
possível em uma pura mentalidade descartar o movimento de sucessos e a
disposição da substância e dar-se conta do puro movimento da Força-Consciente
que constitui o Espaço e o Tempo; estes dois são, então, simplesmente dois
aspectos da força universal da Consciência que em sua entrelaçada interação
compreendem a urgência e a trama de sua ação sobre Si. E a uma consciência
superior que a Mente, à qual considerara nosso passado, presente e futuro em uma
só visão, --(contendo-os e não contida neles)--, não situada em um particular
momento do Tempo para seu ponto de prospecção, o Tempo bem poderia oferecer-
lhe como um eterno presente. E a mesma consciência não situada em um particular
ponto do Espaço, mas contendo todos os pontos e regiões no mesmo, o Espaço
também poderia oferecer-se como uma extensão subjetiva e indivisível, —(não
menos subjetiva que o Tempo)--. Em certos momentos chegamos a ser conscientes
de uma indivisível observação mantendo mediante sua imutável unidade auto-
consciente as variações do universo. Mas não devemos agora perguntar como os
contidos do Tempo e do Espaço se apresentariam ali em sua verdade
transcendente; pois isto nossa mente não pode concebê-lo, —e está sempre ponta
para negar a este Indivisível qualquer possibilidade de conhecimento do mundo em
algum outro modo que não seja este de nossa mente e sentidos--.
O que temos que compreender, e podemos até certo ponto conceber, é a única
visão e todo-compreensiva observação pelas que a Supramente abarca e unifica as
sucessões do Tempo e as divisões do Espaço. E primeiramente, se não existisse este
fator das sucessões do Tempo, não haveria mudança nem progressão; se
manifestaria perpetuamente numa perfeita harmonia, --(coexistente com outras
harmonias em uma sorte de eterno momento não sucessivo a elas)--, no movimento
desde o passado ao futuro. Em lugar disso temos a constante sucessão de uma
harmonia desenvolvendo-se na que uma variedade surge de outra que a precedeu e
oculta em si a que há substituído. Ou, se a auto-manifestação fosse existir sem o
fator do Espaço divisível, não haveria relação mutável de formas ou entre chocar de
forças; tudo existiria sem estruturar-se, —(uma auto-consciência inespacial,
puramente subjetiva, conteria todas as coisas em uma infinita captação subjetiva
como na mente de um poeta ou sonhador cósmico, mas não se distribuiria através
de tudo em uma indefinida auto-extensão objetiva)--. Ou de outro modo, se só o
Tempo fosse real, suas sucessões seriam um puro desenvolvimento no que uma
variedade surgiria de outra em uma livre espontaneidade subjetiva como em uma
série de sons musicais ou em uma sucessão de imagens poéticas. Em lugar disso,
temos uma harmonia estruturada pelo Tempo em termos de formas e forças que
permanecem relacionadas umas com outras em uma oni-continente extensão
espacial; uma incessante sucessão de poderes e figuras de coisas e sucessos em
nossa visão da existência.
As diferentes potencialidades estão corporizadas, situadas e relacionadas neste
campo do Tempo e o Espaço, cada uma com seus poderes e possibilidades
enfrentando outros poderes e possibilidades, e como resultado, as sucessões do
Tempo chegam a ser, em sua aparência diante a mente, uma estrutura produtora de
coisas mediante impacto e luta, e não por espontânea sucessão. Em realidade,
existe uma espontânea produção de coisas desde dentro e o impacto e luta externos
são só o aspecto superficial desta elaboração. Pois a interior e inerente lei do uno e
o todo, que necessariamente é uma harmonia, governa as outras e causais leis das
partes ou formas que parecem estar em colisão; e esta maior e mais profunda
verdade da harmonia está sempre presente para a visão supramental. Isto, que é
uma aparente discórdia para a mente devido a que considera cada coisa
separadamente em si, é um elemento da sempre-presente e sempre-em-
desenvolvimento harmonia geral da Supramente, pois esta vê todas as coisas em
uma múltipla unidade. Além disso, a mente só vê um tempo e espaço dados, e
contempla muitas possibilidades sem ordem nem concerto como mais ou menos
realizáveis todas nesse tempo e espaço; a Supramente divina vê toda a extensão do
Tempo e o Espaço e pode abarcar todas as possibilidades da mente e muitíssimas
mais, não visíveis para a mente, mas sem nenhum erro, vacilação ou confusão; pois
percebe cada potencialidade em sua própria força, necessidade essencial e relação
correta com as outras e com o tempo, lugar e circunstância de sua gradual
realização e de sua última realização. Ver as coisas como permanentes e contemplá-
las como um todo não é possível para a mente; no entanto, essa é a natureza
mesma da Supramente transcendente.
Esta Supramente, em sua visão consciente, não só contêm todas as formas de si
mesma que sua força consciente cria, senão que também as penetra como uma
Presença imanente e uma Luz auto-reveladora. Está presente, ainda que oculta, em
cada forma e em cada força do universo; é a que determina soberana e
espontaneamente a forma, a força, e o funcionamento; põe limites às variações que
impõe; e tudo isto se faz de acordo com as leis primeiras[2][4] que seu auto-
conhecimento há fixado no nascimento mesmo da forma, no ponto de partida
mesmo da força. Está assentada dentro de cada coisa como o Senhor no coração de
todas as existências, quem os faz girar como um motor mediante o poder de sua
Maya[1][5] ; está dentro delas a as abarca como o Divino Vidente que variadamente dispôs e ordenou os
objetos, cada um corretamente de acordo com o que é, desde os anos eternos[2][6].

Portanto, cada coisa na Natureza, animada ou inanimada, mentalmente auto-


consciente ou não auto-consciente, está governada em seu ser e em suas operações
por uma Visão e um Poder imanentes, subconscientes ou inconscientes para nós
porque não temos consciência dela, que não é inconsciente de si, senão muito mais
profunda e universalmente consciente. Portanto, cada coisa parece fazer os
trabalhos da inteligência, ainda sem possuir inteligência, porque obedece,
subconscientemente como na planta e o animal, ou semi-conscientemente como no
homem, a Real-idéia da Supramente divina dentro dela. Mas não é uma Inteligência
mental a que informa e governa todas as coisas; é uma auto-sabedora Verdade do
ser na que o auto-conhecimento é inseparável da auto-existência; é esta Verdade-
consciência que não há de examinar a cosas, senão estruturá-las com o
conhecimento, de acordo à impecável auto-visão e à inevitável força da única e
auto-realizante Existência. A inteligência mental examina porque é simplesmente
uma força refletora da consciência, que não sabe, mas busca conhecer; segue no
Tempo passo a passo, o trabalho de um conhecimento superior a ela, um
conhecimento que existe sempre, único e total, que sustenta o Tempo desprendido,
que vê passado, presente e futuro com um simples olhar.
Este é, então, o primeiro princípio operativo da Supramente divina; é uma visão
cósmica que é oni-compreensiva, oni-penetrante e oni-habitante. Porque
compreende todas as cosas no ser e no estático auto-conhecimento, subjetivo,
atemporal, inespacial, portanto compreende todas as coisas no conhecimento
dinâmico e governa sua objetiva auto-encarnação no Espaço e Tempo.
Nesta consciência; conhecedor, conhecimento e conhecido não são diferentes
entidades, senão fundamentalmente uma só. Nossa mentalidade faz uma distinção
entre estes três porque não pode prosseguir sem distinções; ao perder seus meios
apropriados e sua fundamental lei de ação, se torna imóvel e inativa. Portanto,
ainda quando me contemplo mentalmente, todavia tenho que fazer esta distinção.
Eu sou, tanto como conhecedor; aquele que observo em mim mesmo, contemplo-o
como objeto de meu conhecimento; eu mesmo como objeto de conhecimento
todavia não sou eu mesmo; o conhecimento é uma operação pela qual vinculo o
conhecedor com o conhecido. Mas a artificialidade, a puramente prática e utilitária
característica desta operação é evidente; é evidente que não representa a verdade
fundamental das coisas. Em realidade, eu o conhecedor sou a consciência que
conhece; o conhecimento é essa consciência, eu mesmo operando; o conhecido é
também eu mesmo, uma forma ou movimento da mesma consciência. Os três são
claramente uma só existência, um só movimento, indiviível ainda que pareça
dividido, não distribuído entre suas formas ainda que pareça distribuir-se e
permanecer separado em cada uma. Mas este é um conhecimento ao que a mente
pode alcançar, pode aplicar-lhe a lógica e ao que pode sentir, mas não pode
rapidamente fazê-lo a base prática de suas operações inteligentes. E com respeito
aos objetos externos à forma da consciência que chamo eu mesmo, a dificuldade
chega a ser quase insuperável; inclusive para sentir a unidade se requer um esforço
anormal, e para retê-la e atuar sobre ela continuamente seria necessária uma nova
e estranha ação que não pertence propriamente à Mente. A Mente pode no mais
sustentá-la como uma verdade entendida assim como para corrigir e modificar
mediante ela suas próprias atividades normais que ainda se baseiam na divisão, algo
assim como conhecer intelectualmente que a terra gira ao redor do sol e mediante
isso ser capaz de corrigir mas não abolir a artificial e fisicamente prática ordenação
segundo a qual os sentidos persistem em considerar o sol como em movimento ao
redor da terra.
Mas a Supramente possui e atua sempre, fundamentalmente, sobre esta verdade da
unidade que para a mente é só uma possessão secundária ou adquirida e não a
base mesma de sua visão. A Supramente vê o universo e seu conteúdo como ela
mesma em um simples e indivisível ato de conhecimento, um ato que é sua vida,
que é o momento mesmo de sua auto-existência. Portanto, esta compreensiva
consciência divina em seu aspecto de Vontade, não tanto guia ou governa o
desenvolvimento da vida cósmica como o consuma em si mesma, mediante um ato
de poder que é inseparável do ato de conhecimento e do movimento de auto-
existência, é, certamente, um e o mesmo ato. Pois temos visto que a força universal
e a consciência universal são uma só —a força cósmica é a operação da consciência
cósmica--. De igual maneira o divino Conhecimento e a divina Vontade são um só;
eles são o mesmo movimento fundamental ou ato da existência.
Esta indivisibilidade da compreensiva Supramente que contêm toda a multiplicidade
sem fazer a um lado sua própria unidade, é uma verdade sobre a que sempre temos
de insistir, se temos de entender o cosmos e desembaraçar-nos do erro inicial de
nossa mentalidade analítica. Uma árvore evolui a partir da semente na que está já
contida, a semente sai da árvore; uma lei fixa, um processo invariável reina na
permanência da forma da manifestação à que chamamos árvore. A mente considera
este fenômeno, este nascimento, vida e reprodução de uma árvore, como uma coisa
em si mesma e sobre essa base o estuda, classifica e o explica. Explica a árvore pela
semente, a semente pela árvore; declara uma lei da Natureza. Mas não explicou
nada; só há analisado e anotado o processo de um mistério. Supondo inclusive que
chegue a perceber uma secreta força consciente como a alma, o ser real desta
forma e o resto como simplesmente uma operação estabelecida e uma manifestação
dessa força, ainda tende a considerar a forma como uma existência separada com
sua separada lei da natureza e seu processo de desenvolvimento. No animal e no
homem com sua mentalidade consciente, esta separativa tendência da Mente o in‐
duz a considerar-se também como uma existência separada, o sujeito consciente, e
às outras formas como objetos separados de sua mentalidade. Esta útil disposição,
necessária para a vida e base principal de toda sua prática, é aceitada pela mente
como um fato real e daí procede todo o erro do ego.
Mas a Supramente atua de modo distinto. A árvore e seu processo não seriam o que
são, não poderiam certamente existir, se foram uma existência separada; as formas
são o que são pela força da existência cósmica, se desenvolvem como o fazem como
resultado de sua relação com ela e com todas suas outras manifestações. A lei
separada de sua natureza é só uma aplicação da lei e verdade universais de toda a
Natureza; seu desenvolvimento particular está determinado por seu lugar no
desenvolvimento geral. A árvore não explica a semente, nem a semente a árvore; o
cosmos explica a ambos e Deus explica o cosmos. A Supramente, penetrando e
habitando de uma vez a semente e a árvore e todos os objetos, vive neste conheci‐
mento maior que é indivisível e uno, ainda que com uma modificada e não uma
absoluta indivisibilidade e unidade. Neste conhecimento compreensivo não há centro
independente da existência, não há um separado ego individual tal como o vemos
em nóes mesmos; a totalidade da existência es para esse auto-conhecimento uma
uniforme extensão, uma na unidade, uma na multiplicidade, uma em todas as
condições e por toda parte. Aqui o Todo e o Uno são a mesma existência; o ser
individual não perde nem pode perder a consciência de sua identidade com todos os
seres e com o Ser Único; pois essa identidade é inerente à cognição supramental,
uma parte da auto-evidência supramental.
Nessa espaçosa igualdade da unidade, o Ser não está dividido nem distribuído;
uniformemente auto-extendido, penetrando sua extensão como Uno, habitando
como Uno a multiplicidade das formas, é por toda parte, ao mesmo tempo, o único
e mesmo Deus ou Brahman. Pois esta expansão do Ser no Tempo e o Espaço, e esta
penetração e habitação estão em Íntima relação com a Unidade absoluta da que
procede, que é esse absoluto Indivisível no que não há centro nem circunferência
e
senão só o Uno carente de Espaço tempo. Essa alta concentração de unidade no
não-extendido Brahman deve necessariamente traduzir-se na extensão por esta
penetrante concentração igual, por esta indivisível compreensão de todas as coisas,
por esta não-distribuída imanência universal, por esta unidade que nenhum
despertar de multiplicidade pode abrogar nem diminuir. “Brahman está em todas as
coisas, todas as coisas estão em Brahman, todas as coisas são Brahman,” é a tripla
fórmula da compreensiva Supramente, uma simples verdade de auto-manifestação
nos três aspectos que mantêm juntos e inseparáveis em sua auto-visão como o
conhecimento universal desde o que procede o jogo do cosmos.
Mas qual é então a origem da mentalidade e a organização desta consciência inferior
nos termos triplos de Mente, Vida e Matéria que é nossa visão do universo? Pois
dado que todas as coisas que existem devem proceder da ação da oni-eficiente
Supramente, de sua operação nos três termos originais de Existência, Força-
Consciente e Bem-aventurança, deve existir alguma faculdade da criadora Verdade-
Consciência que opere de tal forma que os projete dentro destes novos termos,
dentro deste inferior trio de mentalidade, vitalidade e substância física. Esta
faculdade a achamos em um secundário poder do conhecimento criador, seu poder
de uma consciência projetante, confrontante e apreendente na que o conhecimento
se centraliza, e se mantêm de trás de suas obras, observando-as. E quando falamos
de centralização, significamos para distingui-las da uniforme concentração da
consciência da que temos falado até agora, uma desigual concentração na que
existe o princípio de auto-divisão, —o de sua aparência fenomênica--.
No primeiro termo, o Conhecedor se mantêm concentrado no conhecimento como
sujeito, e contempla sua Força da consciência como se continuamente procedesse
debaixo da forma dele mesmo, como se continuamente trabalhasse nele, continua‐
mente retrocedesse dele mesmo, e continuamente se extendesse para diante outra
vez. Deste singular ato de auto-modificação procedem todas as distinções prácticas
sobre as que se baseia o ponto de vista relativo e a ação relativa do universo. Se
criou uma distinção prática entre Conhecedor, Conhecimento e Conhecido; entre o
Senhor, Sua força e os frutos e obras da Força; entre o Desfrutador, o Desfrute e o
Desfrutado; entre o Ser-em-si, Maya e o devir do Ser-em-si.
Em segundo lugar, esta Alma consciente concentrada no conhecimento, este
Purusha que observa e governa a Força que há ido adiante desde ele, sua Shakti ou
Prakriti, se repete em cada forma de si. Acompanha, como se estuvera sua Força da
consciência em suas obras e reproduz ali o ato de auto-divisão do que nasce esta
consciência apreendente. Em cada forma esta Alma mora com sua Natureza e se
observa em outras formas desde esse centro artificial e prático da consciência. Em
tudo está a mesma Alma, o mesmo Ser divino; a multiplicação dos centros é só um
ato prático da consciência tendente a instituir um jogo de diferença, de mutualidade,
de conhecimento mútuo, de mútuo choque de força, de mútuo disfrute, uma
diferença baseada na unidade essencial, uma unidade realizada sobre uma prática
base de diferenciação.
Podemos falar deste novo estado da Supramente oni-penetrante como uma
posterior saída da verdade unitária das coisas e da indivisível consciência que
constitui inalienavelmente a unidade essencial à existência do cosmos. Podemos ver
que perseguida um pouco mais distante pode chegar a ser verdadeiramente Avidya,
a grande Ignorância que parte da multiplicidade como a realidade fundamental e, a
fim de efetuar seu recorrido inverso até a real unidade, há de começar com a falsa
unidade do ego. Podemos também ver que uma vez que o centro individual é
aceitado como ponto de apoio determinante, como conhecedor, sensação mental,
inteligência mental, ação mental da vontade e todas suas consequências, não pode
frustrar-se seu chegar a ser. Mas assim mesmo temos de ver que entanto enquanto
a alma atua na Supramente, a Ignorância não há começado todavia; o campo do
conhecimento e a ação é todavia a verdade-consciência, a base é todavia a unidade.
Pois o Ser-em-si ainda se contempla como um em tudo e a todas as coisas como
devires em si e de si; o Senhor ainda conhece sua Força como o mesmo no ato e
todo ser como ele mesmo na alma e ele mesmo na forma; é ainda seu próprio ser
que o Desfrutador desfruta, ainda que seja em uma multiplicidade. O único câmbio
real há sido uma desigual concentração da consciência e uma múltipla distribuição
da força. Há uma distinção prática na consciência, mas não há diferença essencial
da consciência nem divisão verdadeira em sua visão de si. A Verdade-consciência há
alcançado uma posição que prepara nossa mentalidade, mas não é ainda a de nossa
mentalidade. E é isto o que devemos estudar a fim de captar a Mente em sua
origem, no ponto em que efetua seu grande deslizamento desde a elevada e vasta
amplitude da Verdade-consciência para dentro da divisão e a ignorância.
Afortunadamente, esta Verdad-consciência[5][7]apreendente é muito mais fácil que
a captemos por sua proximidade a nós, por sua pré-figuração de nossas operações
mentais, que a mais remota realização que até agora temos lutado por expresar em
nossa inadequada linguagem do intelecto. A barreira que á de cruzar-se é menos
formidável.
--------------------------------------------------------------------O---------------------------------------------------------------
Capítulo XVI
O TRIPLO ESTADO DA SUPRAMENTE
Meu ser é o que sustenta a todos os seres e constitui sua existência..... Sou o eu que habita dentro
de todos os seres.

Gita[1][1]
Três poderes da Luz sustentam os três luminosos mundos divinos.

Rig Veda[2][2]
Antes de que passemos a esta mais fácil compreensão do mundo que habitamos, --
(desde a posição de uma apreendente Verdade-consciência que vê as coisas como o
faria uma individual alma liberada das limitações da mentalidade e admitida para
que participe na ação da Supramente Divina)--, devemos deter-nos e resumir
brevemente o que temos compreendido ou podemos ainda compreender da
consciência do Senhor, o Ishwara tal como desenvolve o mundo, mediante Sua
Maya a partir da concentrada unidade original de Seu ser.
Temos começado afirmando que toda existência é um só Ser cuja natureza essencial
é a Consciência, Consciência única cuja natureza ativa é Força ou Vontade; e este
Ser é Deleite, esta Consciência é Deleite, esta Força ou Vontade é Deleite. A eterna
e inalienável Bem-aventurança da Existência, Bem-aventurança da Consciência,
Bem-aventurança da Força ou Vontade bem concentrada em si e em repouso ou
bem, ativa e criadora, isto é Deus e isto é nós mesmos em nosso ser essencial,
nosso ser não-fenomênico. Concentrada em si, possui ou melhor é a essencial,
eterna, inalienável Bem-aventurança; ativa e criadora, possui ou melhor vem a ser o
deleite do jogo da existência, do jogo da consciência, do jogo da força e a vontade.
Esse jogo é o universo e esse deleite é a causa, motivo e objetivo únicos da
existência cósmica. A Consciência Divina possui esse jogo e deleite eterna e
inalienavelmente; nosso ser essencial, nosso eu real que se oculta de nós pelo falso
eu ou ego mental, também desfruta esse jogo e deleite eterna e inalienavelmente e
não pode, certamente, trabalhar de outro modo, dado que é uno no ser com a
Consciência Divina. Portanto, se aspiramos a uma vida divina, não podemos
conquistá-la de nenhum outro modo que retirando o véu a este velado eu em nós,
remontando desde nosso presente estado no falso eu ou ego mental ao estado
superior do verdadeiro eu, o Atman, ingressando nessa unidade com a Consciência
Divina que sempre desfruta de algo supraconsciente em nós, —de outra maneira
não poderíamos existir—, mas que nossa mentalidade consciente perdeu.
Mas quando deste modo afirmamos esta unidade de Satchitananda por um lado e
esta mentalidade dividida pelo outro, propomos duas entidades opostas, uma das
quais deve ser falsa se a outra há de reputar-se verdadeira, uma das quais há de
abolir-se se a outra há de desfrutar-se. Pois é na mente, em sua forma de vida e no
corpo com o que existimos na terra e, se devemos abolir a consciência de mente,
vida e corpo a fim de alcançar a Existência, Consciência e Bem-aventurança únicas,
então é impossível aqui uma vida divina. Devemos abandonar abertamente a
existência cósmica como uma ilusão a fim de desfrutar ou regressar ao
Transcendente. Desta solução não há escape a menos que exista uma escada
intermediária entre os dois, que possa explicá-los um com respeito ao outro e
estabelecer entre eles uma relação tal que nos possibilite realizar a Existência,
Consciência e Deleite únicos no molde da mente, da vida e do corpo.
A escada intermediária existe. A chamamos Supramente ou Verdade-Consciência,
porque é um princípio superior à mentalidade e existe, atua e procede na verdade e
unidade fundamentais das coisas e não como a mente, em suas aparências e
divisões fenomênicas. A existência da supramente é uma necessidade lógica que
surge diretamente desde a posição com a que começamos. Pois em si Satchitananda
deve ser um inespacial e atemporal absoluto de existência consciente que é bem-
aventurança; pois o mundo é, pelo contrário, uma extensão no Tempo e no Espaço,
e um movimento, uma estruturação, um desenvolvimento de relações e possibili‐
dades mediante a causalidade —ou o que desse modo apresenta-nos— no Tempo e
Espaço. O verdadeiro nome desta Causalidade é Lei Divina e a essência dessa Lei é
um inevitável auto-desenvolvimento da verdade da coisa que está, como Idéia, na
essência mesma do que se desenvolve; é uma determinação de movimentos
relativos previamente fixada que parte da substância da possibilidade infinita. Isso
que assim desenvolve todas as cosas deve ser um Conhecimento-Vontade ou Força-
Consciente; pois toda manifestação do universo é um jogo da Força-Consciente que
é a natureza essencial da existência. Mas o desenvolvedor Conhecimento-Vontade
não pode ser mental; pois a mente não conhece, possui nem governa esta Lei,
senão que é governada por ela, é um de seus resultados, se expande no fenômeno
do auto-desenvolvimento e não em sua raiz, observa como coisas divididas os
resultados do desenvolvimento e trabalha em vão por chegar a sua fonte e
realidade. É mais, este Conhecimento-Vontade que desenvolve tudo deve estar em
possessão da unidade das coisas e deve manifestar desde ela sua multiplicidade;
mas a mente não está em possessão dessa unidade, só tem uma imperfeita
possessão de uma parte da multiplicidade.
Portanto, deve existir um princípio superior à Mente que satisfaça as condições
nas que a Mente falha. Sem dúvida, Satchitananda mesmo é este princípio, mas
Satchitananda não descansando em sua pura e infinita consciência invariável senão
procedendo desde esse primeiro equilíbrio, ou melhor sobre ele como base e nele
como continente, dentro de um movimento que é sua forma de Energia e
instrumento de criação cósmica. A Consciência e a Força são os essenciais aspectos
gêmeos do puro Poder da existência; o Conhecimento e a Vontade, portanto, devem
ser a forma que esse Poder toma ao criar um mundo de relações na extensão do
Tempo e Espaço. Este Conhecimento e esta Vontade devem ser um só, infinito,
todo-abarcante, todo-possuídor, oni-formador, sustentando em si eternamente o
que coloca em movimento e forma. A Supramente é então o Ser que se expande
desde si para dentro de um determinante auto-conhecimento que percebe certas
verdades de si e quer realizá-las em uma temporal e espacial extensão de sua
própria existência atemporal e inespacial. Quando está em seu próprio ser, toma
forma como auto-conhecimento, como Verdade-Consciência, como Real-Idéia, e, ao
ser esse auto-conhecimento também auto-força, se concretiza ou realiza inevita‐
velmente no Tempo e Espaço.
Esta, então, é a natureza da Consciência Divina que cria em si todas as coisas
mediante um movimento de sua força-consciente e governa seu desenvolvimento
através de uma auto-evolução mediante o inerente conhecimento-vontade da
verdade da existência ou Real-idéia que as há formado. O Ser que é assim
consciente é o que chamamos Deus; e Ele deve ser obviamente onipresente,
onisciente e onipotente. Onipresente, pois todas as formas são formas de Seu ser
consciente criadas por sua força de movimento em sua própria extensão como
Espaço e Tempo; onisciente, pois todas as coisas existem em Seu ser-consciente,
são formadas por ele e possuídas por ele; onipotente, pois esta oni-possuidora
consciência é também oni-possuidora Força e oni-conformadora Vontade. E esta
Vontade e este Conhecimento não estão em mútua guerra, como nossa vontade e
conhecimento são capazes de estar em guerra uma com o outro, pois não são
diferentes movimentos senão um só movimento do mesmo ser. Nem podem ser
contraditos por qualquer outra vontade, força ou consciência de fora ou de dentro;
pois não há consciência nem força externa ao Uno, e todas as energias e formações
internas do conhecimento não são mais que isso, pois são mero jogo da única
Vontade oni-determinante e do único Conhecimento oni-harmonizante. O que vemos
como choque de vontades e forças, --(devido a que moramos no particular e
dividido, e não podemos vê-lo todo)--, a Supramente o contempla como os
concorrentes elementos de uma pré-determinada harmonia que está sempre
presente nela devido a que a totalidade das coisas está eternamente sujeita ao seu
olhar.
Qualquer que seja o equilíbrio ou forma que adote sua ação, esta sempre será
da natureza da Consciência divina. Mas, ao ser sua existência absoluta em si, seu
poder de existência é também absoluto em sua extensão, e portanto não está
limitado a um estado de equilíbrio ou a uma forma de ação. Nós, os seres humanos,
somos aparentemente, uma fenomênica forma particular da consciência, sujeita ao
Tempo e Espaço, e só podemos ser, em nossa consciência superficial, que é tudo o
que conhecemos de nós mesmos, uma coisa de cada vez, uma formação, um
equilíbrio do ser, um agregado da experiência; e essa única coisa é para nós a
verdade de nós mesmos que reconhecemos; todo o resto não é verdade ou há
deixado de sê-lo, devido a que há desaparecido no passado saindo de nossa
percepção, ou todavia não é verdadeiro, devido a que está à espera no futuro e
ainda não cai dentro de nossa percepção. Mas a Consciência Divina não está tão
particularizada, nem tão limitada; pode ser muitas coisas a um tempo e adotar ainda
mais de um estado de equilíbrio duradouro inclusive durante todo o tempo.
Descobrimos que no princípio da Supramente mesma, ela tem três gerais estados de
equilíbrio ou etapas de sua consciência fundando-o-mundo. O primeiro fundamenta
a inalienável unidade das coisas, o segundo modifica essa unidade de modo que
sustenta a manifestação dos Muitos no Uno e do Uno nos Muitos; o terceiro modifica
ulteriormente este de modo que sustenta a evolução de uma individualidade
diversificada que, pela ação da Ignorância, vem a ser em nós, a um nível inferior, a
ilusão do ego separado.
Temos visto qual é a natureza deste primeiro e principal estado de equilíbrio da
Supramente que fundamenta aa inalienável unidade das coisas. Não se trata da pura
consciência unitária; pois essa é uma concentração atemporal e inespacial de
Satchitananda em si, na que a Força Consciente não se projeta em nenhum gênero
de extensão e, se contêm o universo, o contêm na eterna potencialidade e não na
temporal realidade. Esta, pelo contrário, é uma uniforme auto-extensão de
Satchitananda oni-compreendente, oni-possuidora e oni-constituinte. Mas este todo
é um só, não muitos; não há individualização. É quando o reflexo desta Supramente
cai sobre nosso aquietado e purificado eu que perdemos todo sentido da
individualidade; pois ali não há concentração de consciência destinada a sustentar
um desenvolvimento individual. Tudo está desenvolvido na unidade e como um;
tudo é sustentado por esta Consciência Divina como formas de sua existência, não
como existências separadas em algum grau. Algo assim como os pensamentos e
imagens que se apresentam em nossa mente não são existências separadas a nós,
senão formas tomadas por nossa consciência; assim são todos os nomes e formas
para esta Supramente primária. É a pura ideação e formação divina no Infinito, —)
só uma ideação e formação que está organizada não como um jogo irreal do
pensamento mental, senão como um jogo real do ser consciente)--. A alma divina
neste equilíbrio não faria diferenças entre Alma-Consciência e Alma-Força, pois toda
força seria ação da consciência, nem entre Matéria e Espírito, dado que todo molde
seria simplesmente forma do Espírito.
N o segundo estado de equilíbrio da Supramente, a Consciência Divina permanece
detrás da idéia do movimento que contêm, realizando-o mediante uma sorte de
consciência apreendente, seguindo-o, ocupando e habitando suas obras, parecendo
distribuir-se em suas formas. Em cada nome e forma se realizaria como o estável
Ser-em-si-Consciente, o mesmo em tudo; mas também se realizaria como uma
concentração do Ser-em-si-Consciente seguindo e sustentando o jogo individual do
movimento e preservando sua diferenciação de outro jogo individual do
movimento, -(o mesmo por toda parte na alma-essência, mas variando na alma-
forma)--. Esta concentração que sustenta a alma-forma seria o Divino individual ou
Jivatman para distingui-lo do Divino universal ou único Ser-em-si-oni-constituinte.
Não haveria diferença essencial, senão só uma diferenciação prática para o jogo,
que não anularia a unidade real. O Divino universal entenderia todas as alma-formas
como si mesmo e todavia estabeleceria uma relação diferente com cada uma
separadamente e em cada uma com todas as demais. O Divino individual
contemplaria sua existência como uma alma-forma e alma-movimento do Uno e,
enquanto que mediante a ação compreendente da consciência desfrutaria de sua
unidade com o Uno e com todas as almas-forma, assim mesmo mediante uma
dianteira ou frontal ação apreendente sustentaria e desfrutaria seu movimento
individual e suas relações de uma livre diferença em unidade ao mesmo tempo com
o Uno e com todas suas formas. Se nossa mente purificada pudesse refletir este
equilíbrio secundário da Supramente, nossa alma poderia sustentar e ocupar sua
existência individual e todavia inclusive realizar-se como o Uno que há chegado a ser
tudo, que habita tudo, que contêm tudo, desfrutando inclusive em sua particular
modificação sua unidade com Deus e seus semelhantes. Em nenhuma outra
circunstância da existência supramental haveria modificado característica alguma; a
única mudança seria este jogo do Uno que há manifestado sua multiplicidade e dos
Muitos que são todavia um, com todo o necessário para manter e conduzir o jogo.
Um terceiro estado de equilíbrio da Supramente se alcançaria se a concentração
sustentadora não permanecesse por mais tempo detrás, por assim dizê-lo, do
movimento, habitando-o com uma certa superioridade e assim seguindo e
desfrutando, senão que se projetasse dentro do movimento e, de algum modo,
estivesse envolvido nele. Aqui, o caráter do jogo se alteraria, mas só na medida em
que o Divino individual convertesse, --tão predominantemente--, o jogo das relações
com o universal e com suas outras formas, no campo prático de sua experiência
consciente para que a realização da absoluta unidade com elas fosse só um supremo
acompanhamento e constante culminação de toda experiência; mas no equilíbrio
superior a unidade seria a experiência dominante e fundamental e a variação tão só
seria um jogo da unidade. Este equilíbrio terciário seria portanto o de um tipo de
fundamental dualismo bem-aventurado na unidade —já não unidade qualificada por
um subordinado dualismo--, entre o Divino individual e sua fonte universal, com
todas as consciências que se derivariam para a mantenutenção e operação deste
dualismo.
Pode dizer-se que a primeira consequência seria um deslizamento dentro da
ignorância de Avidya que toma os Muitos como o fato real da existência e no Uno só
como uma Soma cósmica dos Muitos. Mas esse deslizamento não há de ter lugar
necessariamente. Pois o Divino individual ainda seria consciente de si como
resultado do Uno e de seu poder de auto-criação consciente, vale dizer, de sua
múltipla auto-concentração concebida de modo tal que governe e desfrute
multiplemente sua múltipla existência na extensão do Tempo e Espaço; este ver‐
dadeiro Indivíduo espiritual não se arrogaría uma existência independente ou
separada. Isso só confirmaria a verdade del movimento diferenciador junto com a
verdade da unidade estável, considerando-os como os pólos superior e inferior da
mesma verdade, o fundamento e culminação do mesmo jogo divino; e isso insistiria
sobre a alegria da diferenciação como necessária para a plenitude da alegria da
unidade.
Obviamente, estes três estados de equilíbrio só seriam diferentes modos de
tratar com a mesma Verdade; a Verdade da existência desfrutada seria a mesma, o
modo de disfrutá-la ou melhor o equilíbrio da alma no desfrute seria diferente. O
Deleite, a Ananda variaria, mas moraria sempre dentro do estado da Verdade-
consciência e não implicaria queda para dentro da Falsidade e a Ignorância. Pois a
secundária e a terciária Supramente só desenvolveria e aplicaria nos termos da
multiplicidade divina o que a Supramente primária conteve nos termos da unidade
divina. Não podemos estampar nenhum destes três equilíbrios com o estigma da
falsidade e a ilusão. A linguagem dos Upanishads, a antiga autoridade suprema para
estas verdades de uma experiência superior, quando falamos da existência Divina
que se está manifestando, implica a validade de todas estas experiências. Só
podemos afirmar a prioridade da unidade à multiplicidade, uma prioridade não no
tempo senão em relação de consciência, e nenhuma declaração da suprema
experiência espiritual, nenhuma filosofia Vedântica nega esta prioridade nem a
eterna dependência dos Muitos enquanto ao Uno. É porque no Tempo os Muitos não
parecem ser eternos senão manifestar-se procedentes do Uno e retornar a ele como
sua essência, que sua realidade é negada; mas igualmente pode calcular-se que a
eterna persistência ou, se se quer, a eterna recorrência da manifestação no Tempo
é uma prova de que a multiplicidade divina é um fato eterno do Supremo além do
Tempo não menos que a unidade divina, de outra maneira, não poderia ter esta
característica de inevitável recorrência eterna no Tiempo.
É certamente só quando nossa mentalidade humana põe um exclusiva ênfase
em um lado da experiência espiritual, e afirma que essa é a única verdade eterna e
a declara nos termos de nossa oni-divisora lógica mental, que surge a necessidade
de escolas filosóficas mutuamente destrutivas. Assim, enfatizando a verdade única
da consciência unitária, observamos o jogo da unidade divina, erroneamente
traduzida por nossa mentalidade nos termos da diferença real, mas, não satisfeitos
com corrigir este erro da mente mediante a verdade de um princípio superior, afir‐
mamos que o jogo mesmo é uma ilusão. Ou, enfatizando o jogo do Uno nos Muitos,
declaramos uma qualificada unidade e consideramos a alma individual como uma
alma-forma do Supremo, mas afirmaríamos a eternidade desta existência qualificada
e negaríamos por completo a experiência de uma consciência pura em uma
inqualificável unidade. Ou, também, dando-lhe ênfase ao jogo da diferença,
afirmamos que o Supremo e a alma humana são eternamente diferentes e
rejeitamos a validade de uma experiência que excede e parece abolir essa diferença.
Mas a posição que agora temos adotado com firmeza nos absolve da necessidade
destas negações e exclusões: vemos que há uma verdade detrás de todas estas
afirmações, mas ao mesmo tempo um excesso que conduz a uma infundada
negação. Afirmando, como temos feito, a absoluta absolutividade Disso, não limitado
por nossas idéias de unidade não limitado por nossas idéias de multiplicidade,
afirmando a unidade como uma base da manifestação da multiplicidade, e a
multiplicidade como a base para o retorno à unidade e o desfrute da unidade na
manifestação divina, não necessitamos agobiar nossa atual afirmação com estas
discussões nem empreender o vão esforço de escravizar a nossas distinções e
definições mentais, a liberdade absoluta do Divino Infinito.
--------------------------------------------------------------------O--------------------------------------------------------------

Capitulo XVII
A ALMA DIVINA
Ele, cujo Ser-em-si chegou-a-ser todas as existências, pois tem o conhecimento, como será
enganado, onde terá pesar, ele que vê a unidade por toda parte?

Isha Upanishad[1][3]
Pela concepção que temos formado da Supramente, por sua oposição à mentalidade
na que se baseia nossa existência humana, podemos não só formarmos uma idéia
precisa e não uma vaga, sobre a divindade e a vida divina, -(expressões que de
qualquer modo estamos condenados a utilizar com escassa exatidão e como
imprecisa denominação de uma grande mas quase impalpável aspiração)-, senão
também dar a estas idéias uma firme base de raciocínio filosófico, para pô-las em
clara relação com a humanidade e a vida humana que é tudo quanto atualmente
desfrutamos, e para justificar nossa esperança e aspiração pela natureza mesma do
mundo e de nossos próprios antecedentes cósmicos e o inevitável futuro de nossa
evolução. Começamos a captar intelectualmente o que é o Divino, a Realidade
eterna, e a entender como o mundo derivou dela. Começamos também a perceber
como inevitavelmente isso que veio a partir do Divino e deve retornar ao Divino.
Podemos agora perguntar com proveito e uma possibilidade de resposta mais clara,
como devemos mudar e o que devemos chegar a ser em ordem a alcançar ali em
nossa natureza, em nossa vida e em nossas relações com os demais, e não só
através de uma realização solitária e estática nas profundidades de nosso ser.
Certamente, ainda existe um defeito em nossas premissas; pois até agora temos
estado trabalhando por definir para nós mesmos o que é o Divino em seu descenso
até a limitada Natureza, quando o que realmente somos é o Divino no indivíduo
ascendendo de regresso a partir da limitada Natureza para sua apropriada
divindade. Esta diferença de movimento deve implicar uma diferença entre a vida
dos deuses que nunca conheceram a queda e a vida do homem redimido,
conquistador do deus perdido e levando consigo a experiência, e esta pode ser a
nova riqueza reunida por ele desde sua aceitação do cabal descenso. Não obstante,
não pode haver diferença de características essenciais, senão só de molde e
colorido. Já podemos assegurar, sobre a base das conclusões a que temos chegado,
a natureza essencial da vida divina à qual aspiramos.
Qual seria então a existência de uma alma divina, não descendida na ignorância
pela queda do Espírito dentro da Matéria e o eclipse da alma pela Natureza material?
Qual seria sua consciência, vivendo na Verdade original das coisas, na inalienável
unidade, no mundo de seu próprio ser infinito, como a Existência Divina mesma,
mas além disso, capaz pelo jogo da Divina Maya e pela distinção da compreendente
e apreendente Verdade-Consciência de desfrutar também ao mesmo tempo da
diferença com Deus como da unidade com Ele e abraçar a diferença e também a
unidade com outras almas divinas no jogo infinito do Idêntico auto-multiplicado?
Obviamente, a existência dessa alma estaria sempre auto-contida no jogo
consciente de Satchitananda. Seria pura e infinita auto-existência em seu ser; em
seu devir seria um livre jogo de vida imortal não invadida por morte, nascimento e
mudança de corpo, devido a não estar nublada pela ignorância nem envolvida na
obscuridade de nosso ser material. Seria uma pura e ilimitada consciência em sua
energia, equilibrada em uma eterna e luminosa tranquilidade como seu fundamento,
todavia capaz de julgar livremente com as formas do conhecimento e com as formas
do poder consciente, tranquila, não afetada pelos tropeços do erro mental e os erros
de nossa lutadora vontade porque nunca se afasta da verdade e unidade, nunca cai
da luz inerente e a natural harmonia de sua existência divina. Seria, finalmente, um
puro e inalienável deleite em sua eterna auto-experiência e no Tempo uma livre
variação de bem-aventurança não afetada por nossas perversões de desgosto, ódio,
descontentamento e sofrimento por estar indivisa em seu ser, não desconcertada
pela errante auto-vontade, não pervertida pelo ignorante estímulo do desejo.
Sua consciência não ficaria encerrada a parte alguma da verdade infinita, nem
limitada por nenhum equilíbrio nem estado que pudesse assumir em suas relações
com outros, nem condenada a nenhuma perda do auto-conhecimento por sua
aceitação de uma individualidade puramente fenomênica e pelo jogo da
diferenciação prática. Em sua auto-experiência viveria eternamente em presença do
Absoluto. Para nós o Absoluto é só uma concepção intelectual de existência
indefinível. O intelecto nos refere simplemente que há um Brahman superior ao
supremo[2][4], um Incognoscível que se conhece de modo distinto ao de nosso
conhecimento; mas o intelecto não pode trazer-nos sua presença. A alma divina
vivendo na Verdade das coisas teria sempre, pelo contrário, o sentido consciente de
si como manifestação do Absoluto. Seria consciente de sua imutável existência como
a original “auto-forma”[1][5] desse Transcendente, —Satchitananda--; seria
conhecedor de seu jogo de ser consciente como manifestação Disso nas formas de
Satchitananda. Em todo estado o ato do conhecimento seria consciente do Incog‐
noscível que se conhece mediante uma forma de variável auto-conhecimento; em
todo estado ou ato de poder, vontade ou força seria consciente da Transcendência
possuindo-se mediante uma forma de poder consciente do ser e do conhecimento;
em todo estado ou ato de deleite, alegria ou amor seria consciente da
Transcendência abarcando-se por meio de uma forma de auto-desfrute consciente.
Esta presença do Absoluto não seria com isso como uma experiência ocasionalmente
vislumbrada ou finalmente alcançada e sustentada com dificuldade, nem como uma
adição, aquisição ou culminação superposta em seu ordinário estado de ser; seria o
fundamento mesmo de seu ser tanto na unidade como na diferenciação; estaria
presente para ele em todo seu conhecer, querer, fazer, desfrutar; não estaria
ausente nem de seu ser atemporal nem de momento algum do Tempo, nem de seu
ser inespacial nem de determinação alguma de sua estendida existência, nem de
sua incondicionada pureza além de toda causa e circunstância, nem de relação
alguma de circunstância, condição e causalidade. Esta constante presença do
Absoluto seria a base de sua infinita liberdade e deleite, afirmaria sua segurança no
jogo e proporcionaria a raiz, a seiva e a essência de seu ser divino.

[1][5] Svarúpa.

E mais, essa alma divina viveria simultaneamente nos dois termos da existência
eterna de Satchitananda, os dois pólos inseparáveis do auto-desenvolvimento do
Absoluto que chamamos o Um e os Muitos. Todo ser vive realmente assim; mas
para nosso dividido auto-entendimento existe uma incompatibilidade, um abismo
entre os dois que nos conduz para uma escolha, para morar bem na multiplicidade
exilado da direta e inteira consciência do Uno, ou bem na unidade que repele a
consciência dos Muitos. Mas a alma divina não estaria escravizada a este divórcio e
dualidade. Em si mesma, seria consciente, de uma vez, da infinita auto-
concentração e da infinita auto-extensão e difusão. Seria consciente
simultaneamente do Uno em sua unitária consciência sustentando a inumerável mul‐
tiplicidade em si como se fosse potencial, inexpressada, --e portanto, para nossa
mental experiência desse estado, não-existente--, e do Uno em sua estendida
consciência que sustenta a multiplicidade expelida e ativa como o jogo de seu
próprio ser consciente, de sua vontade e deleite. Seria consciente igualmente dos
Muitos descendendo sempre ao Uno que é a fonte e realidade eternas de sua
existência, e dos Muitos sempre remontando-se atraídos até o Uno que é a eterna
culminância e bem-aventurada justificação de todo seu jogo de diferença. Esta vasta
visão das coisas é o molde da Verdade-Consciência, o fundamento da grande
Verdade e do Correto versado pelos videntes Védicos; esta unidade de todos estes
termos de oposição é o Adwaita real, a compreendente palavra suprema do
conhecimento do Incognoscível.
A alma divina será consciente de toda variação do ser, da consciência, da vontade e
do deleite como o afloramento, a extensão e a difusão dessa auto-concentrada
Unidade que se desenvolve, não na diferença nem na divisão, senão em outra forma
estendida de infinita unidade. Sempre estará concentrada em unidade na essência
de seu ser, sempre manifestada muito variadamente na extensão de seu ser. Tudo
quanto toma forma nela serão as manifestadas potencialidades do Uno, a Palavra ou
o Nome vibrando desde o Silêncio sem-nome, a Forma realizando a essência
amorfa, a Vontade ou o Poder ativos partindo da tranquila Força, o raio da auto-
cognição resplandescendo desde o sol de auto-conhecimento atemporal, a onda do
devir surgindo em forma de existência auto-consciente desde o Ser eternamente
auto-consciente, a alegria e o amor emanando para sempre desde o permanente
Deleite eterno. Será o Absoluto duplo em seu auto-desenvolvimento e cada
relatividade nele será um absoluto para a alma divina pois será consciente de si
mesma como o Absoluto manifestado mas sem essa ignorância que exclui outras
relatividades como estranhas a seu ser ou menos completas que ela mesma.
Na extensão, a alma divina será consciente dos três graus da existência
supramental, não como mentalmente estamos compelidos a considerá-los, não
como graus, senão como um fato tríplice da auto-manifestação de Satchitananda.
Será capaz de abarcá-los em uma e a mesma compreensiva auto-realização, —(pois
uma vasta compreensividade é o fundamento da supramente verdade-consciente)--.
Será capaz de conceber, perceber e sentir divinamente todas as coisas como o Ser-
em-si, seu próprio, único eu, único Auto-ser e Auto-devir, mas não dividido em seus
devires, os quais não têm existência aparte de sua própria auto-consciência. Será
capaz de conceber, perceber e sentir divinamente todas as existências como almas-
forma do Uno, cada uma com seu ser no Uno, seu próprio ponto de apoio no Uno,
suas próprias relações com todas as outras existências que povoam a infinita
unidade, mas todas dependentes do Uno, forma consciente Dele em Sua própria
infinitude. Será capaz de conceber, perceber e sentir divinamente todas estas
existências em sua individualidade, em seu ponto de apoio separado, vivendo como
o Divino individual, cada um com o Uno e Supremo morando nele e, cada um,
portanto, não uma forma ou imagem por completo, nem em realidade uma ilusória
parte de um todo real, uma mera onda espumante na superfície de um Oceano
imóvel, —pois estas, depois de tudo, não são mais que inadequadas imagens
mentais—, senão um todo no todo, uma verdade que repete a Verdade infinita, uma
onda que é todo o mar, um relativo que prova ser o Absoluto mesmo quando
olhamos detrás da forma e o vemos em sua integridade.
Pois estes três são aspectos da Existência única. O primeiro se baseia nesse auto-
conhecimento que, em nossa humana percepção do Divino, o Upanishad descreve
como o Ser-em-si em nós, que chega-a-ser todas as existências; o segundo se
baseia no que se descreve como ver todas as existências no Ser-em-si; o terceiro se
baseia no que se descreve como ver o Ser-em-si em todas as existências. O Ser-em-
si que chega-a-ser todas as existências é a base de nossa unidade com tudo; o Ser-
em-si que contêm todas as existências é a base de nossa unidade na diferença; o
Ser-em-si que habita tudo é a base de nossa individualidade no universal. Se o
defeito de nossa mentalidade, se sua necessidade de exclusiva concentração o
compele a morar em qualquer destes aspectos de auto-conhecimento com exclusão
dos outros, se uma percepção imperfeita igualmente que exclusiva nos move
sempre a introduzir um humano elemento de erro na Verdade mesma, e de conflito
e mútua negação na todo-compreendente unidade, com tudo, para um divino ser
supramental, pelo caráter essencial da supramente que é uma compreendente
unidade e infinita totalidade, devem apresentar-se como uma realização tripla e
certamente tríplice.
Se supomos que esta alma toma seu equilíbrio, seu centro na consciência do
individual Divino que vive e atua em distinta relação com os "outros", ainda terá no
fundamento de sua consciência a unidade íntegra desde a que tudo emerge e terá
no fundo dessa consciência a unidade estendida e a modificada, e a qualquer destas
será capaz de retornar e de contemplar, desde elas, sua individualidade. No Veda
todos estes equilíbrios se dizem dos deuses. Em essência, os deuses são uma só
existência que os sábios chamam com diferentes nomes; mas em sua ação fundada
em e procedente da grande Verdade e o Reto Agni ou outro, se diz que estão todos
os deuses, ele é o Uno que chega-a-ser tudo; ao mesmo tempo se diz que ele
contêm a todos os deuses em si como o centro de uma roda contêm os raios, é o
Uno que contêm tudo; e como Agni está descrito como deus separado, aquele que
ajuda a todos os demais, os supera em força e conhecimento, mas é inferior a eles
em posição cósmica e o empregam como mensageiro, sacerdote e trabalhador, o
criador do mundo e pai, é, contudo, o filho nascido de nossas obras; e, vale dizer, o
original e manifestado Eu morador ou Divino, o Uno que habita tudo.
Todas as relações da alma divina com Deus ou seu supremo Ser-em-si e com seus
outros seres-em-si (eus) em outras formas, serão determinadas por este auto-
conhecimento compreensivo. Estas relações serão relações do ser, da consciência e
do conhecimento, de vontade e força, de amor e deleite. Infinitas em sua
potencialidade de variação, não necessitam excluir a possível relação de alma com
alma que é compatível com a preservação do inalienável sentido de unidade apesar
de qualquer fenômeno de diferencia. Así, em suas relaciones de disfrute, a alma
divina terá o deleite de toda sua própria experiência em si; terá o deleite de toda
sua experiência de relação com outros como uma comunhão com outros seres-em-si
em outras formas criadas para um variado jogo no universo; terá também o deleite
das experiências de seus outros seres-em-si (eus) como se fossem seus próprios —
como em realidade o são--. E terá toda esta capacidade porque será consciente de
suas próprias experiências, de suas relações com outros e das experiências de
outros e suas relações com ela mesma como a alegria toda ou a Ananda do Uno, o
supremo Ser-em-si, seu próprio ser-em-si (eu), diferenciado por que habita
separadamente de todas estas formas compreendidas em seu próprio ser mas
todavia uma na diferença. Porque esta unidade é a base de toda sua experiência,
estará livre das discórdias de nossa consciência dividida, dividida pela ignorância e
um egoísmo separatista; todos estes seres-em-si e suas relações julgarão
conscientemente cada um em mãos do outro; se partirão e fundirão um com outro
como as inumeráveis notas de uma harmonia eterna.
E a mesma regra se aplicará às relações de seu ser, conhecimento, vontade com o
ser, conhecimento e vontade de outros. Pois toda sua experiência e deleite será o
jogo de uma auto-bem-aventurada força consciente do ser na que, por obediência a
esta verdade de unidade, não poderá manter diferenças com o conhecimento e tão
pouco o fará, nenhuma delas, com o deleite. Tão pouco o conhecimento, a vontade
e o deleite de uma alma estará em desacordo com o conhecimento, vontade e
deleite de outra, pois por seu conhecimento de sua unidade, o que é enfrentamento
e diferença e discórdia em nosso ser dividido, será ali encontro, união e mútuo
intercâmbio das diferentes notas de uma harmonia infinita.
Em suas relações com seu supremo Ser-em-si, com Deus, a alma divina terá este
sentido da unidade do transcendente e universal Divino com seu próprio ser.
Desfrutará essa unidade de Deus consigo em sua própria individualidade e com seus
outros seres-em-si (eus) na universalidade. Suas relações de conhecimento serão o
jogo da divina onisciência, pois Deus é Conhecimento, e o que é a ignorância
conosco, ali só será contenção do conhecimento no repouso do auto-conhecimento
consciente, de modo que certas formas desse auto-conhecimento possam projetar-
se dentro da atividade da Luz. Suas relações da vontade serão ali o jogo da
onipotência divina, pois Deus é Força, Vontade e Poder, e o que conosco é
debilidade e incapacidade, será contenção da vontade na concentrada força
tranquila de modo que certas formas da divina força-consciente possam concretizar
sua projeção dentro da forma do Poder. Suas relações de amor e deleite serão o
jogo do êxtase divino, pois Deus é Amor e Deleite, e o que conosco seria negação
do amor e deleite, será a contenção da alegria no sossegado mar da Bem-
aventurança, de modo que certas formas da união e desfrute divinos possam
projetar-se em uma ativa maré de ondas da Bem-aventurança. De igual modo
também em todos seus devires serão formação do ser divino em resposta a estas
atividades, e o que em nós é cessar, morte, aniquilação, só será descanso, transição
ou contenção da jubilosa Maya criadora no ser eterno de Satchitananda. Ao mesmo
tempo esta unidade não excluirá as relações da alma divina com Deus, com seu Ser-
em-si supremo, fundado na alegria da diferença separando-se desde a unidade para
desfrutar essa unidade de outro modo; não anulará a possibilidade de qualquer
dessas formas harmoniosas do desfrute-de-Deus que são o supremo êxtase do
amante-de-Deus em seu abraço do Divino.
Mas quais serão as condições nas que e pelas que esta natureza da vida da alma
divina se realizará? Toda experiência na relação procede através de certas forças do
ser formulando-se por uma instrumentação a que damos o nome de propriedades,
qualidades, atividades, faculdades. Assim como, por exemplo, a Mente se projeta
dentro de diversas formas de mente-poder, como juízo, observação, memória,
simpatia, próprios de seu ser, de igual maneira a Verdade-consciência ou
Supramente efetua as relações de alma com alma mediante forças, faculdades,
funções próprias de seu ser supramental; de outra maneira, não haveria jogo de
diferenciação. O que estas funções são, o veremos quando cheguemos a considerar
as condições psicológicas da Vida divina; por agora só consideramos seus
fundamentos metafísicos, sua natureza e princípios essenciais. De momento é
suficiente observar que a ausência ou abolição do egoísmo separatista e da efetiva
divisão na consciência é a única condição essencial da Vida divina, e portanto sua
presença em nós é o que constitui nossa mortalidade e nossa queda desde o Divino.
Este é nosso “pecado original”, ou melhor digamos, em uma linguagem mais
filosófica, o desvio desde a Verdade e a Retidão do Espírito, desde sua unidade,
integridade e harmonia que foi a condição necessária para a grande imersão na
Ignorância que é a aventura da alma no mundo e desde que nasceu nossa sofrida e
aspirante humanidade.

[4][1] IX, 5; X, 20.

[5][2] V, 29, 1.

[1][3] Versículo 7

[2][4] Parátpara.

[3][5] Svarúpa.

--------------------------------------------------------------------O-------------------------------------------------------------

Capítulo XVIII
MENTE E SUPRAMENTE
Ele descobriu que a Mente era o Brahman.

Taittiriya Upanishad[1]
Indivisível, mas como se estivesse dividido em seres.

Gita[2]
A concepção que até agora temos lutado por estruturar é a da essência única da
vida supramental que a alma divina possui com segurança no ser de Satchitananda,
mas que a alma humana há de manifestar neste corpo de Satchitananda formado
aqui no molde de uma vida mental e física. Mas pelo que até agora temos podido
contemplar esta existência supramental, não parece guardar conexão nem
correspondência com a vida tal qual a conhecemos, vida ativa entre os dois termos
de nossa existência normal, os dois firmamentos da mente e corpo. Parece melhor
ser um estado do ser, um estado da consciência, um estado de ativa relação e
mútuo desfrute tal como o que podem possuir e experimentar as almas
desencarnadas em um mundo sem formas físicas, um mundo no que a diferenciação
das almas se cumpriram mas não a diferenciação dos corpos, um mundo de
infinitudes ativas e jubilosas, não de espíritos aprisionados-na-forma. Portanto,
racionalmente poderia duvidar-se que fosse possível essa vida divina com esta
limitação de forma corporal e esta limitação de mente aprisionada-na-forma e força
impedida-pela forma que é o que atualmente conhecemos como existência.
De fato, temos lutado por alcançar a mesma concepção desse supremo ser divino,
força-consciente e auto-deleite de quem nosso mundo é uma criação e nossa
mentalidade uma imagem deformada; temos procurado darmos uma idéia do que
esta divina Maya pode ser, esta Verdade-consciência, esta Real-Idéia pela que a
força consciente da Existência transcendente e universal concebe, forma e governa
o universo, a ordem, o cosmos de seu manifestado deleite de ser. Mas não temos
estudado as conexões destes quatro grandes e divinos termos com os outros três
com os que nossa humana experiência está somente familiarizada, —mente, vida e
corpo--. Não temos examinado esta outra Maya aparentemente não-divina que é a
raiz de toda nossa luta e sofrimento, nem temos visto como precisamente se
desenvolve desde a realidade divina ou desde a divina Maya até que tenhamos feito
isto, até que tenhamos tecido os desaparecidos fios conectores, nosso mundo está
todavia inexplicado para nós e ainda é uma base a dúvida de uma possível
unificação entre essa existência superior e esta vida inferior. Sabemos que nosso
mundo saiu desde Satchitananda e subsiste em Seu ser; concebemos que Ele mora
nele como Desfrutador e Conhecedor, Deus e Ser-em-si; temos visto que nossos
termos duais de sensação, mente, força, ser, podem só constituir representações de
Seu deleite, Sua força consciente, Sua divina existência. Mas pareceria que aquelas
são realmente em tal grau o oposto ao que Ele é real e celestialmente, que não
podemos, enquanto moramos na causa destes opostos, enquanto estamos contidos
no triplo termo inferior da existência, alcançar a vida divina. Devemos exaltar este
ser inferior até o estado superior ou melhor, modificar o corpo por essa pura
existência, a vida por essa pura condição da força-consciente, a sensação e a
mentalidade por esse puro deleite e conhecimento que vivem na verdade da
realidade espiritual. E isto não deve significar que abandonamos toda a terrena ou
limitada existência mental por algo que é seu oposto, -(ou por algum puro estado do
Espírito também por algo que é seu oposto)--, bem por algum estado puro do
Espírito ou melhor por algum mundo da Verdade das coisas, se existe, ou outros
mundos, se existem, da divina Bem-aventurança, da divina Energia, do Divino ser?
Nesse caso, a perfeição da humanidade está em outra parte diferente que na
humanidade mesma; o cume de sua evolução terrena só pode ser um fino ápice de
mentalidade que se dissolve, de onde dá o grande salto seja até o ser sem-forma ou
seja até os mundos além do alcance da Mente corporizada.
Mas em realidade tudo o que chamamos não-divino só pode ser uma ação dos
quatro princípios divinos mesmos, pois essa ação conjunta dos quatro foi necessária
para criar o universo de las formas. Essas formas forão criadas não fora senão
dentro da existência divina, força-consciente e bem-aventurança, não fora senão
dentro e como parte do trabalho numa Real-Idéia divina. Portanto não há razão para
supor que não pode existir nenhum jogo real da divina consciência superior em um
mundo de formas, ou que as formas e seus suportes imediatos, --consciência
mental, energia da força vital e substância formal--, devem necessariamente
deformar o que representam. É possível, inclusive provável, que a mente, o corpo e
a vida tenham de encontrar-se em suas formas puras na divina Verdade mesma, e
de fato estejam ali como atividades subordinadas de sua consciência e parte da
completa instrumentação pela que a Força suprema sempre trabalha. A mente, a
vida e o corpo devem então ser capazes de divinidade; sua forma e atividade nesse
breve período de possivelmente um só ciclo da evolução terrestre que a Ciência nos
revela, não necessita representar todas as atividades potenciais destes três
princípios no corpo vivente. Trabalham como o fazem porque de nenhum modo
estão separados, na consciência, da Verdade divina da que procedem. Uma vez que
esta separação fora eliminada pela energia expansiva do Divino na humanidade, sua
atual atividade bem poderia converter-se, em verdade esse converteria
naturalmente, mediante uma evolução e progressão supremas nessa atividade mais
pura que têm na Verdade-consciência.
Nesse caso não só seria possível manifestar e manter a consciência divina na
mente e corpo humanos senão que, inclusive, essa consciência divina poderia
finalmente, incrementando suas conquistas, remodelar a mente, a vida e o corpo
mesmos em uma imagem mais perfeita de sua Verdade eterna, e realizar, não só na
alma senão também na substância, seu reino dos céus sobre a terra. A primeira
destas vitórias, a interna, foi certamente alcançada em maior ou menor grau por
alguns, talvez muitos, sobre a terra; a outra, a externa, ainda que nunca realizada
em maior nem em menor grau em passados eones como protótipo para futuros
ciclos e todavia mantida na memória subconsciente da natureza-terrena, pode
todavia tentar-se como vitoriosa conquista vinda de Deus na humanidade. Esta vida
terrena não necessita se também tentar-se, e a glória e a alegria de Deus
manifestar-se sobre a terra.
O que a Mente, a Vida e o Corpo são em suas fontes supremas, e o que
portanto devem ser na integral plenitude da manifestação divina quando estejam
conformados pela Verdade e não segregados dela pela separação e a ignorância na
que atualmente vivemos, —(este é então o problema que temos de considerar
seguidamente)--. Pois ali devem ter já sua perfeição em posse do que aqui estamos
cultivando, --(nós que só somos o primeiro movimento travado da Mente que evolui
na Matéria, nós que ainda não estamos liberados das condições e efeitos dessa
involução do espírito na forma, dessa imersão da Luz dentro de sua própria sombra
pela que foi criada a obscurecida consciência material da Natureza física)--. O
protótipo de toda a perfeição em posse da qual crescemos, os termos de nossa
evolução suprema devem já estar contidos na divina Real-Idéia; devem estar aí
formados e conscientes para nós, para assim crescer para e dentro deles; pois essa
pré-existência no conhecimento divino é o que nossa mentalidade humana nomeia e
busca como o Ideal. O Ideal é uma Realidade eterna que ainda não temos realizado
nas condições de nosso próprio ser, não uma não-existente que o Eterno e Divino
não forjou todavia e só nós seres imperfeitos temos vislumbrado e pretendemos
criar.
A Mente, em princípio, a encarcerada e encerrada soberana de nosso viver
humano.
A Mente em sua essência é uma consciência que mede, limita e recorta as
formas das coisas desde o todo indivisível e as contêm como se cada uma fosse um
todo separado. Inclusive com o que existe somente como partes e frações óbvias, a
Mente estabelece esta ficção de seu ordinário comércio no sentido de que são coisas
com as que pode tratar por separado e não simplesmente como aspectos de um
todo. Pois, ainda quando sabe que em si mesmas não são coisas, está obrigada a
tratar com elas como tais; do contrário não poderia submetê-las a sua própria
atividade característica. É esta essencial característica da Mente a que condiciona as
atividades de todos seus poderes operativos, seja concepção, percepção, sensação
ou as relações de seu pensamento criador. Concebe, percebe, sente as coisas como
se fossem recortadas rigidamente a partir de um fundo ou uma massa, e as
emprega como unidades fixas do material dado a ela para criação ou possessão.
Toda sua ação e desfrute trata assim a todos que formam parte de um todo maior,
e estes todos subordinados novamente são fragmentados em partes que também
sai tratadas como todos aos fins particulares que servem. A Mente pode dividir,
multiplicar, somar, restar, mas não pode transpassar os limites desta matemática.
Se vai além, e procura conceber um todo real, se perde em um elemento estranho;
cai de seu próprio solo firme no oceano do intangível, no abismo do infinito onde
não pode perceber, conceber, sentir nem tratar com o que lhe é próprio para criação
ou desfrute. Pois se a Mente parece às vezes conceber, perceber, sentir ou desfrutar
com a possessão do infinito, é só em uma semelhança e sempre em uma figuração
do infinito. O que assim possui vagamente é simplesmente uma Vastidão amorfa e
não o real infinito inespacial. Tão pronto procura tratar com isso, possuí-lo, de
imediato ingressa a inalienável tendência à delimitação e a Mente se acha
novamente manejando imagens, formas e palavras. A Mente não pode possuir o
infinito, só pode sofrê-lo ou ser possuída por ele; só pode mentir bem-aventura‐
damente desamparada sob a luminosa sombra do Real, projetada nela desde os
planos da existência que estão além de seu alcance. A possessão do Infinito não
pode chegar, a não ser por ascensão àqueles planos supramentais, nem o
conhecimento destes pode chegar, a não ser por uma inerte submissão da Mente à
mensagens descendentes da Verdade-consciente Realidade.
Esta faculdade essencial e a limitação essencial que a acompanha são a verdade
da Mente e fixam sua natureza e ação, svabhava svadharma;
e aqui está a marca do
divino mandato assinando-lhe seu ofício na completa instrumentação da suprema
Maya, -(o oficio determinado pelo que está em seu nascimento mesmo desde a
eterna auto-concepção do Ser-em-si-existente)--. Esse oficio consiste em traduzir
sempre a infinitude dentro dos termos do finito, medir, limitar,diminuir. Realmente
faz isto em nossa consciência com exclusão de todo o verdadeiro sentido do Infinito;
portanto a Mente é o quid da grande Ignorância, pois é ela a que originalmente
divide e distribui, e inclusive foi confundida tomando-a por causa do universo e pelo
todo da divina Maya. Mas a divina Maya compreende a Vidya igualmente que a
Avidya, o Conhecimento igualmente que à Ignorância. Pois é evidente que, dado
que o finito é só uma aparência do Infinito, um resultado de sua ação, um jogo de
sua concepção, e não pode existir a não ser mediante ele, nele, com ele como
fundo, forma mesma dessa matéria e ação dessa força, deve existir uma consciência
original que contenha e contemple a ambos ao mesmo tempo e esteja intimamente
consciente de todas as relações de um com o outro. Nessa consciência não há igno‐
rância, porque o infinito é conhecido e o finito não está separado dele como
realidade independente; mas ainda há um subordinado processo de delimitação, —
de outro modo nenhum mundo poderia existir—, um processo pelo que a sempre
divisora e reunidora consciência da Mente, a sempre divergente e convergente ação
da Vida e a infinitamente dividida e auto-congregante substância da Matéria entram,
--(todas por um único ato principal e original)--, no ser fenomênico. Este processo
subordinado do eterno Contemplador e Pensador, --(perfeitamente luminoso,
perfeitamente consciente de Si Mesmo e de tudo, que conhece bem o que Ele faz,
consciente do infinito no finito que Ele está criando)--, pode chamar-se a Mente
divina. E é óbvio que deve ser uma atividade subordinada e não realmente uma
atividade separada da Real-Idéia, da Supramente, e de operar através do que temos
descrito como o movimento apreendente da Verdade-consciência.
Essa consciência apreendente, o Prajnana, afirma, como temos visto, a e do
Todo indivisível, ativo e formativo, como um processo e objeto do conhecimento
criador ante a consciência do mesmo Todo, originativo e cognoscente como o
possuidor e testemunho de sua própria atividade, —(algo assim como vê o poeta as
criações de sua própria consciência situadas diante dele como se se tratasse de
coisas distintas ao criador e sua força criadora, ainda que em realidade todo esse
tempo não sejam mais que o jogo de auto-formação de seu próprio ser em si
mesmo, e sejam indivisíveis de seu criador)--. Assim Prajnana efetua a divisão
fundamental que leva a todo o resto, a divisão de Purusha, a alma consciente que
conhece e vê e por sua visão cria e ordena, e Prakriti, a Força-Alma ou Natureza-
Alma que é seu conhecimento e sua visão, sua criação e seu poder todo-ordenante.
Ambos são um Ser, uma existência, e as formas vistas e criadas são formas
múltiplas desse Ser que estão situadas por Ele como conhecimento diante Ele
Mesmo como conhecedor e por Ele Mesmo como Força diante Ele Mesmo como
Criador. A última ação desta consciência apreendente tem lugar quando o Purusha, -
-(que penetra a extensão consciente de seu ser, presente em cada ponto de si
igualmente que em sua totalidade, habitando toda forma)--, contempla o todo como
separadamente, desde cada um dos pontos que assumiu; contempla e governa as
relações de cada alma-forma de si com outras almas-formas desde o ponto de apoio
da vontade e o conhecimento próprios de cada forma em particular.
Assim chegam a ser os elementos da divisão. Primeiro, o infinito do Uno se
traduziu em uma extensão em Tempo e Espaço conceituais; segundo, a onipresença
do Uno nessa extensão auto-consciente se traduz em uma multiplicidade da alma
consciente, nos muitos Purushas do Sankhya; terceiro, a multiplicidade das almas-
formas se traduziu em uma dividida habitação da estendida unidade. Esta dividida
habitação é inevitável desde o momento que estes múltiplos Purushas não habitam
cada um um mundo separado do próprio; nenhum deles possui uma separada
Prakriti construindo um universo separado, senão que todos desfrutam da mesma
Prakriti, -(como devem fazê-lo, ao ser só alma-formas do Uno que preside sobre as
múltiplas criações de Seu poder)—, e têm relações uns com outros no único mundo
do ser criado pela única Prakriti. O Purusha se identifica ativamente em cada forma
com cada um; se delimita nisso e faz ressaltar suas outras formas frente a isso, em
sua consciência, como se contivesse seus outros seres-em-si (eus) que são idênticos
a ele no ser, mas diferentes na relação, diferentes na variada extensão, no variado
alcance de movimento e na variada vista da única substância, força, consciência,
deleite que cada qual está realmente abrindo em um momento dado do Tempo ou
em um campo dado do Espaço. Admitido que na Existência divina, perfeitamente
consciente de si, esta não é uma limitação obrigatória, uma identificação à que a
alma chegue a escravizar-se e a qual não pode exceder de como nós estamos
escravizados a nossa auto-identificação com o corpo e resulte incapaz de exceder a
limitação de nosso ego consciente, incapaz de escapar de um particular movimento
de nossa consciência no Tempo que determina nosso particular campo no Espaço;
aceitado tudo isso, todavia há uma livre identificação, de tempo em tempo, que só o
inalienável auto-conhecimento da alma divina impede que se fixe em uma apa‐
rentemente rigorosa cadeia de separação e sucessão no Tempo tal como aquela na
que nossa consciência parece estar fixada e encadeada.
Assim o desmembramento já está ali; a relação de forma com forma como se
fossem seres separados, de vontade-de-ser com vontade-de-ser como se fossem
forças separadas, de conhecimento-de-ser com conhecimento-de-ser como se
fossem consciências separadas, já foi estabelecida. Trata-se tão só de um “como
se”, pois a alma divina não se engana, é consciente de tudo como fenômeno do ser
e mantêm o contido de sua existência na realidade do ser; não perde sua unidade,
usa a mente como ação subordinada do conhecimento infinito, uma definição de
coisas subordinadas a sua consciência do infinito, uma delimitação dependente de
sua consciência da totalidade essencial —(não essa aparente e plural totalidade de
soma e agregação coletiva que é só outro fenômeno da Mente)--. Assim não há
limitação real; a alma usa seu poder definidor para o jogo das corretamente-
distinguidas formas e forças, e não é usada por esse poder.
Portanto, se necessita um novo fator, uma nova ação da força consciente para
criar a operação de uma mente desamparadamente limitada assim como oposta a
uma mente livremente limitante, -(vale dizer, de mente sujeita a seu próprio jogo e
enganada por ele como oposta à mente mestra de seu próprio jogo e examinando-o
em sua verdade, a mente da criatura como oposta à mente divina)--. Esse novo
fator é Avidya, a auto-ignorante faculdade que separa a ação mental da ação
supramental que a originou e que todavia a governa detrás do véu. Assim separada,
a Mente só percebe o particular e não o universal, ou concebe só o particular em um
não-possuído universal e menos ainda ambos, particular e universal como
fenômenos do Infinito. Dessa maneira temos a mente limitada que vê cada
fenômeno como uma coisa-em-si-mesma, parte separada de um todo que
novamente existe separadamente em um todo maior, e assim sucessivamente,
aumentando sempre seus agregados sem retroceder ao sentido de uma verdade
infinita.
A Mente, ao ser uma ação do Infinito, desmembra igualmente que agrega ad
infinitum. Corta em pedaços ao ser em todos, em todos cada vez mais pequenos,
em átomos e esses átomos em átomos primários, até dissolver, se é que pode, o
átomo primário no nada. Mas não pode, porque detrás da ação divisora está o
salvador conhecimento do supramental que conhece cada todo, cada átomo, como
só uma concentração da todo-força, da todo-consciência, do oni-ser nas
fenomênicas formas de si mesmo. A dissolução do agregado dentro de uma nada
infinita à que parece elevar a Mente, é para a Supramente só o retorno do auto-
concentrador ser-consciente partindo desde seu fenômeno para dentro de sua
existência infinita. Por qualquer caminho que siga sua consciência, pelo da divisão
infinita ou pelo do agrandamento infinito, chega tão só a si mesmo, a sua própria
unidade infinita e ser eterno. E quando a ação da mente está conscientemente
subordinada a este conhecimento da supramente, a verdade do processo é também
conhecida por ela e de nenhum modo ignorada; não há divisão real senão só uma
infinitamente múltipla concentração nas formas do ser e na disposição da relação
daquelas formas do ser uma com outra, nas que a divisão é uma aparência
subordinada do processo integral necessário para seu Jogo espacial e temporal. Pois
por mais que divida, descenda até o mais infinitesimal átomo ou forme o agregado
mais monstruoso possível de mundos e sistemas, por nenhum processo conseguirá
uma coisa-em-si-mesma; tudo são formas de uma Força que só é real em si mesma
enquanto o resto só é real como auto-imagens ou auto-formas manifestantes da
eterna Força-consciência.
De onde procede originalmente a limitadora Avidya, a queda da mente desde a
Supramente e a conseguinte idéia da divisão real? Com exatidão, de que
deformação da atividade supramental? Procede da alma individualizada que examina
tudo desde seu próprio ponto de vista e exclui, todos os demais; procede, vale dizer,
mediante uma exclusiva concentração da consciência, uma exclusiva auto-
identificação da alma com uma particular ação temporal e espacial que é só parte de
seu próprio jogo do ser; parte do ignorar a alma o fato de que todos os outros são
também ela mesma, de que toda outra ação é sua própria ação e de que todos os
outros estados de ser e a consciência são igualmente seus próprios estados
igualmente que a ação de um momento particular no Tempo e um particular ponto
de afirmação no Espaço e a única forma particular que ao presente ocupa. Se
concentra no momento, o campo, a forma e o movimento de tal forma como para
perder o resto; então há de recobrar o resto mediante a vinculação unindo a
sucessão de momentos, a sucessão de pontos de Espaço, a sucessão de formas no
Tempo e o Espaço e a sucessão de movimento no Tempo e Espaço. Assim perdeu a
verdade da indivisibilidade do Tempo, a verdade da indivisibilidade da Força e da
Substância. Perdeu de vista inclusive o fato evidente de que todas as mentes são
uma só Mente que toma muitos pontos de assento; que todas as vidas são uma Vida
que desenvolve muitas correntes de atividade; que todo corpo e forma são uma
substância da Força e da Consciência que se concentra em múltiplas estabilidades
aparentes de força e consciência; mas em verdade todas estas estabilidades são
realmente só uma constante espiral de movimento que repete uma forma enquanto
se modifica outra; não são nada mais. Pois a Mente procura sujeitar tudo dentro de
formas rigidamente fixadas e aparentemente imutáveis ou imóveis fatores externos,
pois de outra forma não pode atuar; então pensa que obteve o que queria: em
realidade tudo é um fluir de mudança e renovação, e não há forma-em-si fixa, nem
imutável fator externo. Só a Real-Idéia eterna é firme e mantêm uma certa cons‐
tância ordenada de figuras e relações no fluir das coisas, uma constância que a
Mente procura de maneira vã imitar atribuindo fixidez ao que sempre é inconstante.
Estas são as verdades que há de redescobrir a Mente; as conhece todo o tempo,
mas só no obscuro fundo de sua consciência, na secreta luz de seu auto-ser; e essa
luz é para ela uma obscuridade devido a que há criado a ignorância, devido a que se
há deslizado desde a mentalidade divisora na mentalidade dividida, devido a que há
chegado a envolver-se em suas próprias atividades e em suas próprias criações.
Esta ignorância se afunda mais no homem por sua auto-identificação com o corpo.
Para nós a mente parece determinada pelo corpo, porque se preocupa por ele e se
consagra a suas atividades físicas que usa para sua superficial ação consciente neste
denso mundo material. Empregando constantemente essa operação do cérebro e os
nervos que desenvolveu no curso de sua própria evolução no corpo, está demasiado
absorvida em observar que recebe desta maquinaria física como para ocupar-se em
recobrá-lo em benefício de suas próprias atividades puras; para ela estas são em
sua maioria subconscientes. Todavia podemos conceber uma mente vital ou ser vital
que tenha ido além da necessidade evolutiva desta absorção e seja capaz de ver e
inclusive experimentar por si mesma assumindo corpo após corpo e não ser criada
separadamente em cada corpo e terminando com ele; pois é só a impressão física
da mente na matéria, só a mentalidade corporal que é criada dessa maneira, não o
ser mental todo. Esta mentalidade corpórea é meramente nossa superfície da
mente, meramente a frente que se apresenta à experiência física. Detrás, inclusive
em nosso ser terrestre, há esta outra mente (vital), subconsciente ou subliminal
para nós, que se conhece a si mesma tanto mais que ao corpo e é capaz de uma
ação menos materializada. A esta lhe devemos imediatamente a maior parte da
imensa, profunda e potente ação dinâmica de nossa mente superficial; esta, quando
tomamos consciência dela ou de sua impressão em nós, é nossa idéia primeira ou
nossa primeira compreensão de uma alma ou ser interior, Purusha[3] .
Mas esta mentalidade vital também, ainda que possa livrar-se do erro do corpo,
não nos libera da totalidade do erro da mente; ainda está sujeita ao original ato de
ignorância pelo que a alma individualizada considera tudo desde seu ponto de vista
e pode apreciar a verdade das coisas só como se lhe apresentam de fora ou como
surgem diante sua vista desde sua separada consciência temporal e espacial, formas
e resultados da experiência passada e presente. Não é consciente de seus outros
seres-em-si (eus) exceto pelas abertas indicações que eles dão a sua existência,
indicações de pensamento comunicado, linguagem, ação, resultado das ações, ou
mais sutis indicações —no sentidos diretamente pelo ser físico— do impacto e
relação vitais. Igualmente é ignorante de si; pois sabe de seu ser-em-si (eu) só
através de um movimento no Tempo e de uma sucessão de vidas nas que há usado
suas variadamente corporizadas energias. Assim como nossa instrumental mente
física tem a ilusão do corpo, de igual maneira esta dinâmica mente subconsciente
(vital) tem a ilusão da vida. Nisso está absorvida e concentrada, por isso está
limitada, com isso identifica seu ser. Aqui não retornamos ainda ao lugar de reunião
de mente e supramente e ao ponto no que originalmente se separaram.
Pois há todavia uma mais clara mentalidade refletora detrás da dinâmica e vital
que é capaz de escapar de sua absorção na vida e se contempla como assumindo
vida e corpo a fim de projetar nas ativas relações da energia o que percebe na
vontade e o pensamento. É a fonte do puro pensador que está em nós; é a que
conhece a mentalidade em sí e vê o mundo não nos termos de vida e corpo senão
de mente; é a que[4] , quando regressamos a ela, às vezes confundimos com o
espírito puro assim como confundimos a mente dinâmica com a alma. Esta mente
superior é capaz de perceber e tratar com outras almas como outras formas de seu
puro ser-em-si (eu); é capaz de senti-las mediante puro impacto mental e
comunicação mental e não agora somente mediante o impacto vital e nervoso e à
indicação física; concebe também uma figura mental da unidade, e em sua atividade
e em sua vontade pode criar e possuir mais diretamente —não só indiretamente
como na ordinária vida física— e em outras mentes e vidas igualmente que na
própria. Mas ainda assim esta pura mentalidade não escapa do erro original da
mente. Pois todavia é seu separado ser-em-si mental ao que converte em juiz,
testemunha e centro do universo e através dele luta só por elevar a seu próprio Ser-
em-si (eu) e realidade superiores; todos os demais são “outros” agrupados em seu
entorno: quando quer estar livre, há de retirar-se da vida e da mente a fim de
desaparecer na unidade real. Pois existe ainda o véu criado por Avidya entre a ação
mental e a supramental; comunica uma imagem da Verdade, não a Verdade mesma.
É só quando se rasga o véu e a mente dividida se entrega, silenciosa e
passivamente, à ação supramental, que a mente mesma retorna à Verdade das
coisas. Ali descobrimos uma luminosa mentalidade refletora, obediente e
instrumental para com a Real-Idéia divina. Ali percebemos o que o mundo é em
realidade; nos conhecemos de todos os modos possíveis a nós mesmos nos outros e
como os outros, aos demais como nós e tudo como o Uno-universal e auto-
multiplicado. Perdemos o rigidamente separado ponto de vista individual que a fonte
de toda limitação e erro. Além disso, percebemos que tudo quanto a ignorância da
Mente tomou por verdade era de fato verdade, mas verdade desviada, equivocada e
falsamente concebida. Todavia percebemos a divisão, a individualização, a atômica
criação, mas as conhecemos e nos conhecemos pelo que elas e nós realmente
somos. E dessa maneira percebemos que a Mente era em realidade uma ação e
instrumentação subordinada da Verdade-consciência. Na medida em que não está
separada na auto-experiência da envolvente Consciência-Mestra e não procura
estabelecer um lugar para si, na medida em que serve passivamente como uma
instrumentação e não tenta possuir em seu próprio benefício, a Mente cumpre
luminosamente sua função que está na Verdade de manter as formas aparte umas
das outras mediante uma fenomênica e puramente formal delimitação de sua
atividade detrás da qual a governante universalidade do ser permanece consciente e
intacta. Há de receber a verdade das coisas e distribuí-la de acordo à inequívoca
percepção de um Olho e Vontade supremos e universais. Há de sustentar uma
individualização de ativa consciência; deleite, força e substância que deriva todo seu
poder, realidade e alegria desde uma inalienável universalidade que está detrás. Há
de modificar a multiplicidade do Uno em uma aparente divisão mediante a qual as
relações se definem e mantêm a distância uma frente à outra de modo que possam
encontrar-se outra vez e juntar-se. Há de estabelecer o deleite da separação e o
contato em meio de uma eterna unidade e interpenetração. Há de capacitar ao Uno
a proceder como se Ele fosse um indivíduo que trata com outros indivíduos mas
sempre em Sua própria unidade, e isto é o que o mundo é em realidade. A mente é
a operação final da apreendente Verdade-consciência que torna possível tudo isto, e
o que chamamos Ignorância não cria uma coisa nova e uma absoluta falsidade
senão só que mal interpreta a Verdade. A Ignorância é a Mente que se separa no
conhecimento de sua fonte de conhecimento e que brinda uma falsa rigidez e uma
equivocada aparência de oposição e conflito a harmonioso jogo da suprema Verdade
em sua manifestação universal.
O erro fundamental da mente é, então, esta queda desde o auto-conhecimento
pela que a alma individual concebe sua individualidade como um fato separado em
lugar de como uma forma de Unidade, e se converte em centro de seu próprio
universo em lugar de conhecer-se como única concentração do universal. Desse erro
original todas suas ignorâncias e limitações particulares são resultados contingentes.
Pois, ao considerar o fluir das coisas só como flui sobre e através de si, efectua uma
limitação do ser desde a qual procede uma limitação da consciência e, portanto de
conhecimento, uma limitação de consciência, força e vontade e portanto, de poder;
uma limitação de auto-desfrute e, portanto, de deleite. É consciente das coisas e só
as conhece como se apresentam diante sua individualidade e, portanto, cai na
ignorância do resto e, portanto, em uma errônea concepção inclusive do que parece
conhecer: pois dado que todo ser é interdependente, o conhecimento, bem do todo
ou bem da essência é necessário para o correto conhecimento da parte. Daí que
exista um elemento de erro em todo conhecimento humano. De modo parecido,
nossa vontade, ignorante do resto da oni-vontade, deve cair no erro de atividade e
em um maior ou menor grau de incapacidade e impotência; o auto-deleite e deleite
das coisas pertence à alma, ignorantes da todo-bem-aventurança e por defeito da
vontade e do conhecimento incapazes de dominar seu mundo, devem cair na
incapacidade do deleite possessivo e, portanto, no sofrimento. A auto-ignorância é,
portanto, a raiz de toda a perversidade de nossa existência, e essa perversidade
está fortificada na auto-limitação; o egoísmo que é a forma tomada por essa auto-
ignorância.
Com tudo, toda a ignorância e a perversidade são só a deformação da verdade e
da razão das coisas, e não o jogo de uma falsidade absoluta. É o resultado da Mente
que examina as coisas na divisão que efetua, em lugar de avidyayam antare,
examinar-se junto com as divisões como instrumentação e fenômeno do jogo da
verdade de Satchitananda. Torna-se a verdade da que caiu, retorna novamente à
ação final da Verdade-consciência em sua apreensiva operação, e as relações que
ajuda a criar nessa luz e poder serão relações da Verdade e não da perversidade.
Serão as coisas direitas e não torcidas, para usar a expressiva distinção dos Rishis
Védicos, —(Verdades, vale dizer, do ser divino com sua consciência, vontade e
deleite auto-possessivos movendo-se harmonicamente em si mesmo)--. Agora temos
muito mais o movimento tortuoso e ziguezagueante da mente e vida, as contorsões
criadas pela luta da alma que esqueceu seu verdadeiro ser em prol de encontrá-lo
novamente, em prol de resolver todo erro retornando dentro da verdade, os quais
ambos, --(nossa verdade e nosso erro)--, são nosso correto e nosso equivocado
limite ou distorsão; toda a incapacidade dentro da força os quais ambos, --(nosso
poder e nossa debilidade)--, são uma luta de força por assim dizer; todo sofrimento
dentro do deleite, os quais ambos, --(nossa alegria e nossa pena)-- são um
convulsivo esforço de sensação por realizar; toda morte dentro da imortalidade para
a qual ambas, --(nossa vida e nossa morte)-- são um constante esforço do ser por
retornar.
--------------------------------------------------------------------O-------------------------------------------------------------

Capítulo XIX
VIDA
A energia prânica é a vida das criaturas; por isso se diz que é o princípio universal da vida.

Taittiriya Upanishah[1]

Percebemos, então, o que a Mente é em sua origem divina e como se relaciona com
a Verdade-consciência, —(a Mente, o mais elevado dos três princípios inferiores que
constituem a existência humana)--. uma ação especial da consciência divina, ou
melhor a trança final de sua criadora ação total. Capacita o Purusha para manter
separadas as relações das diferentes formas e forças de si mesmo, uma com
respeito à outra; cria as diferenças fenomênicas que, para a alma individual caída da
Verdade-consciência, tomam a aparência de divisões radicais, e essa perversão
original é progenitora de todas as perversões resultantes, que nos impressionam
como contrárias dualidades e oposições próprias da vida da Alma na Ignorância. Mas
na medida em que não está separada da Supramente, sustenta, não perversões
nem falsidades, senão a obra variada da Verdade universal.
A Mente aparece assim como uma criadora agência cósmica. Esta não é a impressão
que normalmente temos de nossa mentalidade; muito mais a consideramos em
princípio, como um órgão perceptivo, perceptivo das coisas já criadas pela Força que
trabalha na Matéria, e o único originar que lhe permitimos é uma criação secundária
de novas formas combinadas das já desenvolvidas pela Força na Matéria. Mas o
conhecimento que agora recuperamos, auxiliados pelos últimos descobrimentos da
Ciência, começa a demonstrar-nos que, nesta Força e nesta Matéria, há uma Mente
subconsciente trabalhando que é certamente responsável de seu próprio emergir,
primeiro nas formas da vida e logo nas formas da mente mesma; primeiro na
consciência nervosa da vida-da-planta e do animal primitivo, logo na mentalidade
sempre-em-desenvolvimento do animal evoluído e do homem. E assim como temos
já descoberto que a Matéria é só substância-forma da Força, de igual maneira
descobriremos que a Força material é só energia-forma da Mente. A força material
é, de fato, uma operação subconsciente da Vontade; a Vontade que trabalha em nós
no que parece ser luz, ainda que em verdade não é mais que meia-luz, e a Força
material que trabalha no que a nós nos parece ser uma sombra de não-inteligência,
são em realidade e em essência a mesma, tal como o pensamento materialista
sempre instintivamente há sentido dado o equivocado ou inferior final das coisas
nesta concepção, e como o conhecimento espiritual que trabalha desde o cume faz
muito tempo descobriu. Portanto, podemos dizer que é uma subconsciente Mente ou
Inteligência que, manifestando a Força como seu poder-diretriz, sua Natureza
executiva, sua Prakriti, criou este mundo material.
Mas dado que, como agora temos descoberto, a Mente não é uma entidade
independente e original senão só uma operação final da Verdade-consciência ou
Supramente, portanto, donde queira que esteja a Mente, ali deve estar a
Supramente. A Supramente ou a Verdade-consciência é a real agência criadora da
Existência universal. Inclusive quando a Mente está em sua própria consciência
obscurecida, separada de sua fonte, esse movimento maior está sempre nas
atividades da Mente, forçando-as a preservar sua correta relação, evoluindo delas os
resultados inevitáveis que portam em si mesmas, produzindo a árvore correta a
partir da correta semente, ela compele também as operações de uma coisa tão
densa, inerte e obscurecida como a Força material para resultar em um mundo de
Lei, ordem e correta relação não de mutável azar e caos. Obviamente, esta ordem e
relação correta só pode ser relativo e não a suprema ordem e a suprema exatidão
que reinaria se a Mente não estivesse em sua própria Consciência separada da
Supramente; é uma disposição, uma ordem dos resultados correto e apropriado à
ação da Mente divisora e sua criação de oposições separativas, seus duais lados
contrários da Verdade única. A Consciência Divina, havendo concebido e posto em
atividade, a Idéia desta dual ou dividida representação de Si, deduz dela na real-
idéia e extrai praticamente dela na substância da vida, mediante a governante ação
da completa Verdade-consciência que está detrás dela, sua própria verdade inferior
ou resultado inevitável da variada relação. Para isto está no mundo a natureza da
Lei ou da Verdade que é a precisa atividade ou extração do que está contido no ser,
implícito na essência e natureza da coisa mesma, latente em seu auto-ser e auto-lei,
svabhava e svadharma, tal como os vê o Conhecimento Divino. Para usar uma
dessas maravilhosas fórmulas do Upanishad[2] que contêm um mundo de
conhecimento em poucas reveladoras palavras, é o Auto-existente quem, --como
vidente e pensador presente no devir por toda parte --, há disposto em Si todas as
coisas corretamente desde eternos anos de acordo à verdade do que são.
Consequentemente, o triplo mundo em que vivemos, o mundo de Mente-Vida-Corpo
é triplo somente em seu presente estado de evolução. A vida envolta na Matéria
emergiu na forma de pensar e na mentalidade da vida consciente. Mas com a
Mente, envolta nela e portanto na Vida e na Matéria, está a Supramente, que é a
origem e a dirigente das outras três, e esta também deve emergir. Buscamos uma
inteligência na raiz do mundo, porque a inteligência é o supremo princípio do que
temos conhecimento e que nos parece governar e explicar toda nossa própria ação e
criação e, portanto, se existe uma Consciência no universo, presumimos que deve
ser uma Inteligência, uma Consciência mental. Mas a inteligência só percebe, reflete
e usa, dentro da medida de sua capacidade, a obra de uma Verdade do ser superior
a ela; o poder que está detrás dessas obras deve, portanto, ser outra forma superior
da Consciência apropriada a essa Verdade. De modo semelhante, temos de emendar
nosso conceito e afirmar que criou este universo material, não uma Mente ou
Inteligência subconsciente, senão uma envolvida Supramente que põe a Mente
diante de si como a imediata forma especial de seu conhecimento-vontade
subconsciente na Força, e usa a material Força ou Vontade subconscientes na
substância do ser como sua Natureza executiva ou Prakriti.
Mas vemos que aqui a Mente está manifestada em uma especialização da Força à
que damos o nome de Vida. O que é então a Vida? E que relação tem com a
Supramente, com esta suprema trindade de Satchitananda ativo na criação por meio
da Real-Idéia ou Verdade-consciência? Desde que princípio na Trindade toma seu
nascimento? Ou porque necessidade, divina ou não-divina, da Verdade ou da ilusão,
vem a ser? A Vida é um mal, faz ressoar através dos séculos o antigo grito, uma
ilusão, um delírio, uma loucura da que temos que fugir para o repouso do ser
eterno. É assim? E por que então é assim? Por que o Eterno infligiu caprichosamente
este mal, trouxe este delírio ou loucura sobre Si ou sobre as criaturas que
alcançaram o ser por Sua terrível Maya todo-enganosa? Ou é muito mais, algum
princípio divino que se expressa assim, algum poder do Deleite do ser eterno que há
de expressar-se e, dessa maneira, projetou-se dentro do Tempo e Espaço nesta
constante erupção de milhões e milhões de formas de vida que povoam os
incontáveis mundos do universo?
Quando estudamos esta Vida como se manifesta na Terra com a Matéria como base,
observamos que essencialmente é uma forma da cósmica Energia única, um
movimento ou corrente dinâmica de energia positiva e negativa, um constante ato
ou jogo da Força que contrói formas, as dinamiza mediante uma contínua corrente
de estimulação e as mantêm mediante um incessante processo de desintegração e
renovação de sua substância. Isto teria a demonstrar que a distinção natural que
fazemos entre a morte e a vida é um erro de nossa mentalidade, uma dessas falsas
oposições, --(falsas para a verdade interior ainda que válidas na superficial
experiência prática)--, que, enganada pelas aparências, constantemente se introduz
na unidade universal. A morte carece de realidade exceto como um processo da
vida. Desintegração de substância e renovação de substância, manutenção de forma
e mudança de forma, são os processos constantes da vida, a morte é simplesmente
uma desintegração rápida submetida à necessidade da vida de câmbio e variação da
experiência na forma. Inclusive na morte do corpo não há cessação de Vida, só se
interrompe o material de uma forma de vida para servir como material a outras
formas de vida. De modo parecido, podemos estar seguros, na uniforme lei da
Natureza, que se há na forma corporal uma energia mental ou psíquica, essa tão
pouco é destruída senão só interrompida em uma forma para assumir outras
mediante algum processo de metempsicose ou nova animação em outro corpo.
Tudo se renova, nada perece.
Poderia afirmar-se como uma consequência que há uma Vida onipenetrante ou
energia dinâmica, —(o aspecto material é só seu mais externo movimento)--, que
cria todas estas formas do universo físico, Vida imperecível e eterna que, inclusive
se abolisse-se por completo a figura do universo, seguiria todavia existindo e
poderia produzir um novo universo em seu lugar, e que deve em verdade, --(a
menos que seja repregada a um estado de repouso por algum Poder superior ou
que se retraisse)--, seguir inevitavelmente criando. Nesse caso a Vida não é nada
mais que a Força que constrói, mantêm e destrói as formas no mundo; é a Vida que
se manifesta na forma da terra assim como na planta que cresce sobre a terra e os
animais que sustentam sua existência devorando a força-vital da planta ou de outro
animal. Toda a existência é aqui Vida universal que toma a forma de Matéria.
Poderia, para essa finalidade, esconder o processo-vital no processo físico antes de
emergir como sensibilidade submental e vitalidade mentalizada, mas ainda seria por
completo o mesmo criador princípio-de-Vida.
Se dirá, no entanto, que isto não é o que conhecemos como vida; chamamos vida a
um particular resultado da força universal com a que estamos familiarizados e que
se manifesta só no animal e na planta, mas não no metal, na pedra, no gás; opera
na célula animal mas não no puro átomo físico. Devemos, portanto, a fim de estar
seguros em nosso terreno, examinar em que consiste precisamente este particular
resultado do jogo da Força que chamamos vida e como difere desse outro resultado
do jogo da Força nas coisas inanimadas que, segundo dizemos, não é a vida. Ao
mesmo tempo vemos que aqui na terra há três reinos do jogo da Força: o reino
animal da antiga classificação ao qual pertencemos; o vegetal; e por último o
simples material vazio, segundo estimamos, de vida. Como difere a vida em nós da
vida da planta, e a vida da planta da não-vida, digamos, do metal, o reino mineral
da velha fraseologia, ou desse novo reino químico que a Ciência descobriu?
Ordinariamente, quando falamos de vida, nos referimos à vida animal, a que se
move, respira, come, sente, deseja, e, se falamos da vida das plantas, foi quase
como uma metáfora mais que como realidade, pois a vida vegetal foi considerada
como um processo puramente material muito mais que como fenômeno biológico.
Especialmente temos associado a vida com a respiração; a respiração é vida, se diz
em todo idioma, e a fórmula é certa se mudamos nosso conceito do que queremos
dizer com Alento de Vida. Mas é evidente que a moção ou locomoção espontâneas,
respirar, comer, são só processos da vida e não a vida mesma; são meios para a
geração ou liberação dessa energia constantemente estimulante que é nossa
vitalidade, e para esse processo de desintegração e renovação pela que sustenta
nossa própria existência substancial; mas estes processos de nossa vitalidade podem
manter-se de modos distintos a nossa respiração e nossos meios de sustento. É um
fato provado que inclusive a vida humana pode manter-se no corpo, com plena
consciência, havendo-se suspendido temporalmente a respiração, o batimento do
coração e outras condições que antes se consideravam essenciais. E se levantaram
novas evidencias de fenômenos estabelecendo que a planta, à que todavia negamos
qualquer reação consciente, tem ao menos vida física idêntica à nossa e inclusive
essencialmente organizada como a nossa, ainda que diferente em sua aparente
organização. Se prova-se que isto é certo, devemos varrer por completo nossos
antigos conceitos, fáceis e falsos, indo além de sintomas e exterioridades, até
chegar à raiz do assunto.
Em alguns descobrimentos[3] recentes que, se são aceitadas suas conclusões,
devem arrojar uma intensa luz sobre o problema da Vida na Matéria, um grande
físico hindustani chamou a atenção sobre a resposta ao estímulo como um signo
infalível da existência de vida. Em especial é o fenômeno da vida-vegetal o que
resultou iluminado por seus dados e ilustrado em todas suas sutis funções; mas não
devemos esquecer que no ponto essencial afirmou nos metais igualmente que na
planta, a mesma prova de vitalidade, a resposta ao estímulo, o estado positivo da
vida e seu estado negativo que chamamos morte. Não certamente com a mesma
abundância, não como para demonstrar uma essencialmente idêntica organização
da vida; mas é possível que se descobrissem instrumentos correta e suficientemente
ajustados e precisos se descobririam mais pontos de semelhança entre a vida do
metal e a da planta, e inclusive se provasse não ser assim, isto poderia significar que
a mesma ou outra organização vital está ausente, mas os princípios de vitalidade
todavia poderiam estar ali. Mas se a vida, ainda que rudimentária em suas sintomas,
existe no metal, deve admitir-se como presente, velada talvez, ou básica e elemental
na terra ou outras existências materiais afins ao metal. Se podemos seguir mais
adiante nossas investigações, não obrigados a deter-nos onde fracassem nossos
meios imediatos de investigação, podemos estar seguros por nossa invariável
experiência da Natureza que as investigações assim empreendidas nos provaram, ao
fim, que não há interrupção, nem rígida linha demarcatória entre a terra e o metal
formado nela, nem entre o metal e a planta e, prosseguindo mais adiante com a
síntese, que não há nenhuma diferença tão pouco entre os elementos e átomos que
constituem a terra ou o metal nem entre o metal ou a terra que eles constituem.
Cada passou desta gradual existência prepara o seguinte, mantêm em si o que
aparece no que segue. A Vida está por toda parte, secreta ou manifesta, organizada
ou elemental, envolta ou evoluída, mas universal, todo-penetrante, imperecível,
diferendo só suas formas e organizações.
Devemos recordar que a resposta física ao estímulo é só um signo externo da vida,
assim como o são a respiração e a locomoção em nós. O experimentador aplica um
estímulo excepcional e obtêm vívidas respostas que de imediato podemos
reconhecer como índices de vitalidade no objeto do experimento. Mas durante toda
sua existência a planta está respondendo incessantemente a uma constante massa
de estimulação de parte de seu entorno; vale dizer, existe nela uma força
constantemente mantida que é capaz de responder à aplicação da força que chega
desde seu entorno. Se diz que a idéia de uma força vital na planta ou outro
organismo vivo foi destruída por estes experimentos. Mas quando dizemos que se
aplicou um estímulo à planta, queremos dizer que uma energética força, uma força
em movimento dinâmico foi dirigida sobre esse objeto, e quando dizemos que se
obtêm uma resposta, queremos dizer que uma energética força capaz de movimento
dinâmico e de vibração sensitiva responde ao choque. Há uma recepção e réplica
vibrantes, igualmente que uma vontade de crescer e ser, indicativa de uma
organização submental e vital-física da consciência-força oculta na forma de ser.
Então, o fato pareceria ser que assim como há uma constante energia dinâmica em
movimento no universo que toma diversas formas materiais mais ou menos sutis ou
densas, de igual modo em cada corpo ou objeto físico, planta, animal ou metal, está
armazenada e ativa a mesma constante força dinâmica; um certo intercâmbio destas
duas nos dá os fenômenos que associamos com a idéia da vida. Esta é a ação que
reconhecemos como ação de Energia-Vida e isso que é tão energético para si
mesmo é a Força-Vida, a Energia-Mente, a Energia-Vida, a Energia material, são
diferentes dinamismos de uma só Força-Mundo.
Ainda que uma forma nos pareça morta, todavia existe nela esta força em
potencialidade por mais que suas familiares operações de vitalidade estejam
suspendidas e a ponto de concluir permanentemente. Dentro de certos limites, o
que está morto pode reviver-se; as operações habituais, a resposta, a circulação da
energia ativa pode restaurar-se; e isto prova que o que chamamos vida está ainda
no corpo, latente, significa dizer, não ativa em seus hábitos usuais, suas hábitos de
ordinário funcionamento físico, seus hábitos de jogo e resposta nervosos, seus
hábitos no animal da consciente resposta mental. É difícil supor que exista uma
entidade distinta chamada vida que tenha saído por completo do corpo e que volte
outra vez a este quando sente -como, dado que não há nada que a conecte com o
corpo?— que alguém esteja estimulando a forma. Em certos casos, como na
catalepsia, vemos que os externos signos e operações físicas da vida estão
suspendidos, mas a mentalidade está ali auto-possuída e consciente ainda que
incapaz de compelir as usuais respostas físicas. Certamente não se trata do fato de
que o homem esteja fisicamente morto mas mentalmente vivo, ou de que a vida
haja escapado do corpo enquanto a mente todavia habita-o, senão só de que o
ordinário funcionamento físico está suspendido, enquanto o mental está ainda ativo.
Assim mesmo, em certas formas de transe, estão suspendidas as funções físicas
e as mentais externas, mas depois retomam sua atividade, em alguns casos
mediante estimulação externa, e mais normalmente mediante um retorno
espontâneo à atividade desde dentro. O que realmente há sucedido é que a força-
mental superficial foi retirada dentro da mente subconsciente e a superficial força-
vital foi retirada também dentro da vida sub-ativa e, ou bem o homem todo
deslizou-se dentro da existência subconsciente ou bem, há retirado sua vida externa
à existência subconsciente enquanto que seu ser interior há sido elevado para
dentro do super-consciente. Mas nosso ponto capital consiste agora em que a Força,
qualquer que seja, que mantêm a energia dinâmica ou vida no corpo, suspendeu
certamente suas operações externas mas ainda informa a organizada substância. No
entanto, chega um ponto no que já não é possível restaurar as atividades
suspendidas; e isto ocorre quando, ou melhor infringiu ao corpo uma lesão tal que o
inutilize ou incapacite para seu funcionamento habitual ou melhor, se não media tal
lesão, quando começou o processo de desintegração, significa dizer, quando a Força
que deveria renovar a ação-vital chega a ser por completo inerte diante a pressão
das forças do entorno com cuja massa de estímulos acostuma manter um constante
intercâmbio. Inclusive então existe Vida no corpo, mas uma Vida que só está
ocupada no processo de desintegrar a substância formada de modo que possa
escapar em seus elementos e constituir com eles novas formas. A Vontade na força
universal que manteve a coesão da forma, agora se retira da constituição, e
sustenta, em seu lugar, um processo de dispersão. Até esse momento não tem lugar
a morte real do corpo.
Então, a Vida é o jogo dinâmico de uma Força universal, uma Força na que a
consciência mental e a vitalidade nervosa são, de alguma forma ou, ao menos em
seu princípio, sempre inerentes e portanto se apresentam e organizam em nosso
mundo nas formas da Matéria. O jogo-vital desta Força se manifesta como um
intercâmbio de estimulação e resposta à estimulação entre as diferentes formas que
há construído e nas que mantêm seu constante pulso dinâmico; cada forma absorve
constantemente e emite novamente o hálito e a energia da Força comum; cada
forma se alimenta com isso e se nutre com isso por variados meios, seja já
indiretamente absorvendo de outras formas nas que está armazenada a energia ou
melhor diretamente absorvendo as descargas dinâmicas que recebe do exterior.
Tudo isto é o jogo da Vida; mas principalmente o reconhecemos donde a
organização dele nos é suficiente para que percebamos seus movimentos mais
externos e complexos, e especialmente onde participa do tipo nervoso de energia
vital que pertence a nossa própria organização. É por esta razão que estamos
prestes a admitir a vida na planta porque há evidentes fenômenos de vida, —(e isto
chega a ser mais fácil todavia se pode demostrar-se que manifesta sintomas de
nervosidade e tem um sistema vital não muito diferente do nosso)—, mas não
queremos reconhecê-la no metal, na terra e no átomo químico donde estes
desenvolvimentos fenomênicos podem detectar-se com dificuldade ou
aparentemente não existir.
¿Existe alguma justificação para elevar esta distinção a uma diferença essencial?
Qual é, por exemplo, a diferença entre a vida em nossos e a vida na planta?
Apreciamos que difiram, primero, em nossa possessão do poder de locomoção que
nada tem que ver, evidentemente, com a essência da vitalidade, e segundo, em
nossa possessão da sensação consciente que, pelo que até agora conhecemos,
ainda não está evoluída na planta. Nossas respostas nervosas se acompanham em
grande medida, ainda que de nenhum modo sempre nem em sua totalidade, da
resposta mental da sensação consciente; elas têm um valor para a mente
igualmente que para o sistema nervoso e para o corpo agitado pela ação nervosa.
Na planta pareceria que há sintomas de sensação nervosa, incluídos os que em nós
se traduziriam como prazer e dor, vigília e sonho, exaltação, embotamento e fadiga,
e o corpo está agitado interiormente pela ação nervosa, mas não há signo da real
presença de sensação mentalmente consciente. Mas a sensação é mentalmente
consciente ou vitalmente sensitiva, e é uma forma da consciência. Quando a planta
sensitiva se recolhe diante um contato parece que é afetada nervosamente, que
algo nela não gosta desse contato e procura afastar-se dele; há, em uma palavra,
uma sensação subconsciente na planta, tal como há, já o temos visto, operações
subconscientes da mesma classe em nós. No sistema humano é muito possível
trazer à superfície estas percepções e sensações subconscientes muito depois de
haver sucedido e haver cessado de afetar o sistema nervoso; e uma sempre
crescente massa de evidências há estabelecido irrefutavelmente a existência de uma
mentalidade subconsciente em nós, muito mais vasta que a consciente. O mero fato
de que a planta careça de mente superficialmente vigilante que possa despertar-se
para avaliar suas sensações subconscientes, não cria diferença à identidade
essencial dos fenômenos. Sendo os fenômenos os mesmos, a coisa que manifestam
deve ser a mesma, e essa coisa é uma mente subconsciente. E é muito possível que
exista uma mais rudimentar operação vital do subconsciente sentido-mente no
metal, ainda que no metal não exista agitação corporal correspondente à resposta
nervosa; mas a ausência de agitação corporal não cria uma diferença essencial para
a presença de vitalidade no metal assim como a ausência de locomoção corporal
não cria uma diferença essencial para a presença de vitalidade na planta.
O que acontece quando o consciente se converte em subconsciente no corpo ou o
subconsciente se torna consciente? A diferença real deságua na absorção da energia
consciente em parte de seu trabalho, em sua concentração mais ou menos
exclusiva. Em certas formas de concentração, o que chamamos a mentalidade, vale
dizer, o Prajnana ou consciência apreensiva cessa, quase ou por completo, de atuar
conscientemente; com tudo a atividade do corpo, dos nervos e do sentido-mente
continua constante e perfeita, mas sem ser notada; tudo se tornou subconsciente e
a mente está luminosamente ativa só em uma atividade ou cadeia de atividades.
Quando escrevo, o ato físico de escrever é fato, em sua maior parte e às vezes por
completo, pela mente subconsciente; o corpo efetua, inconscientemente, segundo
dizemos, certos movimentos nervosos; a mente está desperta só para o pensamento
com ele que está ocupada. O homem todo pode certamente fundir-se no
subconsciente; contudo, os movimentos habituais que implicam a ação da mente
podem continuar, como em muitos fenômenos de sonho; ou tal homem pode elevar-
se ao super-consciente e ainda assim, estar ativo com a mente subliminal no corpo,
como em certos fenômenos de samadhi ou transe yóguico. É evidente, então, que a
diferença entre a sensação da planta e nossa sensação estar simplesmente em que
na planta a Força consciente que se manifesta no universo ainda não emergiu do
todo desde o sonho da Matéria, desde a absorção que divide por inteiro a Força
trabalhadora de sua fonte de trabalho no conhecimento super-consciente, e pelo
tanto faz subconscientemente o que fará conscientemente quando emerja no
homem desde sua absorção e comece a despertar, ainda que indiretamente, a seu
conhecimento-eu. Realiza exatamente as mesmas coisas mas de modo distinto e
com um diferente valor em termos de consciência.
Está chegando a ser possível agora conceber que no mesmíssimo átomo há algo que
chega a ser em nós uma vontade e um desejo, há uma atração e repulsão que,
ainda que fenomenicamente distintas, são em essência a mesma coisa que gosto e
desgosto em nós mesmos, mas são, como dizemos, inconscientes ou
subconscientes. Esta essência de vontade e desejo é evidente por toda parte na
Natureza e, ainda que isto ainda não está suficientemente contemplado, vontade e
desejo estão associados certamente com a expressão de um sentido e inteligência
subconscientes, ou se prefere, inconscientes ou bastante involuídos que estão,
igualmente, estendidos. Presente em cada átomo de Matéria, tudo isto está
necessariamente presente em cada coisa formada pela agregação daqueles átomos;
e estão presentes no átomo porque estão presentes na Força que constrói e
constitui o átomo. Essa Força é fundamentalmente o Chit-Tapas ou Chit-Shakti do
Vedanta, consciência-força, inerente força consciente do ser-consciente, que se
manifesta como energia nervosa plena de sensação submental na planta; como
desejo-sentido e desejo-vontade nas formas animais primárias; como sentido auto-
consciente e força no animal desenvolvido; como vontade e conhecimento mentais
coroando todo o resto no homem. A Vida é uma escala da Energia universal na que
se dirige à transição desde inconsciência à consciencia; é um poder intermediário
dela, latente ou submergido na Matéria, liberada por sua própria força no ser
submental, liberada finalmente pelo emergir da Mente na plena possibilidade de sua
dinâmica.
À parte de todas as outras considerações, esta conclusão se impõe como
necessidade lógica se observamos inclusive o processo superficial do emergir à luz
do tema evolutivo. É evidente em si mesmo que a Vida na planta, ainda que
organizada de modo distinto que no animal, é contudo o mesmo poder, assinalado
por nascimento, crescimento e morte, propagação mediante semente, morte por
decadência, enfermidade ou violência, manutenção por absorção de elementos
nutrícios del exterior, dependência da luz e o calor, produtividade e esterilidade,
inclusive estados de sono e vigília, energia e depressão do dinamismo-vital, passou
desde a infância à maduridade e velhice; a planta contêm, além disso, as essências
da força da vida e é, portanto, alimento natural das existências animais. Se aceita-se
que tenha sistema nervoso e reações ante aos estímulos, é dizer, um princípio ou
corrente subjacente de sensações submentais ou puramente vitais, a identidade se
torna mais próxima; mas ainda fica evidentemente uma etapa de evolução vital
intermediária entre a existência animal e a Matéria "inanimada". Isto é precisamente
o que deve esperar-se se a Vida é una força evolucionando a partir da Matéria e
culminando na Mente, e, se é isso, então estamos obrigados a supor que já existe
na Matéria mesma submergida ou latente na subconsciência ou inconsciência
materiais. Porque de onde mais pode emergir? A evolução da Vida na matéria supõe
uma prévia involução dela ali, a não ser que suponhamos que seja uma nova criação
magicamente e inexplicavelmente introduzida na Natureza. Se é isso, deve ser uma
criação a partir do nada ou um resultado de operações materiais que não se explica
para nada pelas operações mesmas ou por qualquer elemento delas que sejam de
natureza afim; ou, concebivelmente, pode ser um descenso desde algum plano
supra físico por cima do universo material. As duas primeiras superposições podem
descartar-se como concepções arbitrárias; a última explicação é possível e bastante
concebível, e conforme à visão oculta das coisas é certo que, uma pressão desde
algum plano da Vida por cima do universo material, ajudou o afloramento da vida
aqui. Mas isso não exclui o origem da vida desde a Matéria mesma como movimento
primário e necessário; pois a existência de um mundo-Vital ou plano-Vital por cima
do material não conduz de por si ao emergir da Vida na matéria, a não ser que o
plano-Vital exista como etapa formativa em um descenso do Ser através de diversos
graus ou poderes de si dentro da Inconsciência com o resultado de uma involução
de si com todos estes poderes na Matéria para uma evolução e emergir posteriores.
Que os signos desta vida submergida sejam possíveis de descobrir, --
(desorganizados ou rudimentares)--, nas coisas materiais, ou tais signos não existam
porque esta Vida se acha em pleno sonho, não é questão de capital importância. A
Energia material que agrega, forma e desagrega[4] é o mesmo Poder em outro grau
de si que essa Energia-Vital que se expressa no nascimento, o crescimento e a
morte, assim como mediante sua realização das obras da Inteligência em uma
subconsciência sonâmbula se delata como o mesmo Poder que em outro grau
alcança o estado da Mente; seu caráter mesmo demonstra que contêm em si, --
(ainda que não todavia em suas características organização ou processo)--, os ainda
não liberados poderes da Mente e Vida.
A Vida então se revela como essencialmente a mesma por toda parte, desde o
átomo até o homem; o átomo contendo o material e o movimento subconscientes
do ser que se liberam na consciência no animal, com a vida vegetal em uma etapa
intermediária da evolução. A Vida é realmente uma operação universal da Força-
Consciente que atua subconscientemente sobre e na Matéria; é a operação que cria,
mantêm, destrói e recria formas ou corpos, e procura, --(mediante o jogo da força-
nervosa, é dizer, mediante correntes de intercâmbio de estimulante energia)--,
despertar a sensação consciente nesses corpos. Nessa operação há três etapas; a
inferior é aquela na que a vibração está ainda no sonho da Matéria, inteiramente
subconsciente de modo que parece totalmente mecânica; a etapa média é aquela na
que chega a ser capaz de uma resposta todavia submental mas na borda do que
conhecemos como consciência; a superior é aquela na que a vida desenvolve a
mentalidade consciente em forma de sensação mentalmente perceptível que nesta
transição chega a ser a base do desenvolvimento do sentido-mente e da
inteligência. É na etapa média onde captamos a idéia da Vida como distinta da
Matéria e a Mente, mas em realidade é a mesma em todas as etapas e sempre um
termo médio entre Mente e Matéria, um termo constituinte na última e instintivo na
primeira. É uma operação da Força-Consciente que não é a mera formação de
substância nem a operação da mente com substância e forma como seu objeto de
apreensão; é muito mais um desenvolvimento-energético do ser consciente que é
causa e suporte da formação de substância, e fonte intermediária e suporte da
apreensão mental consciente. A Vida, com este intermediário desenvolvimento-
energético do ser consciente, põe em ação e reação sensitivas uma forma de força
criadora da existência que esteve trabalhando subconscientemente ou inconscien‐
temente, absorta em sua própria substância; sustenta e libera na ação, a apreensiva
consciência da existência chamada mente e lhe dá uma dinâmica instrumentação de
modo que pode trabalhar no sólo em suas próprias formas senão também nas
formas da vida e a matéria; conecta também, e sustenta, como termo médio entre
elas, o mútuo comércio de ambas, de mente e matéria. Com este meio de comércio
a Vida provê nas contínuas correntes de sua pulsante nervo-energia levando força
da forma como uma sensação para modificar a Mente, e trazer de volta força da
Mente como vontade de modificar a Matéria. Portanto, esta nervo-energia é o que
queremos representar usualmente quando falamos de Vida; é o Prana ou força-Vital
do sistema indiano. Mas nervo-energia é só a forma que toma no ser animal; a
mesma energia Prânica está presente em todas as formas até chegar ao átomo,
dado que por toda parte é a mesma em essência e por toda parte é a mesma
operação da Força-Consciente, —(Força que sustenta e modifica a existência
substancial de suas próprias formas, Força com sentido e mente secretamente ativos
mas, em princípio, envolvidos na forma e preparando-se para emergir até finalmente
fazê-lo desde seu envolvimento)--. Este é o significado completo da Vida onipresente
que há manifestado e habita o universo material.

[1] II, 3

[2] Kavir manísí paribhúh svayambhúr yáthátathyato rthán vyadadhát sásvatíbhyah samábyah. – Isha
Upanishad, Versículo 8.

[3] Estas considerações extraídas de recentes investigações científicas, expõem-se aqui a titulo de ilustração
e não de prova da natureza e processo da Vida na Matéria tal como se desenvolve-se aqui. A ciência e a
metafísica (fundadas na pura especulação intelectual ou, como na Índia, em última instância em uma visão
espiritual das coisas e a experiência espiritual) tem cada uma sua própria circunscrição e método de in‐
vestigação. A ciência não pode ditar suas conclusões à metafísica assim como a metafísica não pode impor
suas conclusões à ciência. Contudo, se aceitamos a racional crença de que o Ser e a Natureza em todos
seus estados têm um sistema de correspondências que expressa uma subjacente Verdade comum a eles, é
permissível supor que as verdades do universo físico podem alojar alguma luz sobre a Natureza, igualmente
que o processo da Força que está ativa no Universo, --não uma luz completa, pois a ciência física é neces‐
sariamente incompleta enquanto ao alcance de sua Investigação e não tem a chave dos ocultos
movimentos da Força--.

[4] Nascimento, crescimento e morte da vida são em seu aspecto externo o mesmo processo de agregação,
formação e desintegração, ainda que mais que isso em seu processo e significado interiores. Inclusive a
animação do corpo pelo ser psíquico segue, se o critério oculto das coisas é correto, um similar processo
externo, pois a alma como núcleo dá nascimento e agrega os elementos de suas envolturas mental, vital e
física, e seus conteúdos, aumentam estas formações na vida, e ao partir deixa cair e separa outra vez estes
agregados, guardando para si seus poderes interiores, até que, no renascimento, repete o processo
original.
-------------------------------------------------------------------O-------------------------------------------------------------

Capítulo XX
MORTE, DESEJO E INCAPACIDADE
No princípio, tudo estava coberto pela Fome que é a Morte; a Mente fez isso por ela mesma de
modo que pudesse alcançar a possessão do ser-em-si.

Brihadaranyaka Upanishad[1][1]
Este é o Poder descoberto pelo mortal que tem a multidão de seus desejos de modo tal que
possa sustentar todas as coisas; prova o sabor de todos os alimentos e constrói uma casa para o
ser.

Rig Veda[2][2]
Em nosso último capítulo consideramos a Vida desde o ponto de vista da existência
material, e a aparência e atividade do princípio vital na Matéria, e temos raciocinado
partindo dos dados que oferece esta evolutiva existência terrestre. Mas é evidente
que donde queira e possa aparecer e como queira e possa trabalhar, sob qualquer
condição, o princípio geral deve ser o mesmo por toda parte. A Vida é a Força
universal que trabalha de tal modo para criar, dinamizar, manter e modificar,
inclusive até o ponto de dissolver e reconstruir as formas substanciais com o jogo e
intercâmbio mútuos de uma energia aberta ou secretamente consciente como seu
caráter fundamental. No mundo material que habitamos a Mente está envolvida e
subconsciente na Vida, assim como a Supramente está envolvida e subconsciente na
Mente, e este instinto Vital com uma envolta Mente subconsciente está, a sua vez,
envolvido na Matéria. Por lo tanto, a Matéria é aqui a base e o princípio aparente; na
linguagem dos Upanishads, Prithivi, o princípio-Terra, é nosso fundamento. O
universo material parte do átomo formal sobrecarregado de energia, imbuído da não
formada matéria de um subconsciente desejo, vontade e inteligência. A partir desta
Matéria aparente a Vida se manifesta, e libera a partir de si mesma, por meio do
corpo vivente, Mente que contêm aprisionada dentro dela; a Mente, assim mesmo,
todavia há de liberar a partir de si, a Supramente oculta em suas atividades. Mas
podemos conceber um mundo constituído de outro modo, no que a Mente não
esteja envolvida o princípio senão que use conscientemente sua inata energia para
criar originais formas de substância e que não seja, como aqui, só subconsciente ao
começo. Ainda que a atividade de um mundo assim seria muito diferente do nosso,
o veículo intermediário da operação dessa energia seria sempre a Vida. A coisa em
si seria a mesma inclusive se o processo fora inteiramente invertido.
Mais então mostra-nos de imediato que assim como a Mente é só uma operação
final da Supramente, de igual maneira a Vida é só uma operação final da
Consciência-Força da qual a Real-Idéia é a forma determinativa e a agente criadora.
A Consciência que é Força, é a natureza do Ser e este Ser consciente, manifestado
como um criador Conhecimento-Vontade, é a Real-Idéia ou Supramente. O
Conhecimento-Vontade supramental é a Consciência-Força que se faz operativa para
a criação de formas do ser unido em uma ordenada harmonia a que damos o nome
de mundo ou universo; dessa maneira também a Mente e a Vida são a mesma
Consciência-Força, o mesmo Conhecimento-Vontade, mas operando para a
manutenção de formas distintamente individuais em uma sorte de demarcação,
oposição e intercâmbio nos que a alma, em cada forma de ser, estrutura sua vida e
mente próprias como se estivessem separadas dos demais, ainda que de fato nunca
estão separadas senão que são o jogo da única Alma, Mente, Vida em diferentes
formas de sua singular realidade. Em outras palavras, assim como a Mente é a
individualizadora operação final da todo-compreensiva todo-apreendente
Supramente, é dizer, o processo pelo que sua consciência atua individualizada em
cada forma desde o ponto básico próprio dela e com as relações cósmicas que
procedem desde esse ponto básico, de igual maneira a Vida é a operação final pela
que a Força do Ser-Consciente, atuando através da onipossessora e oni-criadora
Vontade da Supramente universal, mantêm e infunde energia, constitui e reconstitui
formas individuais, e atua nelas como a base de todas as atividades da alma assim
encarnada. A vida é a energia do Divino gerando-se continuamente nas formas
como em um dínamo e não só jogando com a resultante bateria de seus impactos
nas circundantes formas de coisas senão também, a sua vez, recebendo ela
mesma os impactos procedentes de todavida ao redor na medida em que se
propaguem e penetram a forma desde o exterior, desde o universo circundante.
Nesta visão, a Vida se apresenta como forma de energia da consciência
intermedáriária e apropriada à ação da Mente na Matéria; em um sentido, pode
dizer-se que é um enérgico aspecto da Mente quando cria e se relaciona não já só a
idéias senão a moções de força e a formas de substância. Mas imediatamente deve
acrescentar-se que assim como a Mente não é uma entidade separada, senão que
tem toda a Supramente detrás e é a Supramente a que cria com a Mente só como
sua individualizadora operação final, de igual modo a Vida tão pouco é uma entidade
ou movimento separados, pois tem toda a Consciência-Força detrás dela em todas
suas atividades e essa é a única Consciência-Força que existe e atua nas coisas
criadas. A Vida é só sua final operação intermediária entre a Mente e o Corpo. Tudo
o que dizemos da Vida deve, portanto, ajustar-se às qualificações que se suscitam
desta dependência. Em realidade não conhecemos a Vida em sua natureza nem em
seu processo a menos que e até que sejamos conscientes e cresçamos conscientes
dessa Força-Consciente que atua nela, da qual é só o aspecto e instrumentalidade
externos. Então só podemos perceber e executar com conhecimento, --(como alma-
formas individuais e instrumentos corporais e mentais do Divino)--, a vontade de
Deus na Vida; só então a Vida e a Mente podem seguir caminhos e movimentos de
uma sempre-em-aumento da retidão da verdade em nós e nas coisas, mediante
uma constante diminuição das tortuosas perversões da Ignorância. Assim como a
Mente há de unir-se conscientemente com a Supramente da que está separada pela
ação de Avidya, de igual modo a Vida há de chegar a ser consciente da Força-
Consciente que opera nela para seus fins e com um significado do qual a vida em
nós, devido a que está absorvida no mero processo de viver como nossa mente está
absorvida no mero processo de mentalizar a vida e a matéria, está inconsciente em
sua obscurecida ação de modo que as serve cega e ignorantemente e não, como
deve ser e será em sua liberação e realização, luminosamente ou com um auto-
realizador Conhecimento, poder e bem-aventurança.
De fato, nossa vida, devido a que está submetida à obscurecida e divisora
operação da Mente, ela mesma está obscurecida e dividida, e padece toda essa
sujeição a morte, limitação, debilidade, sofrimento e funcionamento ignorante, dos
quais a limitada e restringida Mente-criatura é progenitora e causa. A fonte original
da perversão foi, já temos visto, a auto-limitação da alma individual atada à auto-
ignorância devido a que se considera, mediante uma exclusiva concentração, como
auto-existente individualidade separada e considera toda a ação cósmica só como se
apresenta ante sua própria consciência individual, conhecimento, vontade, força,
desfrute e ser limitado em lugar de ver-se como forma consciente do Uno e abarcar
toda consciência, todo conhecimento, toda vontade, toda força, todo desfrute e todo
ser como um só com o seu próprio. A vida universal em nós, obedecendo esta
diretiva da alma cativa na mente, chega a ser aprisionada em uma ação individual.
Existe e atua como uma vida separada com uma insuficiente capacidade limitada
que sofre e não abraça livremente o impacto e a pressão de toda a vida cósmica que
a rodeia. Lançada dentro do constante intercâmbio cósmico de Força no universo
como uma existência pobre, limitada e individual, a Vida sofre ao princípio des‐
amparadamente e obedece ao gigantesco intercâmbio com só uma mecânica reação
para todo aquele pelo que é atacada, devorada, desfrutada, usada, conduzida. Mas
tão pronto se desenvolve a consciência, tão pronto a luz de seu próprio ser emerge
da inerte obscuridade do sono involutivo, a existência individual chega a ser
debilmente consciente do poder que há nela e busca, primeiro nervosamente e logo
mentalmente, dominar, usar e desfrutar o jogo. Este despertar ao Poder nela é o
gradual despertar ao ser (eu). Pois a Vida é Força e a Força é Poder e o Poder é
Vontade e a Vontade é a atividade da Consciência-Mestra. a Vida no indivíduo chega
a ser cada vez mais e mais consciente em suas profundidades de que ela também é
a Vontade-Força de Satchitananda que é dono do universo e ela aspira a ser indi‐
vidualmente da de seu próprio mundo. Realizar seu próprio poder e dominar ao
igual que conhecer seu mundo é, portanto, o crescente impulso de toda vida
individual; esse impulso é uma característica essencial da crescente auto-
manifestação do Divino na existência cósmica.
Mais ainda que a Vida é Poder e o crescimento da vida individual significa ou
crescimento do Poder individual, todavia ou mero fato de seu ser, uma dividida
individualizada vida e força, lhe impede chegar a ser realmente dona de seu mundo.
Pois isso significaria ser dona da Todo-Força, e é impossível para uma consciência
dividida e individualizada com um dividido, individualizado e, por tanto, limitado
poder e vontade, ser dona da Todo-Força; só a Todo-Vontade pode ser isso e o
indivíduo só pode sê mediante e o a alcance de chegar a ser novamente um com a
Todo-Vontade e, por lo tanto, com a Todo-Força. De outro modo, a vida individual
na forma individual deve sempre estar sujeita aos três distintivos de sua limitação:
Morte, Desejo e Incapacidade.
A morte é imposta à vida individual pelas condições de sua própria existência e
por suas relações com a Todo-Força que se manifesta no universo. Pois a vida
individual é um jogo particular de energia especializada em constituir, manter,
dinamizar e finalmente dissolver, quando termina sua utilidade, uma das miríades de
formas, às quais todas servem, cada uma em seu próprio lugar, tempo e âmbito, ao
jogo total do universo. A energia da vida no corpo há de suportar o ataque das
energias externas a ela no universo; há de atraí-las, alimentá-las e a sua vez ser
constantemente devorada por elas. Toda a Matéria, segundo o Upanishad, é
alimento, e esta é a fórmula do mundo material: "o comedor comendo é por sua vez
comido”. A vida organizada no corpo está constantemente exposta à possibilidade
de ser interrompida pelo ataque da vida externa a ela ou, o ser insuficiente sua
capacidade de devorar, ou não satisfeita apropriadamente, ou de não mediar o
correto equilíbrio entre a capacidade de devorar e a capacidade ou necessidade de
prover alimento para a vida exterior, é incapaz de proteger-se, e é devorada ou é
incapaz de renovar-se e, por tanto, descartada ou destruída através do processo da
morte para uma nova construção ou renovação.
Não só isso senão que, segundo a linguagem do Upanishad, a força-vital é o
alimento do corpo e o corpo o alimento da força-vital; em outras palavras, a energia
vital em nós abastece o material pelo que a forma se constrói e constantemente se
mantêm e se renova, e ao mesmo tempo usa constantemente a forma substancial
de si mesma que dessa forma cria e mantêm na existência. Se o equilíbrio entre
estas duas operações é imperfeito ou está perturbado, ou se o ordenado jogo das
diferentes correntes de força-vital é arrancado de sua engrenagem, então se
apresentam a enfermidade e a decadência, e começa o processo de desintegração.
E a luta mesma pelo domínio consciente e inclusive o crescimento da mente torna
mais difícil a manutenção da vida. Pois há uma crescente demanda de energia-vital
na forma, uma demanda que mente no excesso do sistema original
desabastecimento e perturba o equilíbrio original de oferta e demanda, e antes que
possa estabelecer-se um novo equilíbrio, se apresentam múltiplas desordens hostis à
harmonia e à prolongação da manutenção da vida; além disso, a tentativa de
domínio cria sempre uma reação correspondente ao entorno, que está cheio de
forças que também desejam realizar-se e, portanto, são intolerantes, se lançam e
atacam a existência que procura dominá-las. Ali também se altera um equilíbrio, se
gera uma luta mais intensa; ainda que forte a vida dominante, a não ser que seja
ilimitada ou alcance estabelecer uma nova harmonia com seu entorno, não pode
sempre resistir e triunfar, pois deve um dia ser vencida e desintegrada.
Mas, à parte de todas estas necessidades, existe a fundamental necessidade da
natureza e objeto da corporizada vida mesma, que consiste em buscar a experiência
infinita sobre uma base finita; e dada a forma, --(a base por sua mesma organização
limita a possibilidade da experiência)--, isto só pode fazer-se dissolvendo-a e bus‐
cando novas formas. Pois a alma, havendo-se limitado uma vez mediante a
concentração sobre o momento e o campo, é levada a buscar novamente sua
infinitude mediante o princípio de sucessão, somando momento a momento e, dessa
maneira, armazenando uma experiência-Temporal que ela chama seu passado;
nesse Tempo se move através de sucessivos campos, sucessivas experiências ou
vidas, sucessivas acumulações de conhecimento, capacidade e desfrute, e tudo isto
o retém na memória subconsciente ou supraconsciente como seu fundo de passado
adquirido no Tempo. Para este processo a mudança de forma é essencial, e para o
alma envolvida no corpo individual, a mudança de forma significa dissolução do
corpo pelo cumprimento da lei e pela compulsão da Todo-vida no universo material,
a sua lei de abastecimento e demanda do material da forma, a seu princípio de
constante confronto e a luta da vida corporizada para existir em um mundo de
mútuo devorar-se. E esta é a Lei da Morte.
Esta é então a necessidade e justificação da Morte, não como negação da Vida,
senão como processo da Vida; a morte é necessária porque a eterna mudança da
forma é a única imortalidade à que a finita substância vivente pode aspirar e o
eterno cambio da experiência a única infinitude que a alma finita, envolvida no corpo
vivente, pode alcançar. Esta mutação da forma não pode admitir-se que seja mera
renovação constante da mesma forma-típica como a que constitui nossa vida
corporal entre o nascimento e a morte; pois a menos que a forma-típica se
modifique e a mente experienciadora seja projetada dentro de novas formas em
novas circunstâncias de tempo, lugar e entorno, não pode efetuar-se a necessária
variação da experiência que exige a natureza mesma da existência no Tempo e Es‐
paço. E é sol o processo da Morte por dissolução em que a vida é devorada pela
Vida, é só a ausência de liberdade, a compulsão, a luta, a dor, a sujeição a algo que
parece consistir em Não-Ser, o que faz que esta necessária e saudável mudança
pareça terrível e indesejável para nossa mentalidade mortal. É o sentido de ser
devorado, destruído, ou forçado o que constitui o grilhão da Morte, e o que nem se
quer a crença na pessoal sobrevivência sobre a morte pode eliminar por completo.
Mas este processo é uma necessidade desse devorar-se mutuamente que vemos
que é a lei inicial da Vida na Matéria. A Vida, diz o Upanishad, é Fome que é Morte,
e mediante esta Fome que é Morte, asanaya mrtyuh, foi criado o mundo material.
Pois a Vida assume aqui como molde a substância material, e a substância material
é o Ser infinitamente dividido e procurando infinitamente agregar-se; entre estes
dois impulsos de infinita divisão e agregação infinita, está constituída a existência
material do universo. A tentativa do indivíduo, do átomo vivente, de manter-se e
alargar-se é o sentido total do Desejo; um físico, vital, moral e mental aumento
mediante uma cada vez maior experiência todo-abarcante, uma cada vez maior
todo-abarcante possessão, absorção, assimilação e desfrute, é o inevitável,
fundamental e indestrutível impulso da Existência, uma vez dividida e individualizada
com tudo sempre secretamente consciente de sua todo- abarcante e todo-‐
possuidora infinitude. O impulso de realizar essa secreta consciência é o esporão do
Divino cósmico, o desejo veemente do corporizado Ser-em-si (Eu) dentro de toda
criatura individual; e é inevitável, justo e saudável que busque primeiro realizá-lo
nos termos da vida mediante um crescente desenvolvimento e expansão. No mundo
físico isto só pode fazer-se alimentando o entorno, alargando-se através da absorção
de outros ou do que os demais possuem; esta necessidade é a justificação universal
da Fome em todas as suas formas. O que devora deve assim mesmo ser devorado;
pois a lei de intercâmbio, de ação e reação, de limitada capacidade e, portanto, de
extinguir-se e sucumbir finalmente, governa toda a vida do mundo físico.
E na mente consciente o que todavia era só fome vital na vida subconsciente, se
transforma em formas superiores; a fome nas partes vitais se converte em anseio de
Desejo na vida mentalizada, em tensão da Vontade na vida intelectual ou pensante.
Este movimento do desejo deve continuar até que o indivíduo tenha crescido o
suficiente como para que possa, finalmente, ser dono de si mesmo e, mediante
crescente união com o Infinito, possuidor de seu universo. O Desejo é a palanca
mediante ao qual o divino princípio-Vital, efectua seu objetivo de auto-afirmação no
universo e a tentativa de extingui-lo em prol da inércia é uma negação do divino
princípio-Vital, um Querer-não-ser que necessariamente é ignorância; pois alguém
não pode deixar de ser individualmente exceto para ser infinitamente. O Desejo
também só pode cessar corretamente, convertendo-se em desejo do infinito e
satisfazendo-se com um alcance celestial e uma satisfação infinita na todo-
possuidora bem-aventurança do Infinito. Enquanto tanto há de progredir desde o
tipo de uma mutuamente devoradora fome até o tipo de doador mútuo, de
crescentemente jubiloso sacrifício de intercâmbio; -(o indivíduo se brinda aos outros
indivíduos e os recebe em intercâmbio; o inferior se entrega ao superior e o superior
ao inferior de modo que se realizem um no outro; o humano se entrega ao Divino e
o Divino ao humano; o Todo no indivíduo se entrega ao todo no universo e recebe
sua realizada universalidade como uma recompensa divina)--. Assim a lei da Fome
deve dar lugar progressivamente á lei do Amor; a lei da Divisão à lei da Unidade; a
lei da Morte à lei da Imortalidade. Essa é a necessidade, essa é la justificação, essa
a culminação e auto-realização do Desejo que está atuando no universo.
E esta máscara da Morte que assume a Vida é produto do movimento da busca
finita em prol da afirmação de sua imortalidade, de modo que o Desejo é o impulso
da Força do Ser individualizado na Vida para afirmar progressivamente nos termos
da sucessão do Tempo e da auto-extensão no Espaço, na estrutura do finito, sua
Bem-aventurança infinita, a Ananda de Satchitananda. A máscara do Desejo que
esse impulso assume provêm diretamente do terceiro fenômeno da Vida, sua lei de
incapacidade. A Vida é uma Força infinita que trabalha nos termos do finito;
inevitavelmente, através de sua aberta ação individualizada no finito, sua
onipotência deve aparecer e atuar como uma capacidade limitada e uma parcial
impotência, ainda que detrás de todo ato do indivíduo, por mais débil que seja, por
mais fútil que seja, por mais titubeante que seja, deve estar a total presença
supraconsciente e subconsciente da infinita Força onipotente; sem essa presença
detrás dela, não pode produzir-se o menor movimento singular no cosmos; em sua
soma de ação universal cada singular ato e movimento se desprende do mandato da
onisciência onipotente que trabalha como a Supramente inerente às coisas. Mas a
individualizada força-vital está limitada a sua própria consciência e plena de
incapacidade; pois há de trabalhar não só contra a massa de outras circundantes
forças-vitais individualizadas, senão também submeter-se ao controle e negação por
parte da Vida infinita com cuja vontade e tendência totais sua própria vontade e
tendência podem não coincidir de imediato. Portanto, a limitação da força, o
fenômeno da incapacidade é a terceira das três características da Vida
individualizada e dividida. Por outra parte, o impulso de auto-alagamento e todo-
possessão permanece e de nenhum modo significa medir-se nem limitar-se pelo
limite de sua atual força ou capacidade. Daí que, do abismo existente entre o
impulso de possuir e a força de possessão, surja o desejo; pois de não haver tal
discrepância, se a força sempre pudesse tomar possessão de seu objeto, sempre
alcança-se seu fim com segurança, o desejo não chegaria a existir senão só uma
calma e auto-possuída Vontade sem anseios tal como é a Vontade do Divino.
Se a força individualizada fôra a energia de uma mente livre da ignorância, não
teria lugar tal limitação nem tal necessidade de desejo. Pois uma mente não
separada da supramente, uma mente de conhecimento divino conheceria a
intenção, âmbito e inevitável resultado de todo ato e não desejaria nem lutaria
senão que poria em execução uma assegurada força auto-limitada em ordem ao
imediato objetivo á vista. Estendendo-se além do presente, inclusive empreendendo
movimentos que não tendem a suceder de imediato, contudo não estaria sujeita ao
desejo ou limitação. Pois as falhas do Divino são também atos de sua onisciente
onipotência que conhece o tempo e a circunstância corretos para o início, as
vicissitudes, os resultados imediatos e finais de todas suas empresas cósmicas. A
mente de conhecimento, ao estar em sintonia com a Supramente divina, participaria
desta ciência e deste poder todo-determinante. Mas como temos visto, a força-vital
individualizada aqui é uma energia da Mente individualizadora e ignorante, Mente
que caiu do conhecimento de sua própria Supramente. Portanto, a incapacidade é
necessária para suas relações na Vida e inevitável na natureza das coisas; pois a
onipotência prática de uma força ignorante inclusive em uma limitada esfera é
inconcebível, dado que nessa esfera uma força tal se colocaria contra a atividade da
divina e onisciente onipotência e desajustaria a fixada finalidade das coisas, —(uma
situação cósmica impossível)--. Portanto, a primeira lei da Vida é a luta das forças
limitadas que aumentam sua capacidade mediante essa luta sobre o ímpeto
condutor do desejo instintivo ou consciente. Assim como com o desejo, sucede igual
com esta contenda; deve elevar-se a uma prova de força mutuamente auxiliadora,
uma luta consciente de forças irmãs na que vencedor e vencido, ou melhor, o que
influencia pela ação desde cima e o que influencia pela réplica da força desde baixo,
devem equanimemente ganhar e crescer. E isto novamente há de converter-se a
seu devido tempo, no choque feliz do intercâmbio divino, o vigoroso abraço do Amor
substituindo o convulsivo abraço da competição. Contudo, a competição é o princípio
necessário e saudável. A Morte, o Desejo e a Competição são a trindade da vida
dividida, a tríplice máscara do divino principio-Vital em seu primeiro ensaio de auto-
afirmação cósmica.

[1][1] I, 2, 1.
[2][2] V, 7, 6.

Vous aimerez peut-être aussi