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OS CRIMES DO CARTEL DO BILHÃO CONTRA O BRASIL:

O esquema que assaltou a Petrobras

CARLOS LOPES

Fundação Instituto Claudio Campos


Sumário

1. O caso do Consórcio OCCH


2. A lavagem no caso OCCH
3. O golpe da Braskem/Odebrecht na Petrobras
4. Braskem/Odebrecht: a máquina de lavagem no roubo à Petrobras
5. O caso REPAR: propinas milionárias para eliminar licitações
6. Os crimes na Refinaria Abreu e Lima: uma amostra
7. As “empresas EPC do Duque” e a pilhagem ao COMPERJ
8. Sobrepreço na terraplenagem: o TCU na Refinaria Abreu e Lima
9. Odebrecht condenada por trabalho escravo em Angola
10. O PT na Petrobras: Vaccari, Duque & alguns outros (I)
11. O PT na Petrobras: Vaccari, Duque & alguns outros (II)
12. O PT contra a Petrobras: Vaccari, Duque & outros (III)
13. O PT contra a Petrobras: Vaccari, Duque & outros (IV)
14. O PT contra a Petrobras: Vaccari, Duque & outros (V)
15. O PT contra a Petrobras: Vaccari, Duque & outros (VI)
16. Como o esquema do PT cobriu o esquema de Cunha e do PMDB (I)
17. Roubo e desinvestimento: Dilma e Collor na Petrobras
18. A subserviência do governo e do PT aos cartéis e o assalto à Petrobras
19. Os negócios do deputado Cunha segundo Fernando “Baiano”
20. O instrutivo relato de Fernando “Baiano” sobre as tratativas com Bumlai e Lula
1.

O caso do Consórcio OCCH

Nesta e nas próximas edições, publicaremos os principais trechos das denúncias,


já aceitas pela Justiça, das atividades do chamado “Clube do Bilhão”, encimado pela
Odebrecht e Andrade Gutierrez, que causaram um prejuízo de bilhões à Petrobras –
corrompendo alguns funcionários, políticos e, ao que parece, partidos.

A nova (nova?) moda, no círculo que gira em torno do Planalto, é dizer que
nada disso existe – assim como não existe recessão e desemprego no país.

Sendo assim, que os leitores julguem, pelas próprias denúncias e sua


fundamentação, se isso existe ou não existe. Não insistiremos na fartura de provas ou
na minuciosidade das investigações realizadas pela Polícia Federal (PF). Que o leitor
julgue.

Para começar, escolhemos o caso do Consórcio OCCH, responsável por


construir o centro administrativo da Petrobras em Vitória, no Espírito Santo. Nossa
escolha foi motivada por se tratar de um caso tão exemplar que parece didático –
desde a licitação fraudada, passando pelos sobrepreços e aditivos, até as propinas.
Não foi um contrato pequeno. Somados o preço inicial e os aditivos, foi uma obra que
custou R$ 556.353.351,77 – mais de meio bilhão de reais.

Frisemos que a gravidade dos crimes cometidos é potencializada (à enésima


potência) por sua vítima: a Petrobras, empresa conquistada pelo povo, construída pela
Nação, nossa principal chave para um futuro de desenvolvimento e justiça social.

Há poucos dias, um satélite planaltino disse em algum lugar que “não podemos
abrir mão da engenharia brasileira”. Como se a engenharia brasileira fosse um
monopólio da Odebrecht e assemelhadas. Como se não existissem inúmeras empresas
de engenharia no Brasil que são sufocadas, abafadas, excluídas de grandes obras –
exatamente por esse cartel que assaltou a Petrobras. Como se a própria Petrobras não
fosse um dos principais – talvez o principal – repositório da engenharia nacional.

Realmente, não podemos abrir mão de nossa engenharia – mas, para isso, só
existe um meio: acabar com o banditismo monopolista de empresas que degeneraram,
mais ainda sob os favores do governo Dilma, em redutos mais financeiros que
produtivos, amealhando bilhões com a parasitagem e roubo ao patrimônio coletivo,
ao patrimônio nacional, ao patrimônio do povo brasileiro.

O caso OCCH (consórcio formado pela Odebrecht, Camargo Corrêa e uma


empresa alemã, a Hochtief, conhecida pela construção do “bunker” de Hitler) mostra,
entre outras coisas, como o interesse dessas empresas em engenharia tornou-se
secundário, às vezes terciário – ou ainda menor.

Não é dos monopólios privados, que excluem brutalmente as empresas privadas


não-monopolistas – não porque sejam mais competentes ou mais capazes, mas pelo
maior poder financeiro –, que se pode esperar alguma contribuição para o progresso
do país. Deles só se pode esperar especulação, sobrepreço, corrupção, miséria,
estagnação. Além de, frequentemente (como se viu com nitidez no caso da Ambev),
servirem como passo para o seu controle por monopólios privados de outros países.

C.L.

Em datas compreendidas entre 22/06/2006 [data em que a Diretoria Executiva


da Petrobras autorizou a instauração de processo licitatório para a obra da sede
administrativa de unidades da Petrobras em Vitória/ES] e o final do ano de 2010,
quando os valores da propina foram pagos [conforme se observa na planilha de Pedro
Barusco], Rogério Araújo, Márcio Fariae Paulo Boghossian, na condição de
administradores e diretores do Grupo Odebrecht, e sob orientação de Marcelo
Odebrecht, gestor do Grupo Odebrecht, ofereceram e prometeram o pagamento de
vantagens econômicas indevidas a Pedro Barusco e Renato Duque, então Gerente
Executivo de Engenharia e Diretor de Serviços da Petrobras, correspondentes a, pelo
menos, R$ 48.618.522,37, ou seja, 1% do valor do contrato original, para determiná-
los a praticar atos que favorecessem as empresas Construtora Norberto Odebrecht
S.A., Camargo Corrêa e Hochtief do Brasil, bem como para que se abstivessem de
praticar atos que viessem contra os interesses destas empreiteiras, seja no curso do
procedimento licitatório ou por ocasião da execução contratual.

Marcelo Odebrecht, Marcio Faria, Rogério Araújo e Paulo Boghossian


incorreram, assim, na prática, por duas vezes, no delito de corrupção ativa, em sua
forma majorada, previsto no art. 333, caput e parágrafo único, do Código Penal, visto
que os funcionários públicos corrompidos não só aceitaram tais promessas de
vantagens indevidas, em razão da função, como efetivamente deixaram de praticar
atos de ofício com infração de deveres funcionais e praticaram atos de ofício nas
mesmas circunstâncias, tendo recebido as vantagens indevidas prometidas para tanto.

Em atos contínuos, executados entre 22/06/2006 e 19/01/2007, os denunciados


Pedro Barusco e Renato Duque, em unidade de desígnios e de modo consciente e
voluntário, em razão das suas funções, aceitaram tais promessas passando, em
seguida, a receber para si e para outrem, direta e indiretamente, as vantagens
indevidas oferecidas/prometidas, no valor total aproximado de, pelo menos, R$
4.861.852,23, quantia esta correspondente a 1% do valor do contrato original
celebrado entre o Consórcio OCCH e a Petrobras, no montante de R$
486.185.223,77.

Visando à execução das obras da Sede Administrativa de Utilidades da


Petrobras em Vitória/ES, vinculadas à Diretoria de Serviços da Petrobras, então
comandada por Renato Duque, em 02/06/2006 a Gerência Executiva de Engenharia,
vinculada à Diretoria de Serviços da Petrobras, comandadas por Pedro Barusco,
solicitou à Diretoria Executiva autorização para instauração da Comissão de
Licitação, tendo esta sido concedida em 22/06/2006, data em que se deu o início ao
procedimento licitatório.

O valor da estimativa sigilosa da empresa petrolífera foi inicialmente calculado


em R$ 436.668.932,76.

O procedimento licitatório foi nitidamente direcionado em favor do cartel antes


mencionado, sendo que, das 10 empresas convidadas para o certame, sete eram
participantes do cartel.

Mais especificadamente, foram convidadas as empresas: Carioca Christiani


Nielsen Engenharia S.A., Construbase Engenharia Ltda., Construções e Comércio
Camargo Corrêa S.A., Construtora Andrade Gutierrez S.A., Construtora Norberto
Odebrecht S.A., Construtora OAS Ltda., Construtora Queiroz Galvão S.A., Hochtief
do Brasil S.A., Racional Engenharia Ltda. e Schahin Engenharia S.A. [v. Relatório da
Comissão de Licitação – Anexo 137, p. 15 e ss.].

Em um primeiro momento, foram apresentadas quatro propostas, sendo que a


menor delas, pelo Consórcio OCCH, foi no montante de R$ 488.550.095,69, 11,88%
acima da estimativa da Petrobras, dentro da faixa considerada aceitável para o
percentual de erro de estimativa da empresa.

A partir de negociação, o consórcio deu desconto simbólico, sendo a proposta


final de R$ 486.185.223,77.

Após as tratativas de praxe, foi celebrado, em 19/01/2007, o contrato entre a


Petrobras e o Consórcio OCCH, no valor de R$ 486.185.223,77, tendo subscrito, pela
Construtora Norberto Odebrecht S.A., Paulo Boghossian, gerente do contrato pela
empresa no âmbito do consórcio, e Carlos José Vieira Machado da Cunha.

Consoante o esquema de corrupção, havia um acordo previamente ajustado


entre os gestores das empresas integrantes do cartel e o então diretor Renato Duque,
bem como o ex-Gerente de Engenharia da empresa, Pedro Barusco, de,
respectivamente, oferecerem e aceitarem vantagens indevidas, as quais variavam
entre 1% e 5% do valor total dos contratos celebrados por elas com a referida estatal.
Em contrapartida, Pedro Barusco, Renato Duque e os demais empregados
corrompidos da Petrobras assumiam o compromisso de se omitirem no cumprimento
dos deveres inerentes aos seus cargos, notadamente a comunicação de irregularidades
em virtude do funcionamento do “Clube”, bem como, quando necessário, praticar
atos comissivos no interesse do funcionamento do cartel.

Pedro Barusco anotou em sua planilha que houve, efetivamente, nesse caso,
pagamentos de vantagens indevidas, na ordem de 1%, à Diretoria de Serviços,
comandada por Renato Duque, em decorrência do contrato firmado pelo Consórcio
OCCH com a Petrobras.

Considerando-se que a Gerência Executiva de Engenharia é subordinada à


Diretoria de Engenharia, pode-se afirmar que sem a anuência e o conhecimento de
Renato Duque, o encaminhamento dos requerimentos, desde a instalação da licitação
até a própria contratação do Consórcio OCCH, não seriam possíveis.

Ainda, comprova o aceite e recebimento das vantagens indevidas por Renato


Duque, declarações de Augusto Mendonça, segundo o qual as empresas do “Clube”,
por meio de Ricardo Pessoa, combinaram com o ex-Diretor de Serviços o pagamento
de vantagens indevidas a fim de que fossem as divisões de obras havidas dentro do
cartel efetivas [v. Termo de Colaboração no 02 (depoimento de Augusto Mendonça):
“a exigência já era prévia, pois já existia um entendimento entre o Diretor de
Engenharia, Renato Duque e Ricardo Pessoa, de modo que todos os contratos que
fossem resultantes do ‘Clube’, deveriam ter contribuições a àquele”].

Nessa senda, no caso em tela, observando o contexto anteriormente narrado,


tem-se que houve a promessa e o pagamento de propina correspondente a 1% do
valor do contrato firmado com a Estatal à Diretoria de Serviços, notadamente a Pedro
Barusco e Renato Duque.

Assim, pode-se confeccionar o seguinte quadro de pagamento de propinas sobre


o valor do contrato inicial:
VALOR MÍNIMO TOTAL DAS
VANTAGENS INDEVIDAS
VALOR ORIGINAL DO CONTRATO
DIRECIONADAS À DIRETORIA DE
SERVIÇOS (DUQUE)
R$ 486.185.223,77 R$ 4.861.852,23

Do montante referente à aludida vantagem indevida, coube a Marcelo


Odebrecht, gestor do Grupo Odebrecht, Rogério Araújo e Márcio Faria, na condição
de administradores e diretores do Grupo Odebrecht, e Paulo Boghossian,
representante da Odebrecht no Consórcio OCCH, oferecer e prometer vantagens
indevidas, assim como viabilizar os seus pagamentos.

Diante de tal quadro, no período entre o início do procedimento licitatório


(22/06/2006) e a celebração do contrato original, em 19/01/2007, Marcelo Odebrecht,
Rogério Araújo, Márcio Faria e Paulo Boghossian, após reunirem-se entre si e com os
representantes das demais empreiteiras cartelizadas e definirem o vencedor do
certame, comunicaram a Pedro Barusco e Renato Duque tal circunstância,
prometendo vantagens indevidas que adviriam imediatamente após a celebração do
contrato [Nota do MP: no que respeita à Odebrecht, na Diretoria de Serviços, o
contato se dava através de Rogério Araújo com Renato Duque e Pedro Barusco, o
qual recebia a sua parte e a de Renato Duque das propinas].

Aceitas as promessas de vantagens por parte de Pedro Barusco e Renato Duque,


esses, no referido lapso temporal, mantiveram sua anuência quanto à existência e
efetivo funcionamento do Cartel em desfavor da Petrobras, omitindo-se nos deveres
que decorriam de seu ofício para assim permitir que a escolha interna do Cartel para a
execução da obra se concretizasse, adotando, ainda, no âmbito de sua Diretoria, as
medidas que fossem necessárias para tanto.

Assim, uma vez confirmada a contratação da Odebrecht, em parceria com a


Construtora Camargo Corrêa e a Hochtief do Brasil, por intermédio do Consórcio
OCCH, para a execução da obra, Rogério Araújo, após acordar com Marcelo
Odebrecht e Márcio Faria a forma de pagamento, efetuou tratativas com Pedro
Barusco, agindo em nome próprio e como representante de Renato Duque, a fim de
acertar a forma de pagamento.

Neste sentido, observe-se que Rogério Araújo foi indicado pelo colaborador
Pedro Barusco como responsável pelas tratativas de efetivação do pagamento de
vantagens indevidas em nome do Grupo Odebrecht. Ademais, na própria tabela de
propinas de Pedro Barusco consta Rogério Araújo como responsável pelo pagamento
da propina referente à contratação do Consórcio OCCH.

Ademais, Rogério Araújo compareceu à Petrobras 20 vezes com a finalidade de


visitar Pedro Barusco e Renato Duque entre a data de início do procedimento
licitatório (22/06/2006) e o dia em que foi assinado o contrato (19/01/2007).

Nessas ocasiões não apenas discutiu assuntos ligados a contratos de interesse da


Odebrecht, como também prometeu o pagamento das vantagens indevidas aos então
empregados da Petrobras, como também efetivamente combinou qual seria sua forma
de pagamento.

Marcelo Odebrecht, por sua vez, na condição de gestor do Grupo Odebrecht


orientou Rogério Araújo para que fossem as propinas oferecidas com a finalidade de
ser a sua empresa, por meio do Consórcio OCCH, beneficiada. Márcio Faria,
administrador e diretor do Grupo Odebrecht, tinha pleno conhecimento acerca da
atuação da empresa no cartel, vez que a representava nas reuniões do “Clube” [neste
sentido, observe-se os Termos de Colaboração 1 e 10 de Augusto Mendonça, Termo
de Colaboração 1 de Julio Camargo].

Seguindo a mesma metodologia, em datas não precisadas, mas certamente no


interregno entre 01/07/2010 [data em que Celso Araripe assumiu o cargo de Gerente
de Implementação de Empreendimentos para Cabiúnas, em Vitória] e 12/11/2014
[data do último pagamento percebido por Celso Araripe, conforme demonstrado no
tópico concernente à lavagem destes valores], Marcelo Odebrecht, gestor do Grupo
Odebrecht, Rogério Araújo e Márcio Faria, administradores e diretores do Grupo
Odebrecht, e Paulo Boghossian, representante da Odebrecht no Consórcio OCCH,
prometeram, assim como adotaram as medidas necessárias para viabilizar o
respectivo pagamento, vantagens indevidas de ao menos R$ 3.000.000,00 a Celso
Araripe, funcionário da Petrobras responsável pelo gerenciamento da obra, no
propósito de obter a liberação de aditivos contratuais, sendo certo que pagaram
vantagem indevida no montante de pelo menos R$ 1.461.318,32.

[Declarações de Eduardo Leite (vice-presidente da Camargo Corrêa): “o


Gerente Local da Petrobras na obra referida, Celso Araripe, por intermédio desses
dois contratos, obteve vantagem indevida consistente nos valores que constam em
cada um dos contratos, isto é, um total R$ 3 milhões de reais”.]

[No mesmo sentido] colocam-se as declarações de Dalton dos Santos Avancini


(presidente da Camargo Corrêa).

Segundo então informado por Paulo, tanto o representante da Odebrecht, Paulo


Boghossian, quanto da Hochtief, tinham conhecimento acerca da situação e com ela
anuíram.

Considerando os termos aditivos do contrato, consolidou-se o seguinte quadro


de aditivos:

DATA DO ADITIVO ACRÉSCIMO NO CONTRATO


09/09/2010 R$ 41.258.797,00
08/06/2011 R$ 28.909.331,00
2. A lavagem no caso OCCH

Esta segunda parte de nossa série sobre os crimes do Clube do Bilhão contra a
Petrobras, refere-se à lavagem de dinheiro – mas não à lavagem em geral, que
merecerá uma abordagem à parte.

Trata-se, especificamente, da lavagem no caso OCCH, relatado na última


edição.

Mas, além da tecnologia da lavagem – aliás, das mais grosseiras – existe algo
que chama a atenção: para obter dois aditivos em valor total de pouco mais de R$ 70
milhões (R$ 70.168.128), a Odebrecht, Camargo Corrêa e Hochtief subornaram um
gerente local da Petrobras no Espírito Santo por R$ 3 milhões. Só aí já são mais de
4% do total dos aditivos.

Mas, que poder tinha um gerente local para decidir sobre aditivos de uma obra,
como a do Centro Administrativo em Vitória, que custou mais de meio bilhão de
reais?

Além disso, a Odebrecht e suas parceiras de quadrilha tinham canal direto com a
diretoria de serviços (Renato Duque e seu gerente-executivo, Pedro Barusco) e, de
resto, também com o PT e o governo.

Para que precisariam subornar um gerente local por mais de 4% do valor dos
aditivos que queriam?

Pareceu-nos, no início, lógico que esse suborno não fosse apenas para o gerente
local.

A possibilidade é grande.

No entanto, existe outra hipótese: a de que essa propina fosse um “cala-boca”


diante de algum problema. Por exemplo: esses aditivos eram realmente necessários
ou tinham apenas o objetivo de roubar a Petrobras sem que nada se fizesse, mesmo
minimamente, para justificá-los?

Ou será que o ritmo das obras estava tão artificialmente lento (até para provocar
os aditivos) que o cartel necessitava de um subornado na gerência local, para evitar o
risco de reclamações incômodas?

Não sabemos. É possível que as investigações esclareçam. Mas do que não resta
dúvida são as ilegalidades perpetradas por esses aprendizes de monopolistas.

Por último, uma advertência: na tabela que reproduzimos, extraída da página


191 da denúncia do Ministério Público Federal contra Marcelo Odebrecht e outros,
pode ser que haja um erro – a troca entre “depositante” e “beneficiário”. A inversão
seria mais coerente com o texto que acompanha essa tabela.

No entanto, optamos por não alterá-la, pela simples razão de que a denúncia é
tão abundante no relato de crimes – é preciso ser muito cínico para dizer que isso não
existe ou que é “perseguição política” – que podemos, perfeitamente, não ter
entendido alguma coisa inteiramente.

Na dúvida, ainda que esta seja pequena, preferimos reproduzir a tabela sem
alterá-la, uma vez que o leitor tem plenas condições de compreender o problema – e
fazer as correções devidas, assim como perceber que trabalho tão intenso,
inevitavelmente, pode ter lá os seus problemas de detalhe.

O que em nada prejudica a essência – e o conjunto.

C.L.

Na data de 09/08/2010, o Consórcio OCCH, composto pelas empresas


Construtora Norberto Odebrecht S.A., Construções e Comércio Camargo Corrêa e
Hochtief do Brasil S.A., celebrou o contrato no BR/ES-182/2007 com a empresa Sul
Brasil Construções Ltda. [Nota: atualmente denominada Freitas Filho Construções
Ltda.], cujo objeto constitui a prestação de serviços de consultoria e assessoria
técnica relacionados à construção da Sede Administrativa de Unidades da Petrobras
em Vitória/ES.

Por orientação dos denunciados Marcelo Odebrecht, Márcio Faria e Rogério


Araújo, o contrato foi subscrito por Paulo Boghossian e Carlos José Vieira Machado
da Cunha, na condição de representantes da Construtora Norberto Odebrecht S.A.,
enquanto a Sul Brasil se fez representar por Eduardo Freitas Filho, proprietário da
empresa. O contrato apresentava prazo inicial de 360 dias e valor de R$
1.200.000,00. Todos eles estavam plenamente cientes de que o contrato tinha como
objetivo operacionalizar o repasse de valores indevidos a Celso Araripe,
fraudulentamente justificados através de documentos simulados.

Celebraram, ainda, termo aditivo ao contrato, em 20/08/2013, com efeitos


retroativos, estendendo o prazo contratual até a data de 31/11/2013, sendo a
remuneração concernente aos serviços prestados entre o período de 09/08/2011 e
09/11/2013 equivalente a R$ 2.700.000,00. O contrato foi assinado pela empresa Sul
Brasil por seu proprietário, Eduardo Freitas Filho, tendo a Construtora Norberto
Odebrecht S.A. sido representada por Carlos José Vieira Machado da Cunha, por
determinação de Marcelo Odebrecht, Márcio Faria e Rogério Araújo.

A análise da quebra do sigilo fiscal da empresa Sul Brasil/Freitas Filho


demonstrou que, efetivamente, foram declarados pagamentos no montante total de R$
3.810.803,54, durante os anos de 2010 e 2013, pelo Consórcio OCCH nas contas
bancárias da Sul Brasil, conforme demonstra a IPEI n o PR20150015, elaborada pela
Receita Federal do Brasil.

A quebra do sigilo bancário da empresa, por sua vez, demonstrou o recebimento


do valor líquido de R$ 3.576.439,13 provenientes do Consórcio OCCH no interregno
entre 20/12/2010 e 04/10/2013, conforme ilustra a tabela:
Não obstante os altos pagamentos, a empresa declarou apenas um funcionário
neste período, não havendo provas contundentes de que tivesse capacidade para
prestar os serviços contratados.

Nesta seara, observe-se que quando do cumprimento de diligências em sua sede


tanto pelo Ministério Público Federal, quanto pela Polícia Federal, não foram
encontrados indícios de que a empresa efetivamente funcionasse. No cumprimento
das medidas de Busca e Apreensão, ademais, não foram encontrados relatórios
comprobatórios da prestação de serviços em tela, havendo poucos móveis na sala, a
qual claramente não era utilizada para o funcionamento da empresa.

Embora tenham sido entregues:

i) pelo proprietário da Sul Brasil/Freitas Filho, Eduardo Freitas Filho, relatório


de medição;

ii) pelo Consórcio OCCH, comprovantes de rendimentos correspondentes ao


contrato em comento;

iii) pela Hochtief, cópias de passagens de avião adquiridas pelo Consórcio


OCCH para que Eduardo Freitas Filho fosse até Vitória/ES e minutas de pleitos junto
a Petrobras que ele teria ajudado a elaborar, tais elementos, em sua maioria genéricos
e meramente formais, de forma alguma comprovam a efetiva prestação de serviços
pela empresa de Eduardo Freitas Filho.

De fato, não há nenhum elemento que comprove que referidas minutas


contratuais tenham sido elaboradas com o auxílio de Eduardo Freitas Filho, nem que
sejam os relatórios de medição autênticos. Some-se a isso o fato de que nenhum
documento referente à prestação de serviços foi encontrado na sede da empresa,
sendo tão somente fornecidos por seu proprietário à Polícia Federal.

Conclui-se, portanto, pela ausência de elementos que corroborem a prestação


dos serviços decorrentes da contratação da empresa Sul Brasil/Freitas Filho pelo
Consórcio OCCH, sendo tal contratação fraudulenta realizada com a finalidade de
repassar valores indevidos a Celso Araripe. Não obstante, na remota hipótese de
terem os serviços efetivamente sido prestados, o foram de modo parcial, tendo o
instrumento contratual e seu aditivo sido utilizados também com a finalidade de
justificar o repasse de valores a Celso Araripe.

Corrobora tal afirmação o depoimento de Eduardo Leite [vice-presidente da


Camargo Corrêa], segundo o qual a afirmação de Eduardo Freitas Filho de que as
consultorias teriam sido prestadas de modo oral, não se sustenta. O colaborador
declarou que questões tratadas em pleitos como o do contrato celebrado pelo
consórcio com a Sul Brasil/Freitas Filho são extremamente complexas, exigindo que
diversos relatórios e documentos elaborados pela empresa responsável pela
consultoria, o que não foi observado no presente caso.

Somem-se a isto as declarações de Eduardo Leite e Dalton Avancini [presidente


da Camargo Corrêa], segundo os quais foi a contratação da Sul Brasil realizada com a
finalidade de repassar os valores indevidos prometidos a Celso Araripe.

[Declarações de Eduardo Leite: “... Paulo Augusto Santos Silva, embora tenha
assumido o cargo de Diretor de Operações [da Camargo Corrêa] apenas em 2012,
como o contrato entre o Consórcio OCCH e a Petrobras ainda estava em execução,
Paulo obteve informações por meio de Dalton Avancini, diretor anterior, ou pelo
próprio Consórcio OCCH, e relatou ao depoente que o Gerente Local da Petrobras
na obra referida, Celso Araripe, por intermédio desses dois contratos, obteve
vantagem indevida consistente nos valores que constam em cada um dos contratos,
isto é, um total R$ 3 milhões de reais” – v. Termo de Colaboração no 14]

[Declarações de Dalton Avancini: “... diz ter sido reportado no ano de 2010,
pelo representante da Camargo junto ao consórcio, de nome Paulo Augusto, de que
um funcionário da Petrobras de nome Celso Araripe teria dito que a aprovação de
alguns aditivos poderia ser acelerada mediante o pagamento de propinas; essa
situação era de conhecimento das empresas que compunham o consórcio, Odebrecht
e Hotchief; considerando que o contrato estava em sua fase final e os aditivos eram
necessários, autorizou Paulo Augusto dos Santos Silva a levar a frente essa
negociação, cabendo a ele tratar com as demais empreiteiras do consórcio;
posteriormente Paulo Augusto lhe disse que o pagamento da propina a Celso Araripe
teria sido implementado mediante um contrato de serviços junto às empresas EIP
Serviços de Engenharia e Sul Brasil Construções, não sabendo informar o valor
desses contratos, cuja cópia será fornecida pelo declarante” – v. Termo de
Colaboração no 03.]

Muito embora Celso Araripe e Eduardo Freitas Filho tenham negado referido
repasse de valores, a quebra do sigilo bancário da Sul Brasil/Freitas Filho demonstrou
que foram realizados depósitos periódicos através das contas bancárias de Eduardo
Freitas Filho e da Sul Brasil Construções/Freitas Filho Construções em favor do
funcionário da Petrobras.

O Laudo no 1441/2015-SETEC/SR/DPF/PR397 demonstra que Celso Araripe,


utilizando-se de contas-correntes titularizadas por ele e por seus familiares,
notadamente sua esposa, Maria Madalena Rodrigues Melo Araripe, sua irmã, Angela
Maria Araripe D’Oliveira Souto, e sua sobrinha, Juua D’Oliveira Souto, recebeu R$
1.461.318,32 provenientes das contas de propriedade da empresa Sul Brasil/Freitas
Filho e de Eduardo Freitas Filho. A extração de dados dos dias 17/03/2011 e
12/11/2014, Celso Araripe recebeu nas contas acima mencionadas R$ 1.467.063,62
originados de contas titularizadas pela empresa acima mencionada, bem como por
seu proprietário.
Cumpre salientar, ainda, que os aditivos de valor celebrados entre 2010 e 2012
pelo Consórcio OCCH e a Petrobras, no interesse do contrato n o 0801.0028225.06.2,
foram assinados por Celso Araripe.

Deste modo, conclui-se que o contrato celebrado na data de 09/08/2010, entre o


Consórcio OCCH, composto pelas empresas Construtora Norberto Odebrecht S.A.,
Construções e Comércio Camargo Corrêa e Hochtief do Brasil S.A., com a empresa
Sul Brasil Construção/Freitas Filho Construção, tendo por objeto a “prestação de
serviços de consultoria e assessora técnica especializada”, bem com o seu aditivo,
celebrado em 20/08/2013, foram firmados com o intuito de dissimular a origem ilícita
dos valores obtidos pelo Consórcio OCCH da Petrobras, mediante a prática de crimes
de organização criminosa, formação de cartel, contra a administração pública, fraude
à licitação, oportunizando o posterior repasse do dinheiro a Celso Araripe.

Diante de tal quadro, Marcelo Odebrecht, Márcio Faria e Rogério Araújo, Paulo
Boghossian, Eduardo Freitas Filho e Celso Araripe, agindo em conluio e com unidade
de desígnios, firmaram contrato e aditivo ideologicamente falso entre o Consórcio
OCCH e a empresa Sul Brasil Construção/Freitas Filho Construção para em seguida
realizar, entre 20/12/2010 e 04/10/2013, 8 (oito) transferências com aparência de
regularidade entre as contas destas pessoas jurídicas, dissimulando a origem,
disposição, movimentação e propriedade de R$ 3.576.439,13 provenientes direta e
indiretamente dos crimes de organização criminosa, formação de cartel, contra a
administração pública, fraude à licitação contra a Petrobras e outros, violando o
disposto no art. 1o da Lei incorrendo, assim, na prática do crime de lavagem de
capitais por 8 (oito) vezes, em concurso material.
3. O golpe da Braskem/Odebrecht na Petrobras

Esta terceira parte das denúncias do Ministério Público Federal contra o “Cartel
do Bilhão” é sobre um dos fatos mais repugnantes – para quem se sente brasileiro –
de todo esse rosário de imundícies.

Em termos monetários, é um golpe de US$ 1.820.000.000,00 (um bilhão,


oitocentos e vinte milhões de dólares) contra a Petrobras, por parte da Odebrecht,
mais especificamente, de seu braço petroquímico, a Braskem – uma empresa que é
resultado da privatização da petroquímica no famigerado governo Collor, com a
fusão, sob a Odebrecht, de seis empresas (Copene, OPP, Trikem, Nitrocarbono,
Proppet e Polialden), depois sete, com a absorção da Politeno.

Na última quinta-feira, os jornais publicaram o resultado do balancete da


Braskem/Odebrecht, referente ao segundo trimestre deste ano. Por exemplo:

“A Braskem (…) registrou lucro líquido de R$ 1,1 bilhão no segundo trimestre,


quase dez vezes acima do ganho de R$ 128,5 milhões apurado um ano antes. O
resultado reflete, principalmente, a melhora operacional da companhia, que foi
beneficiada por spread (diferença de preço entre matéria-prima e produto final). A
receita líquida da petroquímica avançou 6,8% entre abril e junho, perante igual
período de 2014, para R$ 11,59 bilhões (...). Diante disso, o resultado operacional
antes do resultado financeiro subiu 234%, para R$ 2,12 bilhões. De abril a junho, o
lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) da Braskem
correspondeu a R$ 2,6 bilhões, alta de 131%” (Valor Econômico, 06/08/2015, grifos
nossos).

Há poucos dias, a propósito de miraculosos resultados como esses (em meio a


uma recessão em que a indústria já caiu -6,3% de janeiro a junho), um sujeito bobo,
desses que o governo e a cúpula do PT, nos últimos tempos, se esmeram em usar,
perguntou na Internet se agora era proibido às empresas ter lucro.
Obviamente, é claro que não. O que não é, nem pode ser permitido, é que
monopolistas privados assaltem a Petrobras, porque isso é a mesma coisa que assaltar
o povo brasileiro. A função da Petrobras sempre foi a de não permitir que o
monopólio privado escalpele a Nação. Colocá-la a serviço dos escalpeladores é algo
que nem a ditadura fez.

Quanto a Braskem, nem lembramos, ainda, que, desde 2003, ela recebeu R$ 3,6
bilhões em financiamentos do BNDES (operações diretas, indiretas e financiamento à
exportação). Talvez mais, pois esse é o total obtido numa consulta rápida às
operações do BNDES.

Resumindo: existe diferença entre um empresário e um achacador. Que o


governo e a cúpula do PT não consigam perceber essa diferença – ou façam o
possível para privilegiar os achacadores em detrimento dos empresários – diz mais a
respeito do seu caráter de classe do que alguns tratados de sociologia.

O Caso Braskem, a esse propósito, é muito elucidativo. Condensamos, por


razões de espaço, esse trecho da denúncia dos procuradores, já aceita pela Justiça,
contra a Odebrecht. Mas não acrescentamos nada. Pelo contrário, até mesmo tiramos
alguns tópicos – e nem por isso ela é menos nauseante para quem nasceu e ama o
Brasil.

C.L.

Marcelo Bahia Odebrecht e Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, na


condição de gestores e administradores da Braskem S.A., ofereceram e prometeram
vantagens ilícitas ao então Diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto
Costa, diretamente e por intermédio de Alberto Youssef, para praticar, omitir ou
retardar ato de ofício, violando desta forma o art. 333, parágrafo único, do Código
Penal.
Em data incerta, mas antes do mês de janeiro de 2009, Marcelo Odebrecht e
Alexandrino Alencar procuraram Alberto Youssef e José Janene para encaminhar a
negociação da renovação do contrato de fornecimento de nafta da Petrobras para a
Braskem, de modo a obter uma rápida tramitação do contrato e ainda a redução do
preço que vinha sendo pago pelo insumo.

Conforme o contrato então em vigor, a Petrobras vendia nafta à Braskem


praticando o preço internacional de comercialização (ARA), acrescido de US$2,00
por tonelada, ou “ARA + US$2,00”.

Era propósito de Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar reduzir


substancialmente o valor pago pela Braskem, além de obter um contrato de longa
duração, sendo que para tanto José Janene foi procurado para que intercedesse junto a
Paulo Roberto Costa, então Diretor de Abastecimento da Petrobras, para que a
proposta contratual da Braskem fosse aceita.

A nafta vendida pela Petrobras às empresas brasileiras (notadamente a Braskem)


vinha sendo comercializada com a fixação do preço a partir do ARA (acrônimo
formado pelas iniciais das cidades de Amsterdam, Rotterdam e Antuérpia, três
grandes portos da região dos países baixos que são responsáveis pela definição do
preço internacional praticado na venda de nafta).

Paulo Roberto Costa, por se constituir em empregado ocupante de cargo diretivo


na Petrobras por indicação do Partido Progressista (PP), estava sujeito à ingerência de
José Janene, sendo que atendia a pedidos deste para favorecer empresas e
empreiteiras que firmavam contratos com a Petrobras.

Em contraprestação, não só era mantido no cargo, como também recebia


propina oferecida, e efetivamente paga, pelas empreiteiras contratadas pela Petrobras.
Dentro deste contexto, Janene foi procurado por Marcelo Odebrecht e Alexandrino
Alencar para “interceder” em favor da Braskem na precificação do novo contrato de
fornecimento de nafta.
Foram então realizadas reuniões entre Marcelo Odebrecht e Alexandrino
Alencar, de um lado, e José Janene, Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, de outro,
visando expor as necessidades da Braskem e ainda acertar em seu favor o valor que
seria pago quando da celebração do novo contrato.

Assim, Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar, ofereceram a José Janene,


Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa vantagem indevida no montante de US$
5.000.000,00 (cinco milhões de dólares norte-americanos) que seriam pagos
anualmente pelo prazo de duração do contrato.

De acordo com o que foi revelado por Paulo Roberto Costa, os valores relativos
à propina paga foram divididos, sendo 60% destinados ao Partido Progressista (PP),
20% destinados ao pagamento de despesas operacionais (como a emissão de notas
fiscais e outros documentos fraudados que embasariam a transação e ainda o
pagamento de mensageiros), sendo os 20% restantes rateados entre Paulo Roberto
Costa (70%) e José Janene e Alberto Youssef (30%). Com o falecimento de José
Janene, Alberto Youssef passou a receber tal montante integralmente.

A proposta comercial inicial da Braskem foi encaminhada à Petrobras prevendo


como preço de comercialização da nafta o valor equivalente a 86% do preço
internacional (0,86 da ARA). Tal proposta não foi aceita pela área técnica da
Petrobras, por se constituir em oferta vil, ainda mais considerando o valor de venda
até então praticado com a Braskem, que assegurava à estatal o recebimento do preço
internacional, acrescido de bônus (100% do ARA, acrescido de US$2,00).

Após sucessivas negociações a Braskem encaminhou nova proposta à Petrobras


prevendo uma fórmula para estabelecer o preço da nafta, que considerava as cotações
de uma cesta de outros produtos petrolíferos, entre estes o eteno, propeno e o
benzeno, além do petróleo Marlim, este de baixo valor comercial no mercado
internacional, e que fazia com que o preço da nafta fosse reduzido muito aquém do
preço internacional (ARA). De acordo com a fórmula apresentada, que em verdade
não passava de um subterfúgio para que o valor da nafta decaísse em favor da
Braskem e prejuízo da Petrobras, ficou estabelecido que o preço deste insumo
flutuaria conforme a cotação dos produtos e sua participação percentual.

De modo a “maquiar” o real propósito da Braskem e não refletir o prejuízo que


a Petrobras teria no contrato de fornecimento, foi estabelecido que o preço contratado
flutuaria entre o piso de 92,5% e 102% do preço internacional da nafta (preço ARA),
embora de antemão já se soubesse que o valor de comercialização ficaria sempre
abaixo do piso previsto. O piso e o teto contratualmente estabelecidos, deste modo,
seriam mero referencial formal, dado que a fórmula de preço adotada faria com que a
comercialização se desse sempre pelo piso, como efetivamente veio a ocorrer,
trazendo vultoso prejuízo à estatal.

Nesse proceder, por orientação de Paulo Roberto Costa foi elaborado o DIP –
Documento Interno da Petrobras AB-MC no 110/2009 de forma a contemplar em
larga medida a proposta e os interesses da Braskem, o qual foi por ele submetido à
reunião de Diretoria da Petrobras no dia 12/03/2009, ocasião em que foi aprovado
com ressalvas.

Nessa reunião, como se pode verificar do documento anexo, a celebração do


contrato foi aprovada, porém com alterações, tendo o colegiado de diretores da
Petrobras aceito a proposta comercial, porém estabelecendo novo intervalo para
flutuação do preço, fixado que foi entre 97% e 103%, o que faria com que o preço
praticado não se afastasse de modo demasiado da cotação internacional da nafta.
Levada a decisão de Diretoria ao conhecimento da Braskem por meio de e-mail
nesse mesmo dia, Marcelo Odebrecht e Bernardo Gradim [Nota HP: sócio da família
Odebrecht], insatisfeitos, passaram a atuar junto a Petrobras, com o apoio do diretor
corrompido Paulo Roberto Costa, para reverter o decidido. [Nota HP: este fato é
provado, no processo, com a correspondência eletrônica interna da
Braskem/Odebrecht.]

No dia 20/03/2009, Marcelo Odebrecht e Bernardo Gradim, reuniram-se com


Paulo Roberto Costa, juntamente com o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli,
para tratar do tema. Os documentos anexos demonstram que a reunião foi marcada
com esse propósito e, ainda, o ingresso de Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar
no prédio sede da Petrobras.

Nos dias que se seguiram o DIP AB-MC 110/2009 foi alterado, até que
finalmente atendesse os anseios da Braskem e de Marcelo Odebrecht e Alexandrino
Alencar, permitindo a compra de nafta por preço muito abaixo daquele praticado
internacionalmente – e que vinha servindo de padrão para os contratos da Estatal já
firmados em território brasileiro.

Para justificar a contratação, a decisão que consta do “Sistema de Apoio às


reuniões da Diretoria Executiva” foi modificada, passando a constar acréscimo de
modo a refletir esta decisão, como se pode verificar da parte final do documento.

O mesmo se diga da ata da reunião, que somente foi lavrada quando aprovada a
renovação contratual nos moldes pretendidos pela Braskem, Marcelo Odebrecht e
Alexandrino Alencar.

Muito embora não tenha sido apresentado à Comissão Interna (CIA) qualquer
justificativa ou embasamento técnico para os ajustes posteriores feitos no DIP AB-
MC, os depoimentos prestados por Francisco Pais e José Raimundo Brandão Pereira
apontam no sentido de que a alteração na aprovação do DIP AB-MC 110/2009 foi
determinada por Paulo Roberto Costa, que teria obtido a chancela de tal decisão na
reunião seguinte do colegiado de Diretoria.
Esta alteração da decisão do colegiado, capitaneada por Paulo Roberto Costa em
prol dos interesses da Braskem, não foi registrada formalmente na ata da Diretoria
respectiva, mas ficou registrada não apenas nos e-mails citados acima, trocados entre
funcionário da Petrobras e empregado da Braskem, como também em documento
formal encaminhado por José Raimundo Brandão Pereira ao Diretor Paulo Roberto
Costa no dia 27/03/2009, na qual se apresenta como “alternativa para a continuidade
das negociações”.

Insta salientar que foi ventilada como justificativa para a celebração do contrato
a negociação de contrapartidas econômico-financeiras, que envolveriam o
fornecimento/compra de outros insumos entre a Petrobras e a Braskem, sendo que
tais negociações jamais evoluíram de forma satisfatória.

Como se extrai do relatório que concluiu a comissão de inquérito (CIA)


constituída pela estatal para apreciar a regularidade do contrato, não houve
compromisso efetivo de negociar tais contrapartidas, muito menos no sentido de que
resultassem em desfecho que pudesse efetivamente compensar os prejuízos trazidos
pelo contrato. Verifica-se, em verdade, que tais contrapartidas foram inseridas apenas
como um subterfúgio para justificar formalmente a alteração da decisão do Órgão
Colegiado sobre as balizas de piso e teto do preço de comercialização da nafta.

Assim, formalizada a decisão da reunião de Diretoria Executiva da Petrobras,


atendendo-se aos interesses escusos dos executivos da Braskem/Odebrecht, Marcelo
Odebrecht e Alexandrino Alencar, foi assinado o contrato com a Braskem, o qual
trouxe, ao longo de sua duração (quatro anos), prejuízo à estatal aproximado de US$
1.820.000.000,00 (um bilhão, oitocentos e vinte milhões de dólares norte-
americanos).

Tal estimativa é formulada considerando sobretudo o fato de que a Petrobras


teve que importar ao longo de toda execução contratual, entre 2009 e 2014,
comprando no mercado internacional, parte da nafta que fornecia à Braskem, sendo
que para tanto pagava preços bastante superiores (preço ARA + custos de transporte)
àqueles pelo qual vendia para a empresa de Marcelo Odebrecht e Alexandrino
Alencar (92,5% do ARA).

Em outros termos, em decorrência do preço de compra de nafta que a Braskem


conseguiu impor à Petrobras, obtido somente em virtude da influência proporcionada
pela corrupção do Diretor Paulo Roberto Costa, a Petrobras se viu compelida a
adquirir nafta no mercado externo por um preço consideravelmente superior àquele
pelo qual estava obrigada a vender para a Braskem, de modo que internalizou, em
decorrência disso, grande prejuízo patrimonial.

Assim, essa estimativa de prejuízo leva em consideração o fato de a Petrobras


ter sido obrigada a importar parte significativa da nafta entregue à Braskem no
período (percentual que chegou a 48% no ano de 2014), resultando num montante de
US$ 1.020.000.000,00 (um bilhão e vinte milhões de dólares norte-americanos); e
ainda considerando o prejuízo decorrente da venda do produto próprio (produzido
pela Petrobras) e vendido abaixo do preço internacional, US$ 800.000.000,00
(oitocentos milhões de dólares norte-americanos), no montante total de US$
1.820.000.000,00 (um bilhão, oitocentos e vinte milhões de dólares norte-
americanos).

Tais valores foram estimados a partir do montante de nafta importado pela


Petrobras neste período para atender o contrato com a Braskem, bem como a
diferença decorrente do preço que a Petrobras poderia obter na venda caso a
negociação não tivesse sido conduzida de forma a, deliberadamente, trazer-lhe
prejuízo.

A celebração do contrato somente foi possível mediante a interferência direta de


Paulo Roberto Costa, o qual, atendendo orientações de José Janene, aceitou a
promessa de vantagem indevida formulada por Marcelo Odebrecht e Alexandrino
Alencar e, também recebendo-a, passou a zelar somente pelos interesses da
Odebrecht na Braskem, em detrimento dos interesses da Estatal que dirigia.
A forte gestão de Paulo Roberto Costa para o atendimento dos interesses da
Braskem em detrimento da Petrobras neste contrato fica muito clara na
correspondência eletrônica, datada do início do processo de negociação.

Assim, conforme os depoimentos de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, os


denunciados Alexandrino Alencar e de Marcelo Odebrecht, para assegurar a
celebração do contrato entre a Braskem e a Petrobras, pagou propina no valor de US$
5.000.000,00 (cinco milhões de dólares americanos) para cada ano de duração do
pacto, valores estes que foram divididos entre Paulo Roberto Costa, José Janene e
Alberto Youssef, na forma já descrita anteriormente. Após o falecimento de José
Janene, os valores devidos à legenda do Partido Progressista (PP) continuaram a ser
pagos a Alberto Youssef.

Procedendo desta forma, ao oferecerem e prometerem vantagem ilícita a


empregado da Petrobras para que praticasse ato de ofício, incorreram Marcelo
Odebrecht e Alexandrino Alencar, nas sanções previstas no art. 333, parágrafo único,
do Código Penal, sendo que Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, ao solicitarem,
aceitarem promessa e efetivamente receberem vantagens para si, em razão do cargo
que o segundo ocupava, para praticar ato de ofício, infringindo dever funcional,
sujeitaram-se às sanções previstas no art. 317, caput e §1 o, c/c art. 327, §2o, todos do
Código Penal.
4. Braskem/Odebrecht: a máquina de lavagem no roubo à Petrobras

Que motivo teria alguém – ou uma empresa, que, afinal, é apenas uma
organização de pessoas – para lavar dinheiro?

Obviamente, porque ele é sujo. Inexiste outra explicação.

Nesta parte de nossa série sobre as denúncias do Ministério Público Federal


contra o Cartel do Bilhão, veremos como a Odebrecht burlou as leis e montou,
recorrendo a profissionais com experiência no ramo, um esquema de lavagem,
exemplificado, aqui, no caso Braskem.

A Braskem foi, em 2014, a oitava companhia do país em faturamento, com


vendas totais de U$ 9,2 bilhões e lucro líquido de US$ 375,3 milhões e uma
rentabilidade (lucro/investimento) de 15,5% – superior à da Petrobras, da BR
Distribuidora, da Vale e até à da Telefônica ou da Bunge, todas elas companhias
acima da Braskem em faturamento.

Esses resultados foram atingidos com a Petrobras fornecendo nafta à Braskem


por preço abaixo do mercado internacional. Como vimos na edição anterior, até
mesmo uma parte das importações de nafta que a Petrobras foi obrigada a fazer eram
para a Braskem/Odebrecht. A Petrobras, portanto, foi obrigada a subsidiar a nafta
para a Braskem.

O total de dinheiro, oriundo do golpe da Braskem/Odebrecht contra a Petrobras,


onde já foi possível comprovar a lavagem, monta a US$ 1.850.000,00.

Diante disso, a afirmação dos consultores advocatícios da Odebrecht de que na


prisão de seu dono teria sido “desvirtuada a teoria do domínio do fato” parece uma
discussão sobre quantos anjos cabem na ponta de uma agulha – famoso ponto
teológico que consumiu décadas, talvez séculos de discussão e polêmica, na antiga
cidade de Bizâncio.
Primeiro, há fatos e provas – não é preciso a “teoria do domínio do fato” para
tornar supostos participantes do crime, que não se envolveram diretamente, em
autores do crime, porque eles já são autores, ou seja, o que existe contra eles é
suficiente (ou até excede) o que é preciso para denunciá-los como autores dos crimes.

Segundo, nenhum desses senhores lamenta o destino de centenas de milhares de


brasileiros que estão encarcerados por crimes muito menores que os do Sr. Marcelo
Odebrecht, muitos deles sem que haja julgamento – muito menos sentença transitada
em julgado.

Mas, vejamos o texto dos procuradores federais sobre a lavagem no caso


Braskem/Odebrecht. Fizemos o possível para mantê-lo sem cortes, para que o leitor
tenha ideia das acusações e das provas. Manter esses elementos soltos somente
serviria para que eles escapassem ao longo braço da Lei e da Justiça.

C.L.

Marcelo Bahia Odebrecht, Alexandrino de Salles Ramos de Alencar e Paulo


Roberto Costa, em período compreendido entre os anos de 2009 e 2014, ocultaram e
dissimularam a origem, disposição, movimentação, localização e propriedade dos
valores provenientes, direta e indiretamente, dos delitos de corrupção ativa e passiva,
violando o disposto no art. 1 o da Lei 9613/98 e incorreram na prática do crime de
lavagem de capitais.

Para tanto, valeram-se dos serviços dos operadores Bernardo Schiller


Freiburghaus e Alberto Youssef, que ocultaram e dissimularam a origem dos valores
entregues a Paulo Roberto Costa e a José Janene, que, na condição de liderança do
Partido Progressista (PP), também era destinatário final dos valores pagos.

Conforme apurado nos presentes autos, Marcelo Odebrecht, na condição de


executivo do Grupo Odebrecht e presidente do Conselho de Administração da
Braskem, e Alexandrino Alencar, na condição de executivo da Braskem, juntamente
com o operador financeiro Alberto Youssef e o ex-Diretor de Abastecimento da
Petrobras Paulo Roberto Costa, ocultaram e dissimularam a origem e a propriedade
de valores direta e indiretamente provenientes dos delitos de organização criminosa,
cartel, fraude à licitação, e, especialmente, do produto dos crime de corrupção
praticados em face da Petrobras S.A., todos descritos nesta peça, convertendo-os em
ativos lícitos, violando desta forma o disposto no art. 1 o da Lei 9613/98, incorrendo,
assim, na prática do crime de lavagem de capitais.

Como se encontra descrito nesta peça, Marcelo Odebrecht e Alexandrino


Alencar, ofereceram a José Janene e Paulo Roberto Costa, diretamente e por
intermédio de Alberto Youssef, vantagem indevida no montante de US$ 5.000.000,00
(cinco milhões de dólares norte-americanos), entregues anualmente no interregno
entre 2009 e 2014, a qual foi aceita, de modo a viabilizar a celebração de contrato de
fornecimento de nafta entre a Braskem e a Petrobras.

[NOTA DO MPF: Neste sentido, veja-se depoimento prestado por Paulo


Roberto Costa: “... o tema da compra de nafta por parte da Braskem era tratado
também com o ex-Deputado Janene e com Alberto Youssef, sendo acertado que para
que o declarante agilizasse a tramitação dos pedidos de compra de nafta da Braskem
haveria uma contraprestação financeira, na ordem de 3 a 5 milhões de dólares por
ano em média, o que teria ocorrido entre 2006 e 2012” – ANEXO 76. Não obstante,
afirmou “que, perguntado até quanto esses pagamentos se mantiveram, afirma que
isso perdurou até a sua prisão no ano de 2014” – ANEXO 4Y1]

Para acobertar a origem ilícita de parcela da propina paga ao ex-Diretor de


Abastecimento da Petrobras, os denunciados Marcelo Odebrecht e Alexandrino
Alencar valeram-se de um dos esquemas de lavagem de dinheiro montados por
Alberto Youssef.

Para tanto, Alberto Youssef utilizou-se de empresas sediadas fora do território


nacional, conhecidas como offshores, algumas delas sediadas em paraísos fiscais.
Alberto Youssef, nesse proceder, encaminhava os dados de contas bancárias
mantidas fora do território nacional para Alexandrino Alencar, que adotava os
procedimentos necessários para realizar as transferências a partir de offshores
mantidas pela Braskem.

Por sua vez, Alberto Youssef recebia de Alexandrino Alencar os comprovantes


das transferências internacionais, que tinham como destino as contas por ele
indicadas.

As contas no exterior que recebiam os valores eram controladas por doleiros da


confiança de Alberto Youssef, entre estes Nelma Kodama, Leonardo Meirelles e,
ainda, Carlos Rocha (“Ceará”), que repassavam para Alberto Youssef em moeda
nacional (Reais) o equivalente ao numerário depositado em dólares norte-americanos.

[NOTA DO MPF: Observe-se o quanto declarado pelo operador financeiro


(Youssef): “... informava a Alexandrino o número das contas onde os valores eram
depositados, competindo ao responsável pelas mesmas (Nelma, Carlos Rocha e
Leonardo Meirelles), disponibilizar os valores em reais no Brasil” – ANEXO 70.]

Esse valor era, então, entregue em espécie aos beneficiários da propina, que
passavam a deter a disponibilidade dos valores, dissociada de sua origem espúria.

Nesta seara, corroboram as declarações prestadas por Alberto Youssef o quanto


alegado pelo colaborador Rafael Ângulo, braço direito do operador financeiro e
responsável por parte do contato com Alexandrino Alencar.

De acordo com Ângulo, Alberto Youssef reunia-se com frequência com


Alexandrino Alencar, executivo da área financeira da Braskem, com a finalidade de
discutir contratos de propina e depósitos de valores indevidos no exterior, desde os
anos de 2007/2008.

Os números das contas em que deveriam ser realizados os depósitos da Braskem


era fornecido ao diretor por Alberto Youssef ou pelo próprio Rafael Ângulo, sendo
que, após os depósitos, Alexandrino Alencar encarregava-se de entregar os swifts
(comprovantes das transações bancárias) a Alberto Youssef ou, por ordem do
operador, a Rafael Ângulo.

Ângulo afirmou, ainda, que entre os anos de 2007 e 2013 compareceu à sede da
Braskem a fim de levar os números de contas a serem realizados os depósitos, assim
como para retirar os swifts com Alexandrino Alencar para que fossem entregues a
Alberto Youssef.

Alberto Youssef, por seu turno, recebia o numerário em espécie, repassando os


valores a José Janene, pessoas por ele indicadas e, ainda, Paulo Roberto Costa, ex-
Diretor de Abastecimento da Petrobras.

Neste sentido, menciona-se depoimento prestado por Paulo Roberto Costa,


segundo o qual parte dos valores pagos a título de propina decorrente dos contratos
da Braskem com a Petrobras era operacionalizada por Alberto Youssef, que, em
conjunto com José Janene, cuidava do rateio dos valores entre o Partido Progressista
(PP) e o ex-Diretor de Abastecimento da Petrobras [“Que, parte desses recursos era
entregue a Alberto Youssef, sendo praticamente todos os valores recebidos nas contas
da Suíça administradas por Bernardo Freiburghaus; que, uma pequena parte pode ter
sido paga em espécie no Brasil; que, do valor pago pela Braskem, 60% era destinado
ao PP, 20% era destinado ao pagamento de custos, inclusive com a emissão de notas
fiscais e dos 20% restantes, 70% era destinado ao declarante e os 30% remanescentes
eram rateados entre Alberto Youssef e José Janene; que, quem controlava esse rateio
eram José Janene e posteriormente Alberto Youssef” – ANEXO 41].

Corroboram o quanto alegado pelos colaboradores, documentos acostados por


Rafael Ângulo, nos quais podem ser identificadas as seguintes transações:
Tais depósitos foram efetuados pela Braskem, através de Alexandrino Alencar,
orientado por Marcelo Odebrecht, em contas bancárias indicadas por Alberto Youssef
e controladas pelos doleiros Nelma Kodama, Leonardo Meirelles e Carlos Rocha, os
quais se responsabilizavam por fornecer referidos valores em espécie a Alberto
Youssef no território nacional, em clássica operação de dólar-cabo.

Note-se que os swifts entregues por Rafael Ângulo correspondem a uma


pequena parte das operações realizadas pela Braskem, através de Alexandrino
Alencar, em favor de Alberto Youssef e das pessoas por ele representadas, conforme
declarado pelo próprio operador financeiro.

[Termo de Declarações de Alberto Youssef: “... observa também que os swifts


apresentados por Rafael Ângulo foram entregues a ele por Alexandrino Alencar
apenas nos casos em que os valores pagos pela Braskem não eram localizados nas
contas dos doleiros anteriormente mencionados, o que ocorreu apenas com uma
pequena parte dos depósitos feitos pela petroquímica” – ANEXO 214.]

Em recente depoimento, Alberto Youssef informou que referidos documentos


eram entregues tão somente nas ocasiões em que os doleiros por ele utilizados não
conseguiam identificar os depósitos realizados pela Braskem.

Tem-se, assim, que Alexandrino Alencar, enquanto diretor da Braskem e do


Grupo Odebrecht, sob as ordens de seu presidente, Marcelo Odebrecht, reunia-se com
Alberto Youssef e José Janene para negociar o pagamento de propina dirigida ao
grupo político que se beneficiava dos contratos firmados com a Petrobras, sendo que
efetuava depósitos nas contas indicadas por Alberto Youssef e informadas pelo
operador, diretamente ou por intermédio de Rafael Ângulo.

Este, por sua vez, retirava, a mando de Alberto Youssef, os swifts, que nada mais
são do que documentos de transferências internacionais, com Alexandrino Alencar na
sede da Braskem em um primeiro momento, e, posteriormente, no prédio da própria
Odebrecht.

[Termo de Declarações nº 07 de Rafael Ângulo Lopez: “… com certeza, era um


acerto de contrato de propina e de transferências de dinheiro no exterior; que em
relação a estas transferências de valores no exterior, Youssef levava número de
contas situadas no exterior para Alexandrino e este último providenciava o depósito
dos valores nas contas indicadas; que o declarante apresenta nesta oportunidade
alguns destes comprovantes para juntada, em anexo; que também o declarante
pessoalmente levou número de contas situadas no exterior para Alexandrino; que
entregou pessoalmente tais números de contas para Alexandrino, na própria
Braskem; que após a transferência dos valores no exterior, o declarante também ia
buscar os comprovantes das transferências internacionais (swifts), tais como estes
que ora junta; que era Alexandrino quem entregava pessoalmente estes swifts ao
declarante;(...)” e “que soube da mudança de Alexandrino para a Odebrecht pois
Youssef pediu para o declarante entregar número de contas e retirar swifts na
Odebrecht, onde Alexandrino passou a trabalhar; que quando foi buscar swifts na
Odebrecht pode verificar que quem fazia a remessa era alguma pessoa que operava
para Alexandrino” – ANEXO 73.]

A análise dos documentos (sobretudo dos swifts) entregues por Rafael Ângulo e
dos dados neles constantes é reveladora da complexidade das operações realizadas
em favor do grupo Odebrecht e de suas empresas coligadas, sediadas no território
nacional e fora dele.
Veja-se, nesse sentido, que algumas das contas utilizadas por Alexandrino
Alencar para viabilizar a lavagem dos valores repassados a título de pagamento em
favor de Alberto Youssef estavam em nome das offshores Trident Inter Trading Ltd.,
Intercorp Logistic e Klienfeld Services Ltda., sendo que esta última também foi
identificada como recebedora de recursos de empresas do Grupo Odebrecht, a partir
das contas em nome das offshores Smith & Nash Enginnering Company Inc., Golac
Projects And Construction Corp, Sherkson International S.A., nas quais a Construtora
Norberto Odebrecht figura como beneficiária econômica.

Depois destes aportes, a conta Klienfeld Services Ltda. repassou os valores para
as contas dos então funcionários da Petrobras, Paulo Roberto Costa, Renato Duque e
Pedro Barusco, que estavam abertas em nome das offshores Quinus Services S.A.,
Milzart Overseas Holdings Inc., Pexo Corporation.

Verifica-se, assim, que a Braskem comprovadamente compartilhava a utilização


da conta Klienfeld Services Ltda. – e possivelmente das outras também – com a
Construtora Norberto Odebrecht, a fim de proceder à lavagem dos recursos que
ilicitamente auferiram em benefício de terceiros agentes, no caso Paulo Roberto
Costa.

Marcelo Odebrecht, por sua vez, na condição de executivo do Grupo Odebrecht


e presidente do conselho de administração da Braskem desde 30/07/2008, comandou
o pagamento das vantagens indevidas, tendo Alexandrino Alencar agido conforme
suas orientações.

O colaborador Paulo Roberto Costa prestou declarações no sentido de que em


todas as reuniões de que Marcelo Odebrecht participou, relacionadas à Braskem, o
executivo demonstrou amplo conhecimento acerca dos temas relacionados à empresa,
tendo sido bastante participativo.

Ademais, informou que possivelmente Marcelo Odebrecht tenha participado de


reunião realizada pelo ex-Diretor de Abastecimento e Bernardo Gradim em que foram
solicitados descontos no preço da nafta, a ser estabelecido na renovação do contrato
de compra e venda celebrado entre a Braskem e a Petrobras, no ano de 2009.

[Termo de Declarações de Paulo Roberto Costa: “... de fato o pleito da Braskem


foi atendido, nos termos do que foi sugerido por Bernardo Gradim; no tocante à
participação de Marcelo Odebrecht nessa reunião, acha possível que isso tenha
ocorrido, considerando que o mesmo era o presidente do Conselho; diz nunca ter
tratado do assunto propina diretamente com Marcelo; nas reuniões das quais
participou, Marcelo sempre era bastante atuante e informado quanto aos assuntos
ligados a Braskem” – ANEXO 41.]

Observe-se, neste sentido, que Marcelo Odebrecht compareceu à sede da


Petrobras por diversas vezes durante o ano de 2009, inclusive poucos dias depois que
a pretensão contratual da Braskem não foi acolhida pela Diretoria Executiva da
Estatal, sendo que, logo após, em virtude da influência de Paulo Roberto Costa, esta
decisão foi revertida, autorizando-se a contratação como pretendida pela Braskem.

Nessa oportunidade, Marcelo Odebrecht esteve reunido com Paulo Roberto


Costa e o presidente da estatal, Sérgio Gabrielli, para tratar deste tema.

Verifica-se, portanto, que Marcelo Odebrecht não apenas tinha conhecimento


acerca das tratativas e dos pagamentos de vantagens indevidas a Paulo Roberto Costa
e ao Partido Progressista (PP), como também participava diretamente na coordenação
de tais atividades ilícitas e, indiretamente, na execução, por seus próprios
subordinados.

Assim agindo, no interregno entre 2009 e 2014, ao realizar o pagamento em


contas bancárias controladas por doleiros indicados por Alberto Youssef, a fim de que
fossem os valores repassados a Paulo Roberto Costa, a José Janene (inicialmente) e a
membros do Partido Progressista (PP), os denunciados Marcelo Odebrecht e
Alexandrino Alencar, agindo em conluio e com unidade de desígnios com Alberto
Youssef e Paulo Roberto Costa, dissimularam a origem, disposição, movimentação e
propriedade de, pelo menos, US$ 1.850.000,00, valores estes provenientes direta e
indiretamente dos delitos de organização criminosa, cartel, fraude à licitação, e,
especialmente, do produto dos crimes de corrupção praticados em face da Petrobras
S.A., todos descritos nesta peça, violando em cinco oportunidades o disposto no art.
1o da Lei 9613/98 e incorrendo, assim, na prática do crime de lavagem de capitais.
5. O caso REPAR: propinas milionárias para eliminar licitações

Na obra na Refinaria Presidente Vargas (REPAR), localizada em Araucária,


Paraná, o fenomenal é como o Cartel do Bilhão anulou uma licitação para que o
Consórcio Conpar (Odebrecht, OAS e UTC) fosse contratado diretamente (ou seja,
sem concorrentes) pela Petrobras, contra o parecer do Departamento Jurídico da
empresa e dos funcionários honestos que examinaram a transação – tal como foi
comprovado pela Comissão Interna de Apuração da Petrobras.

Obras estimadas inicialmente em R$ 1.372.799.201,00 foram contratadas por


R$ 1.821.012.130,93 e ainda receberam mais R$ 518.933.732,63 em aditivos, ou
seja, um total de R$ 2.339.945.863,56, +70% que a estimativa inicial da Petrobras.

É evidente, no caso, o conluio entre os representantes do PP e do PT (Paulo


Roberto Costa e Renato Duque). Não é por acaso que somente no depoimento do
lugar-tenente de Duque, Pedro Barusco, o nome do Sr. Vaccari, tesoureiro do PT,
aparece 38 vezes.

É preciso ser muito tolo – ou dotado de muita má-fé – para não enxergar, ou
fingir não enxergar, o tamanho do atentado ao país.

Somente em relação à Odebrecht contra a Petrobras, o Ministério Público pede


o ressarcimento de R$ 14.201.954.415,41 (quatorze bilhões, 201 milhões, 954 mil,
415 reais e 41 centavos) – cf. MPF, Denúncia contra Marcelo Odebrecht e outros, pp.
199-200.

Isso, referente aos crimes já provados.

Mas, voltemos ao caso da REPAR.

O Brasil está, há alguns anos, necessitando que a Petrobras aumente sua


produção de derivados de petróleo – diesel, gasolina, lubrificantes etc. Com uma
importação de US$ 160 bilhões nesses derivados, nos últimos quatro anos (US$ 42,1
bilhões em 2014), é dispensável alguma prova-extra dessa necessidade.
Pois, exatamente aí, o Cartel do Bilhão, encabeçado pela Odebrecht, agiu da
forma mais bucaneira possível. E, se o leitor nos permite a repetição, da maneira mais
nauseante possível.

C.L.

O cartel funcionou de forma plena e consistente, ao menos entre os anos de


2004 e 2013, interferindo nos processos licitatórios de grandes obras da Petrobras a
exemplo da REPAR (Refinaria Presidente Vargas), Refinaria Abreu Lima (RNEST),
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), Refinaria Alberto Pasqualini
(REVAP), Refinaria Presidente Bernardes (RPBC), Refinaria Gabriel Passos
(REGAP), Refinaria Duque de Caxias (REDUC), Refinaria de Paulínia (REPLAN),
Terminal Barra do Riacho (TRBR), Terminal da Bahia (TRBA), Terminal de
Cabiúnas – todas de responsabilidade das Diretorias de Abastecimento e Serviços,
ocupadas por Paulo Roberto Costa e Renato Duque, respectivamente. Renato Duque
era auxiliado por Pedro Barusco, Gerente Executivo de Engenharia da Estatal até o
ano de 2011.

Para as obras na Refinaria Getúlio Vargas (REPAR), a Odebrecht adjudicou


objeto de licitação como integrante do Consórcio CONPAR, formado em 12/07/07
com as também cartelizadas UTC e OAS. A margem de participação da Odebrecht no
referido consórcio era de 51%.

Entre 11/10/2006 [data do início do procedimento licitatório] e 23/01/2012


[assinatura do último aditivo durante as Diretorias de Costa e Duque – e gerência de
Barusco], Rogério Araújo e Márcio Faria, administradores e diretores do Grupo
Odebrecht, sob orientação de Marcelo Odebrecht, gestor do grupo empresarial, para
que obtivessem benefícios para as empresas integrantes do Consórcio CONPAR,
contratado pela Petrobras para a execução das obras de “ISBL da Carteira de
Gasolina e UGHE HDT de Instáveis da Carteira de Coque” da Refinaria Getúlio
Vargas (REPAR), ofereceram e prometeram o pagamento de vantagens econômicas
indevidas a Renato Duque e Pedro Barusco, então Diretor de Serviços e Gerente
Executivo de Engenharia da Petrobras, correspondentes a, pelo menos, R$
36.420.242,61, ou seja, 2% do valor do contrato original, para determiná-lo a praticar
atos de ofício que favorecessem as empresas Construtora Norberto Odebrecht S.A.,
Construtora OAS Ltda. e UTC Engenharia S.A.

No mesmo período, ofereceram e prometeram o pagamento de vantagens


econômicas indevidas também ao então Diretor de Abastecimento de referida Estatal,
Paulo Roberto Costa, diretamente e por meio de Alberto Youssef, operador financeiro
que agia em seu nome, sendo que em relação a ele as vantagens corresponderam a,
aproximadamente, R$ 18.210.121,30, ou seja, 1% do valor do contrato.

Em atos contínuos, mas também executados entre o 11/10/2006 e 23/01/2012, o


denunciado Renato Duque e Pedro Barusco, bem como Paulo Roberto Costa,
aceitaram tais promessas passando, em seguida, a receber para si e para outrem,
direta e indiretamente, as vantagens indevidas no valor total de, pelo menos, R$
54.630.363,92, quantia esta que corresponde a 3% do valor do contrato celebrado
entre o Consórcio CONPAR e a Petrobras.

Visando à execução das obras de “ISBL da Carteira de Gasolina e UGHE HDT


de Instáveis da Carteira de Coque” da Refinaria Getúlio Vargas (REPAR), vinculadas
à Diretoria de Abastecimento da Petrobras, em 11/10/2006 a Gerência Executiva de
Engenharia, vinculada à Diretoria de Serviços, comandadas por Pedro Barusco e
Renato Duque, deu início ao procedimento licitatório.

O valor da estimativa sigilosa da empresa petrolífera foi calculado em R$


1.372.799.201,00.

O procedimento licitatório foi nitidamente direcionado em favor do cartel,


sendo que das 22 empresas convidadas para o certame, 15 eram participantes fixas do
cartel e três participantes esporádicas.
Foram convidadas as empresas: Alusa Engenharia Ltda., Bechtel do Brasil
Construções Ltda., Carioca Christiani Nielsen Engenharia S.A., Constran S.A.
Construções e Comércio, Construcap CCPS Eng. e Comércio S.A., Construtora
Andrade Gutierrez S.A., Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A., Construtora
Norberto Odebrecht S.A., Construtora OAS Ltda., Construtora Queiroz Galvão S.A.,
Contreras Engenharia e Construções Ltda., Engevix Engenharia S.A., GDK S.A., Iesa
Óleo & Gás S.A., Mendes Júnior Trading e Engenharia S.A., MPE Montagens e
Projetos Especiais S.A., Promon Engenharia Ltda., Samsung do Brasil, Schahin
Engenharia S.A., Skanska Brasil Ltda., Techint S.A. e UTC Engenharia S.A.

Corrobora a conclusão de que houve atuação do “Clube” na licitação das obras


da REPAR, declarações de Pedro Barusco, segundo o qual houve atuação do cartel
para direcionar as obras da REPAR para um grupo ou outro de empresas.

[Nota MPF: “... indagado sobre as obras da REPAR, da REVAP e da REPLAN,


entende que também houve atuação do cartel no sentido de direcionar as obras para
um grupo e para outro” – depoimento de Barusco.]

Em um primeiro momento, na data de 22/03/2007, foram apresentadas


propostas pelos Consórcios CONPAR e CCPR, sendo que a menor delas, pelo
Consórcio CONPAR, foi de R$ 2.079.593.082,66, 42,9% acima da estimativa da
Petrobras.

Vale destacar que a proposta apresentada pelo Consórcio Camargo


Corrêa/Promon também se situava acima do limite da estimativa da empresa, tendo
em vista que o valor ofertado fora de R$ 2.273.217.113,27, frustrando totalmente o
caráter competitivo do certame.

Houve, portanto, desclassificação das propostas, tendo a Comissão de Licitação


recomendado o encerramento do procedimento licitatório e solicitado autorização
para a realização de contratação do Consórcio CONPAR [DIP (Documento Interno da
Petrobras) Engenharia 289, 03/05/2007].
A Engenharia foi, então, autorizada pela Diretoria Executiva a negociar a
contratação direta do Consórcio CONPAR, fundamentando-se no item 2.1, e, do
Decreto no 2745/98, em 10/05/2007.

Nesta etapa, houve diversas revisões da estimativa da Petrobras, a qual passou a


ser de R$ 1.527.535.486,93.

[Nota HP: Portanto, já na segunda estimativa, o valor foi aumentado em R$


154.736.285,93 (+11%).]

Em 28 de junho de 2007, o Departamento Jurídico da Petrobras exara o parecer


4874/07, aduzindo que “em uma negociação direta decorrente de licitação frustrada
por preços excessivos encontra limites no objeto daquela licitação, sob pena de
incorrer-se em invalidade jurídica do contrato que dai advir”.

O que se verificou ao longo da negociação direta conduzida pelas Diretorias de


Serviços e Abastecimento foram alterações sensíveis nas condições contratuais,
circunstância esta que, por si só, impediria que a contração fosse feita de forma
direta.

Mais do que isso, conforme se depreende da minuta contratual submetida pela


Comissão de Negociação ao Departamento Jurídico, as alterações contratuais
incrementaram sensivelmente o risco e a responsabilidade da Petrobras:

(i) com a inclusão de cláusula contratual pela qual a Petrobras deveria ressarcir
o Consórcio CONPAR em virtude de paralisação por chuvas;

(ii) com a inclusão de cláusula que reduzia a variação de aceitabilidade da


cláusula de quantidades determinadas (que na licitação admitiam uma tolerância de
5% e passaram a ser 0%);

(iii) com a inclusão de verba para pagamento de “serviços complementares”.

Com isso, o valor da estimativa da Petrobras não baixou, mas aumentou


consideravelmente.
Frente a estas modificações o Departamento Jurídico emitiu novo parecer, em
14/08/07, e novamente destacou os seguintes pontos:

(i) que, frente à negociação direta, não poderiam ocorrer modificações


substanciais no objeto do contrato;

(ii) que modificações da estimativa somente poderiam ocorrer, de forma


excepcional, e desde que comprovadas alterações na situação mercadológica que
reflitam uma variação de preço do serviço a ser contratado.

Não obstante isso, por meio do DIP Engenharia nº 571/2007, remetido por
Pedro José Barusco Filho, Alan Kardec e Venina Velosa da Fonseca aos Diretores de
Abastecimento, Paulo Roberto Costa, e Serviços da Petrobras, Renato Duque, foi
encaminhado o resultado da negociação direta e solicitada a autorização para a
assinatura do contrato com o Consórcio CONPAR no valor de R$ 1.821.012.130,93.

Foi celebrado, em 31/08/2007, o contrato entre a Petrobras e o Consórcio


CONPAR, no valor de R$ 1.821.012.130,93, subscrito pela Construtora Norberto
Odebrecht S.A.

Não obstante o valor tenha sido considerado, à época, compreendido na faixa de


+20% da estimativa da Petrobras, tal conclusão foi atingida após a terceira alteração
da estimativa da empresa.

Porém, o Relatório Final da Comissão Interna de Apuração da REPAR indica


oneração indevida da referida estimativa em R$ 49.452.124,01, pelo que seu valor
correto seria de R$ 1.478.083.356,76.

Assim sendo, o valor final ofertado pelo Consórcio CONPAR e aceito pela
companhia encontrava-se 23,2% acima da estimativa da Petrobras, 3,2% acima do
limite de +20%.

Havia um acordo previamente ajustado entre os gestores das empresas


integrantes do cartel e os então diretores Paulo Roberto Costa e Renato Duque, bem
como o ex-Gerente de Engenharia da empresa, Pedro Barusco, de, respectivamente,
oferecerem e aceitarem vantagens indevidas, as quais variavam entre 1% e 5% do
valor total dos contratos celebrados por elas com a referida Estatal.

Em contrapartida, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco, Renato Duque e os


demais empregados corrompidos da Petrobras assumiam o compromisso de se
omitirem no cumprimento dos deveres inerentes aos seus cargos, notadamente a
comunicação de irregularidades em virtude do funcionamento do “Clube” bem como
praticar atos comissivos no interesse do funcionamento do cartel.

Tanto Paulo Roberto Costa quanto Alberto Youssef admitiram que o pagamento
de tais valores indevidos ocorria em todos os contratos e aditivos celebrados pelas
empresas integrantes do cartel com a Petrobras sob o comando da Diretoria de
Abastecimento.

Especificamente em relação ao contrato celebrado entre o Consórcio CONPAR


e a Petrobras, o próprio Paulo Roberto Costa, quando de seu interrogatório,
reconheceu, igualmente, a promessa e o pagamento de propina por parte da
Odebrecht em decorrência de referido contrato.

[Nota MPF: “... esses contratos todos que envolviam as empresas do cartel,
acho que não houve nenhum que não tivesse pagamento indevido. Agora, por
exemplo, nesses consórcios aí, meu contato maior era com a UTC e a ODEBRECHT,
não era com a OAS” (Interrogatório de Paulo Roberto Costa – ANEXO 66).]

Assim, em decorrência da negociação e assinatura do contrato entre a Petrobras


e o Consórcio CONPAR, houve a promessa e o pagamento de vantagens indevidas
correspondentes a, ao menos, 1% do valor do contrato original celebrado no período
em que Paulo Roberto Costa ocupou a Diretoria de Abastecimento da Petrobras.

No que respeita à Diretoria de Serviços, Pedro Barusco anotou em sua planilha


que houve, efetivamente, nesse caso, pagamentos de vantagens indevidas à Diretoria
de Serviços, comandada por Renato Duque, em decorrência do contrato firmado pelo
Consórcio CONPAR com a Petrobras.
Some-se a isto o fato de que todo o procedimento de negociação para a
contratação direta do Consórcio CONPAR foi comandada pelo então Gerente
Executivo de Engenharia, Pedro Barusco, responsável pela negociação e o efetivo
recebimento das vantagens indevidas em nome próprio e como representante de
Renato Duque.

É de se mencionar o quanto apurado pela CIA [Comissão Interna de Auditoria]


da REPAR.

Primeiramente, o funcionário da Petrobras Luis Scavazza confirmou que havia


uma pressão “da Sede”, ou seja, das Diretorias de Abastecimento e de Serviço, para
que a contratação do Consórcio CONPAR acontecesse.

Ademais, Sérgio Costa, outro funcionário da Petrobras à época, informou,


ainda, que era viável a realização de nova licitação. Tendo a companhia optado pela
contratação direta do Consórcio CONPAR, ao final elaborou relatório acerca da
contratação, posicionando-se de modo contrário, tendo em vista que a proposta
encontrava-se acima do limite de +20% da companhia, mas que seu superior
determinou que fosse a informação suprimida.

Mencione-se, ainda, declaração de Pedro Barusco no sentido de que um dos


empreendimentos da área de abastecimento que gerou o pagamento de vantagens
indevidas no âmbito da Diretoria de Serviços foi a Refinaria Presidente Getúlio
Vargas – REPAR.

[Nota MPF: Termo de Colaboração no 03 (Barusco) – “... indagado pelo


Delegado de Polícia Federal sobre quais foram os principais contratos no âmbito da
Diretoria de Abastecimento que geraram os valores pagos a título de propina, afirma
que foram os contratos de grandes pacotes de obras da Refinaria Abreu e Lima –
RNEST e do Complexo Petroquímico do Rio De Janeiro – COMPERJ, além de
pacotes de grande porte em algumas refinarias como a REPLAN, a REVAP, a
REDUC, a RELAN e a REPAR” (ANEXO 24).]
Ainda, comprova o aceite e recebimento das vantagens indevidas por Renato
Duque declarações de Augusto Mendonça, segundo o qual as empresas do “Clube”,
por meio de Ricardo Pessoa, combinaram com o ex-Diretor de Serviços o pagamento
de vantagens indevidas.

[Nota MPF: Termo de Colaboração no 02 (Augusto Mendonça) - “... já existia


um entendimento entre o Diretor de Engenharia Renato Duque e Ricardo Pessoa, de
modo que todos os contratos que fossem resultantes do “Clube”, deveriam ter
contribuições a àquele” – ANEXO 7.]

Nessa senda, no caso em tela, observando o contexto anteriormente narrado,


tem-se que houve a promessa e o pagamento de propina correspondente a 2% do
valor do contrato firmado com a Estatal à Diretoria de Serviços, notadamente a
Renato Duque.

Assim, pode-se confeccionar o seguinte quadro de pagamento de propinas sobre


o valor do contrato inicial:
Do montante referente à aludida vantagem indevida, coube a Marcelo
Odebrecht, Rogério Araújo, Márcio Faria e Cesar Rocha, esse exclusivamente no que
tange à Diretoria de Abastecimento, na condição de gestores, administradores e
diretores do Grupo Odebrecht, oferecer e prometer vantagens indevidas, assim como
viabilizar os seus pagamentos.

Diante de tal quadro, no período entre o início do procedimento licitatório


(11/10/2006) e a celebração do contrato original, em 31/08/2007, Marcelo Odebrecht,
Rogério Araújo, Márcio Faria e Cesar Rocha, após reunirem-se entre si e com os
representantes das demais empreiteiras cartelizadas e definirem o vencedor do
certame, comunicaram a Paulo Roberto Costa, diretamente e por intermédio de
Alberto Youssef, e Pedro Barusco e Renato Duque tal circunstância, prometendo
vantagens indevidas que adviriam imediatamente após a celebração do contrato.

Assim, uma vez confirmada a contratação da Odebrecht, em parceria com a


Construtora OAS e UTC Engenharia, por intermédio do Consórcio CONPAR, para a
execução da obra, Cesar Rocha, após acordar com Marcelo Odebrecht, Rogério
Araújo e Márcio Faria a forma de pagamento, efetuou tratativas com Alberto Youssef
para ajustar a forma de pagamento das vantagens indevidas prometidas a, e aceitas
por Paulo Roberto Costa.

Pedro Barusco, por sua vez, agindo em nome próprio e como representante de
Renato Duque, acertou a forma de pagamento diretamente com Rogério Araújo.

Já Cesar Rocha, diretor da Odebrecht, era o responsável por acertar com Alberto
Youssef a forma pela qual seriam os pagamentos efetivamente realizados ao operador,
objetivando a posterior distribuição dos valores para Paulo Roberto Costa e membros
do Partido Progressista (PP).

Seguindo a mesma metodologia, Marcelo Odebrecht, gestor do Grupo


Odebrecht, Márcio Faria, Rogério Araújo e Cesar Rocha, administradores e diretores
do Grupo Odebrecht, prometeram, assim como adotaram as medidas necessárias para
viabilizar o respectivo pagamento, vantagens indevidas de ao menos 1% em relação
aos valores dos aditivos.

Ainda, Marcelo Odebrecht, Márcio Faria, Rogério Araújo e Cesar Rocha,


agentes do Grupo Odebrecht prometeram vantagens indevidas de ao menos 2% em
relação aos valores dos aditivos, as quais foram imediatamente aceitas por Pedro
Barusco e Renato Duque.
6. Os crimes na Refinaria Abreu e Lima: uma amostra

A Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, sempre foi um projeto


estratégico para o país.

Tanto do ponto de vista da oferta dos derivados de petróleo, estrangulada por


décadas de política neoliberal irresponsável (a última inauguração de uma grande
refinaria da Petrobras – e do Brasil – foi em 1980, a REVAP, em São José dos
Campos, São Paulo, portanto, há 35 anos), quanto do ponto de vista do
desenvolvimento do Nordeste, quanto das relações com a Venezuela e a América
Latina, essa refinaria sempre foi uma estrela especialmente brilhante nos projetos
públicos e nacionais.

Hoje, publicamos uma pequena parte dos crimes do cartel do bilhão contra essa
refinaria – portanto, contra a Petrobras e o Brasil.

Como é um pouco difícil acompanhar a transmutação de valores descrita e


provada pelos procuradores da República, acrescentamos uma tabela para facilitar o
entendimento.

As obras da RNEST foram divididas em quatro grandes “pacotes”, e, depois, em


“12 pacotes”, pelo gerente de Engenharia, Pedro Barusco, e seu superior, Renato
Duque, diretor de Serviços. A refinaria estava, além disso, sob responsabilidade do
diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa.

Assim, o cartel se apossou das obras, repartindo-as entre as empresas do “clube


do bilhão” – ou subcontratadas por empresas que dele participavam.

A Odebrecht e a OAS formaram o Consórcio RNEST-CONEST, para dois


contratos: de implantação das UHDTs e UGHs (Unidades de Hidrotratamento e
Unidades de Geração de Hidrogênio) e de implantação das UDAs (Unidades de
Destilação Atmosférica).
Não reproduzimos a parte referente ao contrato para implantação de UDAs
(Unidades de Destilação Atmosférica) porque o procedimento fraudulento – com uma
única exceção, que já veremos – foi idêntico àquele ocorrido no caso do contrato para
implantação de UHDTs e UGHs (Unidades de Hidrotratamento e Unidades de
Geração de Hidrogênio).

Porém, a tabela desta página resume os dois contratos.

Houve, somente nesses contratos, propinas que montaram no mínimo a R$ 140


milhões, 272 mil, 502 reais e 58 centavos, assim distribuídos:

1) Para Renato Duque, Pedro Barusco e o esquema do PT: R$ 93 milhões, 515


mil, um real e 72 centavos;

2) Para Paulo Roberto Costa e o esquema do PP: R$ 46 milhões, 757 mil, 500
reais e 86 centavos.

Ressaltamos que esses são valores mínimos, segundo a força-tarefa da


Operação Lava Jato.

Acrescentamos, ao final, trechos de interrogatórios que achamos especialmente


esclarecedores.
Quanto ao sobrepreço extorquido da Petrobras: o primeiro contrato (UHDTs e
UGHs) foi assinado por um valor +18,49% que a estimativa da Petrobras – ou seja,
R$ 497 milhões, 874 mil e 135 reais a mais.

Aqui, reside a diferença, que mencionamos, no contrato das UDAs: o Relatório


Final da Comissão Interna de Apuração (CIA), estabelecida pela Petrobras, constatou
que, em relação às UDAs, existira uma licitação anterior, anulada “em decorrência de
preços excessivos, quando, inicialmente, a estimativa da Petrobras quedou-se em R$
1.118.000.000,00 e a menor proposta, apresentada pelo Consórcio RNEST –
CONEST, foi de R$ 1.899.000.000,00, ou seja, 69,8% superior”.

Na segunda licitação, a estimativa da Petrobras era R$ 1.270.508.070,67 e a


proposta do Consórcio da Odebrecht e OAS foi R$ 1.478.789.122,90, isto é, +16,4%
que a estimativa da Petrobras, ou seja, R$ 208 milhões, 363 mil e 323 reais a mais.

O contrato foi, afinal, fechado em R$ 1.485.103.583,21, ou seja, +33% que o


preço da primeira licitação ou +16,8% que a estimativa da Petrobras na segunda
licitação. Em termos monetários R$ 367 milhões, 103 mil e 583 reais a mais que a
estimativa da primeira licitação ou R$ 214 milhões, 595 mil e 512 reais a mais.

Portanto, somando os dois contratos, eles foram assinados por um valor a mais
do que a estimativa inicial da Petrobras entre R$ 712,6 milhões e R$ 865 milhões,
dependendo da estimativa inicial de referência.

Não desconhecemos a argumentação do cartel, de que a margem acima da


estimativa da Petrobras não constitui sobrepreço, mas uma adaptação aos custos reais,
aos custos do mercado.

É possível que nem toda a margem acima seja sobrepreço, mas é claro que a
maior parte é – se não fosse, para que pagar R$ 140,2 milhões (no mínimo) em
propinas?

Será que o cartel queria contribuir para o gosto estético do Sr. Renato Duque (e
ele, comprando falsificações, desperdiçou a oportunidade)?
Ou será que essas empresas tiraram as propinas do seu lucro normal – isto é,
sem sobrepreço, portanto, diminuindo o seu lucro?

Além disso, as estimativas foram dos engenheiros da Petrobras, que não são
malucos nem vivem em Marte. Pelo contrário, sempre foram profissionais da mais
alta qualificação.

Avisamos ao leitor que não está incluído, nas quantias, nenhum aditivo. Como
vimos na edição anterior, no caso das obras na REPAR eles foram quase +30% do
preço pelo qual fora assinado o contrato.

Para encerrar, todo mundo sabe que a essência do monopólio privado (e não
existe outra razão para formar um cartel, exceto estabelecer um monopólio privado)
é, exatamente, o sobrepreço.

C.L.

Nas obras da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, o Consórcio


RNEST-CONEST, integrado pela Odebrecht e OAS, venceu certames relacionados a
duas obras: a “implantação das UDAs” [UDA = Unidade de Destilação Atmosférica]
e a “implantação das UHDTs e UGHs” [UHDT = Unidade de Hidrotratamento; UGH
= Unidade de Geração de Hidrogênio].

No caso das UHDTs, os administradores e diretores do Grupo Odebrecht, sob


orientação de Marcelo Odebrecht, ofereceram e prometeram o pagamento de
vantagens econômicas indevidas ao então Diretor de Serviços da Estatal, Renato
Duque, e ao Gerente Executivo, Pedro Barusco, correspondentes a, pelo menos, R$
63.812.930,06, ou seja, 2% do valor do contrato original, para que favorecessem as
empresas Odebrecht Plantas Industriais e Participações S.A. e Construtora OAS Ltda.

Em adição, ofereceram a Paulo Roberto Costa, Diretor de Abastecimento,


diretamente e por meio de Alberto Youssef, R$ 31.906.465,03, ou seja, 1% do valor
do contrato original, para, do mesmo modo, favorecer essas empresas.
Renato Duque e Pedro Barusco, bem como Paulo Roberto Costa, diretamente e
por intermédio do operador Alberto Youssef, aceitaram tais promessas, passando, em
seguida, a receber para si e para outrem, direta e indiretamente, as vantagens
indevidas oferecidas/prometidas, no valor total aproximado de, pelo menos, R$
95.719.395,09, quantia que corresponde a 3% do valor do contrato original.

Visando à “implantação das UHDT’s e UGH’s” da Refinaria Abreu e Lima –


RNEST, obra vinculada à Diretoria de Abastecimento da Petrobras, então comandada
por Paulo Roberto Costa, em 02/04/2009 foi iniciado procedimento licitatório perante
a Gerência de Engenharia, vinculada à Diretoria de Serviços da Petrobras,
respectivamente ocupadas pelos denunciados Pedro Barusco e Renato Duque.

O valor da estimativa sigilosa da empresa petrolífera foi inicialmente calculado


em R$ 2.821.843.534,67.

O procedimento licitatório foi nitidamente direcionado em favor do cartel,


sendo que absolutamente todas as empresas convidadas pertenciam a ele.

As empresas convidadas foram: Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A.,


Construtora Andrade Gutierrez S.A., Odebrecht Plantas Industriais e Participações
S.A., Construtora Queiroz Galvão S.A., Construtora OAS Ltda., Engevix Engenharia
S.A., Iesa Óleo e Gás S.A., Mendes Junior Trading e Engenharia S.A., MPE
Montagens e Projetos Especiais S.A., SOG – Sistemas em Óleo e Gás S.A., Skanska
Brasil Ltda., Techint Engenharia e Construções S.A., UTC Engenharia S.A., GDK
S.A. e Promon Engenharia Ltda.

Em um primeiro momento, três consórcios e a Mendes Júnior apresentaram


propostas, sendo que a menor delas, pelo Consórcio RNEST-CONEST, foi no
montante de R$ 4.226.187.431,48, muito superior, portanto, ao valor máximo de
contratação da Petrobras (+49,7%).
[Nota MPF: O valor máximo de contratação pela Petrobras é fixado em 20%
sobre o valor da estimativa, o que, no caso concreto e considerado o valor final da
estimativa, corresponderia a R$ 3.386.212.241,60.]

Vale destacar que as propostas apresentadas pelas outras quatro concorrentes,


todas elas, ultrapassaram em muito o referido valor máximo de contratação,
frustrando totalmente o caráter competitivo do certame.

Na segunda apresentação de propostas, a estimativa da Petrobras foi reduzida


para R$ 2.718.885.116,37.

[Nota MPF: Ressalte-se que, nos moldes verificados, a revisão de estimativa


consiste em afronta às regras dos procedimentos licitatórios da Petrobras, conforme
apontou o relatório final elaborado pela Comissão Interna de Apuração instaurada
para apuração de irregularidades atinentes aos procedimentos licitatórios da
RNEST.]

A proposta apresentada pelo Consórcio RNEST-CONEST foi, novamente, a


menor, R$ 3.260.394.026,95, muito próxima, portanto, ao valor máximo de
contratação (+19,9%), enquanto as demais o ultrapassaram.

Em decorrência disso o ajuste previamente feito no âmbito do “Cartel”, que


contou com o apoio dos referidos empregados da Petrobras, prevaleceu.

[Depoimento de Pedro Barusco: “... indagado se possui provas relacionadas ao


‘cartel’ na Petrobras, o declarante apresenta um documento oficial contemporâneo a
julho de 2008, que se refere ao encaminhamento do pedido para instaurar doze
pacotes para obras na Refinaria Abreu e Lima (RNEST); Que nestes processos que
envolveram a contratação dos consórcios para obras na RNEST, o declarante
entende que houve a atuação do cartel de empresas, pois os pacotes de obras foram
divididos entre vários consórcios compostos pelas empresas do cartel e os contratos
foram firmados com preços perto do máximo do orçamento interno da Petrobras;
Que, por exemplo, o pacote de obras para o UHDT – Unidade de Hidrotratamento,
foi fechado a R$ 3,19 bilhões, cuja proposta foi do consórcio CONEST, composto
pela Odebrecht e a OAS; Que os quatro grandes pacotes da RNEST foram
efetivamente licitados, mas os contratos foram fechados no ‘topo do limite’” (Termo
de colaboração no 02 – ANEXO 24).]

Aberta nova oportunidade para apresentação de proposta, o Consórcio RNEST-


CONEST fixou o valor de R$ 3.209.798.726,57, enquanto a Petrobras reduziu a sua
estimativa para o montante de R$ 2.692.667.038,77, de modo que o Consórcio
chegou, novamente, a um valor bastante próximo à estimativa [máxima] da estatal
(+19,2%).

A propósito, cumpre mencionar que a Comissão Interna de Apuração da


Petrobras instaurada para verificar a existência de não-conformidades nos
procedimentos licitatórios para obras da RNEST identificou diversas irregularidades.
Dentre elas, pode-se considerar, por exemplo, a alteração de percentuais da fórmula
de reajuste de preços ao acolher sugestões de empresas licitantes, bem como a não-
inclusão de novos concorrentes após o cancelamento de um procedimento licitatório
por preços excessivos. Além disso, importante referir que os atos foram realizados
anteriormente à aprovação da Diretoria Executiva, notadamente o início do
certame e a alteração do modelo contratual.

Após as tratativas de praxe, foi celebrado, em 10/12/2009, o contrato entre a


Petrobras e o referido consórcio, no valor de R$ 3.190.646.503,15.

Todo o procedimento licitatório foi comandado pelo então Gerente Executivo de


Engenharia, Pedro Barusco, responsável pela negociação e o efetivo recebimento das
vantagens indevidas em nome próprio e como representante de Renato Duque.

Vejamos agora alguns trechos dos interrogatórios.

Primeiro, o interrogatório do doleiro Alberto Youssef:

“Juiz Federal Sérgio Moro: Depois consta aqui contrato na RNEST, Refinaria
Abreu e Lima, CONEST, integrado pela empreiteira OAS.
Youssef: Este contrato, sim, eu tratei.

Juiz Federal: Com quem o senhor negociou esse contrato?

Youssef: Márcio Faria, da ODEBRECHT, e Agenor Ribeiro, da OAS.

Juiz Federal: O senhor participou de reuniões em que eles estavam juntos?

Youssef: Os dois juntos.

(...)

Youssef: A OAS pagou através do consórcio.

Juiz Federal: Do consórcio?

Youssef: Foi emissão de notas. A Odebrecht pagou lá fora e pagou aqui em


dinheiro efetivo.

Juiz Federal: Aqui na verdade são dois contratos do…

Youssef: Somando os dois contratos seria 40 e poucos milhões e acabou


virando, se eu não me engano, 20 milhões ou 25 milhões, alguma coisa nesse sentido.

Juiz Federal: Contrato para implantação da UHDT, UGH e depois um outro


contrato da UDA.

Youssef: É que somando os dois contratos dá 4 bi e pouco.”

Vejamos o interrogatório do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa:

Juiz Federal: Pois tem aqui a referência na obra da RNEST, obras de


implantação da UHDT e UGH, que é o Consórcio RNEST CONEST, integrado pela
OAS também. O senhor sabe me dizer se nesse caso houve pagamento de propina ou
comissionamento?

Paulo Roberto Costa: Provavelmente, sim.

Juiz Federal: Provavelmente ou teve?


Paulo Roberto Costa: Todas as empresas que participavam do cartel tinham
esse pagamento, agora é interessante se o senhor pudesse me falar quem mais
integrava esse consórcio.

Juiz Federal: Seria aqui Odebrecht e OAS.

Paulo Roberto Costa: Sim. A resposta é sim.

Juiz Federal: Também aqui há referência do contrato, também RNEST-CONEST


para implantação das UDAs da Refinaria Abreu Lima. As mesmas empresas,
Odebrecht e OAS.

Paulo Roberto Costa: Sim.

Juiz Federal: O senhor sabe me dizer se houve aqui pagamento também de


propina?

Paulo Roberto Costa: Sim, sim.


7. As “empresas EPC do Duque” e a pilhagem ao COMPERJ

Houve, em nós, alguma dúvida sobre a publicação dessa parte da denúncia dos
assaltantes da Petrobras, referente ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro
(COMPERJ), porque o procedimento do Cartel do Bilhão no caso Pipe Rack é muito
parecido com o usado nas obras da Refinaria Abreu e Lima, que publicamos em nossa
anterior edição.

No entanto, existe uma diferença importante, que acrescenta muito ao


conhecimento dos métodos do cartel e de seus protegidos – ou protetores – políticos.

Nesse caso, aparece a famigerada sigla EPC (“engineering, procurement and


construction”). Resumidamente, o “modelo EPC” significa entregar uma obra,
inclusive os projetos básico e executivo, as compras de insumos e maquinário, e a
contratação de outras empresas, a uma única “empreiteira” ou consórcio de
“empreiteiras”. No limite, significa entregar o próprio resultado da obra também a
elas – o caso da Sete Brasil, em que as sondas não pertenceriam à Petrobras, é mais
que ilustrativo.

As aspas que colocamos em “empreiteiras” vão por conta de que essas empresas
agem cada vez mais como empresas financeiras – a rigor, monopólios financeiros – e
cada vez menos como empreiteiras no sentido em que se entende no Brasil, o de
construtoras.

Ao mesmo tempo, esse “modelo” significa amesquinhar o papel dos


engenheiros da Petrobras – que estão entre os mais bem preparados do país.

Uma síntese do que significa o “modelo EPC” está em documento dos próprios
engenheiros da empresa, através de sua entidade, a Associação dos Engenheiros da
Petrobras (AEPET):

“A Petrobras tem utilizado cada vez mais contratos EPC (Engineering,


Procurement and Construction), deixando nas mãos de um mesmo consórcio o
projeto, a compra de equipamentos e serviços de montagem. É a volta dos contratos
‘chave-na-mão’ (turn-key) das décadas de 1960/70, assinados com empresas
estrangeiras, quando nossa competência tecnológica era ainda incipiente. Eram as
refinarias “vaga-lume”, que entravam e saíam. Estamos deixando de fazer os
projetos para contratá-los da forma mais atrasada e dependente possível. Além de
ser um retrocesso de mais de 40 anos, deixamos nas mãos dos EPCistas o direito de
dimensionar o projeto básico dentro dos seus interesses de gerar serviço e mão de
obra para si mesmos. Um exemplo é a terraplanagem do Comperj e da Rnest
responsáveis por mais de 50% do sobrepreço. Estamos dando a alguns consórcios
como OAS, Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e outros, o poder de
contratar outras empresas, comprar equipamentos de fabricantes não credenciados e
recebendo unidades com sérios problemas a serem resolvidos na fase de operação
pelos nossos técnicos. Ao contrário do alardeado, elas são mais caras, demandam
mais tempo de construção e apresentam custo operacional muito mais elevado. Sem
contar as perdas de produção por paradas” (AEPET, Carta à presidente da Petrobras,
18/02/2014).

No mesmo sentido é a denúncia dos empresários nacionais que fabricam


máquinas e equipamentos – e sua entidade, a Associação Brasileira da Indústria de
Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ) – para os quais esse modelo está
“prejudicando o setor nacional de máquinas e equipamentos, além de sucatear a
área de pesquisas da estatal e facilitar a corrupção”.

Aqui, o cercado de “empresas EPC” em torno da Petrobras impede que a maior


parte da indústria nacional possa assinar contratos diretamente com a nossa estatal – a
maior compradora de máquinas e equipamentos do país.

O “modelo EPC”, mostram os empresários, retirou “do País a capacidade de


desenvolver tecnologias para o segmento de óleo e gás, ao permitirem que um único
consórcio faça todo o trabalho necessário a um empreendimento. O formato também
deu espaço para a utilização de cada vez mais insumos estrangeiros nos projetos da
empresa”.

Nas palavras de José Velloso, presidente executivo da ABIMAQ: “Antes, a


Petrobras tinha uma vontade de desenvolver a engenharia básica de seus projetos e
muito da tecnologia desenvolvida no País era feita dentro da empresa. Quando esse
trabalho foi terceirizado, nenhum dos fornecedores brasileiros tinha a tecnologia
necessária, que era desenvolvida na própria estatal, e começou a entrar no Brasil
toda a engenharia internacional, com fornecedores externos”.

O empresário e dirigente da ABIMAQ “calcula que, do volume total de


equipamentos adquiridos hoje para os empreendimentos da petroleira, 85% sejam
importados, tanto de forma direta pela companhia como por meio dos EPCs. O
modelo de contrato, de acordo com Velloso, seria utilizado em cerca de 90% das
operações de compra de máquinas” (cf. DCI, 17/08/2015).

Vê-se como a propalada “política de conteúdo local” do governo Dilma tornou-


se (aliás, sempre foi) uma farsa, em que produtos montados com componentes
importados, e até produtos prontos, importados pelas “empresas EPC”, são contados
como “locais”.

Também por aqui se vê a ilusão – nem falemos nos que estão, simplesmente, de
má-fé – de pretender que a defesa da engenharia nacional seja a impunidade do Cartel
do Bilhão.

Na primeira vez que ouvimos falar nas “empresas EPC”, já têm alguns anos, o
termo era dito numa curiosa forma genitiva: “as empresas EPC do Duque”.

Devíamos ter prestado mais atenção no que isso significava. “Duque” era (e
ainda é) Renato Duque, então diretor de Serviços – ao qual estava subordinada a
gerência-executiva de Engenharia, ocupada por Pedro Barusco –, responsável pela
aplicação em larga escala desse “modelo” dentro da Petrobras, e hoje recolhido à
Penitenciária de Pinhais, no Paraná.

Embora soubéssemos que “modelos” privatistas desse gênero constituem aquela


excrescência que se convencionou chamar “neoliberalismo”, não nos ocorreu a razão
última pela qual era necessário que houvesse uma armadura de “empresas EPC” em
torno da Petrobras, inclusive impedindo que nossa maior companhia recorresse ao
conjunto das empresas nacionais.

Hoje, é possível responder a essa questão sem recorrer a nenhuma teoria: para
roubar.

Essa é a única racionalidade de colocar as obras da Petrobras – inclusive seus


projetos – na mão de meia dúzia de empresas, sob um regime que, como diz a
AEPET, as fazem “mais caras, demandam mais tempo de construção e apresentam
custo operacional muito mais elevado. Sem contar as perdas de produção por
paradas”.

Na segunda questão – primeira na ordem que colocamos no resumo abaixo –


que tratamos sobre o COMPERJ, o caso das “utilidades” (Unidades de Geração de
Vapor e Energia, Tratamento de Água e Efluentes), há outra novidade: a tentativa de
fazer algo como na Sete Brasil, construindo, com dinheiro da Petrobras, unidades que
não iriam pertencer à Petrobras, senão, talvez, depois de um longo tempo de
“aluguel”.

No caso, essa tentativa não prosperou – mas a sordidez do Cartel do Bilhão não
foi menor por causa disso. Simplesmente, inventou-se uma dispensa de licitação.

Não entraremos aqui na discussão sobre a melhor forma de uma empresa


pública realizar os seus contratos. Evidentemente, licitações não são fórmulas
mágicas, nem para a honestidade, nem para a eficiência de uma empresa pública.

Mas, nesse caso, a dispensa de licitação, além de ilegal, só tinha como motivo
eliminar possíveis concorrentes – além de facilitar a consequente distribuição de
propinas aos esquemas do PT, PMDB e PP.

Porém, leitores, melhor será ir direto ao texto, que condensamos, da denúncia.

C.L.
Nas obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), a
Construtora Norberto Odebrecht S.A. venceu certames relacionados a duas obras.

Na primeira, destinada à execução do EPC do Pipe Rack [base para


assentamento de tubulações], era membro do Consórcio Pipe Rack.

Na segunda, a construção das Unidades de Geração de Vapor e Energia,


Tratamento de Água e Efluentes, era participante do Consórcio TUC.

Somente esses dois contratos renderam propinas que somaram, no mínimo, R$


170.823.744,00 (170 milhões, 823 mil e 744 reais).

No caso do Consórcio TUC, as propinas montaram a, pelo menos, R$


114.735.000,00, distribuídas entre o esquema Duque-Vaccari-PT (R$ 76.490.000,00)
e Costa-Youssef-PP (R$ 38.245.000,00).

A operação foi conduzida por Marcelo Odebrecht, presidente da Organização


Odebrecht, holding do grupo de mesmo nome, Márcio Faria (presidente da Odebrecht
Óleo e Gás) e Rogério Araújo (diretor da Odebrecht Plantas Industriais e
Participações). No caso do esquema de Paulo Roberto Costa, além desses, participou
César Rocha (diretor financeiro da Organização Odebrecht).

O Consórcio TUC Construções foi constituído pela Construtora Norberto


Odebrecht S.A., UTC Engenharia e PPI (empresa subsidiária do grupo Toyo
Engeneering Corporation).

Não houve licitação na contratação desta obra, com fundamento no item 2.3,
alínea “k”, do Decreto no 2.745/1998 – que trata da inviabilidade de competição por
alteração de programação e iminência da contratação.

Os ajustes ilícitos para a contratação do Consórcio TUC pela Petrobras para a


execução dessa obra no COMPERJ, foram acertados antes, durante e depois do início
formal do procedimento de contratação direta, a partir da anuência, omissão e auxílio
por parte de Renato Duque e de Paulo Roberto Costa, então diretores de Serviços e de
Abastecimento da Petrobras.

Antes mesmo do pedido de instauração do procedimento de contratação direta,


Márcio Faria (Odebrecht), Ricardo Pessoa (UTC) e Júlio Camargo (Toyo), empresas
componentes do Consórcio TUC, reuniram-se com Paulo Roberto Costa e acertaram
o modelo de contratação.

Conforme declarado por Alberto Youssef, acordou-se, em reuniões das quais


participaram não apenas os representantes das empreiteiras e da Petrobras, dentre eles
Paulo Roberto Costa, mas também o próprio operador financeiro, que referidas
empresas construiriam as unidades de geração de vapor e energia, tratamento de água
e efluentes, as quais seriam inicialmente arrendadas para a Petrobras e somente mais
tarde adquiridas pela estatal.

[Do interrogatório de Alberto Youssef: “Olha, na verdade eu participei de


algumas reuniões com o senhor Júlio Camargo a respeito das Utilidades, por conta
de que, eu já lhe expliquei aqui, as Utilidades eram pra ser contratadas de um modo
diferente, e acabou havendo um problema e não foi possível ser contratada daquela
maneira. Então, eu participei de várias reuniões com o Júlio Camargo e o doutor
Paulo Roberto Costa pra tratar desse assunto.

Juiz Federal Sérgio Moro: Qual foi o problema que deu nessa contratação?

Youssef: Na verdade, num primeiro momento as Utilidades ia ser construída


pela Toyo, pela Odebrecht e pela UTC, mas ia ser alugada para a Petrobras por um
determinado tempo e aí depois a Petrobras, no final, ficaria com a unidade, e por
várias reuniões de diretoria executiva foi aprovado esse sistema e, eu não lembro se
foi na sexta ou sétima reunião de diretoria executiva, que houve uma discordância e
acabou não sendo possível ser feita a contratação dessa obra dessa maneira. E aí as
empresas já tinham investido um certo valor, partes em projeto, em uma série de
coisas, estava muito avançada, e pra reparar essa situação foi feita uma contratação
direta sem licitação.
Juiz Moro: E o senhor participou de todas essas conversas, negociações?

Youssef: Participei de todas as conversas e de todas as reuniões.

Juiz Moro: E quem estava presente como representante do consórcio TUC


nessas reuniões, ou eram os representantes das empreiteiras?

Youssef: Na verdade, o senhor Júlio Camargo foi mais ativo nessas reuniões, o
Márcio Faria, da Odebrecht, também, se eu não me engano uma vez o doutor
Ricardo participou.

Juiz Moro: Qual Ricardo?

Youssef: Ricardo Pessoa, mas acredito que tenha sido uma vez só.]

Optou-se por adotar o modelo de contratação direta sem licitação, considerando-


se que as empresas já haviam investido recursos no projeto.

A dispensa da licitação, portanto, embora tenha sido fundamentada na urgência


da contratação, em verdade ocorreu para que fossem as empresas reparadas pelos
investimentos anteriormente realizados no projeto negociado com Paulo Roberto
Costa, configurando clara hipótese de fraude à licitação.

O colaborador Júlio Camargo prestou declarações no mesmo sentido.

[Do Depoimento De Júlio Camargo: “... Jansen era o gerente do


empreendimento denominado COMPERJ – Complexo Petroquímico do Rio de
Janeiro, e o declarante teve diversas reuniões com ele, desde a parte da elaboração
do projeto básico, depois do projeto detalhado e como prosseguir com o projeto, pois
estava envolvido com o Consórcio TUC, onde inicialmente a proposta era a
construção da unidade de Utilidades (hidrogênio, água, oxigênio) e a venda de
serviços à Petrobras (vender tantos metros cúbicos de hidrogênio e água a tantos
reais); esta modalidade foi discutida durante quatro ou cinco anos, mas finalmente
não foi aprovada na reunião de diretoria plena; posteriormente, a Petrobras aceitou
usar o projeto e fazer uma negociação direta com o consórcio, cujo coordenador da
comissão de licitação foi Maurício Guedes, com o qual o declarou passou a manter
contato durante todas as negociações” (Termo de Colaboração no 6).]

Segundo Júlio Camargo, as reuniões para que o consórcio recebesse a obra em


questão ocorreram em momentos distintos com Paulo Roberto Costa e Renato Duque.

Nestas reuniões, restou acertado o pagamento de vantagens indevidas tanto para


Renato Duque (Diretoria de Serviços) quanto para Paulo Roberto Costa (Diretoria de
Abastecimento).

A Petrobras estimou o valor da obra em R$ 3.830.898.164,00, tendo o


Consórcio TUC apresentado proposta de R$ 4.038.613.175,17, em 22/11/2011.

Em apenas um mês, após negociações, o Consórcio TUC apresentou nova


proposta, no montante de R$ 3.824.500.000,00, muito próxima à estimativa da
estatal.

Neste cenário de não-concorrência, proporcionado tanto pela adoção do modelo


de contratação direta do Consórcio TUC pela Petrobras – não estando as condições
para tanto preenchidas – quanto pela corrupção de Renato Duque e Paulo Roberto
Costa (a qual proporcionou, inclusive, a adoção do mencionado modelo de
contratação), a Diretoria Executiva da Petrobras, tendo em vista solicitação para
contratação, assinada pelos Gerentes Executivos das Diretorias de Serviços e
Abastecimento, autorizou a contratação direta do Consórcio TUC.

A Petrobras, então, celebrou, com o Consórcio TUC, contrato no valor de R$


3.824.500.000,00, em 27/12/2011 – apenas 2 meses e 17 dias depois do
encaminhamento do pedido de autorização para dar início à contratação direta.

As provas dos delitos de corrupção neste caso são bastante fortes.

Foi apreendido, na sede da Odebrecht, e-mail de Rogério Araújo (diretor da


Odebrecht Plantas Industriais e Participações) acerca de licitação para o Ciclo de
Água e Utilidades do COMPERJ, em que o executivo informa que a Mitsui,
representada por Júlio Camargo, recebeu da Petrobras determinação para que se
associasse à CNO (Construtora Norberto Odebrecht) na execução da obra.
O mesmo seria feito, na semana seguinte, com a Ultratec, na pessoa de seu
presidente, Ricardo Pessoa.

Resta comprovada, portanto, a cooptação a fim de que fosse a Odebrecht


contratada para a realização da obra, havendo nítida fraude ao procedimento de
contratação.

Ademais, Alberto Youssef confirmou tanto a promessa, quanto o efetivo


pagamento das vantagens indevidas no âmbito da Diretoria de Abastecimento.

O pagamento das vantagens indevidas foi realizado tanto por entregas de


valores em espécie no seu escritório, por emissários da Odebrecht, quanto por
pagamentos em contas no exterior por ele indicadas.

Júlio Camargo declarou que efetivamente Paulo Roberto Costa e Renato Duque
haviam acordado com os representantes das empresas componentes do consórcio o
pagamento de vantagens indevidas.

De acordo com o anexo 2 do Relatório Final da Comissão Interna de Apuração


do COMPERJ, elaborado pela Petrobras, no momento em que foi solicitada
autorização para o início do procedimento de contratação direta, os gestores não
possuíam segurança necessária no cronograma do COMPERJ que justificasse a
urgência para referida contratação.

Ademais, diversas obras que poderiam afetar o cronograma da obra de


Utilidades não apresentavam, naquele momento, solução, pelo que não se apresenta
plausível a justificativa de urgência da contratação.

Em 23/12/2010, visando à implantação do Pipe Rack [assentamento para


instalação de tubulações] no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ)
– obra vinculada à Diretoria de Abastecimento da Petrobras, então comandada por
Paulo Roberto Costa – a Gerência Executiva de Engenharia, chefiada por Pedro
Barusco, subordinada à Diretoria de Serviços, chefiada por Renato Duque, solicitou à
Diretoria Executiva da Petrobras autorização para o procedimento licitatório.
Em 27/01/2011 o pedido foi autorizado e composta a comissão de licitação.

O valor da estimativa sigilosa da empresa petrolífera foi inicialmente calculado


em R$ 1.614.449.175,10.

O procedimento licitatório foi nitidamente direcionado em favor do cartel. Das


15 empresas convidadas para o certame, apenas uma, a Toyo do Brasil Consultoria e
Construções Industriais, não era cartelizada.

Mais especificadamente, foram convidadas as empresas: Andrade Gutierrez


S.A., Construções Camargo Corrêa Ltda., Construtora Norberto Odebrecht S.A.,
Construtora OAS Ltda., Construtora Queiroz Galvão S.A., Engevix Engenharia S.A.,
Galvão Engenharia S.A., Iesa Óleo e Gás S.A., Mendes Júnior Trading e Engenharia
S.A., Promon Engenharia Ltda., Skanska Brasil Ltda., SOG – Sistema em Óleo e Gás
S.A., Techint Engenharia e Construção SA., Toyo do Brasil Consultoria e
Construções Industriais S.A. e UTC Engenharia Ltda.

Quatro empresas não preenchiam os critérios de seleção estabelecidos pela


Petrobras: Andrade Gutierrez, Engevix, Promon e Toyo.

Em 12/05/2011, apenas cinco propostas foram apresentadas. A menor delas,


pelo Consórcio Pipe Rack – formado pela Construtora Norberto Odebrecht S.A.,
UTC e Mendes Júnior – foi no montante de R$ 1.969.317.341,00, 21,98% acima da
estimativa da Petrobras.

Tendo em vista que a proposta mais baixa já se encontrava acima do limite


máximo estabelecido pela Petrobras, as propostas apresentadas pelas outras quatro
concorrentes também ultrapassaram o referido valor, frustrando totalmente o caráter
competitivo do certame.

Houve, portanto, desclassificação das propostas, tendo a Comissão de Licitação


recomendado o encerramento do procedimento licitatório, em 10/06/2011. A
[Gerência Executiva de] Engenharia foi, então, autorizada pela Diretoria Executiva a
negociar a contratação direta do Consórcio Pipe Rack, fundamentando-se no item 2.1,
alínea “e”, do Decreto n° 2745/98.

[Nota do HP: O leitor pode estranhar, com razão, tal procedimento. Como é a
terceira vez, nesta série, que aparece citado o Decreto no 2745/98 e a segunda vez que
aparece o item 2.1 e sua alínea “e”, reproduzimos aqui o seu texto: “2.1 A licitação
poderá ser dispensada nas seguintes hipóteses: … e) quando as propostas de
licitação anterior tiverem consignado preços manifestamente superiores aos
praticados no mercado, ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos estatais
incumbidos do controle oficial de preços”. Este decreto, específico para as licitações
da Petrobras, foi assinado por Fernando Henrique e o então ministro das Minas e
Energia, Raimundo Brito.]

Nesta etapa, em 22/07/2011, houve revisão da estimativa da Petrobras, a qual


passou a ser de R$ 1.655.878.443,59.

Após as tratativas de praxe foi celebrado, em 02/09/2011, o contrato entre a


Petrobras e o referido consórcio, no valor de R$ 1.869.624.800,00, 12,91% acima da
nova estimativa da Petrobras [Nota HP: e 16% acima da estimativa inicial].

Entre 23/12/2010 [data em que foi solicitada à Diretoria Executiva da


Petrobras autorização para dar início ao procedimento licitatório] e 02/09/2011
[data de assinatura do contrato], Rogério Araújo, diretor da Odebrecht Plantas
Industriais e Participações e Márcio Faria, presidente da Odebrecht Óleo e Gás, sob
orientação de Marcelo Odebrecht, presidente da Organização Odebrecht, ofereceram
o pagamento de vantagens econômicas indevidas a Renato Duque, então Diretor de
Serviços da Petrobras.

A oferta de vantagens montava a, pelo menos, R$ 37.392.496,00, ou seja, 2% do


valor do contrato original, para que favorecesse o Consórcio Pipe Rack (Odebrecht,
UTC e Mendes Júnior), contratado pela Petrobras para execução das obras de EPC do
Pipe Rack do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ).
Em função do mesmo contrato, também ofereceram vantagens econômicas
indevidas ao então Diretor de Abastecimento de referida estatal, Paulo Roberto Costa,
diretamente e por meio de Alberto Youssef, correspondentes a, aproximadamente, R$
18.696.248,00, ou seja, 1% do valor do contrato original.

Portanto, ao todo, R$ 56.088.744,00, pelo menos.

Corrobora a conclusão de que houve atuação do “Clube” na licitação do Pipe


Rack do COMPERJ, declarações de Alberto Youssef, segundo o qual Márcio Faria
solicitou que o operador conversasse com representante da Galvão Engenharia, a fim
de garantir que prevalecesse o combinado no âmbito do cartel para a licitação do EPC
do Pipe Rack do COMPERJ.

[Do Interrogatório de Alberto Youssef: “Bom, a Galvão, ela, não sei por qual
motivo, andou se desentendendo com as outras empresas e começou a furar,
mergulhando nos preços, inclusive dando preço abaixo pra que pudesse ganhar a
licitação. E aí eu fui procurado pelo Márcio Faria, da Odebrecht, pra que
intercedesse perante a Galvão, no caso o Erton, porque haveria uma licitação que
era no COMPERJ, do Pipe Rack, aonde eu interferi com o Erton, e o Erton acabou
apresentando a proposta mais alta ou não apresentando e o consórcio vencedor foi o
consórcio Odebrecht, Mendes Júnior e UTC”.]

Especificamente em relação ao contrato celebrado entre o Consórcio Pipe Rack


e a Petrobras, Alberto Youssef reconheceu o acerto e o pagamento de propina ao
titular da Diretoria de Abastecimento.

[Do Interrogatório de Alberto Youssef:

“Juiz Federal Sérgio Moro: (…) O senhor até mencionou esse contrato
anteriormente, salvo engano, Pipe Rack, houve aqui pagamento de propina?

Youssef: Houve.

Juiz Moro: O senhor participou da negociação?

Youssef: Participei.
Juiz Moro: Com quem foi negociado esse caso?

Youssef: O Márcio Faria negociou diretamente com o doutor Paulo Roberto


Costa. Era pra ser pago 18 milhões e pouco, ele pediu que fosse reduzido e foi pago
15 milhões.

(…)

Juiz Moro: No processo aqui da ação penal da Mendes Júnior, há uma


referência a obras da Mendes Júnior na refinaria de Paulínia, a REPLAN, na
Refinaria Getúlio Vargas, no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, COMPERJ,
e na Refinaria Gabriel Passos, REGAP. O senhor saberia me dizer se nesses casos.

Youssef: Sim. A resposta é sim.

Juiz Moro: Se nesses casos houve comissionamento, pagamento de propina


sobre os contratos?

Youssef: Sim.

(…)

Juiz Moro: No COMPERJ, Mendes Júnior, Odebrecht e UTC.

Yousseff: Ah, com certeza, sim.]

Mencione-se, ainda, declaração de Pedro Barusco no sentido de que um dos


empreendimentos da área de abastecimento que gerou o pagamento de vantagens
indevidas no âmbito da Diretoria de Serviços foi o Complexo Petroquímico do Rio de
Janeiro (COMPERJ).

[Do depoimento de Pedro Barusco: “...indagado pelo Delegado de Polícia


Federal sobre quais foram os principais contratos no âmbito da Diretoria de
Abastecimento que geraram os valores pagos a título de propina, afirma que foram
os contratos de grandes pacotes de obras da Refinaria Abreu e Lima – RNEST e do
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ” (Termo de Colaboração no
03)].
Ainda, comprova o aceite e recebimento das vantagens indevidas por Renato
Duque, declarações de Augusto Mendonça, segundo o qual as empresas do “Clube”,
por meio de Ricardo Pessoa (presidente da UTC), combinaram com o ex-Diretor de
Serviços o pagamento de vantagens indevidas a fim de que fossem efetivas as
divisões de obras dentro do cartel.

[Do depoimento de Augusto Mendonça: “... nas obras do Complexo


Petroquímico do Rio De Janeiro – COMPERJ também houve ação do cartel, pois as
mesmas empresas foram convidadas para os grandes pacotes, sendo que na primeira
tentativa de licitação apresentaram preços excessivos e depois houve uma segunda
licitação, isto é, a mesma ‘tática’ utilizada na RNEST” (Termo de Colaboração no
05)]

O próprio Paulo Roberto Costa, quando de seu interrogatório, reconheceu,


igualmente, a promessa e o pagamento de propina por parte da Odebrecht em
decorrência de referido contrato.

Efetivamente, o valor inicialmente oferecido ao ex-Diretor de Abastecimento


(R$ 18.696.248,00), foi mais tarde reduzido para R$ 15.000.000,00, a pedido do
denunciado Márcio Faria.
8. Sobrepreço na terraplenagem: o TCU na Refinaria Abreu e Lima

Um dia desses, um de nossos redatores lembrou do início do governo Dilma,


quando a senhora presidente era promovida como “faxineira”, demitindo ministros e
outras autoridades supostamente corruptas, sob os aplausos gerais da mídia mais
reacionária, inclusive, da mais fascista.

Com exceção do Sr. Antonio Palocci, que adquiriu um apartamento por R$ 6,6
milhões (e um escritório por R$ 821 mil) devido a sua extraordinária competência
como consultor universal – aumentou em 125 vezes o faturamento de sua empresa de
consultoria entre 2006 e 2010 (cf. HP 25/05/2011) – não lembramos de ninguém
demitido por algum indício real.

A maioria, como comprovado no caso Cachoeira-Demóstenes, tinha contra si os


interesses mais escusos, abanados pela mídia mais escusa e a histeria de Dilma em se
submeter ao que há de mais escuso.

Enquanto isso, o Cartel do Bilhão – e sua corte de “operadores” do PT, PMDB e


PP – esculhambava (é o termo) com as obras públicas e extorquia a Petrobras e outras
empresas, autarquias ou repartições públicas – ao modo do Octopus: para todo lado
em que há (ou houve) obras públicas, lá estavam a Odebrecht, Camargo Correa,
Andrade Gutierrez etc.

Recentemente, por mera curiosidade, demos uma olhada na inspeção do


Tribunal de Contas da União (TCU), encerrada em maio, nas obras do Perímetro de
Irrigação do Tabuleiro de Russas, no Ceará, empreendimento do Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), construído por um consórcio formado
pela Andrade Gutierrez e OAS.

Essas obras foram contratadas em 2002 – ou seja, ainda antes do governo Lula –
pelo valor de R$84.737.023,48 (84 milhões, 737 mil, 23 reais e 48 centavos). Com
aditivos de R$ 19.755.301,87 (19 milhões, 755 mil, 301 reais e 87 centavos), esse
valor foi elevado para R$ 104.492.325,35 (104 milhões, 492 mil, 325 reais e 35
centavos), um aumento de +23% no preço.

Já que a maioria dos leitores – igual a nós – não é especialista em engenharia,


preferimos transcrever, aqui, trechos da sentença do ministro Benjamin Zymler, ao
invés do relatório da auditoria:

“Com relação à execução de serviços em desacordo com o projeto executivo, a


equipe de auditoria confrontou a previsão dos principais elementos construtivos do
empreendimento no projeto executivo com o as built [as medições do que foi
efetivamente construído], identificando diversas modificações não justificadas.

O que há de ilegal, diz o TCU, é que “tais mudanças não podem trazer reflexo
nos quantitativos, nas especificações técnicas ou no dimensionamento dos serviços
contratados, o que exigiria necessariamente a prévia celebração de aditamento
contratual” (cf. AC-2053-33/15-P, 19/8/2015).

No entanto, não existe o aditamento com essas mudanças, apesar de existirem


quatro aditivos. Simplesmente, passou-se por cima do projeto executivo.

O detalhe final é que essa obra nunca funcionou. Segundo o DNOCS, por falta
de água. O TCU estranha o planejamento de uma obra de irrigação que nunca
funcionou por falta d’água. Porém, apesar do relatório e da decisão do TCU, ninguém
foi responsabilizado.

Voltemos à Petrobras.

O mais estranho na auditoria das obras de terraplenagem da Refinaria Abreu e


Lima, a cargo do Consórcio Refinaria Abreu e Lima (Odebrecht, Queiroz Galvão,
Camargo Corrêa e Galvão Engenharia) é como as irregularidades foram identificadas
tão precocemente – já em 2008 e 2009 – mas permaneceram por tanto tempo impunes
e em processo de franco inchaço. É como se houvesse um poder acima do TCU, que
sempre determinasse a continuação do roubo.

Trata-se de uma obra estimada em mais de meio bilhão de reais.


O relatório do ministro Valmir Campelo, aprovado pelo TCU em 2013, faz um
resumo das várias auditorias.

Para melhor entendimento, destacamos que, do ponto de vista da contabilidade


pública, “sobrepreço” e “superfaturamento” não são a mesma coisa.

Sobrepreço é definido como a estimativa de preços acima dos preços de


mercado para compor uma planilha orçamentária.

Já o superfaturamento é o pagamento de valores acima daquele que é devido,


como consequência da aceitação de quantidades acima das realmente empregadas –
ou como consequência do sobrepreço.

No resumo abaixo, omitimos, por razões de espaço, a maior parte da cerebrina


argumentação do cartel, apresentada por diretores da Petrobras – hoje recolhidos à
detenção – em favor dos sobrepreços e do superfaturamento.

Essa argumentação se resume a apresentar como um “por fora” (e haja “por


fora”!) os custos de administração (central e local) e até mesmo o pouco tempo que
os trabalhadores não se dedicam aos afazeres da obra durante o horário de trabalho.
Esta última invenção, denominada “impeditividade”, provocaria uma queda na
produtividade que aumentaria o preço da obra. Como diz o ministro em seu relatório,
isso somente seria verdade se os equipamentos estivessem ligados na hora do
cafezinho.

Abaixo, o resumo do relatório sobre Abreu e Lima, do ministro Valmir


Campelo.

C.L.

1. O valor inicial do contrato foi inicialmente previsto em R$ 429.207.776,71,

a preços iniciais, data-base de 22 de junho de 2007.


2. O contrato foi concluído com o valor total pago pela Petrobras de R$

534.171.862,30, a preços iniciais de junho de 2007, já descontadas as notas


de crédito lançadas a favor da Petrobras após a redução de alguns preços
mediante negociação com o consórcio construtor e em decorrência da ação
fiscalizadora do Tribunal no curso do presente processo.

3. Por ocasião da execução do Fiscobras 2008, a unidade técnica especializada

em fiscalização de obras apontou indícios de irregularidades com o seguinte


teor, em resumo:

a) ausência de cadastramento de contrato no SIASG (Sistema Integrado de


Administração de Serviços Gerais);

b) início de investimento com duração superior a um ano sem constar do


Plano Plurianual 2003-2007;

c) deficiência do projeto básico;

d) contratação sem licitação para elaboração do projeto básico;

e) obra licitada sem licença ambiental;

f) ausência, no edital, de critérios de aceitabilidade de preços unitário e


global;

g) adiantamento de pagamentos;

h) ausência de celebração de termo aditivo ao contrato, apesar da ocorrência


de alteração das condições inicialmente pactuadas;

i) orçamento incompleto, sem a composição dos preços unitários para cada


serviço previsto;

j) sobrepreço de R$ 81.558.706,86, correspondente a 19% dos preços


contratados (R$ 429.207.776,71).
4. Nos primeiros meses de 2009, a unidade técnica empreendeu nova
inspeção na obra a fim de verificar o efetivo cumprimento da medida
cautelar e de atualizar o valor do superfaturamento estimado.

5. Fatos novos foram apurados: o item “Execução de drenagem vertical


subterrânea através de drenos fibro-químicos de seção 100 mm x 5 mm,
incluindo fornecimento, corte, colocação/cravação, com comprimento
máximo de 6 m por unidade” fora executado com aumento de 1.278% em
relação ao quantitativo originalmente previsto e que seu preço estaria
sobreavaliado em 48%, resultando em superfaturamento de R$
6.397.158,16.

6. Além disso, encontrava-se em negociação proposta de termo aditivo para


pagamento de distâncias adicionais de transporte, que, conforme verificado,
acrescentariam mais R$ 63,5 milhões ao contrato, sem a devida motivação
de tal ato.

7. Nas fases seguintes do processo, após a análise das respostas às audiências


e às oitivas, a unidade técnica apresentou, entre outras medidas, proposta de
conversão em tomada de contas especial, para cobrança de superfaturamento
até então calculado em R$ 96.593.928,76, referente a medições efetuadas até
abril de 2009. Nesse montante não estava considerado nenhum eventual
prejuízo decorrente das distâncias adicionais de transporte, visto que até
então não havia sido celebrado o aditivo correspondente.

8. Merece registro o fato de que também ocorreram fatos novos, tais como a
celebração do 14o termo aditivo, com revisão de preços a impactar o cálculo
do efetivo montante a ser ressarcido aos cofres da Petrobras.

9. Em análise posterior, de outubro de 2010, foram acatadas algumas


considerações levantadas pelas empresas. Esses ajustes, adicionados a outras
correções de composição de outros itens de serviços, impactaram os preços
considerados para o cálculo do superfaturamento, reduzindo-o para R$
71.648.830,73.

10. Ao fim, sobrevindo o último termo aditivo ao contrato, mais uma análise
foi empreendida (maio de 2012). Analisando o impacto desse último aditivo
e os pagamentos ocorridos até o final do contrato, houve uma redução no
valor do superfaturamento em relação à instrução anterior, passando a ser de
R$ 69.597.561,76.

11. Ao comparar os preços propostos na ata de negociação dos itens relativos


aos acréscimos de DMTs (distâncias médias de transporte), encontrou-se um
sobrepreço de quase R$ 38 milhões.

12. Com efeito, o termo aditivo que formalizou os acréscimos só foi lavrado
em março de 2010, não obstante terem sido realizados e medidos os serviços,
antes dessa formalização.

13. Também cito a situação dos drenos de areia, cuja exorbitância do preço
originalmente contratado foi ressaltado em meu voto condutor da primeira
medida cautelar, com diferença maior na ordem de 459,86%, teve seus
quantitativos aumentados enormemente, comparativamente ao que foi
executado e o previsto no orçamento. Estavam previstos inicialmente a
realização de 27.000 m3, mas já haviam sido realizados 299.758 m3 desse
serviço.

14. Ora, com a repactuação do 14 a TA [Termo Aditivo], o preço para esse


serviço despencou de R$ 176,51 para R$ 49,09 [-72,19%].

15. Pelos quantitativos constantes nas medições da Petrobras, o


realinhamento do contrato acarretaria uma glosa de R$ 49.809.727,23.

16. A análise da documentação permitiu concluir a efetivação dos créditos


resultantes da repactuação de preços em favor da Companhia, no valor de R$
49.809.727,23 (preços sem correção).
17. Dessa forma, do valor do superfaturamento que ao final vier a ser fixado
por este Tribunal, caso acolha a proposta que estarei submetendo ao
colegiado, no importe de R$ 69.597.561,76 (a preços da data base do
contrato – junho/2007), deve ser abatido o valor do crédito apropriado pela
Petrobras.

18. Aproveito esse ponto para afastar a argumentação trazida pelo Consórcio
Abreu e Lima, no sentido de que o superfaturamento remanescente a ser
considerado seria o resultado dessa diferença, no importe de R$
19.787.834,53, valor que, se comparado ao montante executado no contrato,
representaria percentual sem significância suficiente para se concluir pela
ocorrência de superfaturamento.

19. A argumentação demonstra-se falaciosa, porque a redução dos preços


decorreu, como já assinalei, da ação de controle deflagrada pelo TCU e
consubstanciada nestes autos. Assim, para se fazer a adequada comparação
percentual entre o montante do superfaturamento concluído pela unidade
especializada (R$ 69.597.561,76) há que compará-lo, sem descontar as notas
de crédito, com o valor executado no contrato, no importe de R$
582.804.818,85. Tem-se, assim um superfaturamento da ordem de
aproximadamente 12% – obtido, lembro, com critérios deveras
conservadores. Ou seja, é um percentual nada desprezível, incabível de ser
atribuído a variações aceitáveis pela jurisprudência do TCU.

20. A estratégia das argumentações apresentadas tanto pela Petrobras como


pelo Consórcio consistiu, inicialmente, em descaracterizar a validade desses
paradigmas [de preço] para o cálculo do superfaturamento. A medida em que
seus argumentos iam sendo meticulosamente refutados pela criteriosa e
abalizada análise da unidade técnica especializada, novas argumentações
eram apresentadas mediante apresentação de outros elementos adicionais de
defesa, modificando-se a linha argumentativa ou contrapondo as análises
preteritamente empreendidas. Algumas teses esposadas pelas partes,
contudo, foram acolhidas, ensejando redução do superfaturamento
inicialmente apontado, uma vez que se acatou – em uma abordagem bastante
conservadora, em benefício dos defendentes – várias particularidades que
estariam a reduzir os fatores de produtividade, procedendo-se os devidos
ajustes.

21. O referido sobrepreço decorre, essencialmente, da prática de preços


muito superiores aos referenciais do SICRO [Sistema de Custos Referenciais
de Obras], para itens relacionados basicamente a serviço de terraplenagem.

22. Os argumentos trazidos pela Estatal e pelo consórcio consistem em tentar


descaracterizar a validade dos referenciais do SICRO para a obra em análise.
Todavia, a Secob (Secretaria de Fiscalização de Obras e Patrimônio da
União), em sua análise, logrou demonstrar que as particularidades do
empreendimento foram consideradas para a realização das adaptações
necessárias, de modo a possibilitar a comparação dos preços contratuais com
os preços de mercado, levando-se em conta as reais condições em que se
desenvolve o empreendimento.

23. A Petrobras e o consórcio não apresentaram as composições de custos


unitários dos serviços. Os manifestantes parecem relutantes em apresentar
estas informações, conforme oportunamente relatado pela equipe de
auditoria. Há apenas o Demonstrativo de Formação de Preços (DFP), que
seria o valor total de equipamentos, mão de obra e materiais do contrato
como um todo, para Estimativa Petrobras e para a proposta do consórcio
contratado.

24. A Petrobras, mesmo solicitada, não forneceu a composição de preços


unitários de cada serviço do seu ‘Orçamento Estimativa Petrobras –
Terraplenagem RENEST’ e do orçamento proposto pelo consórcio vencedor
da licitação.
25. Não identifiquei a presença de elementos que motivassem a alteração dos
custos horários dos equipamentos na construção da refinaria, se comparada a
uma obra rodoviária; os gastos de diesel, mão de obra, combustível e
propriedade não variam de um caso para outro. Também não percebo
motivos para grandes alterações nas produtividades dos serviços.

26. Quanto à adoção da cautelar “inaudita altera parte” [proibição de


pagamento “sem consultar a outra parte”], além da cobertura legal e
regimental da medida, avalio que o impressionante incremento na
expectativa de superfaturamento do contrato após a primeira fiscalização do
Tribunal, alcançando atuais R$ 94 milhões, impõe especial precaução nessa
etapa processual. Ademais, como relatei anteriormente, a omissão na
apresentação dos memoriais de cálculo, aliada aos indícios de sobrepreço nos
serviços de transporte – não justificados no memorial – conduz à necessidade
de tomada dessas providências imediatas.

27. Por último, com relação às ditas reduções de velocidade [dos caminhões
dentro da obra], não vejo que tal argumento tenha força para alterar o
conteúdo da proposta sugerida pela Secob e pelo Ministério Público. Eis
alguns motivos:

a) a velocidade dos caminhões no canteiro de obras em nada altera a


produtividade na execução dos ‘drenos fibro-químicos’;

b) o aumento de distâncias [percorrida pelos caminhões] continua imotivado


em seus quantitativos;

c) os preços estavam sobre-elevados já na licitação;

d) a redução de velocidade nos caminhões em nada interfere no preço de boa


parte dos serviços com sobrepreço elencados, como compactações,
revestimento vegetal, drenos, bueiros e sarjetas;
e) a simples ilação sobre a redução de velocidade nos canteiros,
desacompanhada de memorial que fundamente os preços unitários propostos
em razão da nova velocidade média supostamente atingida, não representa
motivo hábil, legalmente, para aceitação do preço proposto.
9. Odebrecht condenada por trabalho escravo em Angola

Entre 2003 e abril de 2015, o BNDES desembolsou para as atividades da


Odebrecht no exterior um total de US$ 7.911.282.291 (sete bilhões, 911 milhões, 282
mil e 291 dólares), nada menos que 62,38% do que foi desembolsado para financiar
serviços de engenharia de empresas brasileiras no exterior.

Há muito a dizer sobre as atividades da Odebrecht no exterior. Mas, hoje, nos


limitaremos a um caso, que acaba de causar a condenação de três empresas do grupo
por trabalho escravo de brasileiros em Angola e tráfico internacional de seres
humanos.

O assunto é mais pertinente, considerando que a condenação das empresas


Construtora Norberto Odebrecht, Odebrecht Serviços de Exportação e Odebrecht
Agroindustrial ao pagamento de R$ 50 milhões aos trabalhadores atingidos,
aconteceu quase ao mesmo tempo em que deputados do PT teciam loas ao sr.
Marcelo Odebrecht.

Que destino o do deputado Luís Sérgio (PT-RJ), de trabalhador no Verolme a


puxa-saco de um péssimo patrão, arrombador da Petrobras, e, ainda por cima,
escravocrata!

A sentença que condenou a Odebrecht, do juiz Carlos Alberto Frigieri, da 2 a


Vara do Trabalho de Araraquara, é modelar em todos os sentidos.

As empresas da Odebrecht, segundo a denúncia do Ministério Público,


“arregimentaram de forma irregular (aliciamento, marchandage e tráfico
internacional de seres humanos) e mantiveram trabalhadores prestando serviços em
Angola, na Biocom – Companhia de Bioenergia de Angola Lda., em condições
degradantes e indignas, desrespeitando direitos trabalhistas e cerceando a liberdade
de ir e vir dos obreiros mediante violência (redução à condição análoga à de escravo),
além de se beneficiar de forma irregular de financiamento do BNDES para aplicar
nas obras de Angola em que os direitos trabalhistas e sociais dos trabalhadores eram
violados”.

A Biocom (Companhia de Bioenergia de Angola) é uma sociedade da Odebrecht


Angola com a Sonangol Holdings Ltda. – empresa do grupo estatal petrolífero
Sonangol – e com uma empresa privada, a Cochan S.A., de um bilionário e general
angolano, Dino Fragoso do Nascimento.

As empresas do Grupo Odebrecht contrataram outras empresas (Planusi e W.


Líder) como intermediárias de mão de obra, além de subempreitar outra empresa, a
Pirâmide.

“De acordo com o que informou o Sr. Paulo José da Silva um dos sócios da W.
Líder”, relata o juiz Frigieri, “esta foi instituída para executar serviços na Biocom de
Angola e, embora figurasse como empregadora formal/aparente, não tinha poder de
mando sobre seus contratados, que estavam subordinados por força contratual aos 3
ou 4 empregados da Planusi, tendo, assim, a única função de contratar e fornecer mão
de obra para montagem do sistema de tratamento de caldo e fabricação de açúcar da
Biocom, com previsão contratual expressa de que a W. Líder, fornecendo mão de
obra, aceitaria a condição de que a Planusi seria responsável pela coordenação e
orientação na execução dos serviços, bem como responsável pela representação da
Biocom, podendo a Biocom, por intermédio da Planusi, exigir a contratação de mais
empregados se houvesse atraso na conclusão dos serviços”, registra a sentença.

Isso caracteriza o crime de “marchandage”, reconhecido no Brasil desde 1948,


quando o país assinou a Declaração de Filadélfia (anexo da Constituição da OIT).
Trata-se da proibição de que o trabalho, independente de seu objetivo, seja
considerado mercadoria.

Como define o juiz Carlos Alberto Frigieri: entende-se “por ‘marchandage’ a


ação do ‘merchandeur’ (intermediário de mão de obra) que obtém lucro oferecendo o
único elemento de que ‘dispõe’: a mão de obra alheia, transformando o trabalhador
em mercadoria. Seu ‘lucro’ constitui a diferença retirada do que lhe paga o tomador
dos serviços ao que paga ao trabalhador explorado”.

O que foi revelado é que a Odebrecht ofereceu mão de obra a Biocom através
das empresas que contratou.

Os trabalhadores foram recrutados em Américo Brasiliense (SP), mas


provinham de várias partes do Brasil.

Alguns trechos da sentença do juiz Frigieri:

“Parece-me certo que, embora prestem serviços em localidades diversas das


suas (trabalham onde há obra em que seus serviços sejam necessários em cidades e
até Estados diversos dos seus), poucos trabalhadores se arriscariam a deixar a
segurança de seu país, onde estão sua família e seus amigos, para trabalharem num
país desconhecido, distante e que tenha saído recentemente de uma guerra civil, a não
ser que houvesse a promessa de ganhos vantajosos, além de segurança em múltiplos
aspectos.

“Conclui-se, portanto, que os trabalhadores brasileiros que prestaram serviços


em favor do grupo [Odebrecht], que tem a Biocom/Angola como uma de suas
integrantes, foram atraídos pelas condições, explícitas ou implícitas, oferecidas pelos
empregadores, entre elas as de que providenciariam os documentos necessários para
que os trabalhadores se ativassem de forma legal e regular no país estrangeiro,
observando rigorosamente sua legislação, proporcionando segurança física e
psicológica e um mínimo de conforto, transporte adequado e gratuito, direito de ir e
vir pelo porte de documentação idônea, local de trabalho em que fossem observados
com rigor os parâmetros da legislação mais benéfica quanto à medicina e segurança
do trabalho, local adequado para pernoite, banheiros limpos para higiene pessoal e
necessidades fisiológicas, além de refeitório asseado e alimentação compatível com
os hábitos brasileiros, tudo objetivando a cumprir as promessas fundamentais da
Constituição quanto à ‘dignidade da pessoa humana’ e dos ‘.valores sociais do
trabalho.’ (art. 1o, incisos III e IV da Constituição).”
Foram esperanças vãs e frustradas, como demonstraram as provas apresentadas
pelo Ministério Público:

“As imagens gravadas e especialmente os vídeos (vídeo banheiro 1 do CD de


documentos), demonstram que (…) as condições de trabalho eram degradantes, com
banheiros sujos e alagados, vasos sanitários sujos e alguns entupidos, falta de papel
higiênico em todos os boxes de vaso sanitário e alguns com a caixa de água de
descarga danificada, não parecendo verdadeira a afirmação das testemunhas trazidas
pela ré [Odebrecht] de que na época em que as imagens foram captadas havia 3
equipes de limpeza trabalhando por 24h.

“A condição dos banheiros obrigou alguns trabalhadores, que não queriam


correr o risco de contaminação por bactérias, a utilizarem o matagal próximo ao
alojamento, como demonstra o vídeo ‘fezes no mato’ do CD de documentos.

“Também não parece harmônico com o contexto das provas a alegação


defensiva de que alguns trabalhadores teriam promovido maliciosamente a desordem,
já que todos os vasos captados nas imagens estão sujos, sendo possível visualizar
crostas de sujeira que só se acumulam quando permanecem sem higiene por um
longo período.

“Pelo vídeo ‘rato no restaurante’ do CD de documentos, que contradiz o


depoimento da primeira testemunha trazida pela ré [Odebrecht], percebe-se
nitidamente que os refeitórios não tinham condições mínimas de higiene, havendo
moscas e ratos”.

No entanto, a alegação da Odebrecht foi que “a Biocom estava instalada no


meio da floresta/selva angolana”. Portanto, presume-se, seriam normais essas
condições.

Ao que o juiz rebate que “se insere no risco econômico da atividade e no risco
da atividade econômica da empresa tomar medidas eficientes para que o ambiente de
repouso, preparação e consumo das refeições seja asseado e descontaminado,
inclusive como medida preventiva de doenças”.

Um capítulo especialmente interessante do processo foi a defesa da Odebrecht.


Por exemplo:

“As fotos juntadas pela defesa, todas tiradas no mesmo dia, 16 de junho de 2014
(período da Copa do Mundo de Futebol no Brasil), além de não refletirem as reais
condições do início dos trabalhos, como já se disse, retratam, aparentemente,
trabalhadores do setor administrativo, que talvez não se alimentassem no mesmo
horário ou até no mesmo local dos trabalhadores da obra, que normalmente usam
uniforme tipo macacão que, na maioria das vezes está sujo, podendo ser visualizado
nas fotos que os obreiros usavam roupas sociais limpas. Cogitei tratar-se, o momento
captado pelas fotos, o do horário de jantar, mas percebi a angulação solar e me
convenci de que se tratava da metade do dia, parecendo-me, ainda, que o ambiente foi
montado para que a fotos fossem feitas.

“De qualquer forma, as referidas fotos, contrariando o depoimento da primeira


testemunha ouvida, demonstram a reduzida dimensão do refeitório, insuficiente para
receber mais de 300 trabalhadores para três refeições diárias (café da manhã, almoço
e jantar), ressaltando-se que a grande maioria cumpria os mesmos horários de entrada
e de saída, como evidenciam os controles de ponto.

“O vídeo ‘mudança água’, também do CD de documentos, demonstra que havia


uma situação persistente quanto às más condições da água potável, tornando evidente
que houve uma revolta dos trabalhadores durante uma reunião com o superior
hierárquico, que, como preposto das empregadoras e das tomadoras de serviço,
prometeu melhorias, inclusive com o fornecimento de copos descartáveis,
percebendo-se, ainda, que em tal concentração de trabalhadores foi relatada a
preocupação com a atitude da médica do local que, aparentemente, estaria deixando
de comunicar à chefia o número elevado de pessoas que estavam adoecendo,
provavelmente vítimas das precárias condições de higiene dos alojamentos (vide fls.
324/456 do arquivo “inquérito civil 680.2013” que indica o aumento significativo de
febre fifoide de trabalhadores que retornaram de Angola para Américo Brasiliense,
segundo documentos oficiais, com cópia de exames feitos junto ao Instituto Adolfo
Lutz).

“... ao conduzir trabalhadores para laborar em outro país, todas as empresas


envolvidas na atividade (proprietárias, tomadoras de serviço, empregadoras diretas
etc.) assumiram o ônus (risco da atividade econômica) de proporcionarem um
ambiente de trabalho condizente e com um mínimo de conforto, de modo a preservar
a dignidade dos trabalhadores.

“... é evidente que a conduta (omissão/negligência) das reclamadas ao não


oferecerem condições adequadas de alojamento (higiene e saúde) no local de trabalho
para cidadãos brasileiros que conduziu para Angola e em relação aos quais tinha
ampla responsabilidade de guarda e de segurança, importou não apenas em
descumprimento das normas mínimas de higiene, saúde e segurança do trabalho,
causando, também, humilhação e sofrimento íntimo, especialmente porque tais
obreiros se encontravam longe de suas casas, provocando uma sensação de abandono,
implicando em violação aos direitos fundamentais de um grupo de trabalhadores,
atingindo princípios basilares do Estado Democrático de Direito preceituados na
Constituição da República, dentre eles, os da dignidade da pessoa humana e dos
valores sociais do trabalho (art. I, III e IV, da CF).

“Houve, portanto, trabalho, prestado sem as garantias mínimas de saúde e


higiene, respeito e alimentação, evidenciando-se o trabalho degradante, inserido no
conceito de trabalho na condição análoga à de escravo.”

O mais cruel é que os trabalhadores não podiam voltar para o Brasil, pois seus
passaportes foram confiscados ao chegar a Angola.

Mais alguns trechos da sentença:


“... demonstrou-se que os trabalhadores tinham seus passaportes recolhidos
quando chegavam em Angola, fato confirmado pelo proprietário da W. Líder e da
Pirâmide.

“Na sequência, esses passaportes eram repassados a um representante da


Biocom, relatando os depoentes que alguns obreiros passaram por situação tensa,
quanto aos passaportes, necessitando, inclusive, de salvo-conduto para deixar o país,
bem como a não disponibilidade de condução aos trabalhadores da W. Líder.

“O proprietário da CML – Caldeiraria, Mecânica e Locação Ltda., Sr. Enoque


Pedro de Alcântara declarou que a polícia angolana parava com frequência os
estrangeiros, exigindo passaporte.

“O vídeo ‘apreensão passaporte suborno’ do CD de documentos demonstra que


não era tranquilo o tráfego dos trabalhadores fora do alojamento, sendo que um deles,
que não recebeu seu passaporte enquanto estava em território angolano, ficou retido
quando retornava ao aeroporto para voltar ao Brasil, sendo necessário que o grupo de
obreiros que o acompanhava arrecadasse entre si o valor de duzentos dólares para
pagar a propina exigida pelo policial angolano para liberá-lo, conforme vídeos
‘suborno e suborno 1’.

“Pelo vídeo ‘motorista sem habilitação’ do CD de documentos, foi possível


constatar que a reclamada [Odebrecht] não disponibilizava sequer motorista com
habilitação válida no território angolano para transportar os trabalhadores, colocando-
os em risco, sem contar o transtorno e a tensão pela qual passaram no posto policial.

“... não há prova de que os trabalhadores que se ativaram em Angola com vistos
ordinários, receberam ou tiveram liberados em algum momento, mesmo
posteriormente, seus vistos de trabalho, havendo total silêncio da defesa quanto a esse
fato, evidenciando que uma coletividade de obreiros se ativou de forma irregular em
país estrangeiro, como se depreende, inclusive, do depoimento do sócio da Planusi,
ao afirmar que o trabalhador não obtinha visto de trabalho e quando vencia o prazo de
validade do visto ordinário, tinha que retornar ao Brasil para obter novo visto,
ordinário.

“Há, assim, dúvidas que permanecem sem respostas: sendo a Biocom uma obra
que o Governo Angolano considerava de interesse público, como várias vezes
ressaltou a contestação, sem contar o bom relacionamento dos representantes do
Grupo Odebrecht com os dirigentes daquele país, por quê o órgão responsável não
agilizou a concessão dos vistos de trabalho aos profissionais brasileiros
especializados, cujos serviços se destinavam a colaborar na execução de uma obra de
interesse público, que auxiliaria na reconstrução do país destruído por uma Guerra
Civil?

“Por quê o visto ordinário foi solicitado sob o argumento de que os


trabalhadores tratariam de negócios, como evidenciam os documentos, com duração
de apenas 30 dias?

“Quantos trabalhadores tiveram o visto de trabalho concedido pelo Estado


Angolano?

“Essas indagações, até aqui sem respostas plausíveis, somadas aos fatos acima
comprovados, nos levam a aceitar a conclusão de que a única razão que emerge das
condutas acima descritas era a de que era proposital a manutenção de trabalhadores
brasileiros em território estrangeiro em situação precária quanto a vistos,
circunstância que, por certo, proporcionava maior poder sobre esta fonte de trabalho,
parecendo haver interesse da Biocom/Odebrecht ter permanentemente à disposição
mão de obra especializada cativa, completamente dominada, com pouca ou nenhuma
capacidade de resistência, eis que mantidos de forma ilegal em país estrangeiro”.
10. O PT na Petrobras: Vaccari, Duque & alguns outros (I)

Se existe algo pelo qual o PT, inexoravelmente, terá de responder perante à


sociedade, é ter manchado um dos símbolos da honestidade deste país: a Petrobras.

Até o atual escândalo, não havia pai ou mãe de família brasileiros (isto é, fora os
que renegam a sua Pátria, pois existem) que não mostrasse a Petrobras aos filhos
como exemplo da nossa capacidade, como a prova de que o Brasil pode ter um
grande destino, e, dentro disso, como a prova da honradez do povo brasileiro, da
honestidade da coletividade brasileira, em suma, como demonstração de honra da
verdadeira Nação.

Se assim sempre foi, desde a fundação da Empresa, após décadas de luta


popular, por Getúlio Vargas, como se explica a ação petista – e, claro, dos aliados
com os quais os petistas se acumpliciaram para, supostamente, eternizar-se no poder
– na Petrobras?

Evidentemente, pela falta ou debilidade das raízes nacionais desses indivíduos.

Mas, ao invés de nos estendermos sobre sua ideologia, melhor será citar alguns
fatos que a demonstram.

Um trecho da confissão de Pedro Barusco à Polícia Federal (PF) é


especialmente revelador:

“... indagado pelo Delegado de Polícia Federal sobre quanto João Vaccari
Neto recebeu em nome do Partido dos Trabalhadores (PT), por conta dos
aproximadamente 90 (noventa) contratos firmados com a Petrobras, ao longo dos
anos de 2003 a 2013, afirma que, considerando o valor que o declarante recebeu a
título de propina, que foi de aproximadamente US$ 50 milhões de dólares, estima
que foi pago o valor aproximado de US$ 150 a 200 milhões de dólares ao Partido
dos Trabalhadores (PT), com a participação de João Vaccari Neto” (Termo de
Colaboração no 3 de Pedro Barusco, 21/11/2014, pp. 6 e 7).
Barusco é altamente categorizado para esse tipo de estimativa: era ele quem
recolhia a propina que, depois, Renato Duque dividia com Vaccari. Às vezes, ele
próprio participava da divisão com Vaccari.

Barusco era gerente-executivo de Engenharia da Petrobras, depois diretor de


operações da Sete Brasil, a convite de Renato Duque, diretor de Serviços. Nas suas
contas secretas foram encontrados, até agora, US$ 97 milhões (noventa e sete
milhões de dólares).

Se, nas contas de um gerente, havia US$ 97 milhões, que foram devolvidos à
Petrobras, não parece nada absurda a estimativa de que o PT, através de Vaccari,
embolsou de US$ 150 milhões a US$ 200 milhões. Por essa estimativa, o PT, entre
2003 e 2013, levou apenas três ou quatro vezes os US$ 50 milhões que Barusco
confessa que recebeu no mesmo período – fora as aplicações que lhe multiplicaram o
capital roubado do povo brasileiro, isto é, da Petrobras.

Parece até, por incrível que pareça, quando comparada ao que levou Barusco,
uma quantia modesta para quem estava bancando politicamente o assalto.

[Nota: Um fato menos conhecido confirma esta nossa avaliação: a auditoria


interna instalada na Sete Brasil, após a remoção de José Carlos Ferraz e Pedro
Barusco da direção da empresa, estimou a soma das propinas, durante a
administração Ferraz/Barusco, em 224 milhões de dólares. Em seu depoimento, o
próprio Barusco, ex-vice presidente da Sete Brasil, declarou à PF e ao Ministério
Público que dois terços desse total foram para o tesoureiro do PT, João Vaccari; um
terço foi para funcionários da Sete Brasil e para o então diretor de Serviços da
Petrobras, Renato Duque, o parceiro de Vaccari.]

Alguns dilmistas – não necessariamente petistas – pretenderam que nada disso


existe.
Outros, não mais desavergonhados – porque, pelo menos, não pretendem
desconhecer os fatos – desencaixotaram a senil teoria de que o roubo é normal em
política.

E pensar que houve época em que Juca Chaves atazanava Ademar de Barros
com a música “Caixinha, obrigado” (“A situação do Brasil vai muito mal/ Qualquer
ladrão é patente nacional/ Um policial, quase sempre, é uma ilusão/ E a condução é
artigo racionado./ Porém, ladrão, isso tem pra todo o lado!/ Caixinha, obrigado!”).

Perto do que o PT fez na Petrobras, Ademar era o próprio São Francisco.

Mas, variante da última “teoria”, ainda houve aqueles que se queixaram de uma
terrível injustiça: se os tucanos roubaram, por que os petistas não podem roubar?

Assim, denúncias e fatos, nessas cabeças de farinha, tornam-se discriminação


odiosa. Assim se contorna o ajuste de contas com a própria moral – a bem dizer,
destruindo-a, por torná-la dupla. Poder-se-ia parafrasear o célebre dito médico de
Miguel Couto: onde existe mais de uma moral, não existe moral alguma.

Porém, os fatos do escândalo permanecem. Como, também, outro, bem anterior:


não existe nada mais à direita que roubar o país, sobretudo quando se trata da
empresa da qual depende o seu futuro.

Pretender que o assalto à Petrobras é uma atividade tão “de esquerda” que
merece até pirulitos de apoio em manifestações, pedindo a soltura do Sr. Vaccari –
supostamente “preso político” – é uma infâmia semelhante àquela que tentou associar
“socialismo” com uma repugnante gororoba racista na Alemanha.

Entretanto, há, também, coisas engraçadas – melhor dizendo, ridículas.

Por exemplo: alguns elementos pretenderam invalidar o depoimento de Barusco


com a afirmação de que “ele passou a vida roubando, por isso seu depoimento não é
confiável”.

Realmente, ia ser difícil obter tal depoimento de um homem honesto.


Mas é claro que esse suposto argumento foi sacado por uma única razão: porque
é difícil atribuir a uma alucinação os US$ 97 milhões encontrados nas contas secretas
de Barusco no exterior.

[A propósito, Barusco diz que o total era US$ 98 milhões, mas que gastou US$
1 milhão em viagens e tratamentos médicos (cf. TC no 2, 20/11/2014, pp. 2 e 3).]

A questão que se pretende esconder é que, realmente, Barusco roubou também


na época dos tucanos, mas foi exatamente por isso, por essa espécie de competência,
que o esquema do PT, através de Renato Duque, o cooptou, convidando-o para a
Gerência Executiva de Engenharia da Petrobras.

Por que Barusco era tão importante para o esquema do PT, isto é, para Duque,
colocado na diretoria de Serviços da Petrobras por obra do PT?

Primeiro, porque roubar na diretoria de Serviços com um gerente de Engenharia


honesto é algo muito mais complicado do que ter nessa gerência outro ladrão.

Se o objetivo era roubar, por que arrumar uma aporrinhação – isto é, um sujeito
honesto, e logo na gerência de Engenharia?

Segundo, porque Duque, amigo de Barusco desde 1995, conhecia o ladrão certo
para ocupar o cargo – e por isso o convidou.

Terceiro, porque Duque era (e ainda é) um sujeito muito incompetente, desses


que compram quadros pela internet sem “expertise” (o parecer de um “expert” em
obras de arte) ou sem verificar se a “expertise” é verdadeira. Era incompetente até em
coisas bem mais simples que a autenticidade de uma obra supostamente atribuída a
Guignard.

Por exemplo, descreve Barusco:

“... afirma ter trabalhado para Duque como uma espécie de contador,
recebendo grande parte da propina para si e para Renato Duque no exterior, em
contas mantidas em bancos suíços, como as contas Rhea Comercial, Pexo
Corporation, Canyon View Assets, Daydream e Backspin, Doletech;
“... Renato Duque era desorganizado com as questões que envolviam o
recebimento das propinas, de maneira que deixava o declarante controlar aquilo que
era devido pelas empresas a título de propina;

“... com uma frequência quinzenal, Renato Duque pedia ao declarante dinheiro
em espécie, normalmente em ‘pacotes de R$ 50.000,00’; esses pagamentos em
espécie para Duque eram feitos com dinheiro que o declarante guardava em casa
por conta também de propinas recebidas” (TC no 2, cit., p. 3).

Em suma, um engenheiro que tinha dificuldades em lidar com as quatro


operações e com tabelas.

No entanto, somente em uma das contas secretas de Duque, em Mônaco, foram


encontrados depósitos totais em dinheiro de US$ 12.174.551,98 (doze milhões, 174
mil, 551 dólares e 98 cents).

A mesma conta, aberta no Julius Baer Bank (conta n o 5128005, de uma


empresa-fantasma denominada Milzart Overseas Holdings Inc), “igualmente recebeu
as rubricas dos seguintes títulos de uma das contas do Sr. De Souza Duque aberta no
Lombard Odier Darier Hentsch & Cie em Genebra: entre julho e agosto de 2014, 13
entradas de títulos para um montante global aproximado de 1.300.667, valor
equivalente em euros”, observa o relatório do Governo do Principado de Mônaco,
realizado a pedido da Procuradoria Geral da República.

Apesar da titularidade em nome de empresas-fantasmas, as contas eram


operadas diretamente por Duque, ou, como o chama o governo de Mônaco, “De
Souza Duque”. Talvez Barusco não esteja errado ao observar que Duque era muito
atrapalhado, aliás, “desorganizado”.

Nem por isso era menos ladrão. Em outra conta no mesmo banco (n o 5134285,
em nome de outra empresa-fantasma, a Pamore Assets Inc), Duque agasalhou o
equivalente em euros a US$ 2.543.643,65 (dois milhões, 543 mil, 643 dólares e 65
cents).
E, mais, ainda nessa conta: “entre junho e agosto de 2013, 5 entradas de títulos
para um montante global aproximado de 2.799.859, valor equivalente em euros; em
maio de 2014, 13 entradas de títulos para um montante global aproximado de
4.121.547, valor equivalente em euros” (cf. relatório do Service d’Information et de
Contrôle sur les Circuits Financiers (SICCFIN) do Principado de Mônaco, pp. 4 a 7).

Essas são apenas duas contas de Duque – que receberam depósitos de outras 26
contas, abertas em 23 bancos diferentes, localizados em 13 cidades e em sete países.

Portanto, os procuradores devem ter razão ao dizer que a Operação Lava-Jato


mal começou.

Barusco roubou, sobretudo, debaixo do esquema do PT.

Não apenas porque, dos US$ 98 milhões que ele depositou em contas secretas,
somente US$ 1,4 milhão correspondiam ao período que vai de 1997 – quando
recebeu, da empresa holandesa SBM, a primeira propina – até março de 2003 (cf. TC
no 7, p. 2).

Antes que alguém diga que estamos subestimando o roubo da época dos
tucanos, esclarecemos que US$ 1,4 milhão é um roubo desses que nem o lendário
Raffles foi capaz.

Mas isso não altera o fato de que isso é 1,43% do roubo de Barusco. O resto –
isto é, 98,57% – foram no esquema do PT.

Tal não se deu porque os tucanos fossem mais honestos, mas pela quase
completa estagnação da Petrobras no governo Fernando Henrique (como disse
Barusco: “em 2003 a [gerência de] Engenharia realizava por ano em torno de US$ 3
bilhões de dólares e, quando o declarante saiu da companhia em 2011, estava-se
investindo US$ 3 bilhões de dólares por mês, sendo que a propina era proporcional”
– cf. TC no 2, p. 4).

Com a afirmação de que Barusco roubou também no governo Fernando


Henrique (o que é verdade, mas não pode ser usado para esconder sua carreira no
esquema que veio a seguir), os petistas estão jogando fora da bacia um dos méritos do
governo Lula, o de ter tirado a Petrobras da geladeira tucana – e somente,
exclusivamente, para preservar a água suja, isto é, o roubo.

Logo, para esses cavalheiros (e damas), preservar o roubo é mais importante do


que preservar a Petrobras.

Se isso é ou não consciente – raramente a burrice ou o fanatismo é consciente de


alguma coisa, mas a falta de vergonha frequentemente é mais consciente do que
supomos – não tem a menor importância.

O fato é que assim é. O processo atual de privatização pelas beiradas da


Petrobras, aliás, não deixa dúvida sobre esse assunto.

Antes de passar adiante, vejamos outro trecho do depoimento de Barusco, sobre


a Sete Brasil, invenção de Duque – e dele, Barusco – para ganhar com a
intermediação de sondas petrolíferas, alugando-as à Petrobras:

“... essa combinação envolveu o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, João


Vaccari Neto, o declarante e os agentes de cada um dos estaleiros, e estabeleceu que
sobre o valor de cada contrato firmado entre a Sete Brasil e os estaleiros, deveria ser
distribuído o percentual de 1%, posteriormente reduzido para 0,9%;… a divisão se
dava da seguinte forma: 2/3 para João Vaccari; e 1/3 para a “Casa 1” e “Casa 2”;
… a “Casa 1” referia-se à pagamentos de propina no âmbito da Petrobras,
especificamente para o Diretor de Serviços Renato Duque e Roberto Gonçalves, o
qual substituiu o declarante na Gerência Executiva da Área de Engenharia;… a
“Casa 2” referia-se ao pagamento de propinas no âmbito da Sete Brasil,
especificamente para o declarante, João Carlos de Medeiros Ferraz, Presidente da
empresa, e, posteriormente, também houve a inclusão de Eduardo Musa, Diretor de
Participações da empresa; como eram muitas pessoas envolvidas e muitos estaleiros,
para organizar o pagamento das propinas, foi estabelecido que as propinas
destinadas a atender aos 2/3 de João Vaccari teriam sua origem nos contratos
firmados entre a Sete Brasil e o Estaleiro Atlântico Sul, o Estaleiro Enseada do
Paraguasu, o Estaleiro Rio Grande e parte do Estaleiro Kepell Fels;… para atender
ao pagamento de propina referente ao 1/3 da “Casa 1” e “Casa 2” os recursos
teriam sua origem nos contratos firmados entre a Sete Brasil e outra parte do
Estaleiro Kepell Fels e Estaleiro Jurong;… cada estaleiro tinha um representante ou
operador que operacionalizava o pagamento das propinas” (cf. TC no 1, p. 4).

O Kepell Fels e o Jurong são filiais de empresas com sede em Singapura.

Os donos dos outros são:

1) Estaleiro Atlântico Sul: Camargo Correa e Queiroz Galvão.

2) Estaleiro Enseada do Paraguaçu: Odebrecht, OAS, UTC e Kawasaki.

3) Estaleiro Rio Grande: Engevix (Ecovix) e Funcef.

Resumindo: a política foi a de levar o cartel que atuava na Petrobras para


também monopolizar os estaleiros – à custa de um único freguês: a Petrobras.

Resta dizer que, para completar, tornaram proprietário da Sete Brasil, também à
custa da Petrobras, o Sr. André Esteves, dono de um banco de segundo andar, o BTG
Pactual, que, sob o favoritismo do PT, é hoje o quarto banco privado do país em lucro
líquido.

Em outra parte do depoimento de Barusco é dito:

“... um terceiro momento de recebimento de propinas pelo declarante e por


Renato Duque, que vai de fevereiro de 2013 a fevereiro de 2014, diz respeito ao
período em que o declarante deixou o cargo de Gerente Executivo de Engenharia da
Petrobras e foi indicado para o cargo de Diretor de Operações da empresa Sete
Brasil (…);… em razão dos contratos de sondas de perfuração, conforme detalhado
no Termo de Colaboração no 1, o declarante estima ter recebido em torno de US$ 5
milhões de dólares a título de propina e Renato Duque outros US$ 6 milhões de
dólares, cuja destinação já foi informada; … também soube que João Vaccari, em
nome do Partido dos Trabalhadores (PT), recebeu do estaleiro Kepell Fels a quantia
de US$ 4.523.000,00 (quatro milhões, quinhentos e vinte e três mil dólares) a título
de propina” (TC no 3, p. 7).

Barusco não diz (ou, provavelmente, não sabe) quanto Vaccari e o PT receberam
dos estaleiros Atlântico Sul, Enseada do Paraguasu e Rio Grande – ou seja, da
Odebrecht, Camargo Correa, Queiroz Galvão, OAS, UTC e Engevix.

Das denúncias até agora publicadas, a denúncia do Ministério Público contra


Vaccari, Dirceu e outros é a mais clara de todas. Mas, evidentemente, um documento
jurídico, escrito para o juiz, tem as suas dificuldades, que demandam tratamento
jornalístico. Entretanto, gostaríamos de aludir a outras dificuldades, ou, melhor
dizendo, a questões que precisam ser melhor conhecidas:

1) Como os leitores sabem, nós defendemos o ministro José Dirceu naquela


triste farsa que alguns chamam de “mensalão” e não estamos arrependidos. Não havia
provas contra Dirceu naquele caso – e continua não havendo. Sua condenação foi,
portanto, injusta. Além do que, tratava-se de um mero caso de caixa dois de
campanha em que se falsificou até mesmo um inexistente uso de dinheiro público.

2) Agora, a questão é diferente – sobretudo quanto às provas. Nas próximas


edições desenvolveremos o assunto.

3) A ação contra Dirceu baseia-se na confissão do operador da Engevix, Milton


Pascowitch. A Engevix não era, em termos de tamanho – medido pela receita bruta –
uma das principais empresas do cartel ou do setor, exceto em um sub-setor
específico, o de “projetos e consultoria”. Mas, no ranking geral, a Engevix não esteve
entre as 25 maiores construtoras do país seja em 2013 ou 2014, no ranking da revista
O Empreiteiro. Se usado apenas o critério da receita bruta, em 2013 a Engevix era a
15a empresa do ramo – e em 2014 era a 17 a empresa da indústria da construção no
ranking da Exame, que usa o faturamento líquido convertido em dólares como
critério.
4) Portanto, é bastante interessante a sua entrada no cartel, como condição para
conseguir obras na Petrobras.

5) Em abril de 2005, a Engevix ganhou a licitação para uma obra importante da


Petrobras, o módulo 1 da Unidade de Tratamento de Gás de Cacimbas, no Espírito
Santo. No entanto, apesar disso, a Engevix foi desclassificada. O motivo somente
depois ficaria claro: o então operador do PT na Petrobras, Sílvio Pereira, tinha a
intenção de destinar a obra à segunda colocada, a GDK. Mas, em seguida, soube-se
que a GDK havia presenteado o Sr. Sílvio Pereira com um Land Rover. Em meio ao
escândalo, a obra foi outra vez entregue a Engevix, anulando-se a desclassificação. É
interessante como um dos donos da Engevix, Gerson Almada, conta a história diante
do juiz Moro: “Então nós ganhamos Cacimbas, ganhamos de uma licitação que
participou GDK, Camargo Corrêa e nós. E durante esta licitação, um ou outro me
ligou perguntando: ‘você vai participar dessa licitação?’, ‘vou’, ‘mas você é louco?
olha quanto a tua empresa fatura e quanto...’. Bom, eu participei e ganhei, meu
preço foi inferior. Fomos desqualificados, nos retiraram disso, entrei com mandato,
entrei com... Nesse período teve o primeiro caso que talvez todos nós lembramos que
foi o ‘jipinho’ do Silvinho, dado pela GDK, foi bem nesta época da licitação que
aconteceu. Não sei se foi por sorte ou por azar, mas hoje eu digo que é por azar.
Naquela época eu atribuía isso a uma sorte, então com a pressão daquele evento em
cima da GDK, voltaram atrás e me deram o contrato. E depois de um tempo o Milton
[Pascowitch] veio falar: ‘ó Gerson, eu acho que precisa manter um relacionamento
com o partido, você precisa manter um relacionamento com o cliente, e eu me
proponho a fazer isso, eu tenho condição de fazer’. Ótimo, seja bem-vindo. E a
partir daí fizemos um relacionamento que é mais antigo que o relacionamento com o
senhor Alberto Youssef”.
11. O PT na Petrobras: Vaccari, Duque & alguns outros (II)

Os trechos abaixo foram extraídos do processo no 5045241-84.2015.404.7000,


movido pelo Ministério Público, no âmbito da Operação Lava Jato:

“Especificamente no caso da Diretoria de Serviços, o núcleo político que a


sustentava era composto por dirigentes do Partido dos Trabalhadores – PT e pessoas a
ele vinculadas. Corriqueiramente, a parcela paga ao partido era acertada por Vaccari.

“A lavagem dos valores ilícitos auferidos pelos agentes criminosos em


detrimento da Petrobras ocorreu em parte mediante a celebração de contratos de
consultoria ideologicamente falsos com empresas controladas pelos operadores
financeiros, em parte mediante transferências de altos valores em espécie entre os
envolvidos, em parte mediante depósitos em contas bancárias abertas em nome de
offshores no exterior e, finalmente, em parte mediante a realização de doações
eleitorais ao Partido dos Trabalhadores, com participação de Vaccari, ex-tesoureiro do
partido, que atuou como ‘coletor’ de fatia da propina direcionada à agremiação
política que sustentava Duque na importante diretoria de serviços da Petrobras.”

Por aqui se vê o que valem as afirmações da cúpula do PT de que “todas as


doações ocorreram estritamente dentro da legalidade, por intermédio de
transferências bancárias, e foram posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral” (cf.
Nota do presidente do PT, Rui Falcão, 03/08/2015).

O problema é que essa afirmação responde a uma acusação inexistente – e


exatamente para não responder à acusação verdadeira: a de que o PT usou o caixa 1
(isto é, o caixa oficial do partido na campanha eleitoral – e fora da campanha
eleitoral) para dissimular o recebimento de propinas, recebidas em troca do assalto a
Petrobras pelo cartel das empreiteiras.

Vejamos alguns trechos do depoimento de Milton Pascowitch, dono da JAMP e


um dos operadores do esquema:
“... as negociações ou solicitações encaminhadas por João Vaccari por
intermédio do declarante a respeito de valores a serem pagos ao Partido dos
Trabalhadores vinham acompanhadas de uma solicitação de recursos oficiais e de
uma solicitação de recursos não oficiais; (…); era feita então a entrega de valores
diretamente a João Vaccari, sempre em espécie; dos valores que não houvesse
pagamentos em espécie eram feitos mediante doações oficiais ao Partido dos
Trabalhadores;

“... com relação ao contrato da Engevix dos cascos replicantes, gerou um ‘valor
de contribuição’ discutida com João Vaccari no valor total de 14 milhões de reais que
foram entregues ao longo de novembro de 2009 até maio de 2011; foram feitos
pagamentos na ordem de R$ 10.000.000,00 em espécie entregues em montantes
diversos, sempre na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo;

“... recorda também de duas ocasiões em que houve entregas para um portador
de nome Márcia, no Rio de Janeiro; houve indicação de João Vaccari que os
pagamentos fossem feitos para a pessoa de Márcia;

“... os valores entregues a João Vaccari eram ressarcidos à JAMP por meio de
contratos realizados entre a empresa e a Engevix Engenharia, que, descontados os
impostos, alcançam exatamente o valor entregue a João Vaccari;

“... esses contratos têm característica distintiva em relação à prestação de


serviços a Engevix, pois seu pagamento ou era realizado a vista, em parcela única, ou
em duas ou três parcelas;

“... esclarece que embora o contrato dos cascos tenha sido assinado em 2010, no
ano de 2009 em que se iniciaram os pagamentos já havia ocorrido o procedimento
licitatório;

“... as tratativas para negociação de valores deram-se exclusivamente com João


Vaccari; o declarante foi a ‘ponte’ entre João Vaccari e Gerson Almada [sócio da
Engevix] e que o valor de 14 milhões foi alcançado em razão do adiantamento dos
pagamentos futuros em relação à execução do contrato;

“... a antecipação do pagamento deu-se em razão das necessidades de caixa


alegadas por João Vaccari em razão do ano eleitoral de 2010, que demandaria
necessidade maior de recursos do Partido;

“... o declarante decidia pelo pagamento em espécie ou mediante doações


eleitorais conforme sua disponibilidade de caixa, em razão da dificuldade em
algumas oportunidades de realizar valores em espécie;

“... no caso das doações eram sempre para o Diretório Nacional do Partido dos
Trabalhadores; não houve qualquer ato de João Vaccari para a realização do contrato,
mas sim uma ‘contribuição’ da empresa Engevix ao Partido dos Trabalhadores em
razão da obra auferida junto à Petrobras;

“... as discussões sobre execução davam-se diretamente com a área técnica e a


Diretoria respectiva da Petrobras; destaca, entretanto, que houve uma vinculação feita
por João Vaccari do valor do contrato em relação à contribuição da empresa;

“... as comunicações com Vaccari eram sempre por telefone, diretamente com
ele ou com a secretária Angela;

“... com relação à menção ao contrato com o FUNCEF esclarece que a situação
especifica da prestação entre JAMP e Engevix foi utilizada no escopo do contrato,
mas apenas para a ‘cobertura’ dos valores pagos que seriam destinados ao Partido dos
Trabalhadores;

“... não houve qualquer prestação de serviços a Engevix pela JAMP nesses
contratos mencionados no presente termo; esses pagamentos não eram discutidos
com Renato Duque e Pedro Barusco” (Termos de Colaboração no 20 e 21 de Milton
Pascowitch, 17/06/2015).

Diante disso, responder que “todas as doações ocorreram estritamente dentro da


legalidade, por intermédio de transferências bancárias, e foram posteriormente
declaradas à Justiça Eleitoral” é quase (aliás, é) uma confissão de culpa, pela evidente
tentativa de ignorar – ou fugir – à acusação, ao invés de enfrentá-la. Tentativas de
evasão sempre acabam por enfatizar aquilo de que se está fugindo.

Mas qual a história desse esquema?

Diz a ação do Ministério Público:

“A estruturação da organização criminosa ora denunciada começou ainda no ano


de 2003, momento no qual Renato Duque buscou auxílio político para ser alçado ao
cargo de Diretor de Serviços da Petrobras.

“Conforme reconhecido por Milton Pascowitch, houve a conjugação de esforços


do empresário Licínio de Oliveira Machado, da Etesco, de Sílvio Pereira e de
Fernando Moura, para que o nome de Duque fosse levado à apreciação do então
Ministro da Casa Civil, José Dirceu, e recebesse o seu aval para fins de nomeação ao
alto cargo diretivo almejado na estatal.

“Nesse sentido, podem-se citar as declarações de Paulo Roberto Costa e


Barusco.

1) Interrogatório de Paulo Roberto Costa:

“Paulo Roberto Costa: Como eu também já mencionei a vossa excelência e em


outros fóruns, as indicações, as diretorias da Petrobras tinham que ter apoio
político, e a indicação que se rezava, que se falava dentro da companhia, a
indicação do Renato Duque foi pelo PT.

Juiz Moro: Algum político em particular ou o partido?

Paulo Roberto Costa: Bom, dentro da Petrobras, quando ele foi indicado, corria
pelos corredores lá que ele tinha sido indicado na época pelo ministro José Dirceu.

Juiz Moro: Isso era conversa de corredor?

Paulo Roberto Costa: Voz corrente dentro da Petrobras.


Juiz Moro: Mas o senhor ouviu, se recorda de ter ouvido algum relato direto
nesse sentido?

Paulo Roberto Costa: Não, só de pessoas dentro da própria companhia que


mencionavam isso com muita ênfase”.

2) Interrogatório de Barusco:

“Juiz Moro: O senhor sabe me dizer se o senhor Renato Duque assumiu esse
cargo de diretor também em decorrência de alguma influência política?

Pedro Barusco: Era também comentário. Que teria sido o PT, mais
especificamente o senhor José Dirceu, mas ele nunca comentou isso comigo, nunca
falou nada disso comigo, né?”

Embora fosse voz corrente a indicação de Duque por Dirceu – e nunca existiu
nem dúvida sobre isso – forçoso é reconhecer que, até aqui, ainda estamos no terreno
do que se ouviu – e, não necessariamente, o que se ouviu corresponde ao que é
verdadeiro. Além disso, Dirceu não pode ser responsabilizado pelos malfeitos de
Duque, exceto se participou deles.

Por isso, somos obrigados a examinar a participação de Dirceu.

Primeiro, é preciso voltar ao depoimento de Pascowitch, aludido pelo Ministério


Público.

Milton Pascowitch: “... certa feita Fernando Moura cobrou de Renato Duque o
fato de que este não estava contribuindo na medida correta com a sua indicação
para Diretor da Petrobras, acusando-o de retenções ou desvios de valores que
deveriam ir para Fernando Moura e não o eram; então Renato Duque disse a
Fernando que este estava autorizado a receber qualquer valor que entendesse, que
teria como crédito junto a Júlio Camargo; este encontro ocorreu na casa do
declarante no Rio de Janeiro, em um final de tarde.
Fernando Moura é Fernando Antônio Guimarães Hourneaux de Moura, ligado
ao PT – e, sem contestação, a Dirceu – desde a época que se encerrou com o
escândalo do Land Rover para Sílvio Pereira.

Nos processos oriundos da Lava Jato, é algo chocante como Moura não parece
ter inibições em usar contas de familiares para receber propinas, envolvendo seu
filho, suas duas filhas, um sobrinho e seu irmão gêmeo, o cirurgião plástico Olavo
Hourneaux de Moura Filho.

Continuemos com o depoimento de Milton Pascowitch:

“... Fernando deu a entender que achava que Renato Duque estava em conluio
com Júlio Camargo para reter os valores das comissões da área de materiais e de
serviços compartilhados;

“... este acontecimento fez com que se estabelecesse uma nova condição, isto é,
a empresa Hope, e uma outra empresa chamada Personal Services, igualmente da
área de serviços compartilhados, deveriam passar a fazer os pagamentos das
comissões ao declarante, e não mais a Júlio Camargo;

“... esta nova orientação foi passada às empresas por Fernando Moura, que
devem ter confirmado com Renato Duque;

“... a Hope entregava uma planilha com o valor faturado, e sobre este valor
pagava três por cento sobre o montante líquido recebido (menos impostos e
encargos), que resultava aproximadamente em uma comissão de 1,5 por cento do
valor bruto (...); quanto a Personal, havia um acordo de pagamentos de valores fixos
mensais, apurados contrato a contrato;

“... tais recursos geraram uma média de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)
mensais, alcançando R$ 700.000,00 a R$ 800.000,00 ou mais baixos, em razão do
faturamento da Hope;

“... destes valores, R$ 180.000,00 eram destinados a Fernando Moura;


“... após autorização de José Dirceu, o declarante passou a destinar R$
30.000,00 a Luís Eduardo, irmão daquele, e R$ 30.000,00 a Roberto Marques, e o
saldo mensal era destinado a José Dirceu (…) quando não precisava, era então o
saldo entregue a João Vaccari;

“... havia solicitações esporádicas de recursos por parte de José Dirceu, que
então eram cobertas com contratos de consultoria com a JD, como contratos firmados
pela Engevix, que também firmou contrato de consultoria com a JAMP;

“... Gerson Almada [sócio da Engevix] sabia que José Dirceu auxiliava nas
obras da Engevix com a Petrobras, e por isso não se recusou a firmar os contratos de
consultoria com a JD, como forma de contrapartida pelo auxílio, não vinculados a
nenhum contrato específico com a Petrobras;

“... a JAMP firmou um contrato com a própria JD, no ano de 2011;

“... havia inclusive uma planilha de valores pagos e valores faturados, que foi
apreendida por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão na JAMP;

“... o contrato de Cacimbas 2 precisou ter um sobrevalor de remuneração para


que houvesse a disponibilidade de recursos que deveriam ser repassados a José
Dirceu (...);

“... os valores repassados pela Hope e pela Personal não estavam atrelados a
nenhum contrato de consultoria, e eram entregues em espécie” (TC n o 17 e 18,
18/06/2015).

Fernando Moura, diz Pascowitch, “era quem representava José Dirceu na


Petrobras”.

Na documentação apreendida – e, depois, nos papéis entregues aos


investigadores por Pascowitch, além dos advindos da quebra do sigilo bancário da JD
Assessoria (a empresa de Dirceu) – há 45 depósitos da JAMP e da Engevix em conta
da JD.
Infelizmente, quanto ao ex-ministro José Dirceu, isso não é tudo. Uma parte não
pequena das vantagens auferidas – aliás, a maior parte – foram realizadas de outro
modo.

Vejamos o depoimento da arquiteta Daniela Facchini, no último dia 13 de


agosto, ao delegado Agnaldo Mendonça Alves, da Polícia Federal:

PF: Qual a atividade profissional da senhora?

Daniela Facchini: Arquiteta, proprietária da empresa DLS Hotelaria Ltda., que


trabalha no ramo de implantação de hotéis.

PF: Conhece Milton Pascowitch?

DF: Conhece Milton Pascowitch há cerca de 5 anos, a quem foi apresentada


pelo atual marido Hélio Oscar Moraes Garcia Junior.

PF: Qual o seu relacionamento com Milton Pascowitch?

DF: Tem relacionamento social com Milton Pascowitch e é amiga de Mara,


esposa de Milton Pascowitch. Antes da prisão de Milton Pascowitch, frequentava a
residência deste, da mesma forma que ele e a família frequentavam sua residência.

PF: Realizou obras de reforma de um imóvel localizado em um condomínio


fechado em Vinhedo/SP a pedido de Milton Pascowitch?

DF: Realizou obras no imóvel localizado na Alameda Maracaí, 235,


Condomínio Santa Fé, no bairro Santa Fé, em Vinhedo/SP.

PF: Sabe a quem pertencia o imóvel?

DF: Na época da obra foi informada por Milton Pascowitch que o imóvel
pertencia à empresa TGS Consultoria e seria utilizada por José Dirceu, o ex-ministro
da Casa Civil do governo Lula.

PF: Qual o valor dos serviços?

DF: O valor total dos serviços foi de R$ 1.814.546,19 (um milhão, oitocentos e
quatorze mil, quinhentos e quarenta e seis reais e dezenove centavos). Este valor se
refere à obra por completo, incluindo a parte civil, mobiliário, paisagismo, enxoval,
utensílios de cozinha, sistema de segurança, dentre outros que estão relacionados
como DOC 03 e DOC 04 da petição que ora apresenta à Polícia Federal neste
momento.

PF: Como se deu o recebimento?

DF: O valor de R$1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil reais) foi pago
através de vários depósitos na conta corrente pessoal da depoente, conforme
extratos relacionados como DOC 05 da petição citada acima. O restante foi pago em
dinheiro, ao longo de toda a obra, até perfazer o total de R$ 1.814.546,19 (um
milhão, oitocentos e quatorze mil, quinhentos e quarenta e seis reais e dezenove
centavos).

PF: Possui documentos comprobatórios?

DF: Sim. Nesse momento, apresenta a relação de todos os documentos


relacionados à obra.

PF: Conhece José Dirceu de Oliveira e Silva?

DF: Não conhece José Dirceu de Oliveira e Silva. Só o viu pessoalmente por
alguns minutos quando José Dirceu se aproximou da casa que estava em obra, mas
não ingressou no terreno. Ressalva que José Dirceu morava na casa ao lado da casa
que estava em reforma.

PF: Qual seu relacionamento com José Dirceu de Oliveira e Silva?

DF: Nenhum.

PF: Conhece Luís Eduardo de Oliveira e Silva?

DF: Não conhece Luís Eduardo de Oliveira e Silva.

PF: Qual seu relacionamento com Luís Eduardo de Oliveira e Silva?

DF: Nenhum.

PF: Conhece Júlio César dos Santos?


DF: Não conhece Júlio César dos Santos.

PF: Qual seu relacionamento com Júlio César dos Santos?

DF: Nenhum.

PF: Conhece a empresa TGS Consultoria e Assessoria em Administração Ltda.?

DF: Não conhece ninguém da TGS, mas foi informada por Milton Pascowitch
que esta empresa seria proprietária do imóvel em reforma.

PF: Qual seu relacionamento com a empresa TGS Administração Ltda.?

DF: Nenhum.

PF: Conhece José Adolfo Pascowitch?

DF: Conhece José Adolfo Pascowitch, pelo apelido de Zeca, irmão de Milton
Pascowitch. Não frequenta a casa de José Adolfo e o conhece apenas de reuniões
que ocorreram no escritório da JAMP, para tratar da reforma da casa em questão.

PF: Qual seu relacionamento com José Adolfo Pascowitch?

DF: Nenhum relacionamento pessoal.

PF: A que título se deu a doação recebida por José Adolfo Pascowitch,
declarada em seu IRPF, no valor de R$ 1.300.000,00?

DF: Durante a execução da obra, passou pela conta pessoal da depoente, a


título de pagamento para execução da obra, o montante de R$ 1.300.000,00. Diante
desse fato, a depoente foi conversar, no final do ano de 2013, com Milton Pascowitch
e José Adolfo Pascowitch sobre como regularizar essa movimentação financeira.
Nesta mesma data foi informada por José Adolfo que este estaria fazendo uma
doação para a depoente no valor de R$ 1.300.000,00 e já teria pago o imposto
referente a esta doação, inclusive apresentou a guia de recolhimento no valor
aproximado de R$ 52.000,00; se compromete a apresentar até o dia 14/08/2015 os
documentos citados acima; para regularizar a situação criada por José Adolfo, está
providenciando o pagamento dos impostos relativos aos ganhos auferidos com a
obra, limitados a 12% sobre o valor total da obra, que equivale a R$ 194.257,71
(Cento e noventa e quatro mil, duzentos e cinquenta e sete reais e setenta e um
centavos) conforme constou da petição que ora apresenta à Polícia Federal.

“Dada a palavra à depoente, foi dito que: ‘eu sempre convivi com Milton
Pascowitch, sempre o considerei uma pessoa com recurso e com origem em uma
família abastada. Jamais poderia imaginar que ele estivesse envolvido em qualquer
prática de crimes’;

“Nada mais disse e nem lhe foi perguntado.”


12. O PT contra a Petrobras: Vaccari, Duque & outros (III)

A tabela abaixo é um resumo da ação do Ministério Público contra os


executivos da Andrade Gutierrez, uma das “cinco irmãs” (além dela, Odebrecht,
Camargo Correa, Queiroz Galvão e OAS) que encabeçavam o cartel que agia na
Petrobras:

Nas 10 obras listadas no processo, houve propinas que, somadas, atingiram um


mínimo de R$ 243.234.377,62 (243 milhões, 234 mil, 377 reais e 62 centavos).

Mas a distribuição não foi, obviamente, por igual: o esquema do PT (diretoria


de Serviços: Vaccari-Duque-Barusco) levou R$ 178.916.462,16 (178 milhões, 916
mil, 462 reais e 16 centavos) e o esquema do PP-PMDB (Yousseff-Fernando Soares-
Paulo Roberto Costa) levou, no mínimo, R$ 64.317.915,46 (64 milhões, 317 mil, 915
reais e 46 centavos).

Portanto, nessas 10 obras citadas no processo contra a Andrade Gutierrez, o


esquema do PT levou quase três vezes mais que o esquema do PP-PMDB.

Antes que nos acusem de algo que não fizemos (nos últimos tempos, o besteirol,
que corre principalmente na Internet, se tornou uma erupção, ainda que de curto
alcance), aqui não está dito que o PT (ou o PP ou o PMDB) levaram a totalidade
desse dinheiro. Uma parte, evidentemente, ficou com os operadores e funcionários
corrompidos.

Também não está aqui dito que todo o PT (ou todo o PMDB ou todo o PP) se
beneficiou desse dinheiro. Não é possível confundir, por exemplo, o Sr. Eduardo
Cunha com o senador Requião, apesar de ambos pertencerem ao mesmo partido.
Distinções semelhantes devem ocorrer no PP e no PT – apesar de, nesse último caso,
por ser a presidente deste partido, é mais difícil distinguir quem não foi beneficiado
pela propina. Mesmo assim, não são prudentes – e nem devem corresponder à
realidade – generalizações, sem a admissão de possíveis e prováveis exceções.

Mas há outro indicador poderoso – e lastimável – do que houve.

Entre 2002 e 2010, os gastos eleitorais declarados triplicaram (ou seja, os


gastos totais aumentaram +200%), enquanto a inflação, pelo IPCA, variou +76,27%
(cf. Ana Luiza Backes e Luiz Cláudio Pires dos Santos, “Gastos em campanhas
eleitorais no Brasil”, Cadernos Aslegis, no 46, maio/agosto 2012, p. 57).

Se incluirmos as eleições de 2014, os gastos nas campanhas presidenciais


aumentaram +588,16%, contra uma inflação acumulada, no mesmo período, de
158,22%.

Outra forma de comprovar a mesma coisa é comparar o gasto total de todos os


candidatos a todos os cargos em todo o país.

Esses gastos subiram de R$ 678.481.566,99 (678 milhões, 481 mil, 566 reais e
99 centavos) em 2002 para R$ 4.557.310.095,92 (quatro bilhões, 557 milhões, 310
mil, 95 reais e 92 centavos) em 2014 (cf. TSE, Repositório de Dados Eleitorais,
Prestação de Contas, 2002-2014).

Resumindo, houve um aumento de +571,69% nos gastos eleitorais totais dos


candidatos entre 2002 e 2014, para uma inflação acumulada de 158,22%.
Advertimos, no entanto, que estamos tratando, aqui, das contas oficiais, sem
consideração para gastos através de caixa 2. Porém, os números declarados indicam a
tendência geral – que é mais do que escandalosa.

Especificando pelas candidaturas principais durante esse mesmo período: o


gasto da campanha presidencial do PT aumentou +788,35% (de R$ 39.454.578,55 em
2002 para R$ 350.493.401,70 em 2014), ou seja, aumentou quase nove vezes,
enquanto o do PSDB aumentou seis vezes e meia, ou +553,15% (de R$
34.732.880,00 para R$ 226.858.146,73) – para a inflação já citada de 158,22% nesses
doze anos.

Que o PSDB seja o partido preferido de quem tem dinheiro, no país e fora dele,
não é propriamente uma novidade.

Mas, então, como o PT conseguiu aumentar seus gastos mais que o PSDB?

A resposta corriqueira – porque o PT estava no poder, portanto, atraiu mais


contribuições de quem tinha dinheiro – padece de um mal: foi para beneficiar quem
possuía dinheiro que o PT chegou ao poder?

No entanto, o segundo mandato de Lula foi marcado pela tônica do crescimento


econômico, o que não é exatamente a política favorita dos bancos – daquilo que
Louis Brandeis, em 1914, denominou money trust, o que poderia ser bem traduzido
como “monopólio do dinheiro” (cf. Louis Brandeis, Other People’s Money And How
The Bankers Use It, Frederick A. Stokes Company, NY, March 1914).

Então, o problema é: como foi possível essa loucura nos gastos eleitorais?

Mas, antes disso, como existem elementos que argumentam (?) que o aumento
dos gastos eleitorais é muito natural, pois as candidaturas se tornaram mais
“competitivas”, ou que isso se deu pelo número “excessivo” de partidos – e existe até
quem argumente (?) que não existe relação entre gastos eleitorais e sucesso na eleição
–, vejamos outro lado da mesma loucura: os gastos eleitorais nas candidaturas a
deputado federal.
Vejamos um trecho do trabalho que citamos:

“A análise dos dados para as eleições de deputado federal demonstra uma forte
relação entre gastos [declarados] e sucesso eleitoral. Comparando a média de gastos
dos eleitos com a dos não eleitos, observa-se que aquela foi em média 12 vezes
maior. Considerando que o número de candidatos é muito grande, e que existem
candidatos que praticamente não fazem campanha, o que rebaixa os gastos da média
dos não eleitos, fizemos o cálculo da média de gastos dos candidatos ‘competitivos’,
ou seja, dos não eleitos mais próximos da eleição. Ainda assim, a relação [entre gasto
eleitoral e sucesso na eleição] continua forte: os eleitos gastaram na média nacional o
dobro dos não eleitos ‘competitivos’. Em vários estados, os eleitos gastaram o
quádruplo ou mais que seus adversários competitivos (PE: 7,2x; AC: 5,9x; SE: 5,2x:
PI: 4,7x; RN: 4,1x; GO: 4,0x). Dos 513 eleitos para a Câmara, 369 estão entre os que
mais gastaram no seu estado” (cf. Ana Luiza Backes e Luiz Cláudio Pires dos Santos,
“Gastos em campanhas eleitorais no Brasil”, Cadernos Aslegis, no 46, maio/agosto
2012, p. 58).

Como notam os mesmos autores, “a crescente demanda por recursos tende a


dificultar cada vez mais a eleição de candidatos sem acesso ou com acesso reduzido a
eles; isto pode refletir sobre a representatividade dos setores mais pobres da
sociedade, que tenderia a diminuir – se a eleição é mais cara, quem tem menos
dinheiro tem mais dificuldade; igualmente partidos de pessoas com menos dinheiro
ou que representem seus interesses provavelmente terão menos acesso a recursos”.

O significado disso pode ser entrevisto em um trabalho publicado em abril deste


ano pelo Diretório Nacional do PT, através da Fundação Perseu Abramo, onde é
apontada a concentração do financiamento eleitoral, nas eleições de 2010, em apenas
10 empresas: JBS, Construtora Andrade Gutierrez, Construtora OAS, Cervejaria
Petrópolis, Construtora Queiroz Galvão, UTC Engenharia, Construtora Norberto
Odebrecht, CRBS, Bradesco Vida e Previdência e Banco BTG Pactual.
Dessas 10 empresas, cinco pertencem ao cartel que atacou a Petrobras e outra (o
BTG Pactual) é o maior acionista da Sete Brasil – que se ligava às empreiteiras
através dos estaleiros, todos sustentados por contratos bilionários com um único
cliente, a Petrobras, e financiamento público a rodo.

O dinheiro do conjunto das empresas estava concentrado em apenas três


partidos, sendo o PT o maior beneficiário, com 24,1% do total dos recursos, vindo
após o PSDB (19,9%) e o PMDB (17,7%). Os outros 26 partidos que existiam
oficialmente em 2010 ficaram com apenas 38,3% dos recursos das empresas.

Estamos de pleno acordo com o autor desse trabalho quando, depois de apontar
que essa lista “considera apenas o CNPJ do doador”, diz: “Se as doações fossem
agregadas por grupos empresariais, a concentração observada seria ainda maior,
pois vários grupos dispersam suas doações por mais de um CNPJ” (cf. Wagner
Pralon Mancuso, “A reforma política e o financiamento das campanhas eleitorais”, in
Reforma Política Democrática – temas, atores e desafios, Fundação Perseu Abramo,
2015, p. 91/92).

Outro trabalho interessante, este de dois juristas, aborda as eleições de 2014,


constatando que “360 dos 513 deputados” (ou seja, 70%), foram financiados por,
também, 10 empresas: JBS, Bradesco, Itaú, OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht,
UTC, Queiroz Galvão, Grupo Vale e Ambev.

Os autores apontam que, na atual Câmara, “os eleitos gastaram 11 vezes mais
que os não eleitos” (cf. Márlon Reis e Luiz Flávio Gomes, “Quem são os eleitores?
10 empresas financiaram 70% dos deputados”, JusBrasil, agosto/2015).

A partir daí, os autores concluem: “Não existem de fato eleições livres no Brasil
e não é difícil compreender onde está o centro do problema. Se um candidato não
dispõe de recursos significativos para promover a sua campanha e outro está
abastecido por milhões (os eleitos gastaram 11 vezes mais que os não eleitos), já se
sabe de antemão quem vencerá. (...) Em circunstâncias assim, para ser eleito é mais
conveniente encontrar meios de conquistar o beneplácito de poderosos financiadores
que perder tempo tentando convencer os eleitores da validade dos seus propósitos
políticos.”

Nosso objetivo aqui não é argumentar contra o financiamento empresarial, pois


nos parece que não é este o problema. Mas é inevitável observar que o PT, em quase
13 anos no governo federal, somente usou essa bandeira como demagogia, aliás, bem
evidente.

Qualquer reforma política séria terá que começar pela limitação do abuso do
poder econômico ou será uma palhaçada. No entanto, em 13 anos de poder, o PT nem
mesmo tocou no artigo 17-A da lei eleitoral de Fernando Henrique (Lei n o 9504/97)
que, a rigor, estabelece que os gastos são ilimitados.

Por quê?

Como foi possível essa loucura de gastos e aumento de gastos, ao mesmo


tempo que o país sofria debaixo de sucessivas proibições – municipais, estaduais
e federais – de quase todos os meios utilizados pelos candidatos mais populares,
proibições estas que beneficiavam apenas os candidatos com mais dinheiro (com
dinheiro suficiente para pagar agências de publicidade etc.)?

O motivo é que o PT resolveu aderir, aqui também, ao método tucano de fazer


campanha: dinheiro, dinheiro e mais dinheiro – ou, o que é a mesma coisa:
marketing, marketing, marketing.

Não espanta que um candidato a ideólogo tucano (os ideólogos verdadeiros nem
moram no Brasil) escreveu, sobre a eleição de Dilma: “Do ponto de vista das regras
de funcionamento da democracia, não há problemas. Estelionato faz parte do jogo.
(...) João Santana, em entrevista ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho no livro ‘João
Santana – Um Marqueteiro no Poder’, da editora Record, afirma que não é possível
traçar linha clara entre manipulação e informação política. De fato, é difícil haver
critérios objetivos que permitam essa distinção” (Samuel Pessoa, “A conta do
estelionato”, FSP, 29/03/2015).
Embora seja impossível deixar de notar a podridão moral a que leva a opção
preferencial pelo dinheiro, evitaremos a tentação de uma abordagem filosófica do
problema.

Preferimos mostrar como o PT viabilizou (?) essa opção preferencial pelo


dinheiro nas eleições, que é evidente pela evolução dos gastos eleitorais – ainda não
tocamos nas “doações não eleitorais”, isto é, para o partido, sem relação direta com as
eleições.

Vejamos trechos de outro processo motivado pela Operação Lava Jato:

“Planilha elaborada pelo ex-Gerente Executivo de Engenharia [Pedro Barusco]


concernente às obras, faz menção, justamente à obra dos módulos 2 e 3 da Unidade
de Tratamento de Gás de Cacimbas. Há referência de pagamentos no montante de 1%
da contratação original a Renato Duque e Pedro Barusco (“casa”), assim como de
1% ao Partido dos Trabalhadores – PT (“part”), representado por Vaccari.

“Quanto à parcela destinada diretamente ao Partido dos Trabalhadores – PT,


era seu pagamento negociado por Milton Pascowitch diretamente por Vaccari.

“Pedro Barusco também foi peremptório ao alegar que o Partido dos


Trabalhadores – PT recebia dados valores, sendo que tais pagamentos eram
realizados para Vaccari.”

O depoimento mais esclarecedor nesse sentido não é, entretanto, dos operadores


ou dos funcionários corrompidos, mas de um sócio da empresa Engevix:

“Gerson Almada declarou que por diversas vezes Milton Pascowitch levou-lhe
demandas de pagamentos a serem efetuados ao Partido dos Trabalhadores – PT, as
quais não eram vinculadas a um contrato específico da empresa com a Petrobras,
sendo tratadas diretamente pelo operador financeiro com Vaccari:

Ministério Público Federal: Nesse âmbito dessa intermediação,


operacionalização – ou ‘lobby’, como o senhor prefere – o Milton, em algum
momento, pediu ao senhor que efetuasse doações a partidos?
Almada: Sim.

MPF: O senhor poderia detalhar, por gentileza?

Almada: Como ele tinha relacionamento com o PT na diretoria de serviços,


também trazia pedidos não vinculados a obras, mas vinculados a doações para o
partido nas épocas das eleições ou em dificuldades de caixa do partido. Então nós
fizemos... teve um ano que eu doei, que não era um ano eleitoral, foram feitas duas
doações para o PT.

MPF: O senhor saberia dizer o valor aproximadamente?

Almada: Não, não quero arriscar números. O senhor me desculpe, faz algum
tempo. Então... mas posso trazer ao juízo.

MPF: Essa doação era ajustada com alguém especificamente ou só com o


Milton Pascowitch? No âmbito do partido, o senhor ajustava essas doações com
alguém?

Almada: Sim.

MPF: Com quem?

Almada: João Vaccari. E antes com o Paulo Pereira [Ferreira].

MPF: Como se davam esses ajustes?

Almada: Não, era pedido, “olha, estamos aí em campanha, gostamos muito da


sua empresa, espero que a sua empresa goste muito da gente. Então, estamos
precisando aí de doações”.

MPF: Certo.

Almada: Mas nunca vinculada a contratos (Interrogatório Judicial de Gerson


Almada).

“Muitos desses repasses foram, então, realizados através de doações oficiais


para o Partido dos Trabalhadores – PT”.
13. O PT contra a Petrobras: Vaccari, Duque & outros (IV)

O problema da democracia no Brasil é, antes de tudo, o abuso do poder


financeiro. Qualquer reforma política, que se pretenda séria, ou começa por enfrentar
esse problema ou não é reforma – nem, muito menos, é séria.

Existe outra explicação para o crescimento cavalar das despesas eleitorais, em


especial as do PT, frequentemente mencionada oralmente, embora pouco publicada: o
aumento de gastos seria o resultado de despesas antes realizadas via caixa 2, que,
depois da crise política de 2005/2006 (a farsa que se autodenominou “mensalão”),
passaram a ser declaradas oficialmente.

Alguma coisa deve ter ocorrido nesse sentido, mas o problema nem mesmo está
em que é difícil explicar um aumento – somadas as despesas declaradas à Justiça
Eleitoral de todos os candidatos do PT nas eleições – de +997,31% nos gastos
eleitorais entre 2002 e 2014, para uma inflação acumulada de 158,22% (cf. TSE,
Repositório de Dados Eleitorais, Prestação de Contas, 2002-2014).

O que torna essa explicação irrelevante – ou seja, uma não-explicação – é que


ela apenas enfatiza que o PT preferiu disputar o poder via dinheiro, em vez de
promover mudanças no modelo eleitoral de Fernando Henrique. Pelo contrário, a
famigerada Lei no 9.504/1997 continuou intocada – para ser exato, ficou um pouco
mais cínica depois da inclusão, em 2006, do artigo 17-A (“A cada eleição caberá à
lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho de cada ano
eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não sendo
editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de
gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla
publicidade”).

Esse artigo foi encarado, com muita razão, como uma licença para gastar até o
infinito – e, na prática, foi o que se viu. A questão se resume a que, num sistema de
gastos ilimitados, com as exceções de praxe, ganha quem gastar mais.

Muito ilustrativo de como o PT procurou resolver o problema por essa via, são
os depoimentos dos empresários Gerson Almada e Ricardo Pessoa.

Em sua confissão, Ricardo Pessoa, dono da UTC e coordenador das reuniões do


“clube do bilhão”, lembra que o relacionamento de sua empresa com o PT é antigo,
desde 1992 – “desde essa época, a UTC fazia doações políticas, mesmo sendo
controlada da OAS; a relação com o PT até 2006 foi muito de campanha, quando o
declarante já estava como controlador da UTC” (cf. Termo de Colaboração no 19 de
Ricardo Ribeiro Pessoa, 28/05/2015).

Mas esse relacionamento normal – e legal – entre a UTC e o PT mudou em


meados da década passada. Vejamos alguns trechos da confissão de Pessoa:

“... conheceu João Vaccari Neto por meio de José de Filippi Júnior, tesoureiro
da campanha do PT em 2006 para Presidente; Vaccari captou valores com o
declarante para o PT antes de 2010;

“... a partir do final de 2007, início de 2008, toda vez que a UTC ganhava um
contrato na área de Serviços – que era a grande maioria dos contratos da Petrobras –
Renato Duque [diretor de Serviços da Petrobras] pedia para que o declarante
procurasse João Vaccari para fazer ‘contribuições’, o que Vaccari chamava de
‘entendimentos políticos’, mas que em verdade era propina; Barusco usava o termo
‘participações’; nenhum deles usava a expressão ‘propina’;

“... havia reuniões periódicas em que Vaccari já sabia o valor do contrato que o
declarante havia ganhado e conversavam sobre os ‘entendimentos políticos’;

“... a Diretoria de Serviços cobrava 1% do valor dos contratos, sendo certo que
deste percentual metade era para Barusco/Duque e metade para João Vaccari;

“... havia um ‘parcelamento’ mensal ou bimestral do valor pago ao PT, em geral


em prazo muito próximo da obra; se a obra tivesse 18 meses, em geral pagava em
doze meses, pulando em regra os três primeiros meses e reservando os três últimos,
em que não havia pagamentos; no início os valores das “contribuições” eram
menores, no meio maiores e no final menores; havia meses em que acumulavam
valores de diversos contratos e ficava um ‘pouco pesado pagar’, razão pela qual o
declarante atrasava alguns pagamentos;

“... por vezes o declarante deixava alguns saldos para pagar perto da campanha,
para que aquilo fosse transformado em ‘doações’ para campanha, pois o
declarante já sabia que nesta época cresciam sempre as solicitações de pagamentos
por parte do PT;

“... as ‘contribuições’ vinculadas a contratos da Petrobras para o PT começaram


com a obra da P53, em Rio Grande/RS, no ano de 2004;

“... a partir de então em todo contrato da Diretoria de Serviços o declarante


pagava valores para o PT, no percentual já indicado de 1%;

“... a contribuição para o partido (PT) se iniciou antes das contribuições para
os funcionários da Petrobras”.

“... depois de um certo tempo, por volta de 2008, as pessoas físicas, funcionários
da Petrobras, da Diretoria de Serviços passaram a cobrar valores para eles também;
tais pessoas eram Renato Duque e Pedro Barusco, que era gerente de Engenharia na
Diretoria de Serviços” (cf. TC no 19).

Alguns dilmistas impenitentes têm, frequentemente, alardeado que o esquema


na Petrobras existe há muito, como se o problema estivesse na empresa, e não nos
ladrões, ou como se o roubo da época de Fernando Henrique fosse uma licença para
que o PT também roubasse. Ou como se o esquema do PT fosse o mesmo esquema
do PSDB – ainda que o primeiro tenha, como sempre, se aproveitado do que lhe
antecedeu.

Na afirmação acima, de Ricardo Pessoa, há algo mais provável: que o esquema


do PT para roubar a Petrobras tenha levado à corrupção de funcionários. A questão
não é se eles roubaram antes, mas por que tiveram tanto espaço para roubar na
administração petista.

É óbvio que tal esquema de financiamento do PT implicava na cumplicidade


com (ou submissão a) um cartel – e não há nada mais corruptor que um cartel,
sobretudo um que se agasalha por dentro do patrimônio público.

Mas existe algo mais óbvio ainda: um esquema desse tipo seria inviável sem a
existência de funcionários corruptos – ou, mais precisamente, corrompidos.

Vejamos, então, uma descrição do mecanismo que drenava propinas para o PT:

“... a maioria dos pagamentos feitos para o PT era por meio de doações oficiais,
mas por vezes João Vaccari pediu valores em espécie, por fora; não sabe por qual
motivo Vaccari pedia valores por fora;

“... Vaccari dizia que tais contribuições por fora também eram destinadas para o
PT, embora o declarante não tenha como ter certeza;

“... o declarante não dizia a Vaccari que havia ganhado a obra; tal informação
era repassada a Vaccari por intermédio de Duque; Vaccari já ia conversar com o
declarante tendo detalhes da obra, do valor e tendo conhecimento de que o declarante
havia ganhado o contrato;

“... com Vaccari a conversa era muito ‘elegante’, pois não cobrava
incisivamente e tratava do tema de forma bastante polida;

“... com Duque o tema era tratado de forma muito ‘sutil’, mencionando apenas
uma frase, tal como ‘Você falou com Vaccari?’, por exemplo; isto já era suficiente
para o declarante entender a mensagem de Duque;

“... Barusco chegou a dizer ao declarante: “Você ganhou tem que pagar”;

“... cerca de 60% a 70% das obras da UTC eram com o sistema Petrobras
(Petrobras, BR Distribuidora, subsidiárias etc.) e por isto o declarante acabou tendo
proximidade com Barusco e Duque, embora com o último em menor grau; sobre os
contatos com Duque, afirma que se encontra com ele com certa frequência;
“... na Petrobras, Duque evitava tratar dos temas relacionados à propina, embora
o tema possa ter surgido em algumas oportunidades; também jantava com Duque
com alguma frequência; conforme dito havia contribuições na Diretoria de Serviços
para pessoas físicas (Barusco/Duque) e para o PT;

“... os valores pagos para Vaccari eram por meio de doações oficiais e também
por meio de entrega de valores em espécie, fora da contabilidade;

“... esclarece que o dinheiro era levado na UTC em São Paulo em espécie por
algum funcionário de Youssef na sexta feira e o declarante entregava os valores em
espécie no sábado para Vaccari;

“... Vaccari mandava mensagem ao declarante, dizendo que precisava conversar


para tratar de “assuntos políticos”, conforme de costume;

“... Vaccari ia a cada 30 ou 45 dias fazer tais acertos na UTC/SP; nestas


reuniões era feito um controle de entrada e saída de valores, pois não se tratava de
apenas uma obra;

“.. a parte que era doações oficiais constava da contabilidade da UTC; o que era
doações não oficiais, isto não constava na contabilidade da UTC;

“... o dinheiro por fora pago para Vaccari era chamado por ele por ‘pixuleco’;

“... Vaccari já avisava antes quando precisava de tais valores; os valores


utilizados como doações não oficiais saíam das empresas que faziam caixa dois para
o declarante;

“... este dinheiro do caixa dois ficava em poder de Alberto Youssef, como um
‘banco’;

“... o declarante mantinha anotações da contabilidade com o PT;

“... porém, Vaccari tinha uma memória “prodigiosa” e não levava nenhuma
anotação, rasgando todas as anotações em pedaços bastante pequenos;

“... sabia que Vaccari picava os documentos porque ele jogava os papéis, bem
pequenos, no cinzeiro, e o declarante, que era fumante, acabava não utilizando mais
aquele cinzeiro;

“... o declarante manteve uma contabilidade disto, que ora é juntada em anexo;

“... a planilha que ora apresenta, intitulada ‘JVN – PT’, corresponde a esta
contabilidade do dinheiro em espécie, paralela, que possuía com João Vaccari e tudo
relacionado com a Petrobras; ‘JVN’ significa João Vaccari Neto;

“... as datas constantes do documento são as datas em que o declarante pagou


valores em espécie para Vaccari na UTC ou se referem à data da chegada dos
valores, pelos emissários de Alberto Youssef, na UTC;

“... o dinheiro levado por Youssef era enviado sempre próximo ao pagamento
para Vaccari, pois o declarante não queria que o dinheiro ficasse no cofre por mais de
um dia, por questões de segurança;

“... todas as contribuições ao PT por meio de João Vaccari, feitas por fora,
estão registradas nesta tabela, sendo que o valor total pago foi de R$ 3.921.000,00,
entre os anos de 2008 e 2013;

“... também apresenta uma outra tabela, em anexo, que retrata as doações
oficiais feitas ao PT, no valor total de R$ 16.600.000,00 (dezesseis milhões e
seiscentos mil reais);

“... estas doações oficiais, mencionadas na planilha, ocorreram tanto na época da


campanha quanto fora da época da campanha, tudo com emissão de recibo;

“... tais valores, representados na planilha, eram entregues a pedido de Vaccari,


mesmo quando a doação fosse fora de campanha; embora doados oficialmente, eram
referentes ao pagamento de propina da Petrobras ao PT;

“... havia também doações para o PT que não estavam relacionadas à Petrobras;
como regra, as doações oficiais feitas a pedido de Vaccari eram direcionadas para os
Diretórios do PT, por indicação do próprio Vaccari, e não para políticos específicos;
“... pode afirmar que todas as doações oficiais feitas fora do período de
campanha ao PT se referem ao pagamento de propinas ligada a Petrobras;

“... em relação às doações feitas ao PT nas campanhas existiam aquelas


relacionadas ao pagamento de propina por meio de doação oficial bem como doação
sem qualquer vinculação a Petrobras;

“... Vaccari operacionalizava o esquema de corrupção apenas vinculado a


Petrobras, mais especificamente referente à Diretoria de Serviços;

“... todos estes valores constantes da tabela apresentada são propinas pagas,
relacionadas a contratos com a Diretoria de Serviços, ao PT, por intermédio de
Vaccari; todos estes valores foram tratados, sem dúvida, com Vaccari;

“... a única Diretoria a que Vaccari possuía relação era a Diretoria de Serviços;
o declarante nunca teve relação com a Diretoria Internacional;

“... Vaccari não se registrava na recepção da UTC quando lá comparecia, pois


entrava pela garagem; há um registro de vídeo em que Vaccari entra na UTC com seu
veículo Santa Fé, conforme já apresentado; os vídeos que registravam a entrada de
Vaccari na UTC já tinham sido apagados e apenas uma imagem foi resgatada por
uma empresa contratada pelo declarante; este vídeo foi entregue à Força Tarefa do
MPF em Curitiba;

“... quem poderia ainda testemunhar sobre as visitas de Vaccari aos sábados era
também a copeira Maria de Fátima Falcão, que conhecia João Vaccari;

“... o declarante é que preferia que tais encontros fossem aos sábados, pois
assim evitava de ter que ir à sede do Diretório Nacional do PT, no centro da cidade;

“... Vaccari, ao sair da UTC com os valores em espécie, os levava em sacolas


grandes ou em mochilas;

“... todas as vezes em que Vaccari foi buscar dinheiro em espécie, havia prévio
aviso, seja em reunião anterior ou por meio de mensagem, em que Vaccari
mencionava que buscaria o ‘pixuleco’;
“... nem todas as vezes em que Vaccari esteve na UTC foi para buscar dinheiro
em espécie; Vaccari também foi à sede da UTC para ‘acertar’ a contabilidade ou,
ainda, para tratar de novos negócios; na agenda do declarante há diversos
apontamentos sobre tais reuniões com Vaccari;

“... na grande maioria das vezes, por cerca de 80%, em que se encontrou com
Vaccari foi para tratar de ‘contribuições’ para o PT;

“... encontrou com Vaccari em outros locais, como por exemplo o Hotel
Windsor ou no Sofitel, no Rio;

“... nesse caso do Hotel Sofitel, por exemplo, Vaccari comentou que o
declarante havia ganhado uma obra e que iriam tratar do ‘entendimento político’ na
próxima reunião de sábado, na UTC;

“... mesmo tendo se reunido várias vezes com Vaccari, nunca este último
mencionou o destino dos valores, a não ser na época das doações eleitorais oficiais,
em que Vaccari indicava o destino, se Diretório Regional, Nacional etc; porém,
ficava claro para o declarante que o dinheiro entregue para Vaccari era destinado ao
PT;

“... questionado sobre a anotação na agenda de 2011, ‘19h - JVN + M. FARIA


(22/2/11)’, que ora anexa, acredita que tenha jantado com João Vaccari Neto e
Márcio Faria, da Odebrecht; seguramente se trata de um jantar no Rio de Janeiro,
que acredita que tenha sido no Hotel Sofitel; o declarante esclarece que tinha quatro
consórcios com a Odebrecht;

“... o relacionamento de Vaccari era com Renato Duque e não com Barusco; já
viu Renato Duque e Vaccari juntos em algum jantar e sabe que eles se encontravam
com frequência no Rio de Janeiro; isto era dito ao declarante tanto por Vaccari
quanto por Duque;

“... João Vaccari era quem distribuía a forma como eram feitas as doações
oficiais; as decisões de distribuição dos valores oficiais eram sempre de João
Vaccari;

“... estes pagamentos de propina ao PT vinculados a Petrobras foram até a


campanha de 2014, pois eram valores antigos, ou seja, dívidas atrasadas que o
declarante ainda pagava ao PT, por contratos firmados com a Petrobras até 2012;

“... depois que Duque saiu da Diretoria, em 2012, as obras estavam em


andamento e por isto os pagamentos continuaram” (TC no 19 de Ricardo Ribeiro
Pessoa).
14. O PT contra a Petrobras: Vaccari, Duque & outros (V)

É preciso ser muito sectário – ou seja, insensível aos interesses coletivos


verdadeiros – para desprezar o prejudicado na agressão a Petrobras: o povo brasileiro,
que construiu a empresa e levou-a a ser o maior exemplo (mais que um símbolo) de
nossa capacidade de romper o bloqueio imperialista ao progresso, vale dizer, à nossa
independência e afirmação nacional.

Alguém poderá argumentar – e estará, essencialmente, certo – que os interesses


materiais são a motivação de fundo, mesmo quando o sujeito não recebeu um centavo
do ilícito.

Mas há algo nesses causídicos do roubo que faz lembrar o dito por Vieira, em
1655, diante do então rei de Portugal, D. João IV, sobre o estado de coisas no império
colonial português: “o roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza” (Antonio
Vieira, “Sermão do Bom Ladrão”).

Outra argumentação frequentemente ouvida é que o problema só se resolve com


a “reforma política”. A culpa, portanto, é da lei eleitoral, e não dos ladrões.

No entanto, a única reforma política de que não falam, porque não querem, é a
de estabelecer um limite razoável para os gastos eleitorais. O país vive, desde Collor,
uma situação miserável de exclusão eleitoral – exclusão cada vez maior do povo entre
os eleitos.

Porém, mesmo depois de uma ruptura nesse processo – com a eleição de Lula
em 2003 – prefere-se manter o status quo e até piorá-lo, em termos de abuso do poder
financeiro nas campanhas eleitorais. É como se a cúpula do PT tivesse chegado à
conclusão de que, uma vez no governo, estava em condições de conservar o poder
nos termos dos tucanos.

Assim foi. Portanto, a ladainha sobre uma miraculosa “reforma política” que
passa ao largo do essencial, equivale a mudar nada – exceto em desfavor de
candidatos e partidos populares – para que se continue afundando no mesmo charco.

A Humanidade desconhece, até hoje, uma “reforma política” que tenha o


condão de transformar ladrões em homens honestos. O problema que está à vista não
é o financiamento “empresarial” de campanhas eleitorais – julgado inconstitucional
pelo STF – mas o roubo (sobrepreço, superfaturamento e propinas) contra a
Petrobras. Não foi o “financiamento empresarial” que conduziu a isso – este somente
serviu para lavar o dinheiro do roubo. Uma coisa não se confunde com a outra –
exceto se (e quando) a intenção é, precisamente, confundir.

Porém, há algo característico nessa argumentação que relaciona o


“financiamento empresarial” diretamente com o roubo na Petrobras: admite-se
implicitamente que, diante de bilhões em contratos públicos, é impossível resistir à
tentação de corromper, e, sobretudo, à tentação de ser corrompido.

É uma pobre ideia da espécie humana, mas que define o que são os seus
adeptos, afirmar que todas as empresas são corruptoras e todos os partidos e
funcionários públicos são corruptos. Até porque não é verdade que todos os seres
humanos (pois as empresas e os partidos são organizações de seres humanos) são
corruptos ou corruptíveis. Quem assim acha, é porque assim se sente.

Há 360 anos, o padre Vieira já ironizava essa teologia da ladroagem: “Pôs Deus
a Adão no Paraíso, com jurisdição e poder sobre todos os viventes, e com senhorio
absoluto de todas as coisas criadas, excepta somente uma árvore. Faltavam-lhe
poucas letras a Adão para ladrão, e ao fruto para furto não lhe faltava nenhuma.
Enfim, ele e sua mulher – que muitas vezes são as terceiras – aquela só coisa que
havia no mundo que não fosse sua, essa roubaram. Já temos a Adão eleito, já o
temos com ofício, já o temos ladrão”.

Mas é claro que quando a própria política do poder público é abertamente


facilitadora de monopólios privados – e, mais, do roubo de monopólios privados –
não se pode esperar que isso resulte no espelho das virtudes humanas.
Esse é o caso das “empresas EPC”, política instituída pelo Sr. Renato Duque,
indicado e nomeado pelo PT para a diretoria de Serviços da Petrobras.

Já abordamos essa questão nesta série (HP 26/08/2015 e HP 28/08/2015). Aqui,


daremos um exemplo de como se desdobrou essa política.

A rigor, a transformação de empresas que antes contribuíam para o


desenvolvimento e a engenharia nacionais em “empresas EPC”, leva,
inevitavelmente, a que essas empresas se transformem em empresas financeiras, pois
“empresas EPC” são, forçosamente, financeiras.

Por quê?

Porque entregar a uma única companhia ou consórcio de companhias todo um


empreendimento, desde os projetos básico e executivo, as compras de insumos e
maquinário, passando pela contratação de outras empresas, até a pré-operação (e, às
vezes, até à operação), leva, inevitavelmente, a que essa companhia ou consórcio de
companhias aja como um “banco” – como atravessador do dinheiro alheio, de
recursos públicos ou de recursos de empresas públicas.

O monopólio privado – do qual o cartel é um modo de agir – sempre redunda ou


no domínio de empresas produtivas pelos bancos ou na transformação de empresas
antes produtivas em empresas financeiras (ou até na invenção de empresas
financeiras, como já vimos no caso da Sete Brasil). A própria eliminação da
concorrência leva a essa transformação: ou à financeirização dessas empresas ou ao
seu controle pelos bancos (ou as duas coisas e até algo mais: caso, aliás, da
mencionada Sete Brasil, empresa financeira que tem como principal acionista o BTG
Pactual, e que só existe devido a Petrobras, que, no entanto, está proibida de ter mais
de 10% de suas ações).

Esta é a razão porque não se pode comparar – ou confundir – as empresas atuais


do cartel (inclusive a Odebrecht, Camargo Correa e Andrade Gutierrez) com elas
mesmas em outros tempos.
A questão é que elas mudaram de caráter – não são, hoje, essencialmente, como
foram no passado, empresas de engenharia. Nem, centralmente, como também já
foram, empresas nacionais.

Hoje, elas degeneraram em monopólios financeiros, são antes de tudo empresas


ou grupos financeiros.

Quanto ao seu caráter nacional, nem é preciso fazer algum paralelo com um
monopólio privado de outra área – por exemplo, a Ambev – para perceber a situação
de vulnerabilidade do país. Nos últimos quatro anos, o setor de bebidas emparelhou
com as montadoras automobilísticas – e, inclusive, em alguns momentos, as superou
– em remessas de lucros para o exterior.

É óbvio que os monopólios privados internos não são páreo para os monopólios
privados externos, os monopólios imperialistas, já consolidados há longa data.

Porém, não é só isso. Mesmo quando não são desnacionalizados – caso da


Ambev – esses monopólios procuram uma “internacionalização” debaixo dos
monopólios norte-americanos, sobretudo, ou europeus e japoneses.

Basta lembrar o trágico desfecho da aventura da Odebrecht no Iraque ocupado


pelos norte-americanos, para perceber a que ponto isso pode chegar – e como o
caráter nacional dessas empresas e grupos de empresas se vai esfumaçando com seu
caráter monopolista.

É evidente por que os monopólios norte-americanos, nos EUA, preferem o


“modelo EPC”: porque são monopólios, isto é, seu objetivo é o superlucro, obtido
através de sobrepreços. Esse modelo é sob medida para facilitar a cobrança de
sobrepreços.

Mas, se esse modelo foi imposto nos países imperialistas pelos monopólios –
que já são financeiros por sua própria natureza econômica, o que tem como
consequência a espoliação da população por seu parasitismo, pilhagem e
entrelaçamento com outras empresas – é ridículo que se pretenda, aqui no Brasil, que
essa aberração é o que existe de mais moderno, apenas porque predomina nos países
imperialistas, como se o servilismo fosse medida de “modernidade”.

Até porque a própria Petrobras havia superado esse modelo nada menos que 40
anos antes (v. Carta da Associação dos Engenheiros da Petrobras [AEPET] à
presidente da Petrobras, 18/02/2014, cit. HP 26/08/2015).

A Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), em outro documento, faz


uma comparação significativa sobre o período em que a empresa superou esse
modelo e sobre a sua volta, sob os auspícios do Sr. Renato Duque (e do PT, que
identificava, com bastante razão, esse modelo com as lendárias “parcerias público-
privadas”, tão incensadas pelo então ministro José Dirceu ou pela Sra Rousseff):

“No final da década de 60 a 80 a Petrobras construiu uma série de refinarias


para quase duplicar sua capacidade de refino de petróleo, passando de 670 mil
barris/dia para 1,3 milhão de barris/dia. O ritmo era alucinante: REGAP (MG) e
REFAP (RGS) em 1968; REPLAN (SP), em 1972; REPAR (PR), em 1977; REVAP
(SP), em 1980.

“Para se ter uma ideia da rapidez com que se construía uma refinaria e seus
oleodutos na época, com a Petrobras como integradora, em condições muito mais
difíceis, com os mercados de bens e serviços em desenvolvimento no país, basta citar
o caso da REPLAN [Paulínia], nossa maior refinaria em capacidade de
processamento de petróleo (415 mil barris/dia), responsável por 20% do refino do
petróleo no Brasil e 80% do petróleo nacional. Sua construção começou em julho de
1969, tendo sido inaugurada em 12 de maio de 1972, processando 126 mil
barris/dia, parcela significativa do refino do país na época. Não bastasse ter sido
construída em menos de 1000 dias, entrou em operação em 2 de fevereiro de 1972,
três meses antes da inauguração”.

Essas refinarias foram construídas por empreiteiras privadas – mas não sob o
“modelo EPC”, e, sim, sob a direção e fiscalização dos engenheiros da Petrobras.
A comparação da AEPET é, justamente, com a RNEST (Abreu e Lima),
principal projeto de refinaria desde 2003 (ou quase o único, pois a construção das
refinarias do Maranhão e do Ceará foi suspensa e a primeira refinaria do Comperj
ainda não entrou em operação):

“A Refinaria Abreu e Lima (RNEST) com capacidade de 230 mil barris/dia,


utilizando modelos de gerenciamentos atuais e contratos tipo EPC, teve sua obra
iniciada em set/2007 com previsão de início de produção para novembro de 2014”
(Resposta da AEPET ao Diretor de Engenharia, Tecnologia e Materiais da Petrobras,
27/05/2014).

Como não deve ter escapado ao leitor, a REPLAN tem quase duas vezes a
capacidade de refino da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), quando esta for,
finalmente, finalizada (para o leitor exigente, que são quase todos: este “finalmente
finalizada” é proposital).

Que os monopólios e candidatos a monopolistas gostem desse “modelo EPC”, é


compreensível. O objetivo deles, como já dissemos, é o sobrepreço e o superlucro.

Menos compreensível é que ele seja imposto a Petrobras por alguém que foi
nomeado pelo governo para dirigi-la – com a anuência da então presidente do
Conselho de Administração da empresa, Dilma Vana Rousseff.

Vejamos como essa política contemplava (e contempla), pura e simplesmente, o


interesse de alguns candidatos a monopólios privados, assim como o interesse dos
que eram propinados por esses quase monopólios. Ou, ainda, como essa política foi
capaz de deformar empresas que, até então, tinham uma participação positiva no
desenvolvimento nacional.

A UTC era uma subsidiária da OAS, especializada em montagem


eletromecânica, comprada em setembro de 1996 pelo engenheiro Ricardo Ribeiro
Pessoa. Era, diz Pessoa, uma das poucas empresas do país que estavam nesse ramo da
engenharia.
O que segue são trechos de outro depoimento de Ricardo Pessoa:

“... a UTC evoluiu de apenas montadora eletromecânica para ‘epecista’;


‘epecista’ é o termo usado para designar a empresa que realiza todas as etapas de um
empreendimento, que vai do projeto básico até assistência ‘à partida’, ou pré-
operação;

“... em 2007 ou 2008 foi criada a UTC DI – Desenvolvimento Imobiliário;

“... a UTC Participações foi criada ao mesmo tempo que a UTC DI –


Desenvolvimento Imobiliário;

“... em 2009 foi criada a UTC Óleo e Gás, que produz petróleo em campos
maduros [campos terrestres já explorados pela Petrobras];

“... depois foi criada a UTC Investimentos, aproximadamente em 2010;

“... a UTC Investimentos tem negócios na área de concessões, a exemplo dos


aeroportos de Viracopos e de Feira de Santana, do estaleiro Enseada, em São Roque
do Paraguaçu, na Baía de Todos os Santos, e a linha 6 do metrô de São Paulo;

“... em 2010, adquiriu a empresa Constran de Olacyr de Moraes, para também


atuar na área de construção pesada;

“... a empresa UTC Defesa foi criada em 2013 ou 2014;

“... no exterior tem uma empresa chamada UTC Engineering, sediada em


Houston;

“... também é sócio da empresa UTC Construction, sediada também em


Houston, com bases avançadas no Colorado e no Texas, mas esses projetos não foram
para frente;

“... abriu uma sucursal da UTC e uma sucursal da Constran no Peru, as quais
nunca chegaram a ter contratos naquele país, encontrando-se atualmente fechadas”.

Até aqui, pareceria uma empresa nacional de extraordinário sucesso. O


problema vem a seguir:
“... até 2006 não era imprescindível ter contatos políticos para conseguir
contratos com a Petrobras;

“... a partir de 2006, quando Paulo Roberto Costa já ocupava a Diretoria de


Abastecimento, o declarante começou a ser solicitado a fazer ‘contribuições políticas’
em contrapartida aos contratos firmados com a Petrobras;

“... o termo ‘contribuições políticas’ era utilizado pelo deputado José Janene,
mas, na verdade, tais contribuições eram propina;

“... por volta de 2006 ou 2007, José Janene chamou o declarante até sua
residência e informou que o Partido Progressista - PP tinha uma diretoria na
Petrobras, referindo-se a Paulo Roberto Costa e à Diretoria de Abastecimento, e que a
partir daquele momento o declarante teria que pagar um percentual em cima de cada
contrato com aquela diretoria;

“... Janene disse ao declarante que esses valores iriam para todos os membros do
partido;

“... foi apresentado a Alberto Youssef na casa de José Janene; Youssef foi
apresentado ao declarante como um empresário chamado de ‘Primo’; Paulo Roberto
Costa posteriormente avisou para o declarante que, a partir dali, quem iria ‘operar’ os
pagamentos dos percentuais destinados ao PP seria Alberto Youssef;

“... José Janene falava claramente que, se o declarante quisesse continuar


trabalhando para a Petrobras, teria que pagar propina aos membros do PP;

“... os pagamentos feitos no âmbito da Diretoria de Abastecimento eram feitos


em espécie, a pedido do próprio Janene, e entregues a Alberto Youssef”.

E, então, o PT, segundo o presidente da UTC, adota a tecnologia de


Janene/Youssef:

“... mais ou menos a partir de 2007 ou 2008, também foi solicitado pagar
propina nos contratos da Diretoria de Serviços;
“... na área de serviços quem solicitava os pagamentos era Pedro Barusco, a
mando de Renato Duque, indicado pelo Partido dos Trabalhadores – PT;

“... Renato Duque demandou ao declarante que fizesse pagamentos a João


Vaccari;

“... os pagamentos eram feitos com base nos valores dos contratos;

“... a grande maioria dos pagamentos da propina ao PT em relação aos contratos


da Diretoria de Serviços era feita via doações oficiais;

“... a outra parte da propina era paga diretamente a Pedro Barusco;

“... o declarante dava contribuições frequentes e regulares ao PT;

“... o declarante costumava atrasar os pagamentos da propina porque sabia que,


na época de eleições, iria ser demandado novamente a fazer novos pagamentos;

“... dessa forma, o declarante acumulava grande montante de ‘débitos’ para


pagar na época das eleições;

“... o declarante nunca pagou propina em relação a contratos da Diretoria de


Exploração e Produção, nem da Diretoria de Gás e Energia;

“... nunca teve negócios na área da Diretoria Internacional;

“... entretanto, a maioria dos contratos da Diretoria de Exploração e Produção e


da Diretoria de Gás e Energia passavam pela Diretoria de Serviços, que era a
Diretoria que efetivamente fazia as contratações;

“... nessas ocasiões, havia a cobrança de propina por parte da Diretoria de


Serviços;

“... os percentuais de propina usavam a referência de 1% do valor do contrato,


tanto para a Diretoria de Abastecimento quanto para a Diretoria de Serviços;

“... o valor de propina correspondente a 1% do valor do contrato era negociado e


pago de forma parcelada, conforme o cronograma de pagamentos de cada contrato;
“... o pagamento da propina era feito pela simples celebração do contrato,
independentemente de eventual ganho ou perda do declarante quando da execução do
mesmo;

“... em grandes pacotes de contratos, como no COMPERJ e na RNEST, bem


como em HDTs e UGHs de diversas refinarias, o mesmo modelo de pagamento de
propina narrado acima se repetiu em relação a outras empresas;

“... o esquema funcionava dessa forma para qualquer empreiteira, e não somente
para a UTC”.
15. O PT contra a Petrobras: Vaccari, Duque & outros (VI)

O Sr. Rui Falcão, presidente do PT, afirmou, em nota oficial, que a condenação
do Sr. João Vaccari Neto a 15 anos de cadeia, em um dos processos a que responde o
ex-tesoureiro do seu partido pelo roubo a Petrobras, foi “sem provas”, “injusta” e que
“baseou-se exclusivamente em delações premiadas, sem qualquer prova material”.

Se isso fosse verdade – e não é – restaria ainda explicar porque tantos


depoimentos, de tantas pessoas diferentes, mostraram, exatamente, o mesmo quadro
de crimes em que o Sr. Vaccari, em nome do PT, foi (e é) a figura na berlinda.

Ou será que essas pessoas fizeram uma assembleia para combinar os seus
depoimentos? Com que interesse? Pois a continuidade do estado de coisas – o
esquema contra a Petrobras – somente lhes beneficiaria.

Certamente, se a resposta for que suas confissões têm o interesse de diminuir


suas penas – o que é verdade – o PT estaria admitindo, também, que os fatos que elas
revelam são verdadeiros. Ou será que aqueles indivíduos mentiram para se auto-
incriminar? Esse é um problema lógico: para receber a redução de pena, os autores
dos depoimentos têm que, neles, se auto-incriminar. Será que resolveram se auto-
incriminar somente para perseguir o PT, que lhes deu tão boa vida até que a Operação
Lava Jato acabasse com a farra?

Mas não é verdade que só existem, nos processos da Operação Lava Jato,
provas testemunhais (depoimentos também são provas – por isso, o presidente do PT
afirma, ao mesmo tempo, que a condenação de Vaccari foi “sem provas” e que
“baseou-se exclusivamente em delações premiadas, sem qualquer prova material”,
desmentindo, portanto, sua própria declaração anterior, ao admitir implicitamente a
existência de provas, embora não “materiais” – e toda essa ginástica numa nota de
poucas linhas).

Pois bem, uma das provas materiais é a tabela que resumimos abaixo,
apreendida com o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, com valores entregues a
“JVN”, isto é, João Vaccari Neto. Tem a agravante de que os recursos que constam
dela não foram declarados pelo PT, seja como contribuições ao partido ou como
contribuições eleitorais. Eis a tabela:

É verdade que uma parte ponderável do esquema foi revelado por confissões, a
maioria sob o estímulo da redução de pena em troca de informações. Mas, se não
houvesse provas materiais, por que esses elementos confessariam?

As afirmações do presidente do PT – em nota oficial do partido – merecem


alguma atenção.

Vejamos, então, os depoimentos de Fernando Moura, personagem que já foi


mencionado por nós, anteriormente, nesta série (v. HP 11/09/2015).

Não existem dúvidas sobre a participação de Moura no esquema (cf. autos n o


5005151-34.2015.4.04.7000), a que já nos referimos – provas materiais é o que não
faltam nesse processo, quanto a ele, inclusive depósitos, que Moura não se contentou
em receber diretamente, usando também contas de filhos e do irmão.

Também não existem dúvidas sobre os vínculos de Moura com o PT. Como ele
mesmo diz, em seu primeiro depoimento:

“... é amigo de José Dirceu de longa data; sempre participou das campanhas do
Partido dos Trabalhadores; sua participação consistia na organização de eventos
para arrecadação de fundos para as campanhas e em agregar pessoas da sua
convivência para participar das campanhas eleitorais; participou das eleições de
1986, ocasião em que apoiou a candidatura de José Dirceu a Deputado Estadual e
em 1990 quando o mesmo foi candidato a Deputado Federal; no ano de 1995
participou da campanha do José Dirceu para Presidente do Partido dos
Trabalhadores, cargo para o qual ele foi reeleito em 1997 e 2001; nas eleições de
2002, de igual forma, participou da campanha, em especial, para a campanha de
José Dirceu e consequentemente do então candidato Luís Inácio Lula da Silva; nas
eleições de 2002 organizou alguns almoços e jantares de apoio ao candidato a
Deputado Federal José Dirceu, sempre com o objetivo de agregar simpatizantes e
doadores de recursos para a campanha” (cf. Termo de Colaboração no 01 de
Fernando Antonio Guimarães Hourneaux de Moura, 28/08/2015).

Nada, portanto, objetável ou que possa merecer alguma restrição moral ou legal.

No entanto, isso mudou a partir de 2003 – e em datas bem precoces. Por


exemplo:

“... em 2004, Sílvio Pereira [então secretário geral do PT] solicitou ao


declarante que fosse ao escritório de Júlio Camargo para buscar uma quantia em
dinheiro que a Camargo Corrêa estava doando ao Partido dos Trabalhadores em razão
de uma obra da REPAR [Refinaria Presidente Getúlio Vargas, em Araucária, Paraná];

“... então o declarante foi ao escritório de Júlio Camargo, que ficava na Avenida
Joaquim Floriano [São Paulo], e o encontrou pessoalmente;
“... o declarante recebeu das próprias mãos de Júlio Camargo algo em torno de
R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais) em uma sacola;

“... depois de recolher o dinheiro o declarante entregou a quantia a Sílvio


Pereira, que lhe disse que utilizaria o dinheiro para a campanha de 2004;

“... nesse mesmo ano, Sílvio Pereira pediu novamente que o declarante fosse
retirar um dinheiro no escritório da Camargo Corrêa, na Avenida Juscelino
Kubitschek [São Paulo];

“... ao chegar lá, o declarante foi recebido por João Auler, que lhe entregou a
quantia de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais);

“... esse fato pode ser comprovado pelo registro que deve se encontrar na
portaria do escritório;

“... em seguida, o declarante entregou essa quantia a Sílvio Pereira, que lhe
disse que os valores seriam para pagar despesas da campanha de 2004”.

Apesar de ser claro no depoimento que esse dinheiro era em troca de obras na
Petrobras, não é seguro que, nessa época, o esquema de propinas do cartel já
estivesse, por assim dizer, institucionalizado – ou seja, já tivesse se transformado
numa instituição que alguns consideram muito normal (aliás, segundo o próprio
depoimento de Moura).

No entanto, existe algo nesse testemunho que indica que, se o esquema não
estava “institucionalizado”, as coisas já se encaminhavam nessa direção. Trata-se da
descrição que Moura faz das funções que assumiu, logo após as eleições de 2002, de
ajudar Sílvio Pereira a selecionar pessoas para preencher cargos de confiança:

“... o declarante recebeu o pedido de Licínio [de Oliveira Machado] para indicar
Renato Duque para a Diretoria de Serviços da Petrobras” (cf. TC no 1).

Licínio de Oliveira Machado – com seus irmãos Ricardo e Sérgio – era (e é) o


dono da Etesco, uma construtora que assinara um contrato com a Petrobras. O
vínculo com Licínio era o irmão deste, Ricardo, que era amigo de Moura.
Mais extensamente:

“... logo no início de 2003 Licínio pediu que o declarante apresentasse Renato
Duque para Sílvio Pereira, porque Duque tinha a pretensão de assumir a Diretoria de
Serviços da Petrobras;

“... primeiro Licínio trouxe o currículo do Renato Duque e teceu elogios sobre
a competência e capacidade técnica do mesmo para o cargo;

“... o declarante consultou Sílvio Pereira para saber se o nome de Duque era
compatível com o cargo;

“... Sílvio Pereira aceitou a ‘pré-indicação’ e pediu que o declarante marcasse


com Licínio um encontro no Hotel Sofitel da Avenida Sena Madureira; o declarante
entrou em contato com Ricardo e pediu para que avisasse Licínio que ele deveria
trazer Renato Duque na reunião; o declarante informou Ricardo de que na referida
reunião Renato Duque seria entrevistado por Sílvio Pereira”.

Alguns estranharão, e têm todos os motivos, que esse fosse o método de seleção
(um deles, ao menos) utilizado pelo PT no preenchimento de cargos como o de
diretor de Serviços da Petrobras. Ninguém se lembrou de consultar alguma entidade –
por exemplo, a Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), cujos membros,
em sua maioria, apoiaram, nas eleições, o novo presidente?

Ou, o que é a mesma pergunta sob outra forma: qual era o critério do Sr. Sílvio
Pereira? O que entendia ele da indústria do petróleo ou da Petrobras?

Mas, continuemos. Relata Moura:

“... depois de algum tempo de entrevista, Sílvio Pereira dispensou Renato


Duque e sinalizou ao declarante de que ele [Duque] tinha boas chances de ocupar o
cargo;

“... tão logo confirmada a indicação de Duque, Licínio agradeceu o esforço do


declarante e acertou que a Etesco lhe pagaria US$ 30.000 (trinta mil dólares) a cada
três meses, como recompensa pela ajuda na nomeação do Renato Duque;
“... o declarante tomou conhecimento de que a Etesco já tinha um contrato com
a Petrobras; depois da nomeação de Duque, o contrato se ‘multiplicou’;

“... os percentuais de tais contratos que eram repassados para o esquema eram
iguais aos demais contratos, algo em torno de 3% (três por cento) do valor do
contrato;

“... o declarante recebia transferências diretas da conta do Santander de Licínio


ou da Etesco, na conta corrente da empresa Lelian Inc no Banco Wachovia, banco
pertencente ao Wells Fargo;

“... o declarante pode comprovar pelos extratos de conta corrente da Lelian Inc
que a cada três meses ele recebia uma transferência de US$ 30.000 (trinta mil
dólares) de Licínio”.

Por aqui vemos a ausência de provas materiais arguida pelo presidente do PT,
Rui Falcão.

Certamente, ele somente se referiu ao Sr. Vaccari. Mesmo assim, não é verdade.
Mas é algo anormal que ele não se refira ao conjunto das provas que implicam o seu
partido.

Em seguida, diz Fernando Moura:

“... o declarante tem conhecimento que esse arranjo entre a Etesco e Renato
Duque permitiu que a Etesco fechasse diversos contratos milionários com a
Petrobras;

“... a Etesco chegou a fazer uma parceria com a OAS e a Toyo para a operação
de navios-sonda de perfuração em um negócio que também envolveu a Sete Brasil;

“... além dos negócios que a Etesco efetivamente realizou com a Petrobras,
foram diversos os casos nos quais a empresa ‘ganhava’ o contrato e, em seguida,
negociava com outra empresa de grande porte a cessão do contrato”.

Ou seja, até uma empresa como a Etesco, que não era das maiores, tornou-se
uma atravessadora do dinheiro da Petrobras, uma empresa quase – ou mais – de
caráter financeiro que produtivo.

“... tanto Renato Duque quanto Licínio e seus irmãos Ricardo e Sérgio ficaram
milionários com os negócios entabulados na Diretoria de Serviços da Petrobras;

“... os contratos abrangiam serviços prestados diretamente pela Etesco e


contratos que a Etesco ‘ganhava’ de Duque e repassava para terceiros;

“... o declarante tem certeza de que em algum momento os negócios entabulados


entre Renato Duque e os sócios da Etesco se entrelaçaram com a coordenação
estabelecida por Milton Pascowitch” (cf. TC no 2).

O que, aliás, é confirmado pelo depoimento de Pascowitch, assim como pelos


documentos apreendidos ou fornecidos por ele.

Moura, talvez por sua proximidade com algumas figuras de proa do PT e do


governo – não nos ocorreu outra hipótese – era um elemento fundamente enfronhado
nos negócios operados por Duque. É o que explica o seguinte relato:

“... em 2004 o declarante almoçou com Renato Duque no Rio de Janeiro, no


restaurante Antiquarius, no bairro de Ipanema;

“... nesse almoço, Renato Duque tratou com o declarante sobre diversos
assuntos, mas a conversa foi voltada para falar sobre ajudas ao Partido dos
Trabalhadores;

“... Renato Duque contou ao declarante que seriam construídas plataformas de


petróleo para a Petrobras, sendo elas as P-51, P-52, P-53, P-54, P-55 e P-56, que
estavam sendo negociadas com as empresas Setal, Camargo Corrêa e outra que não se
recorda precisamente se seria a Andrade Gutierrez;

“... o declarante perguntou a Renato Duque se já estava definido quem seriam


as empresas e este lhe falou que tudo ainda estava em negociação para definição de
quem levaria os ‘contratos’.”
Qual a relação dessas plataformas – ou de que empresa iria construí-las – numa
conversa sobre “ajudas ao Partido dos Trabalhadores”?

Sim, leitor, esta é uma pergunta quase retórica, diante do que se sabe depois do
início da Operação Lava Jato. Vejamos as dimensões, em dinheiro, desses contratos.

O investimento total da Petrobras nessas plataformas foi de US$ 7,41 bilhões


(sete bilhões e 410 milhões de dólares) ao câmbio da época em que foram
construídas.

Posteriormente, o ex-gerente de engenharia Pedro Barusco – o parceiro de


Duque em suas atividades criminosas – diria aos investigadores da Operação Lava
Jato:

“... os principais contratos (…) que geraram os valores pagos a título de


propina foram os contratos de construção de grandes plataformas, como a P-51, P-
52, P-53, P-55, P-56, P-57, P-58, P-61, P-63, bem como a construção de oito cascos
dos FPSO dos navios do pré-sal” (cf. Termo de Colaboração no 03 de Pedro José
Barusco Filho, p. 4).

E, mais adiante:

“... também havia US$ 14 milhões de dólares em propinas a serem pagas pelo
representante da Kepell Fels, Zwi Zcorniky, referente à construção de plataformas de
perfuração mantidas entre a Kepell Fels e a Petrobras, sendo que o declarante
ajustou com Renato Duque e este recebeu US$ 12 milhões de dólares de Zwi,
possivelmente no Banco Delta, na Suíça, e o declarante recebeu US$ 2 milhões de
dólares no referido banco” (idem, p. 6).

Por último, uma descrição do método usado pelo cartel em grandes


empreendimentos:

“... o declarante verificou uma atuação específica, em cartel, entre os


proponentes, nas licitações para a construção das plataformas de petróleo P-55 e P-
57; se trataram de duas licitações simultâneas e foi ‘claramente dividido o
mercado’; as empresas que estavam envolvidas foram a Kepell Fels [de Singapura],
a Odebrecht e a QUIP [Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, UTC Engenharia e Iesa];
foram apresentadas duas propostas ‘absurdas’, cujos valores foram muito acima dos
20% do orçamento interno da Petrobras, entre US$ 1,6 a 1,8 bilhões de dólares;
nesse caso houve cancelamento sumário e ‘não houve rebid’, isto é, uma nova
licitação” (cf. TC no 5, p. 6).
16. Como o esquema do PT cobriu o esquema de Cunha e do PMDB (I)

Em sua decisão sobre a prisão preventiva de João Augusto Rezende Henriques,


na última sexta-feira, o juiz federal Sérgio Moro relata:

“... o acusado admitiu que, em outro contrato da Petrobras, relativamente à


aquisição do campo de exploração em Benin, teria efetuado transferência bancária,
a pedido de terceiro, para conta no exterior que pertenceria a um agente político,
titular de foro privilegiado, já acusado em outra ação penal perante o Supremo
Tribunal Federal.”

O “agente político” seria o deputado Eduardo Cunha. Este “seria” é apenas para
respeitar o tempo de verbo (“pertenceria”) usado pelo juiz. A maioria da imprensa
utilizou expressões mais assertivas – ou seja, sem cautelas condicionais.

João Augusto Rezende Henriques era operador do PMDB e atuava junto à


diretoria internacional da Petrobras. Intermediou uma propina de US$ 31 milhões
(trinta e um milhões de dólares) da empresa norte-americana Vantage Drilling
Corporation, para que a Petrobras alugasse o navio-sonda Titanium Explorer.

A parte da propina que coube a Henriques e ao PMDB, como consequência da


contratação do Titanium Explorer, foi de US$ 10 milhões (dez milhões de dólares).

O que foi confirmado pelo representante da Vantage no Brasil, Hamylton


Pinheiro Padilha Júnior.

O depoimento de Hamylton Padilha é um dos mais importantes da Operação


Lava Jato. Reproduzimos, pelo que esse testemunho tem de revelador do modus
operandi dos esquemas contra a Petrobras, alguns trechos:

“... no que toca ao navio Titanium Explorer, a negociação foi feita entre a
Petrobras e uma empresa estrangeira representada pelo declarante, a empresa Vantage
Drilling Corp. (Vantage);
“... o declarante foi abordado pelo Sr. Raul Schmidt, que lhe informou que o
negócio só prosseguiria com a diretoria da Petrobras Internacional se houvesse
pagamento de propinas, não sendo possível a finalização da negociação sem tais
pagamentos, esclarecendo que estava envolvido o novo diretor, Jorge Zelada, em
substituição a [Nestor] Cerveró”.

O nome de Raul Schmidt Felippe Júnior, que mora oficialmente em Londres, é


recorrente nas investigações da Operação Lava Jato: ex-funcionário da Petrobras, de
onde saiu em 1997, Schmidt foi “executivo” ou “consultor” de multinacionais como a
ConocoPhilips, a Reading & Bates Falcon – uma operadora de navios-sonda, depois
comprada pela Transocean – e foi presidente da subsidiária no Brasil da Sevan
Marine, operadora norueguesa de sondas e navios-plataforma.

Raul Schmidt é sócio de Jorge Zelada em uma empresa com sede na Suíça, a
TVP Solar, supostamente dedicada à energia solar – segundo suspeita a PF, seria uma
empresa de fachada para lavar dinheiro.

Além de ser um velho conhecido de Renato Duque – o diretor de Serviços do


esquema do PT –, Schmidt também “possuía ligação com a Samsung, estaleiro
responsável pela construção dos navios-sonda Petrobras 10000 (que, segundo a
auditoria da Petrobras, teve pelo menos U$ 11,9 milhões de superfaturamento) e
Vitória 10000, cuja aquisição pela estatal foi objeto de denúncia pelo MPF por
envolver o pagamento de U$ 40 milhões de propina” (cf. MPF, “Requerimento de
medida cautelar de busca e apreensão criminal e prisão preventiva em face de Jorge
Luiz Zelada”, 09/06/2015, p. 22).

Continuemos com o depoimento de Hamylton Pinheiro Padilha Júnior:

“... Raul Schmidt apresentou, como intermediário do diretor Jorge Zelada, o Sr.
João Augusto Henriques, que seria a pessoa que daria as instruções para o
recebimento das propinas;

“... foi explicada a dificuldade para fazer tais pagamentos, ou seja, as comissões
do declarante já estavam acordadas e assinadas via contrato com seu cliente e havia
as dificuldades relativas ao compliance da Vantage (FCPA), mas para contornar tais
dificuldades foi apresentada a ideia de procurar a empresa proprietária do navio-
sonda, a Taiwan Maritime Transportation Co. Ltd (TMT)”.

A palavra compliance refere-se a regras de conduta – ou “conformidade” (em


inglês, “compliance”) – exibidas publicamente pelas empresas, sobretudo
multinacionais, supostamente, entre outras coisas, contra a corrupção. A sigla FCPA
significa Foreign Corrupt Practices Act, lei dos EUA que proíbe cidadãos daquele
país de subornar ou oferecer propina a funcionários de outros países. Como veremos
em seguida, mais uma vez, essa proibição não é coisa séria.

“... tal empresa [a Taiwan Maritime Transportation – TMT] é uma empresa


armadora, ou seja, proprietária de uma frota de navios, com sede em Taiwan, e
atuação mundial;

“... a TMT iria afretar um navio de perfuração para a Vantage, que por sua vez
iria operar para a Petrobras, ou seja o navio não pertencia a Vantage e sim a TMT;

“... era necessário tratar do assunto diretamente com o acionista controlador, Sr.
Nobu Su, mas o declarante, apesar de tê-lo conhecido em uma ocasião, não tinha os
contatos dele;

“... o declarante procurou o Sr. Paul Bragg, CEO da empresa Vantage Drilling,
para discutir a questão, quando informou que diretores da Petrobras estavam criando
dificuldades e que precisava estar pessoalmente com Nobu Su;

“... Paul Bragg se recusou a saber de detalhes, mas agendou a reunião com o Sr.
Nobu Su em Nova York, mais precisamente no Hotel Four Seasons;

“... nesta reunião ficou acordado que o pagamento da propina seria realizada
diretamente pela empresa TMT, que também é acionista da empresa Vantage;

“... depois disto, Nobu Su viajou para o Rio de Janeiro, tendo se hospedado no
Hotel Copacabana Palace, quando foi apresentado pelo declarante e se reuniu
pessoalmente com o Sr. João Augusto Henriques para discutir como seria realizado
efetivamente o pagamento das propinas;

“... em 21/12/2008 foi assinado o Comission Agreement [Acordo de Comissão],


entre a sociedade Valencia Drilling Corporation (Marshall Islands), empresa
subsidiária do Grupo TMT, de um lado, e, de outro lado, a Oresta Associated S.A.
(Belize), que tinha como beneficiário o declarante;

“... o valor total da remuneração com a Oresta foi de US$ 15.500.000,00 [quinze
milhões e quinhentos mil dólares], a título de comissão;

“... o declarante ouviu João Augusto Henriques dizer que outro contrato, no
mesmo valor, foi efetuado para o pagamento das propinas, sendo que o declarante
acredita que seja a mesma fonte pagadora e os mesmos bancos que efetivaram os
pagamentos, por indicação de João Augusto Henriques, a título de propina;

“... do montante que caberia ao declarante, o percentual de cerca de 50% seria


repassado ao Sr. Raul Schmidt, por solicitação dele;

“... o valor total efetivamente recebido foi de US$ 10.841.826,99 (dez milhões,
841 mil, 826 dólares e 99 cents) e o saldo remanescente não foi recebido, por conta
de dificuldades financeiras do grupo TMT, que ao que se sabe teria entrado em
concordata no ano de 2009;

“... o declarante recebeu sua parte por meio da sociedade Oresta, em duas
parcelas com datas distintas, no período de fevereiro/2009 a setembro de 2009,
através de créditos efetuados em conta mantida junto ao Banco UBS em Zurich (n o
267-858306.01G);

“... os pagamentos efetuados pela Oresta ao Sr. Raul Schmidt foram realizados
para a empresa Polar Capital Investment Ltd., cujo beneficiário final acredita ser o
próprio Raul Schmidt, da seguinte forma:

“... 1o pagamento: no valor de US$ 1.500.000,00, efetuado em abril de 2009 (...)


para a conta da empresa Polar Capital Investment Ltd. (‘Polar’), junto ao Banco
Lombard Odier Darier Hentsch & Cie, em Genebra, conta no 204788;

“... o 2° pagamento deu-se em 09/06/2009, no valor de US$ 1.303.000,00, sendo


que estes recursos foram transferidos por uma empresa no exterior para a empresa
indicada por Raul Schmidt, para a mesma conta de titularidade Polar Capital
Investment Ltd., junto ao Banco Lombard Odier Darier Hentsch & Cie, em Genebra,
conta no 204788;

“... por fim, o 3º pagamento: no valor de US$ 2.141.000,00, realizado em


21/12/2009, através de conta utilizada para evitar o vínculo direto com a empresa
indicada por Raul Schmidt, para uma conta provavelmente de uma empresa mantida
no mesmo banco (…) e desta para uma outra empresa e depois para a conta da
empresa Polar Capital Investments Ltd., acima referida;

“... o somatório dos pagamentos realizados à empresa Polar Capital Investments


Ltd., acima referida, foi de R$ 4.944.000,00. O valor remanescente, que permaneceu
de titularidade do declarante, foi de US$ 5.897.826,99;

“... além dos referidos pagamentos realizados à empresa Polar Capital


Investments Ltd., após a conclusão das negociações o declarante manteve contato
com o Sr. Eduardo Musa, que alegou saber de todo o ocorrido com os diretores da
Petrobras e nessa conversa ficou pactuado que ele, Musa, iria receber, a título de
propina, o valor aproximado de US$ 500.000,00” (cf. Termo de colaboração que
presta Hamylton Pinheiro Padilha Junior, 27/07/2015).

O caso de Henriques – e de Cerveró e Zelada, isto é, o esquema do PMDB –


mostra como o esquema do PT, que começou aproveitando a tecnologia do falecido
deputado Janene, do PP, acabou sendo um guarda-chuva para outros esquemas, além
do próprio.

Do ponto de vista político, a opção do PT significou cevar o que havia de pior


em outros partidos – nesse caso, no PMDB. É bastante claro, agora, a lógica que
presidiu os acontecimentos após a eleição de 2002, quando a ala do PMDB que
apoiara Lula foi preterida no governo, e pelo PT, em relação aos que apoiaram Serra
na mesma eleição.

Quando, logo após a vitória de Lula, o PT, em dezembro de 2002, votou a favor,
no Congresso, de estender o fórum privilegiado a ex-governantes, causou
perplexidade.

[Somente por exatidão: a medida aprovada, a Lei no 10.628, de 24/12/2002,


estendeu o fórum privilegiado “a inquéritos ou ações judiciais que sejam iniciados
após a cessação do exercício da função pública”, e, não menos importante, estendeu
o fórum privilegiado a crimes de improbidade, pela primeira vez na história do
país (cf. o artigo da procuradora federal Cinara Bueno Santos Pricladnitzky, “Do foro
privilegiado: os limites da competência especial ratione personae”, Âmbito Jurídico
no 91 - Ano XIV – agosto/2011).]

Era óbvio a quem essa lei beneficiava: durante oito anos, o fórum privilegiado
servira para agasalhar os responsáveis pelas falcatruas no governo Fernando
Henrique. Mas nada impedia, se não fosse aprovado esse escárnio em forma de lei, a
investigação e processo de Fernando Henrique & outros, após deixarem os seus
cargos.

A lei aprovada pelo PT beneficiava, pois, diretamente, Fernando Henrique e os


tucanos mais próximos dele.

Muitos – o autor deste texto, por exemplo – encararam esse absurdo como
consequência da ilusão de que, fazendo um aceno aos tucanos, estes se comportariam
de forma semelhante com o PT.

Essa ilusão existia – e teve dramáticas consequências.

Porém, havia mais que isso, nessa decisão de proteger Fernando Henrique et
caterva, embora, é provável que na época isso tenha permanecido inconsciente ou
confuso – exceto naqueles membros do PT que, no limite, pregavam até a fusão, sem
mais delongas nem arrodeios, com o PSDB.
Não pretendemos aqui traçar o curso que levou ao estado atual do PT, porque
não é esse o nosso objetivo nesta série. Para maior clareza, destacamos que estamos
longe de achar que o PT de 2002 – ou de 2010 – era o mesmo PT de hoje. Apenas,
apontamos alguns antecedentes, que na época eram elementos secundários, para
melhor compreensão do que houve. Esses antecedentes são aparentados com aquelas
“franjas” que, segundo Machado, o diabo se compraz em puxar: “Todas as virtudes
cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja,
deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova”, isto é, na igreja do
diabo.

Em suma, o que é nocivo, mas secundário, se não resolvido ou mal resolvido,


pode perfeitamente se tornar o principal – e mais nocivo ainda – em tempo posterior,
às vezes, logo em seguida.

Portanto, sublinhemos outra vez: a opção por enfrentar o esquema imperialista-


neoliberal, representado internamente pelo PSDB, no mesmo campo que este – isto é,
no campo das enxurradas de dinheiro – levou o PT a engordar e proteger o que havia
de pior em outros partidos, assim como dentro de si mesmo, até que o “pior”, em
termos morais, ideológicos e políticos tornou-se a norma, a tal ponto que há petistas –
não todos, é claro – que não se avexam de considerar “normal” o roubo em política.

Rigorosamente, a opção de não enfrentar o inimigo – pois é isso o que significa


“enfrentar o esquema imperialista-neoliberal no campo deste” – levou a basear o
financiamento de campanha em atos antinacionais, pois é isso o que são os
sistemáticos sobrepreço e superfaturamento – com as consequentes propinas –
impostos à Petrobras.

Evidentemente, isso tem uma conexão direta com a passagem do governo Dilma
para o campo da reação, isto é, da mais devastadora política pró-imperialista desde
Campos Salles e Fernando Henrique. Em suma, o PT acabou por disputar, com o
PSDB, a láurea de quem melhor representava politicamente os interesses
imperialistas dentro do Brasil. Daí, seu giro para o neoliberalismo mais histérico.
Por enquanto, nesta questão, fiquemos por aqui.

Voltemos ao esquema do PMDB na diretoria internacional da Petrobras.

A denúncia do Ministério Público comprova a participação de João Augusto


Henriques como atravessador de propinas nos seguintes negócios:

1) Contratação da Odebrecht para a área de SMS (Segurança, Meio Ambiente e


Saúde) em nove países nos quais a Petrobras atua (Argentina, Bolívia, Chile,
Colômbia, Equador, EUA, Japão, Paraguai e Uruguai), além do Brasil, para “controle
de emissão de poluentes, saúde dos trabalhadores (nível de ruído, exposição a agentes
nocivos) e segurança nas instalações da empresa).

Como frisa o juiz Sérgio Moro, já existe um processo na Justiça estadual do Rio
de Janeiro, em que o superfaturamento nessa contratação é calculado em US$ 344
milhões (trezentos e quarenta e quatro milhões de dólares) – este é o valor que a
Petrobras, após auditoria, considerou que era não justificado.

Ao início, nos pareceu incrível tal superfaturamento. Infelizmente, depois de ler


as auditorias da Petrobras (há mais de uma), achamos que é perfeitamente possível.

Existe uma série quase infinita de irregularidades administrativas, constatadas


pela própria Petrobras, perpetradas pelo então diretor internacional Jorge Zelada,
contra as instâncias de decisão dentro da própria Petrobras. Parece-nos evidente que
tal movimentação, por fora dos procedimentos habituais, envolvendo somas que vão
– no total dos casos citados – a mais de US$ 5 bilhões (cinco bilhões de dólares), não
poderia ser feita de forma imperceptível. E, realmente, não foi assim. Vários
funcionários da Petrobras apontaram, desde muito cedo, as irregularidades.

Quem não tomou providências foi o governo – e seus prepostos na Petrobras,


inclusive a atual presidente Dilma Rousseff, que foi presidente do Conselho de
Administração da Petrobras de janeiro de 2003 a março de 2010.

Vejamos a incrível rapidez para entregar a Odebrecht um contrato de quase um


bilhão de dólares.
A Comissão de Licitação foi instalada em 22/6/2010 e encerrada dois meses
depois. Foi tão rápida – para um contrato que envolvia a realidade, inclusive jurídica,
de 10 países – que três de seus membros nem mesmo chegaram a participar das
decisões.

Foram convidadas a participar da licitação as seguintes empresas: Construtora


Norberto Odebrecht (CNO), Construtora Camargo Corrêa, Construtora Andrade
Gutierrez, Construtora OAS, KBR Inc, Mitsui & Co Ltd., Marubeni do Brasil e
Bechtel Corporation.

Apenas três empresas apresentaram propostas: Construtora Norberto Odebrecht,


Construtora Camargo Corrêa e Construtora Andrade Gutierrez.

Em 23/08/2010, portanto, dois meses após a instalação da Comissão de


licitação, a Odebrecht foi dada como vencedora, pelo preço de US$ 825.660.293,79
(825 milhões, 660 mil, 293 dólares e 79 cents), mais de 40 milhões de dólares
acima do cálculo da Petrobras (US$ 784.217.180,13).

Diz o relatório do agente Rodrigo Prado Pereira, da Polícia Federal, que


investigou esse malfeito, ao delegado Eduardo Mauat da Silva, também da PF:

“... o Relatório de Auditoria R 9265/2011 [da Petrobras] apontou pelo menos


12 irregularidades que desqualificariam a proposta vencedora da licitação
modalidade CONVITE, incluindo o fato da empresa contratada não atuar na área
exigida (SMS), inclusão de serviços de manutenção incompatíveis com as instalações
onde seriam executadas, inserção de 3.856 itens de serviços sem fundamentação
técnica, falta de qualidade e clareza das informações técnicas essenciais ao correto e
adequado entendimento do escopo contratual, além de outros” (cf. PF/DELEFIN,
Informação no 93/2014, p. 12, 09/10/2014).

Portanto, já em 2011, os funcionários da Petrobras detectaram os problemas.

No entanto, o esquema do Sr. Cunha e do PMDB continuou operando, sob o


acobertamento do governo e do PT. O escândalo público, nesse contrato, só apareceu
quando o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro fez, em 16/07/2014,
denúncia criminal, baseada na auditoria da Petrobras.

Só para ilustrar, reproduzimos algumas “não conformidades” (sic) apontadas


pela auditoria:

“a) Foi utilizada extensa planilha, com cerca de nove mil itens;

“b) O prazo para apresentação de proposta tão complexa foi curto –


inicialmente, vinte dias, os quais foram prorrogados por mais quinze dias;

“c) Convite apenas em português para licitantes estrangeiras;

“d) Seleção de empresas que não atuam ou não tinham especialização em SMS;

“e) Contratação com mais foco em serviços de construção e montagem (C&M)


em detrimento de SMS;

“f) Inclusão de serviços de manutenção rotineira ou incompatíveis com as


instalações onde seriam executados;

“g) Inclusão de serviços a título de ‘reparos provisórios e emergenciais’ não


condizentes com a natureza e propósito da contratação;

“h) Inserção de 3.856 itens de serviços, sem fundamentação técnica (arbitrados


com quantidades ‘um’ ou ‘dois’);

“i) Inexistência de conteúdo e abrangência nos 358 projetos previstos para os


nove países objeto do contrato;

“j) Falta de qualidade e clareza das informações técnicas essenciais ao correto e


adequado entendimento do escopo contratual;

“k) Ausência de especificações ou detalhamento dos serviços e fornecimentos


previstos no contrato;

“l) Inconsistências relacionadas à orçamentação dos serviços, análise da


proposta vencedora e elaboração da documentação contratual.”
A defesa, apresentada na época da gestão Graça Foster, de que, após a auditoria
de 2011, o contrato com a Odebrecht, na área de SMS, foi reduzido pela metade, tem,
entre outros problemas, o fato de que essa redução foi também uma redução das
subsidiárias da Petrobras que deveriam ser alcançadas por ele. Na primeira versão,
eram nove países, além do Brasil. A partir da renegociação, os países caíram para
quatro (EUA, Paraguai, Uruguai e Argentina). Portanto, é ilusória – ou quase isso – a
redução de preço.

Além disso, essa renegociação somente foi realizada em janeiro de 2013, mais
de dois anos após a assinatura do contrato.

Houve a argumentação de que tal se deu porque a auditoria interna somente se


encerrou em outubro de 2012 – o que é verdade. Mas não era preciso esperar tanto,
porque “três semanas depois da assinatura [do contrato com a Odebrecht], em 11 de
novembro de 2010, a Petrobras contratou uma consultoria (…) para de fato fazer o
projeto. O contrato (SAP 4600323905) com a consultoria custou R$ 29 milhões e
ficou pronto em setembro de 2011. A conclusão dos consultores foi que 80% dos
projetos analisados não tinham dados suficientes para sua execução” (OESP,
09/11/2013).

Tivemos o cuidado de conferir os dados desta notícia – são verdadeiros.


Portanto, pelo menos uma parte – a que diz respeito ao que a Odebrecht não era
capaz de fazer – é conhecida desde setembro de 2011. As implicações financeiras
são óbvias, dispensando comentários.

Melhor é citar um fato: em janeiro de 2013, essa redução no preço era tardia,
também, porque, como está na própria auditoria da Petrobras, “até julho de 2012, o
desembolso contratual atingiu US$ 220 milhões, dos quais US$ 162 milhões (74%)
gastos em mobilização e supervisão e apenas US$ 58 milhões (26%) com serviços”.

O mesmo documento registra que a Odebrecht superfaturou o contrato através


de artifícios grosseiros. Por exemplo:
Na parte referente a Argentina, o diretor do contrato tem salário de R$ 63
mil/mês, o aluguel de 3 máquinas fotocopiadoras custa R$ 7,2 milhões (R$ 200
mil/mês), o aluguel de um terreno custa R$ 3,23 milhões (R$ 90 mil/mês), apesar
de, pelo contrato, a área ser fornecida pela Petrobras.

Além disso, “os preços unitários do contrato da CNO são superiores aos dos
mercados locais (Argentina – média de +95%; Chile – mínimo de +14% a um
máximo de +598%)”.

Mas nada se compara a Bolívia, onde os preços cobrados pela Odebrecht a


Petrobras variavam “de um mínimo de +9% a um máximo de +1.654%” em relação
aos preços locais.

Os outros negócios, citados pelo juiz Moro, onde houve participação do


operador Henriques foram:

2) venda da Refinaria de San Lorenzo, na Argentina , para a Oil Combustibles;

3) compra de 50% no bloco 2714A, na Namíbia, da inglesa Chariot Oil & Gas;

4) venda de 27,3% da participação indireta na Edesur, da Argentina;

5) reforma da Centro de Pesquisa da Petrobras;

6) obra dos FPSOs 67 e 70.

As ações judiciais (estamos resumindo mais de uma – aliás, várias) são


baseadas, sobretudo, nas auditorias da Petrobras.

A questão é: depois de identificadas tão precocemente as irregularidades na


Diretoria Internacional, por que o governo – ou a presidente do Conselho da
Petrobras, a então ministra Dilma Rousseff – não tomaram alguma providência?

Fundamentemos essa pergunta, pois só é possível chegar a uma resposta


verdadeira se a pergunta for cabível. Voltemos, para isso, aos navios-sonda.

Enfatiza o juiz federal Sérgio Moro:

“A Auditoria Interna da Petrobras analisou e detectou graves irregularidades


na contratação dos navios-sonda Petrobras 10000 e Vitória 10000, contratados da
Samsung, como também dos navios-sonda DS-5, contratado da empresa
PRIDE/ENSCO (também construído pelo estaleiro Samsung) e Titanium Explorer,
contratado da empresa Vantage Drilling, de propriedade da empresa chinesa Taiwan
Maritime Transportation Co. LTD (TMT).”

A auditoria que investigou a construção dos navios-sonda – assim como a


anterior, que investigou o contrato SMS com a Odebrecht – é um documento que
honra a Petrobras – e mostra o quanto é poderoso o conteúdo que sempre fez dela a
mais estimada companhia brasileira, a síntese de nacionalidade e honradez do povo
brasileiro.

O relatório da auditoria aponta que esses negócios da Diretoria Internacional


foram baseados em um “estudo” que era uma fraude, aliás, reiterada. Por exemplo:

“O mesmo estudo foi utilizado, 8 meses após a autorização para construir o


o
Petrobras 10000, para viabilizar a necessidade/oportunidade de se construir um 2
navio-sonda no mesmo estaleiro, e, ainda, para sustentar, no 2 o semestre de 2007, a
negociação e contratação, sem competição, em jan/2008, do navio-sonda da Pride
Global Ltd, o DS-5, também a ser construído pela Samsung Heavy Industries (SH1).

“Acrescente-se que, em set/2007, a área técnica questionou a necessidade da


contratação desse 3o navio-sonda. O levantamento de oportunidades/necessidades
da Área Internacional deixou de considerar o contrato de serviços de perfuração
firmado com a empresa Sevan Drilling Pte Ltd (sonda Sevan 650), em set/2006, para
operações em águas ultraprofundas da costa americana do Golfo do México, com
opção de também operar em outras partes do mundo” (cf. Relatório de Auditoria
Interna R-02.E.003/2015, p. 3/4, grifos nossos).

Em seguida, os auditores da Petrobras abordam o caso que merece mais atenção


do juiz Moro, o já mencionado aluguel do navio Titanium Explorer:

“... outra contratação sem necessidade comprovada foi a do navio-sonda


Titanium Explorer. Enquanto a área técnica apresentava estudo indicando que a
necessidade imediata seria a contratação de sonda para 1.800 de lâmina d’água,
a INTER-DN recebeu ofertas, negociou e contratou, em jan/2009, por 8 anos,
sonda para 3.000” (idem, p. 4, grifos nossos).

Trata se um contrato de serviço (Drilling Service Contract – DSC) no valor de


US$ 1.816.000.000,00 (um bilhão e 816 milhões de dólares) com a Vantage
Deepwater Company, subsidiária da Vantage Drilling Corporation, com sede em
Houston, Texas.

Parece inacreditável que a Diretoria Internacional, cujo titular era indicado pela
cúpula do PMDB, tenha realizado um negócio desse porte, passando por cima da área
técnica da Petrobras. Mas assim foi:

“O recebimento de propostas, as negociações e assinatura de memorandos de


entendimento foram realizados sem prévia autorização da Diretoria Executiva
(...). A boa prática de realizar processos competitivos para a seleção de propostas não
foi seguida. Os registros das rodadas de negociação e dos respectivos responsáveis
foram escassos”.

O mesmo em relação ao outro navio-sonda, o DS-5:

“Na contratação da [empresa norte-americana] Pride (DS-5), os parâmetros


comerciais foram acordados pelo Diretor [Jorge Zelada] antes das rodadas de
negociação para a assinatura do contrato, tornando pouco efetivo o trabalho da
comissão constituída para esse fim. Também, o Diretor assinou o contrato e somente
cerca de 30 dias após o ato submeteu o assunto para homologação da Diretoria
Executiva”.

Mais explicitamente ainda:

“A decisão de contratar o navio-sonda Titanium Explorer ficou restrita a 3


pessoas: o Gerente Geral da INTER-DN/PMDI, o Gerente Executivo da INTER-DN
e o Diretor da Área Internacional.
“Posteriormente, a assinatura de aditivo que concedeu mais prazo para a
apresentação do navio-sonda deixou de ser submetida à aprovação da DE
[Diretoria Executiva], sendo encaminhado por ato de gestão junto com os
documentos de cessão do contrato para a Petrobras America Incorporated (PAI – a
subsidiária da Petrobras responsável pela refinaria de Pasadena)” (cf. Petrobras,
Relatório de Auditoria R-02.E.003/2015, p. 4).

Vamos resumir, embora muito parcialmente, o resultado financeiro desse golpe


contra a Petrobras, segundo a própria auditoria da empresa:

“Em curto período, houve reajuste de 3% (US$ 19 milhões) no preço de


construção dos navios-sonda Petrobras 10000 e Vitoria 10000 pela SHI [Samsung],
sem indicação de qualquer objeção ou questionamento pela Área Internacional. Ao
final das construções, a diferença foi de 5% (US$ 31,5 milhões) num período inferior
a 1 ano”.

Porém, essa diferença já era em cima de preços superestimados:

“... o valor inicial do contrato do Petrobras 10000 foi superestimado em US$


11,9 milhões após inclusão e exclusões de itens no escopo durante negociações, sem
explicação”.

Quando ao Vitoria 10000, “foi estabelecida cláusula de variação cambial entre


US$ e Coroa Norueguesa (NOK) para uma parcela do preço do Vitoria 10000, que
representou acréscimo de US$ 11,4 milhões, por uso de valor de paridade (US$ 1,00
= NOK 6,65) incoerente para o período” (idem, p.4).

Situemos tudo isso, tomando como exemplo o navio-sonda Petrobras 10000.

O preço oferecido inicialmente pela Petrobras a Samsung Heavy Industries


(SHI) para a construção do Petrobras 10000 era US$ 551.000.000,00 (551 milhões de
dólares) – cf. Letter of Intent Petrobras to SHI, 14/04/2006.

Três meses depois, o contrato para a construção do navio-sonda foi assinado por
US$ 586.000.000,00 (586 milhões de dólares) – cf. Drillship Construction and Sale
Contract, 14/07/2006).

Mais três meses, em 18/10/2006, e esse preço aumentou para US$


596.892.300,00 (596 milhões, 892 mil e 300 dólares).

Outros três meses depois, em 07/01/2007, o preço aumentou outra vez, para
US$ 597.371.906,00 (597 milhões, 371 mil e 906 dólares).

Depois disso, passou-se mais de um ano até que, em 27/05/2008, o preço


aumentou para US$ 602.938.531,00 (602 milhões, 938 mil e 531 dólares).

Finalmente, quando o navio ficou pronto, em 30/07/2009, ele custou US$


603.013.501,44 (603 milhões, 13 mil, 501 dólares e 44 cents).

Ou seja, em cima de um preço já inflado, ainda houve um acréscimo de US$


52.013.501,44 (52 milhões, 13 mil, 501 dólares e 44 cents).

Apenas acrescentaremos, para finalizar nosso relato desse caso, algumas


informações que complementam o episódio dos navios-sonda:

1) “As irregularidades na contratação dos navios-sonda Petrobras 10000 e


Vitória 100000 já foram objeto de denúncia pelo MPF, já tendo o colaborador Julio
Camargo afirmado que pagou cerca de U$ 40 milhões como propina para a diretoria
internacional viabilizar o negócio, na época comandada por Nestor Cerveró (cf.
MPF, “Requerimento de medida cautelar de busca e apreensão criminal e prisão
preventiva em face de Jorge Luiz Zelada”, 09/06/2015, p. 22).

2) “Segundo a auditoria da Petrobras, na sonda ENSCO-DS-5 da Pride foi


detectado um superfaturamento de U$ 118 milhões (idem).

3) “As taxas diárias de operação dos 4 navios-sonda estavam dentro da faixa do


mercado para a época em que foram negociadas, mas a análise muda com a adição de
bônus por performance muito elevados” (cf. Petrobras, Auditoria R-02.E.003/2015, p.
5).

4) No caso da sonda ENSCO-DS-5, da Pride, “as taxas de bônus de


performance de 17% estavam elevadas para o caso concreto, tendo em conta que na
época se praticava um bônus de 10%”.

5) “Em relação ao Pride/Ensco DS-5, além do bônus por performance, outras


condições comerciais também são favoráveis à contratada. A inconveniência do
negócio era tão notória que o navio operou no Golfo do México somente entre
11/07/2011 e 26/12/2013, quando foi cedido para a Repsol até 27/10/2014 e, logo em
seguida, cedido para a Murphy até 13/03/2015. Desde então o navio-sonda
permanece ocioso.

6) “Na contratação do Titanium Explorer, a redução de 3% no valor cheio da


taxa diária de operações (taxa + bônus), concedida durante as negociações, veio a
beneficiar a Vantage, pela extensão de mais 1 ano de prazo contratual. Ainda nesse
processo, apesar de a INTER-DN indicar ter adotado critérios de avaliação para
comparar diversas propostas, constatou-se que as mesmas eram incomparáveis,
pois não foram formuladas com parâmetros idênticos, por exemplo, o prazo. Além
disso, não houve consulta formal ao mercado, mas sim a reunião de diversas ofertas
recebidas num período.

7) “A demora em concretizar negociação com a Schahin para a vinda do Vitoria


10000 para o Brasil implicou em custo de aproximadamente US$ 126 milhões.

8) “Em relação ao Titanium Explorer, destaca-se o aditivo que possibilitou a


entrada em operação do navio-sonda com 1 ano de atraso, evitando assim, a
resilição do contrato, que deveria acontecer após 180 dias de atraso. Cabe
destacar ainda a liberação da multa após os primeiros 180 dias de atraso que
envolveu o upgrade do BOP [Blow Out Preventer: equipamento de segurança
composto por um conjunto de comportas de controle montadas na cabeça do poço]
da embarcação.

9) “Os relatórios de visitas indicam a presença de Júlio Gerin de Almeida


Camargo em reuniões do então Diretor Nestor Cerveró e com a Mitsui e Samsung.
Evidencia-se ainda que ao menos uma reunião contou com a presença de Nestor
Cerveró, Fernando Antônio Falcão Soares [Fernando Baiano] e Júlio Camargo.
Também chamou a atenção o fato de uma mesma pessoa, Hamylton Padilha,
participar de reuniões de negociação representando ora a Pride, atual Ensco, ora a
Vantage”.

10) Nas contas de Zelada no Julius Baer Bank, em Mônaco, entre o mês de
julho e agosto de 2014, houve 48 entradas de títulos, no valor global de EUR
7.558.496 (sete milhões, 558 mil e 496 euros). Zelada estava tentando fazer a mesma
coisa que Renato Duque, e no mesmo banco (um deles): transferir valores da Suíça,
onde a Justiça brasileira já conseguira entrar em acordo com as autoridades locais,
para outros países.
17. Roubo e desinvestimento: Dilma e Collor na Petrobras

Há, na conduta de Vaccari – aprovada explicitamente pelo Sr. Rui Falcão,


presidente do PT – e de outros membros da mesma agremiação envolvidos no
esquema revelado pela Operação Lava Jato, uma evidente hostilidade a Petrobras.

Se é algo consciente, ou não, a questão é menos importante, porém, não


desprezível. O que isso representa como hostilidade ao Estado nacional – e, portanto,
ao país e ao povo do país – aparece exposto na postura elitista e arrogante de alguns
desses elementos.

Comprar apartamentos ou casas em bairros grã-finos não é o maior – embora


não seja o menor (até porque há o problema da origem do dinheiro) – dos sintomas
dessa, digamos assim, doença ideológica. Não esqueçamos da ridícula tentativa de
transformar, fantasiosamente, o Brasil em um “país de classe média”, e, no limite, o
horrendo deslumbramento com os espetáculos imperiais, que faz a senhora presidenta
sair do carro do Google – aquele que não precisa de motorista, um brinquedo que já
tem seis ou sete anos – com um olhar esgazeado, dizendo: “eu vi o futuro”.

Não faltaram nem alguns espelhinhos.

Notemos, também, que essa hostilidade coincide perfeitamente com a política


pública do governo Rousseff em relação a Petrobras: desde leiloar o maior campo
petrolífero do mundo, Libra, descoberto pela nossa empresa, para abri-lo às
multinacionais, até a privatização – e/ou desnacionalização – total ou parcial dos seus
ativos (Gaspetro, BR Distribuidora, frota de petroleiros etc.), exatamente como fez
Collor.

Aliás, é bom relembrar, pois o esquecimento é o co-piloto da reação: entre as


primeiras medidas de Collor estiveram a destruição da Petrobras Mineração S.A.
(Petromisa) e da Petrobras Comércio Internacional S.A. (Interbrás), a maior trading
do país, com ativos de US$ 600 milhões e contratos assinados no valor de US$ 1
bilhão (cf. Diário do Congresso Nacional, Ano XLV, no 22 e no 23, Seção I,
27/03/1990 e 28/03/1990).

A palavra “destruição” não é uma ênfase: a Petromisa e a Interbrás foram,


simplesmente, fechadas. Não é difícil perceber a quem beneficiava essa chacina em
cima da Petrobras.

Em seguida, Collor destruiu a subsidiária mais antiga da Petrobras, a Petrobras


Química S.A. (Petroquisa) – esvaziando-a, por privatizar sua participação numa
série de outras empresas, incluindo a Petroflex, a maior produtora de borracha
sintética do Hemisfério Sul, hoje filial da alemã Lanxess, e a Companhia Nacional de
Álcalis.

Em suma, esse desinvestimento amputou o braço petroquímico da Petrobras,


levando o país a uma crise nessa área, da qual ainda não se recuperou totalmente.

O mesmo aconteceu com a Petrobras Fertilizantes (Petrofértil): a Fosfértil e a


Goiasfértil foram privatizadas ainda em 1992, depois a Ultrafértil e a Arafértil.

Que diferença há, em relação a Petrobras, entre a política de Collor e a de


Dilma?

Não é acaso que Dilma tenha entregue a maior parte da BR Distribuidora – a


segunda empresa do Grupo Petrobras e segunda do país em faturamento – exatamente
a Collor, depois do que este, em seu breve governo, fez contra a Petrobras.

As consequências foram terríveis – mas como poderia ser diferente?

A Petrobras sempre foi o principal alvo, desde as múmias que tentavam impedir
que ela existisse – e, logo depois, queriam destruí-la no nascedouro –, de todos os
entreguistas, traidores do país e meretrizes a serviço de Washington e Wall Street.

Privilegiar – em troca de propina – parasitas e achacadores dentro da Petrobras é


a inovação que a cúpula do PT trouxe, é verdade que com gatuna tecnologia alheia, à
história de atentados contra a Petrobras.
Os trechos das mensagens trocadas pelo Sr. Marcelo Odebrecht com seus
funcionários – especialmente com Rogério Araújo, diretor da Odebrecht Plantas
Industriais e Participações – são muito ilustrativos da atividade de quadrilha,
característica do cartel que assaltou a Petrobras.

Por exemplo, na quinta-feira 24 de julho de 2014, depois da prisão do ex-


diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa – mas antes da prisão dos ex-
diretores Renato Duque e Nestor Cerveró – houve a seguinte troca de mensagens
entre Marcelo Odebrecht e Rogério Araújo (com cópia para Márcio Faria da Silva,
diretor da Construtora Norberto Odebrecht, e Maurício Ferro, diretor jurídico da
Odebrecht):

Rogério Araújo (18:04 h): Como sabemos, foram indicadas algumas pessoas da
Cia [Petrobras] como testemunhas para processo PR [Paulo Roberto Costa]. Uma
delas, Wilson Guilherme (GEX Abast), foi abordado por MGF [Maria das Graças
Foster] na seguinte linha: “pense bem antes de ir e se definir em que quadrilha vc
pertence!”.

Marcelo Odebrecht (18:06 h): Não sei se entendi bem a mensagem dela.

Rogério Araújo (18:14 h): Se for da quadrilha do PR, depor favorável a ele.

Marcelo Odebrecht (18:15 h): Ou seja, ela quer detonar o PR? Não apenas não
ajudar mas atacar? Acha que não tem refluxo?

Rogério Araújo (18:21 h): Também detonar Duque (será testemunha), Cerveró
e Gabrielli. Não sei se tem alinhamento com PR…

Marcelo Odebrecht (18:24 h): Seria bom se tivéssemos certeza desta postura
dela, pois seria mais um ponto de minha conversa amanhã. Isto é suicídio, só vai
prejudicar governo e empresa.

Rogério Araújo (18:35 h): Com relação ao WG [Wilson Guilherme], certeza


absoluta! Com relação ao Duque, ela fez o seguinte comentário numa apresentação
GT a DE [diretoria executiva], sobre ação do Imbassay junto a Proc Geral União
acerca RNEST [Refinaria Abreu e Lima], arrolando ex-diretoria e atual para escutar
a apresentação: solicitou ao Jurídico (Nilton Maia) para preparar trabalho defesa
da atual diretoria e disse que não poderia fazer mesmo com PR (se beneficiou) e
Duque (dinheiro para Partido)! Quanto ao Cerveró e Gabrielli, [ela] tem feito
comentários ruins face Pasadena. Outro que ela detona é Zelada (cf. Relatório de
Análise de Polícia Judiciária no 438/2015 – Operação Lava-Jato/SR/DPF/PR).

Há duas questões que imediatamente são levantadas por essa troca de


mensagens.

A primeira é a ligação de Odebrecht com Paulo Roberto Costa, Renato Duque,


Nestor Cerveró e Jorge Zelada.

O que não é surpreendente: a Odebrecht, mais que as demais empresas do cartel,


havia adquirido esses elementos no mercado. Portanto, Costa, Duque, Cerveró e
Zelada eram tratados como propriedade da Odebrecht.

As mensagens instantâneas e e-mails dos diretores da Odebrecht, não apenas


confirmam as acusações e reforçam as demais provas, como, também, mostram uma
rara – e perigosa – sensação de impunidade. É como se eles contassem com o
governo para torná-los imunes às leis e à Justiça.

Por exemplo, note-se este e-mail do presidente da Odebrecht Oil and Gas,
Roberto Prisco Paraíso Ramos, ao chefe do grupo, Marcelo Odebrecht, com cópia a
Márcio Faria da Silva, Rogério Araújo e ao diretor-superintendente da Odebrecht
Engenharia Industrial, Fernando Barbosa:

“Falei com o André em um sobre-preço no contrato de operação da ordem de


$20-25000/dia (por sonda). Acho que temos que pensar bem em como envolver a
UTC e OAS, para que eles não venham a se tornar futuros concorrentes na área de
afretamento e operação de sondas. Já temos muitos brasileiros ‘aventureiros’ neste
assunto (Schahim, Etesco.). Internamente, eu posso transferir resultado da OOG
[Odebrecht Oil and Gas] para a CNO [Construtora Norberto Odebrecht], mas não
posso fazê-lo para as outras duas; isto teria que ir dentro do mecanismo de
distribuição de resultados dentro do consórcio.”

O André mencionado por Roberto Prisco é o banqueiro André Esteves, dono do


BTG Pactual, principal acionista da Sete Brasil – a empresa que o Sr. Duque inventou
para alugar sondas para a Petrobras, construídas com dinheiro do FGTS, e, no plano
inicial, do BNDES – além de dinheiro da própria Petrobras –, em estaleiros do cartel
do bilhão.

O que Prisco comunica a Odebrecht é, evidentemente, um sobrepreço contra a


Petrobras, única cliente da Sete Brasil.

Quanto ao e-mail que vem a seguir, a denúncia do Ministério Público aponta,


corretamente, que ele mostra como a Odebrecht sabia de informações privilegiadas.

Porém, há outra coisa interessante, sobretudo para quem acha que defender a
Odebrecht – portanto, o roubo da Odebrecht – é defender, supostamente, a
“engenharia nacional”: o desembaraço da Odebrecht na relação com as
multinacionais.

Antes que se diga que estamos defendendo que as empresas nacionais não
tenham relação alguma com as multinacionais, esclarecemos que esse não é o nosso
ponto de vista. O que é característico aqui é a desinibição, por exemplo, nessa
mensagem de Rogério Araújo para Marcelo Odebrecht – e como o esquema EPC (v.
HP 26/08/2015) se prestava não apenas ao assalto contra a Petrobras, mas, também,
ao contubérnio entre monopólios internos e monopólios multinacionais – o que, no
caso, é apenas a outra face da moeda. A mensagem é a seguinte:

“(1) Este assunto está sendo conduzido pela Engenharia/Amaral em conjunto


G&E/Antonello.

“(2) A modelagem definida pela Pb [Petrobras] eh a seguinte: vai ser feita uma
licitação a âmbito da Petrobras para a escolha do Epcista (parceria entre Empresa
+Turbineiro) que participará com a Pb/G&E no Leilão.
“(3) Nos já estamos em parceria com exclusividade, com a Alsthon [sic]. Ainda
estão no processo, na condição de turbineiros, a Siemens e ABB.

“(4) Confidencialmente, tivemos acesso as Empresas que a Pb [Petrobras] vai


convidar para a Licitação do Epcista+Turbineiro, com objetivo escolher seu
Parceiro para o Leilão: CNO, Galvão, Setal, SK, Techint, GDK. Estão fazendo força
para entrar nesta lista a Hyundai e ABB.”

A outra questão, levantada pela troca de mensagens com a qual iniciamos este
artigo, diz respeito à atitude da senhora Maria das Graças Foster, uma incapacidade
colocada à testa da Petrobras por Dilma, com resultados desastrosos.

A senhora Foster jamais foi uma privilegiada quanto ao horizonte mental – sua
credencial para chegar à presidência da Petrobras (como, aliás, a todos os cargos que
ocupou a partir de 2003) era a proximidade com Dilma, e nada mais. Embora, é
bastante possível que ela tenha acreditado na Fortune, a revista dos monopólios
norte-americanos, que, com olho no pré-sal, a escolheu “mulher mais poderosa do
mundo fora dos EUA”.

Mas, deixemos de lado as brincadeiras – ou palhaçadas – imperialistas. Vamos


ao que é sério: segundo o diretor da Odebrecht, ela estava encarando os
acontecimentos como uma briga de quadrilhas, ao dizer para um gerente, listado
como testemunha de Paulo Roberto Costa: “pense bem antes de ir e se definir em
que quadrilha vc pertence!”.

Pode ser – é o mais provável – que a senhora Foster não tenha percebido o que
falou, ou seja, que tenha cometido um lapso, um “ato falho”. Mas o que caracteriza o
ato falho é, precisamente, revelar o que a pessoa não quer revelar nem para si mesma.

Além da questão psicológica, ao detonar Costa, Duque etc., a preferida de


Dilma demonstrava, mais uma vez, sua incompetência: nem percebia – como
Odebrecht percebeu – que estava detonando o próprio esquema que a havia (assim
como a Dilma) alçado ao cobiçado cargo, isto é, o esquema do PT e, portanto, do
governo.

Certamente, a essa altura dos acontecimentos, a detonação do esquema não


dependia dela – mas parece que ficou satisfeita com algo que, no final das contas,
inevitavelmente acabaria por derrubá-la da presidência da Petrobras.

Obviamente, como escreveram alguns articulistas sobre a troca de mensagens


entre Marcelo Odebrecht e Rogério Araújo, se ela sabia que havia uma quadrilha – ou
mais de uma – na Petrobras, por que não a(s) denunciou?

Porque ela sabia quais eram essas quadrilhas – inclusive quem as acobertava.

Basta fazer a pergunta acima sob outra forma: durante os sete anos em que,
antes de ser presidente da empresa, ocupou cargos dentro do Grupo Petrobras (2005-
2012), mais os dois anos (2003-2005) como secretária de Petróleo, Gás Natural e
Combustíveis Renováveis da então ministra Dilma Rousseff – e sendo casada com
um empresário, o Sr. Colin Vaughan Foster, que era fornecedor da Petrobras – ela não
percebeu nada?

Quanto a sua excitação para detonar a diretoria anterior – a mesma na qual foi
diretora de Gás e Energia –, ela aparece logo no dia de sua posse na presidência, em
2012, pelo pior lado possível: o chaleiramento da mídia, sobretudo norte-americana, e
da especulação com papéis da Petrobras em Nova Iorque. Em suma, ela atacou o que
houve de melhor na diretoria anterior com o objetivo de tornar-se, supostamente, a
mais querida da Fortune e outras porcarias semelhantes.

Ela não estava interessada nos problemas reais. Tanto isso é verdade que, ao
falar do custo da Refinaria Abreu e Lima, que passou de US$ 2,3 bilhões em
setembro de 2005 para US$ 20,1 bilhões em junho de 2012 (ou seja, nove vezes o
custo inicialmente previsto), com três anos de atraso no “primeiro trem” (a primeira
parte da refinaria; o atraso em relação ao conjunto da refinaria é, evidentemente,
maior), a senhora Foster jogou a responsabilidade sobre a diretoria anterior, mas
omitiu as causas reais dos problemas – os sobrepreços e superfaturamento do cartel
continuaram impunes na sua gestão.

As críticas à diretoria anterior estavam, portanto, a serviço de sua autopromoção


– basicamente, de mostrar-se confiável aos especuladores, sobretudo aos externos.

Já em 2014, é outra coisa que aparece. Sua ação, diz Odebrecht, “é suicídio”.

A explicação parece ser que, ao que tudo indica, a senhora Foster foi movida
pelo ressentimento em relação ao ex-ministro José Dirceu, que, em 2004, havia, em
documento da Casa Civil (Nota Técnica n o 23/2004), alertado a então ministra Dilma
Rousseff para os negócios com a Petrobras do marido de sua favorita. Nesta nota,
Dirceu diz que considera “prudente” (sic) a ministra tomar conhecimento das
denúncias.

O que, aliás, pouco adiantou: a partir de 2007, a C. Foster, empresa do marido


da senhora Foster, assinou 42 contratos com a Petrobras.
18. A subserviência do governo e do PT aos cartéis e o assalto à Petrobras

Na instalação do gasoduto entre os campos de Lula e Cernambi, uma


subsidiária da empresa italiana ENI, a Saipem, representada por um certo João
Bernardi Filho, conseguiu ganhar uma tortuosa concorrência – se for possível chamar
o que houve de “concorrência” – através de uma propina ao Sr. Renato Duque, então
diretor de Serviços da Petrobras e parceiro de João Vaccari, tesoureiro do PT.

Bernardi Filho, ex-diretor da Odebrecht, é dono da Hayley, registrada no


Uruguai, sem sede conhecida naquele país, mas com uma conta na Suíça e uma
“subsidiária” no Rio de Janeiro, a Hayley do Brasil, proprietária das salas 3.418 e
3.419, na rua da Assembleia no 10. Nessas salas, funcionava uma outra empresa, a
D3TM Consultoria e Participações, de propriedade, vejam só a coincidência, do Sr.
Renato Duque – posteriormente, a D3TM compraria as salas por R$ 770.000,00
(setecentos e setenta mil reais).

O mesmo Bernardi Filho é dono de outra empresa, a Oil & Gás Service, em
sociedade com Alexandre Santos de Oliveira – que, por outra coincidência, é genro
de Irani Carlos Varella, antecessor de Duque na diretoria de Serviços da Petrobras,
ex-diretor da Petrobras Uruguai, e, depois, assessor especial da senhora Foster,
quando presidenta da Petrobras.

Aqui, vejamos o que foi provado:

“A partir dos depoimentos de Júlio Camargo, tomou-se conhecimento que uma


das empresas responsáveis para intermediar o pagamento de propina no exterior em
favor de Renato de Souza Duque era a empresa offshore Hayley S.A. (...).

“... João Bernardi atuou lavando dinheiro proveniente de crimes de corrupção


em favor de Renato de Souza Duque, mediante a utilização das contas das empresas
Hayley S.A. e Hayley do Brasil para o recebimento e posterior internalização dos
valores. A Hayley do Brasil ocultava e dissimulava o pagamento de vantagem
indevida a Renato de Souza Duque por intermédio da aquisição e posterior destinação
de obras de arte ao ex-diretor.

“... João Bernardi ofereceu vantagem indevida a Renato Duque para favorecer a
Saipem S.A. na celebração do contrato da obra de instalação do gasoduto submarino
de interligação dos campos de Lula e Cernambi” (cf. Ação Penal no 5014721-
44.2015.404.7000).

Vamos poupar aos leitores os detalhes da “licitação” – na qual a Saipem foi


“concorrente” única, pois as outras empresas desistiram (cf. Anexo 15 da AP citada).

Então, continuemos nosso resumo:

“No dia 05/10/2011, às 11:30 horas, no Largo da Carioca, Centro do Rio de


Janeiro/RJ, João Bernardi se dirigia à sede da Petrobras para entregar R$ 100.000,00
de vantagem indevida prometida a Renato de Souza Duque, quando foi assaltado a
cerca de 270 metros da Petrobras na posse dos valores em espécie.”

Bernardi Filho foi assaltado na frente do prédio onde se localiza o BNDES, na


mesma avenida do Rio de Janeiro onde também está a sede da Petrobras.

“... João Bernardi afirmou à Polícia que tinha acabado de sacar tal quantia do
Citibank (...). O trajeto percorrido por João Bernardi deixa claro que ele se dirigia à
sede da Petrobras para entregar a vantagem prometida a Renato de Souza Duque”.

Em suma, Bernardi sacou o dinheiro na agência do Citibank na rua da


Assembleia e foi a pé até a Avenida Chile. Um caminho interessante, que muitos
cariocas já percorreram. Mas não com R$ 100 mil na mala.

O mais interessante é que o assalto parece ter tocado o alarme na Saipem, até
então agindo com uma tranquilidade espantosa nas aposições de margens de preço
que fez nas negociações com a diretoria de Serviços da Petrobras – sem que esta
fizesse o que lhe competia: desclassificar a empresa.

No dia seguinte ao assalto, nada menos que sete representantes da Saipem


entraram no prédio da Petrobras entre 9:10 h e 9:30 h da manhã (cf. AP cit.).
No mesmo dia, à tarde, “João Bernardi, junto com Roberto Noce, identificado
como visitante da Saipem, também visitam a estatal” (idem).

Também no mesmo dia, as negociações com a Saipem foram fechadas.

O contrato foi assinado por R$ 248.970.036,92, o que significa 26% acima da


segunda estimativa da Petrobras (a mágica de Duque foi variar os itens do contrato,
cada vez que a Saipem apresentava uma proposta acima da estimativa da Petrobras, e,
por fim, adaptar a estimativa à proposta da Saipem; os +26% a que aludimos têm o
objetivo de tornar nítido, para o leitor, o que significavam essas negociações – mas
não ignoramos que as propostas, quanto ao que a Saipem deveria fornecer, não eram
idênticas).

Quando se pretende apresentar o roubo, o favorecimento a um cartel – e a


propina – como uma atividade “de esquerda”, é inevitável que a patifaria se torne, ao
mesmo tempo, ridícula. Mas nem por isso é menos patifaria.

Permitam os leitores algumas considerações de ordem geral.

Não é novidade que monopólios privados são achacadores, corruptos e


corruptores, por sua própria natureza econômica – em suma, são antissociais.

Nem é preciso lembrar – mas, afinal, essa lembrança é bem a propósito – o


“caso Lockheed”, onde até o marido da rainha da Holanda foi subornado, além do
ministro da Defesa da Alemanha Ocidental, do primeiro-ministro, do presidente e de
dois ministros da Itália e do primeiro-ministro do Japão – para vender, por preço
estúpido, um caça norte-americano, uma das versões do Starfighter F-104,
especialmente ineficiente: na Alemanha Ocidental, caíram 292 deles, com perda total,
inclusive a morte de 115 pilotos alemães, sem que aparecesse nenhum MiG soviético
ou alemão oriental pela frente ou fosse travado qualquer combate; na Itália, caíram
137 Starfighter; na Bélgica, 42 desses caças da Lockheed foram ao chão, sem que se
possa dizer que alemães, italianos ou belgas sejam mais incompetentes que os
americanos no manejo de um avião. A solução desses países da Otan foi, também,
interessante: revenderam esses caças, comprados devido ao suborno, para Taiwan e
outros lugares mais desafortunados.

Os sobrepreços e o superfaturamento, assim como o suborno de agentes


públicos, é a regra nos cartéis, exatamente porque o objetivo de um cartel é o
monopólio privado, para que as empresas integrantes obtenham superlucros através
de sobrepreços, com o esmagamento de outras empresas, que não pertencem à
confraria. Mas esse esmagamento de outras empresas não se dá porque as empresas
monopolistas, as empresas cartelizadas, sejam mais eficientes que as outras, ou seus
produtos sejam melhores, e, sim, porque têm maior poder financeiro e influência
política.

A rigor, monopólios privados não concorrem, isto é, não competem com seus
produtos no mercado; o que eles fazem é quebrar a concorrência devido ao seu maior
poder financeiro.

No entanto, não é uma fatalidade que monopólios e cartéis dominem o país e


corrompam os funcionários, o governo e os partidos governistas.

Tanto isso é verdade que nos EUA, a terra dos monopólios privados e cartéis,
Franklin D. Roosevelt e outros governantes conseguiram, ao menos, limitá-los. Se
mais não foi feito nesse terreno, deve-se às sentenças a favor de monopólios e cartéis,
emitidas pela Corte Suprema ou sob a égide desta.

Somente para exemplo: em 1938, o governo Roosevelt quis dissolver a Alcoa,


um caso óbvio de monopólio, pois dominava 100% do mercado de alumínio nos
EUA. Não conseguiu, devido a várias sentenças judiciais. Hoje, a Alcoa é uma das
principais integrantes do cartel armamentista daquele país.

Apesar disso, antes da Segunda Guerra Mundial, o governo Roosevelt


conseguiu estabelecer várias barreiras à espoliação dos cartéis; a principal, que
permaneceu até o governo Clinton, 60 anos depois, foi uma barreira ao principal dos
cartéis do país, o cartel dos bancos, o que não foi pouca coisa (como declarou, já em
1911, o então governador de Nova Jersey, Woodrow Wilson, depois presidente dos
EUA, “o grande monopólio neste país é o monopólio do dinheiro” – cf. The New
York Times, June 16, 1911, page 3).

Aliás, até 1979 as ações do governo dos EUA contra cartéis e monopólios eram
mais de 400 ao ano, sem contar ações de governos estaduais. É pouco, considerando a
camisa de força monopolista que constrange a economia norte-americana desde o fim
do século XIX. Mas esses processos decresceram a partir de 1980, quando Reagan
entrou na Casa Branca, e, principalmente, depois que Clinton, logo no início de seu
primeiro mandato, substituiu a legislação anticartel dos EUA por uma lei de leniência
para empresas integrantes de cartéis – nos últimos 10 anos, a média de processos
baixou para 150 ao ano (cf. U.S. Department of Justice, Antitrust Division, Workload
Statistics, 1970-2014).

Com uma importante diferença: a partir do governo Clinton, os órgãos de


fiscalização norte-americanos retiraram o foco dos cartéis e monopólios internos e se
tornaram barreiras de proteção dos monopólios norte-americanos contra empresas –
e, inclusive, monopólios – de fora dos EUA. As principais multas por formação de
cartel, desde 1993, foram aplicadas a Hoffmann-La Roche, da Suíça, a BASF, da
Alemanha – ambas envolvidas no “cartel das vitaminas” (formado por elas e mais a
Rhône-Poulenc, da França, hoje Aventis/Rhodia) –, a SGL Carbon AG, da Alemanha
e a Mitsubishi, japonesa, envolvidas no cartel dos eletrodos de grafite.

Somente em quinto lugar nas multas, e, mesmo assim, porque era a terceira
empresa do cartel dos eletrodos de grafite – um componente essencial para a indústria
do aço – aparece uma empresa norte-americana, a UCAR International, hoje,
GrafTech International (cf. Eduardo Athayde de Souza Moreira e Rodrigo Peñaloza,
Programas de Leniência, Corrupção e o Papel da Corregedoria da Autoridade
Antitruste, UnB, 2004).

A sexta maior multa, também foi para um monopólio norte-americano. Mas esse
foi um dos maiores escândalos empresariais – ou, a bem dizer, monopolistas – da
história: a formação, pela Archer Daniels Midland (ADM), pela japonesa Ajinomoto,
e mais oito empresas menores, do “cartel da lisina e do ácido cítrico”, história
relatada no filme The Informant!, de Steven Soderbergh, com Matt Damon.

Foi um escândalo tão escandaloso (desculpem, leitores, mas foi inevitável), que
a multa de US$ 100 milhões, a que a ADM foi condenada, quase parece irrisória. Até
porque essa multa corresponde a 1/6 do faturamento anual do cartel somente com a
lisina – um aminoácido indispensável nas rações para galináceos e suínos. Mas é
verdade que a soma de todas as multas desse caso (foram multadas 10 empresas, com
sede em sete países diferentes, e 11 executivos) atingiu, nos EUA, US$ 225 milhões.

Desde 1993, das 26 empresas condenadas a multas acima de US$ 10 milhões


por formação de cartel nos EUA, somente cinco eram norte-americanas (cf. Karla
Margarida Martins Santos, “Os cartéis transnacionais e a transnacionalização das
decisões do direito concorrencial”, Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 9, n.
4, 2012, p. 72 e 73).

Somente para completar as informações: a ADM, que monopoliza o etanol nos


EUA, em 2014 foi a quinta multinacional norte-americana com maior faturamento
dentro do Brasil – e, também, de janeiro a agosto do ano atual, a quinta maior
exportadora, após a Vale, Petrobras, Bunge e Cargill (cf. Exame, “As Melhores
Empresas do Brasil em 2014” e Valor Econômico, “Cresce participação das
agroindústrias entre as líderes das exportações”, 24/09/2015).

Aqui, a atuação da ADM está na produção de soja, biodiesel, cacau e etanol,


mas, sobretudo, na monopolização do comércio de produtos agrícolas –
aproveitando-se da escassez de crédito, monopólios multinacionais, que também são
tradings, como Bunge, Cargill e ADM comportam-se como bancos, emprestando
dinheiro a agricultores para comprar sua produção antes que ela seja plantada, e,
depois, exportá-la (daí o reacionarismo dos agronegocistas da ministra Kátia Abreu,
fiéis crentes dos benefícios trazidos pela invasão do campo brasileiro pelas
multinacionais – até que elas tomem as suas terras).
Não é preciso muito esforço para imaginar a que preços relativos essas
multinacionais obtêm a produção de agricultores brasileiros – basta ouvir ou ler as
gravações de chamadas telefônicas que estão no processo do cartel da lisina, no site
do Departamento de Justiça dos EUA (antes que se diga, como afirmaram alguns
executivos da ADM nos EUA, que isso é coisa antiga, exercemos aqui o direito de
duvidar que tenha acontecido alguma revolução ética dentro da empresa, nos últimos
tempos; o que, realmente, parece coisa antiga, é o governo dos EUA preocupar-se
com esse problema).

Em suma, monopólios privados eliminam ou manietam o mercado – e não


porque seus produtos ou serviços sejam melhores. A propina, a corrupção de
funcionários públicos, de agentes que têm por função zelar pela propriedade pública,
coletiva, social, é parte dessa atividade de gângster.

Essa eliminação do mercado – isto é, da concorrência – é o significado da frase


do presidente da ADM que aparece numa das gravações do processo do cartel da
lisina: “Nossos concorrentes são nossos amigos. Nossos clientes são o inimigo”
(“Our competitors are our friends. Our customers are the enemy”).

Na gravação, o presidente da ADM diz a um dos principais executivos da


companhia que esse “slogan da ADM penetrou a empresa inteira” (cf. a conferência
de Scott D. Hammond, subprocurador-geral dos EUA e chefe da Divisão Antitruste
do Departamento de Justiça de 2005 a 2013, “Caught in the Act: Inside an
International Cartel”, OECD Competition Committee, Paris, 18/10/2005).

A frase do presidente da ADM parece uma atualização daquela outra, de J.P.


Morgan, o monopolista-mór dos EUA, depondo, em 1912, no Congresso dos EUA:
“eu gosto de um pouco de competição”.

Aliás, essa parte do depoimento de Morgan é muito instrutiva: o advogado e


empresário Samuel Untermyer, conselheiro do comitê presidido pelo deputado
Arsène Pujo, depois de destacar que alguns dos membros da firma de Morgan eram,
não somente membros do conselho de outros bancos, mas também membros da
diretoria executiva desses bancos, perguntou a Morgan:

Untermyer: Você acha que isso promove a competição?

Morgan: Isso não a impede.

Untermyer: Você é contra a competição, não?

Morgan: Não. A competição não me importa.

Untermyer: Você preferiria, ao invés dela, as combinações, não é?

Morgan: Preferiria.

Untermyer: Você preferiria ter combinações do que concorrência?

Morgan: Sim.

Untermyer: Você é um defensor das combinações e da cooperação contra a


concorrência, não é?

Morgan: Sim, eu favoreceria a cooperação.

Untermyer: As combinações contra a competição?

Morgan: Também não faço objeção à competição. Eu gosto de um pouco de


competição.

(cf. Testimony of J. P. Morgan before the Bank and Currency Committee of the
House of Representatives, December 18 and 19, 1912, p. 25.)

É mais ou menos evidente como Morgan obtinha “cooperação”.

Voltemos ao presidente da ADM: evidentemente, os “concorrentes” somente


podem ser “amigos” porque deixaram de ser concorrentes: passaram a ser cúmplices
na esforçada missão de arrancar o couro dos clientes, isto é, dos consumidores, da
população – que é o inimigo para os cartéis e monopólios privados.

A transformação de empresas que se regem pela concorrência em monopólios é


um fenômeno econômico.

O problema é quando se considera que os monopólios privados, ao invés de


levarem à estagnação, ao atraso e à pilhagem do país e do povo – como levam – são o
suprassumo do que é moderno no capitalismo.

Mas somente é possível considerar essa praga como o ápice da modernidade por
submissão a esses monopólios. Essa ideologia, totalmente falsa, é a racionalização de
uma submissão real, verdadeira – ou, o que é a mesma coisa, a suposta justificativa
da covardia diante desses monopólios.

Porém, não é apenas porque a cúpula petista acha a cartelização da economia


algo muito moderno, racionalizando assim o seu esmagamento, que se chegou aos
crimes contra a Petrobras, apurados pela Operação Lava Jato. Eles deram – e dão –
essa cobertura ao Cartel do Bilhão porque foram, e estão sendo, beneficiados pelo
que levaram em troca.

O resultado é a restrição cada vez maior da democracia. Porque nada pode haver
de mais antagônico à democracia dos que os cartéis e monopólios privados. No
limite, sua consequência última é o fascismo. Pode-se dizer que os cartéis, os
monopólios, excretam fascismo, assim como foi possível dizer, no passado, diante do
feudalismo, que o capitalismo concorrencial criava democracia.

Daí o pobre estado a que chegaram as instituições no Brasil – a começar pela


Presidência, onde a opção pelos cartéis e monopólios é abertamente um grito de
guerra contra o povo, vale dizer, contra a democracia.

O fato é que, na atualidade, não existe democracia sem combate aos


monopólios. Veja o leitor, por exemplo, que a negação da democracia pelo poder
monetário dos monopólios financeiros chegou a tal ponto nos EUA – inclusive
oficialmente, pois, desde 2010, a Corte Suprema decidiu que não há limites para os
gastos eleitorais – que até a The Economist, revista que não tem nada contra o
dinheiro, acha um escândalo as eleições norte-americanas (v., p. ex., “Of mud and
money”, The Economist, 08/09/2012).

Mas, nos EUA, nenhum partido, ao beneficiar-se com as sobras que lhe
destinam os monopólios, oficialmente ou sob a forma de propina para os seus
integrantes, pretendeu estar realizando um projeto “de esquerda”.

Pelo menos isso – embora essa seja a forma mais rasteira de moralidade.

Mas, quando até essa desaparece.


19. Os negócios do deputado Cunha segundo Fernando “Baiano”

A confissão do Sr. Fernando Antonio Falcão Soares – que, apesar de alagoano,


tem o apelido de “Baiano” – mesmo em meio à fieira de confissões da Operação Lava
Jato, é bastante incomum.

Abaixo, condensamos um dos vários depoimentos de Fernando Soares, algo que


parece um jorro vindo das entranhas da máfia.

Até aí, se fosse para ler alguma coisa sobre a máfia, seria melhor – ou mais
agradável – recorrer a algum dos milhares de best-sellers norte-americanos sobre o
assunto.

A diferença é que, no relato de Soares, entre os personagens, está o presidente


da Câmara dos Deputados, o presidente do Senado, um ministro de Estado,
senadores, deputados e toda uma corte do que se chama “vida política” no Brasil.

Essa é a situação a que nos levou a política de comprar apoio, instituída pelo
dilmismo, para (supostamente) se perpetuar no poder – sem algo que se possa chamar
de compromisso político, vale dizer, de um projeto para o país.

O estelionato eleitoral é apenas a face mais óbvia dessa política de compra e


venda.

Evidentemente, com isso, o país foi entregue ao que existe de pior em todos os
partidos governistas – inclusive, e sobretudo, ao que há de pior no PT.

A Operação Lava Jato apenas revelou – e ainda está revelando – essas


consequências.

Na medida em que aparecem essas revelações, no entanto, a deterioração


governista, a decomposição do que está no poder, torna-se mais acelerada. A
catalisação do apodrecimento, uma vez revelado, é inevitável, quando se prefere a
podridão – e ainda, para persistir nela, classifica-se o esgoto como o ambiente natural
da “esquerda” ou da “democracia”.

Sobre isso, resta observar que não é à toa que Dilma substituiu os
“trabalhadores” que estão no nome de seu próprio partido pela “classe média” – uma
classe média de fantasia, não aquela que realmente existe – como suposto ideal.
Naturalmente, essa substituição também nada tem a ver com alguma “classe média”
verdadeira. É apenas um apelido para o lumpen, a base do fascismo, sempre
manipulado pelo que há de mais reacionário, de mais retrógrado, de mais opressor, de
mais monopolista.

Muito sintomática é a maneira que os órgãos dilmistas estão tratando a


confissão de Fernando Soares.

Algo evidente em seu depoimento é que o governo – e aqui é especificamente o


governo Dilma – deixou o Sr. Eduardo Cunha locupletar-se a partir de 2011. É isso o
que explica seu extraordinário poder de ajudar colegas a se elegerem, em 2014, que
redundou em sua eleição à presidência da Câmara, um lugar onde já esteve um
Ulysses Guimarães.

Essa tomada das instituições pelo lumpen é uma consequência direta da política
seguida pelo PT no governo – convenhamos que Cunha na Câmara, Renan reinando
no Senado, ou Kátia Abreu como ala esquerda do Ministério, é algo inédito, pela
mediocridade, na História do país. Nem Collor conseguiu juntar tantas nulidades, ao
mesmo tempo, em tantos lugares.

Porém, diz um dilmista sobre os depoimentos de Fernando Soares: “Baiano diz


que iniciou negócios na Petrobras no governo FHC”.

É verdade, mas, por que isso tornaria menos graves os crimes contra a Petrobras
cometidos ao abrigo dos governos posteriores?

Em absolutamente nada, exceto se a tese for a de que, se os tucanos roubaram,


os neotucanos – isto é, os dilmistas – também estão liberados para roubar.

O fato da ação de Fernando Soares ter se iniciado no governo Fernando


Henrique, apenas enfatiza que os dilmistas, mais uma vez, aproveitaram os restos do
esquema dos tucanos. Em suma, nem no roubo conseguem ser originais.

Entretanto, mesmo assim há um problema: Fernando Soares, segundo seu


depoimento, começou a operar dentro da Petrobras para a Unión Fenosa,
multinacional com sede na Espanha, que se aboletou aqui aproveitando-se das
privatizações de Fernando Henrique.

Estavam aproveitando o “apagão” para ganhar dinheiro no ramo das


termelétricas, às custas da Petrobras, pois o único plano de Fernando Henrique para
combater o apagão provocado por sua própria política de privatização, era fazer a
Petrobras arcar com uma série de termelétricas. A Unión Fenosa, nessa época, estava
vendendo manutenção de termelétricas, enquanto açambarcava partes de estatais por
preços amesquinhados, e, no caso da Companhia Estadual de Gás (CEG) do Rio, uma
estatal inteira.

Mas resta provar que o esquema daquela época tinha as mesmas características
do esquema de hoje. Até gostaríamos que fosse assim, mas, infelizmente, as provas
ainda não apareceram. Como o PT está no governo e o PSDB está fora do governo,
não deveria ser difícil obter tais provas.

Mas, do esquema atual, apareceram as provas. Vejamos o depoimento de


Fernando Soares, no último dia 10 de setembro:

“... o depoente, em relação aos contratos de aquisição dos navios-sonda


Petrobras 10000 e Vitória 10000, deveria receber, a título de comissão, a quantia
total US$ 35 milhões de dólares”.

Já abordamos a aquisição desses navios. Foi a própria Petrobras, em auditoria


interna, que apontou a maior parte das irregularidades:

“Em curto período, houve reajuste de 3% (US$ 19 milhões) no preço de


construção dos navios-sonda Petrobras 10000 e Vitória 10000 pela SHI [Samsung],
sem indicação de qualquer objeção ou questionamento pela Área Internacional. Ao
final das construções, a diferença foi de 5% (US$ 31,5 milhões) num período inferior
a 1 ano” (Petrobras, “Relatório de Auditoria Interna R-02.E.003/2015”, v. HP
02/10/2015).

A comissão do operador era, portanto, até maior que a diferença de preço


detectada pela Petrobras.

Mas isso é apenas a comissão de Soares – e do PMDB. Além disso, havia a


comissão do operador da Samsung, Júlio Camargo. Este confessou que distribuiu
US$ 40 milhões em propinas, o que incluiria o que passou para Soares. No entanto,
segundo o relato deste último:

“... entre 2006 e 2007 os valores foram pagos normalmente por Júlio Camargo;

“... porém, a partir de 2007, com a assinatura do segundo contrato de navio-


sonda (Vitória 10000), Júlio Camargo passou a ‘enrolar’ os pagamentos e, em 2008,
com a saída de [Nestor] Cerveró da Diretoria Internacional, os pagamentos cessaram
de vez;

“... o valor devido por Júlio Camargo neste momento (ou seja, em 2008), para o
depoente, referente às duas sondas (Petrobras 10000 e Vitória 10000) era de
aproximadamente US$ 16 milhões de dólares;

“... do valor total de US$ 35 milhões de dólares que Júlio Camargo deveria
repassar (US$ 15 milhões em relação a Petrobras 10000 e US$ 20 milhões da Vitória
10000), ele havia pago aproximadamente US$ 19 milhões de dólares entre os anos
de 2006 e princípio de 2008”.

Foi, então, que Fernando Soares recorreu ao deputado Eduardo Cunha:

“... o depoente conheceu o deputado Eduardo Cunha em 2009, em um café da


manhã no Hotel Marriot, no Rio de Janeiro, com um empresário angolano muito
importante, chamado general João Baptista de Matos;

“... no ano de 2009, o depoente ligou para o gabinete de Eduardo Cunha e


pediu para marcar uma audiência com ele;
“... esta reunião ocorreu em Brasília, no gabinete de Eduardo Cunha; o
depoente afirmou, ao marcar a reunião, que queria conversar com ele sobre empresas
espanholas que queriam desenvolver negócios no Brasil;

“... a partir daí esteve mais algumas vezes com Eduardo Cunha, inclusive no
escritório dele no Rio de Janeiro; o escritório de Eduardo Cunha ficava no Edifício
De Paoli, na Avenida Nilo Peçanha, ocupando um conjunto de aproximadamente três
salas;

“... a partir de 2010, em uma destas conversas, Eduardo Cunha perguntou se as


empresas que o depoente representava não tinham interesse em fazer doações para a
campanha dele;

“... então voltou a ter outra conversa com Eduardo Cunha, em 2010, no
escritório dele no Rio de Janeiro, oportunidade em que o depoente explicou tudo o
que tinha ocorrido na contratação das duas sondas;

“... disse a Eduardo Cunha que esta dívida girava em tomo de US$ 16 milhões
de dólares na época;

“... disse a Eduardo Cunha inclusive que teve pagamentos para políticos do
PMDB por intermédio de Jorge Luz, referente à primeira sonda;

“... fez menção ao nome dos políticos Renan Calheiros e Jader Barbalho,
como destinatários de parte dos valores referentes à primeira sonda;

“... o depoente disse a Eduardo Cunha que, caso lograsse obter o pagamento,
repassaria 20% para a campanha dele;

“... Eduardo Cunha deu o de acordo e autorizou o depoente a usar o nome dele
para cobrar os valores devidos de Júlio Camargo;

“... marcou, então, uma segunda reunião com Júlio Camargo, ainda em 2010, no
escritório dele, na Rua da Assembleia;

“... disse a Júlio Camargo que se não desse uma resolução rápida à questão o
depoente iria trazer o Eduardo Cunha para conversar com ele;

“... Júlio Camargo disse que iria tentar resolver e retomar as conversas com a
Samsung, buscando ajuda da Mitsui nas cobranças e, em seguida, daria uma posição,
mas ele buscou ganhar tempo e enrolar, como era natural dele;

“... houve uma segunda reunião com Júlio Camargo, ainda em 2010, na qual ele
disse que a Mitsui estava conversando com a Samsung, buscando ajudá-lo no
pagamento, e que havia possibilidade de melhor êxito;

“... ainda no segundo semestre de 2010, o depoente esteve com Eduardo


Cunha, na casa dele, na Barra da Tijuca, no condomínio Park Palace; no referido
condomínio há uma câmera logo que se chega, apontada para quem está dentro do
veículo; após anotar a placa, se questionava qual seria o destino e então era feita uma
ligação pelo funcionário da guarita para a casa de Eduardo Cunha, pedindo
autorização para entrar; havia todo o procedimento de, ao menos aparentemente, estar
sendo registrado; questionado onde é a casa dele, respondeu que, entrando pela
portaria principal do condomínio, virando à esquerda, acredita que seja a quarta casa
da rua, sendo uma casa amarela, com alguns detalhes brancos; é uma casa de dois
andares, sendo uma casa aparentemente espaçosa; na casa de Eduardo Cunha, ao
adentrar, o escritório onde se reunia com ele ficava na primeira porta do lado
esquerdo, razão pela qual não teve muito contato com o restante da residência;

“... nesta reunião o depoente explicou a Eduardo Cunha que tinha feito duas
reuniões com Júlio Camargo, assim como alguns contatos telefônicos, mas que Júlio
Camargo ainda estava buscando ganhar tempo, ‘empurrando com a barriga’;

“... como estava no auge da campanha eleitoral, Eduardo Cunha disse que
naquele momento não tinha como gastar tempo com aquilo, mas que iria pensar em
algo e voltaria a falar com o depoente oportunamente;

“... depois disso só voltou a falar com Eduardo Cunha após as eleições,
oportunidade em que esteve no escritório dele para parabenizá-lo pela reeleição, mas
acabaram não tratando deste assunto, apenas de amenidades;

“... já em 2011, a partir de março, o depoente teve nova reunião na residência de


Eduardo Cunha;

“... nesta reunião, o depoente perguntou se não poderia ser retomado o assunto
de Júlio Camargo e o que Eduardo Cunha poderia fazer;

“... embora em um primeiro momento o acordo fosse de apenas usar o nome de


Eduardo Cunha, nesta reunião o depoente falou para Eduardo Cunha que seria
necessário uma pressão mais forte, como uma reunião em que ele estivesse presente
ou outra coisa do tipo;

“... então o depoente propôs a Eduardo Cunha que, do valor que deveria
receber na época, iria repassar 50% do que recebesse de Júlio Camargo para
Eduardo Cunha;

“... o valor era, conforme dito, de US$ 16 milhões na época;

“... Eduardo Cunha disse ao depoente que iria pensar em algo que tivesse um
resultado mais efetivo e voltaria a falar com o depoente”.

Fernando Soares descreve, então, a ideia de Eduardo Cunha para arrancar o


dinheiro:

“... um tempo depois, por volta de abril de 2011, Eduardo Cunha mandou uma
mensagem, pedindo para o depoente se encontrar com ele no escritório do Rio de
Janeiro de Eduardo Cunha;

“... nesta reunião Eduardo Cunha disse ao depoente que havia tomado a
decisão de fazer um requerimento na Comissão de Fiscalização da Câmara, pedindo
explicações sobre os negócios de Júlio Camargo;

“... então Eduardo Cunha pediu ao depoente explicações mais detalhadas sobre
os negócios de Júlio Camargo junto a Petrobras;

“... o depoente afirmou que o negócio das sondas era algo pontual de Júlio
Camargo e que ele não era um representante exclusivo da Samsung;

“... esclareceu a Eduardo Cunha que os negócios mais importantes de Júlio


Camargo eram a atuação dele como representante da Mitsui e da Toyo junto a
Petrobras;

“... Eduardo Cunha disse ao depoente que faria alguns outros levantamentos de
informações e comunicaria sobre os próximos passos;

“... um tempo depois, que não sabe especificar, Eduardo Cunha disse ao
depoente que iria preparar um requerimento junto à Comissão de Fiscalização da
Câmara, pedindo informações sobre a atuação de Júlio Camargo como lobista da
Mitsui e da Toyo junto a Petrobras;

“... neste requerimento, Eduardo Cunha disse que pediria informações não
apenas sobre a atuação de Júlio Camargo como lobista destas empresas, mas também
sobre os contratos destas empresas junto a Petrobras;

“... o depoente pediu para Eduardo Cunha lhe dar um tempo, pois iria tentar
obter uma última ação junto ao Júlio Camargo para obter o pagamento dos valores,
fazendo menção a tais requerimentos que iriam ser feitos; Eduardo Cunha
concordou com isto;

“... cerca de uma semana depois, o depoente teve contato com Júlio Camargo
pessoalmente no escritório dele, na Rua da Assembleia, e explicou toda a situação;

“... disse a Júlio Camargo que estava ‘vindo como amigo’ e que Eduardo
Cunha havia chegado ao limite e não estava mais disposto a dar mais tempo ao
depoente;

“... disse a Júlio Camargo que, se não tivesse uma posição dentro de uma
semana, de que Júlio iria pagar, o depoente iria lavar as suas mãos e a questão seria
resolvida pelo pessoal como eles achassem melhor;

“... inclusive fez menção a Júlio Camargo à possibilidade dos requerimentos na


Câmara dos Deputados;
“... aproximadamente uma semana depois o depoente ligou para Júlio Camargo
e ele disse que ainda não havia uma posição favorável e que precisaria de mais
tempo;

“... o depoente disse então que havia três anos que Júlio Camargo estava lhe
pedindo mais tempo e que não havia mais como ajudá-lo e nem ficar como
interlocutor nesta confusão;

“... então comunicou a Eduardo Cunha que não tinha obtido sucesso e ele
disse que iria seguir em frente com a estratégia dos requerimentos;

“... Eduardo Cunha não comentou se seria ele quem apresentaria os


requerimentos pessoalmente e apenas comentou que faria os requerimentos”.

“... no final de julho ou começo de agosto de 2011, o depoente recebeu uma


ligação de Paulo Roberto Costa, dizendo que precisava falar com o depoente;
combinou com ele de se encontrar em um restaurante em um shopping, em um dia à
noite;

“... nesta oportunidade Paulo Roberto disse que queria comunicar ao depoente
que havia chegado a Petrobras um requerimento, vindo do Ministério de Minas e
Energia, pedindo informações a Petrobras sobre os contratos que a Mitsui e Toyo
tinham junto à empresa e a atuação do Júlio Camargo como lobista dessas empresas;

“... o depoente esclarece que, conforme já dito em outro termo, Paulo Roberto
Costa deveria receber um milhão de dólares em razão do primeiro navio-sonda;
inclusive, antes de falar com Eduardo Cunha, o depoente já havia feito uma similar
proposta para Paulo Roberto Costa, no sentido de que, caso este último lograsse obter
os dezesseis milhões de dólares devidos por Júlio Camargo, o depoente daria a Paulo
não apenas a quantia de um milhão de dólares, mas cinco milhões;

“... neste encontro, ocorrido após os requerimentos de Eduardo Cunha, o


depoente acredita que Paulo Roberto tenha tentado atribuir a si responsabilidade
pelos referidos requerimentos, visando obter a quantia de cinco milhões de dólares;
“... então, o depoente esclareceu a Paulo Roberto Costa que já sabia dos
requerimentos há algum tempo e que tudo isto tinha sido uma estratégia traçada com
Eduardo Cunha;

“... disse a Paulo Roberto Costa que a responsabilidade pelos requerimentos era
de Eduardo Cunha e o depoente já tinha um acerto com Eduardo Cunha;

“... Paulo Roberto Costa afirmou que já tinha informado pessoalmente a Júlio
Camargo sobre os requerimentos e que Júlio Camargo estava muito assustado nesta
conversa;

“... o depoente disse a Paulo Roberto Costa que, se as coisas avançassem no


recebimento dos valores com Júlio Camargo, o depoente iria incluir nesta cobrança a
parte de Paulo Roberto Costa, de um milhão de dólares;

“... Paulo Roberto tentou inclusive aumentar a participação dele, afirmando que
estaria ajudando, mas o depoente disse que não teria condições de prometer nada
além do que havia acertado;

“... quando tivesse maiores detalhes o depoente poderia conversar com Paulo
Roberto novamente sobre o tema”.

Neste ponto, há algo misterioso – ou nem tanto assim: aparece o nome (e a


ação) do ministro das Minas e Energia do primeiro mandato de Dilma:

“... alguns dias depois o depoente foi procurado por Júlio Camargo e estiveram
pessoalmente em uma reunião no escritório dele;

“... Júlio Camargo disse ao depoente que teve uma conversa com o ministro
Edison Lobão;

“... Lobão informou a Júlio Camargo, segundo este último, que iria tentar se
inteirar sobre o tema e depois lhe daria uma posição;

“... Júlio disse ao depoente que Edison Lobão lhe havia orientado a procurar o
depoente, porque Júlio Camargo tinha uma pendência com o depoente;
“... pelo relato de Júlio Camargo, Edison Lobão teria dito que a questão deveria
ser solucionada diretamente com o depoente;

“... questionado se sabe se Eduardo Cunha e Edison Lobão trataram do tema,


disse que nunca perguntou isto a Eduardo Cunha, mas acredita que sim, pois
Edison Lobão pediu que Júlio Camargo resolvesse a questão com o depoente;

“... Júlio Camargo se demonstrava bastante assustado com o requerimento e,


diferente das outras vezes, mostrava claramente que queria resolver o problema dos
pagamentos atrasados;

“... Júlio Camargo sugeriu um encontro entre o depoente, Júlio Camargo e


Eduardo Cunha, porque ele queria fazer uma negociação e esclarecer a Eduardo
Cunha o motivo dos não pagamentos; Júlio Camargo não queria que Eduardo
Cunha ficasse com a imagem dele de que fosse um mau pagador; o depoente disse
que iria conversar com Eduardo Cunha, sobre a possibilidade de realizar a reunião,
e retornaria para ele;

“... em seguida falou com Eduardo Cunha, que aceitou realizar a reunião;

“... marcou esta reunião no escritório de um advogado do depoente, que fica no


Leblon, na Ataulfo de Paiva, esquina com Afrânio de Melo Franco;

“... o depoente foi buscar Eduardo Cunha na residência dele e, inclusive, o


avisou por mensagem de celular, que estava indo buscá-lo;

“... o depoente é quem estava conduzindo o seu veículo, que era uma Land
Rover; referido veículo estava em nome da sua empresa, da Hawk Eyes ou Techinis;

“... quando chegaram, Júlio Camargo já estava na porta;

“... os três subiram em uma porta lateral e o depoente abriu a sala; apenas
participou da reunião o depoente, Júlio Camargo e Eduardo Cunha;

“... Júlio Camargo, então, fez todas as suas explicações, afirmando que não tinha
pago porque não tinha recebido da Samsung, mas que queria resolver a situação, pois
não queria ficar mal perante Eduardo Cunha;

“... Júlio Camargo fez uma proposta de um pagamento parcelado e chegar à


redução do valor que era devido, pois o dinheiro iria sair do seu bolso;

“... em um primeiro momento, já houve uma divergência de valores, pois, nas


contas do depoente, Júlio Camargo devia aproximadamente dezesseis milhões de
dólares, enquanto ele falava que devia doze milhões de dólares;

“... independentemente do valor, Júlio disse que somente tinha condições de


pagar dez milhões de dólares e a proposta dele foi de pagar este valor, de forma
parcelada, e, conseguindo receber da Samsung, iria pagar os milhões de dólares
restantes para o depoente;

“... na reunião, ficou claro a Júlio Camargo que metade do valor devido fosse
para Eduardo Cunha; inclusive, Júlio Camargo inicialmente queria pagar apenas a
parte de Eduardo Cunha, deixando para pagar posteriormente o valor de Fernando
Soares;

“... Júlio Camargo inicialmente queria pagar tudo por meio de emissão de notas
fiscais por intermédio das empresas do depoente e que ficasse encarregado de
repassar os valores para Eduardo Cunha, o que não foi aceito pelo depoente, pois o
depoente não tinha como receber isto pessoalmente e repassar a Eduardo Cunha;

“... depois de uma negociação demorada, o valor devido ao depoente seria pago
através das empresas do depoente e o valor referente aos pagamentos de Eduardo
Cunha seria feito em espécie;

“... Júlio Camargo disse que iria arrumar uma forma de entregar os valores em
espécie para o depoente, para que repassasse a Eduardo Cunha;

“... no primeiro momento já iria pagar para Eduardo Cunha e concluísse os


pagamentos de Eduardo Cunha até abril ou maio de 2012, porque, como era ano
eleitoral, Eduardo Cunha usaria este dinheiro para as campanhas, para as eleições
municipais;
“... o pagamento do depoente, segundo o cronograma, iria até setembro de 2012;

“... Júlio Camargo ficou de conversar posteriormente com o depoente sobre


como seria o repasse dos valores em espécie para Eduardo Cunha;

“... após o final da reunião, o depoente levou Eduardo Cunha para a casa
dele.”

Em seguida, começaram os repasses para Eduardo Cunha:

“... teve um encontro com Júlio Camargo no escritório dele, no Rio de Janeiro,
umas duas semanas depois, no qual ele disse que o depoente iria ser procurado por
[Alberto] Youssef, que se encarregaria de fazer os pagamentos em espécie que
corresponderiam aos valores repassados a Eduardo Cunha;

“.. nesta reunião Júlio Camargo já deu as datas e os valores das notas fiscais das
empresas do depoente para um primeiro pagamento que Júlio faria ao depoente;

“... Júlio Camargo deu, inclusive, o e-mail de uma pessoa para quem deveria
enviar as notas fiscais;

“... houve a emissão das notas fiscais, conforme combinado;

“... porém, Júlio Camargo fez o pagamento de algumas parcelas, em valor de


aproximadamente quatro milhões de reais, mas logo passou a atrasar os
pagamentos;

“... os valores recebidos por intermédio da emissão de notas de suas empresas


eram destinados apenas ao depoente e não para Eduardo Cunha; todas as
transferências que suas empresas receberam das empresas de Júlio Camargo foram
para pagamento dos valores referentes à comissão das sondas;

“... em relação às quantias em espécie, Alberto Youssef entrou em contato com o


depoente, oportunidade em que marcaram uma reunião pessoalmente; já conhecia
Youssef, pois havia estado com ele cerca de quatro vezes, tendo sido apresentado a
ele por intermédio de Paulo Roberto Costa, em 2010;
“... a reunião com Youssef ocorreu no escritório do depoente, no Rio de Janeiro,
na Av. Rio Branco, ainda no mês de setembro de 2011;

“... Youssef veio e disse ao depoente que recebeu instruções de Júlio Camargo
para repassar ao depoente valores em torno de sete milhões de reais;

“... Youssef disse que ainda estava operacionalizando isto, pois estava
aguardando a realização de transferências de Júlio Camargo;

“... neste momento Youssef não especificou como seriam tais operações, mas
um pouco depois ele disse ao depoente que se tratavam de transferências
internacionais, feitas por Júlio para alguma empresa relacionada a Youssef, mas não
mencionou o nome das empresas envolvidas;

“... Youssef disse ao depoente que, assim que estivessem formalizados tais
pagamentos, entraria em contato com o depoente para a entrega dos valores;

“... aproximadamente duas ou três semanas depois, Youssef marcou uma ida
dele ao escritório do depoente; Youssef esteve no escritório do depoente juntamente
com Jayme, a quem Youssef chamava de Careca;

“... nesta oportunidade Youssef levou entre um milhão e um milhão e meio de


reais em espécie;

“... imediatamente o depoente fez contato com Eduardo Cunha por mensagem,
avisando que havia um valor disponível, e perguntou a ele onde poderia entregar o
valor;

“... Eduardo Cunha disse ao depoente para procurar, no escritório dele, na Nilo
Peçanha, uma pessoa de nome Altair;

“... o depoente foi pessoalmente ao escritório de Eduardo Cunha, levando a


quantia em espécie recebida, ou seja, entre um e um milhão e meio de reais;

“... esta entrega ocorreu por volta de outubro de 2011; após isto, houve quatro
ou cinco entregas; acredita que estas entregas ocorreram até abril ou maio;
“... no entanto, questionado ao depoente acerca do documento intitulado
“Transcareca” – elaborado e apreendido em poder de Alberto Youssef para
documentar as entregas feitas por Jayme Careca – sobre uma entrega ocorrida no dia
15 de junho de 2012, no valor de R$ 1.132.250,00, tendo como destinatário
“Baiano”, o depoente acredita que realmente a pessoa de “Baiano” mencionada seja o
depoente e que faça referência à última entrega feita por Jayme;

“... em todos esses casos, o depoente recebia os valores e em pouco tempo os


repassava para Eduardo Cunha; todos os valores sempre no escritório de Eduardo
Cunha, para a pessoa de Altair; apenas em uma oportunidade Eduardo Cunha pediu
para uma pessoa retirar os valores no escritório do depoente; esta pessoa não era
Altair, mas era um homem que possuía um nome diferente e que também trabalhava
no escritório dele, pois já o tinha visto no escritório de Eduardo Cunha em outras
oportunidades;

“... chegou a enviar uma mensagem para Eduardo Cunha questionando se ele
queria que o depoente entregasse o valor na residência dele, tendo em vista que,
assim como o depoente, Eduardo Cunha vive na Barra; Eduardo Cunha não quis
que o depoente levasse o valor na residência dele, pedindo que procurasse e
entregasse o valor a Altair na segunda-feira seguinte;

“... o depoente acredita que não tenha mais tais mensagens trocadas com
Eduardo Cunha, até mesmo porque trocava seus celulares regulamente e com a
deflagração da operação Lava Jato se desfez de muita coisa;

“... o depoente tinha um aparelho celular específico que utiliza apenas para falar
com determinadas pessoas, dentre elas Eduardo Cunha, sobre temas de valores
ilícitos, que não gostava de falar nos outros aparelhos que utilizava regularmente;

“... Júlio Camargo também atrasou as entregas para Eduardo Cunha;

“... no ano de 2012, que era mais uma vez ano eleitoral, Eduardo Cunha
passou a pressionar o depoente para cobrar Júlio Camargo;
“... tais cobranças foram feitas em reuniões pessoais com Eduardo Cunha;

“... nesta época Júlio Camargo já havia pago em torno de quatro milhões de
reais, que era o valor recebido de Youssef;

“... então, o depoente passou a cobrar Júlio Camargo, não apenas os valores
devidos a si, mas também valores para Eduardo Cunha;

“... Júlio Camargo começou a dizer que estava tendo dificuldade para
disponibilizar dinheiro em espécie para pagar Eduardo Cunha;

“... então, o depoente sugeriu que Júlio Camargo fizesse uma doação oficial para
Eduardo Cunha ou para o PMDB;

“... esta ideia em verdade partiu do próprio Eduardo Cunha;

“... Júlio Camargo disse que não tinha como fazer a doação, em razão dos
limites de faturamento/doação impostos pela legislação eleitoral;

“... o depoente informou isto a Eduardo Cunha e então Eduardo Cunha pediu
ao depoente para questionar se Júlio Camargo poderia, então, fazer uma doação para
uma igreja;

“... o depoente então levou a questão para Júlio Camargo, que disse que dessa
forma seria possível, mas que não poderiam ser valores muito altos, pois seria difícil
justificar uma doação de um valor alto sem ser um frequentador da Igreja;

“... o depoente conversou com Eduardo Cunha, este último sugeriu que Júlio
Camargo fizesse duas doações, no total de R$ 250.000,00, cada uma no valor de R$
125.000,00;

“... Eduardo Cunha passou os dados para a doação e a pessoa de contato com
quem Júlio Camargo deveria conversar e que emitiria os recibos das doações;

“... estes valores foram entregues pessoalmente por Eduardo Cunha, em um


papel em que constavam tais dados;

“... isto foi por volta do segundo semestre de 2012”.


“... sabe que Eduardo Cunha é evangélico e que tem um programa de rádio
voltado para o público evangélico; já presenciou ligações de Eduardo Cunha, feitas
pelo telefone, para a rádio, oportunidade em que ele pedia silêncio e transmitia uma
mensagem; se recorda dele chamar os ouvintes de “amados” e que sempre terminava
falando “O povo merece respeito”;

“... Eduardo Cunha, algum tempo depois, confirmou ao depoente a realização


das doações;

“... ao se fazer o encontro de contas com Júlio Camargo, havia uma divergência:
enquanto Júlio dizia que restava a pagar a Eduardo Cunha cerca de R$ 400 mil,
Eduardo Cunha, pelas contas dele, dizia que era R$ 1,2 milhão;

“... nesta época o depoente inclusive recebeu um e-mail de Eduardo Cunha


contendo uma planilha sobre os valores devidos e pagos por Júlio Camargo; acredita
que tenha ainda cópia deste e-mail com planilha e se compromete a tentar localizá-lo;

“... estas cobranças continuaram até 2014, sem que Júlio Camargo quitasse os
valores;

“... inclusive, em 2014, houve uma conversa entre Júlio Camargo e Eduardo
Cunha sobre esta divergência, em uma reunião pessoal ocorrida em São Paulo;
ambos comentaram com o depoente sobre tal reunião;

“. após esta reunião com Eduardo Cunha, Júlio Camargo procurou o depoente,
entre junho e julho de 2014, querendo relatar o que havia ocorrido na conversa com
Eduardo Cunha;

“... Júlio disse que Eduardo Cunha e ele tinham acertado que, para resolver a
pendência, o valor faltante para este último seria de um milhão de reais;

“... Júlio Camargo pediu ao depoente que assumisse metade desta dívida com
Eduardo Cunha, ou seja, R$ 500.000,00, sob o argumento de que estaria sem
recursos;

“... a proposta de Júlio Camargo era de que o depoente pagasse metade do valor
devido a Eduardo Cunha e que Júlio pagaria o valor ao depoente quando recebesse
[da Samsung]; o depoente não concordou com a proposta, mas, para evitar problemas
com Eduardo Cunha e o prolongamento das cobranças deste último, disse a Júlio
que ele ficasse responsável por pagar R$ 700 mil e o depoente se encarregaria de
pagar os R$ 300 mil reais faltantes para Eduardo Cunha diretamente;

“... o depoente questionou como Júlio Camargo faria tais pagamentos para
Eduardo Cunha, oportunidade em que ele respondeu que já tinha acertado com
Eduardo Cunha que R$ 500 mil ele já havia se comprometido a pagar em horas de
voo;

“... Júlio Camargo tinha um avião que ficava sob responsabilidade de uma
companhia de táxi aéreo, e que Júlio Camargo daria um crédito para Eduardo
Cunha usar junto a tal companhia, da forma como preferisse, no valor de R$ 500 mil
reais e que poderia ser utilizado à medida que ele precisasse;

“... os R$ 200 mil restantes seriam entregues por Júlio Camargo diretamente
para Eduardo Cunha;

“... Eduardo Cunha confirmou ao depoente os termos do acordo entre ele e


Júlio Camargo;

“... o depoente conversou com Eduardo Cunha, dizendo que iria ficar
responsável pelos R$ 300 mil reais faltantes; porém, não chegou a pagar tais valores e
tampouco houve cobrança por parte de Eduardo Cunha, que, inclusive, estava
ficando pouco no Brasil nesta época, pois estava planejando mudança para o exterior,
indo muito para os Estados Unidos, e também porque estava com problemas com
uma empresa espanhola que representava e, por isto, ficava muito na Espanha;

“... do total de dez milhões de dólares que Júlio Camargo devia ao depoente e a
Eduardo Cunha, acredita que o depoente recebeu em torno de quatro milhões de
reais, por meio de suas empresas, e Eduardo Cunha cerca de cinco milhões de
reais; as cobranças se estenderam de 2011 até 2014, ano em que ainda havia um
milhão de reais da parte devida a Eduardo Cunha;

“... questionado se Eduardo Cunha sabia que os valores devidos por Júlio
Camargo eram referentes às sondas da Petrobras, respondeu que sim;

“... o nome de Paulo Roberto Costa foi citado, na presença de Eduardo Cunha
em outra ocasião, na reunião feita em setembro de 2011, em que participou o
depoente, Eduardo Cunha e Júlio Camargo;

“... nesta reunião o depoente tentou cobrar de Júlio Camargo o valor de um


milhão de dólares que era devido a Paulo Roberto Costa, mas Júlio Camargo se
opôs, dizendo que iria pagar diretamente a ele; este diálogo foi feito na frente de
Eduardo Cunha;

“... Eduardo Cunha sabia que o depoente tinha negócios na Petrobras em razão
da relação que o depoente possuía com Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró;

“... já havia comentado com Eduardo Cunha sobre a ‘queda de braço’ com o
PMDB em relação à tentativa de manutenção de Nestor Cerveró na Diretoria
Internacional e sua substituição por Jorge Zelada;

“... o depoente disse a Eduardo Cunha que não havia sido uma boa decisão
retirar Nestor Cerveró da Diretoria Internacional, oportunidade em que Eduardo
Cunha comentou com o depoente que se tratava de uma decisão do PMDB de Minas
Gerais;

“... perguntado se Eduardo Cunha tinha conhecimento de que Nestor Cerveró


era um ‘canal’ do depoente dentro da Petrobras, o depoente respondeu que sim;

“... pelas conversas que teve com Eduardo Cunha acredita que tenha ficado
claro para este que o depoente e Nestor Cerveró eram próximos, até mesmo porque o
depoente comentou com Cunha que havia tentado manter Cerveró no cargo;

“... questionado qual e-mail Eduardo Cunha utilizou, o depoente afirma que
chamava a atenção que o endereço de e-mail consistia na expressão ‘sacocheio@,
sendo algum provedor que não se recorda com certeza qual era; que acredita que
fosse sacocheio@hotmail.com, sacocheio@yahoo.com.fr ou sacocheio@yahoo.fr.

“... mostrada a fotografia em anexo, o depoente espontaneamente identificou


como sendo a pessoa de Altair, anteriormente mencionada no Termo de Colaboração
no 3, Altair Alves Pinto, conforme dados qualificativos em anexo, pessoa que
trabalhava para Eduardo Cunha e para quem o depoente fez diversas entregas de
valores em espécie, destinadas ao referido parlamentar; reconhece Altair sem
qualquer sombra de dúvidas, até mesmo porque esteve diversas vezes pessoalmente
com ele, entre cinco e seis vezes”.
20. O instrutivo relato de Fernando “Baiano” sobre as tratativas com
Bumlai e Lula

Diante da erupção de denúncias e provas advindas da Operação Lava Jato – e


também da Operação Zelotes – um vivente corre o risco de sentir-se meio tonto por
falta de oxigênio. Ainda bem que este último é um elemento que pode ser
perfeitamente estocado.

Prometemos ao leitor uma exposição mais longa do depoimento de Fernando


Soares, conhecido por “Baiano”, sobre seus negócios com José Carlos Bumlai e a
reunião que, com o então presidente da Sete Brasil, José Carlos Ferraz, houve com o
ex-presidente Lula.

Esse depoimento, o “Termo de Colaboração (ou Termo de Declaração) n o 15 de


Fernando Antonio Falcão Soares”, foi prestado ao Ministério Público Federal no dia
16 de setembro deste ano.

Talvez o leitor tenha a curiosidade de saber de onde surgiram – ou qual a


necessidade – de tantos lobistas e intermediários.

A resposta está na explicação de Soares sobre a Sete Brasil: “é uma empresa


criada pela Petrobras (...), de acordo com a política de redução de ativos no balanço
da estatal”.

Realmente, por que a Petrobras necessita da Sete Brasil, uma empresa em que é
amplamente minoritária, para construir sondas e navios-sonda? Para nada. Não é uma
necessidade. Trata-se de uma política de privatização, uma política deliberada de
impedir a Petrobras de crescer, e, como é evidente agora, reduzir o seu tamanho e a
sua capacidade de puxar o crescimento do país.

O plano de Duque, Barusco e outros ladrões, que conceberam a Sete Brasil, era
usar o dinheiro da Petrobras, do FGTS e do BNDES para construir sondas, e, depois,
alugá-las – ou seja, embolsar mais dinheiro da Petrobras. A propina, embora
acessória, era parte inseparável desse “plano”.

Essas sondas seriam operadas por empresas como a Ocean Rig, com sede na
Grécia, que aparece no depoimento de Soares, ou a Transocean, com sede na Suíça.

Seriam construídas pelo Cartel do Bilhão – o cartel de empreiteiras que


monopolizou as obras da Petrobras – expandindo essa monopolização para o ramo
dos estaleiros, à custa da Petrobras. Daí a conversa que Fernando Soares relata, em
seu depoimento, com funcionários de Eike Batista, sobre a tomada de preços para a
construção das sondas (“o pessoal da OSX disse ao depoente que considerava muito
estranha a forma como tinha sido conduzida essa tomada de preços, porque a OSX
seria o maior estaleiro em construção no Brasil, tinha condições de ter apresentado
preços muito bons, mas, mesmo assim, a Sete Brasil/Petrobras teria deixado a OSX
fora da licitação, permanecendo no certame outras empresas que não teriam nem
projetos de construção de estaleiros”).

Repare o leitor que estamos falando de contratos no valor total de US$ 82


bilhões (oitenta e dois bilhões de dólares), como está no Relatório de 2012 da Sete
Brasil.

Quem ganhou esses contratos?

A Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS, Queiroz Galvão, UTC e Engevix,


associadas a empresas japonesas (Kawasaki, Mitsubishi, Ishikawajima-Harima e
Japan Marine United), além de duas empresas de Singapura (SembCorp Marine e
Keppel).

Rigorosamente, as mesmas empresas cartelizadas que impunham – com a


colaboração propinada de Duque, Barusco, Costa, Cerveró e Zelada – sobrepreços
nas obras da Petrobras.

Assim, estabeleceu-se o reino dos intermediários de propina. Alguns, como o Sr.


Hamylton Padilha e o próprio Fernando Soares – ou Júlio Camargo – eram
intermediários de mais de uma empresa.
Que espécie de capacidade especial tinham esses indivíduos?

Apenas a de se entrosar, sem problemas morais ou político-ideológicos, num


esquema corrupto, de assalto ao que pertence ao povo brasileiro, organizado desde
cima.

Sob este aspecto, o depoimento de Fernando “Baiano” é muito instrutivo.

Soares, é forçoso reconhecer, procura incriminar o mínimo possível outras


pessoas. Daí a frequência de expressões como “acredita que” ou “tem quase certeza”.

Mas os fatos são inequívocos:

“... em 2011, o depoente tinha contratos com o grupo empresarial de Eike


Batista;

“... um desses contratos consistia na construção do estaleiro da OSX, empresa


de Eike Batista; a construção do estaleiro estava sendo feita pela empresa espanhola
Acciona, representada pelo depoente;

“... em uma das conversas que teve com o pessoal da OSX, foi informado sobre
uma tomada de preços para construção de navios-sonda que a Sete Brasil iria fazer
para posterior arrendamento à Petrobras; tratava-se de algo em torno de vinte navios
para exploração de petróleo na área do pré-sal”.

A rigor, eram 29 sondas. A Sete Brasil fora criada pelos Srs. Renato Duque,
indicado pelo PT para a Diretoria de Serviços da Petrobras, e Pedro Barusco, gerente
de Engenharia, depois vice-presidente da Sete Brasil. É a principal das “empresas
EPC”, conhecidas como “empresas EPC do Duque”, intermediárias financeiras entre
a Petrobras e os fornecedores (v. HP 26/08/2015).

Mas, continuemos com o depoimento de Fernando Soares:

“... o pessoal da OSX disse ao depoente que considerava muito estranha a forma
como tinha sido conduzida essa tomada de preços, porque a OSX seria o maior
estaleiro em construção no Brasil, tinha condições de ter apresentado preços muito
bons, mas, mesmo assim, a Sete Brasil/Petrobras teria deixado a OSX fora da
licitação, permanecendo no certame outras empresas que não teriam nem projetos de
construção de estaleiros;

“... questionado sobre quem seria o ‘pessoal da OSX’ com quem o depoente
conversava sobre o assunto, respondeu que se tratava do presidente da OSX na época,
de nome Luís Carneiro, e do diretor da OSX, de nome Bellot, o qual veio
posteriormente a assumir a presidência da empresa; Luís Carneiro e [Carlos Eduardo
Sardenberg] Bellot foram anteriormente funcionários da Petrobras;

“... tem quase certeza de que a licitação para contratação de empresa para
construção dos navios-sonda tratados no caso foi conduzida pela Petrobras,
especificamente pela Diretoria de Serviços, na época ocupada por Renato Duque;

“... na OSX havia o sentimento de que a Sete Brasil/Petrobras teria algum


interesse em privilegiar as empresas que permaneceram na licitação;

“... a Sete Brasil é uma empresa criada pela Petrobras para exploração de
petróleo no pré-sal, de acordo com a política de redução de ativos no balanço da
estatal e de reativação da indústria naval no Brasil;

“... o pessoal da OSX considerava o contrato de navios-sonda da Sete Brasil


muito importante para o estaleiro da empresa;

“... o depoente se disponibilizou a fazer contatos e verificar se poderia ajudar na


situação;

“... então procurou José Carlos Bumlai; o presidente da Sete Brasil na época
era João Carlos Ferraz, o qual, de acordo com comentários do mercado, era um ex-
funcionário da Petrobras que havia sido indicado para o cargo por Antonio Palocci;
em razão da relação entre Antonio Palocci e Bumlai, o depoente procurou este
último”.

Em março deste ano, João Carlos Ferraz confessou que recebeu, de propina,
dois milhões de dólares (mais precisamente: US$ 1.985.834,55) dos estaleiros
contratados pela Sete Brasil, isto é, do Cartel do Bilhão, entre maio e dezembro de
2013.

Disse Ferraz que foi “pressionado por colegas” a aceitar a propina.

A auditoria interna da Sete Brasil estimou o total de propinas na empresa,


durante a administração Ferraz, em US$ 224 milhões. Segundo disse Pedro
Barusco, ex-vice presidente da empresa, à PF e ao Ministério Público, dois terços
desse total foram para o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari, e um terço foi para
funcionários da Sete Brasil e para o então diretor de Serviços da Petrobras, Renato
Duque, o parceiro de Vaccari no esquema.

É interessante o motivo que levou Fernando Soares a procurar Bumlai para


resolver o problema da OSX: porque ouvira falar que Ferraz era uma indicação de
Antonio Palocci – e que Bumlai era próximo de Palocci:

“... o depoente telefonou para Bumlai e marcou um encontro no escritório de


Bumlai, situado na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, no 3.530, em São Paulo, no
primeiro semestre de 2011;

“... no encontro, o depoente relatou os fatos a Bumlai, falando inclusive sobre


os comentários de que João Carlos Ferraz era uma indicação de Antonio Palocci;

“... Bumlai não sabia se João Carlos Ferraz era realmente indicação de
Antonio Palocci; posteriormente, Bumlai procurou o depoente;

“... Bumlai disse que confirmou que João Carlos Ferraz era indicação de
Antonio Palocci e afirmou que tinha como trabalhar no assunto;

“... o depoente conversou com o pessoal da OSX e disse que teria como ajudá-
los a conseguir o contrato dos navios-sonda da Sete Brasil;

“... o depoente mencionou a possibilidade de cobrar da OSX uma comissão de


5% (cinco por cento) do valor de cada navio-sonda; houve discussão sobre o
percentual dessa comissão; em razão de o depoente e o pessoal da OSX não saberem
ainda o valor de cada navio-sonda, a definição exata do percentual dessa comissão
ficou para ser negociada depois”.

É impossível que a OSX – e o próprio Soares – não soubessem que a Sete


Brasil estimara em US$ 700 milhões o preço de cada navio-sonda. O estaleiro
Atlântico Sul (Camargo Corrêa + Queiroz Galvão) ganhara os contratos para sete
navios-sonda pelo preço de US$ 662 milhões a unidade.

Portanto, a OSX estava pechinchando a comissão. Entende-se: a comissão


sugerida, de 5%, significava cerca de US$ 35 milhões por cada navio-sonda.

“... o pessoal da OSX autorizou o depoente a levar o assunto adiante; o depoente


e Bumlai combinaram de tocar o negócio;

“... Bumlai disse que iria conversar ‘com as pessoas’;

“... até então o depoente não sabia quem seriam essas pessoas;

“... alguns dias depois, Bumlai telefonou para o depoente e pediu que solicitasse
que o presidente da OSX, Luís Carneiro, telefonasse para João Carlos Ferraz para
marcar uma reunião; segundo Bumlai, João Carlos Ferraz já estaria sabendo do
assunto a ser tratado;

“... Luís Carneiro entrou em contato com João Carlos Ferraz e marcou uma
reunião na OSX; essa reunião ocorreu no primeiro semestre de 2011;

“... participaram da reunião o depoente, Luís Carneiro, Bellot e João Carlos


Ferraz;

“... o depoente, Luís Carneiro e Bellot falaram da possibilidade de a OSX


construir os navios-sonda da Sete Brasil;

“... João Carlos Ferraz disse que, nos contratos objeto da tomada de preços
que já tinha sido concluída, sem a participação da OSX, ele não tinha mais como
mexer;

“... no entanto, João Carlos Ferraz disse que a Sete Brasil tinha a
possibilidade de contratar a construção de mais dois navios-sonda”.
Neste depoimento, Soares não se refere ao que custou obter essa nova posição
de Ferraz – mas é difícil achar que este faria tal coisa apenas para contemplar a
amizade de Bumlai com Palocci.

No entanto, as dificuldades posteriores parecem sugerir que Ferraz – ou seu


grupo ou quem ele representava – não ficou satisfeito com a negociação.

“... com relação à construção desses navios-sonda, a empresa construtora ficaria


como sócia do navio, e seria necessária uma empresa para operação da sonda, que
também seria sócia;

“... o depoente indicou para o pessoal da OSX a empresa Ocean Rig para
operação dos navios-sonda; disse que iria conversar com o representante da Ocean
Rig, que era Hamylton Padilha;

“... levou Hamylton Padilha para uma reunião com o pessoal da OSX; nessa
reunião, Hamylton Padilha disse que havia interesse da Ocean Rig no negócio; depois
foi feita uma outra reunião com o depoente, o pessoal da OSX, João Carlos Ferraz e
Hamylton Padilha; essas primeiras reuniões ocorreram na OSX; depois ocorreram
reuniões na Sete Brasil;

“... João Carlos Ferraz passou também a ter reuniões com o pessoal da OSX e
da Petrobras;

“... todo o desenrolar das negociações era repassado pelo depoente para Bumlai;

“... havia um acerto entre o depoente e Bumlai no sentido da divisão da


‘comissão’ devida em razão do negócio; o depoente ficaria com metade e Bumlai
com a outra metade da ‘comissão’;

“... inclusive houve uma reunião no exterior, provavelmente em Londres ou


Paris, entre João Carlos Ferraz, Hamylton Padilha e o dono da Ocean Rig, um
grego, para discutir a participação acionária da Ocean Rig no negócio dos navios-
sonda”.

É nesse momento que Bumlai mostrou quanto valia:


“... em determinado momento, ainda em 2011, o depoente comentou com
Bumlai que achava que estavam existindo empecilhos ao fechamento do negócio;
disse que achava que era necessária uma providência mais incisiva para concretização
da negociação; considerava indispensável ‘um peso maior’ para que o negócio fosse
ultimado;

“... Bumlai, diante disso, ficou de acertar uma reunião entre João Carlos
Ferraz e o ex-Presidente Lula;

“... essa reunião foi efetivamente realizada em São Paulo, no final do primeiro
semestre de 2011;

“... antes dessa reunião, o depoente se encontrou com João Carlos Ferraz e
Bumlai;

“... esse encontro ocorreu em um restaurante italiano embaixo de um flat, onde


almoçaram; mostrada ao depoente uma foto do Restaurante Tatini, na Rua Batatais, n o
558, no Flat Saint Paul, Jardim Paulista, São Paulo, tem quase certeza de que esse
encontro tenha acontecido no referido restaurante;

“.. na ocasião, o depoente apresentou João Carlos Ferraz a Bumlai;

“... Bumlai orientou João Carlos Ferraz sobre o que falar a Lula;

“... depois João Carlos Ferraz e Bumlai foram para a reunião com Lula;

“... essa reunião ocorreu no Instituto Lula;

“... o depoente ficou sabendo alguns dias depois do resultado; passou na Sete
Brasil e conversou sobre o assunto com João Carlos Ferraz;

“... João Carlos Ferraz disse ao depoente que a reunião com Bumlai e Lula
tinha sido muito boa, que Ferraz teria feito uma boa exposição ao ex-Presidente sobre
a Sete Brasil, sobre a importância da empresa para a indústria naval brasileira e sobre
as dificuldades enfrentadas para colocar os projetos pra frente; disse que Lula foi
bastante amável com ele e teria assumido o compromisso de ajudar a dar mais
velocidade nos assuntos da Sete Brasil, para viabilizar uma consolidação mais rápida
da indústria naval brasileira;

“... o depoente continuou com as tratativas para a construção dos navios-sonda


da Sete Brasil pela OSX;

“... no decorrer das negociações, Bumlai indagou ao depoente sobre a


possibilidade de ser obtido um adiantamento da sua parte na comissão que seria paga
pela OSX;

“... o depoente respondeu afirmando que achava isso difícil, porque não tinham
contrato assinado, não havia nem sequer definição de valores dessa comissão, e as
negociações ainda estavam em curso; nesse contexto, o depoente não se sentia à
vontade para solicitar um adiantamento à OSX;

“... nessa reunião Bumlai afirmou que precisava do dinheiro porque estava
sendo pressionado para resolver um problema;

“... o depoente perguntou detalhes sobre a situação, para ver se poderia ajudar
Bumlai;

“... Bumlai disse que estava sendo cobrado por uma nora do ex-Presidente Lula
para pagar uma dívida ou uma parcela de um imóvel;

“... Bumlai não deu detalhes sobre esse imóvel; o depoente perguntou: ‘Mas
você está sendo pressionado?’; Bumlai disse que tinha ficado de resolver esse
problema;

“... o depoente perguntou o valor dessa dívida ou parcela; Bumlai disse que
estava precisando de R$ 3 milhões e perguntou se o depoente poderia ajudar;

“... o depoente respondeu que naquele momento não tinha como dar uma
resposta, mas que iria verificar e dar uma definição em seguida;

“... depois, por algumas vezes, Bumlai cobrou uma resposta do depoente;

“... em determinada ocasião, o depoente disse pessoalmente a Bumlai que não


poderia ajudar com R$ 3 milhões, mas que poderia contribuir com R$ 2 milhões para
resolver o problema;

“... o depoente não chegou a solicitar adiantamento da comissão ao pessoal da


OSX; disse que não teria como pagar o valor a Bumlai em espécie; perguntou se
Bumlai teria alguma empresa a ser usada para o repasse;

“... Bumlai indicou a empresa São Fernando, de aluguel de equipamentos, para


ser feita a operação;

“... uma empresa representada pelo depoente, que lhe devia um valor, fez um
pagamento a São Fernando, mediante a emissão de uma nota fiscal fictícia pela São
Fernando;

“... acredita que a empresa que efetuou o pagamento seja uma das empresas
contratadas para a construção do estaleiro da OSX ou da LLX, outra empresa de Eike
Batista; o valor devido ao depoente pela empresa responsável pelo pagamento
decorria de alguma comissão;

“... o valor pago não foi o valor exato de R$ 2 milhões de reais, tendo sido
provavelmente uma quantia um pouco menor;

“... a contratação da OSX para construção dos navios-sonda da Sete Brasil


acabou não ocorrendo;

“... diante da demora para o desfecho do negócio, o depoente chegou a comentar


com seu sócio Luís Miguel Fernandes sobre o adiantamento da comissão a Bumlai,
de maneira genérica, sem especificar o motivo e a destinação do adiantamento;

“... Bumlai não devolveu ao depoente o valor adiantado;

“... o depoente se compromete a tentar identificar a operação bancária referente


aos fatos”.

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