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na Mídia:
História,
Cultura e
Esporte
Seminário de
Comunicação
Banco do Brasil
1
Copyright @ 2001:
Banco do Brasil
Coordenação:
Diretoria de Marketing e Comunicação
Edição:
Armando Medeiros de Faria
José Anchieta de Vasconcelos Queiroz
Omar Barreto Lopes
Raquel Ramos Silveira da Rosa
Rênio Assis Araújo
Apoio:
Centro Cultural Banco do Brasil
Produção:
Banco do Brasil
Diretoria de Marketing e Comunicação
Gerência de Comunicação
SBS Edifício Sede III 19°andar Brasília (DF)
e-mail: imprensa@bb.com.br
Venda proibida.
Nenhuma parte desta obra pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduzida por meios mecânicos ou quaisquer outros meios, sem autorização prévia dos
editores e dos autores.
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ÍNDICE
2 O discurso interessado
A objetividade jornalística e o viés negativo ................. 53
Renato Naegele
3 Espaços da mídia
4 A economia simbólica
5 Retratos da mídia
Este volume tem por objetivo chamar a atenção para a História como
ferramenta essencial para o conhecimento. E, no largo horizonte
desvendado a partir da História, situar alguns espaços específicos como
a cultura ou as culturas e o esporte. São elementos de comunicação,
pontes para promover aproximações e estabelecer diálogos.
Alberto Dines
Labjor Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo/Unicamp
5
6
PREFÁCIO
Boa leitura.
Banco do Brasil
Diretoria de Marketing e Comunicação
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1
Mídia, história,
cultura e esporte
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A HISTÓRIA NA EMPRESA:
IDENTIDADE E OPORTUNIDADES
Karen Worcman
Nossa memória é nossa coerência, nossa razão, nossa Karen Worcman é brasileira, formada
ação, nosso sentimento. Sem ela, somos nada. em História pela Universidade
Luís Buñuel, cineasta Federal Fluminense, com Mestrado
em Lingüística pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Minha proposta é discutir por que, como e para quê fazer memória
empresarial. Mas vou utilizar o conceito de memória no que ela representa É fundadora e Diretora do Museu
de mais essencial em nossas vidas: a memória sem a qual cada um de nós da Pessoa, um museu virtual que
tem como missão preservar e
deixa de perceber a própria existência. Nossa memória é um elemento básico
transformar em informação histórias
para o estabelecimento de nossa identidade. É nossa história de vida que de vida de toda e qualquer pessoa
nos dá a possibilidade de nos reconhecer como indivíduos a cada dia. da sociedade, promovendo a
mudança social por meio do reforço
da identidade e do incremento da
Nada melhor do que uma história para discutirmos a importância da memória.
auto-estima de indivíduos e
E a história mais pungente que conheço é o relato que o neurologista e comunidades.
escritor americano Oliver Sacks (1) faz de seu encontro com Greg, a quem
o autor chama de o último hippie. Greg, que nasceu em Queens nos anos Esta palestra foi proferida em
18/11/1999
50, era um adolescente americano típico e rebelde ao final dos anos 60, até
que entrou para uma ordem Krishna. Após alguns anos na ordem, seus pais
descobriram que o estado total de placidez que Greg havia atingido e que
era entendido por seus companheiros como sendo um estado iluminado
significava, na verdade, a existência de um tumor cerebral. Quando retiraram
o tumor, Greg havia perdido, além de sua visão, sua memória de curta e de
média duração. Apenas retinha, intacto, o que tinha vivido nos anos 60.
Greg vivia o puro presente, ou como melhor dito por Sacks (pp.66), Greg
parecia emparedado, sem saber, num momento sem movimento, fora do
tempo. E enquanto para nós o presente ganha sentido e profundidade pelo
passado (...) assim como recebe seu potencial e tensão do futuro, para
Greg ele era achatado e (à sua maneira escassa) completo.
E para que tudo isto? O que isto tem haver com a idéia de como as empresas
hoje podem e devem aproveitar as oportunidades que possuem para construir
e transmitir suas histórias?
Mas, como já disse, as histórias não são narrativas que acumulam, sem
sentido, tudo o que vivemos. É no que elege como sendo importante e
como transmite que o grupo caracteriza-se a si próprio. É no tipo de
narrativa construída que os grupos se definem e se forjam. É a partir de
como constróem e contam sua própria história que os grupos criam sua
identidade.
Dependendo da forma de perceber e de encarar esta questão é que as Resta saber em que medida
empresas, em muitas circunstâncias oferecidas por sua própria história, as empresas utilizam sua
perdem ou aproveitam a oportunidade de utilizar esta ferramenta fundamental história como fator de união
para o ser humano. Como, então, essas empresas registram e transmitem entre seus integrantes e,
suas histórias? Que as historias existem, existem, pois sem elas não haveria ainda, como fator de
empresa alguma. Mas de que maneira estão sendo elas percebidas, criação de identidade
registradas e transmitidas? Estarão elas aproveitando da melhor maneira perante a sociedade.
sua própria história? Quais são os novos desafios? Como hoje essa função
vem sendo desenvolvida e aproveitada?
Qualquer empresa terá sempre um instrumento por meio do qual sua história
corporativa é registrada e contada para o público interno e externo. Por
muitas e muitas vezes vamos encontrar, tal qual nas aldeias africanas, um
verdadeiro griot: Olha fala com seu João, ele sabe tudo da nossa história...
Ele guarda qualquer papelzinho e conhece todo mundo.
Mas acredito que estas seções devem ser, com certeza, uma das partes
menos visitadas dentro do site de cada uma dessas empresas. E, apesar
dos breves folhetos institucionais e das poucas fotos históricas nas paredes,
são ainda poucas as empresas que de fato utilizam sua história como uma
ferramenta importante. Já ouvi muitas e muitas vezes frases como A quem
vai interessar nossa história? Meu problema não é o passado e sim o
futuro. Como isso alavanca meu negócio? Esse negócio de história é
bonito mas não é prioridade...
Como deveria então deveria ser produzida esta narrativa? Não basta apenas
colocar esta história num livro ou num site ou num documentário. O que
poderíamos dizer sobre as mudanças advindas com o surgimento das novas
mídias? Se não mudarmos os conceitos, nada... além do próprio suporte. É
necessário perceber melhor quem de fato compõe a empresa para situar
sua identidade e, então, definir sua história. E aí sim, sua transmissão pode
passar a ter um novo sentido e uma nova função. É a partir de como
constróem e contam sua
No que perceber, como registrar e para quem transmiti-la: aí estão os três própria história que os
elementos básicos que devem ser repensados de forma a que a história grupos criam sua
volte a exercer seu papel essencial para o fortalecimento (ou mesmo criação) identidade.
da coesão e da identidade de uma empresa.
A visão que quero apresentar aqui faz parte da prática do Museu da Pessoa
e está presente em uma série de projetos que já desenvolvemos.
O Museu da Pessoa acredita que a história não deve ser pensada apenas
como resgate do passado, mas sim utilizada como marco referencial a partir
do qual as pessoas redescobrem valores e experiências, reforçam vínculos
presentes, criam empatia com a trajetória da empresa e podem refletir sobre
as expectativas dos planos futuros. Por meio de técnicas de memória oral,
a pesquisa histórica passa a ser integrada como ação estratégica de
comunicação da empresa, resgatando valores, identificando expectativas e
tendo como resultado uma história humana, inédita e como pautada por
experiências voltada para o presente e futuro. Esta visão implica a
compreensão de que a história de uma empresa transcende a preservação
física de documentos e de monumentos. O projeto com memória oral tem
como objetivo a preservação do conhecimento intangível, isto é, o
conhecimento que está na cabeça e na experiência das pessoas. As
informações coletadas podem resultar em produtos culturais, campanhas
de comunicação, elementos de apoio a negócios e, sobretudo, instrumentos
de comunicação com a sociedade.
Uma empresa é uma reunião de pessoas que, por sua vez, fazem parte de
outros grupos também. Uma empresa nem é feita pela ação de uma única
pessoa nem tampouco por uma série de fatos econômicos políticos que se
sucedem de forma neutra. Uma empresa está essencialmente composta
por pessoas e, por conseqüência, sua história é resultado da história e da
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contribuição de cada uma dessas pessoas. Neste sentido, a história da
empresa deve e pode ser transformada como instrumento de preservação
de saber acumulado e como forma de reconhecimento da importância de
todos aqueles que a construíram.
A empresa é, foi e sempre
será resultado do conjunto Por outro lado, uma empresa não é uma ilha isolada do resto da sociedade.
das ações de seres Ela com certeza faz parte de uma teia social. A História do Banco do Brasil,
humanos. O que importa por exemplo, é também a história de seus clientes, de seus funcionários e
são os seres humanos, das comunidades em que atuou e atua. E, no caso deste exemplo, constitui
cheios de expectativas e uma parte significativa da história do próprio país. Ao perceber e demonstrar
paixões. que sua história faz parte integrante desse grupo maior, a empresa passa a
ter potencialmente a possibilidade de compartilhar sua trajetória com o resto
da sociedade.
Referências bibliográficas
(1) SACKS, Oliver W. Um antropólogo em Marte: sete histórias paradoxais. São Paulo,
Companhia das Letras, 1995, pp.66.
(2) THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: História oral. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1992. pp.47.
16
O PAPEL NÃO É PASSADO
Alberto Dines
20
Já o jornal, telejornal ou radiojornal pulsam graças ao timing das suas edições
que convertem a informação num acontecimento. Este ritmo acaba por
subjugar e fidelizar o receptor e constitui o que poderíamos chamar de
transação jornalística.
21
Deixo de lado intencionalmente os grandes trunfos físicos do jornalismo
de papel sobre o jornal on-line: a portabilidade do veículo impresso,
a conveniência do manuseio e a limitação da nossa acuidade visual
diante do monitor. Prefiro ater-me às vantagens orgânicas conceituais.
Excluo desta comparação as versões on-line de veículos impressos,
transposições na pequena tela de uma página de papel. Ainda inconsistentes
porque não houve tempo para que se cristalizasse um formato
apropriado.
Desde 1984 quando informatizei-me até hoje, novembro de 99, já tive seis
equipamentos diferentes. Descartei-me deles de uma forma ou de outra.
Dos livros, não, tenho-os todos. Ainda têm muito a dar.
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O SIGNIFICADO DO ESPORTE NA
SOCIEDADE MODERNA E DO
FUTEBOL NO BRASIL
Roberto DaMatta
Apesar de tudo o que se diz do esporte que ele foi comprado, que
Roberto DaMatta, nascido em seus ideais agora pertencem à Adidas ou à Nike, que os grandes atletas
Niterói, ocupa a catédra Reverendo
deram lugar a meros promotores de materiais esportivos, etc
o fato
Edmund P. Joyce. c.s.c., de
Antropologia da Universidade de é que ele continua sendo um dos domínios mais intrigantes de nossa
Notre Dame, onde ensina desde sociedade e da nossa civilização.
agosto de 1987. É também
professor titular licenciado do
Por alguns motivos.
Dept. de Antropologia da
Universidade Federal Fluminense.
Primeiro, porque o esporte, como a arte, são atividades ou campos
DaMatta é Bacharel em História, marginais ao utilitarismo e a razão prática e instrumental que sempre
tem curso de Especialização em
calibra meios e fins e que se apresenta como a lógica dominante na
Antropologia Social, e é M.A. e
Ph.D pela Universidade de Harvard. nossa civilização. Assim, se a ciência e a técnica estão obcecadas com
a pergunta para que serve? e qual a sua utilidade? o esporte e a arte
Escreveu mais de uma centena de escapam dessas indagações porque a sua prática se liga muito mais ao
ensaios técnicos, inumeros artigos
mundo simbólico do que prático.
para os principais jornais do país
e do exterior (inclusive para o
New York Times) e publicou É fácil saber porque existem Física, Medicina e Economia. É muito mais
onze livros, dos quais se destacam complicado descobrir porque, afinal de contas, os seres humanos cantam,
como marcos do pensamento
contam histórias, realizam rituais e marcam seus artefatos, dos mais
antropológico brasileiro. Seu livro
O que faz o brasil, Brasil?, recebeu humildes aos mais sofisticados, com um arabesco, um floreio, uma torção
o prêmio Casa Grande e Senzala do que nada têm a ver com a função do instrumento, mas falam, isso sim
Instituto Joaquim Nabuco como a de quem o usa ou do grupo que o inventou. É, deveras, curioso que
melhor interpretação do Brasil nos
mesmo no coração do capitalismo mais desenfreado, no centro da indústria
anos 80.
automotiva, os símbolos não tenham sido abandonados. Pelo contrário,
Esta palestra foi proferida em estão ai os buldogues, os puma, os corcéis, os fox, os
25/10/2000 mavericks e os jaguar que não me deixam mentir.
E não é para menos. Basta lembrar os motos enviesados do esporte e da Ditadores e elites sempre
arte para atinar porquê. O primeiro dizendo que o importante não é vencer, tiveram uma posição
mas coisa absurda! competir; e o segundo reafirmando a abominável ambígua quanto ao esporte
tautologia da arte pela arte. Dois pontos anti-utilitaristas e anti-práticos e a arte.
que reafirmam o aspecto simbólico e dadivoso desses dois domínios, a
despeito de todas as transformações a que foram submetidos.
Por tudo isso, não deixa de ser curioso observar a ausência de reflexão
sobre o fenômeno do esporte no plano cultural e político. Uma ponderação
que intenciona inventariar e especular sobre as relações entre esporte e
modernidade em pelo menos três níveis básicos:
1Nas crônicas de Lima Barreto, reunidas nos livros Marginalia, Coisas do Reino de Jambon e
Vida Urbana, exprimem opiniões negativas do futebol. Assim, diz Lima Barreto numa crônica
de 1922: (...) mas o tal de futebol pôs tanta grosseiria no ambiente, tanto desdém pelas
coisas de gôsto, e reveladoras da cultura, tanta brutalidade de maneiras, de frases e de
gestos, que é bem possível não ser êle isento de culpa no recurdescimento geral, no Rio de
Janeiro, dessas danças luxuriosas que os hipócritas estadunidenses foram buscar entre os
negros e os apaches. (in Marginalia, pag. 63). Lima Barreto é sobretudo perturbado pela
popularidade do futebol e o fato de que poderia ser praticado justamento por qualquer pessoa,
mesmos os doentes (ver Marginalia, pag. 72), bem como pelo fato de que os jogos são
motivos de conflitos entre os jogadores. Dai ele repetir que essa coisa não é divertimento,
não é esporte. Pode ser tudo, nunca isto. (in Marginalia, pag. 116, 147 e 153). Ver também
Coisas do Reino de Jambon, onde Lima Barreto lista numa crônica intitulada Uma Conferência
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precisamente o oposto, pois era o exemplo do bom uso do corpo, esse
corpo que deveria estar a serviço da pátria e do futuro2 .
Esse episódio nos mostra como o velho esporte bretão foi adotado
processualmente. O debate entre Lima Barreto e Bilac, revela seus conflitos
com valores tradicionais.
Esportiva, uma série de conflitos, alguns armados, motivados por jogos de futebol. Ver
igualmente o irônico ensaio, Um Ofício da APSA publicado em 1918 e republicado no livro
Bagatelas, no qual ele chega a conclusão que o futebol era uma fonte de coesão nacional,
contribuindo para o conhecimento do Brasil no exterior.
Mitificando corretamente esse período, e certamente fazendo eco as palavras de Lima Barreto,
diz Nelson Rodrigues da torcida feminina numa de suas crônicas: Naquele tempo tudo era
diferente. Por exemplo: a torcida tinha uma ênfase, uma grandiloqüência de ópera. E
acontecia esta coisa sublime: quando havia um gol, as mulheres rolavam em ataques. Eis
o que empobrece conclui Nelson Rodrigues o futebol atual: a inexistência do histerismo
feminino. Numa outra crônica, Nelson fala do suborno dos juizes e de juizes que se vendiam
O futebol prova que se
por um maço de cigarros. Com isso ele estava enfatizando essa ausência de isenção, típica
do esporte e, por extensão, da sociedade democrática, onde os jogos (e as eleições) transcorrem pode casar valores culturais
normal e honestamente. (Cf. Nelson Rodrigues, À Sombra das Chuteiras Imortais: Crônicas de locais, tradicionais e
Futebol. São Paulo: Cia das Letras. 1993.) particularistas, com uma
2 Vale relembrar que Olavo Billac defendeu o serviço militar obrigatório o universalismo do
lógica moderna e
Estado os esportes e a educação física como hábitos a serem nacionalmente difundidos
medidas fundamentais de higiene social destinada a limpar a raça mestiça do Brasil. universalista.
Dentro desta lógica ele apóia o futebol e lê as festas populares como, por exemplo, a festa da
Penha no Rio de Janeiro como um objeto fora do lugar. Assim, tal como repetiria o crítico
literário Roberto Swartz anos depois, Billac vê essa festa como uma prova de comportamentos
fora do lugar. Assim ele diz que tal espetáculo de desvairada e bruta desordem ainda [seria
compreensível] no velho Rio de Janeiro de ruas tortas, de betesgas [= rua estreita], de becos
sórdidos. Mas no Rio de Janeiro de hoje, o espetáculo choca e revolta como um disparate...
(Cf. Revista Kosmos, nº 3, Out. 1906).
29
conforme estamos agora rasgando o véu dos mais extremados objetivos
capitalistas ele, não obstante, também orquestra componentes cívicos
básicos, identidades sociais importantes, valores culturais profundos e
gostos individuais singulares. No fundo, o futebol prova que se pode
acasalar valores culturais locais, nascidos de uma visão de mundo
tradicional e particularista, com uma lógica moderna e universalista.
Dentro desta visão cultural mais ampla, o esporte é uma ponte que liga
modernidade e individualismo com velhos e esquecidos valores morais.
Tudo isso gerando lucro e atraindo aos estádios massas que, diante do
evento esportivo, esquecem o seu massacrante dia-a-dia nas fábricas,
nas favelas, e nos bairros insalubres.
Com o esporte, além disso, é possível criar uma zona intermediária entre
a festa popular tradicional (elástica nas suas normas que ninguém a rigor
controla ou conhece completamente) festa que tendia a
carnavalescamente confundir atores e espectadores, com o seu oposto:
o espetáculo erudito (o concerto e o desempenho teatral ou operístico),
no qual atores e espectadores estão rigorosamente separados.
3
Cf. Nelson Rodrigues, op. cit. pag. 49ss.
4
É preciso novamente observar que Nelson Rodrigues foi o primeiro cronista e notar essa
aristocracia de celebridades feitas no futebol e pelo futebol. Por levar a sério o esporte e a
cultura popular, ele viu como nenhum outro essa inversão carnavalesca (e/ou hierárquica) que
32
absolutamente ausente do evento erudito, onde os reis, principes, duques
e nobres, não estão tocando ou, no caso do futebol brasileiro, jogando
mas permanecem quêdos e seguros na platéia4 .
Nada, a meu ver, fala melhor desta densa relação do que o hino do
Flamengo quando afirma:
Nesses versos temos a expressão cabal dos laços complexos que nos
enredam ao nosso time de futebol. Elos que juntam o ideal moderno da
comunidade construída por escolha individual e, simultaneamente, da
coletividade totalizada e englobadora, a qual se pertence por nascimento A irresistível adoção do
(e morte). futebol pelo nosso povo
pode ser explicada por um
Um outro elemento que poderia explicar essa irresistível adoção do futebol outro elemento: é um jogo
pelo nosso povo, é o fato desta modalidade de foot-ball ser jogada com com os pés, o que exige
a parte mais humilde e mais inevitável do corpo: com os pés e não com uma grande qualidade
as mãos, como ocorre na versão americana deste esporte, o que engendra técnica, e não com as
imprecisão tática, exige uma grande qualidade técnica e faz com que o mãos.
jogo decorra num ritmo de altas improbabilidades, mesmo quando um
time muito superior joga com um time notavelmente inferior5 .
faz com que a elite tivesse preconceito contra o negro, o pobre e o mulato em casa, na rua e
no trabalho, mas de modo inversamente proporcianal e esse descaso, admirasse e amasse
esses mesmos pretos e mulatos quando eles se transfiguravam em nobres dentro do campo
de futebol. Assim, para Nelson Rodrigues, Didi foi um autêntico princípe Etiope. E foi também
ele quem batizou Pelé de rei numa crônica escrita em 1958. Cf. Nelson Rodrigues, op. cit.
pag. 42ss.No caso da música ocorre o mesmo, pois quem canta e toca são os Nat King
Cole, os Duke Ellingtons, e os Count Basies...
5
Não deixa de ser interessante observar que nos Estados Unidos, a versão triunfante do velho
foot-ball, é uma variante que se joga com as mãos, o que permite uma altissíma precisão
33
Considerações Finais
tática e técnica, mas diminui drasticamente as interferências do acaso quando a qualidade dos
times em confronto é muito desigual. Assim, esportes praticados com as maõs exigiriam mais
igualdade entre os times, o que diga-se de passagem seria coerente com sociedades
fascinadas pela racionalidade científica, pela impessoalidade, pela especialização e com um
sistema democrático consolidado.
34
diferentemente da experiência política corriqueira, as regras não podem
ser mudadas nem por quem está perdendo, nem por quem está ganhando.
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PARADIGMAS DO JORNALISMO
Affonso Romano
CULTURAL NO BRASIL
de SantAnna
Hoje o poder jovem parece estar sendo trocado, não digo pelo poder,
mas pelo menos está sendo compensado por uma certa valorização da Hoje, o poder jovem,
terceira idade. O mercado está abrindo espaços maiores para aqueles que pelo menos está sendo
acumularam alguma experiência e estão encostados em ociosas e compensado por uma certa
improdutivas aposentadorias, exatamente no momento em que têm um valorização da terceira
acumulado acervo de experiências que poderia ser útil em suas profissões e idade.
atividades. Quem sabe nossa geração que gozou do privilégio do poder
jovem, no final, ainda se beneficiará do poder adulto ou poder maduro?
Em São Paulo, o padrão era dado pelo suplemento que O Estado de S. Paulo
publicava aos sábados que tinha uma tríade editorial cujo vértice principal
38
era Décio Almeida Prado, assessorado por Antônio Cândido e Paulo Emílio
Salles Comes. A exemplo dos suplementos do Rio, esse era um suplemento
nacional,. que abrigava artigos de prestigiosos escritores Pernambuco, Ceará,
A função da resenha é dar
Rio Grande do Sul, Minas, etc.
ao leitor uma noção do
conteúdo do livro. Tem um
Em Porto Alegre, o Caderno de Sábado dentro do Correio do Povo, entre caráter mais informativo.
1967 e 1981 foi um suplemento consistente, que dialogava com a cultura
nacional, reafirmando que aquela cidade era um centro editorial importante,
já pela presença ali de uma editora do porte da antiga Editora Globo, célebre
por lançar grandes clássicos da literatura e que desde 1929 tinha na Revista
Globo um importante veículo de circulação de idéias, que expirou em 1967.
Foi ainda nos anos 60, quando havia classicamente esses suplementos
literários que surgiu o Suplemento Literário do Minas Gerais editado por
Murilo Rubião, dentro do Diário Oficial do Minas Gerais. Uma inovação
depois imitada pelo Diário Oficial do Estado de São Paulo(D. O. Leitura) e
por publicações semelhantes de outros estados. O SLMG, contudo, tinha
uma característica única: não eram apenas os aposentados e funcionários
39
do estado os seus leitores, senão que era enviado gratuitamente a todos os
brasilianistas ou interessados em cultura brasileira no exterior, constituindo
um necessário elo de informação.
Diria, enfim, que os suplementos até esse período tinham como função o
debate, a exposição de idéias e a formação cultural. Parte houve uma
modificação, os suplementos converteram-se, sobretudo, em veículos de
informação sobre o que está saindo no mercado editorial, razão pela qual os
divulgadores e as editoras passaram ter mais força nas suas pautas.
Fatores vários sobrevieram em torno dos anos 70 (os quais foram estudados
originalmente por Alberto Dines em O papel da imprensa), fazendo com
que os suplementos passassem por uma transformação. Por exemplo, por
um lado, a chamada crise do papel, que elevou o preço do produto e, por
outro lado, um ímpeto renovador, fez com que o Jornal do Brasil, inaugurasse
um outro tipo de suplemento adotando as chamadas resenhas praticadas
pela imprensa americana. Em breve os demais jornais seguiriam essa trilha,
O fascínio pelo que é muitas vezes piorando-a.
estrangeiro já
caracterizado e caricaturado A função da resenha é dar ao leitor uma noção do conteúdo do livro.Tem
no encontro de algumas de um caráter mais informativo. Não precisa ser judicativo, embora isto a torne
nossas tribos com os mais interessante. A resenha, por outro lado, teria como função tirar a
primeiros europeus são crítica de um certo preciosismo acadêmico e de um certo impressionismo.
traços de nossa Por último, ela atende a um apelo do mercado, quer expor ao público o
personalidade cultural. produto tirando-o do clube fechado dos chamados amantes da cultura,
amantes da literatura e exibindo-o aos demais. Mas a resenha muitas
vezes acabou caindo num compadrismo, assinada por pessoas praticamente
desconhecidas, justificando-se, conforme um certo modismo, que se
indicasse no rodapé qual a qualificação do autor daquele texto.
Nos dois anos (1975-1977) em que estive como crítico da Veja vivi a
modificação, a metamorfose porque passava editorialmente a imprensa na
parte cultural. Queriam-me enquanto escritor, mas queriam-me escrevendo
como um jornalista comum. Por sorte, eu tinha uma formação jornalística.
Mas o texto começou a ser menos meu e mais redacional ocasionando
alguns conflitos e mal entendidos. Argumentava-se que a revista tinha que
ser entendida pela dona de casa de Botucatu, razão pela qual toda vez
que se escrevia o nome de um autor, por mais conhecido, tinha-se que
explicar o que ele fazia, etc. Além do mais o copidesque achava por bem
inverter a ordem de expressões e das frases em prol de um estilo da revista.
Com isto, evidentemente ia-se afastando da crítica tal como era entendida
40
anteriormente, para se chegar num texto inodoro, incolor e insípido. Ou
seja, caminhava-se para a morte do crítico, o que se verificou quando
jornalistas,ainda que talentosos, começaram a assinar as críticas.
Por sua vez, as revistas brasileiras como Época, Isto é e Veja, dedicam uma
média de 5% a 10% de suas páginas `a cultura. Poder-se-ia alegar que
como país somos menos cultos que aqueles outros citados e que há uma
proporcionalidade entre os dados e a realidade. No entanto, há um dado
interessante: aquelas publicações estrangeiras dedicam grande parte de
seu espaço a livros e eventos de sua própria cultura. Deveríamos acusá-los
de xenófobas e em contraparte nos auto elogiarmos dizendo que somos
mais cosmopolitas? Ou, ao contrário, poderíamos começar a ver aí um jogo
mais complexo, onde a síndrome do verniz de modernidade, o fascínio pelo
que é estrangeiro já caracterizada e caricaturada no encontro de algumas
de nossas tribos com os primeiros europeus são traços de nossa
personalidade cultural?
Dois jornais, um mais antigo Gazeta Mercantil e outro recém lançado Valor,
ambos voltados originalmente para a economia e comércio abrem espaço
para a cultura. É um fato singular, que assinala que a cultura já não é
tratada apenas como adorno, conforme a velha acepção de Afrânio Peixoto,
de que ela é o sorriso da sociedade, mas que inscreve-se na área da
produtividade, dos bens de consumo. Assim como algumas indústrias estão
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investindo em produtos de beleza para homens, e algumas revistas dirigem-
se especialmente aos executivos para lhes vender o lado erótico e prazeroso
da vida(VIP, Playboy, etc), sugerindo-lhes e vendendo-lhes também marcas
de roupas, perfumes, charutos, restaurantes, carros e aparelhos eletrônicos,
algumas publicações descobrem também que cultura é um produto que
seduz e produz dinheiro. Daí esses suplementos na Gazeta e no Valor, que
deveriam contribuir para retirar a parte cultural do seu exílio.
Devo ressaltar ainda, alguns casos fora do eixo Rio-São Paulo. O Estado de
Minas publica aos sábados um consistente caderno chamado Pensar,
com ensaios que valorizam os escritores e ensaístas locais. Em Salvador,
A Tarde - há muito publica aos sábados, em formato de tablóide, o Cultural,
dirigido pelo poeta Florisvaldo Mattos, seguindo os padrões clássicos dos
suplementos dos anos 50 e 60 e valorizando escritores locais.
Isto que estou dizendo cruza com uma outra questão relevante. Não há
mais crítica literária no país, com exceção de Wilson Martins, que há quase
50 anos dedica-se a isto semanalmente. Há articulistas, há resenhadores,
mas falta a referência crítica sistêmica dentro dos suplementos, como ocorria
até os anos 70. É necessário a manutenção de críticos especializados não
apenas porque isto retira a atividade do amadorismo, do compadrismo, do
ocasionalismo, mas porque o crítico é mais que uma pessoa, é uma instância,
uma memória viva e atuante em sua área. Ele pode estabelecer melhor que
os comentadores eventuais, nexos entre obras anteriores dos artistas, porque
tem obrigação de informar-se sobre a trajetória e a formação de cada autor
dentro de uma visão de conjunto da própria cultura nacional. Além do mais,
o, critico constrói também uma obra que é um sistema de idéias. E a leitura
da cultura tem tanto na obra dos artistas quanto na obra dos críticos dois
pilares referenciadores para mútuo entendimento.
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Hoje os críticos foram substituídos por repórteres e entrevistadores. É como
se houvesse mais interesse no indivíduo que na obra, mais interesse na
biografia que no texto, mais interesse na visualidade da paginação que na
textualidade.
Se você pensa que
Enfim, gostaria de terminar, falando uma banalidade, que por ser banal é educação é cara,
também um suspiro de esperança, estimando, torcendo para que a imprensa experimente a ignorância.
falada, televisada e escrita aumente seu espaço para cultura, quando não
fosse por gosto e sensibilidade até mesmo por razões econômicas e sociais,
pois como diz cruelmente uma frase americana: If you think that education
is expensive, try ignorance.
49
50
2
O discurso
interessado
51
52
A OBJETIVIDADE JORNALÍSTICA
E O VIÉS NEGATIVO Renato Naegele
Não é possível imaginar que uma única mídia - ou uma única mensagem
- consigam ser eficazes na comunicação com interesses tão difusos.
Fácil é verificar que o discurso etéreo, impregnado de mensagens exclu-
sivamente institucionais, ou propagandísticas, é insuficiente em uma so-
ciedade que se democratizou e exige franqueza, ética e transparência.
Por outro lado, quando a empresa gera fatos positivos, como o apoio ao
agronegócio, à exportação, às ações de cidadania, ao esporte e à cultu-
ra, é grande a resistência da mídia em identificar os agentes daquelas
empreitadas - inclusive as que carregam forte responsabilidade social -
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como o quem do lead, o personagem que encarna a ação que vira
notícia.
Mas, penso, por outro lado, que buscar visibilidade é um esforço legíti-
mo, por parte das empresas e de suas marcas. As parcerias financeiras e
apoios empresariais ajudam a materializar fatos de interesse público e de
entretenimento. Agitam o circuito diário de emoções que o público bus-
ca através da mídia. Nutrem a pauta e contribuem para aumentar o con-
sumo da informação. Fazem parte, portanto, da cadeia produtiva e co-
mercial da notícia. O leitor, ou espectador não ignora o funcionamento
desse ciclo. Não se trata, portanto, de ludibriá-los. Quando os veículos
de comunicação, no Brasil, se empenham em suprimir nomes e créditos
de patrocinadores a não ser, como vimos, no caso de ocorrências
negativas estão atirando no próprio pé, quebrando um elo da cadeia
produtiva tão necessária para as etapas desse processo.
57
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM
EMPRESARIAL QUEM FALA,
QUEM OUVE?
Tereza Halliday
Para o leitor atento, o título desta palestra contém pelo menos três
Tereza Halliday é jornalista formada informações: a imagem é uma coisa que se constrói. Na construção da
pela Universidade Católica de
imagem estão envolvidos: alguém que fala ou escreve, alguém que ouve.
Pernambuco, em 1965. Tem
Mestrado em Jornalismo Agrícola Se existe fala e escuta na construção da imagem, esta construção depende
pela University of Wisconsin, de um processo de comunicação.
Madison (1972) e Ph.D. em
Comunicação Pública pela University
O título desta palestra também esconde informações: Quem são os
of Maryland-EUA (1985).
construtores? Quem fala? Quem ouve? Para que serve a imagem empresarial?
Atualmente é Docente-pesquisadora
de comunicação (UFRPe e Vamos fazer uma excursão pelo tema, com três paradas. Em cada parada
Universidade Católica de Pe.),
haverá um mirante de onde examinaremos o canteiro de obras da imagem
assessora de comunicação
intercultural (Consulado dos empresarial sob diferentes ângulos. Primeiro, vamos olhar a imagem como
EUA-USIS) e Jornalista (Diário de um produto da imaginação; segundo, pararemos para vê-la enquanto
Pernambuco). Tem vários livros construção auxiliada pelo discurso; finalmente, observaremos a relação entre
publicados.
imagem e legitimidade.
Esta palestra foi proferida em
19/11/1999 Ao escolher a metáfora da construção para pensar a imagem empresarial,
certas implicações aparecem: se uma imagem se constrói, ela é como um
edifício, uma casa. Uma vez construída, está sujeita a reformas, melhorias,
desgaste, demolição. Pode até mesmo tornar-se uma ruína. E precisa de
constante manutenção.
Vejamos um exemplo bem perto de nós: quando fui convidada a dar esta
palestra, perguntei quem seria o meu público. A resposta de foi: em sua
maioria, funcionários do Banco do Brasil e de empresas estatais. Com este
fragmento de informação, uma imagem se formou na tela da mente. Do
outro lado, quando vocês se informaram sobre a palestrante deste horário,
talvez alguns me imaginaram loura, devido ao sobrenome inglês.
A IMAGEM, sem adjetivos e com todos os adjetivos. É o resultado das Apesar de ter várias
cinco imagens acima. É maior do que a soma de suas partes. facetas, a imagem tem uma
única face. Ela é indivisível
No fornecimento de material para a construção da imagem empresarial, é
preciso levar em conta este inventário completo. Apesar de ter várias facetas
- as cinco dimensões listadas acima - a imagem tem uma única face. Ela é
indivisível.
Uma das razões pelas quais a reputação de muitos políticos é mais suja do
que poleiro de galinha, é que seus atos de discurso não têm congruência
com as outras ações de sua carreira. Esta noção de discurso como forma de
ação não é invenção idealista minha. É parte do quadro de referência de
filósofos, lingüistas, analistas da comunicação: Hannah Arendt, T.A. Van
Dijk, Jurgen Habermas, Kenneth Burke... Trabalhamos com as expressões
atos de fala, ação comunicativa... Dizer é um fazer. Meus colegas jornalistas, Muitos acham que discurso
infelizmente, reforçam a noção equivocada de que discurso é uma coisa e é uma coisa e ação é outra.
ação é outra quando persistem em comentar: É apenas retórica, como se É um equívoco. Usar
usar palavras não fosse também ação. palavras é também agir.
Assim sendo, é preciso integrar ação discursiva com ação imanente e ação
transcendente para ser capaz de solidificar ou modificar uma imagem. Não
esqueçamos de que a imagem é um veredicto sobre a empresa. O público é
o corpo de jurados.
O discurso é auxiliar na
Legitimidade, legitimação - conceitos que todo mundo sabe o que é, mas
construção da imagem
ninguém define precisamente. Gosto muito de pesquisar a história das
empresarial porque as
palavras. Como toda História (com H maiúsculo), ela ilumina aspectos
palavras só têm o potencial
importantes dos valores da sociedade através do tempo. A acepção mais
construtivo quando
antiga de legitimidade vem do adjetivo latino legitimus que queria dizer de
secundadas por outras
acordo com a lei. Mas já na Idade média, legítimo era tudo aquilo que fosse
ações.
de acordo com os costumes antigos e procedimentos costumeiros.
Devemos ao sociólogo Max Weber a aplicação do conceito de legitimidade
também às organizações. Ele diz que todo sistema social busca
cultivar a crença na sua legitimidade (Max Weber, Economia e Sociedade-
64
Ed. UNB). Ora, o cultivo da crença em alguma coisa se faz pela
comunicação.
67
CULTURA BRASILEIRA E
AMBIENTE EMPRESARIAL
Everardo Rocha
Digo o que chamam globalização porque, em antropologia, a idéia de Depois da administração ter
globalização é um pouco mais complicada. A idéia de uma ampla hegemonia sido, durante anos, um
de valores, de um único estilo para a humanidade inteira é mais complexa, campo muito marcado pelo
é mais difícil. Em certo sentido, podemos dizer que não é apenas nos últimos viés tecnicista, os agentes
10 ou 15 anos que o mundo está globalizando. Isto é bem anterior, envolve e as instituições
um complexo processo de etnocídio, colonização e imposição da cultura começaram a perceber o
burguesa, de valores da revolução industrial e é parte da própria constituição ser humano - consumidor
da modernidade. Enfim, a questão é mais antiga e, com certeza, mais ou funcionário, o
complexa. verdadeiro ator importante
da história.
O fato é que isto que em geral a mídia chama globalização é para definir
uma ruptura que acontece quando cai o muro de Berlim, os mercados se
integram e passa a existir a Internet. É engraçado que, quando se pensa a
globalização, as pessoas tendem a imaginar que é como se fosse uma
espécie de varredura de valores, equalizando todo mundo. E, exatamente
nesse mesmo momento, antropólogos passam a trabalhar com empresas
69
em um processo que parece indicar um foco local nos fenômenos
organizacionais e de consumo. Grandes empresas, por exemplo, estão hoje
abandonando uma visão tipo agir local e pensar global (act local, think
global) e adotando uma perspectiva de mercado centrada no agir local e
pensar local - act local, think local. A regra do jogo de grandes empresas
multinacionais assume um foco no local em meio a um discurso dominado
pelo senso comum do que é globalização. Ora, que coisa curiosa: pensar na
minha diferença, na minha singularidade, no mercado local, exatamente
quando estamos falando que somos mais ou menos parecidos em toda
parte ou que estamos submetidos aos mesmos fenômenos globais.
Isto traz uma questão interessante porque retoma uma observação sobre a
dinâmica cultural, detectada pelo antropólogo Lévi-Strauss, que é a seguinte:
quando existe um encontro entre duas culturas, pode acontecer que elas se
amalgamem, formando uma terceira cultura. Por exemplo: uma cultura,
digamos, A encontra uma cultura B e elas podem acabar formando uma
nova cultura AB. Neste processo, pode haver uma certa hegemonia de A ou
de B, ou mesmo um equilíbrio entre ambas. O ponto interessante é que o
Nas escolas de negócios,
movimento seguinte poderá se dar no sentido inverso ao amálgama e, esta
existem hoje cadeira de
nova cultura AB, poderá gerar o desejo de A ser outra vez A e de B ser outra
antropologia, o que era
vez B. É claro que estes novos A e B não seriam, exatamente, iguais aos A
impensável algum tempo
e B de antes do encontro, mas existiria um movimento na direção de buscar
atrás.
recuperar a identidade e a singularidade que as caracterizavam no primeiro
momento.
O ponto é que quanto mais globaliza mais particulariza. Não acredito muito
na idéia de que: globalizou, fica tudo meio igual. Não. As singularidades são
fortemente retomadas durante os processos de equalização, os processos
de hegemonização. A diferença é algo essencial para a constituição da
identidade cultural e ela busca sua própria preservação. Esse tema da
diferença é muito importante.
Com isso, vamos para um outro plano, mais particular ainda, que seria o
plano da própria cultura das organizações. Falar de cultura organizacional
não é uma coisa simples. Cultura não é para principiantes, podemos dizer,
parafraseando a famosa frase de Tom Jobim sobre o Brasil. Não se pode
simplesmente acreditar que toda e cada empresa tem ou deveria ter uma
cultura. Isto significa pulverizar a idéia de cultura, achando que cada empresa
em cada esquina possui uma cultura. Não é bem assim, para pensar em
cultura organizacional é necessário pensar em primeiro lugar na cultura
abrangente, naquela cultura da sociedade onde está a empresa. A cultura
envolvente. Por outro lado, é necessário pensar na empresa da qual estamos
falando. Existem empresas que constróem com o tempo um estilo, um
ethos, que reparte um conjunto de valores. Um exemplo clássico sobre
isso, que é aquele da empresa Panair, que acaba em 1965 e até hoje,
décadas depois, os antigos funcionários se reúnem para falar da Panair,
compartilhar a lembrança, os valores, o imaginário da empresa. Isto traduz
a idéia de que a memória de uma experiência vivida na empresa sobrevive à
própria empresa. A empresa não existe mais, porém a experiência que aquelas
Um líder ou chefe para pessoas compartilharam continua, como que vivendo a vida de um lugar
exercer uma liderança que não existe mais. Quando se fala de cultura organizacional estamos
positiva, ser respeitado e falando de algo, no mínimo, questionável. Não sei se é possível pensar que
crescer, deve saber ouvir e qualquer empresa tenha um conjunto de valores compartilhados que possam
não ser dono da verdade. ser capazes de definir propriamente uma cultura. Por isso talvez seja apenas
com a análise etnográfica - método antropológico para a interpretação da
cultura - que se possa saber a forma pela qual os funcionários identificam
determinados valores, atribuem significados comuns às suas experiências
na empresa, compartilham ou não certos aspectos de um modo de vida que
é influenciado pela empresa. Isto não quer dizer, necessariamente, que
exista uma cultura da empresa A ou B, podemos identificar valores que não
são da empresa e sim da profissão dos funcionários ou da sociedade
abrangente. Isto não implica que um conhecimento desta ordem não seja
de extrema utilidade empresarial. Muito ao contrário, saber como as pessoas
pensam seu trabalho e como acreditam que seja a sua empresa é fundamental
para que se possa transformar idéias de motivação impostas de cima para
baixo ou o simples desejo de que a empresa seja de uma certa forma, em
projeto coletivo. O conhecimento de como profissionais de uma empresa
experimentam a vida dentro desta esfera do trabalho e a imagem que a
76
empresa possui para eles é, na verdade, um patrimônio importante. Ter
este saber mapeado, conscientizado e, até talvez, gerenciado pode ser um
diferencial muito grande para o sucesso desta empresa.
Para pensar em cultura
organizacional é necessário
Uma última área onde vejo uma efetiva contribuição da antropologia e do
pensar em primeiro lugar na
conhecimento da cultura para o mundo dos negócios é algo que abrange
cultura da sociedade onde
mais especificamente o marketing. A idéia central é tentar entender os
está a empresa.
valores culturais do consumidor. E isto a partir da idéia de que o consumo é
como uma linguagem, uma espécie de código cultural. Uma simples
observação dos objetos - produtos e serviços - nos mostra que eles possuem
uma gramaticalidade, uma forma própria de dialogar uns com os outros, os
objetos são como coisas que conversam entre si. O consumo é governado
por representações coletivas, sentimentos obrigatórios, emoções codificadas,
sistemas de pensamento e pela ordem cultural que o inventa, permite e
sustenta.
Estas idéias são válidas para todos os demais brinquedos que povoam o
imaginário infantil. São mundos que não acabam. Os Pókemon, são centenas,
os Digimon são outros tantos... Estes objetos conversam entre si. Eles
puxam uns aos outros. Já imaginou uma garotinha ganhando só uma pobre
Barbiezinha, que não tem o namorado, não tem o Ken, para namorar? E são
centenas de Barbies e seus objetos e suas situações. Elas podem ser,
virtualmente, infinitas: Barbie preta, amarela, azul, Barbie politicamente
correta, Barbie gay, Barbie de meia idade, Barbie terceira idade, Barbie no
tênis, Barbie executiva, Barbie no motel. Nesta lógica de sistema, uma
única Barbie denuncia a necessidade de um sem fim de Barbies possíveis. O
O global parece um bom Harry Potter vai ser uma seqüência de livros e filmes e jogos e, evidentemente,
pretexto para pensar serão logo múltiplos bonecos.
localmente.
Mas isto não vale só para crianças. Se pensarmos neste momento nas salas
de nossas casas e trocarmos o sofá principal, o que acontece? Um sofá
novo - maravilhoso, importado, pena de ganso, que só falta falar, design
italiano, última forma - vai denunciar que a cortina está velha, que a mesa
de centro é porcaria, etc. Enfim, ele começa a denunciar tudo. Ele fala.
Assim como alguém, por exemplo, que vai a um encontro importante no
fim de semana e compra uma blusa ou uma calça ou um sapato. Quando
esta nova peça do vestuário se encontra com as velhas roupas do armário,
não vai existir uma delas que resista à sensação de impotência que o sapato
novo pode produzir. Esta é a lógica dos objetos de consumo: eles formam
um sistema.
79
COMUNICAÇÃO INTERNA:
ALÉM DAS MÍDIAS
Jacques Vigneron
Tem que haver muito cuidado com as relações humanas. Elas podem se
transformar em meio de manipulação. A injeção simbólica de relações
humanas sob a forma de símbolos e serviços pode se tornar alienante. As
boas relações dependem muito do líder. Segundo Carl Rogers Tem sido
demonstrado que os líderes que confiam nos membros da organização, que
compartilham e defendem o controle e que mantém comunicação livre e
pessoal, conseguem melhor moral e organizações mais produtivas e facilitam
o desenvolvimento de novos líderes (Rogers, 1978, P.165). A chave das
relações eficientes se encontra antes de tudo na capacidade do líder em
confiar nas pessoas, particularmente nos colabores da sua equipe. Formando
os lideres, as organizações terão outro tipo de comunicação e de
relacionamento interno.
82
Para Jean Louis Servan Schreiber, empresário e patrão do grupo francês
LExpansion, a comunicação é a base a partir da qual funcionam as
organizações: Uma vez que a leva de bons funcionários esteja
ocupando seu lugar é importante para o empresário que eles saibam,
a cada instante o que eles devem fazer. É sobre este fundamento
que se apóia o funcionamento de qualquer sistema (Servan Schreiber.
1993. P. 165).
a troca de informações
a busca da informação
Bibliografia
CABIN, Philippe (org.) La communication. Etat des savoir. Paris. Editions Sciences
Humaines1998. 462 p.
GIRARD, Hélène Comprendre le télétravail. Paris Les Editions du Téléphone, 1995. A implantação da Intranet
238 p.
numa organização implica
HERVE, Michel Lécole Ouverte sur la cité. In SERRES, Michel & AUTHIER, Michel formação adequada a estas
(Orgs.). Apprendre à distance. Paris Le monde de lEducation. Septembre 1998.90 p. novas formas de
comunicação.
LEHNISH, Jean Pierre La comunication dans lentreprise. Paris PUF. 1985. 127 p.
ROGERS, Carl Sobre o poder pessoal. São Paulo. Martins Fontes. 1978. 274 p.
TAPIE, Bernard Ganhar. São Paulo. Livraria Cultura editora. 1995. 218 p.
89
MARKETING CULTURAL: OS
PATROCINADORES E A MÍDIA
Luiz Felipe dAvila
A compra antecipada de cotas numa revista de cultura que iria ser lançada
era, para mim, uma prova importante para testar a viabilidade comercial do
projeto Bravo! Quando empresas dos mais diferentes setores fecharam as
cotas de patrocínio da revista, cheguei a conclusão de que uma publicação
cultural bem feita e original, atrelada à Lei Rouanet, era comercialmente
viável. Os cinco cotistas da revista Banco BBA, Banco Real, Volkswagen,
Shopping Iguatemi e Pão de Açúcar eram tradicionais patrocinadores de
projetos culturais, por isso, quando resolveram apoiar a Bravo!, nós sabíamos
que tínhamos as condições financeiras para fazer a melhor e mais importante
revista de cultura do país.
90
A Bravo! teve de enfrentar 3 grandes desafios. O primeiro foi limitar o
enfoque editorial nos temas genuinamente culturais. A revista foi dividida
em cinco editorias: artes plásticas; cinema; música; teatro; literatura; teatro
O desafio de uma revista
e dança que formavam uma única editoria. É verdade que alguns jornais e
cultural é separar o joio do
revistas tratam de outros temas, como novelas, nos seus cadernos de cultura.
trigo.
Para a Bravo!, novela é entretenimento, mas não é cultura. Este é, de fato,
um dos diferenciais da Bravo!:
Em primeiro lugar, sou contra a idéia de uma lei que permite uma empresa
deduzir 100% do valor incentivado do seu imposto de renda. O teto de
desconto deveria ser de 50%; os outros 50% a empresa teria de pagar com
a sua verba de marketing. Esta é uma maneira criteriosa de uma companhia
pagar por atividades culturais que darão grande visibilidade ao seu nome.
Patrocinar a Orquestra Sinfônica de Chicago ou a exposição das esculturas
de Rodin não dependem apenas das leis de incentivo. As empresas pagariam
por estes eventos mesmo se não existisse a Lei Rouanet. A companhias
investem em marketing cultural para que seu nome esteja atrelado a eventos
de prestígio e de importância para o país. Onde houver eventos culturais
que reúna público qualificado e mídia (portanto, dê visibilidade), haverá
dinheiro para patrociná-lo.
93
94
3
Espaços da
mídia
95
96
CRISE ECONÔMICA OU CRISE NO
JORNALISMO ECONÔMICO?
Luís Nassif
O que Manoel Bonfim dizia? Você tinha um modelo fechado, em que poucos
se beneficiavam do Estado. Aí, acaba o pacto conservador e todos os grupos
que, de alguma forma, ajudaram a abrir o modelo se sentem com o direito
de tirar sua casquinha. Trata-se de apropriação do Estado de forma
desorganizada. Como a receita estatal é finita, esse pessoal começa a gastar
mais do que pode e o Estado quebra. Mas como o Estado tem o monopólio
da emissão do dinheiro, o que era uma crise do Estado vira uma crise da
Nação, uma crise do País.
Outro modelo de País está Então, por onde começar? Cortes nos soldos das Forças Armadas? Se isso
surgindo e a imprensa ainda acontecer, perde-se poder. Cortar benesses dos políticos? De jeito nenhum!
não sabe como abordar Corroeria as bases de apoio do governo.
esse nova realidade.
Dessa maneira é que se começa a cortar onde houver menor resistência: na
educação, saúde, infra-estrutura básica. Quando o processo se completar,
a inflação acaba. Daí, o financista afirma: e o País foi salvo. Não foi. O
Estado, aquele modelo político, foi salvo e o País ficou mais pobre.
Ele passa a acreditar tanto naquela teoria, que descura a própria realidade.
E não existe nenhuma teoria que seja dissociada do real. A teoria é uma
forma de explicar a realidade. Então, no meio do caminho, o intelectual
começa a perceber sinais de realidade que não estavam previstos na teoria
original. Sua primeira sensação é de que está ficando louco. Pensa que está
vendo coisas. Daí, como é inteligente, cria uma teoria para justificar para si
mesmo que não está vendo o que está diante dos seus olhos.
São intelectuais que vêem a modernidade como algo genérico. Mas é preciso
ter instrumentos específicos que nos levem a ela. Muitos têm fascínio por
quem tem habilidades intelectuais. Mas a gestão não depende de habilidades
intelectuais. Depende da capacidade gerencial.
Isso explica por que ficamos quatro anos com essa política de câmbio
arrebentando o País. Também ajuda a explicar porque alguns intelectuais
brilhantes forma um fiasco em cargos importantíssimos. Não tem nada a
ver a função do intelectual, com a função do gerente. Nós tivemos alguns
dos melhores economistas na presidência do BNDES, boa parte deles
fracassados. Por quê? Porque é a idéia de que uma determinada visão/
explicação resolve o problema.
Eu não posso falar só do Brasil, porque uma crise na Rússia afeta diretamente
a nossa realidade. E o papel do jornalista é procurar entender todas essas
relações.
Alguém caçoou, certa feita, que o Presidente não lê mais o que escreveu.
Mas quem sustenta o que escreveu durante 20 ou 30 anos é um imbecil.
Não faz uma análise de acordo com a realidade. A não ser em casos
específicos, a análise econômica geralmente muda com a circunstância.
Tem de ter dinamismo.
A imprensa, hoje, está num impasse e isso é bom. Antes, não havia
margens para dúvidas. Havia uma certeza cega, num tipo de cobertura sem
qualquer relevância para o País, como um todo. Isso acabou, mas não a
renovação ainda não encontrou seu caminho. Muito poucas pessoas
escrevem sobre o que ocorre fora dos centros de poder. Você tem o Márcio
Moreira Alves e o Gilberto Dimenstein, que se empenham. Mas não adiantam
manifestações isoladas assim. Esse tipo de cobertura tem de ser diário.
É um trabalho duro a interação com o jornalista, porque em algumas áreas Os anos 90 foram os anos
de comando da imprensa já se percebeu que o modelo esgotou. Mas não se do vale tudo, em que a
sabe ainda como caminhar para o novo modelo. A discussão de ontem na imprensa adquiriu o maior
Folha era essa: como a gente faz uma cobertura descentralizada, bem poder da História, antes de
distribuída? Esse é o desafio. E não se trata de tarefa impossível. É que nós estar suficientemente
não aprendemos a fazer esse trabalho. Tudo passa por uma visão da pauta. madura.
Algumas pessoas tentarão jogar esses novos valores para a frente. Mas
ainda vai ser difícil a imprensa sair da influência nefasta da televisão, do
jornalismo fast food.
Mas é muito difícil, porque antes você tinha os alvos claramente definidos,
tanto para a oposição quanto para a situação. Havia a figura do governo, do
Banco Central, da Fiesp, da Cut. A coisa mais simples do mundo. Era uma
delícia fazer cobertura econômica, para quem era a favor ou contra. Estava
tudo lá. Agora, eu diria que o desafio da década é localizar a figura do
responsável numa realidade pulverizada, em que não há mais a figura do
mocinho e do bandido.
Com todo perdão pela palavra forte, para mim os anos 90 foram os anos do
acanalhamento da mídia. O jornalista saía da escola com a seguinte visão:
eu vou atropelar quem atravessar meu caminho, vou manipular e inventar
informação. O que vale é a manchete. Foram os anos do vale tudo, em
que a imprensa adquiriu o maior poder da História, antes de estar
suficientemente madura.
107
E tivemos alguns modelos jornalísticos que se consolidaram nesse período.
Foram, a meu ver, o supra-sumo da leviandade, da irresponsabilidade, da
falta de compromisso com a qualidade. Se não houver notícia quente, inventa-
se uma.
108
DESENVOLVIMENTO E
JORNALISMO ECONÔMICO
Márcio Moreira Alves
Acho que a resposta também é afirmativa. Não considero ter sido bem
informado do estado real da economia ao longo dos últimos anos pelos
colegas especializados. A débâcle de janeiro de 1999 não foi surpresa para
mim, mas não fui prevenido pelos colegas, pelo menos os dos grandes
jornais. Já não falo dos que militam em outros tipos de mídia, rádios e TVs,
por serem necessariamente mais superficiais e efêmeros. Os anúncios que
recebi vieram sobretudo, de políticos com experiência na matéria, como
Maria da Conceição Tavares, Delfim Neto e Ciro Gomes, e de jornalistas de
110
órgãos menos difundidos da imprensa escrita ou mesmo através de e-mails,
que difundem textos críticos de colegas jornalistas como Marcos Dantas,
especialista em telecomunicações, e Aloísio Biondi, feroz adversário das
privatizações e da forma como foram feitas.
A grande imprensa brasileira não deu ênfase aos pontos básicos das novas
políticas econômicas vitoriosas e, muito menos, explicou as diferenças entre
as privatizações européias e as brasileiras. A falta de informações me obrigou
a estudar teoria econômica por vários meses, para poder explicar aos meus
leitores, numa série de artigos, as idéias dos principais economistas desde
1930, as suas polêmicas e propostas.
Infelizmente, essas teorias são as que mais convêm aos mercados financeiros
que sejam tomadas por axiomáticas, ou seja, tão imutavelmente verdadeiras
que sequer precisam ser provadas. Note-se que em muitos campos, as
universidades e centros de pesquisa brasileiros, como na Medicina, na Física
Teórica, na Agronomia, nos métodos de exploração do petróleo em águas
profundas, na transmissão de grandes blocos de energia a longa distância,
etc., já fizeram descobertas e produziram pensamento original.
113
Em Economia, nada. Só temos papagaios repetidores. Os jornalistas, que
são caudatários das suas fontes, ficam menos atualizados ainda. É como se
os engenheiros da Embraer não tomassem conhecimento dos motores a
jato e acreditassem que os motores a turbo-hélice fossem os mais modernos
do mundo.
Logo: como as fontes são ruins e obsoletas, o que nelas se colhe também
é ruim e obsoleto. Há, em virtude dessas carências, uma tendência basbaque:
basta aparecer um economista estrangeiro, professor de uma universidade
americana de preferência, para darmos enorme destaque às suas
observações, como se o visitante conhecesse o Brasil e tivesse credenciais
para analisar a complexa economia do único país subdesenvolvido que é
plenamente industrializado.
115
O BRASIL VISTO DE FORA
Bill Hinchberger
A imagem vem de várias formas: de livros, filmes, etc. Mas, de certa forma,
Bill Hinchberger, jornalista e escritor quem faz a pauta para a imagem de uma região, um país, uma empresa, é
Americano, mora desde 1986 no
realmente a imprensa.
Brasil. Na década de 90, serviu de
correspondente em São Paulo para o
jornal inglês The Financial Times e a Quero registrar três historinhas sobre imagem no Brasil. Monterey é uma
revista americana Business Week. cidade na costa da Califórnia. Eu sou casado com uma brasileira e a gente
De 1995-99 foi presidente da
estava viajando na costa da Califórnia e fomos para Monterey, que é uma
Associação dos Correspondentes
Estrangeiros. Atualmente atua cidade bonita, lá, da costa. E fomos num restaurante. Chegou uma senhora
como editor de BrazilMax para nos servir e a gente estava falando, eu e minha esposa, em português.
(http://www.BrazilMax.com), Aí, veio aquela conversa: Vocês são de onde? Brasil. Ah, Brasil? Mas
um website para estrangeiros
estou muito preocupada com o Brasil, porque vi que a bolsa de valores está
sobre o país.
ruim e eu tenho ações não-sei-das-quantas e acho que isso pode afetar o
Formado pela Universidade de índice de Wall Street e tal. Essa é a fala de uma senhora que estava
Califórnia, Berkeley, tem mestrado servindo a gente num restaurante, numa cidade pequena, na Califórnia.
na área de estudos latino-americanos
e graduação em ciência política.
Você está vendo que essa imagem. E essa idéia do Brasil, mesmo para a
Esta palestra foi proferida em pessoa comum, está mudando. Pelé, praia, biquíni, futebol e coisas do
19/11/1999 gênero, estão sendo substituídas por um outro enfoque diferente.
Essa é uma outra imagem que não é aquela imagem da economia, da bolsa
de valores. Aliás, esse trecho dá dois enfoques, de certa forma. Dá a parte
da namorada que está muito interessada na música, na cultura, essas coisas.
E você tem o outro, do personagem principal do romance, que tem,
obviamente, uma outra visão.
Uma vez dito isso, eu diria que o jornalismo tem evoluído, em termos de
cobertura do Brasil, da seguinte forma: nas décadas de 60 e 70, você tinha
muita preocupação com assuntos relacionadas à Guerra Fria, toda a questão
política em cima do comunismo e da democracia. Havia muita cobertura do
chamado Milagre Econômico e do crescimento daquela época e também,
com o governo militar. Existia no exterior muita preocupação com questões
de direitos humanos. Acho que, nas décadas de 60 e 70, eram os assuntos
predominantes na imprensa no exterior.
Por outro lado, todo mundo acessa a Internet. Você tem de tudo. Circulam
muitas informações específicas e gerais. É preciso verificar de onde vem a
informação e qual é a fonte.
121
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS DO
JORNALISMO CULTURAL
Sérgio Rodrigues
Um efeito negativo disso seria que a agenda dos produtores culturais acabaria
pautando todos os suplementos de cultura, indiscriminadamente. Um outro
aspecto desse pragmatismo é que o jornalismo cultural teria passado a
aspirar a uma transparência de linguagem que seria característica mais do
primeiro caderno. Quer dizer, o repórter, começando a se especializar, recuou
um passo, deixou de ser um autor, alguém encarregado não só de transmitir
informações para o seu público como, também, de refletir sobre elas.
Ele se tornou um repórter mais clássico, mais transparente, que aspira uma
objetividade. Uma característica que seria mais de hard news está
contaminando a área cultural, por conta dessa ênfase no pragmático, em
fazer do jornalismo cultural um guia de consumo para o leitor. O suplemento
cultural, com certeza, está dando uma atenção preferencial ao que tem
mais público. Tratando, portanto, o seu objeto como entretenimento, como Uma característica que
um espetáculo, como um produto. seria mais de hard news
está contaminando a área
As críticas se tornaram mais curtas, mais breves e mais leves. Uma certa cultural.
veia ensaística, que permitia mergulhos mais profundos, ficou restrita a
espaços autorais assinados por colunistas. Isso passou a contaminar menos,
passou a se espalhar em menor intensidade pelo corpo das matérias.
Tudo isso obedece a uma série de fatores que a gente pode chamar de
socioeconômicos. Aconteceu uma expansão da base de público dos jornais
123
por uma série de razões, crescimento vegetativo da população, morte de
jornais, redução da concorrência. E também pela inclusão social: um monte
de gente, uma fatia maior da população, que não lia o jornal diário, passou
a ler. O fato é que as tiragens cresceram muito, essa base de público ampliou-
se. Isso é um dado.
Essa nova redação passou a lidar com um mercado produtor de cultura que
assistiu a um fortalecimento e a uma profissionalização brutal dos esquemas
de assessoria e divulgação. Também aqui, nessa Bravo! a gente fica
voltando a ela o tempo todo porque acho que é um ótimo ponto de partida
o Sérgio Augusto, que é um dos nossos grandes repórteres de cultura,
reclama de uma certa submissão das redações à agenda dos divulgadores,
que ele chama de promoters.
124
Ele tem razão, até certo ponto. Eu acho que se exagera um pouco em
atender as sugestões que vêm das assessorias. Mas é preciso ir com
calma nessa crítica, porque esse processo de assessorização de imprensa é
um dado de realidade. Na classe artística, é algo muito forte com que você
tem que lidar. Quer dizer, hoje em dia é realmente impossível você falar
com o Chico Buarque sem passar pelo Mário Canivello. Não fala mesmo,
não tem conversa. Assim como não fala com o Caetano sem passar pela
Gilda Matoso.
O que eu acho que pode ser feito para melhorar esse quadro? Onde eu acho
que a gente, profissional de imprensa trabalhando nessa área, onde a gente
talvez esteja moscando, contribuindo para tornar o quadro ainda mais
difícil para o nosso lado, contribuindo para essa insatisfação que ocorre
hoje?
Então, quando o Sérgio Augusto fala de submissão, eu acho que talvez haja
ainda uma avaliação errada da nossa própria força. Não no sentido arrogante,
mas no sentido de que você tem uma responsabilidade com seu público e
tem que manter uma independência, uma total independência, para avaliar
o que você vai oferecer a ele.
125
Eu acho que, com certeza, podia-se investir em qualificação de equipe.
O tom autoral de que eu falei, e do qual os suplementos de cultura estão
abrindo mão, é, na minha opinião, fundamental até para se atacar esse
Nenhum dos jornais problema das matérias que tendem a soar iguais. Quando se investe num
encontrou ainda o jeito jornalismo declaratório e o artista dá a mesma entrevista para todo mundo,
certo de cobrir a Internet. as matérias são mais ou menos as mesmas, em todos os jornais.
Se você tem um sujeito que vai chegar, conversar as mesmas coisas com
aquele artista, mas trazer para a redação uma visão mais informada, mais
filtrada pela sua própria bagagem, que vai observar, que vai contar não só o
que ele ouviu mas o que ele viu, o que ele percebeu, o que ele intuiu, aí você
começa a ter uma diferenciação real entre os produtos.
Uma coisa mais difícil ainda, porque de certa forma vai contra aquela corrente
do enxugamento de equipe, da maximização de produtividade, mas que eu
acho que valeria a pena fazer, é criar uma sobra de capacidade produtiva
nas redações. Hoje está tudo no osso, como se diz. Essa sobra seria usada
para matérias mais refletidas ou mais investigativas, mais sacadas, que
estabeleçam relações entre coisas que ainda não foram relacionadas. Tudo
isso é o antônimo da pressa, da ansiedade com que hoje se trabalha. Depende
de uma mudança de foco empresarial e, por isso, é mais complicado. Não é
só uma questão do jornalista, de repente, decidir fazer e fazer.
Uma outra sugestão, que eu acho mais imponderável ainda, é uma certa
coragem de ir contra o público. Isso, hoje, parece uma tremenda heresia,
126
numa época em que as pesquisas de opinião e o Ibope acabam determinando
em grande parte a linha editorial. Principalmente na televisão, mas também
na imprensa escrita, o público virou o nosso grande senhor. E eu acho que
o público não pode ser o nosso senhor. Ele tem que ser o nosso cliente, o
nosso foco.
Ele não pode ser o senhor porque quem é pago por ele para pensar sobre o
produto cultural, o suplemento que ele vai ler, somos nós. Não podemos
delegar essa tarefa. Eu acho que a gente barateia um pouco as coisas e
deixa de dar para as pessoas aquilo que elas talvez queiram mas ainda não
Os suplementos culturais
sabem que querem. Isso acontece. Eu já disse que é imponderável. Mas
estão gerando pouca
acho que falta um pouco mais de coragem de, às vezes, contrariar esse
discussão, as coisas não
público para, mais adiante, agradá-lo em cheio.
repercutem como deveriam.
Eu acho que boa parte das culpas que se atribuem aqui, nesses artigos, à
imprensa cultural como ela é feita hoje, uma boa parte delas a gente aceita.
Mas creio que uma outra parte delas tem que ser dividida com a própria
cena cultural brasileira. Eu não sei se a gente está bem de cultura ou não,
nesse momento. Essa é uma outra discussão. A julgar pela música popular
brasileira, por exemplo, que é uma das jóias da nossa coroa cultural, eu diria
que a gente não está num bom momento. Mas isso é mais uma opinião.
O que eu acho inegável é que, quando se diz que a gente não está gerando
o debate e a discussão, não está fazendo avançar a cultura através do
suplemento de cultura, é verdade, está se gerando muito pouco debate, os
suplementos culturais estão gerando pouca discussão, as coisas não
repercutem como deveriam. Mas eu me pergunto até que ponto isso não
vem dos próprios agentes culturais. Será que eles têm muita coisa a dizer
uns aos outros, a essa altura do campeonato? Ou será que a gente está
vivendo um momento cultural em que é cada um por si? Será que não
existe um certo excesso de jogo de comadres entre os artistas brasileiros?
O sujeito não fala mal do outro para que o outro não fale mal dele. Afinal de
contas, o público é tão pequeno no Brasil que você não pode sair dividindo
assim esse público, pode acabar sem nada. Eu acho que se debate pouco.
Acho que se critica pouco. O jogo não é muito aberto. E, com certeza, o
suplemento cultural tem responsabilidade nisso, mas não é o único.
127
JORNALISMO ESPECIALIZADO
EM CULTURA
Evaldo Mocarzel
No contexto atual, é muito difícil fazer arte com liberdade, em seu sentido
mais amplo. É preciso entrar na fila de patrocínios, tentando adequar os
projetos às fachadas culturais das empresas. Desta maneira, o jornalismo
cultural precisa ser cada vez mais parceiro da produção artística, esclarecendo
leis de incentivo, questionando o uso de verbas públicas, cobrando uma
política cultural mais definida do governo. O jornalismo cultural precisa semear
algo de positivo, fugindo das ironias destrutivas da razão cínica. Dando
espaço às mais variadas tendências. Contextualizando as obras para os
leitores.
131
JORNALISMO ESPORTIVO:
UMA VISÃO CRÍTICA
Juca Kfouri
E as pessoas não imaginam que tudo que eu gostaria, na minha vida, era
poder falar do gol do Romário. Porque eu só estou nessa vida de jornalista
esportivo por uma paixão infantil que eu tenho pelo futebol, por uma emoção
maluca que o futebol é capaz de despertar em mim, até hoje, apesar de hoje
eu saber como é feito. E olha que tem que ser muito apaixonado para
continuar gostando, sabendo como é feito. É como aquele negócio da fábrica
de salsicha. O dono da fábrica não come, porque ele sabe como é que
fabrica a salsicha. O jornal é um pouco assim, porque a gente sabe como é
que faz.
Infelizmente, o passo seguinte foi esse que eu disse: perdeu-se aquela imagem
de que, necessariamente, quem faz esporte é uma besta de viseira, mas
passou-se a ter a imagem correta do não sei bem com quem estou falando.
Afinal, quem é você? Você é jornalista, garoto-propaganda, vendedor de
placa, empresário de atleta?. E os escândalos começaram a se suceder,
nessa área.
Na minha santa ingenuidade, quando eu fiz pela primeira vez esse teste, eu
apostava, interiormente, que fosse dar a B. O que dá até uma discussão. O
cara fala: Não, eu esperei porque eu precisava comprovar, na prática.
Mas dá C, gente. Dá a C, 65%, 70%; 25% dá B e a minoria publicaria.
Conto para vocês, rapidamente, o seguinte exemplo: estou fazendo a Copa Você vai cobrir a Copa do
do Mundo da França, ao lado de um repórter, bom, ótimo repórter, da Folha Mundo como se tivesse
de S. Paulo, João Carlos Assunção. Jogo Brasil e Noruega. E eu vejo o indo cobrir o Brasil na
Júnior Baiano puxar a camisa do norueguês dentro da área. Penso: Pênalti. guerra.
Passam-se 5 segundos, não acontece nada. Aí, pim, o juiz marca pênalti. O
João Carlos olha para mim e diz: O que houve?. Eu falei: Pênalti. Como
pênalti, Juca?. Eu falei: É, o Júnior puxou a camisa do norueguês. Ele
falou: Não vi. Eu falei: Ah, veja no replay.
Pergunto para um, pergunto para outro, ninguém tinha visto o pênalti. Vou
escrever minha coluna. Escrevo a minha coluna e penso, penso: Ah, não
foi pênalti mesmo, estou louco. Trinta anos de profissão. Ali tinha 28.
Olha que coisa maluca que é essa história, até porque também tem um
outro elemento, de como você se deixa levar pelo olhar eletrônico e passa
a acreditar mais no olhar eletrônico do que no teu próprio olhar. E escrevo:
135
O Brasil perdeu na Noruega e tal, verdade que em função de um pênalti
mal marcado pela arbitragem...
Meu filho André também estava lá cobrindo a Copa. A ESPN Brasil não
tinha credenciamento para entrar em campo. E, então, ele estava muito
jururu, era a primeira Copa dele. Eu fiz uma loucura, um gesto de pai para
No jornalismo esportivo filho e comprei, para ele, sete ingressos para ele ver os jogos do Brasil,
existe uma tensão entre o enquanto o Brasil permanecesse na Copa, e achava que ia até a final mesmo,
que é notícia, informação e
como foi.
emoção.
E ele me liga e diz: Pai, o que que você falou do lance do pênalti?. Eu falei:
Eu falei que não foi pênalti, filho. Pois falou errado, porque foi. Eu falei:
Como?. Ele falou: Pai, eu estava atrás do gol. O Júnior Baiano puxou a
camisa do número 9 da Noruega. Eu falei: Meu Deus! Pronto. Obrigado,
André, tchau. Desliguei o telefone e, imediatamente, liguei para São Paulo:
Mexe na minha coluna. O que é?. Eu falei: Bota que foi pênalti.
Aí, o Editor da Folha disse: Juca, você está maluco. Todos os relatos são
que não foi pênalti. O Jornal Nacional acabou de mostrar que não foi pênalti.
Você está doido?. Eu falei: Foi pênalti, que eu vi, Melchíades. Foi pênalti.
Escreva que foi pênalti. Em seguida, entrei na rádio CBN, eu fazia um
comentário na CBN, dizendo que tinha sido pênalti.
Muito bem. No Jornal da Globo, horas depois, tinha aparecido a tal imagem
da TV sueca, de um maluco de um cinegrafista sueco, que estava trabalhando
fora do eixo, e pegou o Júnior Baiano puxando a camisa do norueguês. E
tinha, então, a cena do jogo e a entrevista com o Júnior Baiano, diante da
constatação: Não, de fato eu fiz o pênalti.
A tensão é: eu vi o pênalti contra o meu time. Mas foi pênalti mesmo?.
O lance é duvidoso. É duvidoso porque é contra o meu time? Se fosse
a favor, eu acharia duvidoso? Isso leva ao jornalismo preocupado em ser
imparcial, com muita freqüência, a cometer o erro oposto de, quando é com
teu time, você é contra, até prova em contrário, para que não acusem de
estar cobrindo parcialmente. É impossível você fazer um
jornalismo esportivo bem
Esse é um problema. E, de certa maneira, está posto na imprensa política: feito, se você não passar
Olha, eu tenho um candidato, tem eleição domingo. Como é que eu cubro emoção.
o meu candidato ou o adversário do meu candidato? Com a mesma boa
vontade ou com a mesma má vontade? Bom, essa é a discussão da vida
do jornalismo. A questão da objetividade.
Eu, da minha parte, crítico como sou, calava. Poderia até considerar que
não foi o melhor contrato, mas ponderaria que 400 milhões de dólares você
138
não acha em qualquer lugar. Nenhum problema. Mas a comunicação é
sempre tão caixa preta que as informações acabam assumindo esse
caráter.
Então, isso vale para a Nike-CBF e vale para um contrato do Banco do Brasil
com a Confederação Brasileira de Voleibol. É absolutamente natural que
alguém, dos meios de comunicação nesse país, no mínimo, discuta a validade
desse tipo de contrato, de um banco que é nosso, que tem uma óbvia O repórter de campo, de
função social, apesar de ter, ao mesmo tempo e eu sei a preocupação rádio, não é repórter de
em brigar com o Bradesco, com o Itaú, com o Citibank e com o Bank of campo faz tempo é um
Boston. out-door ambulante.
Mas, eu acho muito mais razoável ver o Banco do Brasil apostando nos
paraolímpicos, por menor que seja o retorno dos paraolímpicos. E eu sei o
quão formidável é o resultado mercadológico da união CBV-BB. Mas me
parece muito mais adequado ao perfil de um Banco com a função social que
tem o Banco do Brasil, a prioridade ser estabelecida junto aos paraolímpicos,
ou ao esporte de massa no Brasil.
É natural que a imprensa discuta, pelo menos discuta. E queira saber, tintim
por tintim, como é que esses contratos se dão. E não tem sido essa a
prática estabelecida nos contratos, no País. Uma parte menor da imprensa
fica preocupada com isso, e outra parte da imprensa, de alguma maneira,
se alimentando disso.
Como é que você resolve isso? Eu sou crítico de cinema da Time, a Warner
enfiou 150 milhões de dólares num filme, eu fui ver e achei uma porcaria. E
aí? Eu sento e escrevo? Na Time Warner, que, aliás, já não é mais Time
Warner?
Acredito que essa CPI pode, no mínimo, desvendar, abrir a caixa preta.
Qual é o comportamento quase generalizado da nossa imprensa, em relação
à CPI? Vai acabar em pizza. A quem serve esse raciocínio? A quem não
quer investigar. Porque, cabe a mim, jornalista, impedir que acabe em pizza.
Cabe a mim aprofundar as investigações que eu possa fazer. Cabe a mim
estimular os parlamentares a não permitir que termine em pizza, dado o rol
de coisas que eu mostro para investigar.
O consumidor do futebol, tem o direito que o jogo seja num horário adequado;
tem o direito de que o jogo seja disputado num gramado de boa qualidade,
porque se der um piano desafinado para o Artur Moreira Lima, não há condição
141
de fazer um bom concerto. O consumidor tem o direito de exigir que o
O grande desafio da árbitro não seja comprado, porque, senão, é fraudado no ingresso que compra.
imprensa é saber distinguir
negócios das informações. Em resumo, é pensar em fazer jornalismo levando em conta que na outra
ponta está o cidadão. Seja ele torcedor de futebol, seja ele o eleitor, seja ele
o consumidor de arte, seja ele o investidor na Bolsa de Valores.
142
4
A economia
simbólica
143
144
ENTRETENIMENTO, CULTURA E
COMUNICAÇÃO DO NEGÓCIO
Yacoff Sarkovas
Há uma saturação desse meio, por mais criativos que sejam os publicitários,
porque quanto maior o volume de publicidade, menor a taxa de sua
assimilação.
Estudos indicam que um ser urbano é bombardeado em média por duas mil
mensagens comerciais por dia. Acorda, vai tomar banho e vê a marca do
xampu e do sabonete. Depois, vai tropeçando pelas mídias, pelos outdoors
no ônibus, pelo rádio, pela TV, pelos anúncios nos jornais e nas revistas. É
um massacre de inputs. É natural que esse ser tenha desenvolvido uma
resistência a essas formas de persuasão. Para muitas pessoas, publicidade
chega a ser sinônimo de mentira: Ah, isso é só publicidade. Não é para ser
levado a sério. As marcas são hoje o
grande patrimônio das
Isso tem afetado os investimentos. Há uma grande preocupação das empresas.
empresas em relação à dispersão dos recursos em publicidade. Há uma
piada que ilustra bem esta percepção. Diz o cliente: Eu sei que só a metade
de todo esse dinheiro que gasto em publicidade funciona. A outra metade
eu jogo pela janela. Bom, então, por que você não gasta só a metade?
Porque eu não sei qual é a metade que funciona...
Todos nós, indivíduos, somos movidos por crenças. As empresas não são
diferentes. Investiam todos os seus recursos de comunicação em publicidade
por acreditarem na sua eficácia. Agora, essa crença está abalada, levando
as empresas a buscarem uma comunicação não só mais segmentada, como
também mais diversificada.
Não basta a marca agir de acordo com seus valores. A empresa tem que
dar conhecimento da sua atuação. Por isso, a comunicação por atitude não
prescinde da utilização das ferramentas convencionais. Publicidade,
promoção, assessoria de imprensa e marketing direto são utilizados em
carga adequada e de forma integrada para divulgar a atitude da marca.
No Brasil, não temos essa medição, mas percebe-se, pela mídia, o quanto
esses investimentos têm crescido, em todos os campos. Como exemplo,
temos a ação ambiental da Sadia, ou o projeto educacional do Bradesco,
que deve ter quase a idade da empresa. Idealizado por Amador Aguiar,
fundador do banco, o programa é hoje descomunal e beneficia dezenas de
milhares de alunos. Até há pouco, o Bradesco não fazia publicidade da sua
ação, para reforçar a idéia de que seu investimento era exclusivamente no
social e não na sua imagem.
É cada vez mais difícil adivinhar, hoje, se uma empresa faz algo por filantropia
ou por estratégia. O Bradesco se rendeu à evidência de que o Itaú e o
Unibanco, por exemplo, usam seu investimento cultural e social
agressivamente a favor da sua marca. Acatou a orientação de seus
marketeiros que, há anos, insistiam em que a empresa não podia mais
continuar desenvolvendo seu programa educacional secretamente. Agora,
o Bradesco reserva um quinhão da sua verba de comunicação para divulgar
sua atitude educacional. Por isso é significativa a campanha que começaram
a veicular no ano de 1999. É a evidência da impossibilidade de se separar a
filantropia empresarial da estratégia negocial.
Boa parte dos patrocínios esportivos são realizados porque uma câmara vai
passar pela ação e captar a marca. No calção de um surfista, na camiseta
de um jogador, no quepe de um corredor, na beirada de um campo. Entre
dezenas de outras, a marca será vista, não importam os valores que estão
associados àquela ação. Isso não é comunicação por atitude. É pura mídia,
mera exposição massificada da marca. Mas há muitas empresas que já
desenvolvem, no esporte, estratégias de comunicação por atitude,
objetivando a qualificação, os valores que a ação expressa e o posicionamento
que proporciona.
Acender vela para ambos os santos. Esse objetivo deve balizar qualquer
planejamento de marketing cultural. É marketing e é cultural. Não pode
ser mais marketing, nem mais cultural. Deve haver equilíbrio de benefícios
e de reciprocidades. Também não pode haver promiscuidade entre esses
dois mundos. Cria-se um campo de sinergia entre ambos, sem que um
interfira na singularidade do outro. Não cabe à marca pautar a cultura: Põe
esse quadro ali. Muda a letra aqui. Muda o roteiro ali., da mesma forma
que se supõe que um patrocinado não pode dar palpite nos negócios da
empresa patrocinadora. É uma associação que deve ser baseada no respeito
recíproco.
156
REFERÊNCIAS E SÍMBOLOS DA
MÍDIA NO NOVO MILÊNIO
Rafael Sampaio
1941, o filme, foi um desastre monumental. Ruim demais. Por quê? Porque
há um processo de interação absoluta entre a mídia e a sociedade. Ela é
agente. Ela é paciente. Ela é reflexo e, ao mesmo tempo, um certo tipo de
dogma. Ela define o que a sociedade é. Então, não dá para dividir. Quando
se reclama, por exemplo, que a televisão, principalmente nos Estados Unidos,
é extremamente violenta, esquecemos que ela é um espelho. Ela induz à
violência. Ela mostra consumo de drogas o tempo todo, crimes, assassinatos,
crime organizado, esse pessoal que sai dando tiro que nem louco, etc. Você
A mídia, a sociedade, pode dizer: A televisão está conspirando contra a sociedade americana.
a organização Está mostrando alguma coisa que é perversa, etc. A TV leva as pessoas a
político-econômica e cometer atos violentos... Isso não é verdade. A sociedade americana tem
o processo de consumo aquelas doenças patológicas, que são registradas pela mídia. A mídia está
são indivisíveis. amplificando esse reflexo.
Essa foi uma das razões pelas quais a Idade Média durou tanto tempo e
porque houve, sob um certo sentido, uma tremenda regressão na civilização
humana. Foi porque a comunicação entre as pessoas, entre as instituições,
ficou muito tênue. Não existia um mecanismo prático de troca de informação,
não existia uma mídia eficiente. E foi a invenção do senhor Gutemberg a
grande mídia que revolucionou o mundo, que permitiu a Renascença, que
permitiu a sociedade industrial, que permitiu quase tudo que tivemos até o
começo do século XX, ou seja, abrange a história do final da Idade Média
até entrarmos em 1910. Quando reclamamos que a
TV é violenta, esquecemos
E o que essa mídia, que tem como grande poder a capacidade da multiplicação que ela é um espelho.
da informação, fez? Ela, simplesmente, reproduziu coisas de 2.000 anos
atrás. De mil e poucos anos, eram os Evangelhos, as Cartas dos Apóstolos.
Então, estamos falando de uma mídia que, simplesmente, pegou algo que já
fazia parte da sociedade, mas que era de difusão muito restrita, do
conhecimento de muito pouca gente, e multiplicou. Essa foi a transformação,
mudou o mundo a partir de conhecimentos, de coisas que já existiam.
É claro que o primeiro objetivo foi fazer com que a Bíblia estivesse em cada
igreja, em cada escola. Mas, a partir daí, alguém começou a pensar: Mas
por que não usar isso aqui para fazer um mapa de viagens? Por que não
colocar a fórmula de forjar metal? Por que não? E nós tivemos uma tremenda
mudança na história da humanidade.
Então, qual foi o grande efeito que este poder da multiplicação criou no
mundo? A democratização. A democracia começou a ter alguma chance de
159
existir somente a partir da criação da imprensa. Os gregos não eram
democratas, eles inventaram o conceito, mas eram oligárquicos, porque, na
verdade, meia dúzia mandavam e o resto não tinha nem possibilidade de se
manifestar. O conceito possível da democracia liberal, que conhecemos
hoje, nasce do poder de multiplicação que o livro proporciona, que essa
mídia proporciona, porque gera a possibilidade da democratização.
E durante 400 anos, basicamente, o mundo foi dominado pelo livro, até
que, no começo do século XX, a indústria, que já tinha uns 100 aninhos e
estava imaginando em como se transformar, começa a pensar na
possibilidade de pegar uma coisa que ela fabricava para meia dúzia e oferecer
para todo mundo. É o conceito do Henry Ford, de produzir, para a massa,
um carro que o seu operário pudesse comprar. Isso era inimaginável na
indústria européia. Ela fazia coisas para pessoas que já podiam comprar.
Não passava pela cabeça deles produzir coisas para as pessoas que ainda
não podiam comprar.
160
Essa foi a revolução fundamental dos Estados Unidos, essa é a história do
século XX, a história da indústria de massas. E baseada nisso, sempre
como reflexo, agente e paciente, desenvolveu-se a comunicação de massas,
que é a segunda grande revolução. Começa pelo rádio, pelo cinema e termina
na televisão, que é o grande veículo de comunicação de massas que tivemos
durante a segunda metade do século, que mudou a cara do século XX e que
nos trouxe até hoje, onde estamos.
Esse é o grande símbolo. É óbvio que, para fazer isso, o De Mille precisou
simplificar. O filme não pode ter a profundidade que tem na Bíblia. Seria
impossível. Quantas horas de filme seria preciso? Isso seria absurdamente
chato. Não tem jeito, para eu possa falar com mais gente, tenho que
simplificar.
162
E assim acontece com tudo. O carro que o Ford produzia não era o melhor
carro possível de ser feito na época, porque, se fosse, ele custaria o preço
que os carros de luxo custavam, o preço dos Bugatti e de outros carros que
eram feitos na Europa e que só dava para serem comprados por reis e gente
muito rica. Ao fazer um carro acessível para todo mundo, o Ford teve que
abrir mão de uma série de requisitos que infelizmente, na vida real, não
podemos ter a máxima profundidade com a máxima horizontalidade. Não
tem jeito. Então, temos que buscar as compensações ou tínhamos até
hoje, porque está surgindo a terceira revolução. E, talvez, essa terceira
revolução vá, de algum modo, fazer a simbiose das outras duas e acrescentar
alguma coisa a mais.
Qual poderá ser o efeito disso? Atomização. O poder vai ser atomizado. As
fontes de referência serão atomizadas. Se o conceito de democracia, depois
de já existir por quase 2.000 anos, só pôde começar a ser praticado quando
aconteceu a multiplicação pelo livro, se através da comunicação de massas,
tivemos realmente a capacidade de levar a idéia da democracia a todos, ou
seja, de vender a democracia para todo mundo, acredito que só vamos
chegar à plenitude na hora em que realmente conseguirmos usar os networks
como eles poderão ser usados, porque, aí, vamos realmente atomizar. Vão
163
acabar os deputados? Vão. Óbvio que vão. Vamos ter uma desintermediação.
E não é só do político. É do comerciante, do especulador, do atravessador.
Teremos um processo de profunda desintermediação do mundo.
E, mais uma vez: a mídia vai ser o agente? Vai ser o agente. Mas ela
também será o paciente, porque isso só está acontecendo porque cada um
de nós está um pouco cansado desses intermediários que falam em nosso
nome, dessas pessoas que vão lá e dizem que estão lutando por nós, que
estão se sacrificando por nós, nos representando. Não queremos. Esse um
sentimento existe e não pertence ao Brasil, com todos problemas conhecidos
que temos. Estamos falando de um sentimento presente nos Estados Unidos
A referência geográfica da e na Europa.
Internet é a globalização.
As pessoas do primeiro mundo e do mundo em desenvolvimento, a caminho
do primeiro mundo, estão um pouco cansadas de um monte de gente se
aproveitando delas, como intermediários de alguma maneira. Então, existe
um clima favorável a desintermediação que a Internet, sendo a mídia
adequada para facilitar esse processo, vai desencadear. Ou seja, é agente e
é paciente.
A Internet não daria certo nos anos 50. Não havia estrutura tecnológica,
nem a rede de telecomunicações. Além disso, não existia o quê? As condições
sociais para que a Internet se desenvolvesse. Naquele famoso relatório do
Herman Kahn, que foi feito nos anos 50 e 60, sobre o que seria o futuro do
mundo, a Internet não tem esse nome, mas está descrita lá. Herman Kahn
colocou em 70º, 71º, 72º lugar, por aí. Ele já dizia que o mundo seria
conectado por redes de computadores, que os computadores descarregariam
uns para os outros a sua necessidade de operação e que haveria
processamento em rede e que as pessoas teriam capacidade de, através
dos computadores, interagirem com um centro. Mas, veja bem, ele ainda
tinha o conceito do centro. Não passava na cabeça dele que poderíamos ter
uma rede sem centro; até porque o centro, para ele, era muito claro: eram
os Estados Unidos e a vida acadêmica.
Qual era a cultura que estava por trás da imprensa? A enciclopédica. Havia
um processo de acumulação de conhecimento. A criação do conhecimento
não era tão importante, porque se achava que já se sabia muita coisa no
mundo. E o primeiro passo foi o quê? Recuperar e tornar acessível o
conhecimento já existente. Isso já era um tremendo desafio para a
Na sociedade de
humanidade, porque havia muita coisa que se sabia, mas estava dispersa.
comunicação de massa a
grande cultura foi a pop.
Isso teve uma tremenda importância. O século XIX foi dominado pelo conceito
dos enciclopedistas. Toda a cultura, a universidade, como a conhecemos
hoje, ainda é extremamente dependente dessa cultura enciclopédica: Sim,
eu tenho toda a informação e vou conceder o favor de passar isso adiante.
Isso foi uma tremenda evolução na história da humanidade. O grande
problema é que ela tende a um certo assexuamento, ou seja, ela não produz
informação, não gera conhecimento pela quantidade de informações que se
recolhe, porque a conectividade entre as informações que estão na
enciclopédia é baixa. E só há produção de conhecimento quando há
conectividade, quando existe até mesmo conflito entre idéias diferentes,
entre conceitos diferentes, aplicáveis a ramos diferentes.
O que a Internet permite? Mais uma vez, é uma síntese. Ela permite tudo.
Você compra, você vende, você troca, você faz coopta. E na palavra troca
talvez esteja a chave para o que vamos ter que fazer nos próximos anos.
Ninguém mais tem chance de construir marcas como Coca-Cola ou Marlboro.
As marcas mais valiosas quase todas são marcas muito antigas ou, como é
o caso da Intel, uma marca que foi pioneira num campo novo. Entrar num
mercado que já existe com uma marca nova de refrigerante, de banco, o
que quer que seja, é tarefa com poucas chances de sucesso hoje em dia.
E qual vai ser a economia da Internet? Ainda não sabemos qual vai ser. O
que sabemos, até hoje, é que esse negócio ainda não dá muito dinheiro.
Mas todo mundo quer estar dentro dele e ninguém quer estar fora. Ele já
está mudando a sociedade e tem muito pouca gente ganhando dinheiro
com isso. Mas vão descobrir, senão a Internet não vai ter como existir. A
comunicação de massas descobriu que sua economia estava nos anúncios
Na comunicação de e na distribuição, na venda para um número muito maior de gente de uma
massas, em benefício de se mercadoria com um preço bem mais baixo. E, aí, fez a revolução.Ou seja,
falar com mais pessoas, provavelmente, vamos caminhar para um tipo de economia virtual que não
abre-se mão de qualidades sei ainda como descrever. Mas vai acontecer porque, do contrário, a Internet
artísticas, abre-se mão da não ficará de pé.
profundidade.
Sobre a velocidade, o tempo, a duração, todos nós sabemos. A imprensa
era lenta, pensava-se em anos e era permanente. Você não imaginava uma
troca muito grande de ícones, uma troca muito grande de referências. Por
isso, durou séculos. Era um outro ritmo. Já na sociedade de massas, é
muito rápido. A mídia se transforma rapidamente. Qualquer coisa acontece
em meses e é modal. Tem época de moda disso, de moda daquilo, cada
filme segue um tipo, a programação atende outro tipo, modas, ondas, que
vão e, às vezes.
Isso é ruim em certo sentido, pelo seguinte: quando o novo entra na moda,
muitas vezes simplesmente joga-se o velho fora e se fala que como peguei
o novo, não preciso mais do velho. Só que hoje ainda não dá. E talvez não
dê por um bom tempo. E, aí, é mais difícil, porque a dúvida essencial, em
nosso trabalho, é saber: quando usar o velho e quando usar o novo? Quando
devemos fazer aquele comercial de 30 segundos, normal, clássico e pôr na
televisão? Quando devemos fazer um anúncio de jornal? Quando deveremos
ir para a Internet? Quando vamos fazer duas coisas ou tudo isso junto? Não
temos certezas ainda. Vivemos um processo de lusco-fusco, de
transformação, que deve durar uma década e que vai nos deixar sem saber
bem o que fazer nesses próximos anos.
169
Não vejo outra saída. Vamos ter que aprender no dia-a-dia. E existem poucas
Cada mercado, cada respostas que alguém possa dar, tipo receita de bolo: faz isso, faz aquilo.
empresa, cada momento Não dá. Temos que aprender. Até porque cada empresa, cada mercado e
vão pedir uma receita cada momento lembrem-se que o tempo da Internet é o momento vai
diferente. pedir uma receita diferente.
170
5
Retratos
da mídia
171
172
REVISTA: A INTIMIDADE
COM O LEITOR Leonel Kaz
Íntimo é aquilo que está lá dentro, no âmago. Qual o seu grau de intimidade
com revistas? O que ela incita, o que ela desata? Imaginemos que você Leonel Kaz, jornalista, é
comentarista da GloboNews
toma às mãos este estranho objeto do desejo e o coloca a dois palmos de
(programa Starte). Carioca, foi
seus olhos. Você o desfolha e abre na página que lhe apetece. Você a co-editor de Edições Alumbramento;
segura com firmeza, perpassa cada linha, cada letra, cada imagem. Depois, repórter de Manchete e diretor
firma com o polegar e o indicador da mão direita (no caso dos destros) o de Sétimo Céu, Pais & Filhos e
Fatos & Fotos (Bloch Editores);
alto desta página e, ato contínuo, passa a seu verso. E assim sucessivamente
editor em O Globo e coordenador
da capa à contracapa. Trata-se de um ato de posse (seu) e de doce submissão do Projeto Portinari.
(dela, a revista).
Na Editora Abril, foi diretor editorial
adjunto e editor de Pop, Elle,
Digamos que você, num arroubo de ódio, rasgasse páginas (para acender a
Cláudia Argentina e do livro
chama no fundo do forno, inalcançável aos malditos e curtos palitos de A Revista no Brasil. Dirigiu a
fósforo) ou as reunisse todas num feixe que massacrasse o mosquito Fundação de Artes do Rio de Janeiro
tonitruante e sanguinário que o perseguia. Além destas louváveis funções, e foi Secretário de Cultura e Esporte
do Estado do Rio.
revistas nos fazem companhia por uma série de outras razões...
Esta palestra foi proferida em
Revistas são pioneiras e permanentes. Elas estão na vanguarda das idéias 27/10/2000
(seus editores têm mais tempo para refletir sobre elas e discuti-las). Sua
permanência advém da durabilidade; talvez menos que a de um bom livro,
certamente mais que a de um jornal. Elas têm alta rotatividade: cada revista
é lida, em média, por quatro leitores. Cada qual com seu gosto e aptidão.
Apesar de ter seus conteúdos unificados por uma lombada colada ou
grampeada, delas podem ser extraídas partes que permitam transplantes
de sugestões culinárias e moda, decoração e viagens, política e
comportamento, ou vastas emoções e pensamentos imperfeitos para nos
fazer refletir e sonhar.
Revistas têm seletividade. Você sabe com quem está falando. Você sabe
quem está comprando aquele produto: o seu público por faixa etária,
segmentação social ou econômica, cultural, área regional. Enfim, com
interesses comuns à sua mensagem. A leitura é um ato de vontade, que o
leitor faz em determinado momento de sua disponibilidade pessoal.. Ele lê
para se informar, se aculturar, se divertir, ter prazer. Neste momento, a
mensagem jornalística ou publicitária é percebida de uma forma muito mais
envolvente. Veja durante certo período, lançou campanha publicitária com
o mote: - O que você vai conversar amanhã se não tiver lido Veja?
Revistas são uma opção consciente do leitor. Ele coloca a mão no bolso,
pede ao jornaleiro, paga, antes de tê-las nas mãos. É como no jingle dos
anos 50, da Revista do Rádio... que toda semana eu espero/ Revista do
Rádio: - Êi, jornaleiro!/ É esta que eu quero. O querer, o possuir aquele
objeto tridimensional cria uma relação de fidelidade (infinita, enquanto dure)
com quem lê. E sendo uma via de mão dupla com o leitor, entre o anunciante
e o leitor e entre os próprios leitores cria um universo de possibilidades.
Entre os que surgiram como novidade editorial nos últimos anos, vale registrar
a regionalização (encartes por região geográfica) e a personalização
(mensagens ou anúncios individualizados com o nome do assinante, dirigidos
a segmentos pré-selecionados em mailing).
Agora que falamos delas, as revistas, vamos falar de nós, leitores, estes
estranhos seres que - sabe-se Deus lá por quê? - resolvem a intervalos
regulares, abrir e desfolhar um amontoado de páginas de papel... Uma revista
não existe sem o seu leitor. Por isso, o leitor deve vir sempre em primeiro
lugar. Você tem que acreditar nele. Na capacidade ilimitada de interesses
que você possa despertar nele. Antes de definir uma idéia, é importante
definir o leitor que você busca. E saber, com humildade, que tão importante
quanto escrever é perceber o que ele vai ler e capturar daquilo que você
escreveu. Quem não acredita no seu
leitor, no seu espectador,
Seu texto só será genial se for lido. Sua reportagem só será significativa se no seu cliente, no seu
consumidor, não deve
ela ecoar na alma do leitor. Isto parece muito simples. Mas não é. Profissionais
produzir nenhum
da comunicação têm a tendência a perceber o mundo circundante apenas
espetáculo, não deve editar
com seus próprios valores. Temos uma natural arrogância (e isto vale não
nenhuma revista.
apenas para quem trabalha nos trópicos). Quem não acredita no seu leitor,
no seu espectador, no seu cliente, no seu consumidor não deve produzir
nenhum espetáculo, não deve editar nenhuma revista. Nem Veja. Nem Sétimo
Céu.
Todo homem é fruto de sua palavra. É essencial que ele conheça a língua
que fala e seus elementos de cultura. Como pode um repórter chegar à casa
do entrevistado e, sem lastro cultural, perceber o entorno? Como pode ele
Machado de Assis e
sair à rua sem uma pesquisa básica? Como pode escrever sem reescrever,
Di Cavalcanti eram leitores
podando aqui e acolá o desnecessário? No mais das vezes, a percepção da
fiéis de revistas
música que o entrevistado ouve pode dizer mais para o bom texto do que o
meramente declarado. As impressões gerais devem calar fundo no repórter
ao redigir a matéria. Portanto, cabe ao comunicador ser capaz de ver e
ouvir, plenamente, aquele de quem vai falar e aquele a quem vai falar.
Assim, ele se inquieta, pensa, propõe, instiga funções essenciais do
jornalismo de revistas.
Há dez anos, quando editava Elle, recebi carta de um inquieto Alberto Dines,
que recomendava ... não deixar cair a peteca da qualidade. Acreditar na
inteligência do leitor em todas as instâncias, fazer um jornalismo que force
os jornalistas a serem melhores (...), fato comezinho em qualquer sociedade,
mas que entre nós já não acontecia há uns pares de anos.
179
MÍDIA IMPRESSA:
ÉTICA E COMPETITIVIDADE
Alberto Dines
Cada vez que recebo um convite para falar num seminário, colóquio ou
Jornalista desde 1952, dirigiu jornais conferência, vem junto uma sugestão de título para a intervenção. Por
e revistas no Rio, S. Paulo e Lisboa.
experiência própria sei que fatalmente acabarei mudando o título, a linha do
Leciona jornalismo desde 1963 e foi
Professor Visitante da Escola de texto ou os dois. Não é rebeldia mas a constatação de que é impossível
Jornalismo da Universidade de começar pelo fim.
Columbia, Nova York (1974-1975).
Criador do Jornal dos Jornais
Explico: o título apesar de estar no cabeçalho do texto é a última coisa que
(Folha de S.Paulo, 1975-77,
primeira experiência regular de se escreve. O título subordina-se ao texto, conseqüência lógica do
crítica da imprensa). Co-Fundador desdobramento das idéias. Culminação e síntese do raciocínio. Acontece
e Pesquisador Senior do LABJOR com o título o mesmo que dá-se com os prefácios que, pela ordem de
(Laboratório de Estudos Avançados
aparição no livro, antecede o texto de um livro mas que, no entanto, só
em Jornalismo da Unicamp).
pode ser escrito quando o livro foi completamente escrito.
Um dos fundadores do Observatório
da Imprensa (Portugal), criou o Pois bem: se hoje tivesse que falar sobre ética da imprensa diante de uma
Observatório da Imprensa (Brasil)
platéia de altos executivos de um banco e como sinal dos tempos só sou
primeiro site periódico de
acompanhamento da mídia, hoje convidado a falar sobre ética da imprensa teria escolhido exatamente a
com versões impressa e televisiva equação Ética e Competitividade. Simplesmente porque a chave do
(em rede nacional). Autor de livros problema ético numa atividade comercial ou de prestação de serviços
de ficção, reportagens,
depende direta e exclusivamente da forma com que é conduzida a competição
teoria e prática jornalística,
biografia e história. Articulista ou concorrência.
do Jornal do Brasil.
Aos autores do convite e também aos autores da pauta meus parabéns pela
Esta palestra foi proferida em
forma extremamente feliz e suscinta com que foram ao âmago da questão.
27/10/2000
Identificar um problema com clareza é meio caminho para resolvê-lo.
Confesso que não sei quem o disse mas se quiserem podem atribuir a mim.
E quais são esses deveres? Oferecer uma informação veraz, isenta e objetiva.
Sobretudo devidamente investigada. No acordo tácito lavrado entre a mídia
e a sociedade e do qual a Constituição é fiadora, não está dito em nenhum
artigo, parágrafo ou alínea que a imprensa pode dar-se ao luxo de ser
apressada ou submeter-se à pressão de uma concorrência desenfreada.
Ao contrário: está subentendido que em troca das garantias e
proteções constitucionais, a imprensa deve cuidar do interesse público,
aferrada aos postulados éticos, sem deles desviar-se por conta da disputa
concorrencial.
183
Estas reflexões são feitas dentro de um plano teórico, sem levar em contar
certas realidades concretas desta Era da Informação. E nas atuais
Quem é que disse que o circunstâncias de um mundo em estado de ebulição informativa, hiper-
leitor quer o furo? O leitor comunicado, nenhum veículo pode ser furado com relação a acontecimentos.
quer, sim, informação bem Tudo o que é relevante é sabido, tudo o que é significativo está na internet,
escrita e bem apresentada, nas rádios ou nas TVs a cabo. E o irrelevante quando é destacado acaba
capaz de ser assimilada pela gerando o problema do sensacionalismo. Um jornal diário publica cerca de
memória e converter-se em 200 noticias por edição. É óbvio que parte destas notícias são exclusivas,
fator de discernimento para não compartilhadas pelos demais. Nem todos têm acesso às mesmas fontes.
a formação de juízos. E isso é extremamente positivo e democrático. Na medida em que os jornais
se furam mutuamente, aumenta a diversidade da imprensa como um todo e
a sociedade no seu conjunto é melhor servida.
E aqui será preciso dizer com toda a clareza: os desvios éticos provocados
ou exacerbados pela competitividade só poderão ser evitados
quando criarmos uma consciência reguladora. Reparem que não falei um
sistema regulador. E por consciência reguladora designo uma serie de
iniciativas concêntricas capazes de desarticular esta falsa competição com
seus inevitáveis desvios éticos. Estas iniciativas horizontais e verticais
incluem:
Coloquei este ítem no final mas na realidade ele é inicial. A sociedade não
pode ficar passiva, a reboque dos interesses comerciais menores. E numa
sociedade atenta para o que lhe oferecem como informação desmonta-se o
império do furo. E reorienta-se a fúria competitiva para projetos mais
edificantes.
186
O FUTURO DA TV
Nelson Hoineff
Essa demo, vista agora, é quase uma relíquia do passado. Claro que nem
tudo nela é pré-histórico. Várias das coisas que estão contidas na fita ainda
estão por acontecer. É muito curioso ouvir falar em plataformas de televisão
por satélite na banda Ku, em pratos pequenos, como uma coisa do futuro,
em compressão digital como coisa do futuro. Vemos como, em cinco anos,
várias dessas coisas se tornaram passado.
Segunda, a televisão passa a se parecer cada vez mais com Internet. Todo
mundo repete essa frase o tempo todo, mas é muito importante entender
por que isso acontece.
O sinal que chega até o usuário é sempre da mesma natureza. Não importa
se esse sinal está sendo utilizado para a transmissão de dados, ou para a
telefonia, ou para a recepção de sinais de vídeo. Tal como acontece na
Internet, esses sinais são processáveis, o que possibilita a participação do
usuário em níveis mais sofisticados.
Isso não quer dizer, ao contrário do que muitos pensam, que a Internet é a
televisão amanhã, ou vice-versa, mas o modelo de acesso à programação é A televisão digital permite
muito semelhante. Nos dois casos, o usuário se relaciona diretamente com também mecanismos de
a programação e não com quem está empacotando essa programação, o e-commerce.
oposto do que acontece na televisão de hoje.
Faz muito pouca diferença, naquele momento, saber quem produziu esse
conteúdo, se esse documentário que escolhemos foi produzido pela Globo,
pela BBC, ou pela RAI.
Uma das primeiras coisas que nos perguntamos, quando vemos essa
quantidade de gadgets, é se isso significa que vamos ter mais da mesma
coisa, simplesmente com melhor qualidade. Esse é um debate que também
está por trás de toda a revolução da televisão multicanal dos anos 80 e
anos 90 no Brasil: será que essa revolução toda, essa multiplicação
tão grande do número de canais, do número de produtos oferecidos, teve
um impacto na mesma proporção sobre a qualidade do produto que
é oferecido?
Uma coisa que se pode ter certeza é que, pelo menos, a televisão digital
possibilita que a produção tenha a hegemonia sobre a forma do seu
empacotamento. Essa não é uma novidade em muitos outros veículos, mas
é algo novo em televisão.
É muito possível que a maioria dos leitores não saibam qual é a editora do
último livro que leram, embora cada um saiba, certamente, quem é o
autor. É quase certo que não saibam quem era o distribuidor do último filme
que viram, embora todos saibam quem eram os atores. Alguns vão saber
quem era o diretor e, seguramente, todos saberão do que se tratava no
filme.
193
Por outro lado, todo mundo sabe em que canal que está o Ratinho, em que
canal que está o Jornal Nacional, em que canal que está esse ou aquele
programa. Isso acontece porque antes de falar com o programa você
A multiplicação de canais e está falando com o seu empacotador. Relacionar-se diretamente com
do número de produtos a programação é uma possibilidade completamente nova. A produção
oferecidos não tiveram o passa pela primeira vez a ter alguma hegemonia sobre a forma do seu
mesmo impacto em termos
empacotamento.
de qualidade.
Isso implica, também, a pluralização da produção como elemento de
qualidade. Essa é uma das coisas a que, por exemplo, Carlo Sartori se
refere no seu livro sobre a questão da qualidade televisiva. Para ele, uma
das formas de avaliação da qualidade do produto televisivo está justamente
na pluralização da produção. Isso, sem dúvida alguma, é verdadeiro. Não
podemos pensar em produção de qualidade sem que essa produção seja
pluralizada.
Será que a qualidade da televisão pode ser medida, por exemplo, pela
educação formal que a televisão é capaz de transmitir? Eu, pessoalmente,
acho que a função educacional da televisão, se isso existe, tem que ir
exatamente na contramão da educação formal. Acho que a televisão tem
tanta obrigação de educar a criança quanto um jogo de futebol.
A televisão, até hoje, esforça-se por criar uma identidade que outros veículos
criaram em muito menos tempo. Ela tem hoje a idade que o cinema tinha
em 1953, mais ou menos. Em 1953, o cinema já tinha definido, redefinido,
rediscutido centenas de vezes a sua linguagem. Já tinha criado uma
quantidade numerosíssima de teorias consistentes.
É muito importante atentar para este desafio: que, se nós estamos pensando
sobre a televisão do futuro, não devemos estar pensando apenas nas
novidades tecnológicas do futuro.
Todas essas novas possibilidades também podem fazer com que a televisão
deixe de ser esse meio de expressão que há 50 anos busca sua própria
especificidade para se tornar um simples mecanismo de busca, por exemplo.
197
OS MITOS DA INTERNET
Leão Serva
Eu fiz uma brincadeira com o Nelson Hoineff, que falou antes neste Seminário:
Leão Serva é jornalista, diretor de disse que ele estava falando da televisão do futuro e eu falaria da Internet,
Jornalismo do iG, editor do site
Último Segundo (Prêmio iBest de
como futuro da televisão. Isso é uma piada, como ele mesmo mostrou,
melhor site de notícias da Internet porque, na verdade, a Internet não é o futuro da televisão. Mas a Internet e
Brasileira em 2001, júri popular). a televisão, juntos, e mais outros meios, devem vir a compor aquilo que
É também professor de Ética do
consumiremos dentro de alguns anos, provavelmente.
Jornalismo na faculdade Cásper
Líbero (SP).
Para entender esse raciocínio, da convergência dos meios, de todos os
Antes do iG, foi diretor dos
meios, queria lembrar como nasceu a Internet. Foi durante a Guerra Fria,
jornais Folha de S. Paulo,
Notícias Populares, Jornal da Tarde um pouco em conseqüência da paranóia de uma guerra nuclear, não
e Lance! e da revista mensal Placar totalmente injustificada, que havia naquele tempo.
(ed. Abril). Entre 1992 e 1993,
foi correspondente em Londres da
Folha de S.Paulo, quando cobriu Os órgãos de defesa do Governo americano conceberam um modelo de
guerras na Iugoslávia, Angola, comunicações entre seus postos de defesa avançados e os centros de
Somália, Moçambique e Kuait. comando capaz de sobreviver a uma eventual guerra nuclear.
Em agosto, lançou o livro
Jornalismo e Desinformação Para isso, foi preciso estabelecer uma rede de comunicações que
(ed. Senac), baseado em sua tese não pudesse ser interrompida. Foi necessário estabelecer uma forma
de Mestrado. Antes, publicou
Batalha de Sarajevo (ed. Scritta,
alternativa para circular as informações entre todos os centros de
1994) e Babel, a Mídia Antes do defesa que os Estados Unidos tivessem no mundo. O sistema inventado
Dilúvio e nos Últimos Tempos pretendia, exatamente, montar uma rede de comunicações a partir
(Mandarim, 1997).
de pacotes essa era a expressão que se usava na época , divididos
Esta palestra foi proferida em em minúsculas porções mandadas para todos os componentes dessa
27/10/2000 rede.
E, por ser mais barata, a Internet deglutiu, incorporou muitas dessas redes.
A America On Line passou a ser a maior rede, o maior portal, a maior
empresa de Internet, mas essas coisas se plasmaram.
Talvez o usuário venha a dizer isso: Bom, agora vou consumir televisão
como antigamente e usar este aparelho como eu usava a Internet ou o
computador antigamente.... Hoje, um canal de fibra ótica já possibilita o
consumo da Internet em banda larga, que é, em grande medida, o tal tubo
de informação, permitindo o consumo da televisão e da Internet ao mesmo
tempo no mesmo aparelho.
Essa Internet de banda larga é um modelo de uma das coisas que eu queria
lembrar do passado dos meios de comunicação. E porque eu digo que a
interatividade é um mito da Internet e de todos os meios? Quando a gente
pensa no rádio, pensa em alguém consumindo o rádio e alguém, do outro
lado, emitindo o rádio.
Também a televisão transmitida via cabo de fibra ótica que chega na nossa
casa, em tese, é algo de dupla mão. Desde o início, era algo de dupla mão.
A idéia de liberdade, Mas, na verdade, foi instalada em praticamente todo o planeta como um
de plena interatividade, sistema de mão única.
é um sonho que vem
sendo adiado sempre. E agora, o que fazem, por exemplo, a NET ou outras empresas? Vão
a vários pontos e colocam, do outro lado do cabo, o aparelho que permite
a dupla mão. O que significa isso? Quando foi instalada a TV a cabo no
Brasil, há muito pouco tempo, ela serviu-se de cabos de fibra ótica que
saem do escritório da TV emissora para levar informações até a nossa casa.
A possibilidade de optar por mais canais não chega a ser, de fato, uma
conquista libertária, mas constitui um degrau a mais de liberdade ou de
afirmação da individualidade de cada um como emissor. A Internet, em si,
permite isso. Ela permite imaginar que eu faça a minha home page ou que
eu faça o meu portal.
Esse modelo irá se afirmar ou tem se afirmado na Internet, não pela decisão
dos donos da Internet, mas porque o modelo econômico de exploração da
Internet é um modelo baseado, como a televisão, principalmente ou
preliminarmente, na publicidade.
Outro mito da Internet que acho importante mencionar é a idéia de que ela
possa vir a se transformar, em pouco tempo, num meio de massas no Brasil
como a televisão. Isso não vai acontecer num prazo tão curto tempo quanto
se esperava. A própria crise envolvendo as tecnologias da informação, a
crise da Nasdaq, tem apontado para isso. Ficamos ainda mais longe da TV,
que atinge 85% ou mais dos lares brasileiros. Difícil imaginar que a Internet
atinja um percentual tão grande da população brasileira em curto espaço de
tempo.
202
Uma das metas mais fascinantes como o uso da Internet pela televisão,
está longe de ser alcançada, para não dizer que fracassou. No entanto,
explodiu na China. São peculiaridades que coincidem com aquilo que o
Nelson Hoineff dizia a respeito dos rituais de consumo. Talvez o ritual de
consumir a Internet através do aparelho de televisão não seja uma
característica dos brasileiros. Mas é uma característica brasileira este
crescimento da Internet se o compararmos com outros países do mundo,
até mais ricos.
A Internet, entre nós, parece caminhar nesse sentido, embora vá levar tempo
para chegar a uma massa crítica de usuários semelhante à de consumidores
de televisão. Certamente a velocidade é bem maior do que nos demais O rito do consumo da
países da América Latina. O que resulta em dados como este: 60% dos informação no papel está
usuários de Internet na América Latina estão no Brasil, 80% do e-commerce preservado, mas a
da América Latina está no Brasil. Mas apenas 16% dos brasileiros que concorrência da internet
usam a Internet, declaram estar comprando ou já ter comprado alguma obriga os jornais a
coisa na Internet. mudarem, caso não
queiram ter o sabor de pão
Nessa proporção e imaginamos que rapidamente possa subir para 30% amanhecido.
haverá uma explosão do e-commerce da América Latina através do Brasil.
Outro mito: no começo dos anos 90, Nicholas Negroponte, um dos principais
pensadores da Internet, dizia que estava próxima a morte dos jornais. Mas
já em meados dos anos 90, ele dizia que não, que o jornal em papel como o
conhecemos hoje, será consumido ainda pelos filhos dos nossos filhos.
Há uma informação que reforça isso: uma grande empresa produtora de
papel, de propriedade do Rupert Murdoch, o grande milionário da mídia,
está sendo implantada neste momento. E uma indústria de papel leva cerca
de 20 anos para realizar o seu ciclo econômico e começar a dar lucro..
O que quer dizer isso? Provavelmente, quer dizer que o rito do consumo da
informação pelo jornal, como a gente entende os jornais, será preservado.
O que nos leva a uma outra pergunta: será que o jornal continuará igual ao
de hoje? Provavelmente não. No IG, temos feito o seguinte exercício: o
Último Segundo não se considera um site, uma lista de notícias mas, sim,
Os jornalistas da mídia um jornal, na medida em que hierarquiza a notícia com manchetes,
impressa diária ainda não submanchetes, etc. e, de vez em quando, como referi anteriormente, emite
avaliaram a dimensão e o opiniões em editoriais. Esse jornal funciona ao longo do dia, em grande
impacto da internet. medida, como um noticiário em tempo real.
É uma aposta em torno do que o meu leitor gostaria de ver num jornal
tradicional do dia seguinte. Estou imaginando que meus usuários estão
chegando em casa, estão sentando no micro e começam a navegar pela
Internet. E, nessa hora, eles não estão no escritório, fixados nos assuntos
profissionais. Nessas horas uerem ter, antes de dormir, um balanço do dia.
E esse balanço do dia é o mesmo que eles, provavelmente, querem encontrar
na primeira página do jornal que assinam a Folha ou o Estado, em São
Paulo ou O Globo, o Jornal do Brasil ou o Dia no Rio.
204
Oito horas antes eu me dedico ao sádico exercício de destruir previamente
essa página fazendo uma que atenda diretamente ao meu leitor. Se acerto,
terei mais leitores, como tem acontecido. Hoje, nosso volume de usuários
corresponde a um jornal pequeno do Brasil. Mas logo os números começarão
a chegar aos níveis da circulação dos grandes jornais.
Se esse cara vai dormir lendo uma primeira página que é um balanço efetivo
do que aconteceu no dia, o jornal impresso do dia seguinte, para ele, terá o
gosto de pão amanhecido. É o que tem acontecido, não tanto por mérito
nosso mas, em grande medida, porque nossos colegas da mídia diária,
ainda não avaliaram a dimensão e o impacto da Internet. E também não
entenderam o impacto dos noticiários de emissoras como Globonews que,
cada vez aumenta sua audiência. Ou da CNN, que chega cada vez mais O rádio continua sendo
perto do Brasil e vai se amoldando ao público brasileiro. imbatível em matéria de
velocidade e acesso à
Há uma diferença entre o jornal impresso e o jornal na Internet. Se pensarmos informação.
que o New York Times, no dia em que abriram o túmulo do Tutankhamon,
deu a manchete com o fato, estamos dizendo o seguinte: Bom,
aquele secretário de redação sabia o que era História. Porque, na
História do começo do século, aquele fato teve uma importância significativa,
uma importância muito maior do que qualquer coisa acontecida em
Washington naquele dia. O secretário de redação estava certo ao descartar
o decreto, a declaração do Presidente da República ou uma questiúncula
qualquer sobre impostos e escolher, como a notícia do dia, o túmulo do
Tutankhamon.
Quando abri a primeira página dos jornais no dia seguinte e vi apenas aquela
descrição, pareceu-me muito pouco. Mas, em compensação, quando um
jornal publica o artigo de um analista russo ou de um especialista em assuntos
militares, está utilizando todas as potencialidades do meio. Já a Internet,
por enquanto, ainda não soube oferecer esta dimensão análitica.
Vocês, como eu, não são oriundos de regiões metropolitanas. Sou do interior
de São Paulo onde, quando eu era pequeno, todas as rádios se chamavam
Rádio Clube: Rádio Clube de Itaquaritinga, Rádio Clube de Araraquara, Rádio
Clube de Catanduva. Rádio Clube por que? Porque os rádios eram provedores
pagos de acesso ao rádio.
Hoje, a gente não concebe
Logo depois da invenção do rádio, não havia massa crítica para o seu
a televisão Broadcast, a
consumo, para sua sustentação no País. Isso acontecia em todo o Brasil.
televisão de massa, como
Então, grupos de pessoas endinheiradas em cada cidade se juntavam,
uma coisa paga, mas ela
formavam um clube, pagavam uma mensalidade para sustentar aquele
nasceu assim.
provimento de acesso e conteúdo. Para ouvir o quê? Ouvir o que eles, na
assembléia de sócios, entendiam que deveria ser ouvido. Normalmente,
música clássica da melhor qualidade, que não havia na cidade, noticiário
trazido dos jornais e dos grandes centros urbanos que, por outros meios,
não chegavam ali.
Passados alguns anos, aquele modelo não fazia sentido mais. Por que?
Porque já havia uma massa tão grande de usuários do rádio que a publicidade
206
passou a fazer sentido. Pôr um anúncio no rádio já dava retorno. E a
publicidade passou a sustentar o rádio.
Com isso, os dois modelos devem sobreviver, como sobrevive, até hoje, o
modelo da BBC, ao lado de modelos como o Canal 4 ou o Canal 3 ingleses,
que são privados e pagos, sustentados por publicidade.
208
DESAFIOS E OPORTUNIDADES
DA REDE PÚBLICA DE TV Renato Bulcão
A maior dotação de verba da TV Cultura vem do governo do Estado. À Atualmente, exerce o cargo de
época da Fundação Padre Anchieta, o Governador Abreu Sodré encaminhou Diretor de Marketing da TV Cultura
de São Paulo.
um projeto de lei que previa que a Fundação receberia do Estado os recursos
para o custeio básico da Fundação, mas ficaria impedida de determinar a Esta palestra foi proferida em
sua programação. Com isso, a Fundação Padre Anchieta, ao longo de 30 18/11/1999
anos, desenvolveu uma série de formas criativas para conseguir as receitas
operacionais para a produção de programas especiais.
A TVE do Rio de Janeiro, por outro lado, foi uma TV estatal, cabeça de rede
da Radiobrás e alavanca mestre da comunicação televisiva do período militar.
Hoje em dia, foi obrigada a se transformar em organização social, uma
espécie de ONG com custeio direto do Governo.
209
Essa nova figura jurídica dá a possibilidade de uma empresa pública não
ser uma empresa estatal. Essa forma é chamada de organização social.
As demais TVEs são empresas estatais até hoje e, normalmente, pertencem
ao governo do Estado, à exceção de uma ou duas, que são de governos
municipais.
Por outro lado, talvez por resquícios da época em que o Rio era a grande
capital, a praça do mercado, o centro de conversas do Brasil, a TVE tinha
uma posição que podemos chamar de imperial, porque ela era a cabeça da
rede no País. Ela era não a voz do Brasil, mas a imagem oficial do Brasil,
para o bem ou para o mal.
Essa foi a parte bonita do conto de fadas. Agora, vem a parte complicada.
Nessa hora, as pessoas disseram: é linda a idéia de sotaques do Brasil, é
linda a idéia da produção regional. Mas, com que dinheiro se faz isso? O
Governo manda o dinheiro para pagar o salário dos funcionários, mas para
comprar câmara nova, para desenhar o projeto, para fazer a produção, para
211
o programa, para a idéia do público não tem dinheiro. Realmente, sem
recursos não há possibilidade de se realizar coisas públicas.
Começamos, então, a pensar que seria necessário que cada televisão, para
se tornar uma TV pública, passasse a desenvolver um Departamento de
Marketing e um marketing de relacionamento, começando pelo
endomarketing, para que os funcionários compreendessem as mudanças
que estávamos fazendo e entendessem que deviam mudar de postura e
participar das transformações.
Somos uma TV muito
elitizada, não só porque Depois, era preciso fazer um marketing junto aos jornalistas, uma vez que
falamos majoritariamente temos uma dificuldade muito grande de conviver com a Imprensa, que não
para as classes A e B, mas entende a diferença entre público e estatal. Já o telespectador entende
porque não nos importamos muito mais facilmente, por incrível que pareça. As pessoas gostam ou não
em falar para as classes C, gostam dos programas. O público, felizmente, é o que mais está do nosso
D e E. lado. Se colocamos um produto que interessa, que vale a pena, ele assiste.
Se não, muda de canal.
Muitas vezes, nós, de marketing, não entendemos a força que 250 mil
pessoas têm. Estamos falando, por hora, no pior horário, com muito
mais gente do que é necessário para eleger um deputado federal, ou
um vereador, por exemplo. Assim, qualquer coisa que se faça em televisão,
por menor que seja, a audiência, tem enorme impacto social, enorme
visibilidade.
Quem são, então, as pessoas que têm TV aberta, ou seja, que têm um
aparelho de televisão em casa e não pagam TV a cabo? Basicamente, essas
pessoas são o que o Ibope chama de classes C, D e E. Essas classes
adquiriram, nos últimos dois anos, cerca de 20 milhões de aparelhos de
televisão. A venda de aparelhos para as classes A e B hoje, basicamente, é
para aquisição do segundo, do terceiro aparelho, ou para reposição, mas
esse número é muito pequeno. A grande venda é para as classes C, D e E.
Desses 20 milhões, provavelmente, 12 milhões foram adquiridos pela classe
D, que hoje é a que mais compra.
212
No momento que esse é o universo da televisão, para que serve a TV
pública? Para dar aula de inglês? Para dar Telecurso? Para dizer que não se
deve votar nesse ou naquele candidato? Ou para dizer que se deve votar
nesse ou naquele outro? Serve para ensinar a História do Brasil? Em parte,
achamos que serve, sim.
Mas se isso for feito de um jeito chato, de um jeito antigo, que deixe o
espectador completamente amuado na frente da televisão e não consiga
prender a atenção do público por mais do que 7,5 minutos, achamos que
não. Se grande parte do custeio da TV pública vem dos governos, esse
dinheiro veio do povo. E usar dinheiro do povo para não conseguir falar com
o povo é um contra-senso, independente de qualquer coloração política que
se possa ter. De um lado, é um mau investimento e, de outro lado, é uma
usurpação.
Por outro lado, também, não somos nós que temos de estimular a revolução
das massas. A nossa função, enquanto TV pública, é permitir que a massa
deixe de ser massa. Esse discurso, claramente ideológica, no entanto, ainda
não permeia a TV pública.
213
Como, então, podemos fazer essa costura para permitir os sotaques do
Brasil, para permitir a diversidade de produção e que, dentro dessa
diversidade, possamos ser uma opção de entretenimento e de educação?
Que podemos fazer para que sejamos o complemento da formação do cidadão
O nosso caminho de TV
e para que evitemos, ao máximo possível, qualquer tipo de preconceito ou
pública é interagir com
de instigação a qualquer ato de violência?
parceiros.
Durante os últimos dez anos, algumas pessoas acharam que era possível
treinar um executivo num fim-de-semana. Colocavam pessoas dentro de
um hotel e inventavam exercícios, alguns infantis, outros menos infantis,
dentro de uma linha behaviorista. Por incrível que pareça, esse tipo de
atuação também pode ser usado para o bem, porque também treina as
pessoas a fazerem o bem.
Para que não haja complicações maiores, o comitê não tem o poder de
financiar, nem de adquirir esses programas, mas apenas de escolher. E um
outro comitê gestor, composto das pessoas que efetivamente levantam o
dinheiro (geralmente o pessoal da TVE do Rio e da TV Cultura de São
Paulo), na medida da conveniência do programa, libera o dinheiro ou não.
Pode-se, então, dizer: Mas o poder econômico está dizendo o que passa e
o que não passa? Em última instância, sim. E por que é assim? Porque, do
ponto de vista do marketing para a formação de uma rede pública, a missão
é muito clara. A missão é a formação do público. Se estamos transmitindo
um documentário de jacaré abrindo a boca, ou se ele está sendo visto pela
milésima vez, se estamos apresentando uma dança folclórica qualquer ou
um índio tocando apito e se isso, efetivamente, não está dando uma
contribuição para a formação do cidadão, porque todo mundo já viu, dizemos:
não é essa a idéia da TV pública.
214
Agora, quando mostramos o indiozinho, com a sua cultura, com o seu jeito,
ensinando a pular amarelinha do jeito que índio faz, que é diferente, isso é
TV pública, porque, se bem conduzido e bem narrado, pode incentivar a
que uma criança, em Mato Grosso, Goiás, Pernambuco ou Rio também
brinque de amarelinha, tendo consciência de que aquela amarelinha é
brinquedo de índio.
A TV Cultura é campeã de audiência nas classes A e B, em São Paulo e no Não temos a menor
Rio de Janeiro. O programa Metrópolis, por exemplo, tem 57% de audiência pretensão de ser um
nas classes A e B e mais da metade desse público são pessoas com 40 segundo espelho mágico,
anos ou mais. Nessa hora, falamos com quem compra passagem de avião de construir dentro do
e CD de música erudita, freqüenta o teatro, compra uma roupa melhor e, no imaginário da nação um
limite, paga uma grande festa de casamento para a filha. Brasil que não existe.
É muito difícil, mesmo para nós, definir o que realmente é informação que
deve ser levada ao público, o que é informação para formação da cidadania,
o que é informação para complementação da educação e o que é
simplesmente fala elitizada, sofisticada e balela cultural.
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A FORÇA DA MÍDIA NO INTERIOR
Sérgio Rego Monteiro
Jovens brasileiros não querem mais ser tratados como uma zine de sexo,
drogas e rock & roll. Os jovens hoje têm uma nova realidade no campo
profissional e imensas dificuldades de trabalho pelo nível de exigência e
de concentração de emprego nesta nova economia.
De uma estratégia de all the news fit to prin, que é o lema do New York
Times, considerado o melhor, mais importante e completo jornal do mundo,
passamos para um conceito de all the news fit do disseminate. De um
conceito de mero impressor de informações, passamos para um conceito
de Usina de Informação, ou seja, a mudança de produtor de conteúdo
de informação para o uso em um canal apenas (jornal) para de amealhador,
mantenedor e disseminador de informações por meios múltiplos.
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