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Crítica

22 de Março de 2009 Ética

Os sentidos das vidas


Susan Wolf
Tradução de Desidério Murcho

Esta pergunta, “Qual é o sentido da vida?”, foi já tida como um paradigma da


investigação filosófica. Fora da academia talvez o seja ainda. Nas aulas de
filosofia e nas revistas académicas, contudo, a pergunta quase desapareceu, e
quando é feita por um estudante ingénuo, por exemplo, ou por um mecenas
potencial da causa do ensino das artes liberais, é quase certo que será recebida
com um desconfortável embaraço.

O que há de tão errado com a pergunta? Uma resposta é que é extremamente


obscura, se não completamente ininteligível. Não é claro o que se está
exactamente a perguntar. Falar de sentido noutros contextos não oferece
analogias imediatas para compreender a expressão “o sentido da vida”.
Quando perguntamos pelo sentido ou significado de uma palavra, por exemplo,
queremos saber o que a palavra quer dizer, o que representa. Mas a vida não é
parte de uma linguagem, ou de qualquer outro género de sistema simbólico.
Não é claro como poderia “querer dizer” algo, nem a quem. Por vezes usamos
“significado” em contextos ilinguísticos: “Esses sinais significam que tens
sarampo”. “Essas pegadas significam que alguém esteve aqui desde que
choveu”. Nestes casos, falar de significado parece equivalente a falar de
indícios, mas os contextos em que se fazem tais afirmações tendem a
especificar as hipóteses que estão em questão dentro de limites relativamente
fixos. Perguntar o que a vida significa sem um contexto analogamente
especificado deixa-nos completamente perdidos.
Contudo, quando as pessoas se perguntam pelo sentido da vida, estão
evidentemente a exprimir uma qualquer preocupação, e seria desavisado insistir
que não fazemos a mínima ideia do que seja. A pergunta aponta pelo menos
para um certo conjunto de preocupações com as quais a maior parte de nós
tem pelo menos alguma familiaridade. Em vez de afastar como puro e simples
absurdo uma pergunta com a qual muitas pessoas se ocuparam
apaixonadamente, parece mais apropriado tentar interpretá-la e reformulá-la de
um modo que nos permita compreendê-la mais claramente e com menos
ambiguidades. Apesar de poder perfeitamente haver muitas coisas em jogo
quando as pessoas perguntam “Qual é o sentido da vida?”, a mais central delas
é aparentemente uma tentativa de encontrar um propósito ou objectivo para a
existência humana. É um pedido para descobrir por que estamos aqui (ou seja,
por que existimos de todo em todo), com a esperança de que uma resposta a
esta pergunta nos dirá também algo sobre o que devemos fazer com as nossas
vidas.

Se compreender a pergunta deste modo, contudo, a torna inteligível, pode não


dar qualquer razão para a reabrir como um problema filosófico vivo. Na
verdade, se algum do desconforto da filosofia profissional com a discussão do
sentido da vida resulta de um desejo de banir a ambiguidade e a obscuridade
da área, outro tanto resulta, penso, da ideia de que a questão, quando se torna
clara, já foi respondida, sendo a resposta deprimente. Especificamente, se a
questão do Sentido da Vida for identificada com a questão do propósito da
vida, então a perspectiva comum, pelo menos entre os filósofos profissionais,
seria, ao que parece, que tudo depende da existência de Deus. Por outras
palavras, a opinião corrente seria, ao que parece, que se Deus existe, então há
pelo menos uma hipótese de que exista um propósito, e portanto um sentido
para a vida. Deus poderá ter-nos criado por uma razão, com um plano em
mente. Mas ir mais além neste estilo de pensamento não está no horizonte dos
filósofos seculares.1 Se, por outro lado, Deus não existe, não pode haver
sentido, na acepção de um objectivo ou propósito para a nossa existência.
Somos simplesmente o produto de processos físicos — não há razões para a
nossa existência, só há causas.

Ao mesmo tempo que a conversa sobre a Vida ter Sentido é banida da


filosofia, contudo, a conversa de vidas que são mais ou menos significativas
parece estar a intensificar-se. Jornais, magazines, manuais de auto-ajuda2 estão
repletos de ensaios sobre como encontrar sentido na nossa vida; os sermões e
terapias baseiam-se no truísmo de que a felicidade não é apenas uma questão
de conforto material, ou prazer sensual, mas também de um tipo mais profundo
de realização. Apesar de os filósofos até hoje terem tido relativamente pouco a
dizer sobre o que dá sentido às vidas individuais, encontram-se referências de
passagem na bibliografia; e reconhece-se geralmente que é inteligível e
apropriado querer isso nas nossas vidas. Na verdade, seria tolo pensar o
contrário.

Mas como podem as vidas individuais ter sentido se a vida no seu todo não o
tem? Estaremos a iludir-nos ao continuar a falar sobre a possibilidade de
encontrar sentido na vida se suspeitarmos que não há sentido para a vida?
(Estaremos a ser de vistas curtas, não vendo as implicações que uma parte do
nosso pensamento tem noutra?) Alternativamente, serão estas expressões
meramente homónimos, sem quaisquer conexões conceptuais ou lógicas entre
si? Haverá aqui apenas dois tópicos completamente desconectados?

Muitos leitores ficarão aliviados ao saber que não desejo reavivar a pergunta
pelo sentido da vida. Inclino-me a aceitar a perspectiva tradicional de que não
há interpretação plausível dessa pergunta que ofereça uma resposta positiva na
ausência de uma metafísica religiosa razoavelmente específica. Uma
compreensão do que é significativo na vida, contudo, parece-me merecer mais
atenção filosófica do que tem até agora recebido, e terei algumas coisas a dizer
aqui sobre isso. Também neste caso me inclino para aceitar a perspectiva
comum — ou uma parte da perspectiva comum — viz., que o significativo é
uma característica inteligível a procurar alcançar numa vida, e que é pelo menos
por vezes alcançável, não estando no entanto sempre assegurado. Mas o que
vem característica a ser — o que procuramos — é controverso e obscuro, de
modo que a tarefa de a analisar e interpretar ocupará uma larga fatia dos meus
comentários. Depois de proposta uma análise, regressarei à questão de como
uma perspectiva positiva sobre a possibilidade de sentido nas vidas pode
ajustar-se à perspectiva negativa ou agnóstica sobre o sentido da vida. Os
tópicos não estão, penso, tão desconectados quanto poderia à primeira vista
parecer necessário para que as suas respostas respectivamente optimistas e
pessimistas possam coexistir. Logo, apesar de a minha discussão nada oferecer
de novo em termos de uma resposta à pergunta pelo sentido da vida, pode
oferecer uma perspectiva algo diferente quanto à importância dessa pergunta.

Comecemos, contudo, com a outra pergunta, relativa à compreensão do que é


procurar sentido na vida. O que queremos quando queremos uma vida
significativa? O que faz umas vidas serem significativas, e outras nem tanto?

Se nos centrarmos na perspectiva do agente, ou do sujeito — numa pessoa


que quer sentido na sua vida, que sente a necessidade de ter mais sentido —
poderemos inclinar-nos a favor de uma interpretação subjectiva da
característica que se procura. Quando uma pessoa procura embaraçosamente
algo que dê sentido à sua vida, é sinal de um tipo de infelicidade. Imagina-se,
por exemplo, a dona de casa alienada, cuja vida lhe parece consistir numa série
de labores sem fim. O que ela quer, ao que poderá parecer, é algo que possa
considerar subjectivamente mais compensador.
Esta impressão é reforçada se considerarmos referências a “experiências
significativas”. (A expressão poderia aplicar-se, por exemplo, a um certo tipo
de casamento ou funeral.) A característica mais saliente de um acontecimento
descrito como significativo é, ao que parece, “ser muito significativo” para os
participantes. Dizer que uma dada cerimónia ou, inclusivamente, um emprego é
significativo parece pelo menos incluir a ideia de que é emocionalmente
satisfatório. Uma ausência de sentido é habitualmente assinalada por um
sentimento de vazio e insatisfação; em contraste, uma vida significativa, ou uma
parte significativa de uma vida, é necessariamente pelo menos algo
compensadora ou gratificante. É notável, contudo, que as experiências
significativas não são de necessidade particularmente felizes. Uma viagem ao
local onde nascemos pode muito bem ser significativa; uma visita a um parque
de diversões é improvável que o seja.

Se dermos um passo atrás, contudo, e nos perguntarmos, como observadores,


que vidas nos parecem especialmente significativas, se perguntarmos que
géneros de vidas exemplificam o significativo, os critérios subjectivos não
parecem tomar a dianteira. Quem nos vem à mente? Talvez Gandhi, ou Albert
Schweitzer, ou a Madre Teresa; talvez Einstein ou Jonas Salk. Cézanne, ou
Manet, Beethoven, Charlie Parker. Tolstoi é um caso interessante a que
voltarei. Alternativamente, podemos olhar para os nossos vizinhos, colegas,
familiares — alguns dos quais, me parece, têm vidas mais significativas do que
outros. Alguns dos meus conhecidos, efectivamente, parecem-me ter vidas que
são paradigmas de sentido — precisamente a par dos nomes famosos das
listas anteriores; ao passo que outros (talvez apesar da quantidade módica de
fama) teriam uma classificação muito baixa na escala do significativo. Se quem
está nesta última categoria sente uma falta de sentido na sua vida — bem, têm
razão em senti-lo, e é um passo na direcção correcta darem-se conta de haver
algo quanto à sua vida que deviam tentar mudar.

O que é, então, ter uma vida significativa? O que vem a ser o significativo numa
vida? Poderá ser mais fácil ganhar algum terreno concentrando a atenção no
que queremos evitar. Com esse objectivo em mente, seja-me permitido
oferecer alguns paradigmas — não de vidas significativas, mas de vidas que
não são significativas.

Para mim, a ideia de uma vida que não é significativa revela-se, do modo mais
claro e eficaz, na imagem de uma pessoa que passa dia após dia, ou noite após
noite, frente à televisão, bebendo cerveja e vendo séries americanas. Não se
trata de ter alguma coisa contra a televisão ou a cerveja. Mas a imagem,
entendida como a imagem de uma pessoa cuja vida é passada numa
passividade vaga, uma vida que não é vivida num nível desagradável da
consciência, mas que não tem conexões seja com quem for ou com o que for,
uma vida que não vai a lado algum, e que nada alcança — esta imagem é,
proponho, a mais forte imagem que pode haver de uma vida que não é
significativa. Chamemos a este caso o Paspalho.

Se há uma vida humana que não seja significativa, é a do Paspalho. Mas isto
não significa que qualquer vida que não seja significativa tenha de ser, em todos
os aspectos importantes, como a do Paspalho. Há outros paradigmas que
sublinham pelas suas ausências outros elementos do que é significativo.

Em contraste com a passividade do Paspalho, por exemplo, podemos imaginar


uma vida cheia de actividade, mas actividade tola ou decadente ou estéril. (E,
uma vez mais, nada tenho contra a actividade tola, mas apenas contra uma vida
que lhe seja totalmente dedicada.) Podemos imaginar, por exemplo, uma
pessoa rica ociosa que esvoaça de um entretenimento para outro, lutando
contra o tédio. Faz compras, viaja, come em restaurantes caros, e faz exercício
físico com o seu treinador pessoal.

Curiosamente, poder-se-ia também tomar uma pessoa rica muito desociosa


como epítome ligeiramente diferente de uma vida que não é significativa.
Considere-se, por exemplo, o executivo de uma grande companhia que
trabalha doze horas por dia, sete dias por semana, submetendo-se a grande
pressão, com o único propósito de acumular riqueza pessoal. Isto relaciona-se
talvez com o exemplo de David Wiggins do criador de porcos que compra
mais terra para cultivar mais milho para criar mais porcos para comprar mais
terra para cultivar mais milho para criar mais porcos.3

Estes três últimos casos — o rico ocioso, o executivo de uma grande


companhia e o criador de porcos — são de algum modo bastante diferentes,
mas todos partilham pelo menos esta característica: todos se podem
caracterizar como vidas cujas actividades dominantes parecem vãs, estéreis ou
vazias. Classifique-se estes casos sob a denominação Estéril.

Um género de caso algo diferente e penso que mais controverso a considerar


envolve alguém que se entrega, até com dedicação, a um projecto que acaba
em última análise por se revelar uma bancarrota, não porque os valores da
pessoa sejam superficiais ou insensatos, mas porque o projecto fracassa. A
pessoa pode literalmente ficar na bancarrota: por exemplo, um homem pode
dedicar a sua vida a criar e construir uma companhia para passar aos seus
filhos, mas pouco antes da sua planeada reforma a tecnologia torna obsoleto o
produto que a sua companhia manufactura. Ou considere-se um cientista cujo
trabalho de uma vida se torna inútil porque se anunciou uma descoberta crucial
semanas antes de a sua própria investigação ter dado os mesmos resultados.
Ou, o que é talvez mais tocante, imagine-se uma mulher cuja vida se centrava
numa relação que se revela afinal uma fraude. Podemos dar aos casos que se
encaixam neste molde a denominação de Bancarrota.
A classificação deste terceiro género de caso como uma exemplificação do que
não é significativo pode enfrentar mais resistências do que a classificação dos
outros dois. Talvez não se deva afinal considerar que estas vidas não são
significativas. Contudo, estes são casos em que não é surpreendente que seja
necessário um argumento de um género qualquer — não é incomum ou tolo
que os sujeitos dessas vidas considerem a hipótese de que as suas vidas não
foram significativas. Mesmo que não tenham razão, o facto de essa hipótese
não ser, digamos, disparatada, é um dado relevante. Como também o seria, é
claro, o género de coisa que diríamos para as convencer, ou para nos
convencermos a nós mesmos, de que essa hipótese está em última análise
equivocada.

Se os casos que esbocei captam mais ou menos bem as nossas imagens do que
não é significativo, fornecem pistas quanto ao que um caso positivo de uma
vida significativa tem de compreender. Contrastando com a passividade do
Paspalho, uma pessoa que tem uma vida significativa tem de se entregar
activamente a algo. Mas, como os casos Estéril mostram, não basta entregar-
se a seja o que for, por qualquer razão ou com qualquer objectivo — é preciso
uma entrega a um projecto ou projectos que tenham algum valor positivo, e de
algum modo isso relaciona-se inacidentalmente ao que lhes dá valor. Por fim,
para evitar a Bancarrota, parece necessário ser pelo menos num certo grau
bem-sucedido (apesar de poder não ser fácil determinar o que conta como o
tipo ou grau adequado de sucesso). Juntando estes critérios, obtemos uma
proposta quanto ao que é ter uma vida significativa: viz., uma vida significativa é
a que se entrega activamente, e pelo menos em parte com êxito, a um projecto
(ou projectos) de valor positivo.

São necessários vários comentários para restringir e esmiuçar esta proposta.


Primeiro, o uso da palavra “projecto” não é ideal: sugere demasiado uma tarefa
finita, determinada, algo a que nos dedicamos e, se tudo correr bem,
completamos. Entre as coisas que vêm à mente como projectos estão certos
tipos de passatempos ou carreiras, ou antes, tarefas específicas que se
subsumem na esfera de tais passatempos ou carreiras: coisas que podem ser
encaradas como realizações (fazer uma demonstração ou escrever um poema
ou fazer uma empada, organizar um sindicato ou uma banda de escola
secundária). Apesar de tais actividades se contarem entre as coisas que
parecem intuitivamente contribuir para que as vidas das pessoas sejam
significativas, o que é significativo tem outras formas menos direccionadas, e
menos determinadas pela realização ostensiva, pelo que não devemos deixar
que o uso da palavra “projecto” distorça ou negue o potencial que estas coisas
têm para tornar a vida significativa. Em particular, parece estranho, na melhor
das hipóteses, descrever as relações humanas como projectos. Raramente nos
envolvemos deliberadamente nas relações pessoais e, em alguns casos, nem
sequer temos de as trabalhar — podemos tê-las apenas e viver, digamos, no
seu seio. Além disso, muitas das actividades que é natural descrever como
projectos — treinar uma equipa escolar de futebol, planear uma festa-surpresa,
arbitrar um artigo para uma revista — só têm o significado que têm para nós
por causa do lugar que ocupam nas relações humanas em que estamos
envolvidos e com as quais nos identificamos, relações essas que não são como
projectos. Assim, ao propor que uma vida significativa é uma vida activamente
entregue a projectos, pretendo usar “projectos” numa acepção inabitualmente
lata, abrangendo não apenas tarefas que se orientam por objectivos, mas
também outros géneros de actividades e envolvimentos que estão já em
decurso.

Segundo, deve-se entender a sugestão de que uma vida significativa deve


“entregar-se activamente” a projectos de maneira que reconheça e abrace as
conotações de “entrega”. Apesar de a ideia de que uma vida significativa exige
actividade ter sido introduzida por contraste com a vida do ultra-passivo
Paspalho, devemos notar que o sentido envolve mais do que a mera actividade
literal. A dona de casa alienada, presumivelmente, está sempre activa — faz as
compras e prepara refeições, limpa a casa, lava a roupa, conduz as crianças da
escola ao futebol e ao ballet, marca consultas médicas e combina horários com
babysitters. O que torna a sua vida insuficientemente significativa é que estas
actividades nada lhe dizem, digamos. Não se identifica com que está a fazer —
não abraça os seus papéis como cônjuge, mãe e dona de casa como expressão
do que ela é e quer ser. Podemos captar a sua condição de alienada dizendo
que apesar de estar activa, não se entrega activamente. (Limita-se, poder-se-ia
dizer, a dar a aparência de.) Ao caracterizar uma vida significativa vale pois a
pena sublinhar que viver tal vida não é apenas uma questão de ter projectos
(numa interpretação lata) e passar por eles activamente e com algum êxito. Os
projectos têm de fazer a pessoa em causa entregar-se-lhes. Idealmente, ela
abraçá-los-ia com orgulho e felicidade, como parte integrante de pelo menos
uma porção do que caracteriza a sua vida.4

Finalmente, temos de dizer algo mais sobre a condição mais problemática da


proposta — viz., que os projectos a que nos entregamos que contribuem para
uma vida significativa têm de ser projectos de “valor positivo”. A afirmação é
que as vidas significativas têm de se entregar a projectos de valor positivo —
mas quem decide que projectos têm valor positivo, ou mesmo quem garante
que há tal coisa?

Insisto que devemos, tanto quanto possível, deixar por especificar a expressão,
excepto num aspecto. Não queremos incluir uma teoria do valor positivo na
nossa concepção do que é significativo. Como proposta que visa captar o que
a maior parte das pessoas têm em mente com uma vida significativa, o que
queremos é uma concepção que se “alinhe” seja com o que for que pensamos
ter valor positivo. Isto permite-nos explicar pelo menos algumas intuições ou
crenças divergentes sobre o que é significativo em termos de intuições ou
crenças divergentes sobre o que tem valor positivo, seguindo-se que quem
estiver enganado quanto ao que tem valor positivo, estará também enganado
quanto ao que contribui para uma vida significativa. (Assim, uma pessoa que
nada encontra digno de admiração no desporto — que considera ridícula, por
exemplo, a imagem de um homem crescido a tentar enfiar uma bola pequenina
num buraco com um taco, considerará haver pouco potencial de sentido na
vida do praticante entusiástico de golfe; uma pessoa que dá pouco valor a
trabalhos intelectuais esotéricos ficará surpreendida com quem se esforça por
escrever, quando mais ler, vários livros sobre sobreveniência.)

A excepção que eu faria a esta interpretação maximamente tolerante da ideia


de valor positivo é que não se considere que o valor meramente subjectivo é
uma interpretação adequada da expressão.

Não adianta permitir que uma vida significativa seja uma vida envolvida em
projectos que parecem ter valor positivo da perspectiva de quem a vive.
Permiti-lo teria o efeito de apagar o que há de distintivo no nosso interesse no
que é significativo; confundiria ou eliminaria a diferença entre um interesse em
ter uma vida significativa e um interesse em ter uma vida que sentimos que é
significativa ou que parece sê-lo. Que estes interesses são distintos, e que o
primeiro não é meramente um meio para o segundo, é algo que podemos ver
reflectindo num certo modo como se pode fazer sentir o desejo ou necessidade
de ter uma vida significativa. O que tenho em mente é a possibilidade de um
tipo de epifania, na qual acordamos — literal ou figurativamente — e
reconhecemos que a nossa vida até então não foi significativa. Esta experiência
seria praticamente ininteligível se a falta de sentido fosse entendida como uma
falta de um certo tipo de impressão subjectiva. Dificilmente se pode
compreender a ideia de acordar e pensar que a nossa vida até então não nos
parecia significativa. Pelo contrário, pode ser precisamente por não nos termos
dado conta do vazio dos nossos projectos ou da superficialidade dos nossos
valores até esse momento que a experiência que estou a imaginar é tão
pungente. É o tipo de experiência que podemos descrever em termos de abrir
os olhos. E o anseio pelo que é significativo, o impulso para tentar resolver o
problema, não será satisfeito (apesar de poder ser eliminado) voltando a fechar
os olhos, digamos. Se suspeitamos que a vida que temos vindo a viver não é
significativa, não lhe daremos sentido fazendo sessões de terapia psicológica ou
tomando um comprimido que, sem mudar a nossa vida de qualquer outro
modo, nos faz acreditar que a nossa vida tem sentido.

Assim, preocuparmo-nos em ter uma vida significativa é, segundo a minha


proposta, preocuparmo-nos em ter uma vida de entrega activa, e pelo menos
em parte bem-sucedida, a projectos (entendendo este termo numa acepção
lata) que não parecem apenas ter valor positivo, mas que realmente o têm.
Preocuparmo-nos em ter uma vida significativa, por outras palavras, é em parte
preocuparmo-nos em fazer algo com a nossa vida que seja, perdoe-se a
expressão, pelo menos de algum modo objectivamente bom. Devemos ter
cuidado, contudo, para não identificar o bem objectivo com o bem moral, pelo
menos se entendermos o valor moral como algo que envolve essencialmente
beneficiar ou honrar a humanidade. A preocupação com o sentido na nossa
vida não parece o mesmo que a preocupação com o valor moral, nem os
nossos juízos sobre que géneros de vidas são significativas parecem alinhar-se
com juízos de carácter ou realização moral.

Certamente que alguns dos paradigmas de vidas significativas são vidas de


grande virtude ou realização moral — mencionei Gandhi e a Madre Teresa, por
exemplo. Outras, contudo, não o são. Considere-se Gauguin, Wittgenstein,
Tchaikovsky — todos eles figuras moralmente desagradáveis, cujas vidas
contudo parecem repletas de sentido. Se pensarmos que mesmo eles merecem
crédito moral porque as suas realizações tornaram o mundo melhor, considere-
se em alternativa atletas olímpicos e campeões mundiais de xadrez, cujas
realizações nada deixam na sua esteira excepto recordes mundiais. Mais
importante ainda: considere-se os artistas, estudiosos, músicos e atletas do
género mais comum, como nós. Também para nós as actividades da criação
artística e da investigação, o desenvolvimento das nossas aptidões e da nossa
compreensão do mundo dão sentido às nossas vidas — mas não lhes dão valor
moral.

Parece então que o sentido na vida pode não ser especialmente moral, e que
efectivamente as vidas podem ser fortemente significativas ainda que sejam, no
seu todo, tidas como imorais. Conversamente, que uma vida seja pelo menos
moderadamente moral, que esteja, por assim dizer, acima da reprovação, não
é garantia que será moderadamente significativa. A dona de casa alienada, por
exemplo, pode não ser de modo algum objecto de reprovação moral. (E é
discutível que mesmo o Paspalho mereça uma censura especificamente moral.)

Que as pessoas querem sentido nas suas vidas é, suponho, um facto empírico
observável. Chamámos já a atenção para dois indícios: os manuais de auto-
ajuda, e os grupos de terapia. O que ofereci até agora é uma análise do que
vem a ser esse desejo ou preocupação. Quero agora voltar-me para a questão
de saber se é bom que as pessoas tenham esse desejo, ou seja, se há alguma
razão positiva para que devam querer tal coisa.

No mínimo, podemos reconhecer que pelo menos não é mau querer sentido na
nossa vida. Não há mal nisso, afinal. Dado que as pessoas o querem, e dado
não haver objecções morais, devemos reconhecer que é legítimo
preocuparmo-nos com o sentido, pelo menos no sentido fraco de que nos
devem deixar fazer isso. Na verdade, na medida em que o significativo nas
nossas vidas é um factor importante no bem-estar geral de uma vida, devemos
fazer mais do que limitar-nos a permitir a sua procura: devemos positivamente
tentar aumentar as oportunidades para as pessoas viverem vidas de sentido.

A maior parte de nós, ao que parece, temos uma atitude positiva mais forte
com respeito ao valor do significativo do que esta concepção mínima admite.
Não pensamos que é apenas aceitável que as pessoas queiram sentido nas suas
vidas — como é aceitável que gostem de música country, ou que se
interessem por esqui. Pensamos que as pessoas devem positivamente
preocupar-se em ter vidas significativas. É inquietante, ou pelo menos
lamentável, encontrar alguém que não se preocupe com isso. Contudo, este
juízo positivo deveria apresentar-se-nos, pelo menos inicialmente, como um
pouco misterioso. Qual é o bem, afinal de contas, de viver uma vida
significativa, e para quem?

Dado que uma vida significativa não é necessariamente uma vida moralmente
melhor do que uma vida que não é significativa (o atleta olímpico pode não
fazer mais bem nem mal do que o rico ocioso da alta sociedade), não é
necessariamente melhor para o mundo que as pessoas tentem ter vidas
significativas, ou até que o consigam. Nem há a garantia de que uma vida
significativa será especialmente feliz, contudo. Muitas das coisas que dão
sentido às nossas vidas (relações íntimas, aspirações) tornam-nos vulneráveis à
dor, desapontamento e tensão. Do seu ponto de vista, a passividade
preguiçosa do Paspalho pode ser preferível à experiência do artista torturado
ou do activista político. Por padrões convencionais, consequentemente, não é
claro que dar importância à vida significativa ou até conseguir tê-la seja melhor
para a própria pessoa.

Contudo, como já mencionei, quem dá importância à vida significativa tende a


pensar que tê-la é uma coisa positivamente boa. Não queremos apenas viver
vidas significativas, queremos querê-lo — aprovamos este desejo, e pensamos
que é melhor que os outros também o tenham. Por exemplo, se o leitor vê uma
pessoa que preza conduzindo a sua vida de um modo que lhe parece destituído
de valor — é viciada em drogas, talvez, ou apenas na televisão, ou dá
demasiada importância à sua carreira de advogada de uma grande companhia
— é natural que a encoraje a mudar, ou pelo menos que tenha a esperança de
que ela encontre por si uma nova direcção. A sua preocupação mais
proeminente pode muito bem ser que a vida dela esteja prestes a desabar.
Teme que a dado ponto ela abrirá os olhos e verá que tem estado a
desperdiçar ou a conduzir mal a sua vida, ponto que poderá chegar demasiado
tarde para que algo se possa fazer para remediar os estragos, envolvendo
então, em qualquer caso, muita dor e autocrítica. Mas o medo de que ela abra
os olhos e veja que tem estado a desperdiçar a vida (e que tenha dificuldade
em mudá-la) pode não ser tão terrível quanto o medo de que acabará por
nunca abrir os olhos. Se vier a ter a certeza de que nenhum momento doloroso
de abrir os olhos ocorrerá porque a sua amiga (ou irmã ou filha) pura e
simplesmente não se importa em saber se a sua vida é significativa ou não,
poderá muito bem pensar que esta situação não é melhor: é pior. Ao que
parece, pensamos que há algo de lamentável numa pessoa que tem uma vida
que não é significativa, mesmo que ela própria não se importe. Ao que parece,
pensamos que ela devia querer sentido na sua vida, ainda que não se dê conta
disso.

Qual é, contudo, o estatuto deste “devia”, qual é a natureza ou fonte dessa


lamentação? O mistério que sugeri devermos sentir sobre a nossa valorização
do que é significativo reflecte-se na embaraçosa localização deste juízo. Se for
típica a minha própria reacção à mulher que não se importa que a sua vida seja
ou não significativa, o pensamento de que seria bom ou que devia importar-se
está mais próximo de um juízo de prudência do que de um juízo moral. (Se há
uma objecção moral a uma pessoa que tem uma vida que não é significativa e
se satisfaz com isso, não é, em minha opinião, uma objecção muito forte. O
Paspalho, afinal de contas, não prejudica seja quem for, nem o rico ocioso do
jet-set. Este pode, por exemplo, dar dinheiro para ajudar causas ambientais
para equilibrar os danos que resultam do seu jipe de luxo, e pode passar
regularmente cheques generosos à Oxfam e à UNICEF.) O pensamento de
que é demasiado mau que uma pessoa não viva uma vida significativa (ainda
que não se preocupe com isso) parece que é, ao invés, o pensamento de que é
demasiado mau para ela.

Na história da ética, tanto quanto sei, o análogo mais próximo deste


pensamento é a concepção de Aristóteles de eudemonia. A sua concepção da
vida virtuosa como a vida mais feliz é oferecida como uma conclusão de um
interesse próprio iluminado. De acordo com as concepções habituais do
interesse próprio, contudo (sejam hedonistas ou baseadas em preferências),
não é óbvio por que haveria isto de ser assim e, infelizmente, o próprio
Aristóteles não enfrenta explicitamente a questão. Ao invés, parece pensar que
se não virmos simplesmente que a vida virtuosa, na qual visamos e atingimos o
“excelente”, é uma vida mais desejável para nós, isso só mostra que não fomos
bem educados e, nesse caso, não vale a pena que nos tentem educar.

A nossa questão, a questão de haver ou não alguma razão para uma pessoa se
esforçar por ter uma vida significativa e, caso haja, que razão é essa, não é
exactamente a mesma do que a questão haver ou não alguma razão para
aspirar à virtude, e que razão é essa — apesar de estar mais próxima do que
poderia parecer, se tivermos o cuidado de interpretar “virtude” no sentido lato
e não especificamente no sentido moral de Aristóteles. Mesmo assim, como
afirmei, Aristóteles não enfrenta verdadeiramente a questão e assim, apesar de
eu encarar a minha maneira de pensar como aristotélica, em espírito, não é
provável que um estudo académico dos seus textos seja uma maneira eficiente
de descobrirmos por nós uma resposta para a questão.

Que razão há, pois, se é que há alguma, para uma pessoa querer ter uma vida
significativa? Afirmei que parecemos pensar que seria melhor para essa pessoa
— que é, pelo menos aproximadamente, do seu interesse próprio. Ao mesmo
tempo, o pensamento de que ela deve importar-se com o sentido parece
depender de afirmações exteriores a si. Mesmo que não existam desejos
latentes na sua psicologia que uma vida significativa poderia satisfazer,
pensamos, ao que parece, que há uma razão pela qual a pessoa os deveria ter.
Parece estar a fazer um tipo qualquer de erro, caso não os tenha.

Se estiver correcta a minha análise do que envolve viver uma vida significativa,
então a questão da razão pela qual devemos dar importância à vida significativa
é equivalente à questão da razão pela qual devemos dar importância à entrega
activa e algo bem-sucedida a projectos de valor positivo. A fonte da
perplexidade parece, em particular, dizer respeito à razão para dar importância
ao valor positivo dos nossos projectos. Desde que nos entreguemos às nossas
actividades, e que estas nos façam felizes, por que devemos importar-nos se
essas actividades valem ou não objectivamente a pena?

A resposta, penso, é que dedicar a nossa vida inteiramente a actividades cujo


valor é meramente subjectivo, dedicarmo-nos a actividades cuja única
justificação é serem boas para nós, é, numa certa acepção que tentarei
explicar, praticamente solipsista. É incongruente com o nosso estatuto de, se
quisermos, minúsculas partículas num vasto universo, um universo com
inúmeras perspectivas cujo estatuto é igual ao nosso, e a partir das quais a
nossa vida pode ser avaliada. Viver uma vida entregue a projectos cujo valor
tem uma fonte insubjectiva, e portanto pelo menos parcialmente centrada
nesses projectos, é um modo de reconhecer a nossa posição imprivilegiada.
Harmoniza-se, ao contrário de uma vida puramente egocêntrica, com o facto
de não sermos o centro do universo.

A ideia básica é a seguinte: reconhecer o nosso lugar no universo, a nossa


pequenez, poder-se-ia dizer, ou a nossa insignificância, e reconhecer a
existência independente do universo do qual somos uma parte, envolve, entre
outras coisas, reconhecer o carácter “meramente” do nosso ponto de vista
subjectivo. Pensar no nosso lugar no universo é reconhecer a possibilidade de
uma perspectiva, ou na verdade de um número infinito de perspectivas, a partir
da qual a nossa vida é meramente gratuita; é reconhecer a possibilidade de uma
perspectiva, ou antes de um número infinito de perspectivas, indiferente à nossa
existência ou inexistência, e portanto à nossa felicidade ou tristeza, satisfação
ou insatisfação, realização ou falta dela.
Face a este reconhecimento, uma vida que procure apenas a sua própria
realização subjectiva ou a sua mera sobrevivência ou que se dedique apenas a
objectivos que em nada mais se fundamentam senão a própria psicologia da
pessoa em causa, parece solipsista ou tola.

Uma pessoa que viva uma vida em grande parte egocêntrica — que dedique,
por outras palavras, muita energia e atenção e cuidado a si mesma, que se
ocupe mais especificamente da sua satisfação e gratificação, expressa e revela
a crença de que a sua felicidade é importante. Ainda que não expresse a
perspectiva de que a sua felicidade tem objectivamente importância, expressa
pelo menos a ideia de que é importante para si. Dedicar-se somente à sua
própria gratificação, consequentemente, expressaria e revelaria o facto de a sua
felicidade ser tudo o que importa, ou pelo menos tudo o que importa para si.
Contudo, se aceitarmos um enquadramento que reconhece distinções de valor
insubjectivo (e se acreditarmos, como parece razoável, que o que tem valor
insubjectivo não se concentra em especial em nós nem tem connosco uma
conexão especial), esta atitude parece difícil de justificar.

Aceitar esse enquadramento é, afinal, aceitar a perspectiva de que algumas


coisas são melhores do que outras. Para mim, faz sentido entender isto
parcialmente em termos literais: algumas coisas, parece-me, são melhores do
que outras: as pessoas, são melhores do que as pedras ou mosquitos, e uma
pintura de Vermeer é melhor do que pedaços do meu monte de húmus.5 O
essencial, contudo, é que aceitar um enquadramento que reconheça distinções
de valor insubjectivo envolve ver o mundo como algo repleto de valor,
contendo no seu seio distinções de melhor e pior, do que vale mais ou menos a
pena — se não objectos melhores e piores em si, pelo menos melhores e
piores características do mundo, ou actividades, ou oportunidades de nos
realizarmos. Contra este pano de fundo, uma vida dedicada exclusivamente à
nossa própria gratificação ou à satisfação dos nossos caprichos parece gratuita
e difícil de defender. Pois, como afirmei, viver tal vida exprime a perspectiva de
que tudo o que conta é a nossa felicidade, pelo menos para nós mesmos. Mas
por que razão haveria isto de ser a única coisa que conta, quando há tanto mais
a que vale dar importância?

Quem conhece o livro The Possibilty of Altruism, de Thomas Nagel, poderá


ter reconhecido que lhe aludi ao sugerir que uma vida indiferente ao significado
é praticamente solipsista. A alusão é significativa, pois o argumento que estou a
apresentar, apesar de ter em vista uma conclusão diferente, tem uma forte
semelhança com o argumento desse livro. O argumento de Nagel convida-nos
a ver alguém que, apesar de tentar evidentemente evitar ou minimizar a sua dor,
mostra total indiferença à dor alheia — um solipsista prático, no sentido em
que, na sua concepção prática, não reconhece nem tem em consideração que é
uma pessoa entre outras, igualmente reais. Grosso modo, a sugestão é, ao que
parece, que se tivermos em consideração a realidade dos outros, então damo-
nos conta de que as suas dores são tão dolorosas quanto as nossas. Se o
carácter doloroso da nossa dor é uma razão para tomar medidas para a evitar,
então o carácter doloroso da dor dos outros deveria também fornecer razões
para fazer o mesmo. Ser totalmente indiferente à dor alheia denuncia, pois, uma
incapacidade para reconhecer a dor alheia (isto é, para a reconhecer como
realmente dolorosa, do mesmo modo que a nossa dor o é para nós).

Esta não é a ocasião para discutir a plausibilidade de interpretar o egoísta puro


como um solipsista prático, como o faz Nagel, nem sequer para discutir a sua
posição complexa e subtil em suficiente detalhe para poder avaliá-la com
equidade. O que quero sublinhar não se relaciona com a substância do
argumento mas com o tipo de argumento em causa: especificamente, o
argumento de Nagel sugere que ter em consideração um certo facto — neste
caso, o facto de que somos apenas uma pessoa entre outras, igualmente reais
— é uma fonte de razão prática — neste caso, dá-nos razão para encarar as
dores alheias como razões para agir. Se Nagel tiver razão, temos razão para
nos importarmos com a dor alheia — razão que não se funda nas nossas
psicologias (e, mais especificamente, não se funda em qualquer um dos nossos
próprios desejos), mas num facto sobre o mundo. A sua sugestão é que uma
pessoa que não veja a dor alheia como uma fonte de razão age “como se” a
dor alheia não fosse real ou dolorosa. Mas é claro que a dor dos outros é real
e é dolorosa. Tal pessoa exibe pois não apenas um defeito moral ou falta de
simpatia, mas também uma razão prática deficiente, na acepção em que a sua
postura prática não está de acordo com um facto muito significativo sobre o
mundo.

A minha sugestão de que temos razão para dar importância às vidas


significativas, mas não às que o não são, e para as procurarmos, tem uma
forma semelhante à de Nagel. Como ele, estou a sugerir que podemos ter uma
razão para fazer algo ou para nos importarmos com algo que não se baseia nas
nossas próprias psicologias, nem especificamente nos nossos próprios desejos,
mas num facto sobre o mundo. O facto em questão neste caso é que somos,
cada um de nós, minúsculas partículas num universo vasto e repleto de valor, e
que como tal não temos posição privilegiada como fonte ou possuidores de
valor objectivo. A dedicação total à nossa própria satisfação parece-me
incongruente com esta verdade — é agir “como se” fôssemos a única coisa que
importa ou, talvez, mais ainda, “como se” a nossa própria psicologia fosse a
única fonte do que importa (e que o determina). Ao centrar a nossa atenção e
as nossas energias pelo menos em parte em coisas, actividades, aspectos do
mundo que têm valor independentemente de nós, reconhecemos implicitamente
o nosso lugar e estatuto no mundo. O nosso comportamento, e a nossa postura
prática, está assim mais de acordo com os factos.
Admito que isto não é o género de razão que temos de aceitar sob pena de
inconsistência ou de qualquer outro erro de lógica. Tal como uma pessoa pode
simplesmente não se importar se tem ou não uma vida significativa, também
pode pura e simplesmente não se importar se a sua vida está de acordo com os
factos, ou se harmoniza com eles. (Uma coisa é dizer que devemos viver de
acordo com os factos da física, geografia e das outras ciências. Viver de
acordo com estes factos tem um valor instrumental evidente — ajuda-nos a
andar no mundo. Mas viver de um modo que praticamente reconhece ou se
harmoniza com o facto de sermos minúsculas partículas num mundo repleto de
valor não torna as nossas vidas melhores desse modo.) Tal pessoa não pode
ser acusada em qualquer sentido estrito de irracionalidade. Como as razões
ininstrumentais para ser moral, a razão para cuidar de viver uma vida que valha
a pena não é algo que a racionalidade estrita nos exija que aceitemos. Ao
mesmo tempo, parece-me apropriado caracterizar a minha sugestão (e a de
Nagel) dizendo que nela se apela a razões num sentido lato. Pois a minha
sugestão é que ter interesse em ter uma vida significativa é uma resposta
apropriada a uma verdade fundamental, e que não o ter constitui uma
incapacidade para reconhecer essa verdade.

Como vimos, a verdade à qual proponho que uma vida significativa forneça
uma resposta é a de que somos, cada um de nós, minúsculas partículas num
universo vasto e repleto de valor. Como a verdade de que somos, cada um de
nós, uma pessoa entre outras, igualmente reais, tal verdade opõe-se ao que as
crianças e muitos adultos têm tendência para pressupor — nomeadamente, que
são o centro do universo, possuidores ou fontes de todo o valor. (É porque
tanto a verdade de Nagel como a minha se opõem a tal pressuposto que
ambas podem plausivelmente ser entendidas como alternativas ao solipsismo
prático.) Ao contrário da verdade de Nagel, a minha não diz respeito
especificamente à nossa relação com as outras pessoas. Uma pessoa pode,
portanto, dar valor e expressar praticamente uma destas verdades mas não a
outra. Ao passo que uma resposta apropriada à igual realidade das outras
pessoas pode ser, se Nagel tiver razão, uma entrega à moralidade ou a algo
relacionado com a moralidade, a minha proposta é que uma resposta
apropriada ao nosso estatuto como partículas num universo vasto é dar
importância e aspirar a uma vida preenchida com projectos de valor positivo.

Contudo, talvez não tenha deixado claro por que razão isto é uma resposta
apropriada. A questão pode parecer particularmente premente porque o
pensamento de que somos minúsculas partículas num universo vasto, e a
impressão de que isso torna necessário ou exige uma resposta teve a tendência,
no passado, de empurrar os filósofos numa direcção diferente.
Especificamente, o pensamento de que somos partículas minúsculas num
universo vasto esteve no passado intimamente associado à pergunta lamacenta
e ponderosa a que me referi no início — a pergunta pelo Sentido da Vida. O
pensamento de que somos partículas minúsculas num universo vasto tem
realmente muitas vezes invocado essa pergunta e, para quem não acredita na
existência de um Deus benevolente ou não quer fazer depender disso as suas
respostas, parece também ter indicado mais ou menos imediatamente uma
reposta. Considerar a resposta dessas pessoas à pergunta pelo Sentido da
Vida, contrastando-a com a minha resposta ao facto da nossa pequenez, pode
clarificar a substância da minha proposta.

A linha de pensamento que tenho em mente tem sido expressa, com algumas
variações, por muitos filósofos distintos, incluindo Camus, Tolstoi, Richard
Taylor e, curiosamente, pelo próprio Nagel. Para eles, o reconhecimento do
nosso lugar no universo — da nossa pequenez, ou do nosso carácter de
partícula, se se quiser — parece comprovar a conclusão não apenas de que
não há sentido para a vida, mas também de que cada vida individual é
necessariamente absurda.

Na perspectiva destes filósofos, uma vida pode ser significativa apenas se pode
ter significado para alguém, e não apenas para alguém, mas para alguém além
de nós mesmos e, na verdade, alguém que tenha mais valor intrínseco ou último
do que nós. Claro que qualquer pessoa pode viver de um modo que faça a sua
vida ser significativa para alguém além de si. Pode manter relações com
familiares e irmãos, estabelecer amizades com vizinhos e colegas. Pode
apaixonar-se. Se tudo o resto falhar, pode ter um filho que a irá amar, ou dois
filhos, ou seis. Pode até abrir toda uma clínica, por amor de Deus. Mas se uma
vida somente dedicada a nós mesmos, uma vida que não é boa para mais
ninguém além de nós, for destituída de sentido, pensam estes filósofos não sem
plausibilidade, também uma vida dedicada a qualquer outra pobre criatura o
será, pois a criatura em causa não terá mais importância objectiva do que nós,
e por isso não será mais adequada como ponto último no qual possamos
fundamentar o sentido da nossa vida do que nós mesmos. Nem servirá de
ajuda, segundo esta linha de pensamento, expandir o nosso círculo, ser
proveitoso ou provocar efeitos num segmento mais vasto da humanidade. Se
cada uma das vidas é individualmente destituída de sentido, então também o
colectivo o é. Se cada vida tem apenas uma quantidade infinitesimal de valor,
então, apesar de o sentido da nossa vida aumentar em proporção com os
efeitos da nossa vida, a quantidade total de sentido relativamente ao cosmos
permanecerá tão pequeno que torna o esforço patético.

Da perspectiva destes filósofos, se Deus não existe, então a vida humana, cada
vida humana, tem de ser objectivamente destituída de significado, porque se
Deus não existe, não há qualquer ser apropriado para quem poderíamos ter
significado.
Desta perspectiva, a minha sugestão de que viver uma vida significativa
constitui uma resposta ao reconhecimento do nosso lugar no universo poderá
parecer ridiculamente míope — como se, tendo admitido o carácter
“meramente” da minha própria subjectividade, não reconhecesse depois a igual
mera subjectividade dos outros. Mas eu penso que isto é compreender mal o
sentido na minha proposta de viver uma vida que realiza valor insubjectivo, um
erro de compreensão que resulta de uma perspectiva demasiado limitada
acerca do que tem de ser uma resposta apropriada e satisfatória ao facto de
termos o lugar no universo que temos.

Os filósofos de quem falei — a quem podemos chamar “pessimistas” —


entendem que a lição fundamental a retirar da contemplação do nosso lugar no
universo é que em termos cósmicos somos insignificantes, um facto que colide
com o nosso desejo de ser efectivamente muito significativos. Se Deus
existisse, poderiam tais filósofos fazer notar, teríamos alguma hipótese de ser
significativos. Pois o próprio Deus é presumivelmente muitíssimo significativo e
assim poderíamos ser significativos sendo ou tornando-nos significativos para
Ele. Na ausência de Deus, contudo, parece que só podemos ser significativos
entre nós, ou seja, para seres tão pateticamente pequenos como nós.
Queremos ser importantes, mas não podemos ser importantes, e por isso as
nossas vidas são absurdas.

Os pessimistas têm razão quanto à futilidade de tentar fazermo-nos


importantes. Na medida em que a contemplação do cosmos nos faz ficar
cientes da nossa pequenez, quer como indivíduos quer como espécie, temos
pura e simplesmente de o aceitar e de nos ajustarmos à ideia. Algumas pessoas
ficam sem dúvida muito perturbadas, e até abatidas, quando começam a pensar
sobre a sua insignificância cósmica. Querem ser importantes, ter um impacto no
mundo, deixar uma marca que fique para sempre. Quando se dão conta de que
não podem fazê-lo, ficam muito desapontadas. O único conselho que se pode
dar a tais pessoas é este: Deixa-te Disso.

Em vez de lutar contra o facto da nossa insignificância, contudo, e contra o


“meramente” da nossa subjectividade, a minha proposta é que vivamos de um
modo que reconheça o facto ou que, em qualquer caso, se harmonize com ele.
Viver de um modo que se centra e entrega significativamente ao cuidado de
promover ou realizar valor cuja fonte vem do exterior de nós parece
harmonizar-se com isto, ao passo que viver de um modo puramente
egocêntrico não parece fazê-lo. Viver vidas que atingem ou realizam valor
insubjectivo pode não nos tornar significativos, e muito menos importantes,
para alguém além de nós mesmos, mas dá-nos algo para dizer e pensar em
resposta ao reconhecimento de perspectivas que nós mesmos imaginativamente
adoptamos e que são indiferentes à nossa existência e ao nosso bem-estar.
Comecei por levantar a pergunta de como o sentido da vida — ou a sua
ausência — se relacionava com o que há de significativo em vidas particulares.
Como o poderia ter dito, faz realmente sentido pensar que pode haver vidas
significativas num mundo que não é significativo? À luz desta discussão,
podemos ver como a resposta a essa pergunta pode ser “sim” apesar de se
manter a ideia de que a semelhança de vocabulário das duas expressões não é
uma mera coincidência.

Se eu tiver razão quanto ao que está envolvido em ter uma vida significativa —
isto é, se ter uma vida significativa é uma questão de uma entrega pelo menos
parcialmente bem-sucedida a projectos de valor positivo — então pode-se ver
que a possibilidade de ter vidas significativas apesar da ausência de um sentido
abrangente para a vida depende do facto de as distinções de valor (isto é, de
valor objectivo) não dependerem da existência de Deus ou de qualquer
propósito abrangente para o género humano como um todo. Quer Deus exista
quer não, o facto permanece: alguns objectos, actividades e ideias são
melhores do que outras. Quer Deus exista quer não, algumas maneiras de viver
valem mais a pena do que outras. Algumas actividades são uma perda de
tempo.

As pessoas são por vezes tentadas a pensar que se Deus não existe, então
nada tem importância. São tentadas a pensar que se todos vamos morrer,
acabando todos os traços da nossa existência por desaparecer de toda a
consciência, não vale a pena fazer seja o que for; nada faz qualquer diferença.
É evidente que Tolstoi pensava por vezes isto, emprestando uma voz eloquente
a tal perspectiva. Mas o raciocínio é ridículo. Se uma actividade vale a pena e
outra é um desperdício, então temos razão para preferir a primeira, mesmo que
não exista qualquer deus para nos olhar de cima aprovadoramente. Mais
genericamente, parece que temos razão para nos entregarmos a projectos de
valor, quer Deus exista e atribua propósito à vida quer não.

Ao pôr as coisas assim, contudo, não se consegue explicar por que razão
usamos a linguagem do sentido para descrever vidas que se entregam a
actividades de valor. Ao pôr as coisas assim, não parece haver qualquer
conexão entre a questão de haver um sentido para a vida e a questão de as
vidas individuais poderem ser significativas. Penso haver, contudo, uma
conexão que se dá a ver ou que talvez consista no facto de que o desejo de
ambos os tipos de sentido é invocado pelo mesmo pensamento e que, talvez,
qualquer um deles seria uma resposta apropriada e satisfatória a esse
pensamento. O pensamento (verdadeiro) em questão é o de que somos
minúsculas partículas num universo vasto. É um pensamento que tende a
perturbar-nos quando o temos pela primeira vez — pelo menos em parte
porque, ao olhar para nós mesmos a partir dessa posição, pode parecer que
até então vivemos “como se” algo oposto a isso fosse verdade. Talvez
tenhamos vivido até então como se fôssemos o centro do universo, o único
possuidor ou fonte de todo o valor. Tínhamos presumido desde sempre que
tínhamos um lugar especial e muito importante no mundo, e agora esse
pressuposto foi arruinado. É fácil ver como, neste contexto, se poderá desejar
que a vida tenha um sentido. Pois se houvesse um sentido — quer dizer, um
propósito para a existência humana que se pode presumir ser de grande
importância — então, ao desempenhar um papel, ao contribuir para esse
propósito, podemos recuperar alguma da importância que pensávamos que a
vida tinha. Como os filósofos pessimistas de que falei, duvido que esse caminho
seja possível para nós. Mas parece haver outra maneira de responder ao
pensamento ou ao reconhecimento do nosso lugar relativamente insignificante
no universo, uma maneira que parece mais promissora e que pode fornecer um
tipo diferente de conforto, fazendo-o efectivamente por vezes. Se vivemos a
nossa vida, antes de reconhecermos a nossa pequenez, como se fôssemos o
centro do universo, a resposta apropriada a esse reconhecimento é
simplesmente deixar de viver desse modo. Se dermos atenção a outras partes
do universo — mesmo a outras partículas como nós — de um modo que faça
jus e que envolva uma entrega aos valores ou objectos valiosos que nos são
exteriores, então corrigimos a nossa postura prática. Se, além disso, formos
parcialmente bem-sucedidos produzindo, preservando e promovendo o valor
— se fizermos algum bem, ou se realizarmos valor — então temos algo a dizer
ou a pensar em resposta à preocupação de que a nossa vida não tem razão de
ser.

Só se alguma sugestão como a minha estiver correcta é que podemos dar


sentido às intuições sobre o que é significativo para as quais chamei já a
atenção. Segundo essas intuições, a diferença entre uma vida significativa e uma
vida que não o é não é uma diferença entre uma vida que faz muito bem, e uma
vida que faz pouco bem. (Nem é uma diferença entre uma vida que deixa
marcas profundas e uma que, digamos, deixa apenas umas linhas.) Trata-se
antes de uma diferença entre uma vida que faz o bem ou é boa ou realiza valor
e uma vida que é essencialmente um desperdício. Segundo estas intuições, há
um contrate tão nítido entre o Paspalho e uma vida dedicada ao cuidado de um
só indivíduo necessitado, como há entre o Paspalho e alguém que consegue
mudar o mundo para melhor em grande escala. Na verdade, pode haver um
contraste igualmente nítido entre o Paspalho e o monge de uma ordem
contemplativa cuja existência não confere qualquer benefício ou mudança na
vida de qualquer outra pessoa. Ironicamente, desta perspectiva, Tolstoi sai-se
excepcionalmente bem.

Parece-me assim que ainda que não haja sentido para a vida, ou seja, mesmo
que a vida como um todo não tenha propósito, direcção, razão de ser, isso não
é uma razão para duvidar da possibilidade de encontrar e fazer sentido na vida
— não é uma razão, por outras palavras, para duvidar da possibilidade de que
as pessoas tenham vidas significativas. Ao aceitar o nosso lugar e estatuto no
universo, é natural e apropriado que as pessoas queiram explorar a
possibilidade dos dois tipos de sentido. Mesmo que os filósofos nada de novo
nem de encorajador tenham para dizer sobre a possibilidade de sentido do
primeiro género, pode ser apropriado elaborar os diferentes significados da
ideia de encontrar sentido na vida, e fazer notar as diferentes formas que pode
assumir aprender a aceitar a condição humana.

Susan Wolf

Retirado, com a autorização da autora, de Introduction to Philosophy: Classical and


Contemporary Readings, 4.ª ed., org. John Perry, Michael Bratman e John Martin Fischer
(Nova Iorque e Oxford: Oxford University Press, 2007)

Notas
1. Thomas Nagel tem o que se pode considerar uma perspectiva ainda mais
pessimista — viz., que mesmo que exista um Deus, não há razão para o
propósito de Deus ser o nosso propósito, nenhuma razão, consequentemente,
para pensar que a existência de Deus poderia dar sentido, na acepção
adequada, às nossas vidas.
2. E.g., no dia em que me sentei para tirar notas para este artigo, publicou-se no
jornal (Baltimore Sun, 16 de Janeiro de 2002) uma recensão de um livro de
Monique Greenwood, Having What Matters: The Black Woman's Guide to
Creating the Life you Really Want. O livro é apresentado como um guia para
substituir o manifesto de 1980 de Helen Gurley Brown sobre ter tudo. Em
vez de “a mulher que tiver mais brinquedos ganha”, Greenwood diz que “a
mulher que tiver mais alegria ganha”. Centra-se assim em como “alcançar
uma vida com valor e significado”.
3. David Wiggins, “Truth, Invention, and the Meaning of Life”, in Proceedings
of the British Academy, LXII, 1976.
4. Parece-me haver uma condição ou restrição complementar quanto ao que
constitui uma vida significativa, apesar de não se encaixar graciosamente na
definição que proponho, sendo além disso algo lateral com respeito ao que há
de central neste ensaio: nomeadamente, que os projectos que contribuem
para uma vida significativa têm de ter uma duração apreciável, e têm de
contribuir para a unidade da vida ou de uma fase apreciável dela. Uma pessoa
que se entrega permanentemente a um ou outro projecto de valor, mas cujos
projectos não exprimem qualquer núcleo subjacente de interesse ou valor não
é, pelo menos, um paradigma de alguém cuja vida é significativa. Aqui é
talvez algo iluminante fazer analogias com outros usos de “sentido”, pois o
que está em causa tem a ver o haver ou não bases para que a vida “faça
sentido”, tem a ver com ser capaz de vê-la como uma narrativa.
5. Pace a inquietante cena do filme American Beauty em que um saco de lixo é
empurrado pelo vento.
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