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Mas como podem as vidas individuais ter sentido se a vida no seu todo não o
tem? Estaremos a iludir-nos ao continuar a falar sobre a possibilidade de
encontrar sentido na vida se suspeitarmos que não há sentido para a vida?
(Estaremos a ser de vistas curtas, não vendo as implicações que uma parte do
nosso pensamento tem noutra?) Alternativamente, serão estas expressões
meramente homónimos, sem quaisquer conexões conceptuais ou lógicas entre
si? Haverá aqui apenas dois tópicos completamente desconectados?
Muitos leitores ficarão aliviados ao saber que não desejo reavivar a pergunta
pelo sentido da vida. Inclino-me a aceitar a perspectiva tradicional de que não
há interpretação plausível dessa pergunta que ofereça uma resposta positiva na
ausência de uma metafísica religiosa razoavelmente específica. Uma
compreensão do que é significativo na vida, contudo, parece-me merecer mais
atenção filosófica do que tem até agora recebido, e terei algumas coisas a dizer
aqui sobre isso. Também neste caso me inclino para aceitar a perspectiva
comum — ou uma parte da perspectiva comum — viz., que o significativo é
uma característica inteligível a procurar alcançar numa vida, e que é pelo menos
por vezes alcançável, não estando no entanto sempre assegurado. Mas o que
vem característica a ser — o que procuramos — é controverso e obscuro, de
modo que a tarefa de a analisar e interpretar ocupará uma larga fatia dos meus
comentários. Depois de proposta uma análise, regressarei à questão de como
uma perspectiva positiva sobre a possibilidade de sentido nas vidas pode
ajustar-se à perspectiva negativa ou agnóstica sobre o sentido da vida. Os
tópicos não estão, penso, tão desconectados quanto poderia à primeira vista
parecer necessário para que as suas respostas respectivamente optimistas e
pessimistas possam coexistir. Logo, apesar de a minha discussão nada oferecer
de novo em termos de uma resposta à pergunta pelo sentido da vida, pode
oferecer uma perspectiva algo diferente quanto à importância dessa pergunta.
O que é, então, ter uma vida significativa? O que vem a ser o significativo numa
vida? Poderá ser mais fácil ganhar algum terreno concentrando a atenção no
que queremos evitar. Com esse objectivo em mente, seja-me permitido
oferecer alguns paradigmas — não de vidas significativas, mas de vidas que
não são significativas.
Para mim, a ideia de uma vida que não é significativa revela-se, do modo mais
claro e eficaz, na imagem de uma pessoa que passa dia após dia, ou noite após
noite, frente à televisão, bebendo cerveja e vendo séries americanas. Não se
trata de ter alguma coisa contra a televisão ou a cerveja. Mas a imagem,
entendida como a imagem de uma pessoa cuja vida é passada numa
passividade vaga, uma vida que não é vivida num nível desagradável da
consciência, mas que não tem conexões seja com quem for ou com o que for,
uma vida que não vai a lado algum, e que nada alcança — esta imagem é,
proponho, a mais forte imagem que pode haver de uma vida que não é
significativa. Chamemos a este caso o Paspalho.
Se há uma vida humana que não seja significativa, é a do Paspalho. Mas isto
não significa que qualquer vida que não seja significativa tenha de ser, em todos
os aspectos importantes, como a do Paspalho. Há outros paradigmas que
sublinham pelas suas ausências outros elementos do que é significativo.
Se os casos que esbocei captam mais ou menos bem as nossas imagens do que
não é significativo, fornecem pistas quanto ao que um caso positivo de uma
vida significativa tem de compreender. Contrastando com a passividade do
Paspalho, uma pessoa que tem uma vida significativa tem de se entregar
activamente a algo. Mas, como os casos Estéril mostram, não basta entregar-
se a seja o que for, por qualquer razão ou com qualquer objectivo — é preciso
uma entrega a um projecto ou projectos que tenham algum valor positivo, e de
algum modo isso relaciona-se inacidentalmente ao que lhes dá valor. Por fim,
para evitar a Bancarrota, parece necessário ser pelo menos num certo grau
bem-sucedido (apesar de poder não ser fácil determinar o que conta como o
tipo ou grau adequado de sucesso). Juntando estes critérios, obtemos uma
proposta quanto ao que é ter uma vida significativa: viz., uma vida significativa é
a que se entrega activamente, e pelo menos em parte com êxito, a um projecto
(ou projectos) de valor positivo.
Insisto que devemos, tanto quanto possível, deixar por especificar a expressão,
excepto num aspecto. Não queremos incluir uma teoria do valor positivo na
nossa concepção do que é significativo. Como proposta que visa captar o que
a maior parte das pessoas têm em mente com uma vida significativa, o que
queremos é uma concepção que se “alinhe” seja com o que for que pensamos
ter valor positivo. Isto permite-nos explicar pelo menos algumas intuições ou
crenças divergentes sobre o que é significativo em termos de intuições ou
crenças divergentes sobre o que tem valor positivo, seguindo-se que quem
estiver enganado quanto ao que tem valor positivo, estará também enganado
quanto ao que contribui para uma vida significativa. (Assim, uma pessoa que
nada encontra digno de admiração no desporto — que considera ridícula, por
exemplo, a imagem de um homem crescido a tentar enfiar uma bola pequenina
num buraco com um taco, considerará haver pouco potencial de sentido na
vida do praticante entusiástico de golfe; uma pessoa que dá pouco valor a
trabalhos intelectuais esotéricos ficará surpreendida com quem se esforça por
escrever, quando mais ler, vários livros sobre sobreveniência.)
Não adianta permitir que uma vida significativa seja uma vida envolvida em
projectos que parecem ter valor positivo da perspectiva de quem a vive.
Permiti-lo teria o efeito de apagar o que há de distintivo no nosso interesse no
que é significativo; confundiria ou eliminaria a diferença entre um interesse em
ter uma vida significativa e um interesse em ter uma vida que sentimos que é
significativa ou que parece sê-lo. Que estes interesses são distintos, e que o
primeiro não é meramente um meio para o segundo, é algo que podemos ver
reflectindo num certo modo como se pode fazer sentir o desejo ou necessidade
de ter uma vida significativa. O que tenho em mente é a possibilidade de um
tipo de epifania, na qual acordamos — literal ou figurativamente — e
reconhecemos que a nossa vida até então não foi significativa. Esta experiência
seria praticamente ininteligível se a falta de sentido fosse entendida como uma
falta de um certo tipo de impressão subjectiva. Dificilmente se pode
compreender a ideia de acordar e pensar que a nossa vida até então não nos
parecia significativa. Pelo contrário, pode ser precisamente por não nos termos
dado conta do vazio dos nossos projectos ou da superficialidade dos nossos
valores até esse momento que a experiência que estou a imaginar é tão
pungente. É o tipo de experiência que podemos descrever em termos de abrir
os olhos. E o anseio pelo que é significativo, o impulso para tentar resolver o
problema, não será satisfeito (apesar de poder ser eliminado) voltando a fechar
os olhos, digamos. Se suspeitamos que a vida que temos vindo a viver não é
significativa, não lhe daremos sentido fazendo sessões de terapia psicológica ou
tomando um comprimido que, sem mudar a nossa vida de qualquer outro
modo, nos faz acreditar que a nossa vida tem sentido.
Parece então que o sentido na vida pode não ser especialmente moral, e que
efectivamente as vidas podem ser fortemente significativas ainda que sejam, no
seu todo, tidas como imorais. Conversamente, que uma vida seja pelo menos
moderadamente moral, que esteja, por assim dizer, acima da reprovação, não
é garantia que será moderadamente significativa. A dona de casa alienada, por
exemplo, pode não ser de modo algum objecto de reprovação moral. (E é
discutível que mesmo o Paspalho mereça uma censura especificamente moral.)
Que as pessoas querem sentido nas suas vidas é, suponho, um facto empírico
observável. Chamámos já a atenção para dois indícios: os manuais de auto-
ajuda, e os grupos de terapia. O que ofereci até agora é uma análise do que
vem a ser esse desejo ou preocupação. Quero agora voltar-me para a questão
de saber se é bom que as pessoas tenham esse desejo, ou seja, se há alguma
razão positiva para que devam querer tal coisa.
No mínimo, podemos reconhecer que pelo menos não é mau querer sentido na
nossa vida. Não há mal nisso, afinal. Dado que as pessoas o querem, e dado
não haver objecções morais, devemos reconhecer que é legítimo
preocuparmo-nos com o sentido, pelo menos no sentido fraco de que nos
devem deixar fazer isso. Na verdade, na medida em que o significativo nas
nossas vidas é um factor importante no bem-estar geral de uma vida, devemos
fazer mais do que limitar-nos a permitir a sua procura: devemos positivamente
tentar aumentar as oportunidades para as pessoas viverem vidas de sentido.
A maior parte de nós, ao que parece, temos uma atitude positiva mais forte
com respeito ao valor do significativo do que esta concepção mínima admite.
Não pensamos que é apenas aceitável que as pessoas queiram sentido nas suas
vidas — como é aceitável que gostem de música country, ou que se
interessem por esqui. Pensamos que as pessoas devem positivamente
preocupar-se em ter vidas significativas. É inquietante, ou pelo menos
lamentável, encontrar alguém que não se preocupe com isso. Contudo, este
juízo positivo deveria apresentar-se-nos, pelo menos inicialmente, como um
pouco misterioso. Qual é o bem, afinal de contas, de viver uma vida
significativa, e para quem?
Dado que uma vida significativa não é necessariamente uma vida moralmente
melhor do que uma vida que não é significativa (o atleta olímpico pode não
fazer mais bem nem mal do que o rico ocioso da alta sociedade), não é
necessariamente melhor para o mundo que as pessoas tentem ter vidas
significativas, ou até que o consigam. Nem há a garantia de que uma vida
significativa será especialmente feliz, contudo. Muitas das coisas que dão
sentido às nossas vidas (relações íntimas, aspirações) tornam-nos vulneráveis à
dor, desapontamento e tensão. Do seu ponto de vista, a passividade
preguiçosa do Paspalho pode ser preferível à experiência do artista torturado
ou do activista político. Por padrões convencionais, consequentemente, não é
claro que dar importância à vida significativa ou até conseguir tê-la seja melhor
para a própria pessoa.
A nossa questão, a questão de haver ou não alguma razão para uma pessoa se
esforçar por ter uma vida significativa e, caso haja, que razão é essa, não é
exactamente a mesma do que a questão haver ou não alguma razão para
aspirar à virtude, e que razão é essa — apesar de estar mais próxima do que
poderia parecer, se tivermos o cuidado de interpretar “virtude” no sentido lato
e não especificamente no sentido moral de Aristóteles. Mesmo assim, como
afirmei, Aristóteles não enfrenta verdadeiramente a questão e assim, apesar de
eu encarar a minha maneira de pensar como aristotélica, em espírito, não é
provável que um estudo académico dos seus textos seja uma maneira eficiente
de descobrirmos por nós uma resposta para a questão.
Que razão há, pois, se é que há alguma, para uma pessoa querer ter uma vida
significativa? Afirmei que parecemos pensar que seria melhor para essa pessoa
— que é, pelo menos aproximadamente, do seu interesse próprio. Ao mesmo
tempo, o pensamento de que ela deve importar-se com o sentido parece
depender de afirmações exteriores a si. Mesmo que não existam desejos
latentes na sua psicologia que uma vida significativa poderia satisfazer,
pensamos, ao que parece, que há uma razão pela qual a pessoa os deveria ter.
Parece estar a fazer um tipo qualquer de erro, caso não os tenha.
Se estiver correcta a minha análise do que envolve viver uma vida significativa,
então a questão da razão pela qual devemos dar importância à vida significativa
é equivalente à questão da razão pela qual devemos dar importância à entrega
activa e algo bem-sucedida a projectos de valor positivo. A fonte da
perplexidade parece, em particular, dizer respeito à razão para dar importância
ao valor positivo dos nossos projectos. Desde que nos entreguemos às nossas
actividades, e que estas nos façam felizes, por que devemos importar-nos se
essas actividades valem ou não objectivamente a pena?
Uma pessoa que viva uma vida em grande parte egocêntrica — que dedique,
por outras palavras, muita energia e atenção e cuidado a si mesma, que se
ocupe mais especificamente da sua satisfação e gratificação, expressa e revela
a crença de que a sua felicidade é importante. Ainda que não expresse a
perspectiva de que a sua felicidade tem objectivamente importância, expressa
pelo menos a ideia de que é importante para si. Dedicar-se somente à sua
própria gratificação, consequentemente, expressaria e revelaria o facto de a sua
felicidade ser tudo o que importa, ou pelo menos tudo o que importa para si.
Contudo, se aceitarmos um enquadramento que reconhece distinções de valor
insubjectivo (e se acreditarmos, como parece razoável, que o que tem valor
insubjectivo não se concentra em especial em nós nem tem connosco uma
conexão especial), esta atitude parece difícil de justificar.
Como vimos, a verdade à qual proponho que uma vida significativa forneça
uma resposta é a de que somos, cada um de nós, minúsculas partículas num
universo vasto e repleto de valor. Como a verdade de que somos, cada um de
nós, uma pessoa entre outras, igualmente reais, tal verdade opõe-se ao que as
crianças e muitos adultos têm tendência para pressupor — nomeadamente, que
são o centro do universo, possuidores ou fontes de todo o valor. (É porque
tanto a verdade de Nagel como a minha se opõem a tal pressuposto que
ambas podem plausivelmente ser entendidas como alternativas ao solipsismo
prático.) Ao contrário da verdade de Nagel, a minha não diz respeito
especificamente à nossa relação com as outras pessoas. Uma pessoa pode,
portanto, dar valor e expressar praticamente uma destas verdades mas não a
outra. Ao passo que uma resposta apropriada à igual realidade das outras
pessoas pode ser, se Nagel tiver razão, uma entrega à moralidade ou a algo
relacionado com a moralidade, a minha proposta é que uma resposta
apropriada ao nosso estatuto como partículas num universo vasto é dar
importância e aspirar a uma vida preenchida com projectos de valor positivo.
Contudo, talvez não tenha deixado claro por que razão isto é uma resposta
apropriada. A questão pode parecer particularmente premente porque o
pensamento de que somos minúsculas partículas num universo vasto, e a
impressão de que isso torna necessário ou exige uma resposta teve a tendência,
no passado, de empurrar os filósofos numa direcção diferente.
Especificamente, o pensamento de que somos partículas minúsculas num
universo vasto esteve no passado intimamente associado à pergunta lamacenta
e ponderosa a que me referi no início — a pergunta pelo Sentido da Vida. O
pensamento de que somos partículas minúsculas num universo vasto tem
realmente muitas vezes invocado essa pergunta e, para quem não acredita na
existência de um Deus benevolente ou não quer fazer depender disso as suas
respostas, parece também ter indicado mais ou menos imediatamente uma
reposta. Considerar a resposta dessas pessoas à pergunta pelo Sentido da
Vida, contrastando-a com a minha resposta ao facto da nossa pequenez, pode
clarificar a substância da minha proposta.
A linha de pensamento que tenho em mente tem sido expressa, com algumas
variações, por muitos filósofos distintos, incluindo Camus, Tolstoi, Richard
Taylor e, curiosamente, pelo próprio Nagel. Para eles, o reconhecimento do
nosso lugar no universo — da nossa pequenez, ou do nosso carácter de
partícula, se se quiser — parece comprovar a conclusão não apenas de que
não há sentido para a vida, mas também de que cada vida individual é
necessariamente absurda.
Na perspectiva destes filósofos, uma vida pode ser significativa apenas se pode
ter significado para alguém, e não apenas para alguém, mas para alguém além
de nós mesmos e, na verdade, alguém que tenha mais valor intrínseco ou último
do que nós. Claro que qualquer pessoa pode viver de um modo que faça a sua
vida ser significativa para alguém além de si. Pode manter relações com
familiares e irmãos, estabelecer amizades com vizinhos e colegas. Pode
apaixonar-se. Se tudo o resto falhar, pode ter um filho que a irá amar, ou dois
filhos, ou seis. Pode até abrir toda uma clínica, por amor de Deus. Mas se uma
vida somente dedicada a nós mesmos, uma vida que não é boa para mais
ninguém além de nós, for destituída de sentido, pensam estes filósofos não sem
plausibilidade, também uma vida dedicada a qualquer outra pobre criatura o
será, pois a criatura em causa não terá mais importância objectiva do que nós,
e por isso não será mais adequada como ponto último no qual possamos
fundamentar o sentido da nossa vida do que nós mesmos. Nem servirá de
ajuda, segundo esta linha de pensamento, expandir o nosso círculo, ser
proveitoso ou provocar efeitos num segmento mais vasto da humanidade. Se
cada uma das vidas é individualmente destituída de sentido, então também o
colectivo o é. Se cada vida tem apenas uma quantidade infinitesimal de valor,
então, apesar de o sentido da nossa vida aumentar em proporção com os
efeitos da nossa vida, a quantidade total de sentido relativamente ao cosmos
permanecerá tão pequeno que torna o esforço patético.
Da perspectiva destes filósofos, se Deus não existe, então a vida humana, cada
vida humana, tem de ser objectivamente destituída de significado, porque se
Deus não existe, não há qualquer ser apropriado para quem poderíamos ter
significado.
Desta perspectiva, a minha sugestão de que viver uma vida significativa
constitui uma resposta ao reconhecimento do nosso lugar no universo poderá
parecer ridiculamente míope — como se, tendo admitido o carácter
“meramente” da minha própria subjectividade, não reconhecesse depois a igual
mera subjectividade dos outros. Mas eu penso que isto é compreender mal o
sentido na minha proposta de viver uma vida que realiza valor insubjectivo, um
erro de compreensão que resulta de uma perspectiva demasiado limitada
acerca do que tem de ser uma resposta apropriada e satisfatória ao facto de
termos o lugar no universo que temos.
Se eu tiver razão quanto ao que está envolvido em ter uma vida significativa —
isto é, se ter uma vida significativa é uma questão de uma entrega pelo menos
parcialmente bem-sucedida a projectos de valor positivo — então pode-se ver
que a possibilidade de ter vidas significativas apesar da ausência de um sentido
abrangente para a vida depende do facto de as distinções de valor (isto é, de
valor objectivo) não dependerem da existência de Deus ou de qualquer
propósito abrangente para o género humano como um todo. Quer Deus exista
quer não, o facto permanece: alguns objectos, actividades e ideias são
melhores do que outras. Quer Deus exista quer não, algumas maneiras de viver
valem mais a pena do que outras. Algumas actividades são uma perda de
tempo.
As pessoas são por vezes tentadas a pensar que se Deus não existe, então
nada tem importância. São tentadas a pensar que se todos vamos morrer,
acabando todos os traços da nossa existência por desaparecer de toda a
consciência, não vale a pena fazer seja o que for; nada faz qualquer diferença.
É evidente que Tolstoi pensava por vezes isto, emprestando uma voz eloquente
a tal perspectiva. Mas o raciocínio é ridículo. Se uma actividade vale a pena e
outra é um desperdício, então temos razão para preferir a primeira, mesmo que
não exista qualquer deus para nos olhar de cima aprovadoramente. Mais
genericamente, parece que temos razão para nos entregarmos a projectos de
valor, quer Deus exista e atribua propósito à vida quer não.
Ao pôr as coisas assim, contudo, não se consegue explicar por que razão
usamos a linguagem do sentido para descrever vidas que se entregam a
actividades de valor. Ao pôr as coisas assim, não parece haver qualquer
conexão entre a questão de haver um sentido para a vida e a questão de as
vidas individuais poderem ser significativas. Penso haver, contudo, uma
conexão que se dá a ver ou que talvez consista no facto de que o desejo de
ambos os tipos de sentido é invocado pelo mesmo pensamento e que, talvez,
qualquer um deles seria uma resposta apropriada e satisfatória a esse
pensamento. O pensamento (verdadeiro) em questão é o de que somos
minúsculas partículas num universo vasto. É um pensamento que tende a
perturbar-nos quando o temos pela primeira vez — pelo menos em parte
porque, ao olhar para nós mesmos a partir dessa posição, pode parecer que
até então vivemos “como se” algo oposto a isso fosse verdade. Talvez
tenhamos vivido até então como se fôssemos o centro do universo, o único
possuidor ou fonte de todo o valor. Tínhamos presumido desde sempre que
tínhamos um lugar especial e muito importante no mundo, e agora esse
pressuposto foi arruinado. É fácil ver como, neste contexto, se poderá desejar
que a vida tenha um sentido. Pois se houvesse um sentido — quer dizer, um
propósito para a existência humana que se pode presumir ser de grande
importância — então, ao desempenhar um papel, ao contribuir para esse
propósito, podemos recuperar alguma da importância que pensávamos que a
vida tinha. Como os filósofos pessimistas de que falei, duvido que esse caminho
seja possível para nós. Mas parece haver outra maneira de responder ao
pensamento ou ao reconhecimento do nosso lugar relativamente insignificante
no universo, uma maneira que parece mais promissora e que pode fornecer um
tipo diferente de conforto, fazendo-o efectivamente por vezes. Se vivemos a
nossa vida, antes de reconhecermos a nossa pequenez, como se fôssemos o
centro do universo, a resposta apropriada a esse reconhecimento é
simplesmente deixar de viver desse modo. Se dermos atenção a outras partes
do universo — mesmo a outras partículas como nós — de um modo que faça
jus e que envolva uma entrega aos valores ou objectos valiosos que nos são
exteriores, então corrigimos a nossa postura prática. Se, além disso, formos
parcialmente bem-sucedidos produzindo, preservando e promovendo o valor
— se fizermos algum bem, ou se realizarmos valor — então temos algo a dizer
ou a pensar em resposta à preocupação de que a nossa vida não tem razão de
ser.
Parece-me assim que ainda que não haja sentido para a vida, ou seja, mesmo
que a vida como um todo não tenha propósito, direcção, razão de ser, isso não
é uma razão para duvidar da possibilidade de encontrar e fazer sentido na vida
— não é uma razão, por outras palavras, para duvidar da possibilidade de que
as pessoas tenham vidas significativas. Ao aceitar o nosso lugar e estatuto no
universo, é natural e apropriado que as pessoas queiram explorar a
possibilidade dos dois tipos de sentido. Mesmo que os filósofos nada de novo
nem de encorajador tenham para dizer sobre a possibilidade de sentido do
primeiro género, pode ser apropriado elaborar os diferentes significados da
ideia de encontrar sentido na vida, e fazer notar as diferentes formas que pode
assumir aprender a aceitar a condição humana.
Susan Wolf
Notas
1. Thomas Nagel tem o que se pode considerar uma perspectiva ainda mais
pessimista — viz., que mesmo que exista um Deus, não há razão para o
propósito de Deus ser o nosso propósito, nenhuma razão, consequentemente,
para pensar que a existência de Deus poderia dar sentido, na acepção
adequada, às nossas vidas.
2. E.g., no dia em que me sentei para tirar notas para este artigo, publicou-se no
jornal (Baltimore Sun, 16 de Janeiro de 2002) uma recensão de um livro de
Monique Greenwood, Having What Matters: The Black Woman's Guide to
Creating the Life you Really Want. O livro é apresentado como um guia para
substituir o manifesto de 1980 de Helen Gurley Brown sobre ter tudo. Em
vez de “a mulher que tiver mais brinquedos ganha”, Greenwood diz que “a
mulher que tiver mais alegria ganha”. Centra-se assim em como “alcançar
uma vida com valor e significado”.
3. David Wiggins, “Truth, Invention, and the Meaning of Life”, in Proceedings
of the British Academy, LXII, 1976.
4. Parece-me haver uma condição ou restrição complementar quanto ao que
constitui uma vida significativa, apesar de não se encaixar graciosamente na
definição que proponho, sendo além disso algo lateral com respeito ao que há
de central neste ensaio: nomeadamente, que os projectos que contribuem
para uma vida significativa têm de ter uma duração apreciável, e têm de
contribuir para a unidade da vida ou de uma fase apreciável dela. Uma pessoa
que se entrega permanentemente a um ou outro projecto de valor, mas cujos
projectos não exprimem qualquer núcleo subjacente de interesse ou valor não
é, pelo menos, um paradigma de alguém cuja vida é significativa. Aqui é
talvez algo iluminante fazer analogias com outros usos de “sentido”, pois o
que está em causa tem a ver o haver ou não bases para que a vida “faça
sentido”, tem a ver com ser capaz de vê-la como uma narrativa.
5. Pace a inquietante cena do filme American Beauty em que um saco de lixo é
empurrado pelo vento.
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