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Revista Clóvis Moura de Humanidades

O ENSINO DE HUMANAS EM PAUTA

Entrevista ao professor Dr. Amurabi Oliveira

Entrevista realizada por Cristiano das Neves Bodart1

É com grande satisfação que realizamos esta entrevista com professor Amurabi
Oliveira, que é licenciado e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina
Grande e doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Desponta-se como uma
das referências nacionais nos estudos em torno do Ensino de Sociologia no Brasil. Atualmente é
professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa
Catarina, e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Alagoas.

Amurabi de Oliveira recentemente foi eleito a representar a área de Ciências Humanas junto ao
Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas. Foi presidente pro-
tempore da ABECS - Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais, atualmente participando
de sua diretoria. O professor Amurabi de Oliveira atua como parecerista em vários periódicos
especializados, sendo editor da REALIS - Revista de Estudos AntiUtilitaristas e PosColoniais, Revista
Café com Sociologia e Revista Debates em Educação. Além dessas atividades, já prestou consultoria
ao MEC e à CHESF.

Não é difícil encontrá-lo coordenado eventos na área de Ensino de Sociologia, tendo participado
como coordenador ou como integrante de Mesas Redondas em diversos eventos nacionais. Possui,
ainda, experiência na área de sociologia, de antropologia e de educação, com ênfase, em nível de
prática e de pesquisa no ensino de Sociologia, Antropologia e Sociologia da Religião e da Educação.

Com toda essa bagagem, nos impressiona a idade desse jovem professor: 29 anos, completados em 24
de janeiro de 2015.

                                                                                                               
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Doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo/USP. Editor da Revista Clóvis Moura de Humanidades.

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Revista Clóvis Moura de Humanidades: indicava muito sobre meu conhecimento, e se
Para iniciar nossa entrevista, errasse também não indicaria. Penso que um
pergunto, de forma bastante objetiva, ensino de Ciências Humanas dessa forma não
sobre uma questão que muitos alunos serve para nada.
do Ensino Médio faz nas primeiras
aulas de Humanas. Para que estudar Sem embargo, se pensarmos nos termos que
Ciências Humanas no Ensino Médio? nos coloca Boaventura de Sousa Santos, de
que todo conhecimento é social, pois é
Amurabi Oliveira: Creio que as produzido em sociedade e para sociedade já
inquietações dos alunos do Ensino Médio são podemos olhar a questão por outro ponto de
muitas, o que inclui também as outras áreas vista, pois creio que as Ciências Humanas
disciplinares, em verdade penso que a possibilitam ao aluno entender o mundo no
pergunta que está ao fundo para eles é: para qual ele, sua família, seu trabalho, em suma,
que serve a escola? E mais ainda: para que sua realidade se inserem.
serve o Ensino Médio? Pois o Ensino
Fundamental possui uma identidade mais Revista Clóvis Moura de Humanidades:
claramente delimitada, dado que é constituído Nessa mesma direção e influenciado
a partir de conhecimentos elementares que por uma provocação sua, publicada
podem ser diretamente aplicados na vida em forma de artigo em 2010,
cotidiana, pois qualquer um pode verificar pergunto: para que serve Sociologia?
empiricamente a necessidade de saber ler e
escrever por exemplo, porém, considerando a Amurabi Oliveira: Naquele momento o
complexidade do conhecimento presente no que me inquietou profundamente, e tudo que
Ensino Médio, normalmente lecionado de escrevo é fruto de inquietações, era o lugar
forma bastante abstrata, essa modalidade é ocupado por essa ciência especialmente na
vista muitas vezes como desnecessária, ou Educação Profissional e Tecnológica, pois na
apenas necessária enquanto porta de acesso ao época que escrevi aquele artigo eu fazia parte
ensino superior, porém, diante de uma dessa rede, fui professor do CEFET Petrolina,
realidade na qual boa parte dos jovens não transformado em Instituto Federal do Sertão
ingressam no ensino superior, já que ele não Pernambucano, e depois do Instituto Federal
foi suficientemente democratizado, para de Pernambuco no campus de Vitória de
serviria o Ensino Médio? Bem, mas essa já é Santo Antão. Havia participado da comissão
outra questão bastante complexa. de reformula curricular do Ensino Médio
Integrado ao Técnico no CEFET Petrolina, e
No que diz respeito especificamente ao lugar meu maior desafio era demonstrar que a
ocupado pelas Ciências Humanas é Sociologia deveria ter a mesma carga horária
importante lembrar que historicamente essas que as demais disciplinas no chamado núcleo
ciências sempre foram percebidas dentro de “propedêutico”, mas comecei a inverter a
uma “cultura geral”, de uma formação questão, passei a indagar por que ela seria
literária, até há pouco tempo atrás menos importante que todas as demais.
basicamente essas eram disciplinas de
“decorar”. Lembro-me do vestibular que Se fosse reescrever hoje manteria boa parte das
prestei no final de 2002 que uma das questões considerações, porém, enfatizaria a dimensão
da prova era algo assim: “Irineu Evangelista da da ruptura epistemológica, no sentido que
Silva mais conhecido como:”, e seguiam-se Bourdieu atribui sob a influência de
várias alternativas com nomes pelos quais Bachelard, pois entendo que a Sociologia visa
algumas personalidades da História do Brasil provocar essa transformação na forma como
ficaram conhecidas, a reposta correta era percebemos o mundo social, do qual fazemos
Barão de Mauá, eu só acertei porque havia parte, indo para além do imediatamente
visto o filme sobre ele, porém acertar não perceptível, ainda que caiba aqui levar em

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consideração também o que pontua Giddens, discussões políticas eram restritas, em uma
e antes dele Garfinkel, que não há um fosso escola religiosa de elite em Campina Grande –
entre conhecimento científico e senso comum, PB, eu tinha dois ou três amigos com os quais
ainda que sejam diferente. eu podia travar debates acalorados, e daí a
ideia de estudar Ciência Política me parecia
Mas o que quero dizer com tudo isso? cada vez mais fascinante, ironicamente foi
Diferentemente da forma como o aluno chega aquela das Ciências Sociais que menos me
em outras disciplinas do currículo escolar, na cativou.
Sociologia ele chaga com muitas certezas sobre
o objeto analisado, muitas convicções sobre o Então prestei vestibular, e ingressei aos 17 no
funcionamento do mundo social, que partem curso de Ciências Sociais, que me encantou,
de sua experiência mais imediata, de uma em tudo, as leituras, as discussões, e fui me
vivência no nível individual e coletivo. A apaixonando pela Sociologia, e pela
Sociologia possibilita que percebamos que Antropologia de forma mais enfática. Porém
nossas certezas não são tão certas assim, com o me senti um pouco frustrado, afinal, eu
perdão do pleonasmo, o que nos leva a uma ingressei querendo ser professor, porém não
visão mais ampla sobre nós mesmo. havia espaço para essa discussão, cheguei a
Obviamente isso gera algum desconforto, pois ouvir de uma professora muito querida que eu
como disse Bourdieu em uma entrevista “não tinha perfil de licenciatura”, o que
realizado por Roger Chartier nos anos de deveria ser entendido como um elogia, pois
1980, publicada no Brasil em 2011, as pessoas significava que eu era um aluno muito bom,
poderiam até dar um livro de História para porém eu me senti profundamente ofendido.
um amigo de presente, mas dificilmente daria
um livro de Sociologia, tendo em vista o Tentando superar essa lacuna passei atuar em
desconforto que o conhecimento produzido um projeto de extensão, no qual passei a
por essa ciência gera por vezes. lecionar em um cursinho pré-vestibular para
jovens egressos de escolas públicas, e
posteriormente, além desse projeto, passei a
atuar na monitoria das disciplinas de
Revista Clóvis Moura de Humanidades: Introdução à Sociologia, e Teoria Sociológica
O que o levou, e o motiva, à trabalhar Clássica. Já no final da graduação decidi
com o tema Ensino de Ciências prestar seleção de mestrado, passei em três e
Sociais? decidi permanecer na minha universidade,
pesquisando religião, mais especificamente o
Amurabi Oliveira: Isso se relaciona com Vale do Amanhecer, porém o ensino sempre
minha trajetória. Aos 13 anos decidi ser permaneceu uma preocupação para mim,
professor, e aos 16 estava prestando vestibular, tanto que de forma concomitante continuei a
porém eu tinha uma dúvida profunda, pois apresentar trabalhos sobre formação de
queria muito ser professor de História e de professores de Ciências Sociais, como uma
Geografia, daí uma grande professora que tive forma de extravasar minhas inquietações, que
Eliene Leila, que lecionava Geografia porém estavam ainda mais afloradas no último ano
era graduada em Estudos Sociais, me falou do de curso, que por coincidência foi o ano de
curso de Ciências Sociais, afirmando que lá eu publicação das Orientações Curriculares
estudaria Sociologia, Antropologia, Ciência Nacionais de Sociologia, e do Parecer
Política, além de cursar disciplinas de CNE/CBE nº 38/06, que reintroduziu a
História, Geografia, Economia etc; e isso Sociologia no Ensino Médio.
realmente me empolgou, além do mais aquele
era um ano eleitoral, com intensas discussões Aos 21 fui aprovado como substituto na área
sobre as possibilidades de Lula ser eleito, e de Ciência Política, porém como não tinha
mesmo vivendo em um universo no qual as afinidade com a área não cheguei a tomar

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posse, no ano seguinte fui aprovado como crescente valorização do profissional
substituto na Universidade Estadual da da área de exatas, sobretudo das
Paraíba, atuando junto com cursos de Engenharias e, em contrapartida, uma
formação de professores, o que implicou no desvalorização do profissional de
amadurecimento de uma série de questões, e Humanas, principalmente do
no mesmo ano fui aprovado como professor professores. Qual análise você faz
do então CEFET Petrolina, atuando como dessa situação?
professor no Ensino Médio e Superior na área
de Sociologia, me vi finalmente em um Amurabi Oliveira: Acredito que se trata
trabalho menos solitário, pois no mesmo da valorização do conhecimento aplicado,
campus havia outro professor de Sociologia, o antes de mais nada, com resultados
Esmeraldo, com quem aprendi muito. Em pragmáticos, imediatos e palpáveis. O
2009 ingressei no meu doutorado em conhecimento produzido pelas Ciências
Sociologia na UFPE e no final desse ano fiz Humanas não está completamente afinado
outro concurso para o IFPE, campus de com esse cenário, mas veja que as Ciências
Vitória de Santo Antão, onde tinha 12 turmas Sociais Aplicadas também são valorizadas
de Sociologia, sete de primeiro ano e cinco de nesse processo, ou seja, se trata evidentemente
terceiro, uma experiência formidável. Certo de algo ligado a uma dimensão mais
dia no prédio do CFCH da UFPE conjuntural.
conversando com um colega de doutorado eu
disse: não farei mais concurso, apenas se for Max Weber em A Ética Protestante e o Espírito
para trabalhar no curso de Ciências Sociais, do Capitalismo já apontara que ao passo que os
com as disciplinas de Prática de Ensino e em católicos seguiam para os cursos de humanas,
uma capital do Nordeste entre Alagoas e o Rio para usar uma terminologia mais recorrente,
Grande do Norte, daí no dia seguinte saiu o os protestantes se encaminhavam para os mais
edital da UFAL, no qual fui aprovado para a técnicos, ligados ao conhecimento aplicado.
área de Fundamentos Antropológicos da Ainda segundo Weber o surgimento de uma
Educação e Estágio Supervisionado em contabilidade racional foi um dos elementos
Ciências Sociais, e mais recentemente fiz um determinantes para o surgimento de
novo concurso para o Departamento de capitalismo como nós o conhecemos, o
Sociologia e Ciência Política da Universidade capitalismo racional na perspectiva do autor.
Federal de Santa Catarina onde atuo na área Ou seja, a valorização de tais cursos estaria
de Sociologia da Educação prioritariamente, vinculado a mudanças sociais mais amplas.
mas também com outras disciplinas.
No caso específico dos professores é
No final das contas, esse meu percurso, importante lembrar que essa já fora uma
crivado de inquietações, de percepção das profissão de bastante prestígio, o que ocorreu
minhas próprias limitações intelectuais é que quando a educação ainda era demasiadamente
me levaram a reflexão sobre o Ensino de elitizada, o processo de massificação da
Sociologia, pois é através da pesquisa educação, considerando que sua
relacionada ao ensino que busco superar essas democratização não se efetivou de fato no
limitações. E, certamente, um dos elementos Brasil, implicou também nessa perda de
que me move é que sempre me coloco no prestígio. São recorrentes alguns trabalhos que
lugar dos meus alunos, e me vejo neles, cheios trazem também como uma das razões a
de dúvidas e prestes a atuar como feminilização do magistério, porém há uma
professores... Daí penso no que posso fazer série de outras pesquisas que a desvalorização
para ajudá-los. da profissão docente no Brasil ocorre em
momento anterior a este fenômeno, sou
Revista Clóvis Moura de Humanidades: inclinado a concordar com o segundo grupo
Me parece que presenciamos uma de trabalhos. E mesmo em período recente, se

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considerarmos o processo de redemocratização pelas disciplinas ligadas à prática, e atualmente
da sociedade brasileira, poderemos observar, à frente da disciplina Sociologia da Educação
como nos indica a professora Silke Weber, no curso de Ciências Sociais da UFSC
que a Educação passou a ser percebida nesse enfrento outros dilemas que se relacionam à
período como um elemento importante para a desvalorização da licenciatura ante o
consolidação desse processo, e o professor o bacharelado, o que ocorre em todo o Brasil e
principal agente. em diversas áreas de conhecimento.

Porém, não é menos importante afirmar que Focando um pouco mais na minha
essa desvalorização ainda que seja real é experiência na UFAL, por ter sido mais longa,
relativa, se levarmos em consideração os penso que nas Ciências Sociais
diversos contextos sociais existentes, pois, a especificamente minha preocupação não era
profissão de professor também é, em muitos primordialmente motivá-los a serem
casos, uma possibilidade palpável de ascensão professores, mas sim que conheçam o que é de
social para determinados estratos, fato ser professor, para que a partir daí tenham
especialmente nesse momento que vivemos de uma maior clareza sobre que caminho trilhar.
ampliação do acesso ao Ensino Superior. Eu Obviamente que, em princípio, todos nós
lecionava em Alagoas na licenciatura de sabemos o que um professor faz, afinal, para se
Ciências Sociais e na Pedagogia, isso em no chegar a um curso superior se passa por toda
Estado com a maior taxa de analfabetismo do uma escolarização formal, e por mais de uma
país, e a maior parte dos meus alunos década temos contato com professores,
representava a primeira geração em suas entretanto vivenciar a experiência de ser
famílias a ingressar no Ensino Superior, e a professor, se envolver não apenas com o
profissão docente com todos os seus momento da aula, mas com o que a antecede
problemas representa uma chance real de em termos de planejamento, e a sucede em
melhoria de vida, mesmo quando essa termos de avaliação, nos leva a perceber o fazer
melhoria não ocorre de forma gritante em docente de uma forma totalmente nova.
termos econômicos, pois algumas profissões
que exigem apenas com o Ensino Médio Entendo a prática de ensino como um espaço
poderiam ser tão bem remunerados quanto, fantástico para a definição da identidade
porém, há um ganho simbólico, que tem a ver profissional, pois, é no “chão da escola” que
com o distanciamento com o trabalho muitos alunos do curso de licenciatura
manual, recorrente nas gerações que lhes percebem que de fato querem se tornar
antecederam, e uma aproximação com professores, ou o inverso.
trabalho intelectual, ainda que possamos, com
base em Gramsci, questionar essa divisão. Em todo o caso, de maneira bastante
subjetiva, motivado por me otimismo, sempre
Revista Clóvis Moura de Humanidades: aponto para as possibilidades que estão sendo
Sei que trabalha diretamente com abertas, e no caso dos professores de Ciências
formação de professores. Frente a Sociais eu sempre repito que estou diante da
desvalorização do professor, quais geração que vai fazer história, que vai fazer a
técnicas você tem adotado para diferença, que vai transformar o ensino, pois
motivar os alunos que pretendem ser ainda estamos tateando e experimentando em
professores? muitos aspectos. Há uma demanda real e
urgente professores em todos os campos do
Amurabi Oliveira: Eu costumo dizer que saber e na Sociologia em especial, e quando os
vivo no Limbo, pois na Pedagogia, que é um alunos têm uma noção mais clara disso
curso que valoriza muito a prática eu lecionava acabam se empolgando, por mais que pesem
uma disciplina teórica, e nas Ciências Sociais, as condições objetivas nas quais se realiza o
que valoriza muito a teoria, eu era responsável fazer pedagógico.

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tendo em vista que não consigo realizar uma
discussão desvinculada dessas questões, como
Revista Clóvis Moura de Humanidades: se eu falasse de um professor abstrato, pois um
Recentemente você publicou na professor com 30 turmas semanais terá
Revista Café com Sociologia um relato condições distintas de realizar um trabalho de
de experiência onde mencionou ter pesquisa associado ao ensino, por exemplo,
usado um cemitério como objeto de diferente de um professor com 15. Por isso
estudo de campo. Qual a importância não podemos nos encerrar no diálogo dentro
de o professor de Humanas usar da universidade, ainda que esse seja
objetos de estudos reais e disponíveis indispensável, a universidade precisa dialogar
fora dos muros da escola ou da com as secretarias de educação, e
Universidade? É possível obter bons principalmente com os professores que estão
resultados com essa prática? nas salas de aulas, que conhecem como
ninguém as demandas existentes e os limites
Amurabi Oliveira: Acho que o bacana de das propostas pedagógicas que muitas vezes
lecionar na área de Ciências Humanas é o fato chegam como um pacote pronto.
de que nosso “laboratório” é o mundo. Na
tese de doutorado da Simone Meucci ela Por fim, chamo a atenção para o fato de que
analisa a experiência docente de Gilberto eu elaborei uma aula no cemitério não por ser
Freyre na Escola Normal de Pernambuco no gótico ou algo do tipo, mas por que me
final dos anos de 1920, e uma das coisas que debati muito pensando no que poderia fazer
chama a atenção é que ele não começava seu sob as condições que eu dispunha, em uma
curso de Sociologia por conceitos, mas sim cidade pequena com poucas opções para levar
por questões, por “problemas sociais”, por meus alunos, e essa é uma angústia da maior
assim dizer, além do mais, pedia para que as parte dos professores, mesmo na grande
alunas tivessem dois cadernos, um no qual cidade, quando muitas vezes a escola se
tomavam notas das aulas, outro do fluxo da localiza na periferia. Daí creio que um passo
vida social. A preocupação de Freyre era que primordial é conhecer onde sua escola está,
as alunas não percebem as aulas como algo para a partir daí pensarmos em ir para além
restrito às quatro paredes da sala de aula, que dos muros dela.
conseguissem ver o conhecimento que
recebiam como passível de ser aplicado no
esclarecimento do mundo no qual estavam
inseridas. Revista Clóvis Moura de Humanidades:
Sabemos que o papel do professor de
Penso que a elaboração de atividades como Sociologia não é preparar, no Ensino
essa, ou como a que fiz, ou ainda como tantos Médio, sociólogos, da mesma forma
outros professores no Brasil afora fazem de que não é a proposta do professor de
forma brilhante, e falo como alguém que tem Geografia preparas geógrafos. A final,
tido a oportunidade de conhecer professores qual deve ser o objetivo de um
das mais diversas partes do país, são professor de Sociologia e das demais
fundamentais para estimular nossos alunos, Ciências Humanas no Ensino Médio?
ainda que as aulas não possam ser reduzidas
apenas a estas atividades, os livros, as leituras, Amurabi Oliveira: Nesse ponto eu
as exposições, os debates etc., ainda se fazem concordo plenamente com as Orientações
pertinentes e necessários. E sim, dão ótimos Curriculares Nacionais, que as finalidades
resultados. devem estar voltadas para o processo de
desnaturalização e estranhamento da realidade
Entretanto, mais uma vez me volto para a social.
reflexão sobre as condições reais da prática,

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Acredito que a questão da cidadania é algo possuímos uma tradição consolidada nesse
relevante, não como uma mera e simples campo, tampouco uma vasta literatura, basta
politização, no sentido vulgar do termo, pensar que as citações mais recorrentes nos
tampouco como um chavão vago e trabalhos sobre Ensino de Sociologia referem-
pretensioso, já que não acredito que se possa se a dissertações de mestrado, como as de
outorgar a cidadania a ninguém (o que Simone Meucci, Mário Bispo Santos, Flávio
implicaria em partir do pressuposto que os Sarandy dentre outros, ou a artigos escritos
alunos não são cidadãos), mas como algo que por pesquisadores da área como o Amaury
deve ser entendido como a finalidade da Cesar de Moraes, Anita Handfas, Ileizi Silva
escolarização, para a qual a Sociologia deve etc., mas não há livros que discutam
contribuir. Interessante que essa relação (e profundamente as Metodologias de Ensino de
confusão) entre o Ensino de Sociologia e a Sociologia na Educação Básica, e que sejam
Cidadania também está presente no debate amplamente reconhecidos como referência
acadêmico em outros países, como os Estados nesse campo, nessa direção eu destacaria o
Unidos, França, Argentina, Espanha e Grécia, trabalho do grupo de professores da
ou seja, não é um dilema exclusivo do Brasil. Universidade Estadual de Londrina que tem
elaborado uma série de coletâneas sobre a
A confusão começa quando não há clareza questão, que vêm sendo publicadas nos
como a Sociologia pode contribuir para essa últimos anos. Além do mais há sempre as
finalidade, e penso que, se a Sociologia expectativas dos alunos, eles chegam às aulas
conseguir na Educação Básica produzir a ansiosos por “fórmulas” sobre “como ensinar”,
ruptura epistemológica da qual Bourdieu faz porém não há fórmulas, e creio que há outras
referência ela está colaborando incisivamente perguntas que devem anteceder a esta: por que
para a promoção da cidadania, pois como ensinar? Para quem ensinar? O que ensinar?
coloca Paulo Freire há dois tipos de As respostas para estas perguntam modificam
consciência a ingênua e a crítica, a primeira vê completamente a forma de responder a
a realidade como estática, a segunda como primeira.
dinâmica, movida pela mudança. A ruptura
epistemológica nos permite ir de uma para a Por outro lado, lecionar para outros cursos de
outra, e inegavelmente essa é condição sine graduação é sempre desafiador, dado que há a
qua non para a cidadania plena. necessidade de despertar o interesse desses
alunos, demonstrar a relevância da Sociologia
para suas formações, o que é bastante
complicado, pois o contato pontual que
Revista Clóvis Moura de Humanidades: normalmente o professor de Sociologia possui
Com relação ao Ensino Superior, com esses aluno. Um fato interessante é que
tenho duas perguntas que me parece devido a uma ampla gama de fatores os
interligadas; i) é mais difícil lecionar professores tendem a iniciar seus cursos por
sociologia para futuro administradores conceitos, ou ainda pela história da Sociologia,
do que para futuros professores de e dispendem pouco tempo para problematizar
Sociologia, por exemplo? ii) a porque os alunos estão estudando aquilo, qual
metodologia de ensino deve seguir o a relevância, quais as contribuições possíveis
mesmo molde? de serem trazidas, o que pode é um exercício
bastante frutífero, ou seja, por mais que
Amurabi Oliveira: Por um lado é mais algumas demandas metodológicas se repitam,
difícil ensinar para futuros professores de o professor deve buscar dialogar com o curso,
Sociologia, pois isso é algo bastante complexo, afinal, como lecionar em um curso de
especialmente quando nos referimos às biomedicina se não se sabe do que se trata o
discussões sobre Metodologia de Ensino e curso?.
Práticas Pedagógicas, uma vez que não

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É bom lembrar que sempre há surpresa, basta nestas graduações. O advento do Programa
pensarmos o número de alunos que saem de Institucional de Bolsas de Iniciação à
suas graduações e realizam pós-graduação nas Docência é outro elemento relevante, dado a
Ciências Sociais, ou mesmo largam a possibilidade real de aproximação entre
graduação para seguir uma nova nesse campo universidade e escola que tem sido trazida a
do saber, ou ainda, sem mudar a sua trajetória partir desse programa.
em termos de formação passa a dialogar
intensamente com estas ciências. Na
pedagogia, por exemplo, tive excelentes
orientandas que se mantiveram em sua área de Revista Clóvis Moura de Humanidades:
conhecimento porém se tornaram etnógrafas De que forma a inclusão da Sociologia
fantásticas, desenvolvendo um diálogo pode colaborar para o ensino de
profundo entre a Antropologia e a Educação. História e Geografia do Ensino
Médio?

Amurabi Oliveira: Podemos começar


Revista Clóvis Moura de Humanidades: pensando como estas ciências podem
Uma pergunta que liga os dois níveis colaborar com o Ensino de Sociologia, uma
de Ensino (Médio e Superior): Qual vez que elas já se fazem presentes desde o
foi, ou está sendo, o impacto da Ensino Fundamental e que, portanto, o aluno
obrigatoriedade da Sociologia no ao chegar ao Ensino Médio já possui alguma
Ensino Médio sobre os cursos de bagagem sobre os conhecimentos históricos e
Ciências Sociais, sobretudo de geográficos do mundo social, que pode
Licenciatura? contribuir para o conhecimento sociológico
elaborado na escola.
Amurabi Oliveira: Um primeiro impacto
que percebo é quando pergunto aos que recém É importante frisar que vários autores da
ingressaram no curso porque escolheram as Sociologia desenvolvem um trabalho numa
Ciências Sociais. Na minha época a principal interface profícua com as demais Ciências
resposta era: concorrência, alguns ainda Humanas, posso citar dois em cujos trabalhos
escolhem baseados nesse critério, porém tenho isso fica bastante evidente: Norbert Elias e
escutado vários alunos que começam a Gilberto Freyre. Este último no livro “Como e
justificar a escolha devido às aulas de porque sou e não sociólogo” traz um capítulo
Sociologia, que tiveram no Ensino Médio, no qual discute porque seria também um
porém isso é apenas um impressão mais historiador.
empírica. Em termos objetivos, baseado nas
pesquisas que tenho realizado, tenho A sucessão de fatos narrados pela História, a
observado a expansão do número de cursos de ação do homem sobre o espaço, trazida pela
Licenciatura em Ciências Sociais, ao menos Geografia, só podem ganhar inteligibilidade
nas regiões Sul e Nordeste que examinei mais plena quando compreendemos as relações que
detalhadamente, que surgem com um perfil o sujeitos travam entre si, como as
sensivelmente distinto daquele presente nos desenvolvem, que fatores possibilitam suas
cursos que já existiam anteriormente à ações, e quais as constrangem. Obviamente
reintrodução da Sociologia no Ensino Médio. que estou falando de contribuições que a
Sociologia potencialmente pode trazer, digo
Outro elemento importante diz respeito à potencialmente pois as condições objetivas
necessidade que se tornou evidente para que postas não viabilizam plenamente esse
os cursos de Ciências Sociais passassem a se exercício, seja pela parca carga horária, pelo
repensar, problematizar a formação docente, número expressivo de professores sem
que historicamente tem sido algo residencial formação acadêmica na área das Ciências

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Sociais, ou ainda (talvez principalmente) pelas que ilumina parte do objeto nos possibilitando
condições de trabalho à quais são submetidos ter cada vez mais uma noção de sua
esses professores. totalidade, de sua forma, de seus aspectos
singulares.
Revista Clóvis Moura de Humanidades:
Para finalizar, qual deve ser o objetivo Isso demanda uma boa formação inicial, em
central de um professor de Humanas? uma graduação que possibilite o diálogo entre
disciplinas pedagógicas e teóricas, pois, o
Amurabi Oliveira: Na minha modelo “3+1” ainda permanece de forma
compreensão deve ser esse desvelamento da disfarça, por assim dizer. Além de uma luta
realidade construída pelos homens e mulheres contínua por melhores condições de trabalho
para além da forma como os fatos se e melhoria da própria Educação, pois a
apresentam de imediato. Creio que isso já está condição do professor está atrelada
posto por Kant quando pensou a distinção visceralmente a forma como a Educação é
entre fenômeno e noumeno, por Hegel em interpretada pelo Estado e pela sociedade civil.
seu conceito de dialética, e na famosa frase de
Marx de que se a essência e a aparência das No mais agradecemos a oportunidade de
coisas fossem iguais não haveria motivo para poder falar sobre essas questões que me são tão
ter ciência. caras, e parabenizar o Cristiano Bodart pelas
perguntas instigantes. Também agradeço aos
Claro que cada ciência ao seu modo trará meus diversos parceiros intelectuais com os
contribuições diversas para esse processo, é quais venho dialogando nesses anos, e aos
como se a realidade social fosse um objeto no meus alunos, que me levam constantemente a
escuro, um grande objeto no escuro, e cada repensar minha prática, e a renovar minhas
ciência, cada disciplina escolar, dentro de seus inquietações intelectuais.
limites, agiria como uma pequena lanterna

Revista Clóvis Moura de Humanidades: Em nome de todo corpo editorial da Revista Clóvis
Moura de Humanidades, agradeço pela atenção e belas contribuições para pensarmos o ensino de
Humanas no Brasil.

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