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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF

GABRIEL VIANNA MORAES DOS SANTOS

O LEGADO DE POLÍBIO EM FACE AO CONSERVADORISMO


POLÍTICO.

Niterói
2017
GABRIEL VIANNA MORAES DOS SANTOS

O LEGADO DE POLÍBIO EM FACE AO CONSERVADORISMO


POLÍTICO.

Trabalho monográfico apresentado


como requisito para avaliação
segunda unidade da disciplina
História da Ideia de Cidadania e das
Práticas Cívicas na Antiguidade e sob
o título de A Invenção Da Cidadania
E Do Autoritarismo Na História:
Democracia, Tirania E Movimentos
Populares, ministrada pelo professor
doutor Manuel Rolph Cabeceiras.

Niterói, 17 de julho de 2017.


Introdução

Se há algo que o mundo antigo nos legou e que até a atualidade se faz sentir por suas
aplicações no mundo empírico, são as discussões e aplicações da política. Mesmo com as
devidas proporções, reapropriações e distorções, esse longínquo tempo na história da
humanidade, subsiste hoje como uma das bases da sociedade ocidental. Referências às
políticas dos antigos gregos se apresentam em todo o lugar, principalmente na forma de
regime político por excelência aceito como ideal hoje, a democracia. Mas mesmo a
democracia, entendida como um governo de plena participação popular – ou pelo menos
o que se pretende que seja – possui traços de outro regime, que hoje é lembrado como
Império que grandemente contribuiu para a formação do Ocidente, mas que nos termos
que aqui apresentaremos ainda é considerado República, principalmente por aqueles que
naquele tempo viviam.

Roma e seu sistema político nos legaram formas de organização política e legislativa que
até hoje subsiste. O direito romano, por exemplo, ainda é base de grande parte da
legislação que hoje existe no ocidente. Outro corpo político que possui suas bases, ao
menos nominais naquela que foi a grande República da antiguidade é o Senado. Junto ao
próprio fato de que vários dos atuais Estados, ocidentais ou orientais, se chamarem
autoproclamarem repúblicas, muito fala a respeito daquilo que Roma deixou a
posteridade, novamente resguardando as devidas proporções que a distância do tempo
nos legou e a reflexão dos homens proporcionou.

A forma como a República romana se expandiu e conquistou todo o mundo antigo que se
fazia conhecer por aquelas paragens, surpreendeu não apenas os historiadores e políticos
de hoje, como também aqueles que se propuseram a escrever a história e refletir sobre ela
em seus primeiros tempos. O impulso do homem de classificar, estudar e teorizar sobre
os acontecimentos foi fecundo desde que se debruçou a fazê-lo. E Roma não
proporcionou desejo e impulso diferente. Nesse aspecto, a obra de Políbio e sua teoria
sobre os governos exerceu e ainda exerce, grande fascínio sobre aqueles que estudam a
política dos antigos e ainda a nossa.

Utilizado como fonte, direta ou indiretamente, espelhado ou criticado – desconstruído,


alguns diriam – Políbio forneceu à posteridade bases para uma profunda reflexão sobre a
origem dos governos políticos, sua Constituição, formas de manutenção e como se daria
sua decadência e provável sucessão. Montesquieu, e talvez mesmo Hobbes, beberam da
teoria da anaciclose, formulada por Políbio em sua obra, o que teria influenciado boa parte
das reflexões sobre o governo na Europa moderna.

Como um homem do seu tempo, é claro, esse que é considerado um dos grandes
pensadores políticos da antiguidade, se apropriou de diversas referências filosóficas
anteriores a si para construir sua própria teoria, visando aplica-las ao que observava. Não
obstante, é necessário lembrar que ele estava inserido em um contexto específico, uma
realidade em que vivia. Portanto, muito do que escreveu fora também reflexo, talvez,
daquilo que já teria passado durante sua vida antes de adentrar o território romano e iniciar
suas observações do sistema político sobre o qual escreveria o livro VI de sua História.

Visando estabelecer uma lógica que perpassasse as organizações políticas do mundo de


então, Políbio se debruçou sobre sua História, de forma que nela pudesse descrever os
acontecimentos que mais foram importantes para a formação daquele que era o mundo
romano. No livro VI apresenta segundo o que acreditava, os motivos pelos quais Roma
se tornou senhora de todo o mundo conhecido à época. Esse motivo era sua Constituição
Mista, indicada como a melhor composição política possível. E para apresentar tal
composição, sua teoria fora construída. Entretanto, quais são as possíveis correlações que
nosso sistema político possui com a teoria política de Políbio? Ainda se pode sentir algum
resquício daquilo que tal estudioso escreveu cerca de dois mil anos atrás?

Como toda obra literária, a obra de Políbio tinha um objetivo em específico. No livro VI
de sua História, ele deixa isso claro no trecho que se segue, extraído do texto Analisis del
libro VI de las Historias de Polibio respecto a la Concepción cíclica de las constituciones,
de A. Díaz Tejera:

“Es que para mí —cito textualmente— fue desde el principio una obligación y formó
parte de mi plan general esto ...el conocer y aprender el cómo y mediante qué tipo de
constitución casi todo el mundo habitado ... cayó bajo un único imperio, el de los
romanos”. “Ante esta determinación —continúa el autor 2— no he encontrado un
momento más oportuno que el presente para el conocimiento y apreciación de la
constitución política de los romanos” 1.

1
Em tradução livre: “É para mim – cito textualmente – desde o princípio uma obrigação e fez parte de
meu objetivo geral isto... o conhecer e aprender como e mediante que tipo de constituição quase todo
o mundo habitado... caiu sob um único império, o dos romanos. “Ante esta determinação – continua o
autor – não há momento mais oportuno que o presente para o conhecimento e apreciação da
constituição política dos romanos”.
Mediante o trecho acima, a intenção primeira de Polibio com sua exposição dos “fatos”
e a reflexão política que faz é “el conocimiento y apreciación de la constitución política
de los romanos”. Dessa forma, o que há é um elogio à forma romana de “ser”, ao governo
romano e sua constituição política. Ela é superior e melhor por um motivo em específico
e, mesmo que não fuja ao padrão cíclico estabelecido por Políbio em sua teoria, a forma
como está organizado, como funciona e os elementos ali presentes, foram de tal forma
importantes para a compreensão de mundo de desse pensador, que lhe inspirou a
sistematização de sua teoria política.

A partir do que foi posto acima, a intenção do presente trabalho será discorrer sobre a
forma como Políbio sistematiza sua teoria política e como ela ainda pode falar hoje sobre
nosso próprio sistema político. Não apenas um elogio a uma certa igualdade nos
elementos constitutivos da Constituição Mista Romana, mas um elogio à forma
aristocrática do governo pode ser percebido nas entrelinhas do discurso polibiano. Nesse
aspecto, quais as possibilidades de que resquícios desse discurso ainda sejam utilizados
em nosso atual sistema político para que sejam defendidos e reforçados discursos de
natureza conservadora e aristocrática – oligárquica? Para tal, discorreremos sobre o
contexto no qual Políbio estava inserido e no qual escreveu sua obra, bem como sua teoria
em si e algumas das repercussões que ela teve dentre pensadores mais modernos.

O homem Políbio

Cada texto escrito está permeado de significados e particularismos, determinados pelo


lugar social do autor e pelo seu contexto histórico. Mesmo um texto que entrou para a
posteridade como detentor de ideias que através das gerações foram forjadas e reforjadas,
trabalhadas das mais diversas maneiras, apropriadas e reapropriadas sob signos de
contextos diversos, teve sua origem em um contexto específico, com seu conjunto de
referências relativos ao seu momentum imediato. Políbio não foge à essa regra, sendo ele
mesmo homem pertencente ao seu tempo e cercado de referências específicas daquela
temporalidade. A experiência que ele teve, certamente o influenciou para a confecção
posterior de sua obra, sendo importante parte de suas reflexões e sistematizações.

Políbio nascera por volta do ano 200 a.C. em um contexto por excelência aristocrático.
Sua cidade de origem era Megalópolis, na região acadiana. Seu pai, Licortas, “tornou-se
um dos principais estadistas da Liga Aqueia” (REGO, 1981, p.99) e exerceu grande
influência sobre a mesma. Desta forma, ainda segundo REGO (1981) Políbio recebera as
influências para a construção de seu pensamento político, de um contexto no qual a
aristocracia tinha um lugar de destaque na política regional.

Como filho de um dos líderes da Liga Aqueia, Políbio provavelmente foi instruído desde
cedo nas questões políticas e nas letras, de forma que sua educação foi a base necessária
para a construção de seu discurso em sua História. Mesmo o contexto no qual ele estava
inserido se assemelhava, de certa forma, ao que ele chamaria posteriormente de
Constituição Mista, quando da sistematização de sai teoria sobre as constituições dos
governos. O comando da Liga pousava sobre o strategos, líder eleito pelo período de um
ano e que acumulava as funções de “comandante-em-chefe das forças armadas e
presidente da Liga” (REGO, 1981, p.100). Nessa persona residiria a face monárquica do
governo, sendo ele o que concentrava maiores poderes. Entretanto, havia um conselho
formado por dez demiurgos, que lhe limitavam o poder. Aqui se fazia presente a face
aristocrática desse sistema de governo, visto ele ser o primeiro freio às ações do strategos.
Por fim havia o elemento "democrático". Nele figurava o synodos, assembleia regular,
reunida quatro vezes por ano, para deliberar sobre questões várias e eleita via voto e uma
segunda, a synkletos, que reunida de forma extraordinária, servia para ratificar
declarações de guerra e outros assuntos urgentes. Certamente, um elemento de "classe"
mais elevada se faz perceber nesse processo.

Diferente da ekklesia ateniense, que provia aqueles que não possuíam possibilidades
diretas de se deslocar ao lugar da assembleia, bem como de perder um dia de trabalho
para tal, de uma ajuda de custo para que o cidadão participasse do processo político, não
há notícias dessa prática por parte da liga. Assim, o que se percebe, mesmo dentro desse
ambiente de "constituição mista" (da qual falaremos de forma mais detida
posteriormente), é uma aristocratização do processo político. Dessa forma, percebe-se
que Políbio possuía uma ampla referência empírica sobre a qual refletir e trabalhar a sua
teoria dos governos e da constituição mista, sendo essa natureza mais aristocrática o
elemento chave para a estabilidade do processo político. Afinal

“Como vemos, era um arranjo que se assemelhava em muito à noção de Constituição


mista, com os elementos monárquico (strategos), aristocrático (demiurgos) e
democrático (synodos) nela representados. Como a participação em nenhuma das
assembleias era remunerada, pode-se afirmar com segurança que o predomínio no
sistema era claramente do elemento oligárquico, que podia fazer frente à perda de
renda e às despesas de viagem necessárias ao deslocamento para a cidade onde se
realizasse a reunião. Aliás, o predomínio da oligarquia é a condição sine qua non para
o funcionamento da Constituição mista, ou dos sistemas políticos e ela
ideologicamente vinculados” (REGO, 1981, p.101)

Com sua ascensão ao círculo do comando político da Liga (Aqueia), Políbio integra o
partido que procura preservar a autonomia da região da hélade, em relação à Roma,
através da diplomacia e negociação. Por conta de sua posição, foi levado à Roma como
prisioneiro, pelo fato de ser suspeito de conspiração. A partir desse momento, levado para
regiões da Itália e Etrúria, Políbio se encontra com Cipião Emiliano, com o qual cultiva
uma amizade que beneficia a ambos: tanto Cipião passou a ser conhecedor da política e
filosofia gregas, quanto Políbio passou a frequentar os mais altos círculos patrícios, de
forma que pôde se articular politicamente nesse contexto.

Mesmo com sua volta garantida à Grécia em 150 a.C., Políbio já estava profundamente
familiarizado e identificado com o poderio romano. Assiste à queda de Cartago pelas
mãos de Cipião e, após a sublevação da Liga Aqueia, torna-se integrante da comissão de
reorganização da Grécia, após a dissolução da Liga e total submissão da região. Quanto
ao fim da vida de Políbio pouco se sabe. O que dele ficou registrado foi que viajou pela
Europa e África ente de morrer aos 82 anos de idade, em decorrência de uma queda de
cavalo.

O historiador Políbio

Como historiador, Políbio pode ser considerado (com folga) um dos grandes de seu
período. Inserido em um contexto de agitações políticas e militares na região a qual
pertencia. Como amigo de Cipião Emiliano, esteve presente em um momento de ebulição
política e militar na região da hélade, no qual os exércitos romanos expandiam o controle
da república sobre outros territórios. Composta de 40 livros, sua obra tinha o objetivo de
narrar os acontecimentos compreendidos entre 264 e 146 a.C., entretanto dos seus livros,
o mais conhecido se tornaria o Livro VI, no qual ele narra a constituição romana, visando
elucidar os motivos pelos quais o domínio de Roma se estendera por todo o mundo
conhecido da época.

Mas as características que de Políbio se extraem para a importância historiográfica de sua


obra são suas referências e a aspiração que ele tem de confeccionar uma história que seja,
em primeiro lugar, “pragmática”, voltada para os fatos e com um objetivo específico em
mente, bem como a indicação de um ritmo “universal” de história, no qual os
acontecimentos estão interligados e não são fatos isolados e sem consequências que se
conectem.

Sua visão do que seria a história e qual seu objetivo é o primeiro ponto a se observar.
Embora ele esteja inserido no contexto no qual a História é considerada magistral vitae,
Políbio a compreende para além de uma ferramenta retórica ou algo que faça parte apenas
do escopo literário. A importância da obra historiográfica de Políbio repousa sobre a sua
convicção de que, para se relata-la, era necessário ter conhecimento direto os
acontecimentos e fazer uma representação precisa dos mesmos. Assim, para que uma obra
tivesse credibilidade na visão de Políbio, deveria haver “pré-requisitos para a execução
de tarefa tão delicada: (1) o estudo e crítica das fontes, (2) a autópsia ou o conhecimento
pessoal das regiões tratadas e (3) experiência política” (WALBANK 1991, p. 16).2

Essa crença na representação precisa dos fatos e lugares nos quais eles ocorreram não era
despropositada. A construção de uma obra de cunho histórico para Políbio se fazia com
o objetivo de se oferecer instruções precisas aos leitores a respeito das questões políticas
prementes da sua atualidade. Nesse aspecto ele, embora em sua obra – e especificamente
no Livro VI – fizesse um elogio aberto à Roma e à sua constituição política,
aparentemente procurava trazer um elemento de reflexão ao leitor, não sendo apenas um
gênero de entretenimento, mas de instrução, realmente no sentido de ensinar algo através
de um relato histórico. Esse caráter didático de sua obra é reforçado, principalmente pela
forma como ele constrói seu argumento. “Política em conceito e em propósito, a história
de Políbio ilustra bem a diferença entre início, causa e pretexto, e ele o faz por meio de
exemplos” (SANT’ANNA, 2012).

Havia também o aspecto universal da linha traçada por Políbio. Dizia ele estar retratando
“um processo único”, de cunho universal. Sua descrição dos fatos seguia uma linha de
pensamento que expandia o alcance dos acontecimentos narrados. Assim, em Políbio
aparece “a ideia da existência de um modelo universal que submete os sistemas políticos
à dinâmica inelutável da mudança (...)” (KUBUUKA, 2011). Esse movimento é de
extrema importância para a construção de sua teoria da anaciclose das constituições
políticas. Dessa forma é considerado que “depois de Tucídides, Políbio teve a mais

2
Apud SANT’ANNA 2012
profunda intuição dentre todos os historiadores clássicos a respeito do processo histórico
e da correlação de eventos em base universal” (HAMMOND, 1948, 105-161).3

Com respeito às bases teóricas utilizadas por Políbio, é quase desnecessário dizer serem
oriundas de uma educação helenística. Como já referenciado, o escritor fazia parte do
círculo aristocrático da Liga Aqueia, chagando a exercer importante cargo político a certa
altura de sua vida (REGO, 1981). Entretanto, para fins de análise, se faz importante
mapear quais as possíveis escolas de pensamento das quais Políbio se utilizou como
“referencial teórico” de sua História, e em especial, o Livro VI que trata de sua teoria
política.

Como membro da aristocracia, Políbio recebera desde cedo ensino das letras e,
possivelmente, estudou retórica, visto sua atividade política na Liga Aqueia. A partir
dessa perspectiva é possível que, para analisar a política romana e sua forma de governo,
o mesmo tenha se utilizado largamente das referências retóricas que possuía. Essas
“noções aprendidas nas escolas helenísticas de retórica” nas quais “classes abastadas
eram educadas” (FINLEY, 1983, 127)4, teriam, em dada medida, influenciado em sua
admiração pelo sistema romano. O próprio conceito de constituição mista seria, em dada
medida, uma importação do conceito grego de política para a análise das constituições
romanas. Embora não se saiba com certeza quais são as referências que incidiram sobre
ele, além das que ele mesmo cita, é evidente tal asseveração, principalmente pelo fato de
que ele aplica o conceito de governo da "Esparta de Licurgo" à Roma, de forma que as
faz interligadas de algum modo.

No mais, Políbio se utiliza ostensivamente das referências da filosofia grega,


principalmente de Platão. Quando da discussão sobre a teoria das Constituições políticas,
ele não arroga para si a criação da "teoria da transição natural" entre gos governos. Na
verdade, ele assume o fato de ter extraído de Platão a maioria de seus pensamentos. Esse
pensamento fica exposto quando o mesmo afirma que

“Talvez a teoria da transição natural de um tipo de Constituição para outro esteja


exposta de forma mais completa nas obras de Platão e nas de alguns outros filósofos.

3
Apud KIBUUKA, 2011.
4
Ibid
Todavia, como a teoria aparece em tais fontes de uma forma muito complexa e se
fazem discussões por demais longas sobre ela, é acessível a poucos leitores” 5

Dessa forma, assume-se que o principal papel de Políbio, nesse aspecto, tenha sido não
apenas teorizar as formas de governo as quais analisava, mas também o de “vulgarizar”
a filosofia grega que, segundo ele mesmo figura de “uma forma muito complexa”,
acabando por ser de difícil compreensão por parte da maioria dos cidadãos. Nesse aspecto,
novamente figura o caráter pedagógico, instrutivo que a sua obra possuía.

O teórico Políbio

Embora com intenção principal de se escrever uma obra de cunho histórico, Políbio se
tornou conhecido pela “posteridade” por conta de sua Teoria dos Governos, Teoria
Cíclica dos Governos ou anaciclosis. A partir de diversas referências filosóficas – Platão
e Aristóteles, como já citado –, Políbio sintetiza uma teoria a respeito das constituições
dos governos dos homens, com o objetivo de “conhecer e aprender como e mediante que
tipo de constituição quase todo o mundo habitado... caiu sob um único império, o dos
romanos. ”6 De forma a simplificar e sintetizar pensamentos anteriores aos seu em relação
a origem dos governos dos homens, ele se concentrou em descrever as constituições
políticas em um processo cíclico e alternado entre formas positivas e negativas de
governo, de modo a indicar a constituição romana como o ápice das constituições
políticas.

Políbio em seu Livro VI, faz uma exposição da constituição romana de forma a apontar
para o seu êxito. Como já dito, ele faz um elogio à forma de governo adotada por Roma
e coloca sobre esse caractere da sociedade romana o motivo para o êxito da mesma é a
sua constituição política. Esse ponto de vista não fica restrito à Roma, visto que afirma
que “deve-se considerar a constituição de um povo como a causa primordial do êxito ou
do insucesso de todas as ações” (VI, 2).. Para que possa exaltar o modus operandi da
república romana, Políbio extrapola sua teoria à todas as aglomerações humanas que se
reúnem sob um governo e as apresenta inseridas em um ciclo de alternância entre formas

5
Trecho extraído de REGO, Antônio Carlos Pojo. Equilíbrio e Contradição: a Constituição mista na obra
de Políbio. Por sua vez extraída da obra The Theory of the Mixed Constitution in Antiguity, de Kurt Von
Fritz.
6
Ibid nota 1, pág (número da página).
positivas e formas negativas de governo. A partir desse pressuposto, ele fixa três teses
sobre as quais constrói sua reflexão sobre as constituições existentes.

Segundo Norberto Bobbio, essas três teses fundamentais da teoria de Políbio podem ser
dispostas da seguinte forma:

“1) existem fundamentalmente seis formas de governo - três boas e três más; 2) essas
seis formas se sucedem umas às outras de acordo com determinado ritmo, constituindo
assim um ciclo, repetido no tempo; 3) além dessas seis formas tradicionais, há uma
sétima - exemplificada pela constituição romana -que é a melhor de todas enquanto
síntese das três formas boas. Com a primeira tese, Políbio confirma a teoria
tradicional; com a segunda, fixa num esquema completo, embora rígido, a teoria dos
ciclos (ou, para empregar a terminologia dos gregos, da "anaciclose"), que Platão já
tinha exposto; com a terceira, formula pela primeira vez, de modo completo, a teoria
do governo misto”

A primeira das teses nos apresenta as seis constituições básicas que surgem dos governos
dos homens. Essas formas de governo se dão a conhecer pelos binômios, que
simultaneamente se dispõem como sendo um de natureza positiva e outra negativa:
Monarquia/Tirania, Aristocracia/Oligarquia e Democracia/Ococracia. Quanto ao que
antecede a essas seis formas de governo fica um tanto nebuloso da forma como Políbio o
localiza. Para ele houve uma forma primitiva de governo que não figura entre as seis
constituições fundamentais. Este, a autocracia, teria surgido como consequência de algum
cataclismo que se abateu sobre os homens, fez com que eles se reunissem sob o que se
apresentava como mais forte ou mais audaz. Contudo, por não possuir um corpo de leis
específico e resultar apenas da aglomeração dos homens sob a égide de um líder de
características tribais, a autocracia aparece apenas como uma forma de se introduzir a
primeira forma de constituição real de governo de sua teoria.

Na segunda tese há a apresentação do ciclo das constituições. Para Políbio, as seis formas
de governo estão dispostas de forma alternada, e respectivamente representam, a partir de
um estado primitivo, a existência de períodos “com lei” e períodos “sem lei”. Essa lei não
é expressão de “direito positivo”, mas sim de “direito consuetudinário”. Dessa forma, o
exercício de uma forma de governo que se apresenta positiva, benéfica, está ligada
diretamente ao exercício da virtú. A virtude do governo que o faz bom, que o torna um
governo equilibrado. Por conseguinte, é a distorção desses valores que levam à
decadência e degeneração da mesma na forma sem lei. A exemplo da democracia, afirma
que
(...) o Estado não é uma verdadeira democracia quando qualquer tipo de maioria
ocasional pode fazer tudo o que deseja. Apenas quando é tradicional e costumeiro em
uma comunidade cultuar os deuses, honrar os pais, respeitar os mais velhos e obedecer
às leis, e quando em uma comunidade deste tipo, as decisões políticas são tomadas
pela maioria; apenas neste caso podemos chamar tal Estado de democracia (parágrafo
4).7

Nesse momento, parece transparecer muito da admiração que Políbio possuía da


constituição romana, não apenas pela forma como ela se constitui (e falaremos à frente)
como uma forma de governo que “foge” à anaciclosis, mas também pelo fato de que os
romanos apenas tiveram condições de “construí-la” pela sua estabilidade jurídica. Figura
no trecho citado acima o conceito da mos maiorum, conjunto de valores e costumes que
valorizavam profundamente virtudes como a fides e o exemplum. Quanto a isso,
voltaremos a falar em momento oportuno.

Inicia-se o ciclo das constituições. A autocracia dá lugar à monarquia e a partir daí se


constitui a anaciclose. A monarquia, firmada sob o governo do mais excelente dos homens
se degenera em tirania pelo passar das gerações, de forma que antes, o rei justo que se
preocupava com os interesses da comunidade, dá lugar ao tirano, com seus abusos, inveja,
e "ódio apaixonado".

Quando a tirania se torna insustentável, por conta de todos os males que provoca, os
"membros mais intrépidos e idealistas das famílias mais ilustres" se unem para derrubar
o tirano e instituir um governo mais justo, baseado no equilíbrio entre os integrantes do
governo. Dado o fato de que o poder não estará concentrado nas mãos de um só, as
decisões tomadas serão mais justas. Assim a aristocracia surge. Políbio parece seguir uma
ideia aristotélica no que tange sua análise sobre a aristocracia. Enquanto positiva, a
aristocracia se pauta pelo princípio de se preocupar "exclusivamente com o bem comum,
cuidando paternalmente dos interesses de seus concidadãos e da comunidade como um
todo". A deterioração em oligarquia ocorre pelo mesmo princípio de corrupção que vai
agir em todo o ciclo: o acúmulo de ganancia e o abandono do sentimento cívico, que
tornam o governo em um mal que só visa o próprio benefício.

A democracia surge através de um levante levado a cabo por um líder popular, que leva
à cabo uma revolução que “destrona” os oligarcas e instaura a democracia. Aqui, o motivo
para sua deterioração não é exatamente a ganância do governo, mas a passagem do tempo

7
Conferir nota 5
que leva aos homens a desprezar a liberdade e igualdade que tanto almejaram. Diz Políbio
que os homens “se acostumam tanto com a liberdade e a igualdade que já não lhes dão
grande importância”8. Assim, a diferenciação social surge novamente, mas dentro da
esfera fundiária. Os ricos corrompem os pobres para atingir o poder político, até que surge
novamente um líder que, ao canalizar os anseios da plebe. Está estabelecida a oclocracia.
Em meio a um contexto de profunda turbulência política, se torna, por aclamação, novo
monarca. Assim se reinicia o ciclo.

Duas considerações precisam ser feitas sobre esse movimento. Em primeiro lugar,
configura-se uma visão histórica que contrapõe duas concepções diferentes: uma
regressiva e uma progressista. Nela há uma espécie de combinação “entre uma concepção
- a platônica - para a qual a história caminha do mau para o pior e uma outra- moderna-
para a qual o curso da história vai do bom para o melhor” (BOBBIO, 1997, p.68). Nesse
aspecto Políbio, ao menos em parte, se antecipa em pelo menos hum milênio à
compreensões historiográficas que só vão entrar em embate com às crises de consciência
que se instauram na Europa em transformação no período transicional do Medievo para
o Moderno.

Em um outro sentido, a concepção histórica de Políbio é fatalista, ou determinista. Isso


se faz perceber pelo fato de que os modos de governo, ou constituições, inexoravelmente
sucederão umas ás outras, passando sempre de um polo a outro de suas formas
(positivo/negativo), para que assim possa dar lugar ao próximo conjunto. Esse processo
figura, como afirma Bobbio, de forma que “parece predeterminada, natural e
inderrogável”. Assim, há uma naturalização do processo político, o qual precisa passar,
necessariamente, por um ciclo de nascimento, apogeu e declínio como fica expresso no
seguinte trecho:

Da mesma forma como a ferrugem, que é um mal congênito do ferro, o caruncho e as


traças, que são males (internos) da madeira, pelos quais um e outra são consumidos,
ainda que escapem a todos os danos externos, assim também toda constituição
apresenta um mal natural que lhe é inseparável: o despotismo com relação ao reino; a
oligarquia com relação à aristocracia; o governo brutal e violento com respeito à
democracia. Nessas formas, como já disse, é impossível que não se alterem com o
tempo todas as constituições (VI, 10).

8
Conferir nota 5
Em oposição à anacilosis proposta e apreendida segundo sua a visão, pela observação dos
vários sistemas políticos, Políbio propõe a Constituição Mista para que se remediasse, ou
ao menos atenuasse, a incidência da anaciclosis sobre os governos políticos. Nesse
aspecto, ele propõe a Constitui Mista, uma forma de governo (Constituição) que reuniria
características das três constituições de forma harmoniosa e orgânica. A expressão
empírica dessa Constituição estaria presente na República romana. Nesse modelo, há a
coexistência das três constituições positivas – monarquia, aristocracia e democracia –
dispostas de forma conjunta. Nessa formação, haveria uma contraposição de atribuições,
que funcionariam como um sistema de contrapesos, balanceados os apetites políticos dos
homens em relação ao governo. Assim, nessa formação os componentes constitutivos das
constituições estariam unidas de maneira “tão harmoniosa e perfeitamente equilibrados
tanto na estrutura do sistema político quanto no seu funcionamento rotineiro que mesmo
um romano não saberia dizer definitivamente se o Estado, como um todo, é uma
aristocracia, democracia ou monarquia”9. Desta feita, a Constituição Mista estaria
disposta de modo que

“Os três elementos citados estariam representados na república por agências político-
institucionais, a saber:

A) monarquia - o consulado;

B) aristocracia - o senado;

C) democracia - as assembleias populares e os tribunos da plebe, ou simplesmente,


como Políbio se refere frequentemente, o povo. ” (REGO, 1981, p.106)

Os elementos constituintes da Constituição mista funcionam de forma tal, em ligação


orgânica, que cada uma delas supre a necessidade da outra no que tange à suas atribuições.
Inversamente, cada uma delas funciona como um freio, ou contrapeso, da outra, de forma
que impede cada uma das características integrantes da Constituição mista de se arrogar
primus inter pares dentre as outras e tentar suplantar para si a autoridade isolada do
governo.

Dentre a divisão dos poderes entre as formas constitucionais, é o Senado - a face


aristocrática da Constituição mista romana - que concentra a maior parte dos poderes, seja
no que tange à política externa quando ao que se coloca como “controle do povo”, através
da permissão e concessão de obras públicas. Era do senado a permissão para contratos, o

9
Conferir nota 5
que era utilizado para influenciar algumas decisões da Assembleia, visto que o o mesmo
podia “prolongar o prazo de conclusão do contrato, revisar seus termos [...] e mesmo
desobrigar totalmente o contratante” (REGO, 1981, p.109), mediante quaisquer
dificuldades. Nesse aspecto, estabelecia-se uma espécie de "corrupção moderada", que
era utilizada para influenciar votos de determinados cidadãos na assembleia.

Na visão de Rego (1981), dos três elementos da Constituição Mista Romana, o


monárquico é o mais limitado, visto que não parece exercer muito poder sobre os outros.
Dessa forma, haveria efetivamente, a sobreposição de dois elementos, o aristocrático e o
democrático, na figura do senado e das assembleias, respectivamente. Assim, os cônsules,
como membros da própria aristocracia, não possuíam muito poder à época de Políbio,
visto que estavam submetidos às decisões, também, do Senado. Mesmo o Imperium lhe
era limitado por sua própria natureza dual, visto que um cônsul poderia anular a decisão
do outro pelo seu voto.

A limitação do poder da parte aristocrática da Constituição Romana, que seria feita pela
Assembleia era atenuada, ou talvez até anulada, pelo fato de que mesmo ela não estava
organizada como um “partido popular”, no momento em que Políbio observa o processo
político da República. Nesse aspecto, o próprio senado poderia exercer “controle” sobre
a Assembleia através de suas lideranças individuais, principalmente pelos meios já
anteriormente citados. Havia, também, o receio da assembleia limitar ativamente as
atribuições do Senado, de forma que este poderia ser útil em qualquer momento para a
manutenção da própria República. Conclui-se assim, que é por conta dessa “negligência”
da Assembleia em se impor sobre o Senado, é que se constitui uma forma de governo que
pôde ser visto por Políbio, como uma aplicação empírica da Constituição Mista.

A reflexão sobre essas formas de constituição e, por conseguinte o apontamento da


Constituição Mista como uma forma ideal de governo é, assim como já apontamos em
uma seção anterior do presente trabalho, produto também de observações empíricas de
formas de governo existentes, ou a utilização de modelos passados. Nesse aspecto,
podemos apontar como referência para Políbio na confecção de seu modelo de
Constituição Mista e sua aplicação no contexto Romano, dois exemplos. O primeiro,
assim como já apontado, pode ser considerado a própria Liga Aqueia, organização
política da qual Políbio mesmo é originário. Nela com sua disposição governamental, de
cunho aristocrático, mas balanceada dentro de suas perspectivas, figurava a coexistência
do strategos, do conselho dos dez demiurgos e as formações mais extensas do synodos e
da ekklesia. Estaria disposto aí, de forma prototípica, a coexistência entre os elementos
monárquico, aristocrático e democrático da Constituição Mista.

Outro elemento de inspiração teria sido, assim como aponta Bobbio, a Esparta de Licurgo.
Como afirma tal autor, “não importa que tenha havido as mais diversas interpretações da
constituição de Esparta [...] O que nos interessa aqui é que, para Políbio, a constituição
de Esparta é excelente - porque é mista. ” Dessa forma, percebe-se o que realmente faz
sentido para Políbio e onde reside a excelência da Constituição Romana, afinal “a relação
entre governo misto e estabilidade parece clara desde o início” (BOBBIO, 1997, p.69).
Somado a isso, estaria a mos maiorum que, como um motivador moral para a Constituição
Romana, trabalharia junto a esta no sentido de mover tal forma de governo sempre em
direção ao bem comum.

O legado de Políbio

O conceito de Constituição Mista de Políbio Atravessou os tempos e pode, ainda hoje ser
encontrado em diversas teorizações a respeito dos governos e leis através dos tempos,
seja no período Moderno, seja na contemporaneidade. Segundo Rego (1981), esse sistema
de constituição é de certa forma "o antecessor das visões políticas pluralistas, que
embasam as democracias contemporâneas" (p.96). Não nos surpreende, dessa forma,
encontrarmos referências diversas à tal formação de governo em diversos pensadores da
Modernidade e ainda resquícios dela na atualidade. Sua ideia fundamental da
Constituição Mista, junto a teoria da anaciclosis, influenciou diversos pensadores
posteriores a ele. Esse formato reaparece em diversos pensadores políticos desde então,
passando por Cícero, São Tomás de Aquino, Montesquieu, Maquiavel e, possivelmente
Thomas Hobbes.

Pode-se detectar que a noção de equilíbrio presente na teoria de Políbio segue como
premissa fundamental da política ocidental. No caso de Montesquieu, em sua obra De
l'Esprit des Lois, tal princípio aparece em dois momentos, tanto na sua divisão entre tipo
de governo, que de certa forma segue um padrão polibiano ao apresentar a república, a
monarquia e o despotismo, quanto no reconhecimento da necessidade da virtude para que
os homens que estão no governo possam fazê-lo um governo positivo. Reconhece
também a necessidade do equilíbrio nas proporções das formas de governo, para que não
haja deterioração dos mesmos em uma forma negativa, aqui apresentado como o
despotismo. Assim, afirma Montesquieu em relação às formas de governo há
[...] três definições, ou melhor, três factos: um, que o governo republicano é aquele
em que o corpo do povo ou apenas uma parte do povo detém a força suprema; o
monárquico, aquele em que um só governa, mas por meio de leis fixas e estáveis; ao
passo que no despotismo, um só sem lei e sem regra, tudo arrasta segundo a sua
vontade e os seus caprichos. (O Espírito das Leis, liv. ti, cap. 1; O. C., t. II, p. 239.)

Uma outra concepção que parece ter se apropriado de algo sistematizado por Políbio é a
ideia hobbesiana do Estado Natura do homem. Ao discorrer sobre a origem dos governos
políticos, e afirmar que o homem em seu estado natural vive em um contexto de constante
conflito, e apenas se torna livre a partir do momento que se submete a um governo. Esse
estado de “selvageria” no qual o homem se encontraria originalmente, antes da ascensão
de um governo, se assemelha tanto ao momento anterior à formação da monarquia
descrito por Políbio, a autarquia, quanto com os momentos de degeneração das
constituições de governo, quando as virtudes são colocadas de lado, dando lugar às
paixões do homem e à sede de poder. Mesmo o conceito de equilíbrio entre o poder
monárquico e os cidadãos, elemento essencial da construção do Estado, do Leviatã,
também se alinha em alguns aspectos do contratualismo que Hobbes estabelece na relação
entre Estado e Cidadão. Equilíbrio é importante tanto em Políbio quanto em Hobbes.

Não apenas esses nomes do período chamado Moderno foram influenciados pelo conceito
de constituição mista de Políbio. Também “a grande maioria das organizações [...] sob a
designação de liberal-democratas” (REGO, 1981, p.98) que se constituíram no período
que se convencionou chamar de Contemporâneo. Assim, os sistemas de contrapesos das
instâncias estariam presentes na constituição política dos governos nos quais as câmaras,
formadas pelos dois polos políticos (esquerda e direita, conservadores e progressistas,
liberais e socialistas, enfim) participariam do gentlemen's agreement10 “do sistema
político liberal-democrata [onde] o governo promete não sufocar a oposição, e esta a não
pretender a subversão do regime”(REGO, 1981, p.98).

Essa concepção de governo teria sobrevivido durante a ascensão da classe burguesa aos
governos, entre 1830 e 1929, passando a sofrer contestações diversas, e por vezes
suplantação durante a partir desse momento. Exemplos esses a Revolução Russa a
implantação da URSS, embandeirando o socialismo e, por outro lado, os movimentos
fascistas, de cunho também autoritário, mas que possuíam, de certa forma, o consenso
dentro das populações sobre as quais se estendiam. Entretanto, ainda hoje ressoam outros

10
Em tradução livre: acordo de cavalheiros
pontos da constituição política de Políbio, e nesse ponto fica patente a apropriação de
uma certa tendência conservadora presente no discurso de Políbio, pelos setores políticos
que seguem na mesma linha.

Os pontos de estabilidade social e política que ele aponta, ligados à tradição, ao direito
consuetudinário, propõem uma conservação do status quo a volta de um número
determinado de práticas consideradas boas pelos cidadãos – ou ao menos assim se acredita
ser. Isso coaduna com o modelo liberal-democrático vigente, que se assegura em
determinado grupo de tradições - políticas ou não – como forma de se perpetuar no poder.
Desse modo, há uma espécie de espelhamento com o que Moses Finley aponta como
teoria elitista, que afirma ser salutar à democracia a abstenção do processo democrático
de grandes parcelas da população, legando ao "núcleo duro” do exercício político a
tomada de decisões.

A chamada “teoria elitista” apontada por Finley em seu livro Democracia Antiga e
Moderna, advoga que a estabilidade da democracia repousa sobre os pilares da elitização
do poder administrativo, com um grupo político especializado na burocracia estatal e na
apatia da população, que representaria, ao contrário dos países nos quais o voto é
obrigatório, o ápice do entendimento sobre o que é a liberdade do exercício democrático.
Dentro desse pensamento e conectando-o a Políbio, o exercício do poder político
concentrado no núcleo aristocrático do governo seria, antes de mais nada o ponto de
equilíbrio principal para a existência e conservação de um governo de Constituição Mista.
Desta feita “a democracia conduz à oligarquia e necessariamente contém um núcleo
oligárquico” (FINLEY, 1988, p.24). Embora o termo (oligarquia) seja o governo
negativo de poucos – e acredito que Finley ao inseri-lo no texto o fazia conscientemente
– a digressão de Políbio sobre a Constituição Romana, com seus pontos de equilíbrio e,
no seu plano ideológico, a mos maiorum, propicia o recrudescimento de um discurso
elitista dentre os governos atuais, no que tange ao exercício do poder político. Assim, o
consenso se daria através do voto representativo, mas o exercício político se concentraria
na classe política. Nesse aspecto, há uma condição patente do nosso sistema político em
relação a anaciclosis. Resguardando-nos de todo o anacronismo que essa análise encerra,
é interessante ver como a elite, de certa forma, e através do desenvolvimento do
pensamento político de longa data, se utiliza desse princípio polibiano para se conservar
no poder. É o exercício aristocrático, ou oligárquico, que se coloca dentro do regime
democrático arrogando para si a exclusividade do exercício político.
O uso do conceito de equilíbrio em nosso regime democrático, bem como o de
representatividade, corrobora para a perpetuação de um discurso conservador e
aristocrático no que tange ao exercício da política, política esta que se refere ao exercício
de governo. Dentre a nossa sociedade, e não apenas na realidade brasileira, a teoria
elitista, largamente criticada por Finley, versa para a impossibilidade de a sociedade em
geral participar de forma mais direta do processo político. Seguindo a lógica platônica,
há a propagação da ideia de que a política deve ser exercida por políticos profissionais,
afastando o povo da reflexão política mais ativa. Em consonância a isso, há o reforço do
discurso polibiano no sentido de se enaltecer o equilíbrio oriundo da representatividade
do povo, pelo voto, legando à aristocracia (ou oligarquia) formado apela classe política,
o verdadeiro poder de mando político.

Figura desse modo um sistema que, à semelhança do que Políbio observou em Roma,
funciona contrabalançando interesses do povo e da aristocracia de modo que, embora o
povo pudesse fazer frente na política, permite à classe aristocrática o mando, pois esta
atende as demandas do povo na medida em que lhe são favoráveis.

Entretanto, mesmo ele foge às “especificações” do que seria um regime democrático ideal
para Políbio. Embora vise não incorrer na oclocracia, mantendo o poder nas mãos de um
núcleo aristocrático, incorre no risco de se deteriorar em uma oligarquia – se já não for –
deixando-se levar pela ganancia de poucos e prejudicando profundamente o
funcionamento do Estado e o bem da população. Dentro desse aspecto, a tentativa
deliberada – ou não – de se anular a anaciclosis, acaba por corroborar para a sua
perpetuação e assim, o regime de governo que ora está instalado, um dia ruirá seja por
forças internas, dentro do próprio meio oligárquico, seja por pressões externas, pelos
cidadãos que se veem prejudicados pela oligarquia que exerce seu poder de forma
irrefletida, o que redunda em males e opressão.

Considerações finais

O conceito de equilíbrio, oriundo da teoria polibiana da anaciclosis, fez nascer o ideal de


governo da Constituição Mista, sendo sua representação histórica máxima, a Constituição
Romana, exemplificada e explanada por Políbio em seu Livro VI de sua História. Este
ideal, longe de ser uma criação da mente genial de um pensador historiador grego, foi na
verdade, fruto de extensa observação, apropriação de referências filosóficas e, também,
experiência política por parte do autor. Todo texto é produto de um contexto específico,
utilizando-se dos recursos disponíveis para alcançar um objetivo em específico, que no
caso de Políbio foi escrever uma apologética da forma de governo da República romana.

Da mesma forma que Políbio foi influenciado pelos pensadores da sua cultura,
principalmente Platão e Aristóteles, ele influenciou pensamentos políticos vários que, a
partir de sua referência, também objetivaram estabelecer em suas teorizações, a medida
do equilíbrio dos governos dos homens, mesmo que, é claro, tivessem também seus
objetivos específicos de cada época, seja enaltecimento de um regime, seja a crítica
acirrada. Todos eles acreditavam estar contribuindo para aumentar o conhecimento dos
seus leitores a respeito dos governos e de como deveriam ser.

Esse objetivo, presente em Políbio, trazia em seu escopo a concepção da História


magistral vitae, um objetivo didático de levar o conhecimento e do desenvolvimento aos
homens. Daí a importância histórica de Políbio. Para ele, o método, assim como os
historiadores positivistas séculos depois, era extremamente importante. E, embora
determinista em suas concepções históricas, Políbio antecipou em muito procedimentos
de investigações tão caros aos historiadores até hoje.

Entretanto, da mesma forma que Políbio se apropriou de ideias políticas para construir
suas teorias, outros se apropriaram das suas para formular posicionamentos políticos
vários. E da mesma forma que seu apreço pela República romana, com sua constituição
mista, porém aristocrática, o fez legar a ela o título de governo político por excelência
para a mesma, a apropriação de suas ideias por camadas políticas aristocráticas da nossa
sociedade fez com que suas ideias de equilíbrio fosses utilizadas, mesmo que não
diretamente, para a perpetuação de posições conservadoras e elitistas, visando manter no
poder uma oligarquia ultrapassada e injusta, que, assim como a concepção negativa de
Políbio, que ao contrário de e preocupar “exclusivamente com o bem comum, cuidando
paternalmente dos interesses de seus concidadãos e da comunidade como um todo”,
deteriora-se pelo acúmulo de ganancia e o abandono do sentimento cívico, tornando-se
um governo “mal” que só visa o próprio benefício.
Referências Bibliográficas

POLIBIO de Megalopolis “Historia universal bajo la Republica Romana” (integral,


livro VI: pág. 207).

KIBUUKA, Brian. Políbio sobre Roma: Teorias gregas na descrição polibiana da


constituição mista de Roma. Philía, 2011, nº 39.

TEJERA, Alberto Díaz. Análisis del libro VI de las Historias de Polibio respecto a la
concepción cíclica de las constituciones. Revista Habis, nº 6, 23-24. 1975.

REGO, Antônio Carlos Pojo. "Equilíbrio e contradição: a constituição mista na obra


de Políbio. Revista de informação legislativa, v. 18, n. 71, p. 95-126, jul/set 1981.

FINLEY, Moses. Democracia Antiga e Moderna. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.

BOBBIO, Norberto. Teoria das Formas de Governo. 10ª ed. Brasilia: UnB.

ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. Tradução de Miguel Serras


Pereira. Lisboa, Dom Quixote. Pp. 33-45. Disponível em
<http://arqnet.pt/portal/teoria/aron_montesquieu.html>. Acesso em 16/072017.

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