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Aparências ou aparições: o filósofo Georges Didi-Huberman comenta

a exposição Levantes, em cartaz em São Paulo

Georges Didi-Huberman & Lúcia MonteiroPublicado em: 28 de novembro de 2017

Chieh-Jen Chen, A estrada, 2006, filme 35 mm film transferido para DVD: colorido e preto e branco, mudo, 16:45
min. © Chieh-Jen Chen, cortesia da Galeria Lily Robert.
O filósofo e historiador das imagens francês Georges Didi-Huberman, em entrevista à pesquisadora Lúcia Monteiro,
comenta suas escolhas para a exposição Levantes, em cartaz até janeiro no Sesc Pinheiros.

Estudioso do historiador da arte alemão Aby Warburg, Didi-Huberman explicita, aqui, seu método curatorial de,
através da montagem de imagens, observar a permanência e a ressurgência de gestos formais que são ao mesmo
tempo políticos. O título desta entrevista, Aparências ou aparições?, foi dado pelo próprio filósofo, com o objetivo de
ressaltar a diferença entre esses dois aspectos tão atuais das manifestações populares. Resta-nos saber distinguir,
depois de Guy Débord e de movimentos políticos organizados por meio das redes sociais e para elas, entre aparência
– “enganadora, falsa, ela supõe o simulacro” e aparição – “evento autêntico, impossível de ser reduzido”. Didi-
Huberman não dá falsas esperanças: “não tenho a receita”.

A exposição Levantes foi inaugurada em Paris, no museu do Jeu de Paume, no fim de 2016, e está
agora em São Paulo, no Sesc Pinheiros, depois de uma escala em Buenos Aires. Você poderia falar
das mudanças sofridas em relação à mostra original?

Georges Didi-Huberman: A versão original dessa exposição, exibida em Paris, compreendia inúmeras obras raras
ou importantes, como os grandes quadros de Sigmar Polke, que têm seguro e custo de transporte muito altos,
infelizmente. Em razão disso, a exposição que viaja constitui cerca de três quartos da original. Mas em vez de encarar
isso como uma privação, um defeito, vejo nessa situação uma vantagem: parte considerável da mostra deve ser
encontrada in loco, ou seja, de acordo com a história dos levantes – e com as imagens de levantes – específica de cada
país. Para mim, é entusiasmante descobrir novos artistas a cada nova cidade por onde a exposição passa. Cada local,
em um momento ou noutro, torna-se a capital dos levantes. Em São Paulo há, por exemplo, grandes “clássicos”, como
o Manifesto antropofágico, Glauber Rocha, Paulo Freire, além de artistas que me surpreenderam – e que boas
surpresas! É o caso de Eduardo Viveiros de Castro (cuja obra teórica eu já conhecia), Clara Ianni, Nuno Ramos e
Rafael RG.
Eduardo Viveiros de Castro, Nildo da Mangueira em H.O., 1979, filme de Ivan Cardoso. Rio de Janeiro.
A figura do Atlas, que carrega o peso do mundo sobre seus ombros, de braços erguidos, funciona
como uma imagem subliminar da montagem que você cria em Levantes, oferecendo uma ligação
entre a exposição atual e sua predecessora, Atlas – como levar o mundo nas costas?,inaugurada no
Museu Reina Sofía, em Madri, em 2010. O gesto de Atlas é um gesto de levante?

GDH: Atlas é um titã que quis erguer-se contra o imperialismo dos deuses do Olimpo, creio que posso me expressar
dessa maneira. Seu irmão é Prometeu, que rouba o segredo do fogo para oferecê-lo aos humanos. Os dois recebem
um castigo quando o levante que empreendem fracassa. Atlas deve então carregar a abóboda celeste sobre seus
ombros. É uma figura sábia, melancólica e infeliz, que inspirou o grande historiador das imagens que foi Aby
Warburg. Depois de ter dedicado uma exposição a essa figura – por meio da prática dos atlas de imagens – no Centro
de Arte Reina Sofía, em Madri, imaginei que Atlas um belo dia decide arremessar seu fardo por cima de seus
ombros… É daí que surge a própria figura do levante.

A montagem exposta no Sesc Pinheiros nos convida a pensar no estado atual do planeta – da Europa,
onde refugiados enfrentam situações terríveis, e do Brasil. Qual foi o principal disparador dessa
exposição? Haveria um objetivo primordial de demonstrar visualmente a força das manifestações
populares de insurgência e resistência?

GDH: É, é isso. E eu tomo o que você diz ao pé da letra: não se trata de mostrar uma série, tão completa quanto
possível, de manifestações populares. Isso seria, aliás, impossível, posto que há levantes por toda parte, o tempo todo.
Além do que, o resultado seria provavelmente repetitivo. Trata-se, isso sim, de mostrar, por montagens de
imagens, essa “força” que você evoca, a que chamo simplesmente de desejo. Ele se deixa ver em gestos corriqueiros,
erguer os braços, por exemplo, e é por isso que a exposição confere muita importância aos gestos humanos que
ressurgem aqui e acolá, no espaço e no tempo.
Georges Didi-Huberman dedicou o livro Imagens apesar de tudo às únicas quatro fotografias que documentam o
processo de extermínio em massa conduzido nas câmaras de gás dos campos de concentração nazistas. As fotos
mostram a queima de corpos e a entrada de mulheres na câmara do crematório 5 de Auschwitz. Tiradas às
escondidas por um prisioneiro judeu forçado a participar das atrocidades, estas imagens são um ato de resistência,
argumenta Didi-Huberman. Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau, Polônia, 1944.

As quatro fotografias tomadas clandestinamente em Auschwitz-Birkenau acompanham seu trabalho


há bastante tempo, e em Levantes elas são exibidas com uma força impressionante. Estariam elas na
origem desse projeto?
GDH: Não, elas não estavam na origem do projeto, até porque o que elas mostram é um extermínio em massa, e, ali,
toda revolta estaria destinada ao fracasso. Mas eu também poderia responder “sim”, na medida em que meu trabalho
sobre essas imagens (que já tem dezessete anos, se não me falha a memória) marcou uma inflexão mais diretamente
política em meu trabalho de historiador das imagens. Por outro lado, essas imagens falam sim de um levante, ainda
que o mais desesperado que tenha existido: o projeto de revolta conduzido por esses prisioneiros judeus que, ao
mesmo tempo, quiseram fazer essas fotografias para testemunhar para além de sua própria morte. Aqui, são as
imagens que se insurgem e que sobrevivem…

São surpreendentes as relações de equivalência visual entre movimentos tão díspares quanto as
greves operárias de Limoges em 1905, os movimentos revolucionários vistos em Berlim em 1919 (em
imagens de Willy Römer), os republicanos em Barcelona, em fotos de Agustí Centelles de 1936,
durante a Guerra Civil Espanhola, e as barricadas em Atenas, durante a Guerra Civil, em 1944 (por
Voula Papaioannou). Você enxerga diferenças visuais entre manifestações de esquerda e de direita?
Ou entre levantes contra formas de opressão e revoltas a favor de projetos coletivos, sejam eles
utópicos ou não?

GDH: A cólera invade a todos, pessoas de direita e de esquerda. A questão política torna-se, portanto, a seguinte:
para onde exatamente vai essa cólera? Que forma ela toma em cada caso? Já fui criticado por não ter incluído nessa
exposição levantes fascistas, que existem, e além do mais são populares. É o caso da Marcha sobre Roma de
Mussolini, por exemplo… Mas tenho procurado evitar cuidadosamente os amálgamas. Um punho erguido comunista
pode se parecer com um braço levantado fascista, mas não é, de modo algum, a mesma coisa. Para responder bem a
sua pergunta, seria interessante comparar a maneira de filmar as massas de Leni Riefensthal (que era nazista e
filmava sobretudo do alto) e de Sergei Eisenstein (que era comunista e filmava de muitos pontos de vista ao mesmo
tempo).
Agustí Centelles, Crianças brincando, Montjuic, Barcelona, 1936, impressão em gelatina de prata. © Ministério da
Educação, Cultura e Desporte, Espanha. Centro Documental da Memória Histórica, Salamanca, Espanha.
Aby Warburg criou seu Atlas Mnemosyne trabalhando com reproduções. Na exposição Levantes, há
livros, cartazes, filmes, vídeos, fotografias, ou seja, diversas obras liberadas da ideia de
“originalidade” ou de “aura”, obras em si reprodutíveis tecnicamente. Tal posição curatorial ganhou
algumas críticas. Como você as recebeu?

GDH: Trata-se simplesmente de uma diferença de atitude no desejo de mostrar uma imagem ao público. Digamos
que você queira mostrar uma imagem fotográfica: alguns curadores farão questão do vintage, uma tiragem de época,
um objeto valorizado ao máximo. Se uma tiragem mais recente não tiver desfigurado a imagem, não vejo problema
algum em mostrá-la, pois o que me interessa é a maneira como essa imagem, colocada ao lado de outra, faz sentido
para o espectador. Outro exemplo: se eu quero dizer que os poetas são atores essenciais de certos levantes, me
interessa muito que o original de Oswald de Andrade possa encontrar-se a poucos metros de obras de Antonin
Artaud, Victor Hugo ou Baudelaire. Mas a Biblioteca Nacional da França não quer emprestar os originais de Hugo ou
Baudelaire, e eu entendo. Mas ao mesmo tempo faço questão dessa “genealogia poética”. Devo recorrer, portanto, a
fac-símiles – sem dissimulá-los, evidentemente.
Taysir Batniji, Diário de Gaza, 2001, vídeo: 4/3, colorido, som, 4:52 min. Cortesia de Taysir Batniji/Galeria Eric
Dupont, Paris © ADAGP, Paris, 2016.
Levantes apresenta imagens de revolta em um momento em que o choque, a hesitação e a apatia
parecem ganhar terreno em detrimento da capacidade de organização. Em suas publicações, você
desenvolve a ideia segundo a qual as imagens também nos olham. O que dizem de nós as imagens
que você escolheu para a mostra, quando elas nos olham?

GDH: É uma questão ampla demais para que eu possa respondê-la aqui da maneira como ela merece. O que as
imagens “diriam de nós quando elas nos olham”? Bem, elas falam de nós aquilo que nós não ousávamos dizer de
nossos desejos mais fundamentais, mais potentes, mais escondidos. As imagens nos olham “até o fundo” de nós, claro
que com a condição de que saibamos por nossa parte olhá-las. Não se trata de apatia, mas do contrário: é o levantar
do desejo, o desejo que se levanta ou se reergue. Não é incompatível com a organização, mas trata-se de um momento
que precisa ser considerado sem que se procure organizá-lo ou hierarquizá-lo de imediato. Dito de outro modo:
trabalhar sobre os levantes não significa ainda ser capaz de dar a receita organizacional das revoluções.

Fala-se de espetacularização dos movimentos populares na era das redes sociais e de manifestações
organizadas quase exclusivamente pela internet. Levantes inclui algumas imagens de manifestações
recentes, como as da Praça Tahir, no Cairo, em 2011, em que as redes sociais desempenharam um
papel fundamental. Em sua opinião, há semelhanças entre as imagens de levantes antes e depois da
internet? A dimensão de espetáculo está sempre presente nos levantes?

GDH: Filosoficamente, uma diferença enorme deve ser estabelecida entre “aparição” e “aparência”. A aparência é
enganadora, falsa, ela supõe o simulacro. Já a aparição é um evento autêntico, impossível de ser reduzido: é um raio
que corta o céu. A palavra “espetáculo”, sobretudo depois do pensador francês Guy Débord, tende a reduzir toda
dimensão visual a uma simples aparência, enganadora ou alienada. De minha parte, acredito que, nos levantes, trata-
se em primeiro lugar de aparições. Para que exista política, é preciso que haja uma encarnação, que algo seja posto no
corpo e no movimento: uma dimensão sensível (em todos os sentidos da palavra). É preciso que tudo na política se
torne visível a todo mundo. De agora em diante, a questão, evidentemente, é saber como produzir aparições e não
aparências. Desculpe-me: não tenho a receita. Observo, porém, que em uma mesma manifestação popular pode haver
aparências e aparições. Posso me decepcionar com o trabalho das aparências. Mas nada é mais precioso que um
evento de aparição.///

A edição impressa da revista ZUM #13 traz uma entrevista com Georges Didi-Huberman feita pelo
artista Arno Gisinger sobre as contribuições teóricas, práticas e metodológicas da fotografia em sua obra. Saiba
mais sobre a ZUM #13 aqui.

Georges Didi-Huberman (1953) é um filósofo, curador, historiador da arte e professor-conferencista na Escola de


Altos Estudos em Ciências Sociais em Paris. Já publicou dezenas de livros sobre filosofia e história da arte, como O
que vemos, O que nos olha, Diante da imagem e Invenção da histeria, entre outras. A exposição Levantes está em
cartaz no Sesc Pinheiros até janeiro de 2018.

Lúcia Ramos Monteiro é doutora em cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle Paris 3 e pela Universidade de
São Paulo. Atualmente, realiza pesquisa de pós-doutorado na Escola de Comunicações e Artes da USP e seus
trabalhos envolvem a relação entre cinema e arte contemporânea, filmes de longa duração e cinema expandido.

https://revistazum.com.br/entrevistas/entrevista-didi-huberman/

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