Vous êtes sur la page 1sur 75

Além do Cotidiano

Tópicos sobre narrativa, roteiros e mundos virtuais.

Por SANDRO MASSARANI


Curso Completo de Roteiro e Técnicas de
Escrita

Aprendendo a criar mundos e vidas

Abaixo forneço teoria e conselhos acumulados com a experiência obtida através da análise de
filmes, livros, quadrinhos e das aulas de roteiro e escrita ministradas por mim no Curso
Dominantes, no Rio de Janeiro.

2
INDICE
Unidade 1 - A História ................................................................................................................................... 4
Elementos Fundamentais de Uma História .................................................................................................. 4
A Estrutura de Uma História........................................................................................................................ 9
Principais Tipos de Enredo ........................................................................................................................ 14
Ordenando as Cenas de sua Obra............................................................................................................... 20
Trabalhando com Subenredos .................................................................................................................... 23
Logline - Sua História em uma Frase......................................................................................................... 26
Obtendo Ideias para sua História e Roteiro (James Scott Bell) ................................................................. 27
Tipos de Finais ........................................................................................................................................... 33
Queremos Emoções ................................................................................................................................... 75
A Suspensão da Realidade ......................................................................................................................... 79
Unidade 2 – Personagens ............................................................................................................................. 84
A Criação de Personagens ......................................................................................................................... 84
Arquétipos para a Construção de Personagens .......................................................................................... 93
PRINCIPAIS ARQUÉTIPOS MASCULINOS (Victoria Lynn Schmidt): ............................................... 95
PRINCIPAIS ARQUÉTIPOS FEMININOS (Victoria Lynn Schmidt): .................................................. 102
Criando Personagens Incomuns ............................................................................................................... 110
Unidade 3 - Tópicos Diversos .................................................................................................................... 114
50 Conselhos para um Escritor Iniciante ................................................................................................. 114
Escrevendo Bons Diálogos ...................................................................................................................... 124
Pontos de Vista na Literatura ................................................................................................................... 134

3
Unidade 1 - A História

Elementos Fundamentais de Uma História

Logicamente, seria muita ingenuidade acreditarmos que há regras fixas e imutáveis para a
criação de uma boa história. Por mais que diversos estudiosos tenham estipulado várias teorias e
guias práticos, cada indivíduo tem preferências e prioridades distintas. Porém, isso não impede o
estabelecimento de alguns parâmetros que busquem tornar a narrativa eficiente, de forma que se
sustente sozinha, e mesmo que não seja de total agrado, seja reconhecida como uma obra bem
feita.

Busco aqui neste espaço expor de maneira superficial, caso contrário precisaria de um livro,
os elementos cruciais que merecem maior atenção na criação de uma narrativa. Mostrarei aqui
apenas o básico, o mínimo necessário, o ponto de partida. Podemos resumir uma história em
apenas uma palavra:

BUSCA.
Toda história possui um ou mais personagens que tem como objetivo buscar algo. É a
essência da narrativa, e não somente na literatura, mas também no cinema, nos quadrinhos, no
teatro, e até nos videogames.

***James Scott Bell afirma que para montarmos um bom enredo precisamos desenvolver quatro
elementos:

Lead - Personagem Principal.

Objective - Objetivo do personagem.

Conflict - Conflitos e obstáculos que o personagem enfrenta. Prefiro chamar de oposição.

Knockout Ending - Um final impactante para a história. Acredito que não deva ser somente
impactante, mas também coerente. Prefiro a ideia de final memorável, pois nem sempre um final
de qualidade precisa ser impactante.

Juntando a primeira letra de cada elemento, formamos a palavra LOCK, que é o nome
utilizado por Bell. Ao utilizarmos a ideia inicial central da busca com o sistema LOCK, podemos
obter algo ainda melhor como definição básica de uma história:

4
Alguém deseja alcançar um objetivo, mas deve vencer uma oposição para consegui-lo.

Acredito que podemos resumir praticamente todas as histórias com a frase acima. James
Hudnall vai além e simplesmente nos fornece a seguinte fórmula:

A>B<C
"A" quer "C" mas "B" está no caminho. A é o personagem principal. B é o
conflito/oposição. C é o objetivo (amor de alguém, um anel, destruir algo, etc.).Portanto, toda
história tem um enredo (Plot). E esse enredo é sobre um personagem principal, que tem um
objetivo, algo crucial para o seu bem-estar. A maior parte do enredo se dá nos conflitos com a
oposição, uma série de batalhas para a conquista do objetivo. Se a história não respeita esse
conceito básico, vai ser muito difícil que ela agrade o público, a não ser que seja vontade do autor
buscar algo revolucionário, o que está cada vez mais difícil na época pós-moderna dos dias
atuais.***Analisarei abaixo cada elemento fundamental no processo de criação de uma história.

1. Personagem Principal

A história pode ter diversos personagens importantes, mas a não ser que seja um Tolkien ou
um Tarantino, uma boa história estabelece claramente um personagem principal, que será o agente
primário da narrativa.

Tanto o objetivo quanto o conflito da história devem girar em torno desse personagem. Não
cabe nesse artigo discursar sobre a criação de, mas é fundamental que o personagem principal
provoque empatia na audiência, ou seja, que os leitores/espectadores torçam e se importem com
ele. Vejam bem que empatia não é o mesmo que simpatia. Podemos ter um personagem simpático
que não desperte emoções e cujo destino seja para a audiência indiferente. Como cada personagem
responde a cada conflito é o que definirá ele para a audiência. Se houver muita discórdia em
relação as escolhas que um personagem faz, haverá opiniões negativas em relação a esse
personagem. Se houver maior identificação com as escolhas de determinado personagem, ele
ganhará o apoio da audiência e o autor terá maior controle da situação.

Vejam bem que isso não significa que os personagens tenham que fazer ações previsíveis, e
sim que sejam ações coerentes com suas personalidades. Um determinado espectador, por
exemplo, poderia nunca se sacrificar por alguém desconhecido, mas reconhece o valor desta ação e
se identifica com o personagem que a realiza.

5
Todos nós somos definidos pelas escolhas que fazemos. Seja de roupas, comida, programas
de televisão, caráter. E os outros formam opiniões boas ou más sobre nós baseados nessas
escolhas. Ocorre o mesmo com os personagens criados em uma história.

2. Objetivo

O que o personagem principal busca? Um objeto? Amor? Paz? Emprego? Respeito


próprio? Definição da sua sexualidade?

Reparem que o objetivo não precisa ser algum objeto físico. Geralmente em obras mais
complexas (chamadas por mim de "artísticas"), o objetivo é a busca de algo no interior desse
personagem. Já em obras mais comerciais é típico um objetivo mais tangível e visível para a
audiência.

É fundamental que o objetivo do personagem seja de extrema importância para sua vida,
caso contrário a história não se sustentará. Se não for algo crucial para sua existência e felicidade,
não valerá a pena lutar por ele. E se o personagem não luta pelo objetivo, não temos história.

3. Oposição

Aqui a velha máxima se aplica. O herói é tão bom quanto seu vilão. Então uma boa obra
precisa ter intensos conflitos e uma oposição de valor. O personagem principal não deve atingir seu
objetivo facilmente, e algumas vezes ele pode nem isso conseguir.

A oposição não precisa vir de um único vilão humano. Pode ser a natureza (como faz
Stephen King), ou pode simplesmente ser um pesado conflito interior (assumir ou não assumir a
homossexualidade, aceitar ou não a perda de um filho, etc.). A oposição também pode ser um
grupo, como o governo, ou o exército. Se escolher um grupo como oposição, faça com que esse
grupo seja representado por um personagem, para dar maior foco a trama.

O mais importante é que o personagem tenha que se esforçar ao máximo para vencer os
obstáculos, e que esses obstáculos fiquem cada vez mais intensos ao longo da história (princípio da
Ação Crescente ou Rising Action). Na verdade, é muito comum histórias onde o personagem
principal esteja praticamente derrotado até a reviravolta final, quando vence buscando aquela
última energia.

Assim como para o personagem o objetivo a ser alcançado é fundamental para sua vida, o
mesmo ocorre com a oposição. Os conflitos devem ser lógicos e com motivações racionais.

6
4. Final Memorável

O final da história é praticamente a última sensação que a audiência carrega da obra.


Portanto, um bom final pode às vezes compensar uma história fraca, e um final ruim pode destruir
uma bem construída narrativa.

Um final memorável não significa um final absurdo nem irreal. Significa simplesmente um
final que agrade e ao mesmo tempo surpreenda de maneira satisfatória a audiência. Aliás, nem
todos os finais memoráveis são impactantes. Alguns autores acabam inventando finais exagerados
com a preocupação de evitar a sensação de repetição. Mas a repetição sempre vai acontecer, já que
existem milhares de obras já feitas. O ideal é modificar um pouco o cliché, de maneira que seja
criado um final instigante e ao mesmo tempo coerente. Às vezes é melhor a obra ter um final
comum do que uma invenção sem coerência, o que é falta de respeito com o espectador/leitor.

Um bom final também deve responder todas as questões levantadas ao longo da trama, a
não ser que seja vontade do autor manter a dúvida, o que requer muita habilidade, já que é difícil
saber qual dúvida ao não ser respondida contribui para a melhor qualidade da obra.

5. Tema (Moral)

Ao chegarmos no final da obra, o leitor/espectador espera obter alguma mensagem mais


profunda, que represente todo o contexto do que ele acabou de presenciar. Toda história tem uma
moral ou tema por trás de si, mas o escritor deve tomar muito cuidado ao estabelecer a forma de
transmissão dessa mensagem para a audiência.

Vamos supor que a história tenha como base a ascensão de um personagem pobre ao poder,
como visto inúmeras vezes. Ao querer o poder a qualquer custo, esse personagem acaba ficando
desvirtuado, seu caráter alterado, e no fim das contas, ao obter o poder, ele acaba isolado e
desprezado. O tema é bem claro: o poder corrompe. Porém, o escritor não deve ficar todo o tempo
impondo esse tema, essa moral, para a audiência. O tema deve se desenrolar de maneira gradativa e
delicada. Não se deve colocar um personagem gritando o tempo todo: "Viu? O poder corrompe."
Isso é forçar o tema pela garganta e boa vontade de quem está apreciando a história.

Busque sempre qual será a Moral de sua narrativa. O que você quer passar para a audiência
quando ela der aquele último suspiro após o fim de um filme ou livro.

***Exercícios

Pegue uma obra, tanto faz a origem (cinema, quadrinhos, etc.), e identifique nela:-
Personagem Principal- Personagens Secundários- Objetivo do Personagem Principal- Objetivo de

7
cada Personagem Secundário- Oposição ao Personagem Principal- Qual o seu Tema (Moral)?
Responda a seguinte pergunta:- O final foi memorável? Me agradou e ao mesmo tempo me
surpreendeu? Foi coerente com o restante da história? Respondeu a todas as perguntas?

Conclusão

Estes são os elementos fundamentais presentes na base de construção de uma história. Com
certeza é necessário o aprofundamento desses tópicos, mas já com esse limitado conhecimento
torna-se possível uma análise mais científica por parte do estudioso e um maior entendimento do
que significa criar e julgar uma narrativa consistente.

8
A Estrutura de Uma História

INTRODUÇÃO

Chega uma hora que o fã de cinema, quadrinhos, literatura e outros tipos de arte, deseja
contar a sua própria história. Por achar que já leu diversas obras e que viu bastantes filmes, acha
que basta sentar em sua cadeira e começar a escrever que a inspiração irá lhe abençoar e que
apenas sua experiência como leitor/espectador será suficiente. O resultado na maioria das vezes é
desastroso.

A escrita de uma história não deve ser feita somente por instinto. O verdadeiro escritor cria o
seu método, e planeja com detalhes sua obra antes de começar a efetivamente escrevê-la. É lógico
que há exceções, mas é cada vez mais raro uma obra de qualidade ser feita de forma amadora e
sem planejamento.

O trabalho do escritor é muito mais transpiração do que inspiração. Inspiração vem como
consequência de você ter a disciplina para analisar centenas de histórias, de todo dia criar pelo
menos uma página, de pensar na escrita como algo constante. Pode parecer um discurso batido,
mas na vida é a persistência junto com o estudo que realmente lhe dá maiores chances.

Portanto, escrever uma história não é simplesmente sentar e colocar no papel ou no


computador o que vier na sua cabeça. Deve haver uma estrutura por trás de tudo. Aristóteles, um
dos mais antigos filósofos e pai da construção narrativa já dizia: toda história deverá ter início,
meio e fim. Vamos então desenvolver as idéias de Aristóteles e de outros estudiosos da escrita.

Só nunca esqueçam de que as regras são feitas para serem quebradas, e que nunca devemos
nos tornar escravos dessas regras. Aprenda a teoria ensinada nas universidades, livros e cursos de
escrita, mas aplique seu próprio método e estilo.

A ESTRUTURA DOS ATOS

À partir da premissa de que toda história tem início, meio e fim, podemos transformar essas
etapas em atos: Ato I (início), Ato II (meio) e Ato III (fim). Alguns autores, como Shakespeare,
utilizam outras estruturas como a de cinco atos, mas acredito que toda história possa ser, de uma
forma ou de outra, sintetizada em apenas três atos, nem que seja para facilitar o aprendizado e ser
nosso ponto de partida.

9
Esquema da Estrutura dos Atos

ATO I (30%)|
Mundo Ordinário e/ou Gancho (Hook)
|
O Incidente - Distúrbio (Inciting Incident) e/ou Gancho (Hook)
|Estabelecer situação e conflito
|
Primeiro Ponto de Transição (Plot Point)
|
ATO II (55%)
|
Desenvolver e complicar a situação
|
Ponto Central (Midpoint - opcional)
|
Desenvolver e complicar a situação preparando para o Clímax
|
Segundo Ponto de Transição (Plot Point)
|
ATO III (15%)
|
Eventos iminentes que levam ao Clímax
|
Clímax - Impacto Visual Destacado
|
Epílogo (Denouement) ou Cliffhanger (Gancho para a continuação)

O Ato I

É o Ato introdutório, que não deve durar mais do que 30% da história (às vezes bem menos),
senão corre o risco da audiência perder o interesse na obra devido à falta de um conflito central
bem definido.

O introduzir do Ato I pode ser marcado pela descrição do Mundo Ordinário do personagem
principal. No início de sua história, você começa descrevendo o personagem em seu mundo
comum, na sua vida cotidiana. O que ele geralmente faz no dia-a-dia. E é nesse lugar que ele vai
ficar a não ser que algo faça ele mudar. Então bem cedo no Ato I, algo tem que perturbar (algum
incidente) o Status Quo (a situação estática). Alguma coisa sempre tem que estar acontecendo,
alguma ameaça ou conflito para o personagem, senão o leitor/expectador ficará entediado.

Se você não quiser começar a história com o Mundo Ordinário do personagem, comece-a
utilizando um Gancho (Hook). O Gancho é algo que aparece no início da obra e faz a história se
mover (sempre mova a história) e prende o leitor a continuar assistindo ou lendo. Por exemplo,
um assassinato misterioso pode ser o Gancho inicial de uma história, e só depois é que seremos

10
apresentados ao personagem principal e ao seu mundo cotidiano. Geralmente, o Gancho deve vir o
mais rápido possível, para manter a audiência atenta. Outro Gancho interessante é começar a obra
com uma imagem tão impactante que prenda a atenção de todos.

O personagem deve ter sempre um objetivo na história. E o que o faz inicialmente ir atrás
desse objetivo é um Incidente (Inciting Incident), um Distúrbio que acontece em sua vida que o
obriga a agir. O Incidente é evento que faz o personagem principal reagir e ir atrás de seus desejos.
Uma ligação no meio da noite, um rapto, um chamado. O distúrbio não precisa ser algo grandioso
e impactante. Pode ser sutil como uma campainha sendo tocada. Ele cria um interesse para a
audiência, prometendo um desenvolvimento interessante no futuro. O Gancho, se não tiver sido
utilizado anteriormente, pode ser incorporado junto com o Incidente. Podemos inclusive começar a
história com um Incidente junto com o Gancho, se optarmos por não retratar o Mundo Ordinário.
Muitas vezes, em seriados e revistas sequenciadas, não há a necessidade constante de expormos o
Mundo Ordinário do personagem, pois este já é bem conhecido. Logo, é mais comum este tipo de
história se iniciar já com o Incidente junto do Gancho.

O Ato I estará perto do fim quando o escritor já estiver situado sua audiência na obra.
Quando os leitores/espectadores souberem quem é o personagem principal, onde ele está, o que ele
quer e contra quais obstáculos ele irá lutar, será o momento de transição para o Ato II. Esse
Primeiro Ponto de Transição deve marcar a passagem do personagem de seu Mundo Ordinário
para um novo mundo, desconhecido e permeado por mudanças. O ideal é agora não haver chance
de retorno do protagonista para sua antiga vida, ou seja, uma linha divisória foi cruzada. É comum
esse Ponto de Transição vir acompanhado de uma cena ou imagem impactante (impacto visual
destacado).

O Ato II

Provavelmente, a escrita do Ato II seja a tarefa mais complicada de se fazer em uma obra.
Correspondendo a praticamente mais da metade de uma história, o Ato II deve ser construído de
maneira que mantenha o interesse da audiência e prepare terreno para o grande final. Não é tarefa
fácil.

O escritor deve começar a intensificar e desenvolver os obstáculos enfrentados pelo


protagonista. Deixe-o com muitos problemas. Você deve tentar convencer a audiência de que o
personagem principal está em apuros e não vai conseguir o seu objetivo. Escreva cenas que
estiquem a tensão, aumente o que está em disputa e mantenha os leitores/espectadores
preocupados, caminhando em direção ao Ato III de forma inevitável. É o princípio da Ação
Crescente (Rising Action), ou seja, a cada cena, o enredo vai tornando-se mais intenso, a ação

11
maior, cada perigo, mais ameaçador, cada dificuldade mais complicada, tudo mais complicado do
que veio anteriormente. Lembre-se que ação nem sempre significa luta física.

Outra maneira de desenvolver o Ato II é trabalhar com Subenredos (Subplots), dando mais
destaque para personagens secundários e suas relações entre si e com o personagem principal. Os
Subenredos mostram outros lados da vida do protagonista, e também são utilizados para construir
maior credibilidade para o mundo ficcional retratado pelo autor, dando uma dimensão de variedade
e às vezes desvinculando um pouco a história do seu objetivo principal, fornecendo fôlego para a
audiência. Esses Subenredos devem ser tratados da mesma maneira que o enredo principal, sempre
caminhando em direção a uma conclusão. Não caia no erro de, por exemplo, iniciar um Subenredo
de romance e no final da obra não conclui-lo. Só não esqueça que em algumas ocasiões, o ideal
não é acrescentar personagens e subenredos, e sim retirar.

Muitas obras acrescentam no Ato II uma nova reviravolta chamada de Midpoint (Ponto
Central), fazendo com que basicamente a estrutura tenha 4 atos, acelerando e intensificando os
conflitos. É como se fosse o ponto central do Ato II.

Quando o escritor desenvolver as situações e complicações, e houver preparado o caminho


para o final, chega-se ao fim do Ato II. É hora do Segundo Ponto de Transição, que é o caminho
sem volta para o Clímax. Novamente, o Ponto de Transição pode ser marcado com uma cena ou
imagem impactante (impacto visual destacado). É bom salientarmos que o enredo pode ter
inúmeros Pontos de Transição, ou seja, pontos de mudança na história. Porém, de todos esses
pontos, o ideal é apenas dois terem grande destaque.

Ato III

O início do Ato III é literalmente o início do fim. O protagonista começa a decidir o seu
principal problema. É sempre interessante fazer uma cena final de confronto, chamada de Clímax.
Deve ser algo grandioso para o personagem, o momento de definição. A luta contra um inimigo
mortal ou a simples resposta da pessoa amada. O Clímax deve ser recheado de suspense e tensões.

O Ato III deve ser curto, no máximo 15% da obra, e no fim praticamente todos os conflitos
mostrados na história devem alcançar um desfecho, mesmo que seja um desfecho misterioso ou
aberto, mas que deve ser pelo menos sugerido. Nunca deixe a audiência na dúvida sobre
exatamente como ou porque algo aconteceu (a não ser que seja sua intenção).Após o Clímax,
muitas histórias acabam com um Epílogo (Denouement), uma cena breve que lentamente desliga
a audiência do mundo ficcional. O Epílogo pode ser também utilizado para responder algumas
questões deixadas pra trás, destacar as mudanças realizadas nos personagens (arcos dos
personagens), ou indicar o que acontecerá com eles depois. Mas seja sempre breve. Um dos erros
12
mais incômodos é quando o escritor prolonga o epílogo além do necessário, arrastando a obra por
minutos aparentemente intermináveis.

Quando uma história não se encerra totalmente com o Ato III, como no caso de algumas
histórias em quadrinhos e séries continuadas, o escritor tem a opção de deixar um Gancho no final
para atiçar a curiosidade da audiência e fazer com que ela assista a sequência. Esse Gancho final é
chamado tecnicamente de Cliffhanger. Um dos exemplos mais conhecidos de Cliffhanger no
cinema é o final do primeiro De Volta para o Futuro, que já deixa o caminho aberto para uma
continuação.

CONCLUSÃO

O que foi detalhado acima é apenas o esqueleto, a base de uma obra. Seu recheio deve vir
com a habilidade do escritor e de seu estudo sobre personagens, cenários, diálogos, finais, etc. De
forma alguma essa estrutura deve ser seguida de forma rígida, mas sim deve ser vista como um
ponto de partida para a sua criatividade. Tente identificar nas obras (filmes, livros e histórias em
quadrinhos) os Atos e os Pontos de Transição. Muitas vezes você vai ficar na dúvida, mas isso é
normal pois nem sempre o escritor define estas etapas conscientemente. Lembre-se: não há uma
maneira exata de fazer uma história, mas quanto mais você estudar e ler, mais fontes de
"inspiração" terá. Bons Estudos!

13
Principais Tipos de Enredo

Introdução

É praticamente impossível criarmos um tipo de enredo original, pois são todos baseados em
experiências humanas, comuns a todas as pessoas. O que o grande escritor faz é pegar um ou mais
desses tipos de enredos e articulá-los e desenvolvê-los de maneira interessante e/ou impactante. É a
famosa máxima do roteiro: "me dê o mesmo... só que diferente".

Qualquer enredo e história podem ser desenvolvidos de duas maneiras: comercial ou


"artística". Quando o enredo é construído de maneira comercial, como na maioria dos filmes de
Hollywood, os personagens são geralmente mais superficiais e a história valoriza a ação exterior,
visível aos olhos da audiência. Já uma obra mais "artística", tem como inspiração um caráter mais
literário, ou seja, há grande importância para os conflitos interiores dos personagens. Toda obra
comercial de qualidade valoriza, ainda que de forma limitada, conflitos interiores, assim como uma
boa obra "artística", fora dos padrões tradicionais, também pode se beneficiar ao adotar alguns
elementos comerciais, para não alienar totalmente a audiência.

Todo enredo está relacionado com os objetivos de um ou mais personagens na história. É a


natureza desse objetivo que moldará o tipo de enredo desejado. Esses enredos não se situam
isolados em si. Muitas vezes um enredo maior engloba outros menores e outras vezes juntamos
diversos tipos de enredos para formarmos uma história, não existindo uma regra fixa na criação de
uma obra. Os enredos podem ser utilizados tanto para comédias quanto para dramas, de acordo
com a necessidade do escritor. Siga seu instinto, estude bastante e misture tipos de enredos se
necessário, escolhendo um enredo como primário, e outros como secundários.

A Jornada

É um dos tipos mais comuns de enredo, que se tornou ainda mais popular após ser utilizado
de maneira clara por George Lucas em Guerra nas Estrelas (1977). Lucas vai ser extremamente
influenciado pelo estudioso de mitos Joseph Campbell e seu clássico livro The Hero with a
Thousand Faces. Campbell construirá, em seus diversos trabalhos, o que chamamos de Jornada do
Herói, uma sequência de eventos comuns presentes em várias histórias de diversas culturas ao
longo da humanidade. De certa forma é um trabalho paralelo e influenciado por Carl Jung, que
defendia a ideia de que os homens nascem com um modelo subconsciente comum do que seria um
arquétipo de herói, de um vilão, e da importância de uma jornada, constatando daí o forte apelo
emocional desse tipo de enredo, independendo da sociedade que o produziu.

14
Na Jornada do Herói, o personagem principal começa em seu mundo ordinário, vivendo o
seu cotidiano. Esse personagem de início parece apenas uma pessoa comum até um incidente o
impulsionar para uma viagem ao desconhecido (mundo da escuridão), atrás de algo extremamente
importante (objeto ou pessoa). Geralmente, o herói recebe a ajuda de um mentor e enfrenta as
terríveis forças do mal, vencendo-as em uma grandiosa e decisiva batalha. No fim, o herói retorna
ao seu mundo ordinário, agora sendo, porém. uma pessoa totalmente diferente, que de forma
alguma conseguirá voltar a sua antiga maneira de viver.

Logicamente, Campbell detalha cada etapa desse processo. É interessante notarmos que o
objeto procurado deve ser de extrema importância para o herói, podendo inclusive decidir o destino
do mundo. Elementos desse enredo são claramente vistos nas obras de J.R.R. Tolkien como O
Hobbit, e a trilogia do Senhor dos Anéis. A procura do Rei Arthur e seus cavaleiros pelo Cálice
Sagrado também nos fornece outro excelente exemplo.

A Busca / Resgate

O enredo da busca é simplesmente um enredo da Jornada do Herói sem elementos tão


grandiosos. O personagem começa em seu mundo ordinário, e após um incidente ou chamado, sai
também em uma jornada com objetivo de recuperar ou achar algo específico.

A maioria dos filmes de ação, como Caçadores da Arca Perdida e filmes de James Bond,
fazem parte de uma busca ou resgate. É comum acrescentarmos em filmes de busca várias
características de fuga e perseguição.

Filmes de detetive também podem ser encaixados no enredo da busca. O detetive precisa ir
atrás de pistas para chegar à causa do crime. Logicamente, por trás desses tipos de filme, há
sempre o suspense e é apenas no final que saberemos as conclusões do personagem.

A Fuga / A Perseguição

O enredo da fuga geralmente está ligado ao personagem principal ser perseguido por algo ou
alguém. Em algum momento da história, geralmente na metade final, os papéis podem se inverter e
o perseguidor passar a ser o perseguido e caçado. Se isolarmos os personagens em um ambiente
fechado, o nível de tensão pode atingir um grau elevadíssimo de suspense.

Exemplos clássicos são obras como Moby Dick, Alien, Tubarão, Sexta-Feira 13, O Fugitivo,
O Iluminado. Tubarão (Steven Spielberg, 1975) fez tanto sucesso, que praticamente inaugurou a
era dos blockbusters no cinema, para o bem ou para o mal.

15
A Aventura

No enredo da jornada, o herói sai em busca de algo bem específico. Em um enredo de


aventura, o herói sai em busca de uma nova vida e de autoconhecimento, e é esse novo caminho o
ponto central da história.

Ao longo da obra, o protagonista encontra diversos outros personagens e enfrenta várias


situações que vão moldando uma nova forma de ver o mundo. Ao fim da história, o personagem
principal deve ter sofrido mudanças importantes e realizado reflexões sobre as coisas ao seu redor
para que o enredo tenha um maior significado. Os chamados filmes de estrada como Sem Destino,
se encaixam bem neste tipo enredo. É comum o personagem principal ser perseguido durante sua
viagem, como em Thelma & Louise, onde uma simples aventura de ir viajar por poucos dias
transforma-se em algo muito maior.

A Vingança

Com certeza um dos temas mais recorrentes da narrativa, se remetendo as origens do homem.
Um dos primeiros documentos escritos da história, o famoso Código de Hammurabi, já dizia: "olho
por olho".

O personagem está em seu mundo cotidiano no início da história. Pode ser um mundo de
extremo conforto, ou de tanta escassez que o protagonista valorize pouquíssimas coisas. Um
incidente grave acontece por culpa de alguém, alterando drasticamente o mundo do personagem
principal, virando-o de ponta cabeça e provocando desorientação profunda. Parte-se então em
busca de uma vingança.

O tema da vingança é extremamente violento. Somos ensinados desde criança a amar e


perdoar o próximo, por isso o enredo tem que ser cuidadosamente trabalhado. O mundo do
protagonista deve ser fortemente abalado para que a vingança se justifique. Além disso, o
personagem deve ser construído de maneira a conquistar a audiência, para que ela concorde com
suas ações violentas.

O final pode se caracterizar tanto como uma vingança bem sucedida, como uma vingança
fracassada. Além disso, a vingança sucedida pode deixar um gosto vazio e amargo para o
protagonista, de arrependimento, ou a forte constatação de que a vingança não trouxe de volta o
que ele havia perdido.

O Amor

16
Tradicionalmente, a história de amor segue a seguinte sequência: duas pessoas se encontram
e se amam, algo impede que elas fiquem juntas, e no fim elas conseguem ou não vencer os
obstáculos.

Outra variante bem comum é uma pessoa amar a outra e passar toda a história enfrentando
obstáculos para conseguir ou não ser correspondido.

Para a história funcionar, o amor não deve triunfar facilmente (isso se triunfar). Frustração
deve ser a palavra chave. Os obstáculos devem ser inúmeros e parecerem intransponíveis. A busca
de um amor proibido pela sociedade, como o amor entre pessoas de diferentes idades, diferentes
raças e o amor entre homossexuais, proporciona excelentes oportunidades dramáticas nas mãos de
um hábil escritor.

As histórias de amor são fortemente baseadas na qualidade dos personagens principais e seus
conflitos interiores. É necessário haver a chamada "química" entre os envolvidos, ou seja, o
sentimento de aproximação ou repulsa entre esses personagens deve parecer real e fazer a
audiência se importar com o resultado da trama.

O Isolado

Esse tipo de enredo trata de todo protagonista perseguido, diferente, incomum. É o


personagem isolado, mas que por alguma razão precisa decidir enfrentar ou não os obstáculos que
surgem à sua frente. Pode ser heroico como o Super-Homem, ou um anti-herói como Drácula,
Frankenstein, Wolverine. Pode também ser um humano normal como Rick em Casablanca, ou um
homem com diferenças mentais e/ou físicas como John Nash (Mente Brilhante) e o Homem
Elefante.

Como é difícil nós nos identificarmos com pessoas incomuns, o personagem deve sofrer
bastante durante a história para obter uma forte ligação com a audiência. O enredo do isolado se
junta facilmente com outros tipos de enredo, como o de Amor e Aventura.

O Poder / O Desejo / Ascensão e Queda

Histórias que mostram fatos relacionados a ascensão e/ou queda de um personagem estão
geralmente ligadas ao enredo de poder e desejo. Na maioria das vezes, temos um personagem que
começa na pobreza, e ao longo da obra vai se tornando poderoso e ao mesmo tempo corrompido
por esse poder, para no final muitas vezes cair em desgraça e quem sabe aprender uma lição.
17
O poder não significa somente condição financeira. É simplesmente o desejo de se conseguir
dominar algo a qualquer custo, o que acaba arrastando o personagem para um poço cada vez mais
profundo. Lutar contra o desejo e a tentação é algo constante em nossas vidas e oferece inúmeras
possiblidades dramáticas. Quando finalmente conseguimos o que tanto desejamos, corremos o
risco de nos sentirmos decepcionados e acabarmos isolados.

Clássicos como Cidadão Kane, Poderoso Chefão, Apocalipse Now e Touro


Indomável trilham por esse enredo. O poder e o desejo sempre tem um preço moral a se pagar e
cabe ao personagem no final escolher ou não abdicar do que foi conquistado para recuperar sua
antiga integridade.

O Underdog

O enredo do underdog é um dos preferidos da audiência e pode ser articulado facilmente com
qualquer outro enredo. Trata-se do personagem visto como inferior, incapaz, e que tem a chance de
provar suas qualidades ao lutar contra um obstáculo muito difícil de ser vencido. Muito comum em
filmes de esporte e amor adolescente.

É importante deixar bem claro que o protagonista está em clara desvantagem desde o início,
e mostrar como ele está buscando superar todas as dificuldades encontradas. Nem sempre a vitória
é necessária, como no caso de Rocky (quando ele perde a luta), mas deve ficar clara a mensagem
de nunca desistir, e de que vale a pena lutar até o fim.

Luta contra o Sistema

Semelhante ao enredo do underdog, só que a luta se dá em uma esfera bem maior. Neste tipo
de enredo, a vitória é praticamente impossível e o personagem acaba geralmente esmagado pelo
sistema. É o caso de Estranho no Ninho, onde Randle trava uma luta contra o rígido sistema
hierárquico de um hospício, representado pela enfermeira Ratched, e Amadeus, onde Mozart,
mesmo sendo um gênio, acaba não sendo totalmente aceito pela nobreza e acaba enterrado em uma
vala comum.

É muito difícil alguém vencer o sistema, e vemos isso apenas em casos extremos como
revoluções. Grandes líderes foram derrotados e acabaram assassinados, como Martin Luther King,
Ernesto Guevara, Mohandas Gandhi. O importante é que mesmo com a derrota final, essas pessoas
deixaram um legado muito intenso e causaram grande impacto. É isso que o escritor deve buscar
nesse enredo. A vitória absoluta pode não ser conseguida, mas o sistema deve ser fortemente
abalado.
18
Transformação / Maturidade

Grande parte das histórias que tratam primariamente de conflitos interiores relacionados a
mudanças de idade e construção da personalidade estão ligadas ao enredo da transformação. Como
lidar com a morte de um ente querido? Com o divórcio dos pais?

Quando a transformação está relacionada a maturidade, ela é acompanhada não só de


conflitos interiores, mas também de mudanças físicas e de uma redescoberta do próprio corpo. E
maturidade não vem só na adolescência, ela também está relacionada às crises de meia idade e à
chegada da velhice. Como meu corpo foi modificado ao longo do tempo?

Os conflitos interiores são mais difíceis de serem retratados no cinema, mas geralmente se
destacam na literatura e nos quadrinhos modernos. Muitos desses conflitos estão relacionados com
transformações referentes a descoberta da personalidade, como a construção da sexualidade e a
escolha da profissão a ser seguida. São assuntos que, se tratados com delicadeza pelo escritor,
formam personagens reais e inesquecíveis.

Conclusão

O próximo passo é analisar obras de seu interesse e tentar encaixá-las em um ou mais tipos
de enredo. Lembre-se que o trabalho do escritor é 99% transpiração e 1% inspiração, e geralmente
a inspiração só chega para quem trabalha duro. Não fique muito preso à regras, mas é necessário
ter um amplo conhecimento teórico para desenvolver de maneira sólida boas ideias. Não fique
preocupado em encontrar uma ideia original pois isso provavelmente não irá acontecer. Pegue um
enredo e inove-o, modernize-o, transforme-o. Isso sim é o trabalho de um grande escritor.

Os enredos acima foram escolhidos de acordo com minhas preferências e estudos. Para uma
discussão mais profunda e outras classificações de enredos, aconselho os seguintes livros, todos
facilmente encontrados na Amazon ou outras livrarias americanas:20 Master Plots and how to
Bring Them - Ronald TobiasPlot & Structure - James Scott BellThe Writer's Journey: Mythic
Structure for Writers - Christopher VoglerThe Seven Basic Plots: Why we Tell Stories -
Christopher BookerThe Hero with a Thousand Faces - Joseph CampbellE como sempre, bons
estudos!

19
Ordenando as Cenas de sua Obra

O processo de escrita de uma obra está longe de ser linear. Eu penso que este processo de
criação esteja mais próximo da maneira de como o artista constrói uma escultura, ou seja,
moldando seu objeto de forma gradativa, tendo uma visão ampla do todo ao seu redor.

Como vimos em Estrutura da História (pré-requisito para entendermos esse assunto), o


enredo de uma obra pode se dividido em atos, sendo o mais comum a obra em três atos. Indo agora
um pouco mais além, esses atos são compostos por sequências de cenas. Logo, uma história
também seria uma coletânea de cenas. Observe o simples esquema a seguir:

HISTÓRIA
|
ATOS
|
CENAS

A cena, portanto, é uma unidade de medida dentro da sua história. Uma determinada
sequência de cenas cria um ato, de acordo com os critérios de cada escritor.

Toda vez que existe uma situação dentro de um determinado espaço e tempo temos a
configuração de uma cena. Se há a mudança da localidade ou um avanço ou retrocesso do relógio,
há automaticamente uma mudança de cena. O autor deve estar bem atento a tudo isso, e deve
aprender a construir sua obra tendo em mente a sua divisão em cenas. O enredo de uma história
nada mais é, portanto, que o "encadeamento" de cenas, como já disse Aristóteles há mais de dois
mil anos.

Após ter a noção de como funciona a estrutura de uma história, o próximo passo do escritor
seria o de pegar as suas ideias e tentar organizá-las de modo coerente e eficaz, formulando cenas e
colocando-as em uma sequência que o agrade. O autor não precisa e nem deve começar a escrever
a obra pelo seu início, e na verdade o ideal seria iniciar a escrita somente após ter todas as cenas
planejadas e em ordem, mesmo que de maneira apenas provisória, deixando espaço para
mudanças.

De acordo com Blake Snyder, o número ideal de cenas para um roteiro de cinema seria 40. Já
Robert McKee estabelece o número de cenas entre 40 e 60. Menos de 40 cenas se for uma obra
voltada para teatro e mais de 60 se for para um romance literário. Existem contos consagrados que
contam com apenas uma cena. Esse número depende do objetivo a ser alcançado.

20
Cartões de Cena

Uma das melhores e mais flexíveis formas de organizar o seu processo de escrita é criar um
cartão para cada cena e depois ordená-los em sequência para se obter uma visão total de toda a
obra.

Primeiramente, escreva em cartões um resumo de suas cenas e não se preocupe por enquanto
com a ordem e nem se a cena vai ser utilizada. Como comentei antes, tente o mais cedo possível
pelo menos esboçar o fim da história. Você precisa ter um ponto de destino para melhor criar o
caminho a ser percorrido.

Vamos dar uma olhada em um exemplo típico de cartão de cena:

Tendo em mãos os diversos cartões, procure separá-los em três grupos, um para cada Ato

(isso se o escritor utilizar a divisão por Atos). Alguns escritores chegam a prender esses cartões em
um grande mural para ter uma visão mais privilegiada. Outros espalham os cartões pela mesa para
depois ordená-los. Se você desejar, não precisa nem fazer os cartões, basta escrever o resumo da
cena no computador e ir montando a ordem em um processador de texto ou planilha.

Normalmente, o Ato 1 corresponde no máximo a 30% da obra, o Ato 2 fica em torno de 55%
e o Ato 3 em 15%. Logicamente, isso é apenas um parâmetro geral e não deve ser sempre seguido
de maneira fixa.

Cada Cena é um Pequeno Filme

O essencial de uma obra é retratar os conflitos que o protagonista tem que ultrapassar para
conseguir (ou não) seu objetivo. Cada cena individualmente deve ser tratada da mesma forma, ou
seja, cada uma deve ter o seu próprio conflito e objetivo, lembrando que o autor sempre deve fazer
a história se mover, evitando estaticidade e diálogos vazios.

Porém, uma boa obra não pode ter somente cenas com intensos conflitos, senão a audiência
se desgastará rapidamente. O leitor / espectador precisa de cenas um pouco mais leves para ter um

21
alívio e sustentar a tensão. O ideal é o escritor classificar suas cenas de acordo com o nível de
intensidade delas: Baixa, Média e Alta.

As cenas de baixa intensidade são cenas rápidas, de preparação e ligação para o que está por
vir. Não demore muito nesse tipo de cena. As cenas de média intensidade compreende a maioria da
obra e devem ter conflitos e emoções intensas, diálogos importantes, e construir a essência da
história. Já as cenas de alta intensidade são as cenas de grande importância e momentos chave,
geralmente pontos de transição e o clímax final. Não deve-se ter mais do que três ou quatro cenas
desse tipo em uma obra, pois são cenas de picos emocionais e muito desgastantes. Se essas cenas
forem de alta qualidade, já é meio caminho para uma história memorável.

É interessante também o escritor ter a noção do processo de Ação Crescente (Rising Action),
ou seja, o protagonista deve enfrentar ao longo da obra obstáculos cada vez mais fortes, sempre
aumentando o conflito e a tensão envolvida. Logo, uma cena de alta intensidade no final da obra
deve estar ligada a um problema maior do que uma cena de alta intensidade no início da obra.
Sempre dificulte a vida do protagonista, ele não deve obter nada facilmente.

Conclusão

Após o escritor decidir a ordem das cenas e a qual ato elas pertencem, quais são os principais
personagens, seus objetivos e conflitos, está na hora de começar a escrever. O mais importante é
sempre se lembrar de que a ordem das cenas pode mudar a qualquer momento, e que isso é uma
prática comum. O escritor sempre deve trabalhar em um processo de tentativa e erro. Com o
sistema de cartões ou outra forma de organização semelhante, o autor tem toda a visão de sua obra,
e sabe claramente onde está o início, o meio e o fim.

É lógico que boas obras podem e foram criadas sem um sistema de organização e ordenação
das cenas, e ninguém deve limitar sua criatividade ficando preso a esquemas rígidos. Porém,
quanto maior for o controle do escritor sobre sua história, maior será a sua chance de ver e
consertar erros na sua estrutura.

Bons estudos!

22
Trabalhando com Subenredos

Sabemos que o enredo principal de uma história envolve o desejo do protagonista em


alcançar um objetivo central para a sua vida. Porém, quase nenhuma obra narrativa se sustenta
somente com cenas criadas exclusivamente para o alcance desse objetivo primordial. Para expandir
e enriquecer a obra, torna-se necessária a criação de subenredos (subplots), que fazem o mundo
ficcional criado pelo autor mais realista e humano.

Os subenredos são enredos menores que funcionam como suporte da história, e criam a
possibilidade de conhecermos mais sobre a vida do protagonista, além de ser uma das melhores
formas de desenvolvermos e criarmos personagens secundários, dando-lhes vida e personalidade.
Os subenredos mais comuns são os românticos, os profissionais (relacionados ao trabalho), os
familiares, e os obscuros (algo misterioso do passado). O objetivo principal do Super-Homem é
manter a paz na Terra, mas várias vezes somos atraídos, pela sua relação com Louis Lane, que
forma o subenredo romântico da história. O Homem-Aranha também tem subenredos interessantes,
como seu trabalho como fotógrafo no Clarim Diário (subenredo profissional), o que lhe dá uma
fonte de renda mas ao mesmo tempo alimenta as propagandas contra sua própria pessoa, e também
há um delicado subenredo familiar, representado pela sua frágil tia. O que seria do Senhor dos
Anéis sem os seus incontáveis subenredos? Será que apenas a jornada de Frodo sustentaria a
história? Lógico que não.

Em obras fechadas como livros e filmes, os subenredos geralmente têm um forte vínculo
com o enredo central, e acabam inclusive influenciando o seu final. Vamos usar como exemplo o
clássico filme de gangster Scarface de 1932, dirigido por Howard Hawks e que foi refilmado com
menos elegância por Brian de Palma em 1983. Scarface tem um roteiro simples e direto, tornando
fácil sua análise. É um enredo de ascensão e queda, onde o gangster Tony Camonte (Tony
Montana na refilmagem) escala os degraus do poder do crime organizado com uma ambição cega.
Dois subenredos em Scarface são utilizados de forma cristalina, se relacionando com a trama
central e ajudando na construção dos personagens. O primeiro é a relação do protagonista com sua
irmã, baseada em um ciúme doentio. O início do colapso psicológico de Tony ocorre quando ele
descobre que seu melhor amigo está tendo um caso com ela. O outro subenredo é o interesse
romântico de Tony na mulher do seu chefe, o que revela muito sobre o seu caráter. Bastou a
sublime construção desses dois subenredos, além da idéia central, para o filme funcionar.

Muitos autores sentem grandes dificuldades de escrita na hora de criar o meio da obra, o Ato
II, e muitas vezes acabam tornando a história arrastada por falta de assuntos interessantes. É nesse
momento que os subenredos encontram grande utilidade, tendo a função de manter o interesse da
23
audiência. Porém, o autor deve acrescentar os subenredos de maneira cautelosa, evitando também
os excessos.

Uma maneira interessante de aplicarmos com eficácia os subenredos é criarmos para cada
subenredo uma estrutura própria de início, meio e fim, sabendo exatamente em qual momento ele
será introduzido, como ele será desenvolvido, e como será sua conclusão. A regra básica é a de que
todo subenredo deve estar satisfatoriamente concluído ao fim de cada obra. Nunca cometa o
gravíssimo erro de iniciar um subenredo e encerrar uma história sem pelo menos dar uma noção de
resolução a ele. É válido lembrarmos que existem alguns casos raros onde uma obra não possui um
enredo central claramente definido, e sim vários enredos que podem ou não se entrelaçar no final.
O já clássico Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994) é um claro exemplo desse tipo de roteiro.
Alguns teóricos costumam dizer que nesse caso não temos subenredos dependentes de um enredo
principal e sim multienredos com a mesma importância.

Subenredos em histórias seriadas

Telenovelas, revistas mensais de histórias em quadrinhos e séries de televisão são fortemente


baseadas em continuações, e precisam ter um olhar um pouco diferente em relação aos subenredos.
Nesse tipo de obra, mais aberta, há espaço para subenredos que não estejam fortemente ligados ao
enredo central, e permitem uma maior quantidade de personagens e tramas.

Um subenredo de uma história seriada, após ser introduzido, precisa sempre marcar presença
no roteiro, caso contrário a audiência pode acabar se esquecendo dele. Um personagem exclusivo
de um subenredo não pode ficar muitos capítulos sem aparecer.

Uma técnica muito utilizada em relação aos subenredos de obras abertas, como seriados e
histórias em quadrinhos, é a escada de importância, chamada por Denny O´Neil de Paradigma
Levitz (Levitz Paradigm). Vamos supor que tenhamos em algum momento da série três
subenredos acontecendo, os subenredos 1, 2 e 3, classificados por ordem numérica de importância.
Logo, o subenredo 1 tem mais tempo no roteiro. Quando o autor decide finalizar o subenredo 1, há
então uma escalada na história. O subenredo 2 passa a ser o novo 1, mais importante, o subenredo
3 vira o 2, e o autor deve criar um novo subenredo, inicialmente de menor importância, para
ocupar o posto 3. Assim, sempre haverá subenredos, e cada um terá sua importância no desenrolar
dos acontecimentos.

Conclusão

Tenha muita atenção ao criar os subenredos de sua obra. Nunca se esqueça de que toda cena,
todo personagem, todo e qualquer aspecto narrativo deve contribuir para manter o interesse do

24
público e fazer a história evoluir. Capriche nos conflitos criados pelos seus subenredos, pois eles
podem ter grande impacto na obra, mas cuidado para eles não ofuscarem o enredo principal! Além
disso, são muito comuns personagens secundários presentes em um subenredo fazerem sucesso e
acabarem se tornando protagonistas de outros trabalhos.

Exercício proposto:- Pegue uma telenovela, um seriado de TV, um filme ou uma história em
quadrinhos e identifique os subenredos envolvidos e o seu tipo (romântico, familiar, profissional,
misterioso, etc). Bons estudos!

25
Logline - Sua História em uma Frase

Um dos primeiros passos do escritor ao se deparar com a ideia de criar uma história, é defini-
la da maneira mais objetiva possível. Se o autor não consegue resumir a história em uma frase,
significa que sua obra não está ou será bem estruturada, e provavelmente resultará em algo
confuso. A essa frase que sintetiza toda a história, damos o nome de Logline.Mesmo os filmes
menos comerciais (chamados artísticos ou literários), se forem bem construídos, conseguem ser
resumidos em uma frase.

Em Hollywood, os escritores de cinema enviam suas Loglines para os seus agentes, e estes
mostram essas frases aos produtores, o que é chamado de "pitch". Caso haja algum interesse, o
script inteiro é enviado. Como no Brasil não existe nada parecido com isso, a Logline é feita para
nos ajudar a escrever a obra, seja ela voltada para o cinema, para os quadrinhos, livros, teatro,
etc.Faça a seguinte pergunta: Sobre o que estou escrevendo? Então passe para o papel em apenas
uma frase.***Vamos utilizar dois exemplos de filmes bem conhecidos para aprofundarmos a
explicação:

Título: Rocky - Um Lutador

Logline: Fracassado lutador de boxe da Filadélfia, apaixonado por tímida vendedora, recebe
oportunidade de lutar pelo título mundial contra um arrogante campeão, em comemoração ao
bicententário de independência dos EUA.

Título: Titanic

Logline: Infeliz aristocrata noiva se apaixona por pintor boêmio de classe inferior dentro do
Titanic, pouco antes do seu naufrágio.

Título: Primeiramente, a Logline deve ser acompanhada de um título. O título não precisa
estar dentro da frase, mas deve ser um título forte o suficiente para chamar a atenção e que também
fale um pouco da história. Nos exemplos, tanto Rocky quanto Titanic são títulos apropriados, que
dizem muito sobre o enredo.

Evite títulos muito extensos, a não ser que seja uma obra de comédia. O título também pode
ser misterioso, adquirindo sentido ao longo do filme ou quem sabe, somente no seu final. Títulos
desse tipo são difíceis de serem elaborados. Tenha cuidado.

26
Gancho: O gancho seria algo utilizado na escrita da obra que faça o leitor ou espectador ser
fisgado e estimule sua curiosidade. Na Logline um bom gancho é fundamental, e geralmente vem
carregado de ironia e contradições em relação à sociedade cotidiana.

Em Rocky, o gancho está no fato de um fracassado conseguir uma chance de disputar o título.
Ele conseguirá vencer? Esse tipo de luta nunca aconteceria em situações normais, mas é a
comemoração da independência dos EUA, a "terra das oportunidades". Em Titanic é o caso de uma
nobre rica se interessar por alguém de classe inferior. Quando ela encontra o amor de sua vida, o
navio afunda. Irônico.

Adjetivos: É importante definirmos os personagens principais com adjetivos. Lembre-se que


a Logline não é um extenso resumo da sua obra, e sim a essência de sua história e de seus conflitos.
Fracassado, tímida, aristocrata. Use adjetivos que imediatamente criem uma imagem na cabeça.
Por favor, evite adjetivos incomuns.

Audiência e Custo: Blake Snyder, em seu livro Save the Cat, recomenda que uma boa
Logline nos dê uma forte noção de qual tipo de audiência e qual o custo da obra (nesse caso
principalmente em relação ao cinema).Sabemos que ambos os filmes usados como exemplo não
terão custos muito baixos, mas filmar Titanic exigirá grandes investimentos. Uma luta de título
mundial custa dinheiro para filmar, porém menos que uma réplica bem feita do interior do Titanic
junto com os efeitos especiais usados para fazer o seu exterior. Titanic é até hoje um dos filmes
mais caros já feitos, custando mais de US$200.000.000,00.Pela Logline devemos saber se a obra se
direcionará a um público mais jovem ou não, terá apelo a determinado grupo ou não. Hoje em dia,
grande parte dos blockbusters é feita tendo em mente adolescentes masculinos, que privilegiam
ação e efeitos especiais. São esses adolescentes que enchem as salas de cinema e dão lucros aos
produtores e envolvidos.

***Agora já temos uma boa noção de como fazer uma Logline que nos dê uma ideia do que
será o filme e mostre suas possibilidades. Não se esqueça de fazer alguns exercícios, escrevendo
loglines após ver ou ler uma obra.

Obtendo Ideias para sua História e Roteiro (James Scott Bell)

Os melhores vinte caminhos param se conseguir uma ideia. Retirado do livro Plot and
Structure. Comentários em itálico por Sandro Massarani1.

O que aconteceria se? - Leia artigos de jornais, veja TV, filmes, e faça a pergunta: "O que
aconteceria se..."- Qualquer assunto pode se tornar uma grande história. Não existe tema trivial.

27
Um bom escritor retira do cotidiano todas as características necessárias para uma boa obra.
Nunca se esqueça disso. Não existe assunto ruim, e sim história ruim.

2. Títulos - Invente um bom título e veja se sai algo dele.- Os melhores títulos são
impactantes ao mesmo tempo que dizem algo sobre a obra. Parta de uma palavra ou frase de
efeito e veja o que pode brotar do seu pensamento

.3. Lista - Faça uma lista de palavras curtas que venha a sua cabeça, e que possa inclusive
evocar lembranças. - O importante é ter a mente aberta. Tente fazer conexões com as palavras que
forem surgindo, o que consiste em um excelente exercício de criatividade.

4. Assuntos - Assuntos polêmicos e nem tão polêmicos geralmente dão boas ideias: aborto,
meio-ambiente, controle de armas, política, pessoas que conversam em celulares dentro do carro.
Escolha um assunto que faça as pessoas se interessarem, escolha um lado moral e prepare um bom
argumento para sua defesa. É fundamental preparar também um bom argumento para a oposição!
Evite o mundo preto e branco. Trate os personagens com respeito. Mas lembre-se: Ficção não é
sermão.- Assuntos polêmicos são boas fontes de histórias. O cuidado reside em não escolher um
tema que fique datado e ultrapassado com o passar do tempo. Como Bell destacou acima, o
escritor deve ter muito cuidado ao expor suas opiniões pessoais em uma obra. A opinião deve
estar bem implícita e vir naturalmente, de mãos dadas com a narrativa. Poucas coisas são mais
desagradáveis do que uma obra que obriga a audiência a adotar o ponto de vista inflexível de um
autor, sem dar espaços para reflexões.

5. Veja o filme - Faça um filme passar pela sua cabeça, com ideias que você ache
interessante. - Outro excelente exercício de criatividade. Construa em sua mente o filme, os
ângulos da câmera, os cenários, a aparência dos personagens e todo o resto. É necessário um
conhecimento em técnicas narrativas visuais. Isso estimula sua cabeça e enriquece as descrições.
Para a escrita de livros é muito importante. Se for um roteiro para cinema ou para quadrinhos, há
a questão da coletividade, aonde outros artistas vão também impor suas visões. Por isso, o
escritor tem que estar preparado para lidar com essas mudanças que fatalmente acontecerão. Na
maioria das vezes, a obra que é imaginada pelo escritor não é passada para o meio visual da
maneira como ele inicialmente a havia concebido, devido a diversas alterações realizadas por
outros.

6. Ouça - Ouça uma música a seu gosto, relaxe e veja as ideias pipocarem em sua mente.-
Música em ambiente de trabalho é algo bastante pessoal. Mas deitar e relaxar ouvindo um bom
som pode ajudar a estimular ideias interessantes.

28
7. Personagem Primeiro - Desenvolva um personagem dinâmico e veja até onde ele o
levará. Visualize, recrie alguém que você conheça mudando alguns detalhes importantes (como
sexo, por exemplo). Veja obituários. O que de pior pode acontecer a este personagem? Essa
pergunta pode ser a origem de sua obra. - Muitas vezes é o personagem que surge antes da
história. Isso é algo que o escritor não tem controle. E quanto mais difíceis forem os problemas
que esse personagem terá de enfrentar, mais a história ganhará em força dramática e mais
ligações a audiência terá com o destino deste protagonista. Coloque-o em situações imprevisíveis
e desesperadoras, e sua obra pulsará uma intensa energia.

8. Roube dos melhores - Pegue a ideia central de um grande autor e adapte. Não é um furto
barato que você deve fazer, e sim se inspirar nesse enredo. - Na verdade é isso o que praticamente
todo escritor faz, consciente ou inconsciente. Somos um acúmulo de nossas experiências
anteriores, e devemos utilizá-las acrescentando nosso toque pessoal. Até os grandes e lendários
escritores utilizam este processo de inspiração. Pegue uma obra que tenha lhe marcado muito e
procure trabalhar sobre ela. O que você poderia mudar? Acrescentar? Retirar?

9. Mude o gênero de lugar - Por exemplo, Star Wars não deixa de ser um faroeste no
espaço. Misture gêneros, convenções e expectativas. - Como comentado no item anterior, é
bastante comum pegarmos uma obra já feita como ponto de partida. Aqui o escritor pega um
estilo tradicional e o coloca em outros locais no espaço e no tempo. Esse método pode gerar
produtos incomuns e interessantes, como um filme de detetive no Brasil Colonial ou um romance
tendo a Mongólia como pano de fundo. O escritor deve sempre mexer na obra como se ela fosse
um quebra-cabeça.

10. Antecipe uma moda, mania, tecnologia - Se você conseguir escrever sobre algo ou
algum assunto antes dele estourar você pode se dar bem. Pesquise revistas como Scientific
American, Times, Newsweek (não se esquecer das revistas brasileiras), analise as tecnologias de
ponta e imagine-as daqui a alguns anos. - Não preciso nem comentar profundamente que todo
escritor deve ser “culto” e ler a maior quantidade de publicações e conhecer os assuntos mais
diversos. Quanto mais atualizado for o escritor, maior será a sua chance de criar uma obra
duradoura e evitar os malditos clichés.

11. Leia os Jornais- Uma das melhores maneiras de se obter ideias. Experimente olhar não
só as manchetes de jornais, mas as pequenas notas, o obituário, até a seção de esportes. Como
escrevi anteriormente, para um bom escritor não existe assunto ruim, e qualquer tópico pode ser
a matéria-prima de uma grande história.

29
12. Pesquise - futuque livros, internet, tente aprender assuntos novos. - O escritor deve por
natureza ser curioso e sempre buscar o conhecimento. A experiência de vida é uma das melhores
ajudas que o autor pode ter. Não vou chegar ao radicalismo de dizer que só se deve escrever após
os 30 anos, como já ouvi várias vezes, mas o "banco de dados" de nossa mente deve estar sempre
atualizado.

13. "O assunto que eu realmente quero escrever é........"- Complete a frase acima e você
terá um pequeno esboço da obra a ser escrita. Na verdade, o escritor sempre deve falar sobre o
que tem vontade, senão sua linguagem acaba se tornando artificial, vazia e sem paixões, como a
maioria dos filmes e livros dos últimos tempos, que buscam somente atingir o "mercado" e obter
lucros. O escritor não deve pensar em dinheiro e fama, ainda mais em um país como o Brasil. É
um luxo quase inimaginável em nosso país viver somente da escrita. Logo, vamos escrever sobre o
que realmente temos vontade, e não para agradar um ou outro executivo. É lógico que existem
exceções, mas não há nada mais infeliz do que um autor de uma novela, por exemplo, ter que
alterar constantemente a obra e características de personagens por causa de índices de audiência
e testes de popularidade de personagens.

14. Obsessão - A obsessão geralmente descortina as mais profundas emoções. Empurra o


personagem para a ação. O que provoca a obsessão do seu personagem? Ego? Aparência? Luxúria?
Carreira?- Basta lembrarmo-nos de obras como Atração Fatal (Adrian Lyne, 1987) e a trilogia
Senhor dos Anéis para termos uma noção de como a obsessão pode se tornar o ponto central de
uma obra. O escritor deve conduzir este tipo de história de maneira cautelosa, de modo a fazer
com que a obsessão transborde para a audiência de maneira real. O personagem obcecado deve
realmente ter fortes razões para possuir esse comportamento, e seu objeto de desejo deve para
seus olhos ser extremamente valioso.

15. Linhas de abertura - Faça uma linha de abertura de impacto e siga sua direção. - Uma
linha ou imagem de abertura pomposa e impactante geralmente atiça a curiosidade da audiência e
já desde o início prende sua atenção. Ache o tom certo, sem exageros, tendo a certeza de que um
bom começo é sempre um bom sinal, e à partir desta frase ou imagem crie o resto da obra.

16. Escreva um prólogo - Não precisa envolver o personagem principal, mas tem que ser
algo excitante, misterioso, chocante. O público tem que dizer: "Ei, preciso continuar lendo/vendo
essa obra!"- Um prólogo bem escrito é como um Gancho, ou seja, tem a função de "prender" a
atenção da audiência. Geralmente evita um início arrastado e já prepara o terreno para o que
estar por vir. Um dos melhores exemplos de prólogo, ainda que um pouco longo, é o de Caçadores
da Arca Perdida (Steven Spielberg, 1981). Spielberg faz Indiana Jones atravessar no início do
filme uma grande aventura em poucos minutos, para só depois colocá-lo em seu Mundo Ordinário
30
como professor de Arqueologia. Reparem como o filme perderia muito do seu impacto se essa
ordem fosse trocada e ele começasse de forma lenta.

17. Faça um mapa da mente - Escreva tudo que vier na sua cabeça que for relacionado com
determinado assunto, época, espaço ou lugar que você deseja escrever.- Parecida com algumas
dicas anteriores. Faça uma lista de palavras e frases só que agora tenha em mente uma direção a
seguir, evitando colocar as palavras de forma totalmente aleatória.

18. Socko Ending - Faça também uma linha final inspirada, que deixe os leitores estupefatos
e pensativos. - Assim como uma linha de abertura chamativa convida o público a se aprofundar na
obra, uma linha de conclusão bem construída fecha a história, mas acaba mantendo a atenção da
audiência, que continua pensando sobre o que aconteceu por horas, dias e até por toda a vida,
como no caso de grandes obras. Uma conclusão bem feita não significa uma conclusão rápida e
um corte repentino no que está acontecendo, mas sim algo trabalhado cujo fim pode mudar a vida
de alguém. Pense nisso. Por que não iniciar sua obra pelo final? Na verdade, o final é talvez uma
das primeiras etapas que o escritor tenha que preparar, pois fornece um forte senso de direção na
hora do processo da escrita, principalmente para dar rumo aos personagens.

19. Ocupações - tente fazer um livro sobre profissões, mas que seja interessante e não
mostre um cotidiano chato para o leitor. - Obras relacionadas a ambientes de trabalho são
comuns, principalmente nas áreas de Direito, Medicina e na Policial. Seria incomum e
interessante vermos mais obras relacionadas a outras profissões, mas deve-se ter o cuidado para
não produzir algo monótono. O ponto chave aqui é transformar qualquer profissão em uma
aventura, mas isso não é fácil.

20. Desespero - saia escrevendo. Coloque tinta no papel. Depois veja no que dá.- Realmente
não gosto dessa dica, e não a recomendo. Uma obra sempre deve ter o mínimo de planejamento. A
tática do desespero pode até ajudar em certo ponto, mas não deve ser a base da escrita. Sempre
lembrando que praticamente 99% das obras não ficam prontas quando o autor acaba de escrevê-
las pela primeira vez. As etapas de revisão são muitas vezes mais importantes que o chamado
primeiro draft. Revise e revise e revise.

21. Dicionário - Abra o dicionário em qualquer página e veja uma palavra. Veja outra.
Tente ligar as duas. Essa dica também funciona para cenas. - Também uma dica na base do
desespero, mas que pode dar algum resultado. Serve melhor como exercício.

***Bons estudos, e não se esqueçam de que só aprendemos praticando e errando. As


primeiras histórias sempre sairão com falhas, mas é comum, até para os grandes.

31
32
Tipos de Finais

Um escritor deve dar igual importância aos três atos de sua história (início, meio e fim), mas
não há como discordar de que muitas vezes um ótimo final consegue redimir uma narrativa
medíocre e um final mal formulado pode acabar enfraquecendo uma ótima obra. Logo, para
muitos, a última impressão é a que fica e um autor deve saber trabalhar bem com essa ideia. O final
de uma obra deve representar o maior obstáculo enfrentado pelo personagem principal. É a sua
maior batalha, seja ela interior ou exterior, e formará o clímax da obra.

Lembrando que um final deve ser sempre "satisfatório", ou seja, o espectador/leitor deve, ao
fim da narrativa, chegar a conclusão de que o final respeitou as características da obra, mesmo que
esse final não tenha sido de total agrado para todos. Uma das maneiras de se conseguir um final
satisfatório é basicamente responder às perguntas levantadas no início. Podemos superficialmente
dizer que o Ato I, o início da obra, é o momento de levantar perguntas. Será que o personagem
principal conseguirá determinado objetivo? Durante o Ato II, o meio, a história se desenrola, e no
final, o Ato III, as perguntas do início devem ser respondidas. Veremos que há exceções a esse
modelo, mas facilita muito pensarmos em uma obra como um diálogo intermediário (Ato II) entre
perguntas (Ato I) e respostas (Ato III).

Após analisarmos inúmeras obras, em todos os campos da narrativa, podemos observar


características comuns relacionadas aos finais desses trabalhos, e obter assim uma espécie de
classificação. Por isso, meus estudos levaram a conclusão de que uma obra narrativa pode ter seis
tipos de finais: Utópico, Positivo, Negativo, Balanceado, Inconclusivo e Surpreendente. Vamos
analisar cada um desses tipos.

***ATENÇÃO: Utilizarei algumas obras como exemplos e seus finais serão descritos.
Portanto, caso você não queira saber esses finais, basta não ler a parte dos exemplos que
acompanha a explicação de cada tipo de final.

FINAL UTÓPICO

O Final Utópico é aquele onde tudo dá certo para o protagonista. Ele consegue seus
principais objetivos, o vilão/oposição é derrotado e punido e os personagens secundários que
apoiam o protagonista também terminam bem. É o famoso "viveram felizes para sempre".

Alguns teóricos chamam esse tipo de final de Hollywoodiano, pois muitos filmes americanos
tem a tendência de retratar esse tipo de história. Isso ficou claro principalmente durante a década
de 30, altamente turbulenta por causa da grande crise capitalista de 1929. Acontece que a vida não

33
é assim, e esse final acaba não correspondendo a realidade. Logo, o autor deve ter um pouco de
cautela. A maioria dos desenhos animados da Disney tem finais utópicos, havendo raras exceções
como O Rei Leão.

A ideia central por trás desse tipo de final no nosso mundo contemporâneo, é a de que o
cidadão passa por tanta aporrinhação e estresse na vida diária que uma obra utópica serve para
levantar o seu ânimo, e isso muitas vezes é verdade. Em alguns momentos queremos sim ver tudo
dar certo para um personagem ficcional, mas dificilmente uma obra séria se sustenta com esse tipo
de final.

Exemplos:

Uma Linda Mulher (Garry Marshall, 1990) - Uma prostituta conhece um milionário e ambos
acabam se apaixonando, vencendo todos os impecílios. Típico de contos de fada.

FINAL POSITIVO

Quando o personagem principal consegue a maioria dos seus objetivos, principalmente o de


vencer o principal obstáculo, mas sofre algumas perdas durante o caminho, temos o Final Positivo,
mais próximo da realidade do que o Utópico. Raramente o personagem principal morre em um
final positivo, mas isso pode acontecer desde que a mensagem final seja a de um triunfo realizador.

Personagens secundários ligados positivamente ao protagonista geralmente são os escolhidos


para serem "sacrificados" e provocar sofrimento. É importante notarmos que dificilmente um final
é positivo se o objetivo principal do protagonista não for alcançado. A exceção seria o protagonista
perceber que o seu desejo inicial não corresponde mais a sua vontade, e então ele acaba ficando
mais satisfeito e realizado alterando seus objetivos no fim.

Exemplos:

O Senhor dos Anéis (J.R.R. Tolkien, 1955) - Na clássica trilogia de fantasia, o grande inimigo
Sauron é derrotado pelos povos livres. Porém, incontáveis perdas significativas ocorrem na
jornada, como a do guerreiro Boromir e o êxodo dos Elfos, que resolvem sair da Terra Média. No
entanto, a mensagem final é clara o bem triunfa.Rocky (John Avildsen, 1976) - Boxeador
fracassado do subúrbio da Filadélfia tem a chance de disputar o título mundial de boxe. Reparem
que o principal objetivo de Rocky não é vencer Apolo o doutrinador, mas sim aguentar os 15
rounds e conquistar a tímida Adrian, o que ele consegue. Se ele vencesse a luta aí sim o final seria
utópico, muito forçado, e provavelmente o filme não ganharia o Oscar.

FINAL NEGATIVO

34
Bem, esse tipo de final é aquele que você mal consegue levantar da cadeira ao concluir a
obra de tanta depressão. O personagem principal simplesmente não consegue seu objetivo e
geralmente tem um destino trágico. O positivo contido na narrativa não é suficiente para equilibrar
nossos sentimentos. Ao contrário do que possa parecer, Hollywood está cheia de finais negativos,
incluindo inúmeros vencedores de Oscar.

Exemplos:

Amadeus (Milos Forman, 1984) - O grande gênio da música Wolfgang Amadeus Mozart não
consegue se estabelecer como um músico da corte austríaca, tem grandes dificuldades no
casamento, fica doente, morre e é enterrado em uma vala comum. O pouco sucesso em vida e o
monstruoso sucesso após a morte não compensam o sofrimento. Oscar de melhor filme.

Menina de Ouro (Clint Eastwood, 2004) - Boxeadora fica quadriplégica e seu técnico a ajuda
em seu suicídio. Esse é bem pesado. Oscar de melhor filme.

The Amazing Spider-Man 121 - A Noite que Gwen Stacy Morreu (Gerry Conway, Gil Kane,
John Romita, 1973) - Para quem só conhece o Homem-Aranha dos filmes, saiba que sua vida nos
quadrinhos é mil vezes pior. Nessa trágica história, Gwen Stacy, a namorada de Peter Parker (o
nosso herói), é atirada de uma ponte pelo mortal Duende Verde. O Homem-Aranha ainda lança sua
teia para resgatar a amada mas ela acaba perdendo a vida. Até hoje persiste a dúvida se ela morreu
do choque da queda ou quando a teia grudou nas suas costas provocando forte impacto. No
primeiro filme, a Gwen Stacy é substituída por Mary Jane e a morte não acontece. Apesar do
Duende ter morrido acidentalmente no duelo final, a perda é irreparável e, como muitas das
histórias do Homem-Aranha, o fim é depressivo.

FINAL BALANCEADO

O Final Balanceado é difícil para o autor escrever, e em minha opinião é o tipo de final mais
próximo da realidade. É um final onde o personagem principal consegue seu objetivo com grande
perda, ou onde ele não consegue seu objetivo mas no fim temos uma sensação de esperança, um
pequeno sorriso no canto da boca. Grandes obras foram feitas e agraciadas com este tipo de final.
Às vezes tendemos a achar que um final é negativo só porque não houve uma vitória final, quando
na verdade esse final foi equilibrado e/ou esperançoso. Os exemplos abaixo definem bem um final
balanceado.

Exemplos:

Thelma & Louise (Ridley Scott, 1991) - Sem dúvida um dos melhores filmes dos últimos 30
anos, narra a história de duas amigas que resolvem fazer uma pequena viagem para fugir do
35
cotidiano. Os problemas graves começam quando em uma noitada no bar, uma amiga mata um
homem que tentava abusar sexualmente da outra. Elas se desesperam e fogem, iniciando uma
corrida contra a polícia com o objetivo de chegar ao México. No fim, cercadas pela lei, resolvem
jogar o carro do topo da montanha em direção a morte. De início podemos achar que se trata de um
Final Negativo. Porém, ao longo do filme, as amigas realizam uma jornada de descobertas em
relação ao sentido da vida, se envolvendo em aventuras e tendo excelentes momentos. A imagem
final do filme não mostra o carro se chocando nas montanhas, mas sim congela a tela com o carro
no meio do ar, como se a vida durasse para sempre. Nos créditos finais vemos uma montagem de
fotos que mostra momentos de alegria das amigas. Foi uma jornada (quest) que acabou em morte,
mas nos mostrou como a vida pode ser intensamente vivida, e que é melhor, pelo menos para
alguns, morrer livre do que viver preso.

Cartas de Iwo Jima (Clint Eastwood, 2006) - Pela primeira vez um filme ocidental tenta
mostrar a Segunda Guerra pela visão dos japoneses, retratando a famosa batalha na ilha de Iwo
Jima contra os EUA no Oceano Pacífico. O filme é tenso, destacando o conflito entre a honra
japonesa de morrer pelo seu império e o desejo de sobreviver a uma guerra insana e talvez inútil.
Há suicídios coletivos, execuções e uma grande derrota dos japoneses. Porém, um dos personagens
principais, um padeiro, sobrevive aos combates, e no final, sendo tratado por médicos americanos,
observa o nascer do sol e realiza que voltará para a casa para rever sua esposa que estava grávida.
É um final balanceado pois após toda a carnificina, termina com uma mensagem positiva.

FINAL INCONCLUSIVO

Os finais inconclusivos são aqueles onde o fim da obra não nos dá uma resposta definitiva
sobre o destino do personagem principal, sendo um final praticamente "aberto", ou seja, sujeito a
inúmeras especulações. Funcionam melhor em filmes mais artísticos e de vanguarda, que não tem
um caráter comercial. O Final Inconclusivo pode algumas vezes ser visto em capítulos de
minisséries ou revistas em quadrinhos mensais, mas nesses casos ele acaba sendo concluído no
próximo episódio ou revista.

Esse tipo de final sempre vai provocar polêmica, e para ser válido requer muita habilidade
dos envolvidos na obra, principalmente do escritor e do diretor, no caso de um filme. A audiência
está acostumada com finais fechados, que estabelecem um ponto final nas dúvidas levantadas na
narrativa. Portanto, a obra, para ter um Final Inconclusivo, deve ser construída com atenção
especial em certos detalhes, evitando o estabelecimento de objetivos pessoais muito fortes. Quanto
mais a obra focar no objetivo de um personagem, mais a audiência desejará uma conclusão
definitiva, ficando mais complicado para o Final Inconclusivo ter sucesso.Exemplos:2001: Uma
Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick, 1968) - Talvez o melhor exemplo de final inconclusivo,
36
2001 narra uma expedição secreta de astronautas rumo a Júpiter para tentar desvendar a origem de
misteriosos monolitos que aparentam ter milhões de anos. No fim, ao encontrar um desses
monolitos, o astronauta Dave Bowman atravessa um túnel colorido, presenciando vários efeitos, e
termina em um quarto com um estilo antigo de decoração. Dave vai se tornando mais velho dentro
do quarto e depois é transformado em um gigantesco bebê que, em posição fetal viaja no espaço
próximo a Terra. Cada um que tire suas próprias conclusões.

Os Incompreendidos (François Truffaut, 1959) - Clássica obra prima do Cinema Novo


francês, narra a história de um jovem adolescente chamado Antoine Doinel que luta contra o rígido
sistema familiar e escolar, se tornando um ladrão e rebelde. Enviado para um campo de trabalho
próximo ao mar, Doinel escapa e foge para perto do oceano. No fim, temos um zoom da câmera
que congela sua face, concluindo de forma aberta a obra. Não sabemos o que Doinel pensa nesse
momento nem quais são seus principais planos.

FINAL SURPREENDENTE

Sabe aquele final que você fica parado, meio com cara de quem não entendeu nada, pois tudo
aconteceu muito rápido? E aquele final onde de repente surge um personagem que não havia
aparecido anteriormente e participa decisivamente do destino protagonista? Esses são os chamados
Finais Surpreendentes. Na verdade, os Finais Surpreendentes seriam uma espécie de subtipo, pois
um Final Surpreendente pode ser utópico, positivo, negativo, balanceado ou inconclusivo. Um
Final Surpreendente não existe sem a companhia de outro tipo.

Esse tipo de final se relaciona com o termo da narrativa Deus Ex Machina (Deus surgido da
máquina), originário do teatro grego, quando do nada surgia um Deus (geralmente um ator no alto
sendo segurado por um mecanismo) para solucionar ou dar rumo a trama.

Muitas vezes um Final Surpreendente pode ocorrer na última cena da obra, sem dar chance
para um epílogo, justamente para tentar ganhar o espectador/leitor com uma imagem final
impactante. É um final muito arriscado para o escritor, pois a audiência pode se sentir enganada.
Portanto, o escritor deve ter muito cuidado e respeitar as características da sua história. Será que
ela se encaixa bem com um Final Surpreendente?

Exemplos:

Os Infiltrados (Martin Scorsese, 2006) - Narra os eventos relacionados a dois espiões, um da


máfia infiltrado na polícia, e outro da polícia infiltrado na máfia. Após um bom desenrolar da
trama, temos uma sequência de cenas finais rápidas, onde os personagens principais morrem sem
qualquer tipo de drama. Isso pode até ser mais próximo da realidade, mas em uma narrativa é

37
perigoso. Nesse caso, Scorsese agradou a academia, que lhe concedeu o Oscar de melhor diretor e
Os Infiltrados ainda levou outras três estatuetas, incluindo melhor filme.

Estrada para a Perdição (Sam Mendes, 2002) - Michael Sullivan Jr. está curioso para saber
sobre o trabalho do pai e acaba descobrindo que o mesmo é um soldado da máfia ao presenciá-lo
cometer um crime junto com comparsas. O menino promete silêncio, mas a máfia executa sua mãe
e irmão querendo eliminar qualquer testemunha. Agora, ele e o pai precisam escapar e ainda buscar
vingança. A máfia chega a contratar um assassino psicopata para matar ambos, que fracassa em
uma tentativa de assassinato em um hotel. Porém, no fim do filme, esse assassino retorna, de
maneira meio que inesperada, matando o pai mas morrendo no processo. O problema aqui é que o
assassino não é o principal inimigo. Ele não é o principal obstáculo, portanto não teria que ter esse
papel no final. Houve uma completa quebra de clímax no que era um bom filme até então.

CONCLUSÃO

Logicamente que essa classificação que eu fiz não pode ser tratada como definitiva. Ela deve
ser apenas um guia. Um exercício interessante seria tentar identificar os tipos de finais das obras
que você assistir ou ler, e pensar em outros finais alternativos, seguindo a classificação. Esse é um
bom exercício que vai aumentar o seu conhecimento.

Porém, qual é o melhor tipo de final? Bem, isso vai depender do contexto e do tom da obra.
É praticamente impossível um final que agrade a todos, mas o que devemos ter no fim é aquela
sensação de que o final escrito é crível, possível e respeita a obra e a audiência em si. Nenhum
escritor tem a obrigação de escrever um final pensando em agradar o maior número de pessoas, e
na verdade isso seria trair sua própria criatividade. Finais que chocam só para conseguir alguma
polêmica e finais "diferentes" colocados só para provocar discussões não são boas saídas. O
escritor tem é que ser honesto e o final tem que ser condizente com a narrativa mostrada. Bons
estudos!

38
Queremos Emoções

A técnica da escrita de uma obra, como sabemos, está longe de ser uma ciência exata. Ainda
está envolta em mistérios a fórmula mágica da história perfeita. Logo, o autor deve saber de
antemão que ele nunca agradará a todos. Esse pensamento por si só já retira um grande peso de
nossos ombros. Sempre haverá críticas.

Já que não existe uma obra "perfeita", o que de mais importante o escritor deve buscar ao
construir uma história? Simples: provocar emoção. Mas o que seria emoção? Vamos ver o
significado acadêmico do termo:

Emoção - Fenômeno que se caracteriza por forte perturbação do estado psíquico,


acompanhada de alterações somáticas transitórias, como tremores, suor, rubor ou palidez.
(Enciclopédia Barsa)

Quem é que vai reclamar do impacto de um filme que provoca no espectador palidez? Quem
é que vai reclamar de um poderoso livro que lhe causou forte perturbação do estado psíquico?
Tremores? Suor? Rubor? Queremos sim sentir essas alterações! Lógico que a emoção provocada
deve ser honesta com a própria obra e ficar dentro de um contexto preparado. Nada de provocar
sensações sem uma razão justificável.

Scott McCloud afirma que o ser humano possui apenas seis expressões básicas que refletem
suas emoções: raiva, desgosto, medo, alegria, tristeza e surpresa. Porém, se intensificarmos ou
reduzirmos o grau dessas expressões provocará várias outras. A raiva exagerada vira fúria, a
tristeza moderada causa melancolia, a surpresa ao extremo é um forte choque. Outra maneira de
obtermos mais complexidade é simplesmente misturarmos as expressões básicas. Tristeza com
surpresa causa desapontamento. Desgosto com medo traz horror. O autor não precisa realmente
saber todas essas combinações, mas ter um bom conhecimento sobre as expressões e emoções
básicas é o mínimo que se pede de um bom escritor.

Quando sentamos dentro de um cinema, seja para ver uma obra épica ou um simples
romance enlatado, estamos entrando em um novo mundo construído para aquele momento. E
queremos fazer sim parte desse mundo. Se uma obra faz a gente chorar, ter medo, ansiedade,
tensão, provoca nos nossos rostos aquele sorriso, ela está cumprindo o papel de não somente
entreter ou ensinar, mas sim de provocar em nosso corpo emoções que precisamos sentir, pois
somos seres humanos e que mesmo buscando viver no racionalismo ainda temos instintos que
precisam ser saciados e expostos.

39
Uma obra deve causar na audiência a maior gama possível de emoções e sentimentos. Por
que um filme de ação só deve ter confrontos físicos? Por que um filme de romance não pode ser
apimentado com doses de suspense? É a diversificada utilização e manipulação honesta dessas
sensações que diferencia a qualidade do produto. Muitas vezes assistimos a um filme de três horas
para no final olharmos para o lado e lamentarmos o tempo perdido, pois aquele filme de nada
significou.

Mas como provocamos emoções na audiência? Logicamente essa é a parte mais difícil.
Requer muito estudo, leitura, conhecimento das grandes obras e bom senso. Precisamos saber
construir personagens que provoquem empatia na audiência já que as pessoas precisam se importar
com o destino do personagem. Precisamos criar uma história com uma estrutura sólida, que pode
ser simples, mas que através de forte conflitos e de sua sequência de cenas provoque a curiosidade
do espectador / leitor de querer saber o que vai acontecer no final. O conflito forma a essência de
cada cena e eles precisam ser magnéticos o suficiente para manter a nossa atenção.

Já repararam que existem filmes cuja história não é interessante, mas que continuamos
assistindo por que acabamos gostando do personagem? O inverso também é verdadeiro. Às vezes
um filme com personagens vazios e sem graça acaba nos prendendo somente por causa da história.
Muitos dos grandes filmes de todos os tempos não possuem uma estrutura muito bem montada,
mas no final acabamos relevando esse fato pois os grandes filmes e obras fazem o mais difícil: eles
prendem e agitam a audiência.

Portanto, quando for escrever algo, não se esqueça de provocar uma chuva de emoções,
lembrando-se de deixar o melhor sempre para o final, concluindo com chave de ouro. Não há nada
mais desagradável que um final murcho sem tempero. Ao levar a audiência da tranquilidade ao
desespero, do ódio ao amor, da tristeza para a felicidade, estaremos com certeza passando nossa
mensagem e colaborando para criar uma viagem inesquecível para todos.

A Suspensão da Realidade

40
Pode-se dizer que toda vez que começamos a ver ou ler uma obra narrativa, é estabelecido
um "contrato" entre o autor e o seu público. Em troca de receber e sentir as emoções de uma
história, o público realiza o que chamamos de suspensão da realidade, ou seja, por aquele período
de tempo, nós não estamos mais no nosso mundo, mas sim nos transportamos para o mundo criado
pelo autor.

O escritor e roteirista, durante o processo de construção do texto, deve ter muito cuidado ao
estabelecer onde sua obra vai se situar e quais são as regras que regem esse mundo. Ele deve ficar
muito atento para não romper com os limites da suspensão da realidade, ou seja, quebrar a
coerência do mundo onde sua obra se situa, com o risco de fazer com que o público perca o
interesse pela história e se sinta desapontado.

Uma das grandes façanhas de George Lucas foi a criação de toda uma mitologia e um
universo distinto no filme Guerra nas Estrelas (1977). Ao assistirmos o filme, nossa realidade é
suspensa e somos levados a uma guerra espacial entre os rebeldes e o maléfico império. Temos
planetas diversos, inúmeras espécies diferentes, som no vácuo do espaço, naves gigantescas e
espadas de luz. Porém, em nenhum momento duvidamos da existência ficcional deste mundo
durante o filme. Lucas respeita as regras que ele mesmo criou. Nós sabemos dos limites de uma
nave espacial, assim como sabemos os limites e os poderes de um sabre de luz.

Quando anos depois Lucas retomou o mundo de Guerra nas Estrelas, fazendo uma nova
trilogia, muitas críticas foram realizadas, principalmente por fãs que se sentiram traídos por
incoerências encontradas com o mundo estabelecido anteriormente. Uma das principais foi no
desenvolvimento do personagem de Anakin Skywalker, o Darth Vader. Apesar de já dar sinais de
turbulência espiritual, Anakin se torna um ser extremamente cruel em questão de minutos, fazendo
inclusive uma chacina de crianças. Nesse momento, a suspensão da realidade é forçada ao extremo,
e, para muitos, rompida. O curioso é que a crítica não é em relação a tecnologia de um mundo de
fantasia espacial, mas sim em relação a mudança repentina no comportamento humano.
Lembrando que ficção não é "realidade", mas sim uma representação dela. No mundo "real",
coincidências e atos repentinos são mais comuns do que imaginamos. Em uma obra de ficção,
porém, isso pode ser visto como desleixo do escritor.

Não é só em obras de ficção científica que a suspensão da realidade ocorre. Ela ocorre em
todas as obras, do teatro às histórias em quadrinhos, do universo mais distante a uma obra feita
sobre o bairro que você vive. A novela Avenida Brasil (João Emanuel Carneiro - 2012), da rede
Globo de televisão, fez grande sucesso ao explorar de maneira eficaz o enredo da vingança. Porém,
em vários momentos o espectador se sentiu frustrado e teve a suspenção da realidade quebrada.

41
O mundo ficcional de Avenida Brasil foi estabelecido no Rio de Janeiro, tendo destaque
partes do seu subúrbio. Quando a personagem Nina (Débora Falabela), que passou anos no
exterior, e tem relativa educação escolar, não usa o recurso de um pen drive para poder fazer
cópias das fotos comprometedoras de sua inimiga, a suspensão da realidade é quebrada, e o fato
acabou virando assunto nacional. A personagem de Nina em praticamente nenhum momento da
história se mostrou alheia e ignorante a questões tecnológicas. Além disso, poderia ter feito mais
revelações das fotos ou feito cópias por email. Curioso também que nenhum outro personagem lhe
aconselhou sobre isso. Esse episódio se configurou como um grave furo na coerência do mundo
estabelecido.

O autor deve fazer toda uma pesquisa na hora de construir o mundo no qual sua história
ocorrerá. Seja na criação de personagens, seja na criação de um mundo de ficção, se não tivermos
todo um cuidado na hora da construção, acabaremos esbarrando nos temidos estereótipos e clichés,
e isso é muito perigoso. Se você for escrever sobre depressão, faça pesquisas e procure se
aprofundar no tema. Se for escrever sobre a periferia do Rio de Janeiro, faça pesquisas e consulte
jornalistas, policiais e livros especializados. A periferia do Rio de Janeiro não é a mesma que a de
São Paulo ou do Rio Grande do Sul.

Se você for criar uma obra histórica, conheça os costumes, vestimentas, crenças e práticas da
época e do local. No caso da criação de um mundo novo, como o de Guerra nas Estrelas,
estabeleça coerências e determine o que pode e o que não pode ser rompido. O respeito a
suspensão da realidade do público é uma das características mais importantes de um grande
escritor.

Bons estudos!

Exercícios

Faça as seguintes perguntas:

- Onde se passa minha obra?

- Quais são os habitantes do meu mundo?

- Como as pessoas vivem nesse meu mundo ficcional?

- Qual é o relevo, clima e arquitetura do local?

- A realização de determinada ação por um personagem fere a coerência desse mundo?

42
43
Unidade 2 – Personagens
A Criação de Personagens
"Bem, ninguém é perfeito”.

Osgood Fielding III (Joe Brown) - Quanto Mais Quente Melhor

Um personagem bem construído é fundamental para o funcionamento de uma história e de


sua narrativa. Um escritor deve, através do roteiro, saber criar personagens marcantes que
consigam provocar na audiência as emoções desejadas, sejam elas de atração ou de repulsa, amor
ou ódio, preocupação ou indiferença.

A Necessidade Dramática

Talvez o passo mais importante para a criação de um personagem seja o de saber qual é a sua
NECESSIDADE DRAMÁTICA. O que esse personagem quer na história? Todo personagem
precisa de um objetivo, caso contrário será apenas uma carcaça vazia. Esse objetivo dramático não
deve ser construído apenas para os personagens principais, mas também para os personagens
coadjuvantes.

Além disso, a motivação do personagem precisa ser convincente. O roteiro precisa deixar
bem claro a importância do objetivo para o personagem. É uma falha grave fazermos o
personagem atravessar toda uma história sem que haja uma forte necessidade por trás de suas
ações. A regra tradicional é a de que o personagem precisa agir, correr atrás do seu desejo, e não
ficar estático observando o que acontece ao seu redor. Tudo deve ser obtido com sacrifício, para ter
maior valor. Geralmente, o personagem enfrenta no fim o seu maior medo, o obstáculo supremo.

Esse objetivo não precisa sempre ser algo externo. Pode ser um forte conflito interior, o que
geralmente produz obras mais densas e menos comerciais.

As Escolhas do Personagem

Devemos retratar um personagem pelas suas contradições, escolhas e relações.

Cada ação escolhida, cada resposta dada pelo personagem é o que o definirá perante a
audiência. A vida nos apresenta a todo o momento a oportunidade da escolha. Nossa vida
representa nossas escolhas, e com um personagem fictício acontece o mesmo.

A roupa de cada dia, a música a ser tocada em uma ocasião íntima, o que dizer em um
determinado momento, quais amigos escolher, qual profissão sonhar. A audiência formará sua
44
opinião em relação ao personagem de acordo com as escolhas que ele fizer. Se a audiência se
identificar e concordar constantemente com as ações do personagem, a tendência é gostar deste
personagem, mesmo que na vida real não exista para o leitor/espectador a possibilidade de realizar
e imitar essas mesmas ações.

É fundamental que o personagem tenha escolhas difíceis ao longo da obra, caso contrário ele
não terá força dramática. São nas horas mais difíceis que conhecemos melhor cada pessoa, e assim
também deve ser em uma narrativa.

O Arco do Personagem

As escolhas feitas pelo personagem não são ações vazias. Elas devem também provocar
mudanças em sua personalidade ao longo da história. A narrativa é mais eficiente quando o
personagem que começou a história seja transformado pelas suas ações. Chamamos as mudanças
ocorridas com o personagem ao longo de uma história de Arco do Personagem.

Há uma forte identificação na audiência com pessoas que mudam ao longo de suas vidas.
Pode ser uma mudança visível ou uma mudança sutil, mas ambas proporcionam o enriquecimento
e o crescimento de um personagem.

Dimensões de um personagem

Para construirmos um personagem realista, também temos que entender o princípio das
dimensões.

Um personagem com uma dimensão é um indivíduo que possui apenas um traço de


personalidade. Ele ou só é egoísta, ou só bom, ou só mal, ou só rancoroso, etc. Sempre preso
dentro de apenas um sentimento. Sua personalidade sendo a mesma dentro de qualquer situação,
com respostas automáticas e previsíveis. Os heróis e vilões dos quadrinhos eram assim até Stan
Lee e Jack Kirby revolucionarem o meio com seus personagens problemáticos e humanos,
começando com o Quarteto Fantástico.

A evolução de um personagem de uma dimensão é o personagem bidimensional, que por


possuir mais uma característica, geralmente contraditória, é um pouco mais complexo. Um
personagem pode ser ao mesmo tempo bondoso e super controlador, ou um vilão maldoso e
excelente pai de família, ou bonito, mas extremamente tímido. Não há um desenvolvimento muito
grande, mas personagens bidimensionais dão a ilusão de profundidade.

Já os personagens de três dimensões são bem realistas com várias contradições. Se você quer
que o seu personagem principal tenha mais complexidade e seja mais realista, faça-o
tridimensional. Logicamente, nem todos os personagens de uma história precisam ser
tridimensionais. Os personagens terciários raramente possuem mais do que uma dimensão e
inclusive alguns personagens secundários podem ter somente uma ou duas dimensões.
45
Características Físicas

As características físicas precisam ser bem detalhadas no processo de criação do


personagem. É imprescindível que o caráter principal tenha uma distinção visual destacada, ou
seja, um físico, um rosto, um jeito de falar, manias e comportamento diferenciado.

Cada indivíduo é único e deve-se evitar a qualquer custo basear um personagem importante
de uma história em um estereótipo. Estereótipos são para escritores preguiçosos e fracos, e sempre
diminuem a credibilidade de uma narrativa.

O Antagonista

Tudo que é válido no processo de criação dos personagens principais, também deve ser
utilizado para a criação do antagonista, o comumente chamado de "vilão". Muitas vezes, o
antagonista acaba se tornando o personagem mais importante da história, e já é célebre o ditado de
que o herói é tão bom quanto o seu vilão.

Assim como o personagem principal, o antagonista também deve ter uma motivação
convincente e deve ser extremamente difícil de ser derrotado. Um dos principais problemas do
herói Superman é a falta de bons antagonistas, pois a excessiva força do personagem acaba
dificultando processo de criação dos seus inimigos, até para escritores experientes.

Conclusão: Estabelecendo Laços entre o Público e o Personagem

O objetivo principal na construção de um personagem deve ser o estabelecimento de fortes


laços entre ele e o público da obra. Se o personagem for um "herói", o público deve torcer para ele.
Se construirmos um vilão eficiente, o público deve odiá-lo, ou como ocorre muitas vezes, também
amá-lo.

O que queremos que a audiência sinta ao ver o personagem é empatia, e não simpatia. Você
pode achar algum personagem simpático, mas não se importar e nem torcer por ele. A empatia é
muito mais forte.

Existem várias formas de fazermos com que o leitor/espectador sinta empatia por um
personagem. Podemos fazer com que ele sinta medo e dúvidas, ou seja, humanizá-lo. Podemos
tornar o seu objetivo algo praticamente impossível, constituindo uma causa nobre utópica. Pode-se
fazer com que o personagem sofra com a vida, mas nunca entregue os pontos (o famoso
underdog). Blake Snyder sintetiza muito bem esse princípio, ao defender no início de uma obra
uma cena de "Salvar o Gato" (Save the Cat scene) - É a cena onde encontramos o herói e ele

46
realiza uma ação "agradável", daí o exemplo de salvar um gato na árvore, que define um pouco do
personagem e conquista a audiência.

Um outro exemplo clássico fornecido é o diálogo de cenas iniciais de Pulp Fiction entre John
Travolta e Samuel L. Jackson dentro do carro. O diálogo fala sobre nomes de sanduíches e faz a
audiência se identificar com personagens que são assassinos. Como essa cena é mostrada antes dos
personagens praticarem atos de matança, a audiência já foi conquistada e eles não são vistos como
simples bandidos, mas como pessoas reais.

ANÁLISES DE UM PERSONAGEM (James Scott Bell)

Analise seu Personagem Principal

•O seu personagem é inesquecível? Cativante? Forte o suficiente para carregar o leitor por todo o
enredo? Um personagem principal tem que pular para fora da página. O seu faz isso?

•O seu personagem evita clichés? Ele é capaz de nos surpreender? O que é único nesse
personagem?

•O objetivo do personagem é forte o suficiente?•Como o personagem evolui ao longo da história?

•Como o personagem demonstra e mostra sua força interior? Analise sua Oposição (Antagonista)

•A oposição ao seu personagem é interessante?

•Ela está bem desenvolvida, não sendo apenas algo a ser jogado como obstáculo?

•Ela acredita (pelo menos em sua mente) na validade de suas ações?•Ela é realística?

•A oposição é tão ou mais forte que o personagem principal? (Deve Ser) Analise a relação entre a
Oposição e o Personagem Principal

•O conflito entre a oposição e o personagem principal é crucial para ambos?

•Porque eles simplesmente não desistem? Não se afastam? O que os prende? O que os liga?
Analise os Personagens Secundários

•Quais são os objetivos deles no enredo?

•São vibrantes e/ou interessantes?

PERGUNTAS PARA SEU PERSONAGEM (Victoria Lynn Schmidt)

Faça também as seguintes perguntas sobre seu personagem:

• Ele é introvertido ou extrovertido?

• Ele resolve os problemas usando instintos, pensamento lógico ou emoção?

• Ele quer mudar o mundo?

47
• Onde ele vive? Descreva seu quarto.

• Como ele se sente em relação a sua aparência?

• Como ele se sente em relação sua família e filhos?

• O que ele pensa sobre o casamento e o sexo oposto?

• Quais são seus hobbies?

• Quais são seus tipos de amigos?

• O que ele acha engraçado e/ou prazeroso?

• Como ele se sente em relação a sua sexualidade?

• Ele precisa ter sempre o controle sobre o que há em sua volta?

• O que outros personagens dizem sobre ele quando ele sai da sala?

• Ele leva a vida a sério ou age como uma criança a maior parte do tempo?

• Onde ele passa seus tempos vagos?

• O que importa para o seu personagem?

• O que o motiva?

• Como os outros personagens o vêem?

• Quais as três coisas que mais possuem valor? Seu modo de vida?

• Um objeto?

• De que ele tem medo?

• Como ele agirá quando estiver com medo?

Bons estudos!

Arquétipos para a Construção de Personagens

Um dos processos mais comuns de criação de personagens está fortemente relacionado a


utilização de arquétipos pelo autor. Basicamente, os arquétipos na escrita são modelos iniciais,
contendo características básicas essenciais que formam o rascunho de uma determinada
personalidade e que servem de ponto de partida para a elaboração de personagens.
A utilização de arquétipos para estudar o homem vem desde Platão, o primeiro a utilizar o
termo, e ganhou grande força com os estudos do psicólogo Carl Jung, que defendia a ideia do
inconsciente coletivo na humanidade, ou seja, que os homens de diferentes sociedades possuem

48
características comuns mesmo nunca estando em contato uns com os outros. Jung diz que todo ser
humano tem cinco arquétipos principais (A Sombra, A Anima, O Animus, A Persona, O Eu) que
se combinam formando seu caráter.
Muitos teóricos, não só da narrativa, mas também da sociologia e antropologia, vão avançar
os estudos dos arquétipos, buscando cada um a seu modo, definir quais seriam as "personalidades
padrão" de todo homem.
Abaixo, descreverei de maneira breve os principais arquétipos definidos por Vyctoria Lynn
Schmidt em seu livro 45 Masters Characters. São 8 arquétipos masculinos e 8 femininos, cada um
com seu "lado negro", totalizando os 32. Deixei de fora os arquétipos secundários, pois eles são
apenas derivados dos arquétipos principais. É um dos melhores estudos sobre o assunto.
É bom notarmos que utilizar um arquétipo de "lado negro" e obter a simpatia da audiência é
uma tarefa complicada, mas que se for bem sucedida trará bons frutos para a obra. É o caso da
audiência estabelecer fortes laços com vilões máximos como Darth Vader e Hannibal Lecter. Nem
todos os escritores são favoráveis a utilização de arquétipos. Um dos principais problemas na
utilização desse sistema é o autor criar personagens estereotipados, ou seja, caricatos, simples, sem
complexidades, baseados em clichês. Logo, um personagem realista geralmente é baseado em mais
de um arquétipo, se tornando mais complexo.
Devemos sempre lembrar que não há nenhuma regra rígida e que podemos criar um
personagem masculino usando apenas os arquétipos femininos. Os arquétipos também são
totalmente abertos a interpretações e depois do personagem pronto pode ficar difícil
determinarmos o arquétipo dele! Na verdade, a minha opinião é a de que devemos estudar e
praticar bastante o assunto para o processo de criação se tornar cada vez mais natural e intuitivo,
sem depender de listas e classificações.
PRINCIPAIS ARQUÉTIPOS MASCULINOS (Victoria Lynn Schmidt):

1. O Homem de Negócios

O homem de negócios é aquele que é viciado em trabalho, vendo o sucesso como prioridade
em detrimento de amizades. Geralmente é racional, utilizando constantemente a lógica, tendo
necessidade de ver tudo organizado. Como passa mais tempo na sua vida profissional do que
familiar, não dá um bom marido ou pai. Usa regras e ordens para evitar seus sentimentos. É o
arquétipo clássico do detetive. Exemplos: Sherlock Holmes, Dr. Spock (Jornada nas Estrelas),
Hercule Poirot (Agatha Christie), Tio Patinhas.

2. O Traidor (lado negro do Homem de Negócios)

49
Quando o Homem de Negócios cruza os limites e passa a ter sede de poder. Só enxerga o
trabalho, gosta de humilhar e manipular as pessoas, vendo-as como simples peças em um tabuleiro.
Muitas vezes acredita estar fazendo o certo. Exemplo: Ebenezer Scrooge (Um Conto de Natal de
Charles Dickens).

3. O Protetor

É aquele que busca proteger todos que estão em sua volta, e que deseja viver em uma redoma
protegida. Pode explodir a qualquer momento e vive mais de acordo com seu corpo do que sua
cabeça. Procura fazer as mulheres se sentirem especiais. Exemplos: Super-Homem, Rocky Balboa,
John Mclane (Duro de Matar).

4. O Gladiador (lado negro do Protetor)

É aquele que não sente prazer em proteger, mas sim em destruir, tendo ganância e desejo de
sangue. Possui um comportamento altamente impulsivo e imprevisível, não se importando com
nada ao seu redor. A vida pode se assemelhar a um jogo. Exemplo: Tony Montana (Scarface).

5. O Recluso

É o arquétipo de quem gosta de ficar sozinho, não se sentindo a vontade na presença de


muitas pessoas. Pode ter uma vida interior privilegiada e um espírito criativo, que utilizado de
forma exagerada leva o personagem a se perder em suas próprias fantasias. Passa horas lendo,
estudando e analisando ideias, tendo como motivação o conhecimento. Seus relacionamentos
geralmente são direcionados pela mulher, líder da relação. Exemplo: Fox Mulder (Arquivo X),
Victor Frankenstein, Dr. Jekyll.

6. O Bruxo (lado negro do Recluso)

50
Busca o conhecimento para fazer o mal aos outros e ao ambiente, sendo altamente egoísta. O
extremo do solitário, buscando evitar pessoas. Exemplos: Drácula, Dr. Hannibal Lecter (Silêncio
dos Inocentes).

7 . O Tolo

É um homem que por dentro ainda é um menino, tendo um ótimo relacionamento com
crianças pois possuem várias semelhanças. Ama piadas, e faz amigos por onde passa. Muitas vezes
age com inconsequência, pois está sempre buscando viver o agora, sendo um espírito livre. Adora
ser o centro das atenções. Exemplos: Joey Tribbiani (Matt Leblanc em Friends), Cosmo Kramer
(Michael Richards em Seinfeld).

8. O Abandonado (Lado negro do Tolo)

É o mendigo, vagabundo ou ladrão que fica nas ruas. Geralmente é o homem da lábia que
convence e manipula. Se os seus pais forem de uma condição social elevada isso pode ser um
grave problema, pois se torna arrogante e acha que está acima da lei. Exemplo: Randle Patrick
(Jack Nicholson em Um Estranho no Ninho).

9. O Homem das Mulheres

Ama as mulheres e qualquer coisa relacionada a elas. Possui fortes amizades femininas e
enxerga a mulher como igual ou superior, vendo extrema beleza em todas elas. Muitas vezes não
se dá bem com homens mas não liga pra isso. Pode ser afeminado ou não. Exemplos: Shakespeare
(Joseph Fiennes em Shakespeare Apaixonado), Jack Dawson (Leonardo DiCaprio em Titanic).

10. O Sedutor (lado negro do Homem das Mulheres)

É aquele que vive para arruinar a vida das mulheres. Pode possuir obsessão em relação a uma
mulher que não lhe dá atenção e gosta de destruir corações, pisoteando sentimentos após a
conquista.

11. O Messias Masculino

51
Aquele que possui uma forte causa, muitas vezes divina. Pode ter características andrógenas
e absorver facilmente qualquer outro arquétipo. Exemplo: Jesus Cristo, Luke Skywalker (Guerra
nas Estrelas), Neo (Matrix), Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Robin Hood, William Wallace
(Coração Valente).

12. O Justiceiro (lado negro do Messias Masculino)

Sua palavra é a lei, porém não é um vilão no sentido de ganhos pessoais pois acredita que
está fazendo o melhor para seus seguidores. Gosta de quebrar o ego das pessoas e humilhá-las para
depois convertê-las. Exemplo: Charles Kane (Orson Welles em Cidadão Kane), Darth Vader
(Guerra nas Estrelas).

13. O Artista

Está sempre em contato com suas emoções, canalizando-as para algo criativo, mas muitas
vezes não as controla, podendo explodir, afetando quem estiver em sua volta. Não é bom
administrador e depende de alguém para ajudá-lo. Geralmente é inseguro e demonstra
constantemente sua insatisfação, se importando com o que os outros pensam dele. Exemplo:
Vincent Van Gogh, Mozart (Tim Hulce em Amadeus).

14. O Abusado (Lado negro do Artista)

Quando o Artista não consegue controlar suas emoções se tornando uma pessoa volátil e
extremamente vingativa, ultrapassa todos os limites descontando sua frustração em todos ao redor.
É o homem que espanca a mulher e logo em seguida envia flores com pedidos de desculpa.

15. O Rei

É aquele que necessita de um "reino" para controlar. Geralmente é um político ou um chefe,


vivendo em excesso. Ama dominar. Não consegue enxergar todo o problema e ignora os detalhes e
as emoções. Quando fracassa busca preencher o vazio com bebidas e sexo. Exemplos: Rei Artur,
Júlio César.

52
16. O Ditador (lado negro do Rei)

Quando a vontade de dominar se torna uma obsessão e o personagem passa a desejar mais e
mais controle sobre seus subordinados, querendo ser um semideus e controlar o destino e vida dos
outros. É capaz de fazer leis sem sentido apenas para demonstrar seu poder, e pode ser passivo-
agressivo, geralmente deixando a pessoa cometer um erro para depois puni-la. Exemplos: Don Vito
Corleone (Marlon Brando em O Poderoso Chefão), Don Michael Corleone (Al Pacino em O
Poderoso Chefão - Parte II).

PRINCIPAIS ARQUÉTIPOS FEMININOS (Victoria Lynn Schmidt):

1. A Musa Sedutora

Mulher forte que sabe o que quer, de sexualidade aberta. Gosta de ser o centro das atenções,
mas teme a rejeição. Exemplo: Cleópatra, Scarlett O'Hara (E o Vento Levou).

2. Femme Fatale (lado negro da Musa Sedutora)

Usa suas qualidades, geralmente físicas, para controlar e manipular os homens. Seu corpo é
uma arma. Exemplos: a figura da Femme Fatale foi praticamente criada por Barbara Stanwick no
clássico noir Pacto de Sangue, onde ela interpreta Phyllis Dietrickson, seduzindo um vendedor de
seguros com o objetivo de matar o seu marido. Outros bons exemplos são Catherine Tramell
(Sharon Stone em Instinto Selvagem), Alex Forrest (Glenn Close em Atração Fatal), Elsa
Bannister (Rita Hayworth em A Dama de Xangai), Madeleine Elster (Kim Novak em O Corpo que
Cai).
3. A Amazona

É a feminista, que possui um lado masculino tão forte quanto o feminino. Geralmente é
apaixonada pela natureza e é selvagem, valorizado a liberdade. Prefere amizades femininas, mas
por muitas vezes afastar as mulheres acaba tendo mais amigos homens. Exemplos: Xena a Princesa
Guerreira (Lucy Lawless), Sarah Connor (Linda Hamilton em Exterminador do Futuro 2), Mulher
Maravilha.

4. A Górgon (lado negro da Amazona)

53
As Górgons na mitologia grega são as monstras com garras que transformam os seres vivos
em pedra apenas com o olhar. A medusa seria uma górgon. É uma mulher agressiva, que age como
uma ditadora e faz qualquer coisa para ajudar outra mulher. Possui uma fúria cega e insana.

5. A Filha do Pai

É a mulher que luta para ser igual um homem, e provar que é tão boa quanto um (diferente da
Amazona, que luta pela mulher e não se importa em se encaixar no mundo masculino). Sempre
argumenta contra a causa feminina e fica ao lado dos homens, querendo ser "um deles". Vê as
próprias mulheres como um sexo frágil. Exemplos: Dana Scully (Gillian Anderson em Arquivo X),
Clarice Starling (Silêncio dos Inocentes por Thomas Harris), Elizabeth I (Cate Blanchett em
Elizabeth).

6. A Traiçoeira (lado negro da Filha do Pai)

Atropela os outros para atingir seus objetivos e quer chegar ao topo a qualquer custo,
utilizando para isso sua inteligência. Se sente totalmente devastada por não poder fazer parte do
grupo masculino que parte para a vingança. Exemplos: Margo Channing (Bette Davis em A
Malvada), Miranda Priestly (Meryl Streep em O Diabo Veste Prada).

7. A Cuidadora

É a mulher que tem o senso de obrigação de cuidar de alguém, colocando sempre os outros
na sua frente. Geralmente possui uma profissão médica e normalmente não se importa muito com a
moda e nem com a beleza (geralmente sua beleza está escondida). É o arquétipo da mãe e esposa
protetora, mas que possui muitas fragilidades. Exemplos: Madre Teresa de Calcutá, Bela (de a
Bela e a Fera).

8. Mãe hiper-controladora (lado negro da Cuidadora)

Quando o desejo materno de proteger foge do controle. É a mãe que envenena o filho para
poder depois cuidar dele. Provavelmente raptaria uma criança só para poder cuidar dela. É a mestra
em infligir e impor culpa nos outros, apenas para que esses não saiam de casa e fiquem sob seus
"cuidados". Pode estimular um complexo de inferioridade no filho. Pensa que os outros não podem

54
viver sem ela quando na verdade ela é que não pode viver sozinha, exagera quando está machucada
ou tem alguma necessidade, se fazendo sempre de vítima. Exemplos: Enfermeira Ratched (Louise
Fletcher em Um Estranho no Ninho).

9. A Matriarca

É a mulher que está no comando, muito forte, e comprometida, fiel e amorosa. Faz tudo para
sua família e exige respeito. Nunca abandona a família e é a esposa perfeita e devota. O seu
momento mais inesquecível é o dia do seu casamento. Exemplo: Aurora Greenway (Shirley
MacLaine em Laços de Ternura).

10. A Desprezada (Lado negro da Matriarca)

É a mulher que sofre abandono pela família mesmo fazendo de tudo por ela. Pode fazer de
tudo para recuperar seu marido e o comando da situação, sempre achando que seu casamento tem
solução. Se o marido tem uma amante, a culpa é da amante e não dele.

11. A Mística

É a mulher de paz e misticismo, que ama ficar sozinha com seus pensamentos. Tem uma
mente forte e escolheu uma vida espiritual ao invés de casamento ou desejos terrenos. É um
espírito livre que vive em seu próprio mundo. Exemplos: Phoebe Buffay (Lisa Kudrow em
Friends), Annie Hall (Diane Keaton em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa)

12. A Traidora (lado negro da Mística)

É a velhinha que envenena o marido, onde por trás de uma aparência bondosa se esconde
grande maldade. Acredita que ninguém verá o seu lado verdadeiro. Geralmente causa enorme
decepção para as pessoas em sua volta quando estas descobrem a verdade.

13. O Messias Feminino

55
O Messias é o arquétipo de um andrógeno, e as versões masculinas e femininas são
praticamente idênticas. São personagens que tem uma forte causa relacionada a um grupo amplo de
pessoas. Essa causa não precisa ter necessariamente conexão com algo divino. Pode facilmente
conter outros arquétipos. Tem uma força interior que nunca morre e sempre se sacrificará pelos
outros. Exemplos: Joana D'Arc, Maria de Nazaré, Dama do Lago (Mitologia Arturiana), Galadriel
(Senhor dos Anéis por J.R.R. Tolkien), Trinity (Carrie-Anne Moss em Matrix).

14. A Destruidora (lado negro do Messias Feminino)

Não é uma vilã no sentido simples do termo. É uma vilã no sentido de proteger a qualquer
custo o bem maior (como jogar bombas atômicas para acabar com a Guerra). Vê o mundo em preto
e branco e muitas vezes provoca mais malefícios do que bondades. Humilha a pessoa para depois
convertê-la a sua causa.

15. A Donzela

Vive uma vida charmosa e alegre e não se preocupa com problemas dos dia-a-dia. É uma
mulher que corre muitos riscos pois se acha invulnerável. Dificilmente se estressa. Pode ser uma
mulher nos 40 que ainda age como uma garotinha, e no fundo não quer crescer, vivendo em um
mundo onde casamento, filhos e responsabilidade não ocupam um lugar de destaque. Gosta de
depender dos outros e adora variedade e festas. Exemplos: Lady Guinevere (Mitologia Arturiana),
Sandra Dee (Olivia Newton John em Grease), Julieta (de Romeu e Julieta por William
Shakespeare).

16. A Adolescente problema (lado negro da Donzela)

Mulher fora de controle, obcecada com festas, drogas, sexo e fazendo tudo em excesso.
Nunca aceita a responsabilidade pelos erros cometidos e não possui moral e ética. É depressiva,
egoísta e invejosa. É irresponsável e se acha acima da lei.

CONCLUSÃO

Com os estudos desses arquétipos o escritor terá uma base inicial para começar a trabalhar com
seus personagens. Escolher os arquétipos é apenas o processo inicial, pois a parte mais difícil é
56
transformar essas poucas características em um personagem real e humano, com complexidades e
contradições. É lógico que nem todos os personagens precisam ser tão complexos, e muitos são
simples e estereotipados de propósito. Mas o autor sempre deve ter um olhar especial para evitar
que um protagonista seja vazio e não provoque a identificação com a audiência.

Bons estudos!

57
Criando Personagens Incomuns

Muitas vezes os problemas de uma história não estão em sua estrutura, se ela foi bem
construída, mas sim nos seus personagens. Se os personagens são vazios, estáticos e não provocam
a simpatia e a empatia com o leitor/espectador, a história acaba se tornando quase insuportável.

Criar um personagem sólido e com potencial não é algo simples, e requer muita observação
por parte do autor. Existem inúmeras maneiras de dar vida ao seu personagem, e uma delas é a de
fazer com que ele apresente alguns traços incomuns em relação aos costumes da sociedade. Um
personagem incomum se for bem construído, pode ser o passo inicial para um personagem
memorável.

Existe um método bem fácil de criação de personagens incomuns. A autora Melanie Anne
Philips chamou este processo, largamente utilizado por diversos escritores, de "Mix and Match",
ou seja: Misturar e Combinar.

Basicamente o que temos que fazer é pegar alguns personagens corriqueiros e listá-los ao
lado de seus principais traços físicos e/ou mentais. Vamos utilizar três personagens de exemplo e
com poucas características para melhor entendimento.

Melissa, 16 anos, Estudante, Romântica

Claudio, 70 anos, Mendigo, Medroso

Sherlock, 35 anos, Detetive, Gênio

Bem, temos três personagens comuns com nome, idade, profissão e um traço de
personalidade. Logicamente para um personagem ser crível ele precisa ter diversos traços, mas
aqui estamos apenas utilizando-os como exemplo.

Agora começa o trabalho. É só trocarmos algumas características entre os personagens para


percebermos que eles se tornam mais interessantes.

Por Exemplo:

Melissa, 16 anos, Detetive, Romântica.

Agora ao invés de termos uma menina estudante, temos uma menina detetive. Como isso é
incomum em nossa sociedade, automaticamente cria um interesse em torno do personagem. Se o

58
autor saberá explorar bem isso já é outra história. Os japoneses usam muito bem jovens incomuns
em suas histórias.

Claudio, 70 anos, Mendigo, Gênio.

Temos agora um mendigo que é um gênio, e que possa ter tido um passado misterioso,
provavelmente de decadência, que o atirou no mundo cruel das ruas. Quem sabe um gênio de
xadrez que enlouqueceu ao fazer uma aposta infeliz e agora vive se torturando.

André, 70 anos, Estudante, Romântico.

E agora? Podemos ter um senhor que decide voltar a estudar, pois seu sonho sempre foi
escrever poemas, e agora quer perseguir o desejo de sua vida. Pode ser um personagem excelente
para um conto.

Às vezes basta mudarmos o sexo ou a idade que já faz uma diferença brutal. A Tenente
Ripley (Sigourney Weaver) na série de filmes Alien é um excelente parâmetro. Se o personagem
principal fosse um homem, a fascinação com a história com certeza teria um impacto menor.

Milhares de personagens já foram criados e até os mais incomuns podem por vezes soar
comuns, como um Detetive Medroso, um tipo já bastante explorado. Mas não deixe isso diminuir o
seu ânimo, pois a habilidade do escritor sempre supera esses obstáculos. Não deixe de fazer
exercícios, observando pessoas reais ou fictícias que você conhece e mudando uma ou outra
característica. Bons estudos!

59
Unidade 3 - Tópicos Diversos
50 Conselhos para um Escritor Iniciante

Resolvi colocar aqui alguns conselhos interessantes para ajudar a refrescar a cabeça de quem
gosta de escrever. Não há nenhuma sequência ou ordem específica nos conselhos. Lembrando que
praticamente todos esses pontos são analisados de forma mais profunda nos meus outros textos.

1. Escrever NÃO é um ato de inspiração, e sim um processo mecânico e repetitivo. Não fique
esperando por uma ideia divina. Sente e escreva.

2. A habilidade de escrever é adquirida. Quanto mais você escrever, melhor ficará. Não tem essa
de dom natural. Os grandes escritores erraram e ralaram muito.

3. Estude muito. Estude, estude, estude. Leia todos os livros que puder, veja todos os grandes
clássicos do cinema, vá ao teatro, compre revistas em quadrinhos. Quanto mais ampla for sua
cultura artística, maior será sua fonte de conhecimento.

4. Não é necessário "diploma" para ser escritor. Muitos dos grandes gênios da escrita nunca
colocaram os pés em uma faculdade. Portanto, não se preocupe com isso. Mas estude. E muito.

5. Busque sempre clareza em sua escrita. Nada de palavras difíceis e escrita arrastada. Estamos no
século XXI e não no século XVIII. Seja objetivo.

6. O processo de escrita NÃO é linear. Você não precisa começar a escrever pelo início de uma
história e nem escrever na ordem dos capítulos. Muitos começam pelo final.

7. Se der um branco no meio de uma frase ou parágrafo continue escrevendo. Pule de parágrafo,
pule de página, pule de capítulo. Só não fique muito tempo olhando para um espaço em branco.

8. Nunca engane a audiência. Tudo que acontecer em sua história deve ter um fundamento.
Nenhum personagem deve fazer algo que não se espera dele e não trate seu público como se fosse
um bando de idiotas. Infelizmente as novelas atuais de TV estão aí para quebrar essa regra todo
santo dia.

9. Saia de casa. Vá em lugares diferentes, conheça pessoas diferentes. Adquira experiência de vida
e puxe papo com velhinhos na rua. Você não tem ideia de como isso ajuda no amadurecimento do
escritor.

60
10. Não tenha projetos simultâneos. Se começou um livro, acabe esse livro. Começou-se um conto,
termine-o antes de começar outro. Fique focado em um projeto de cada vez.

11. Não fique corrigindo o tempo todo o texto. Acabe o primeiro rascunho (draft) da obra para
depois se ater nos detalhes. O primeiro passo é acabar o rascunho. A escrita de verdade começa na
revisão.

12. Escrever é reescrever. Faça o primeiro rascunho e depois reescreva até achar que ficou em um
bom nível. Só não fique obcecado na revisão, senão você nunca acabará o texto.

13. Vença o desânimo que irá ocorrer no meio da obra. Quando estamos no meio de um projeto dá
vontade de desistir, achamos que está uma porcaria e dá vontade de jogar tudo pro alto. É assim
mesmo. Acontece também quando acabamos de escrever algo. Sempre achamos que está ruim.
Afaste esse pensamento.

14. Escreva sobre algo. Mesmo que esse algo seja o nada, pelo menos você está dando uma direção
ao texto. Saiba sobre o que você está escrevendo.

15. Escreva sobre algo que tenha importância para você. Não escreva sobre um assunto qualquer só
porque está na moda ou porque você acha que vai ter maior aceitação.

16. Evite descrições detalhadas, principalmente na literatura. Ninguém quer ler dez páginas sobre o
clima do local ou a casa que o personagem se encontra. Quando J.R.R Tolkien escreveu o Senhor
dos Anéis, com suas grandes descrições, ele estava preocupado não só em contar uma história, mas
também em criar todo um mundo (Terra Média). Uma pesada descrição deixa o texto arrastado.

17. Valorize a ação e os diálogos. Deixe o roteiro ou o texto mais ágil e de fácil leitura. É muito
melhor revelar detalhes sobre alguém através de diálogo e ação do que através de descrição. A
ação ainda é mais eficaz que o diálogo. "Mostre, não conte".

18. Caso você seja um iniciante, busque sempre dividir a sua obra em três atos (Início, Meio e
Fim). Não tente reinventar a roda de primeira.

19. Não dê todas as informações para o leitor logo de início. Espalhe-as pelo texto. Além disso,
deixe espaço para o leitor poder criar com a própria mente partes de sua história. Valorize a
imaginação do público.

20. Evite muitos personagens em uma história. Quanto maior for o número de personagens, maior
será a dificuldade de fazer um bom texto e de dar vida a esses personagens.

61
21. Por incrível que pareça fazer um início e um final não é tão complicado quanto preencher o
meio da história. Procure, através de subenredos e de eventos importantes, manter o meio da
história (o Ato 2) interessante.

22. Busque sempre variações na sua história. Varie os locais, o ânimo dos personagens, o clima, a
hora do dia.

23. Não existe mais ideia original. Provavelmente tudo o que você pensar alguém já realizou.
Porém, existem infinitas possibilidades de reescrever ou escrever algo novo sobre um tema já
pensado. Desista de buscar a ideia revolucionária. Sente e escreva sobre algo do seu interesse.

24. Uma boa história é feita de conflitos intensos e dor. Seja na comédia, no desenho animado, no
drama e em filmes de ação. Conflito e dor. A audiência quer que o personagem principal seja feliz.
Torne isso difícil.

25. O escritor não precisa manter uma tensão insuportável a história inteira. Isso cansa o público.
Crie alguns momentos de relaxamento e leveza.

26. Sempre escreva na formatação correta. Tenha um programa específico para roteiro, caso seja o
seu objetivo.

27. Evite metáforas e comparações pomposas, pois diminuem a qualidade da escrita.

28. Sempre planeje sua obra antes de começar a escrevê-la. Tenha todas as cenas em cartões. Isso
não significa que você não deva alterar algo, mas sim que você já tem um caminho para se guiar.

29. Não existe tema pequeno. Um bom escritor escreve sobre qualquer tema e lhe dá contornos
épicos e dramáticos.

30. Fuja dos clichês e estereótipos. Eles podem até ser o seu ponto de partida, mas só.31. Todo
protagonista deve ter suas fraquezas. Todo vilão deve ter suas virtudes. Faça personagens reais e
com sentimentos. Não faça um vilão caricato.

32. Uma boa história se baseia no princípio da ação crescente, ou seja, a situação do protagonista
deve ficar cada vez pior e os conflitos mais intensos. Quando o público achar que nada pode piorar,
você deve aumentar ainda mais os problemas dos personagens.

33. Não fuja do tema central da história. Muitos filmes pecam por isso. Se você se distanciar muito
do tema central, pode ser que nunca mais o recupere.

34. Cuidado com as coincidências. Na vida real elas acontecem com frequência, mas em uma
ficção dá ideia de preguiça. Evite-as ao máximo.
62
35. Os personagens secundários também são cruciais. Dê atenção a eles.

36. Após escrever e concluir o seu primeiro rascunho da obra deixe-o em um canto por pelo menos
15 dias. Esqueça-o. Assim, quando você for realizar o processo de revisão, terá obtido o
distanciamento necessário para fazer mudanças.

37. Você não precisa começar uma história no Era uma vez... Tente começar com uma ação, com
algo dinâmico, para imediatamente prender a atenção do público.

38. As melhores histórias são aquelas que falam diretamente sobre as emoções que sentimos. São
histórias "humanas" carregadas de moral e valores que são discutidos pelo autor e pela audiência.

39. Um escritor não é um pastor nem um padre. Não dê sermões para a audiência. Não empurre
pela garganta do público o seu ponto de vista nem sua religião. Escreva de forma inteligente para
que sua mensagem seja transmitida ao longo da história e de maneira bem sutil.

40. Não faça uma história supercomplicada. Confundir a cabeça do público não é um bom sinal.
Faça sempre a seguinte pergunta: Por que a audiência tem que se importar com minha história e
com meus personagens? Se nem você conseguir responder, é hora de repensar a trama.

41. O público precisa saber desde o início os desejos dos personagens, o que eles querem, mesmo
que os próprios personagens não saibam. Assim, a audiência pode criar mais cedo uma empatia
pelos personagens e se prenderem a sua história. Faça personagens ativos, que busquem a história e
não somente fiquem reféns dos acontecimentos.

42. Os escritores geralmente valorizam muito o visual. Procure valorizar também outros sentidos
como o paladar e o olfato. Assim abrem-se novas possibilidades de interações com a cena.

43. Lembre-se que as mudanças radicais em sua história não devem vir de uma hora para outra. Se
o seu herói vai virar o vilão, deixe indícios de que isso pode acontecer ao longo do texto.

44. Mostre a obra para outros e tenha a sensibilidade de saber se a crítica é válida ou não. Mas
sempre siga a sua intuição. Se o próprio Martin Scorsese disser que um personagem seu está fraco
e você no seu íntimo não concordar, mantenha sua opinião. A obra é sua.

45. Leia seu texto em voz alta. Isso mesmo. Se soar bem, ótimo. Nas partes que não soar legal,
você sabe que tem que mudar.

46. Estamos no século XXI. Seu livro não precisa ser publicado por uma editora. Você mesmo
pode colocá-lo a venda na internet.

63
47. É muito difícil transformar um roteiro de cinema em filme no Brasil. Faça o roteiro, mas
também o adapte para um livro. Assim você terá mais chances.

48. Valorize sua imagem. Tenha um site ou blog com seus escritos.

49. A culpa é sempre sua. Não se esqueça disso. Não se faça de vítima e nem coloque a culpa de
um ou outro fracasso em outro. Busque aprender com os erros.

50. Nunca desista.

64
Escrevendo Bons Diálogos
"Fale como uma pessoa comum, mas pense como um sábio"

Aristóteles

Diálogo é conversação. Nada mais, nada menos. (Glória Kempton)

Diálogo não é conversação. (Robert Mckee)

Utilizando estes antagonismos, podemos dizer que um diálogo é diferente de uma


conversação típica, mas deve ter a capacidade de simulá-la, utilizando economia de palavras e o
objetivo de sempre mover a história. Deve soar natural, como uma conversação, mas não pode se
estender como uma.

Sua aplicação com eficácia em uma obra está longe de ser fácil. O autor deve estar atento a
vários pequenos detalhes, e qualquer desvio podem acabar com a credibilidade de sua criação.
Veremos abaixo alguns pontos básicos que serão muito úteis como uma introdução ao diálogo bem
construído.

1. Diálogo desenvolvendo a história

O escritor sempre deve estar preocupado em desenvolver sua história, em fazer ela se mover.
A história não pode ficar parada sem nenhum evento significativo acontecendo. Cada diálogo deve
ter como função avançar a narrativa, e, ao final de cada cena, devemos estar em uma situação
diferente daquela de seu início.

Por isso, os diálogos devem ter tensão e conflito, ação e reação. Não é interessante um
personagem sempre concordar com o outro. O que faz uma história se mover é o drama provocado
por esse conflito. Se em um diálogo nada está em jogo, ele só está servindo para travar a narrativa.
É necessário notarmos que em grandes filmes, até os diálogos aparentemente "banais" são
fundamentais para a história. Em um primeiro momento, os diálogos de um filme de Woody Allen
podem parecer vazios, mas com um olhar mais agudo, vemos que cada diálogo avança a história ao
nos mostrar mais do personagem e do enredo. Tenha isso em mente.

Geralmente, é necessário encontrar um equilíbrio entre diálogo, narrativa visual (cinema),


descrição (livro e hq) e ação. Vão existir momentos que teremos que usar o diálogo, ou momentos
que vamos apenas usar ação. Isso está ligado ao ritmo (pacing) que o escritor quer dar para a obra.
De maneira superficial, podemos dizer que em um livro, o diálogo acelera a obra, pois dá um alívio
para a descrição e longas passagens de texto. Já em um filme, ao contrário, o diálogo, se não for
65
realizado de forma ágil, muitas vezes torna a obra mais lenta. O autor deve sempre ter esse
conhecimento para poder determinar o ritmo de sua obra e/ou cena.

2. Diálogo revelando os personagens.

As pessoas falam e conversam de maneira distinta, e através do tipo de fala, podemos


aprender muito sobre um personagem. Podemos saber de onde ele vem por causa do sotaque (que
deve ser utilizado moderadamente), podemos saber seu grau de instrução, sua classe social, entre
outras inúmeras características.

Talvez, o mais difícil na escrita de um diálogo, seja fazer com que os personagens soem
diferentes sem que pareçam artificiais, principalmente na literatura, quando não há a imagem de
um ator para ajudar na distinção visual. O escritor é apenas um, e deve dar voz a vários
personagens distintos criados por ele mesmo. O ideal é achar alguns traços, costumes, falas e
manias especiais de cada personagem e usá-los ao longo da obra de maneira equilibrada.

Um diálogo também pode revelar qual é o objetivo do personagem na história, geralmente de


extrema importância para o andamento da narrativa. Sabemos qual cada história se baseia em uma
busca do personagem pelo seu objetivo, e ele pode deixar claro qual é esse objetivo através do
diálogo. É uma maneira muito efetiva de passar para a audiência as intenções do enredo.

"Eu a amo e não vou sossegar enquanto não retirá-la daquele marido imbecil." Pronto, temos
uma história estabelecida de forma clara. É lógico que muitas vezes o personagem não vai querer
dizer diretamente para um outro o que ele deseja, e então cabe ao autor buscar outras boas
alternativas.

Porém, ao longo da trama, o personagem principal sofre modificações, o chamado "arco do


personagem", e o diálogo também pode servir para retratar essa mudança. O mesmo personagem
do diálogo anterior poderia dizer o seguinte no final da história: "Eu estava errado. Esse amor
quase acabou com minha vida. É hora de seguir meu próprio caminho." E a audiência percebe
através do diálogo como a história alterou o personagem de maneira significativa e profunda.

3. Diálogo fornecendo informações

O escritor deve ter o conhecimento de saber passar as informações necessárias de maneira


gradual, diluindo essas informações ao longo da obra. É muito comum escritores amadores
despejarem toneladas de informações para a audiência logo no início da conversa, de forma
altamente artificial. Reparem esse exemplo, de um diálogo entre uma esposa e um marido:

66
"Nosso filho João acabou de ligar. Como você sabe, ele tem um cachorro, é manco, um
excelente engenheiro e está em depressão."

Quem é que fala assim? Se for uma conversa entre marido e mulher, supõe-se que ambos já
saibam disso tudo. O escritor precisa criar diálogos que atendam as necessidades do personagem, e
não as dele. Essas informações devem vir naturalmente, não é bom revelarmos tudo muito cedo.
Além disso, não é só o diálogo que é usado para revelar pontos importantes. Uma imagem e uma
descrição bem feita devem também ter influência. Esse é um erro bem amador que não deve ser
cometido.

É um famoso e fatídico cliché, colocar um personagem contando todo a sua vida para um
estranho no primeiro encontro. Pode ser que você conheça alguém que já tenha feito isso, mas não
é o normal. Até para uma pessoa íntima, poucas vezes falamos de forma direta o que pensamos e
sentimos. O escritor deve ter cautela ao criar personagens e diálogos muito "transparentes", que
revele facilmente as emoções em jogo. Um diálogo bem feito é carregado de "subtexto", ou seja, o
personagem fala uma coisa, mas na verdade está pensando outra. Essa técnica requer muito
conhecimento e estudo da psicologia humana por parte do escritor, mas quando funciona, a obra
imediatamente alcança um nível superior de qualidade. Logo, um diálogo nos ajuda a saber como é
um personagem, mas é fundamental que saibamos que uma pessoa sempre é revelada pelas suas
ações, e não pela sua conversa. A conversa pode muitas vezes esconder a verdade.

4. Criando diálogos eficientes.

O escritor não pode cair no erro de achar que o diálogo de uma obra é o mesmo que uma fala
da vida real. O diálogo tem como função capturar a essência de uma conversa real. Se pararmos
para analisar uma conversa comum veremos que as pessoas gaguejam, param toda hora para
recuperar o raciocínio e falam coisas sem sentido. Muitas vezes eu me assusto ao ouvir minha aula
gravada por um aluno. Todo o tempo paro para refletir, buscar palavras e pensamentos, eficaz para
uma aula, mas bem diferente de como deve ser a fala em uma obra. Capture a essência da
conversa, logicamente adicionando pitadas realistas para tornar a conversa mais crível. Se
pararmos para analisar os diálogos de uma novela de televisão, veremos que quase nunca os
personagens falam juntos. Sempre fala um, para depois o outro iniciar a conversa. Isso é muito
artificial e me incomoda. Busque a essência e a naturalidade, sem imitar 100% um diálogo real,
mas também sem fazer uma conversa absurdamente artificial.

Uma das formas mais eficientes para analisarmos a fluidez e naturalidade de um diálogo é o
lermos em voz alta. Ele deve soar bem e ser plausível. O escritor, se praticar constantemente esta
técnica, se possível com a ajuda de algum outro estudioso, evoluirá rapidamente. Evite uma

67
linguagem muito formal nos diálogos, como se as palavras saíssem da boca de um nobre francês do
século XVIII ou de Sherlock Holmes, a não ser que o personagem siga esse estilo. Muitos
escritores, ansiosos para mostrarem seu "vasto vocabulário", geralmente inútil, acabam entupindo a
audiência com palavras incomuns e artificiais.

Em um diálogo realista, uma pessoa não fica chamando a outra pelo nome toda hora. O
escritor deve prestar atenção para não repetir o nome do personagem constantemente nos diálogos:

"Oi Sandro, tudo bem?"

"Está gostando do trabalho, Sandro?"

"Ei Sandro, vamos tomar um café?"

Devemos também evitar a qualquer custo o famigerado diálogo das "cabeças falantes", ou
seja, duas pessoas imóveis conversando. Os personagens precisam fazer uma ação enquanto
conversam, nem que seja ajeitar a camisa, beber água, abrir a geladeira ou coçar a cabeça. Essas
pequenas ações dão mais vida ao diálogo e evita a monotonia das "cabeças falantes".

Os diálogos mais interessantes são os carregados de emoção. Uma conversa baseada na


raiva, no medo, no amor. Porém, evite o chamado melodrama, muito comum nas novelas de
televisão. O melodrama exagera o tempo todo, as emoções, tornando-as artificiais. E somente se o
autor/diretor for um mestre da narrativa, como Stanley Kubrick ou Yasujiro Ozu, não faça também
o oposto, ou seja, a minimização das emoções, como se os personagens fossem robôs sem alma.
Um mestre da narrativa transforma a ausência de emoções em frustração acumulada dentro do
personagem, o que requer muita habilidade.

Outro tópico interessante é se devemos ou não usar gírias ou sotaque no diálogo. O conselho
padrão é usá-los com muita moderação. Lógico que fantásticas obras foram escritas cujos
personagens só falam com sotaques e gírias, mas isso cansa a audiência, estabelece preconceitos e
cria estereótipos. Coloque uma ou outra gíria ou sotaque regional, sem exageros, e seu personagem
passará bem melhor sua mensagem.

Para haver um diálogo, duas ou mais pessoas precisam estar conversando. Logo, não é
aconselhável coloca um personagem falando sem parar enquanto o outro apenas escuta. Isso deve
ocorrer apenas em ocasiões especiais.

5. Conclusão

Esses conselhos só terão efeito se o estudante também analisar os diálogos das grandes obras
já feita. Um diálogo de um livro é escrito de maneira diferente do de um script de cinema, mas a
68
base e o que funciona ou não segue praticamente as mesmas regras. Observe o estilo de escrita dos
seus autores favoritos e busque desenvolver o seu próprio. Um escritor só consegue obter um estilo
único após absorver a maior quantidade possível de influências, nunca deixando de ler, e sempre
com um olhar crítico de aprendizado. Bons estudos!

69
Pontos de Vista na Literatura
É muito complicado determinarmos qual é a principal razão do interesse das pessoas por
histórias. Existem inúmeras opiniões distintas, cada uma com sua parcela de razão. Porém, não
podemos negar que há o encanto por entrarmos em um mundo que não é o nosso, em uma mente
que não é a nossa, vivermos a vida de uma outra pessoa, torcer por ela, chorar com ela,
extravasarmos nossas fantasias. Um escritor precisa ficar atento a este fato, e no processo de
construção de seu texto ele precisa definir a seguinte questão:

Através da visão de qual ou quais personagens contarei esta história?

A resposta a essa pergunta nos levará à definição do Ponto-de-Vista (POV) da obra, ou seja,
quem contará os acontecimentos e como eles serão narrados.

Vamos agora analisar os principais POVs existentes na literatura.

1. Primeira Pessoa

A narração em primeira pessoa se baseia no "eu". O narrador se mescla com o próprio


personagem e obtemos uma história altamente pessoal. Exemplos:

Na ardente manhã de Fevereiro em que Beatriz Viterbo morreu, depois de uma imperiosa
agonia que não cedeu um só instante nem ao sentimentalismo nem ao medo, notei que os painéis
de ferro da Praça da Constituição tinham renovado não sei que anúncio de cigarros louros; o facto
doeu-me, pois compreendi que o incessante e vasto universo já se afastava dela e que essa
mudança era a primeira de uma série infinita. Mudara o universo mas eu não, pensei com
melancólica vaidade; sei que, algumas vezes, a minha vã devoção a exasperara; morta, podia
consagrarme à sua memória, sem esperança, mas também sem humilhação. Lembrei-me de que a
30 de Abril era o seu aniversário; visitar, nesse dia, a casa da Rua Garay para saudar seu pai e
Carlos Argentino Daneri, seu primo direito, era um acto cortês, irrepreensível, talvez iniludível. De
novo aguardaria no crepúsculo da abarrotada salinha, de novo estudaria as circunstâncias dos seus
muitos retratos. Beatriz Viterbo, de perfil, a cores; Beatriz, com máscara, no Carnaval de 1921; a
primeira comunhão de Beatriz; Beatriz, no dia do seu casamento com Roberto Alessandri; Beatriz,
pouco depois do divórcio, num almoço do Clube Hípico; Beatriz, em Quilmes, com Delia San
Marco Porcel e Carlos Argentino; Beatriz, com o pequinês oferecido por Villegas Haedo; Beatriz,
de frente e a três quartos, sorrindo, com a mão no queixo... Não seria obrigado, como outras vezes,

70
a justificar a minha presença com módicas ofertas de livros - livros cujas páginas, finalmente,
aprendi a cortar, para não comprovar, meses depois, que se mantinham intactos.

Jorge Luis Borges - O Aleph (1949)

Em uma confeitaria, certa vez, ao meu amigo Castro contava eu as partidas que havia
pregado às convicções e às respeitabilidades, para poder viver. Houve mesmo uma dada ocasião,
quando estive em Manaus, em que fui obrigado a esconder a minha qualidade de bacharel, para
mais confiança obter dos clientes, que afluíam ao meu escritório de feiticeiro e adivinho. Contava
eu isso. O meu amigo ouvia-me calado, embevecido, gostando daquele meu Gil Blas vivido, até
que, em uma pausa da conversa, ao esgotarmos os copos, observou a esmo: - Tens levado uma
vida bem engraçada, Castelo!

Lima Barreto - O Homem que Sabia Javanês (1911)

O POV em primeira pessoa tem a vantagem de uma proximidade máxima com o


personagem que narra a obra, e acabamos compartilhando totalmente todas suas sensações,
emoções e opiniões. Os pensamentos desse narrador/personagem são facilmente transmitidos, já
que ele "conversa" diretamente com o leitor. O problema de se utilizar o POV de primeira pessoa é
que geralmente ficamos preso somente a uma visão, e geralmente não podemos narrar o que esse
personagem não vê.

Nós nunca devemos "enganar" o leitor quando utilizamos a primeira pessoa. Se o narrador
sabe de algo, os leitores também devem saber, não havendo espaços para surpresas de última hora.
Por isso, não é recomendado que o narrador de histórias de detetive e mistério seja o personagem
principal, senão o suspense e o mistério perderia muito de sua força. As histórias de Sherlock
Holmes precisam ser narradas pelo Dr.Watson, que ao se surpreender com as façanhas de seu
amigo acaba também transferindo sua emoção ao leitor.

Um erro comum no POV em primeira pessoa é o autor escrever suas próprias opiniões e as
transferir totalmente para o personagem. O escritor tem que ter cuidado. Mesmo estando em
primeira pessoa, o personagem narrador não é o autor, e sim uma pessoa distinta criada para os
propósitos da história, que deve ter sua própria individualidade para ser crível. É lógico que se o
autor estiver escrevendo um texto autobiográfico esse problema não se aplica.

2. Terceira Pessoa

A narração em terceira pessoa se baseia no "ele", "ela" ou "isto", e a maioria das obras
comerciais são escritas nesse POV. Ao mesmo tempo em que podemos saber o que se passa dentro

71
do personagem ("Ele pensou"), também podemos analisá-lo por fora, pelos olhos do autor ("Ele
fez"). Exemplos:

De manhã cedo era sempre a mesma coisa renovada: acordar. O que era vagaroso,
desdobrado, vasto. Vastamente ela abria os olhos. Tinha quinze anos e não era bonita. Mas por
dentro da magreza, a vastidão quase majestosa em que se movia como dentro de uma meditação. E
dentro da nebulosidade algo precioso. Que não se espreguiçava não se comprometia não se
contaminava. Que era intenso com uma joia. Ela. Acordava antes de todos, pois para ir à escola
teria de pegar um ônibus e um bonde, o que lhe tomaria uma hora. De devaneio agudo com um
crime. O vento da manhã violentando a janela e o rosto até que os lábios ficavam duros, gelados.
Então ela sorria. Como se sorrir fosse em si um objetivo. Tudo isso aconteceria se tivesse a sorte
de "ninguém olhar para ela". Quando de madrugada se levantava - passado o instante de vastidão
em que se desenrolava toda - vestia-se correndo, mentia para si mesmo que não havia tempo de
tomar banho e a família adormecida jamais adivinhara quão poucos ela tomava. Sob a luz acesa da
sala de jantar, engolia o café que a empregada, se começando no escuro da cozinha, requentara.
Mal tocava no pão que a manteiga não amolecia. Com a boca fresca de jejum, os livros embaixo do
braço, abria enfim a porta, transpunha a mornidão insossa da casa, galgando-se para a gélida
fruição da manhã. Então já não se apressava mais.

Clarice Lispector - Preciosidade (1960)

Lulu Bergantim veio de longe, fez dois discursos, explicou por que não atravessou o
Rubicon, coisa que ninguém entendeu, expediu dois socos na Tomada da Bastilha, o que também
ninguém entendeu, entrou na política e foi eleito na ponta dos votos de Curralzinho Novo. No dia
da posse, depois dos dobrados da Banda Carlos Gomes e dos versos atirados no rosto de Lulu
Bergantim pela professora Andrelina Tupinambá, o novo prefeito de Curralzinho sacou do paletó
na vista de todo mundo, arregaçou as mangas e disse:- Já falaram, já comeram biscoitinhos de
araruta e licor de jenipapo. Agora é trabalhar!E sem mais aquela, atravessou a sala da posse,
ganhou a porta e caiu de enxada nos matos que infestavam a Rua do Cais. O povo, de boca aberta,
não lembrava em cem anos de ter acontecido um prefeito desse porte.

José Cândido de CarvalhoPorque Lulu Bergantim não Atravessou o Rubicon (1971)

A vantagem da terceira pessoa é que o autor tem maior flexibilidade para contar a história,
não precisando ficar preso a somente uma visão, como na primeira pessoa. Porém, devemos ter
certos cuidados. Qual é a proximidade que teremos com cada personagem? Saberemos com
detalhes o que se passa dentro da cabeça de cada um? O escritor precisa ter isso em mente na
construção da obra.

72
Toda vez que pulamos de uma mente para a outra, o leitor acaba também tendo que alterar
sua visão, o que pode causar um certo desconforto e até a perda da concentração. Além disso, saber
o que se passa na cabeça de todos os personagens pode tornar a obra muito fragmentada e
inconsistente.

Muitos autores se utilizam do que chamamos de terceira pessoa limitada, ou seja, mantém
durante a obra uma relação de proximidade com apenas um personagem. Apesar da obra ser
narrada em terceira pessoa, nós só sabemos os sentimentos e as opiniões de um só caráter, o que
torna o texto mais coeso e próximo a uma primeira pessoa, uma narração quase pessoal. Porém, o
mais comum em obras comerciais é o autor ficar "passeando" pelas mentes dos personagens e isso
deve ser feito com muita suavidade para não causar vertigem no leitor.

O autor deve conscientemente definir qual o tipo de aproximação a narração terá com
determinado personagem. O fragmento abaixo mostra um certo distanciamento do narrador:

Artur se aproximou do pequeno banco onde Rosa, com suas pequenas mãos, costurava o
que parecia ser uma luva. Ele estava visivelmente indeciso e não sabia se aquele era o momento
certo de se declarar.

Vamos ver como esse fragmento se transforma quando o narrador estabelece uma relação
mais íntima com o personagem Artur, típico da terceira pessoa limitada:

Artur se aproximou do pequeno banco onde Rosa, com suas pequenas mãos, costurava o
que parecia ser uma luva. E agora? O que fazer? O nervosismo só aumentava, o suor escorria. Ela
era tão linda, mas o medo de uma rejeição se tornava cada vez maior.

O POV de terceira pessoa permite inúmeras possibilidades narrativas, e deve ser utilizado
quando temos vários personagens importantes que precisam mostrar suas vozes e pensamentos, ou
quando a narração em primeira pessoa é vista como uma opção claustrofóbica para a história,
desejando o autor mais flexibilidade.

3. Omnisciente

Omnisciente é quando o narrador é uma espécie de "Deus": sabe de tudo e de todos,


inclusive fazendo comentários diretos para o leitor. É uma radicalização da terceira pessoa, sendo
bastante artificial e invasivo, pois penetra em um mundo que deveria ser privacidade do leitor.
Muito comum no século XIX, foi perdendo sua popularidade ao longo dos anos mas ainda pode ser
encontrado em algumas obras atuais.

73
A principal diferença entre terceira pessoa e omnisciente, é que em terceira pessoa o
escritor permanece de certa forma invisível, deixando espaço somente para os personagens. Já no
POV omnisciente, o escritor participa ativamente da narrativa. Exemplo:

Que ele era um dos primeiros gamenhos de seu bairro e outros bairros adjacentes, é coisa
que não sofre nem sofreu nunca a menor contestação. Podia ter competidores; teve-os; não lhe
faltaram invejosos; mas a verdade, como o sol, acabou dissipando as nuvens e mostrando a face
rutilante e divina, ou divinamente rutilante, como lhes parecer mais correntio e penteado. O estilo
há de ir à feição do conto, que é singelo, nu, vulgar, não desses contos crespos e arrevesados com
que autores de má sorte tomam o tempo e moem a paciência à gente cristã. Pois não! Eu não sei
dizer coisas fabulosas e impossíveis, mas as que me passam pelos olhos, as que os leitores podem
ver e terão visto. Olho, ouço e escrevo.

Machado de Assis - Dívida Extinta (1878)

4. Epistolário

Epistolário é quando a narração se dá por meio de documentos escritos ou gravados, como


cartas, notícias de jornais, e-mails, entrevistas e diários. É muito raro termos uma obra inteira
sendo narrada através de epistolários, sendo o mais comum termos apenas alguns fragmentos do
texto utilizando esse POV.A obra mais famosa escrita totalmente em epistolários é provavelmente
Drácula de Bram Stoker:

Diário de Jonathan Harker (Taquigrafado) 3 de maio.

Bistritz - Parti de Munique às 8,35 da noite e cheguei a Viena na manhã seguinte, muito
cedo; devia ter chegado às 6,46, mas o trem estava atrasado uma hora. Tive ótima impressão de
Budapeste, pelo que pude ver do trem, e pelo pequeno passeio que dei pela cidade. A impressão
que tive foi a de estar saindo do Ocidente e entrando no Oriente. O tempo estava muito bom
quando partimos e, ao anoitecer, chegamos a Klausenburg, onde passei a noite no Hotel Royale.
Ali jantei, ou melhor, ceei, uma excelente galinha temperada com uma espécie de pimenta
vermelha. (Nota: arranjar receita para Mina.) Meu alemão, embora eu o fale mal, me foi muito útil;
para falar a verdade, não sei como me arranjaria sem ele. Antes de partir de Londres, como
dispunha de algum tempo, fiz uma visita ao Museu Britânico, onde consultei livros e mapas
referentes à Transilvânia. Descobri que a região por ele mencionada fica perto das fronteiras de

74
três Estados, Transilvânia, Moldávia e Bucovina, nos Montes Cárpatos, um dos lugares mais
selvagens e menos conhecidos da Europa.

Drácula - Bram Stoker (1897)

Considerações finais

Evite mudar constantemente os POVs de uma história. O mais comum é combinarmos


primeira ou terceira pessoa com epistolário. Não é muito interessante combinarmos primeira com
terceira pessoa, pois causa confusão no leitor. Porém, a escrita, como toda arte, não precisa seguir
fórmulas preparadas, tendo espaço para experimentos, desde que estes sejam feitos com atenção e
por alguém de habilidade.

A escolha do narrador e do POV é de fundamental importância. Nem sempre o personagem


principal precisa ser o narrador. O escritor deve buscar o ângulo de visão mais interessante para
contar o seu texto e ter sempre em consideração que o narrador deve presenciar as cenas mais
importantes da obra. Bons estudos!

75

Vous aimerez peut-être aussi