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Educação
Aula 05
Os saberes necessários para a educação contemporânea
Objetivos Específicos
• Reconhecer os saberes necessários para uma formação cidadã.
Temas
Introdução
1 Educação para a emancipação, autonomia e cidadania
2 Saberes e construção da cidadania para um desenvolvimento sustentável
Considerações finais
Referências
Professora
Marcia Santos da Rocha
Proposta Pedagógica e Concepções em Educação
Introdução
Na data em que se comemora o Dia Mundial da Alimentação (16 de outubro), promovido
pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o órgão emitiu
um alerta de que dois bilhões de pessoas sofrem de desnutrição, ou seja, sofrem de uma
ou mais deficiências em micronutrientes1. O órgão também nos remete à notícia de que,
simultaneamente, 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas anualmente, o
que representa 1/3 da produção mundial de alimentos. Você tem ideia do que é isso? Já havia
parado para pensar sobre o assunto? Talvez você se pergunte, como eu estou me perguntando
agora e ao longo de algum tempo, qual a minha participação nisso?
Certo dia, falando sobre a fome e a miséria no mundo com os meus alunos dos anos
iniciais do ensino superior, uma das alunas falou algo assim: “Professora, você quer que eu
coloque a comida que restou no meu prato numa caixa de Sedex e mande para a África?”
Fiquei impactada com o tom de ironia implícito no comentário. Mas, ao mesmo tempo, não
muito surpresa, uma vez que parece que essa é a reação da maioria de nós: o que eu tenho
com isso? Não posso resolver os problemas do mundo!!
Percebe-se aí a ausência de uma postura cidadã, porém, eis a grande questão: parece-nos
faltar espírito cidadão, principalmente solidariedade e uma atitude sustentável em relação à
vida. É do que trataremos ao longo das nossas próximas aulas.
Em Rodrigues (2001) encontramos uma das proposições que oferece suporte para os
grandes discursos a respeito do que se considera a finalidade da educação escolar no mundo
moderno: a preparação dos indivíduos “para o exercício da cidadania”. Este fim, proclamado
nas entrelinhas do denominado “Relatório Condorcet”, aprovado na Assembleia Francesa em
1792, encontra-se reafirmado como princípio na educação brasileira, nos termos do artigo
205 da atual Constituição, no artigo 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e,
de modo semelhante, em outros textos legais e normativos da educação brasileira.
O texto constitucional sugere que o conceito de cidadania resulta de uma função social
– a prática da cidadania – onde o seu significado emerge. Similar a todo conteúdo
semântico, ele só é plenamente compreendido na relação com a vida social. Por seu
lado, é o ato concreto do exercício da cidadania que dá sentido ao termo cidadão.
Portanto, cidadania é um atributo aplicado ao cidadão e, mais importante ainda:
recebe sua legitimidade na ação educativa.[...]. Desse modo, explicitar esse conceito
torna necessário demonstrar a opção do modelo de sociedade, de organização
social, de identidades históricas e de projetos de futuro em que ele é considerado.
E ainda assumir que este conjunto de opções, racionais, fundadas em vontades e
princípios, vai formatar o conceito de cidadão assumido e, por decorrência, explicitar
o sentido dos termos “exercício de cidadania” [...] Do ponto de vista histórico,
remetemo-nos ao mundo clássico construído pelos gregos e que nos liga à ideia de
pólis como comunidade constituída por indivíduos livres, autônomos, habitantes de
um determinado espaço geográfico e social. Interessa-nos considerar que, para ser
cidadão na Grécia clássica, algumas condições deveriam ser preenchidas. Só poderia
ser cidadão o indivíduo livre para expressar e exercer a sua vontade no espaço público
e assumir as responsabilidades decorrentes dessa vontade. (RODRIGUES, 2001, p.
237).
Paulo Freire (1996), por sua vez, avança na ideia de emanciapação, dizendo que o ser
humano possui uma necessidade ontológica de superar o condicionamento histórico em que
se encontra, destacando que, ao tomar consciência do seu inacabamento, de sua inconclusão,
o ser humano busca ser mais e é justamente essa conscientização do ser humano que o leva
à necessidade da educação. Portanto, o autor desenvolve um pensamento que fundamenta
a educação para emancipação, reconhecendo a autonomia do sujeito racional, possuidor
de liberdade e que, coletivamente e reconhecendo os saberes construídos na experiência,
é capaz de romper com a estrutura social opressora bem como capaz de construir uma
sociedade emanciapada.
O Ser Humano, por não receber qualquer determinação por natureza, pode construir
o seu modo de vida tendo por base a liberdade da vontade, a autonomia para
organizar os modos de existência e a responsabilidade pela direção de suas ações. Essa
característica do ser humano constitui o fundamento da formação do sujeito ético.
Este deve ser o objetivo fundamental da Educação, ao qual devem ser submetidas
toda e qualquer prática educativa, aí incluídas as escolares (RODRIGUES, 2001, p. 232).
Isso traz, como desdobramento, a possibilidade de formar um sujeito ético que saiba
reconhecer, sem deixar de ser humano, em uma atitude de descentramento, que há vidas
não humanas pulsando no ambiente e que estas vidas têm direito a existir e a durar para além
das necessidades imediatas do consumo humano (CARVALHO, 2008). Essa crença sustenta
saberes atitudinais de respeito e prudência em relação à tomada de decisões sobre o destino
e o uso dos bens naturais (por exemplo, preservação de matas virgens, o destino do pré-
sal, utilização de energias limpas, tais como a eólica e a solar, cuidados para não extinção
das espécies, etc.) e bens culturais (educar para não contribuir para a degradação de bens
públicos como transportes, patrimônios públicos, moradia, e desenvolver uma cultura para
o reaproveitamento sustentável). Em grandes cidades, é muito comum observarmos pessoas
destruindo bens públicos, como transporte coletivo, estações de metrô, praças e áreas de
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Proposta Pedagógica e Concepções em Educação
lazer, como se esquecidos de que, após a sua permanência ali, outras pessoas necessitarão
daquele bem.
Unger (apud CARVALHO, 2008) há muito tem discutido sobre o sentido do cuidar, do
morar, do habitar o mundo em uma atitude de convivência amistosa, segundo a qual preservar
e salvar é “deixar ser” a terra e seus seres, acolhê-los e preservá-los na dignidade que lhes
é própria, sem reduzi-los à condição de objetos cujo único valor está em como podem ser
utilizados para nos beneficiar.
De acordo com Oviedo (2011, p. 94), um cidadão é um ator que tem capacidade de
conceber, de decidir e de agir sobre seu entorno e, portanto, com direitos e deveres. Um
dos atributos da cidadania é a cidadania ambiental, compreendida como os saberes éticos
que nos vinculam tanto com a sociedade quanto com os recursos naturais do planeta, de
acordo com o nosso contexto social, da perspectiva do desenvolvimento sustentável. Por sua
vez, sustentabilidade é um tipo de desenvolvimento orientado que garante a satisfação das
necessidades fundamentais da população e eleva sua qualidade de vida por meio do manejo
racional dos recursos naturais, proporcionando a conservação, a recuperação, o melhoramento
e o uso adequado, por processos participativos e de esforços locais e regionais de tal maneira
que, tanto esta geração quanto as futuras, tenham a possibilidade de desfrutá-los com
equilíbrio físico e psicológico, garantindo sua qualidade de vida e a sobrevivência da espécie
humana e do planeta (BÁRCERNA apud OVIEDO, 2011). Assim, podemos deduzir que o
desenvolvimento de um cidadão está diretamente relacionado à sustentabilidade. Entretanto,
apesar de observamos um avanço inegável do discurso da sustentabilidade, com diversos
eventos regionais, nacionais e mundiais sendo organizados, o mesmo não tem ocorrido no
plano das transformações sustentáveis. Ao contrário, tem-se agudizado tendências que nos
levam a uma crise ecológica inédita.
apropriar-se e consumir bens naturais, o que implica poucos frutos e raros compromissos no
sentido de reverter as atuais ameaças ecológicas, mesmo diante de décadas de declações
advindas dos mais reconhecidos foros internacionais (OVIEDO, 2011)
Isso envolve atitudes pontuais e locais que, por sua vez, têm implicações planetárias.
Para isso, são exigidas novas maneiras de pensar e agir, a fim de que tenhamos um mundo
mais justo e um ambiente mais equilibrado. Portanto, a escola deveria organizar seus espaço
e repensar sua atitude, visando o redimensionamento dos valores humanos: respeito às
diversidades; atitude política e ética e mudança de comportamento, por exemplo, revisão de
hábitos de consumo (de água, alimentos, tecnologia e vestiário, entre outros); negociação de
interesses, como saberes essenciais que podem redundar em um ambiente mais harmônico
e respeitoso. A escola tem o dever de desenvolver em seus alunos a consciência de que uma
simples atitude local implica reflexos planetários. Por exemplo, quando estou desperdiçando
alimento, estou contribuindo para o aumento do custo do produto, afinal, em um sistema
capitalista, a regulação dos preços está pautada na lei da oferta e da procura. Ao alterar o
Considerações finais
A educação é o meio pelo qual se pode preparar o indivíduo para uma integração plena
como sujeitos da vida pública. Pensar na educação em prol da construção e exercício da
cidadania requer que o espaço escolar deve ser o pioneiro na construção de espaços de
liberdade e ação cidadã, no envolvimento da comunidade na construção de um modo de
viver que possibilite um maior grau de exercício de liberdade naquilo que é público e privado,
encaminhando tal comunidade para processos de superação e de negociação de conflitos
cada vez mais isentos de violência, diferentemente do que temos acompanhado nos últimos
dois anos pelo mundo.
Assim, cada vez mais será exigido das escolas mais do que a formação intelectual dos
educandos, mas, sim, a formação de seres humanos, o que implica um processo educativo
cada vez menos fragmentado e hierarquizado em prol da formação do sujeito ético com os
outros sujeitos e com a natureza. Lembremos, ainda, que devemos, como cidadãos livres
e autônomos, assumir não apenas a responsabilidade por nossas vidas, mas também em
relação aos outros seres vivos. A responsabilidade necessita ser irrigada pelo sentimento de
solidariedade, ou seja, de pertinência a uma comunidade, à comunidade planetária.
O educador é um agente transformador do seu entorno. Isso nos leva a refletir que somos
formadores de opinião e, portanto, temos responsabilidade na formação de uma consciência
mais humanizada de crianças, jovens e adultos. A formação de um indivíduo só faz sentido se
for pensada em relação ao mundo em que ele vive e à sua responsabilidade com os outros e
com o planeta.
Referências
CARVALHO, I. C. M. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 3. ed. São Paulo:
Cortez, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. 25. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
MORIN, E. A cabeça bem feita. 2. ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 2001.