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MESTRADO EM PSICOLOGIA
RESUMO
Este trabalho se constitui como uma discussão acerca das possibilidades de subjetivação do humano em
condição de adoecimento, no presente contexto da prevalência da gestão preventiva da saúde – que tem
um caráter de contenção de gastos para o Estado –, e da inserção do especialista na família com a
promessa de dar uma resposta para qualquer mal-estar. O que abordamos é o fato de que não há saber
antecipado sobre o sujeito, mas que, com o declínio da lei paterna que nos permite suportar um pouquinho
escutar o que não sabemos do Outro. No entanto o que podemos perceber na realidade é que, ao mesmo
tempo em que a família não sabe o que fazer com o doente, o saber médico aliado à gestão pública, a
partir dos novos modelos da dita clínica ampliada, empurra a responsabilidade para a família.
ABSTRACT
This work is constituted as a discussion of the human subjectivity possibilities in disease condition in the
present context the prevalence of preventive health management - which has a containment character
expenditures for the state - and the insertion of the expert in the family with the promise to respond to any
discomfort. What approach is the fact that there is to know in advance about the subject, but, with the
decline of the paternal law that allows us to endure a little listen to what we do not know the Other.
However what we can see in reality is that while the family did not know what to do with the patient, the
medical knowledge combined with public management, from new models of extended clinic said,
pushing the responsibility for family.
INTRODUÇÃO
1
Mestrando em Psicologia da Universidade Federal do Maranhão.
entrada do especialista na dinâmica familiar, que está intimamente relacionada com a
constituição de um saber médico que se antecipa e homogeiniza a demana, atrelado a
um modelo de gestão da saúde. Essa conjugação de eventos não é sem consequências
para quem precisa do tratamento principalmente no campo da saúde mental. São
algumas dessas consequências, que dizem respeito às possibilidades de escuta desse
sujeito paciente que queremos discutir. Para tanto, utilizaremos a teoria psicanalítica
freudiana, lida a partir de Jacques Lacan e daqueles que lhe seguiram na transmissão de
seu ensino e que podem nos propiciar teorizações mais recentes acerca do que iremos
abordar.
Dizer que o que se tem como ideia de família está mudando é mais simples
que conceitua-la. Afinal, o que outrora poderia vir a ser entendido como sua
configuração quando do poder da religião na organização social – o homem, a mulher e
os filhos –, fica particularmente evidente na atualidade que não cabe como critério para
conceituação. Dada a multiplicidade das organizações familiares devido a fatores como
divórcios, casamentos homossexuais, exigências de qualificação para o mercado de
trabalho, maior longevidade, entre outros, ficaria muito complicado dizer o que é
família a partir da sua composição.
Na psicanálise a família está intimamente relacionada ao complexo de
Édipo, pois como Freud (1930[1929]/2006) nos diz, é desde a infância, na organização
familiar que a possibilidade de entrada no social é construída. Não devemos tomar ao pé
da letra a mitologia empregada por Freud, pois ele a utiliza para nomear uma estrutura
de constituição do humano que não está restrita às figuras do pai e da mãe.
Lacan com o recurso aos registros real, simbólico e imaginário, nos mostra
como é possível fazer repousar o trabalho da psicanálise nas estruturas de linguagem.
Em seu retorno a Freud, ele nos diz claramente que é a fala que sempre está em questão
para o analista. Ela é propriamente o instrumento de seu trabalho, segundo Lacan, que
vai buscar resgatar sua dignidade e seu lugar no tratamento (LACAN, 1964/2008).
Então, não se trata então somente de que haja ali para o sujeito um homem
que ocupe lugar de pai e uma mulher que ocupe lugar de mãe na estrutura edípica, se
trata também de funções dentro de uma rede de significantes que nos atravessa e nos
constitui. Vejamos o que é isso.
Utilizando de maneira particular a divisão entre significante e significado de
Saussure, Lacan nos mostra como a realidade dos significantes é descolada dos
significados.
É nisso que vou reter vocês um instante, para fazer-lhes sentir como são
necessárias aqui as categorias da teoria linguística, para com as quais tentei
no ano passado torná-los menos rígidos. Vocês se lembram que, em
linguística, há o significante e o significado, e que o significante deve ser
tomado no sentido material da linguagem. A armadilha, o buraco no qual não
se deve cair, é a de crer que o significado são os objetos, as coisas. O
significado é coisa totalmente diversa – é a significação, sobre a qual eu
expliquei para vocês, graças a Santo Agostinho, que é linguista tanto quanto
o Sr. Benveniste, que ela sempre remete à significação, isto é, a uma outra
significação. O sistema da linguagem, em qualquer ponto que vocês o
apreendam, nunca se reduz a um indicador diretamente dirigido a um ponto
da realidade, é toda a realidade que está abrangida pelo conjunto da rede da
linguagem. Vocês nunca podem dizer que é isso que é designado, pois,
mesmo quando conseguirem, vocês nunca saberão o que eu designo nesta
mesa, por exemplo, a cor, a espessura, a mesa enquanto objeto, ou qualquer
outra coisa que seja (LACAN, 1955-56/2010, p. 43-44).
Isso endossa para nós o fato de que a realidade dos objetos é constituída
sobre uma rede de significantes que se articulam uns aos outros para então podermos
atribuirmos sentido. A linguagem tem um funcionamento próprio que não está ligada
biunivocamente com nenhuma indicação de qualquer coisa no mundo, portanto possui
sua própria autonomia e é o que permite propriamente ao humano organizar sua
realidade. O exemplo da mesa nos mostra que o que lhe dá sua significação não está em
parte alguma do “objeto mesa”.
A constituição do humano enquanto alguém no social então, na família, em
qualquer lugar que seja, passa necessariamente pela entrada na ordem significante. Isso
significa que aquele sujeito faz parte de uma comunidade cultural, com normas, regras e
costumes que são transmitidos pela linguagem. É isso que o complexo de Édipo
autoriza.
Esses elementos do social já estão dados na rede de significantes, na cultura.
Antes que o humano possa adquirir certo controle da fala, a organização significante já
está presente para ele, pois ele é contado por um Outro. Então, que seja um certo
alguém especificamente que possa vir a ocupar as funções determinadas pela linguagem
na estrutura edípica, isso é contingente, diz respeito à história de cada um.
Também o Outro tem, além dele, esse Outro capaz de dar fundamento à lei.
Essa é uma dimensão que, é claro, é igualmente da ordem do significante, e
que se encarna em pessoas que sustentam essa autoridade. Que essas pessoas
faltem, vez por outra, que haja carência paterna, por exemplo, no sentido de o
pai ser imbecil demais, não é o essencial. O essencial é que o sujeito, seja por
que lado for, tenha adquirido a dimensão do Nome-do-pai (LACAN, 1957-
58/1999, p. 162).
O homem, segundo a higiene, devia ser antes de tudo pai. Mas, esta função
não coincidia com a atividade familiar do patriarca colonial. O pai antigo era
fundamentalmente um proprietário. Possuía bens, escravos, mulheres e filhos
a quem impunha sua lei e seu direito, sem maiores obrigações para com
terceiros. Deveres, só para consigo mesmo. Compromissos, só com seu
nome, sua honra, suas riquezas (COSTA, 2004, p. 240).
Assim, o pai colonial era aquele que detinha a autoridade para preservar e
transmitir a lei simbólica, inclusive com o seu nome, como o próprio autor aborda. A
esse pai não cabia prestar explicações, ou seja, não estava em uma posição de
semelhante com os outros membros da família. Essa dissimetria de lugares é importante
para que o limite seja estabelecido, de acordo com aquilo que constitui a função paterna
no drama edípico. Quando afirmamos que a questão da transmissão não se centra nas
figuras imaginárias, não significa que estas, uma vez que são elas que encarnam a
função simbólica, não tenham importância. O que, por outro lado, não significa que haja
uma relação causal direta.
O deslocamento da referência paterna é situado pelo autor num contexto
onde a família é questionada sobre sua capacidade de cuidar de seus próprios entes,
como expresso pelo movimento higienista, que tinha como ideal uma reforma sanitária
para o social.
Uma nostalgia liga o sujeito ao objeto perdido, através da qual se exerce todo
esforço de busca. Ela marca a redescoberta do signo de uma repetição
impossível, já que, precisamente, este não é o mesmo objeto, não poderia sê-
lo. A primazia dessa dialética coloca, no centro da relação sujeito-objeto,
uma tensão fundamental, que faz com que o que é procurado não seja
procurado da mesma forma que o que será encontrado. É através da busca de
uma satisfação passada e ultrapassada que o novo objeto é procurado e que é
encontrado e apreendido noutra parte que não no ponto onde se procura.
Existe aí uma distância fundamental, introduzida pelo elemento
essencialmente conflitual incluído em toda busca do objeto (LACAN, 1956-
57, 1995, p. 13).
O engodo de que é possível uma resposta que diga do real do objeto, livre
de qualquer traço do sujeito, leva-nos a crer que haja uma receita para prevenir ou tratar
todos os casos. O ideal científico advém da nostalgia de síntese entre eu e mundo a que
nos referíamos.
Lacan nos diz que na física (mãe das ciências naturais) há uma significação
mínima que é a de Umwelt, que significa a conjunção minimal de dois significantes: “o
um e o todo – que todas as coisas são uma ou que o um é todas as coisas” (LACAN,
1955-56, p. 216). Ou seja, há uma significação de saída que marca seus significantes
ainda que não haja ninguém lá para significa-los. Isso já implica algo da ordem do
sujeito.
No campo da física isso não é um problema tão grave, mas sabemos que a
psiquiatria, em seu afã de confirmar-se como ciência médica, tem se aproximado cada
vez mais do modelo biologista de explicação dos fenômenos humanos. Vejamos porque
isso é complicado.
O modo de pensar das ciências da natureza é dentro da ordem de uma
síntese do eu. Acredita-se que a consciência é o motor de tudo, foi assim até Freud. Esse
modo de pensar exclui a possibilidade fundamental do mal-entendido da linguagem a
que nos referíamos para tentar nos colocar na ordem de um discurso inequívoco que
todos entendam e que diga de todos.
No entanto, como vimos, cada sujeito se insere na ordem significante a
partir de sua própria história, sua própria origem. Isso de saída torna qualquer esforço de
enquadrá-los num saber a priori, no campo da saúde mental, um empreendimento
arriscado e danoso. Pois, a dimensão que interessa ao trabalho é a dimensão humana
com suas especificidades e questões.
Os avanços dos exames de imagem e da biologia arrastam consigo, cada vez
mais, o saber psiquiátrico para uma antecipação classificatória e prescritiva, na qual
corre-se o risco de não se escutar o que faz questão para aquele sujeito diante do qual se
está. Como afirma Czermak:
O que ele nos diz nesse trecho é que o aspecto particular do trabalho clínico,
aquilo com que cada um pode significar sua falta, pode muito bem ficar de fora dessa
classificação que, democrática, oferece toda possibilidade de recobrimento imaginário
para qualquer coisa que nos aflija a todos nós. Munidos desses manuais, bem como das
respectivas respostas farmacêuticas para os males já previstos de antemão, poderia até
parecer que havíamos nos livrado do incômodo da linguagem.
É o que as políticas de gestão de saúde exigem do especialista. Quanto mais
pessoas puderem ser abrangidas pelo seu trabalho, mais ele “rende”. Como afirma
Melman (2009, p. 364), “(...) o Estado não se interessa pelos sujeitos, ele só se interessa
pelos indivíduos, ou seja, aqueles que se inscrevem nas estatísticas e nos
recenseamentos”.
De modo mais abrangente, Czermak nos aponta como se articulam esses
fenômenos:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
____. O Seminário, livro 4: nas relações de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1999.
MELMAN, Charles. A prática psicanalítica hoje – Conferências. Rio de Janeiro:
Tempo Freudiano, 2008.
____. Para introduzir a psicanálise nos dias de hoje. Porto Alegre: CMC, 2009.