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Revista de Filosofia
v. 11 nos 15-16 Jan./Dez. 2004
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Filosofia
Universidade Federal do Rio Grande do Norte ISSN 0104-8694
Reitor
José Ivonildo do Rêgo
Vice-Reitor
Nilsen Carvalho Fernandes de Oliveira Filho
Diretor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Márcio Moraes Valença
Coordenador do PPGFIL
Juan Adolfo Bonaccini
Vice-Coordenador do PPGFIL
Abrahão Costa Andrade
Princípios, Revista de Filosofia
Editores Responsáveis
Markus Figueira da Silva
Comissão Editorial
Ângela Maria P. Cruz, Cláudio F. Costa, Monalisa Carrilho de Macedo
Editor de Resenhas
Glenn W. Erickson
Conselho Editorial
Colin B. Grant (UFRJ), Walter E. Wright (Clark University/USA), Franklin Trein (UFRJ), Marco
Zíngano (USP), Guilherme Castelo Branco (UFRJ), Enrique Dussel (UNAM – México), André
Leclerc (UFPB), Daniel Vanderveken (Quebec/Canada), Maria das Graças de Moraes Augusto
(UFRJ), Elena Morais Garcia (UERJ), Gottfried Gabriel (Friedrich Schiller Universität, Jena/Ale-
manha), Mario P. M. Caimi (UBA/Argentina), Roberto Machado (UFRJ), Steven Daniel (Texas
A & M University/USA), Maria Cecília M. de Carvalho (PUC – Campinas), Matthias Schirn
(Universität München/Alemanha).
Editoração Eletrônica
Marcus Vinícius Devito Martines
Princípios é uma revista que tem como objetivo principal promover a discussão e a divulgação
de idéias pertencentes a qualquer área da filosofia, sem restrições de método. Para aquisição,
encomenda ou assinatura, o interessado deverá dirigir-se ao seguinte endereço:
ISSN 0104-8694
RN/UF/BCZM CDU 1 (06)
Princípios
Revista de Filosofia
v. 11 nos 15-16 Jan./Dez. 2004
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Filosofia
Sumário
Mario A. L. Guerreiro
O erro moral na tragédia e na epopéia, 83
Giovanni Casertano
Morte, 109
Rachel Gazolla
O Ofício do Filósofo Estóico, o duplo registro do discurso da Stoa, 111
Apresentação
1 Uma primeira versão do presente texto foi apresentada no II Colóquio Internacional do GIPSA
– Grupo Interdisciplinar de Pesquisa sobre as Sociedades Antigas – Imagem e Narrativa na
Antigüidade Clássica, realizado em outubro de 2000, na Faculdade de Letras da UFMG. A atual
versão valeu-se das discussões e sugestões feitas pelos professores David Bouvier, Jacyntho Lins
Brandão, Maria Sylvia Carvalho Franco e Marcelo Pimenta Marques, ao longo de agradáveis −
e algumas vezes intempestivas − conversas nas noites mineiras do GIPSA. Em especial agradeço
também a Alice Bitencourt Haddad, doutoranda em Filosofia na UFRJ, não só pela revisão do
texto, mas, sobretudo, pela amizade e pela interlocução sempre inteligente.
2 Cf. Rep., 449 a: Agathèn mèn toínyn tèn toiaúten pólin te kaì politeían kaì orthèn kalô. [A uma
cidade e constituição dessas chamo eu, portanto, boa e reta. ]
3 Cf. Rep., 358 b: “epithymô gàr akoûsai tí t’éstin hekáteron kaì tína ékhei dýnamin autò kath’
autò enòn en têi psykhêi, toùs dè misthoùs kaì tà gignómena ap’ autôn eâsai khaírein.” [Desejo
ouvir o que é cada uma delas, e que dýnamis possuem por si, quanto existem na alma, sem ligar
importância aos salários nem aos prazeres. ]; 366e: “...autò d’ hekáteron têi autoû dynámei en têi
toû ékhontos psykhêi enón, kaì lanthánon theoús te kaì anthrópous, oudeìs pópote oút’ en poiései oút’
8 Filosofia Antiga
já diz respeito à idéia de bem, a questão da forma não será, por sua
vez, menos complexa, pois quando Gláucon e Adimanto exigem a
composição do “épainos/enkómion”4 da dikaiosýne, nela mesma e por
ela mesma, coisa que nem Gláucon jamais viu ser feita pela maioria
(hoi polloí), nem Adimanto pelos poetas5, estão sugerindo a Sócrates
a demonstração do argumento filosófico como um gênero do lógos,
isto é, que o filósofo determine a diferença entre o seu modo de argu-
mentar e os modos sofístico e poético, explicitando, enfim, em que
consiste a “utilidade” do lógos filosófico.
Colocando de lado sua adynamía, Sócrates proporá a seus interlo-
cutores auxiliar a dikaiosýne nos limites de sua dýnamis (dýnamai
epikoureîn autêi)6. E aí cabe, então, perguntar: que limites são esses?
A resposta parece-nos, à primeira vista, simples: de um lado, a phýsis,
en idíois lógois epeksêlthen hikanôs tôi lógoi hos tò mèn mégiston kakôn hósa ískhei psykhè en hautêi
dikaiosýne dè mégiston agathón.” [...quanto ao que são cada uma [a justiça e a injustiça] em si e
o efeito que produzem por suas próprias dynámeis, pelo fato de se encontrarem na alma do seu
possuidor, ocultas a homens e deuses, ninguém jamais demonstrou suficientemente, em prosa
ou em verso, até que ponto uma é o maior dos males que uma alma pode albergar, ao passo que
a outra, a justiça, é o maior dos bens. ]
4 Platão parece não estabelecer uma diferença rigorosa entre épainos e enkómion, na República
eles são usados indistintamente para referir-se ao “louvor”, seja às ações virtuosas, seja aos ho-
mens bons e virtuosos. Se seguirmos as indicações dadas no Banquete, veremos que a diferença
aí sugerida entre o épainos e o enkómion está na forma do louvor: os poetas o fazem em versos,
enquanto os sofistas o fazem em prosa: “Não é estranho, Erixímaco, que para outros deuses
haja hinos e peãs, feitos pelos poetas, enquanto que ao Amor todavia, um deus tão venerável
e tão grande, jamais um só dos poetas que tanto se engrandeceram fez sequer um encômio
(enkómion)? Se queres, observa também os bons sofistas: a Hércules e a outros eles compõem
louvores (epaínous) em prosa, como o excelente Pródico − e isso é menos de admirar, que eu já
me deparei com um livro de um sábio em que o sal recebe um admirável elogio (épainon), por
sua utilidade; e outras coisas desse tipo em grande número poderiam ser elogiadas (enkekomias-
ména).” Cf. Banquete, 177a-b (Tradução de José Cavalcante de Souza). Dover em sua edição do
Banquete comenta: “The speech which each guest delivers is described indifferently as épainos
‘praise’ (e. g. 177d2) or an ‘encomium’ (e. g. 177b1) of eros.” DOVER, K. 1980. p. 11.
5 Cf. AUGUSTO, Maria das Graças. O visível e o invisível nos argumentos do livro II da
República. Textos de Cultura Clássica. Belo Horizonte. V. 8, n. 19, p. 19-42, onde discuto os ar-
gumentos apresentados por Glaúcon e Adimanto a partir da relação entre o visível e o invisível,
efetivada pela dýnamis do anel encontrado por Gyges e pelo lógos dos poetas que leva os homens
ao Hades, tornando visível o que é, por natureza, invisível.
6 Cf. Rep., 368a-c: “...mas quanto mais confio em vós, mais me sinto embaraçado com o que
hei de fazer. Pois não tenho maneira de defender a justiça. Parece-me que sou incapaz. [...] E,
por outro lado, não posso deixar de a defender. Com efeito, tenho receio que seja impiedade
que, atacando-se a justiça na minha presença, eu não a defenda, nem lhe acuda enquanto pu-
A arte de narrar ou as relações perigosas entre a Philosophía e a Tékhne 9
der respirar e for capaz de falar. O melhor, portanto, é socorrê-la dentro dos limites da minha
capacidade (dýnamis).” (Tradução de M. H. da R. Pereira).
7 Cf. Rep., 335c: “Mas a justiça não é a areté dos homens?” (Tradução de M. H. da R. Pereira,
com modificações).
8 Rep., 363c: “Efetivamente [os poetas], levam-nos com o lógos ao Hades, instalam-nos à mesa,
preparam-lhes um banquete dos bem-aventurados, coroando-os de flores, e fazem-nos passar
todo o tempo, daí em diante, a embriagar-se, imaginando que o mais poderoso salário da
virtude é uma embriaguez perpétua.”.... Sobre o argumento poético exposto por Adimanto, cf.
AUGUSTO, M. G. M. op. cit., 1996. p. 27-31; 34-35.
9 Cf. Rep., 369a7-8: “...ei gignoménen pólin theasaímetha lógoi, kaì tèn dikaiosýnen autês ídoimen
àn gignoménen kaì tèn adikían?
10 Cf. Rep., 369b2-3: “oîmai mèn gàr ouk olígon érgon autò eînai.”
11 Cf. Rep., 369b6-7: “Gígnetai toínyn, ên d’égó, pólis, hos egôimai, epeidè tynkhánei hemôn hékas-
tos ouk autárkes, allà pollôn endeés; è tín’oíei arkhèn allen pólin oikízein? Ao afirmar o princípio da
koinonía como fundante da pólis, Platão está já a contrapor-se às teses sofísticas, e, certamente,
10 Filosofia Antiga
já poderíamos ver aqui uma alusão à tese de Hípias acerca de sua “integral” autarkheía: “Pois
és o mais sábio dos homens em todas as artes, como de uma feita já te ouvi gabar-te na ágora,
junto de uma banca de câmbio, ao enumerares a variedade verdadeiramente invejável de tuas
aptidões. Dizias que certa vez em que foste a Olímpia tudo o que trazias sobre o corpo havia
sido feito por ti. Em primeiro lugar, o anel que tinhas no dedo − foi por aí que principiaste −
era trabalho teu, pois, sabia muito bem entalhar anéis; trazias, também, um cinto feito por ti;
tua escova de banho e um frasquinho de óleo eram de tua fabricação. De seguida, disseste que
tu mesmo havias cortado os sapatos que então calçavas, bem como havias tecido o manto e a
túnica. Porém o que mais deixou a todos estupefatos, como demonstração de tua extraordinária
sabedoria, foi dizeres que o cinto da túnica que tinhas no corpo, também feito por ti, era igual
aos da mais fina fabricação persiana. Ademais, levavas contigo poemas diferentes, epopéias,
tragédias e ditirambos, além de composições em prosa da mais variada espécie. A respeito das
ciências a que há momentos me referi, apresentavas-te como superior a quem quer que fosse,
bem como em ritmo, em harmonia e na arte de bem escrever, e em muitos outros gêneros, se
bem me lembro, em que também te sobressaias. Sim, quase ia esquecendo a tua menmotécnica,
em que te consideras particularmente brilhante. É certeza haver-me olvidado de muita coisa.”
PLATÃO. Hípias Menor, 368b-e. [Tradução de Carlos Alberto Nunes, com modificações].
12 Cf. Rep., 369c1-4; 369d1-2 ...“ állon ep’ állou, tòn d’ ep’ állou khreíai, pollôn deómenoi, polloùs
eis mían oíkesin ageírantes koinonoús te kaì boethoús, taútei têi xynoikíai ethémetha pólin ónoma.
[...] Allá mèn próte ge kaì megíste tôn khreíon he tês trophês paraskeuè toû eînai te kaì zên héneka.
13 Cf. Rep., 369e2-3: “...héna hékaston toúton deî to autoû érgon hápasi koinòn katatithénai;
370a9-b1-2: “...hóti prôton mèn hemôn phýetai hékastos ou pány hómoios hekástoi, allà diaphéron
tèn phýsin, állos ep’ állou érgou prâxin.
14 Cf. Rep., 370 b3: “...póteron kállion práttoi án tis heîs òn pollàs tékhnas ergazómenos, è hótan
mían heîs?
15 Rep., 370c2: “...Ek dè toúton pleío te hékasta gígnetai kaì kállion kaì rhâion, hótan heîs hèn
katà phýsin kaì em kairôi, skolèn tôn állon ágon, práttei.”
A arte de narrar ou as relações perigosas entre a Philosophía e a Tékhne 11
20 Rep., 372d-7-10: “Háper nomízetai, éphe: epì te klinôn katakeîsthai, oîmai toùs méllontas mè
talaipopreîsthai, kaì apò trapezôn deipneîn, kaì ópsa háper kaì hoi nýn ékhousi, kaì tragémata.”
[“O costume − respondeu ele −. Acho que devem reclinar-se em leitos, se não quiserem que se
sintam infelizes, e que jantem, à mesa, iguarias como hoje há, e sobremessas.”]
21 Rep., 372e-7: “He mèn oûn alethinè pólis dokeî moi eînai hèn dielelýthamen, hósper hygiés tis;
ei d’ aû boúlesthe kaì phlegmaínousan pólin theorésomen; oudèn apokolýei.”
22 O estabelecimento da “tryphôsa pólis” com suas novas modalidades de vida comunitária
facilitará a Sócrates a exposição da paideía como o procedimento capaz de purificar, e, conse-
qüentemente, restabelecer a saúde da “cidade phlegmática”. Um exemplo do caráter do cidadão
da “tryphôsa polis” está demarcado no Mênon quando Sócrates, apontando a hýbris de seu inter-
locutor afirma que Mênon se esquece da geometria e age como os “tryphôntes” , os que vivem
no luxo, no excesso, e que tiranizam enquanto dura sua beleza. Portanto, a figura ambivalente
de Mênon, personagem do diálogo homônimo, que nas palavras de Xenofonte desejava sempre
obter vantagens e que para chegar a seus objetivos usava o perjúrio e a fraude, sendo hábil em
inventar mentiras (cf. XENOFONTE. Anábase, III, 21-26) e que interroga Sócrates acerca da
areté, parece ser uma das espécies de cidadãos que habitam a “cidade phlegmática”. Cf. Mênon,
76a-c.
Por outro lado, ao contrapor a “cidade saudável” à “cidade phlegmática” Platão parece estar
a valer-se da tese hipocrática, apresentada no Perì phýsios anthrópou, de que o homem é com-
posto de quatro humores −a fleuma, a bílis amarela, a bílis negra e o sangue −, que são a causa
da doença e da saúde, para compreender a formação da justiça e da injustiça na cidade e no
homem: quando os quatro humores estão em justa proporção, tanto de quantidade quanto de
qualidade, se sua mistura é perfeita, existe a saúde, mas quando um desses humores se isola no
corpo, em pequena ou grande quantidade, em lugar de permanecer misturado com os outros,
temos a doença. Com o movimento dos humores, não só o lugar deixado por ele torna-se do-
ente, mas, também, aquele no qual ele se fixa e se acumula, seguindo-se, assim, uma obstrução
que provoca sofrimento e dor. Portanto, a doença, tanto no corpo, quanto na cidade, é fruto de
excessos. Cf. HIPOCRATE. La nature de l’ homme. 4, 2-3.
E aqui poderíamos ainda remeter o leitor ao livro VIII da República, onde Platão, analisando a
constituição democrática, mostrará que no excesso de liberdade da democracia reside o “belo e
sedutor começo da tirania”, bem como que as doenças que acometem os homens que habitam
sob a constituição democrática e tirânica são provocadas pela fleuma e pela bílis: “Quando estas
duas espécies de homens [o democrata e o tirano], por conseguinte, se formam, causam per-
turbações em toda a politeía, tal como a fleuma e a bílis relativamente ao corpo.” Rep., 564b-c.
Para uma análise do modelo político das doenças, ver o texto de CAMBIANO, G. Pathologie
A arte de narrar ou as relações perigosas entre a Philosophía e a Tékhne 13
res (hoi thereutaí) e os imitadores (hoi mimetaí). Por sua vez, esses
mimetaí serão também divididos em duas espécies: aqueles que mi-
metizam através da zographía, valendo-se das figuras e das cores (tà
skhémata te kaì khrômata); e aqueles que se dedicam à mousiké, vale
dizer, os poetas e seus servidores − rapsodos, atores, coreutas, empre-
sários, além de artíficies (demiourgoí) que fabriquem todas as espécies
de utensílios, acrescentando-se, ainda, servidores de várias espécies:
pedagogos, amas, governantas, açafatas, cabeleireiros, cozinheiros e
açougueiros23.
Dessa forma, ao tornar a cidade phlegmática, Sócrates introduzirá
entre seus cidadãos duas necessidades: médicos para “salvar” o cor-
po, e, também, o alargamento da khôra da cidade de modo a ter
espaço suficiente para a “alimentação” de seus habitantes, o que
implicará em conflitos com seus vizinhos, ou seja, alargar a khôra
significa a necessidade de um exército que lute na defesa dos bens
(tês ousías) da cidade.
Para essa “salvaguarda”, se vale aqui o princípio genético da cidade
− o de que é impossível a um único homem exercitar-se numa plu-
ralidade de tékhnai, se temos por horizonte a “perfeição” do que se
produz24 −, fazer a guerra exige um saber próprio a uma tékhne e, con-
seqüentemente, um cidadão cujo érgon seja também coalescente com
o seu exercício25. Por conseguinte, se a guarda da cidade é uma tékhne,
e se visamos à perfeição do que é por ela produzido, a guerra exige do
guerreiro não só a aquisição de uma epistéme e de uma meléte que a
torne suficiente (hikané), mas, sobretudo, uma natureza apropriada
ao exercício de ambas. Ao tornar o antigo guerreiro (polemikós) “guar-
dião da pólis” (póleos phylakén), Sócrates insistirá na necessidade de
demarcar a natureza desse “cidadão” como parte da tarefa do “grande
et analogie politique, 1983. p. 441-58. Veja, também, para relação política-doença no pensa-
mento político de Platão, WOLIN, S. Política y perspectiva, 1974.
23 Cf. Rep., 373 c-d.
24 Cf. Rep., 374 b-d.
25 Rep., 374 b1-2: “...he perì tòn pólemon agonía ou tekhnikè dokeî eînai?”
14 Filosofia Antiga
26 Rep., 374 e.
27 Rep., 375 a.
28 Rep., 375 a.
29 Rep., 375 a-b.
30 Rep., 375d.
31 Rep., 375 c.
32 Aqui não seria inoportuno lembrar que Trasímaco é assimilado por Sócrates à figura do
lobo, quando aquele se introduzir na discussão fazendo menção à dialética socrática como mera
“tagarelice” (phlyaría), em 336c-2, Sócrates replicará: “Ao ouvir isto, fiquei estarrecido; volvi
os olhos na sua direção, atemorizado, e pareceu-me que, se eu não tivesse olhado para ele antes
de ele ter olhado para mim, teria ficado sem voz. Mas neste caso, quando começou a irritar-se
com a nossa discussão, fui eu o primeiro a olhá-lo, de maneira que fui capaz de lhe responder.”
(Rep., 336d-e). Nesse passo, Platão faz menção à tradição que dizia que se encontrássemos um
lobo e ele nos visse primeiro ficaríamos privados de voz, e Sócrates, ao ver primeiro Trasímaco,
A arte de narrar ou as relações perigosas entre a Philosophía e a Tékhne 15
34 Todavia, não podemos esquecer que “thereutés” é a primeira definição do sofista, no diálogo
homônimo: “Dokô mèn gár, tò prôton heuréthe néon kaì plousíon émmisthos thereutés”. [“Creio
que, em primeiro lugar, nós descobrimos ser ele um um caçador interesseiro de jovens ricos.”]
Sofista, 231d1-2. Nesse sentido, poderíamos afirmar que o alargamento da “cidade saudável e
pacífica” em “phlegmática” supõe a sofística como uma das causas do movimento que introduz
a doença na cidade.
35 Aqui não podemos esquecer o passo do Fédon em que Sócrates conta a Cebes como, ao lon-
go de sua vida, foi acompanhado pela visita de um sonho que sempre dizia: “Sócrates, pratica a
mousiké ”(cf. Fédon, 60-d-e), e de como ele o estimulou a seguir praticando a philosophía, pois
acreditava que ela era a mais alta espécie da mousiké (cf. Fédon, 61 a-b). Por outro lado, vale
lembrar, ainda, que a figura do Sócrates histórico parece também estar vinculada à escultura e
ao uso habilidoso do lógos conforme nos conta Diógenes Laêrcios, D. L. II, 5, 18-21 e Platão,
Teeteto, 149 a.
36 Cf. Rep., 368 c: “...all’ oxy blépontos hos emoì phaínetai.”
A arte de narrar ou as relações perigosas entre a Philosophía e a Tékhne 17
37 Rep. 493a: “Que cada um desses particulares mercenários, a quem essa gente chama sofistas
e considera como rivais, nada mais ensinam senão as doutrinas da maioria (tá tôn pollôn dógma-
ta), que eles propõem quando se reúnem em assembleia, e chamam a isso sophía.”
38 Rep., 432 b: “Ora pois, Glaúcon, agora temos de nos postar em círculo à volta da moita,
como caçadores de inteligência atenta, (hósper kynegétas tinàs thámnon kúkloi periístasthai pro-
sékhontas tòn noûn), não vá a justiça fugir por qualquer lado, tornar-se invisível e desaparecer.
Pois é evidente que ela anda aí por qualquer canto. Olha então e esforça-te por a descortinares,
a ver se a avistas antes de mim e me prevines.
Quem dera! − exclamou ele −. Mas se, em vez disso, te servires de mim como de um seguidor,
capaz de ver o que lhe apontarem, achar-me-ás muito satisfatório.
Vem atrás de mim − disse eu − depois de teres feito a tua oração comigo.” (Grifos nossos)
Assim, após determinar os sentidos de sophía, andreía e sophrosýne, Sócrates, no Livro IV da
República, passará à investigação acerca da dikaiosýne, afinal o que “restou” das investigações
anteriores? A justiça, tomada assim como “resíduo”, vai ser mostrada a partir de duas variantes:
[i] a analogia entre caça e filosofia, e, [ii] a contrapartida cômica que possibilita a visão primeira
da “dieta filosófica” e sua função determinadora daquilo que necessita ser visto. A metáfora do
filósofo-caçador aparece em vários outros diálogos, recurso da cena e do argumento, onde a
comparação entre as duas “artes” possibilita a indicação do caráter difícil e lúdico dos érga do
filósofo. Assim, encontramos nas Leis, 654a, no Parmênides, 128b e no Lysis, 218a-e, situações
que são, de certo modo, recorrentes em relação ao contexto da passagem 432a da República.
No contexto do passo 432a-e da República, a proposta socrática a Glaúcon e Adimanto de colo-
carem-se “como caçadores” (hósper kynegétas) para tentarem apreender e ver a justiça, parece-nos
ter como contraponto imediato o texto xenofontiano, onde a caça e seus utensílios, a caça e sua
diversidade de presas, a caça como tékhne e como paidéia, produtora de bons guardiões, bons
cidadãos e, de certo modo, como elemento determinante da diferença entre filósofo e sofista,
18 Filosofia Antiga
permitir-nos-á uma mais larga compreensão de tudo o que está em jogo na cena que antecede a
definição da dikaiosýne. Cf. XENOFONTE. De la Chasse, II, 1-7; III-IV e XII-XIII.
39 Rep., 376c: “...thrépsontai dè dè hemîn hoûtoi kaì paideuthésontai tína trópon.”
40 Rep., 376 d-e: Íthi oûn, hósper en mýthoi mythologoûntés te kaì skholèn ágontes lógoi paideúo-
men toùs ándras.
A arte de narrar ou as relações perigosas entre a Philosophía e a Tékhne 19
41 Rep., 377a-12-377b-12: “Oukoûn oîsth’ hóti arkhè pantòs érgou mégiston, [...].”
42 Rep., 377b1-2: “...málista gàr dè tóte pláttetai, kaì endúetai týpos hòn án tis boúletai ensemé-
nasthai hekástoi.”
43 Rep., 377 c.
44 A mentira sem nobreza assimilada a um “kakòs lógos” é compreendida por Sócrates a partir
da pintura: “É o que acontece quando alguém delineia erradamente com o lógos a maneira de ser
de deuses e heróis, tal como um pintor quando faz um desenho que nada se parece com as coisas que
quer retratar.” Rep., 377 d-e.
20 Filosofia Antiga
45 Rep., 378e-8-379a-1-4: “Kaì egò eîpon: ô Adeimante, ouk esmèn poeitaì egó te kaì sú en tôi
parónti, all’ oikistaì póleos, oikistaîs dè toùs mèn týpous prosékei eidénai en hoîs deî mythologeîn toùs
poietaás, par’ hoûs eàn poiôsin ouk epitreptéon, ou mèn autoîs ge poietéon mýthous.”
46 Cf. Rep., 379a: “Está certo − declarou − mas isso mesmo dos moldes respeitantes à teologia
(hoi týpoi perì theologías), queria eu saber quais seriam.
Seriam do teor seguinte, disse eu, tal como o deus é realmente (ho theòs ón), assim é que se deve
sempre representar, quer se trate de poesia épica, lírica ou trágica.”
47 Rep., 382a1-2.
A arte de narrar ou as relações perigosas entre a Philosophía e a Tékhne 21
Isto equivale a dizer que o lógos pseûdos, quando for alethés, supõe uma
coalescência entre lógos e érgon, e se às palavras injustas seguirem-se
obras injustas, teremos, por exemplo, um verdadeiro lógos pseûdos.
Dessa primeira etapa da paideía dos guardiões, referente aos deuses,
podemos inferir: [i] que entre “fundadores de cidades” (philósophos?!)
e poetas há diferenças no nível do lógos: os primeiros modelam tý-
poi e os segundos compõem, em versos, mythoi, valendo-se de certos
gêneros (a épica, a lírica e a tragédia); [ii] que todas as coisas bem
constituídas, seja pela phýsis, seja pela tékhne, são pouco suscetíveis a
alterar-se; [iii] que a mentira verdadeira é ignorância, amathía, e se
a mentira sem nobreza deve ser silenciada − mesmo que fosse, even-
tualmente, verdadeira −, sobretudo entre jovens, privados ainda da
phrónesis e que devem ser formados como “cidadãos justos”, o espaço
do mitologar se constitui em uma espécie da diégesis: a mímesis, visto
que a mentira que consiste “em palavras é uma imitação do que a
alma experimenta e uma imagem (eídolon) que surge posteriormen-
te”, não sendo, portanto, isenta de mistura; e, [iv] que, misturado
com a verdade, o lógos pseûdos assenta sua utilidade em duas funções:
[iv. i] como phármakon, que impede aos amigos e aos inimigos de
agirem mal, e, [iv. ii] como mythología, que, ao acomodar a verdade à
mentira, abre a possibilidade de um eidénai acerca do passado51.
Porém, o lógos pseûdos deve também permitir a elaboração dos tý-
poi que conformarão os mythoi acerca dos heróis, do Hades e dos
homens. Na primeira parte do Livro III, Sócrates dedicar-se-á aos
heróis e ao Hades, delineando-os de modo a servirem de modelo
aos guardiões que deverão ser corajosos e temperantes, portanto, os
heróis não poderão ser apresentados lamentando-se, mentindo, rindo
em excesso, nem infringindo os pontos cardinais da sophrosýne, como
acontece nos poemas de Homero.
Uma vez concluída essa discussão, torna-se necessário estabelecer os
typoi a partir dos quais os mythológoi e os logopoioí falarão dos ho-
mens. Mas Sócrates, salientando a multidão de dislates ditos por eles,
afirma ser impossível determiná-los, e, embora Adimanto e Gláucon
concordem no que tange aos deuses, heróis e ao Hades, no que tange
aos homens só chegarão a um “acordo quando descobrirem o que é
a dikaiosýne e se, por natureza, é útil a quem a possui, quer pareça
sê-lo ou não” 52. Nesse sentido, então, ter o conhecimento do que é a
diakiosýne é condição necessária para passarmos para o nível do lógos
alethés, e como ela não pode ainda ser vista (ou definida), Sócrates
51 Rep., 382 c.
52 Rep., 392c.
A arte de narrar ou as relações perigosas entre a Philosophía e a Tékhne 23
53 Cf. o comentário de ADAM, ao passo 392 a: “This is the alethès eîdos lógon Plato has prescri-
bed canons for the pseudeîs lógoi or legends about gods, etc. ; but rules for aletheîs lógoi, i. e., lógoi
relating to men and human affairs, cannot be drawn up without begining the conclusion which the
Republic seeks to establish.”, ADAM, J. A. op. cit., 1063. p. 143. v. 1.
54 Rep., 392c: Tà mèn dè lógon péri ekhéto télos; tò dè léxeos, hos egò oîmai, metà toûto skeptéon,
kaì hemîn há te lektéon kaì hos lektéon pantelôs esképstai.”
55 Rep., 392d: “âr ou pánta hósa hypò mythológon è poietôn légetai diégesis oûsa tynkhánei è
gegonóton è ónton è mellónton? Ar oûn oukhì étoi haplêi diegései è dia miméseos gignoménei è di
amphotéron peraínousin?
24 Filosofia Antiga
62 Rep., 433e12-434a-1: “Kaì taútei ára pei he toû oikeíou te kaì heautoû héxis te kaì prâxis
dikaiosýne àn homologoîto.” A definição da dikaiosýne no livro IV coloca problemas que não
discutimos aqui, mas, cabe observar, entretanto, que a definição proposta por Sócrates com-
porta uma compreensão mais larga do axioma fundante da “polis lógoi”: às noções de “érgon” e
“práttein” , é preciso acrescentar a de “oikeîon”, que traduzimos por “familiar”.
63 Rep., 449c2-3: “Aporraithymeîn hemîn dokeîs, éphe, kaì eîdos hólon ou tò elákhiston ekkléptein
toû lógou hína mè diéltheis [...].”
64 Rep., 392 a-b.
65 Rep., 589b-c.
26 Filosofia Antiga
Referências
Textos Antigos
a. Platão
ADAM, James. The Republic of Plato. Edited with notes, commentary and
appendices by J. Adam. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1963.
2v.
ALLAN, D. J. Plato: Republic Book I. Edited by D. J. Allan. London:
Methuen, 1962.
CHAMBRY, Émile. La République. Traduit par E. Chambry, avec
introduction de A. Diès. Paris: Les Belles Lettres, 1981. 3v.
CORNFORD, F. M. The Republic of Plato. Oxford: Oxford University
Press, 1951.
DIÈS, A. Platon: Le Sophiste. Texte établi et traduit par A. Diès. Paris: Les
Belles Lettres, 1969. [1ére edition 1925].
DOVER, K. Plato: Symposium. Cambridge: Cambridge University Press,
1980.
66 Cf. Rep., 449a: “Agathèn mèn toínyn ten toiaúten pólin te kaì politeían kaì orthèn kalô, [...].”
67 Cf. Rep., 506a- 507a.
A arte de narrar ou as relações perigosas entre a Philosophía e a Tékhne 27
b. outros autores
HIPOCRATE. La nature de l’homme. Edité, traduit et commenté par Jacques
Jouanna. Berlin: AkademiaVerlag, 1975. [Corpus Medicorum Grecorum].
XENOPHON. Anabase. Introduction, notices et notes par P. Chambry.
Paris: Flammarion-Garnier, 1967.
______. De la Chasse. Introduction, notices et notes par P. Chambry. Paris:
Flammarion-Garnier, 1967.
c. comentadores
AUGUSTO, Maria das Graças de Moraes. Poder e persuasão: o visível e o
invisível no livro 2 da República. Textos de Cultura Clássica. Rio de Janeiro,
v. 8, n. 19, p. 19-42, set. 1996.
______. O filósofo e o sofista no Mênon de Platão. Kléos. Rio de Janeiro, v.
1, n. 1, p. 211-30, jul. 1997.
BALANSARD, Anne. Technè dans les dialogues de Platon. Sankt Augustin:
Academia-Verlag, 2001. [International Plato Studies, 14].
CAMBIANO, Giuseppe. Pathologie et analogie politique. In: LASSERE, F.
e MUDRY, Ph. Actes du IVème Colloque International Hipocratique: Formes
28 Filosofia Antiga
1 E aqui a discordância sempre foi bastante grande entre os especialistas, já que (embora as
outras fontes antigas tomem freqüentemente a obra platônica como fonte primária) Platão
também incorre em anacronismos, sua preeminência como fonte advindo de seu talento filosó-
fico e estético. Ademais, a historicidade de qualquer literatura socrática deve ser sempre posta
entre parênteses: cf. Kahn 1998: 34-35; Parker 1996:45; Magalhães-Vilhena 1984: 481-486;
Vidal-Naquet 1996: 121-137.
30 Filosofia Antiga
2 A relação entre discurso e ação é especialmente realçada nos textos que retratam as circuns-
tâncias da condenação, julgamento e morte de Sócrates; e seria fácil acumular aqui referências
a respeito. Quero apenas ressaltar uma passagem tirada das primeiras linhas da Apologia (17a-
18a6) e outra das Memorabilia de Xenofonte (IV, 4, 10-11) que concordam no afirmar a
implicação, crucial no contexto, entre a justiça dos atos e a das palavras.
Sócrates e as leis: democracia e metafísica 31
3 Ambos os diálogos tendo sido compostos apenas alguns anos após os eventos retratados,
como normalmente se acredita – e, portanto, tendo tido leitores muitas vezes contemporâ-
neos do julgamento. C. H. Kahn (1998: 46-47), por exemplo, acha razoável acreditar que a
Apologia e o Críton foram os primeiros diálogos escritos por Platão. Note-se ainda que existem
referências no Críton (45b e 52c) sobre o que Sócrates disse no julgamento que correspondem
efetivamente à passagens da Apologia.
32 Filosofia Antiga
Quando Sócrates, no Críton, reage aos fatos, ele o faz como alguém
que enfrenta a realidade de modo extremamente prático (ainda que
ao leitor ingênuo pudesse parecer que se trata de um idealista, como
se diz vulgarmente). Significa dizer que, como veremos, ele se ocupa
com os problemas de seu julgamento, condenação, prisão e finalmen-
te execução, como indivíduo determinado, com certa história de vida,
interesses pessoais, colocação na sociedade ateniense, família, amigos,
etc, e pesa as conseqüências de seus atos levando em conta todos
estes fatores. As respostas que encontra e as atitudes então adotadas
têm por característica geral a preocupação com o que seria o melhor
para todos. Logo, se suas decisões são tomadas visando uma situa-
ção particular, os critérios que as sustentam pretendem ser universais.
Tais critérios são adotados a partir de teses filosóficas que – antes de
qualquer outro personagem histórico reconstruído a partir desta ou
daquela visão suportada por tal ou tal texto antigo4 – merecem o
nome de Sócrates. Por isso o debate acerca da autenticidade histórica
deste ou daquele ‘Sócrates’ só parece hoje poder ser decidido, se é que
o pode ser, desde a pesquisa da verdadeira face da doutrina socrática
que utilize como medida principal a sua coerência não apenas dis-
cursiva, mas vital. E este é um fato que sobressai em toda ficção ou
não-ficção já escrita sobre aquele pensador. Até porque foi sobretudo
esta interação entre teoria e prática in extremis que tornou a filosofia
socrática um ponto de inflexão decisivo para o pensamento ético,
político e jurídico ocidentais. Note-se que não se trata apenas de um
paralelismo entre teoria e prática, porém de examinar um estilo de
vida do qual as falas são atualizações como qualquer outro ato5.
6. A questão do diálogo – ‘é permitido ser injusto?’ –, posta em re-
lação com a ordem jurídica, constitui o centro do Críton: lá, esta
interrogação fundamental será respondida pelo viés da relação com a
lei. Note-se o seu enunciado (49a): Admitimos que em nenhum caso se
4 Ainda que tal reconstrução fosse possível, quando o mais acertado hoje parece ser concordar
com a impossibilidade de fazê-lo, ao menos de forma segura: cf. Kahn 1998: 72.
5 O que Platão marca já na cena de abertura do Críton, ao mostrar o sono tranqüilo de Sócrates
na prisão, mesmo se acorrentado já há um mês (Memorabilia IV, 8, 2; White 2000: 156), por
volta dos setenta anos de idade.
34 Filosofia Antiga
6 A tese aqui é apenas o negativo do famoso paradoxo cuja primeira formulação clara está
provavelmente no Hípias Menor. Com relação a este ponto, e ao conceito de justiça em geral,
o Górgias e a República respondem ao Críton e a Apologia.
7 Não cabe aventar que o mal para Sócrates poderia ser o bem para um outro qualquer, ou
vice-versa: o bem (ou a justiça) não causa mal a quem quer que seja (Críton 49a-d; República
335c-d). Richard Kraut (1983: 27-28) nota que adikein, kakourgein e kakos tinas poiein são
expressões permutáveis no Críton. E mesmo do ponto de vista lexical, o sentido geral de preju-
dicar ou causar dano faz parte dos significados de adikein (Bailly 1995).
Sócrates e as leis: democracia e metafísica 35
8 Parece acertado acreditar que, se Platão põe tais idéias como algo pacífico, se parte delas como
pertencendo evidentemente ao pensamento socrático, temos aí um signo confiável (até certo
ponto, ao menos) de sua historicidade.
36 Filosofia Antiga
9 Como notou Maurice Croiset (1985, Belles Lettres, tomo I, p. 223, nota 2) em sua tradução
do Críton, a verdade parece ser identificada ao deus, o único que conhece a justiça (48a7); idéia
que parece estar presente também na alusão ao ‘único’ que sabe (47d2).
10 Apologia 20d-23c. Cf. Klaus Döring (1992: 6-9). A passagem citada do Críton (44d) parece
querer dizer que o único mal verdadeiro seria tornar-se insensato (áphrona); isto mostra que,
apesar da posse completa da sabedoria ser reservada apenas aos deuses, é possível dela ao menos
se aproximar, pois existem homens sensatos de posse daquela sabedoria humana referida por
Sócrates na citada passagem da Apologia – o que o Críton confirma (47a2-48c6).
11 Logo depois (47b9) este adjetivo verbal de prátto é empregado com um sentido simples-
mente prático para se referir a maneira correta de fazer ginástica e comer ou beber. Este mesmo
termo é utilizado no próprio subtítulo do diálogo.
Sócrates e as leis: democracia e metafísica 37
12 E esta não é uma expressão isolada ou fortuita: logo após, Sócrates mostra-se preocupado
em não ir ‘contra a vontade dos atenienses’ (48e3), bem como em não sair da prisão ‘sem o
assentimento da cidade’ (49e9-50a).
38 Filosofia Antiga
13 Por exemplo, dando voz às leis no Críton, Sócrates assinala que estas podem errar (51e); e,
na Apologia (37a-b), critica o ordenamento jurídico ao lamentar que os processos capitais em
Atenas terminem em um dia apenas (cf. Harrison 1998: v. 2, 161).
14 Apologia 21c: Sócrates começa sua busca da sabedoria justamente dialogando (dialegóme-
nos: 21c5) com um político – e descobrindo a ignorância deste, garante sua inimizade. Nesta
mesma passagem, é interessante a maneira como o saber dos artesãos é valorizado acima daque-
le dos políticos e dos poetas (21b-22e): atitude socrática que se repete em outros dos primeiros
diálogos de Platão (no Críton, os primeiros modelos do conhecimento são médicos e pedo-
tribas: 47b e seq.), e inclusive na famosa ‘analogia artesanal’ como modelo do conhecimento
filosófico (Guthrie 1992: 149; Snell 1992: 242-245; Brickhouse e Smith 2002: 198-199).
Filho de um artesão, Sócrates apresenta para si mesmo uma linhagem “artesanal” no Alcibíades
(121a): Dédalo e Hefestos.
40 Filosofia Antiga
15 O princípio ‘não fazer o mal / não cometer injustiça’ é absoluto: nunca se justifica frente a
ele nenhuma espécie de exceção (Críton 49a-50a) – e isto é repetido até a exaustão (implicita-
mente inclusive) ao longo deste e outros diálogos. Não se deve nem mesmo retribuir a injustiça
com a injustiça (Críton 49b; República 335e) O que não significa, contudo, que o mal não deva
ser combatido. O herói de guerra ateniense não está recomendando que se dê a outra face. Pois
a punição justa é um bem. A concepção de conhecimento aqui em causa não admite um uso
operacional do mal, usar o mal para o bem, como se diz de fins que justificam os meios: o bem
não faz mal e vice-versa (República 335d). E não se trata aí de uma questão meramente lógica,
porém ontológica: para Sócrates, os deuses são bons e favorecem o homem de bem.
Sócrates e as leis: democracia e metafísica 41
16 Uma bibliografia, aliada a um resumo das diferentes posições sobre a contradição entre o
Críton e a Apologia com relação à obediência ou desobediência civil de Sócrates, pode ser en-
contrada em Cécile Inglessis-Marcellos (1994), de quem, creio, é preciso subscrever a opinião
com relação a esta controvérsia como um todo: “[...] je suis intimement convaincue qu’aucune
solution entièrement satisfaisante et raisonnablement cohèrente ne peut être trouvée en l’état
actuel de notre documentation”.
42 Filosofia Antiga
21 Górgias 474a-b: note-se que aqui, apesar de dizer que não dialoga com os muitos, Sócrates
afirma que todos os homens estão de acordo em julgar que cometer injustiça é pior que sofrê-
la: o diálogo, portanto, manifesta ao indivíduo este conhecimento coletivo da verdade. Cf.
Vidal-Naquet 1996: 127.
22 Apologia 30e-31a. Sócrates liga o interesse dos cidadãos ao do deus em uma ética délfica
(Reeve 2000: 30) que exige dele pessoalmente a prática da filosofia: cf. Vlastos 1991:173-177.
23 Valores fundamentais para a prática da filosofia, tal como ele a entendia – nunca reservando
a capacidade para filosofar a determinado grupo social, e cujos benefícios pretendia estender às
44 Filosofia Antiga
mulheres, escravos e estrangeiros (cf. Laches 186b3-5; Górgias 470e8-11, 512b3-d6, 515a4-7;
Menon 72d-73b; Vlastos 1994: 102-104; Kraut 1984: 201). Aliás, o uso do plural no Críton na
personificação das leis atenienses – hoi nómoi – refere-se mais propriamente ao direito (Todd
1995: 18) como sistema legal (e, portanto, também aos princípios, fontes secundárias etc., que
o animam e informam) que apenas às suas disposições positivadas em regras.
24 Até porque ganhar a discussão não significa necessariamente convencer: se o Sócrates de
Xenofonte sempre (ou quase) obtém o assentimento de todos, não é o caso em Platão: cf.
Vlastos 1991: 292, n. 161.
Sócrates e as leis: democracia e metafísica 45
25 Gregory Vlastos (1994: 87, 91) mostrou a conexão entre as leis e a cidade no Críton; e como
o desrespeito pelas leis era então percebido como desrespeito pela constituição democrática e
pelo povo.
46 Filosofia Antiga
olhos da Grécia26. Este mal ainda se une aos danos que seriam muito
possivelmente ocasionados aos amigos e alunos que o houvessem aju-
dado a fugir (44e): pois a cidade não os perdoaria facilmente. Nesta
ordem jurídica, a culpa e a sanção são também coletivas.
Entretanto, a este aspecto que chamei “prático”, relativamente à
decisão de Sócrates, corresponde subjacente uma questão “teórica”
crucial, a qual venho tentando esclarecer desde o início destas pági-
nas. Para compreender por quê, devemos voltar à consideração do
método socrático de perguntas e respostas.
27 Sócrates, que aparentemente já desperdiçara a alternativa de sair de Atenas (pela saída vo-
luntária antes das acusações, pela escolha do exílio como pena ou pela fuga), vai de certa forma
uni-la, na morte (o Fédon pode ser lido como uma representação do processo de libertação da
alma), com as alternativas de obediência e de persuasão, em um último esforço de convenci-
mento por meio de uma pedagogia do exemplo.
28 Segundo M. F. Burnyeat (1997: 139), Sócrates – e precisamente ele que, como se sabe,
constituiu para a tradição a própria encarnação do ‘nada em excesso’ apolíneo – pode ter sido
visto pelos atenienses como o culpado de perigosa hybris, ameaçando assim a cidade.
48 Filosofia Antiga
29 Ele diz que se tivesse mais tempo talvez tivesse conseguido (Apologia 37a-b). Note-se que o
poder de persuasão de Sócrates encontra-se limitado pelos procedimentos legais, não podendo
dialogar com os juízes/jurados ou com as testemunhas (Carey 2000: 17).
30 Apologia 24b-28a. Procedimento possivelmente previsto pelas próprias leis atenienses: cf.
p. 149, n. 1, da citada tradução do Críton de M. Croiset; Brickhouse e Smith 1985: 30, n. 2;
Harrison 1998: v. 2, 162.
31 “Pois quem quer que destrua as leis será certamente considerado um corruptor dos jovens e
dos tolos” (53c1-3). Não por acaso o Eutífron tenta defender Sócrates da acusação de corromper
a juventude ao mostrar o personagem–título convencido a abandonar o processo contra seu
pai (como notou Diógenes Laércio II, 29). Na Apologia (24d e seq.), o diálogo entre Meleto
e Sócrates deixa clara a conjunção e implicação das duas partes da acusação, e começando já
por uma afirmação do primeiro com relação ao papel educador das leis que o segundo, signi-
ficativamente, não contesta. De acordo com Werner Jaeger (1992: 284), no estado ateniense
a lei era a escola da cidadania (cf. Protagoras 326c-d). No Criton (50d-e) não apenas são as leis
que administram a educação na cidade, mas elas mesmas se portam como mestres e ensinam
Sócrates através do diálogo. Aristófanes (Nuvens 1228-1241; 1468) retratará o desrespeito aos
contratos e aos pais (falta gravíssima na legislação ateniense) como conseqüência dos ensi-
namentos socráticos (cf. Todd 1995: 149). E há uma relação direta disto com a defesa que
Sócrates faz de si mesmo, no Críton (48c4; 54a1-54b1;45b10-45d9), quanto aos seus filhos:
e não só porque é sua responsabilidade educá-los, mas porque o crime contra a família é um
crime contra a pátria – esta percebida como continuação daquela, inclusive no bojo da noção
de asebeia (Gernet 2001: 71).
32 Cf. Gernet 2001: 70-77, 86-88. Todd 1995: 310-311: ‘[...] asebeia will have been perceived
as an offence against the community, because it is the community who may expect to suffer the
consequences of the impious act [...]’.
Sócrates e as leis: democracia e metafísica 49
33 Daí a variedade de procedimentos nos casos de a*sebevia: cf. MacDowell 1986: 199-200,
240-242; Brickhouse e Smith 1985: 16; Rhodes 1993: 639; Todd 1995: 307-315. Como disse
Vlastos (1991: 294), o crime de impiedade não possuía definição formal e dependia apenas do
que uma maioria simples de juízes em certo dia entendesse como sendo ímpio.
50 Filosofia Antiga
34 Ver o texto da disposição legal conservado por Andócides (Sobre os Mistérios I, 87) em
Arnaoutoglou 2003: 104.
35 Assim é fundamental saber, como Xenofonte (Apologia 59; Memorabilia I, 2, 31-38) e Platão
(Apologia 32c-e) deixam entrever, que Atenas culpava seu mestre por seus maus alunos Crítias e
Alcibíades. Ora, a cidade tinha passado recentemente por eventos traumáticos, tanto do ponto
de vista político, como do religioso – o que suscitava então um ambiente provavelmente propí-
cio ao acirramento dos ânimos (Mossé 1990: 16-45; Parker 1996: 40-42; Todd 1995: 312-315)
–, eventos nos quais aqueles produtos da educação socrática tiveram papel decisivo. Este parece
ter sido o núcleo das acusações do famoso panfleto de Polycrates. E a sempre citada passagem
de Esquines (Contra Timarco, 173; Giannantoni 1990: v. 1, 82) aparentemente o confirma. De
todo modo, a Anistia não basta para que se considere que os motivos da condenação foram
simplesmente políticos (a questão religiosa representando somente uma estratégia de diversão),
pois não há razão pela qual uma atitude subversiva de Sócrates posterior aos Trinta não fosse
trazida à baila – assim como aquele não teria porque não se referir aberta e preferencialmente
ao problema político se este constituísse realmente o centro exclusivo (ainda que subentendido)
das acusações (Brickhouse e Smith 2002: 5-8, 207-209).
36 Dentre as alternativas formais de se dirigir ao júri ou à Assembléia (Burnyeat 1997: 144),
Sócrates escolhe esta em primeiro lugar na Apologia, utilizando a designação juízes (dikastai)
apenas no final (40a) para falar àqueles que o absolveram. Falar aos homens de Atenas significa
aí também que ‘[...] os quinhentos jurados amadores formavam uma assembléia popular em
pequena escala’ (Kraut 1984: 80). É preciso marcar, não obstante, que se tratava, dadas as
características mesmas de constituição dos tribunais atenienses, de uma assembléia provavel-
mente algo conservadora, e de um povo já por si conservador em matéria de religião (Carey
2000: 4-6).
Sócrates e as leis: democracia e metafísica 51
tação socrática diante das leis da cidade, bem como sua posterior
decisão de permanecer na prisão.
37 Também lá Platão aponta a medicina e a ginástica como téknai que visam o bem do corpo
e, correspondendo respectivamente a estas duas, a justiça e a legislação, que formam a política,
visando o bem da alma (Górgias 464bc).
52 Filosofia Antiga
38 Os sofistas não inventaram a distinção entre a justiça divina ou natural e a humana, ou entre
a ordem do mundo e a ordem humana (Gernet 2001: 81-82), mas a utilizaram em suas teorias;
as quais floresceram na nova ambientação intelectual citadina, empregando uma nova noção,
mais abstrata, de justiça. Com relação a esta evolução, Sócrates representa a um tempo um
passo à frente, com seu racionalismo, e um passo atrás, tentando recuperar o passado político
e filosófico retomando a noção arcaica de uma harmonia individual e coletiva com a ordem
sagrada do universo. E daí as suas contradições: educação elitista – método democrático, valores
aristocráticos – disposição popular, razão humana – sabedoria divina, etc.
39 A prova final de tudo que é dito não é alguma asserção definitiva sobre a ordem das coisas,
mas a constatação de que ninguém, mesmo entre os mais sábios, consegue refutar o discurso
socrático (527a-b).
Sócrates e as leis: democracia e metafísica 53
40 Latreía, palavra com que se refere Sócrates na Apologia (23c) ao seu questionamento co-
tidiano dos cidadãos atenienses, destina-se alhures em Platão, e normalmente na tragédia,
especificamente ao serviço em nome dos deuses olímpicos (White 2000: 173, n. 52).
41 Nem sempre de forma negativa, como acontece no julgamento, quando o silêncio do sinal
divino é interpretado como consentimento (Apologia 41d5-6), ou de forma passiva, como no
54 Filosofia Antiga
sonho do Críton (43d-44b), mas também de forma positiva, interferindo diretamente nas de-
cisões (Eutidemo 272e1-273a2; cf. Reeve 2000: 31-35). Segundo Jean-Pierre Vernant (1990:
162) – referindo-se a Empédocles, aos pitagóricos e a Platão –, o daimon é o princípio divino
que liga nosso destino individual à ordem cósmica: ora, a ‘justiça’ funciona como designação
desta ligação quando corretamente disposta, em boa sintonia e sincronia.
42 Sócrates critica a visão tradicional dos deuses (Eutifron 6a). Ver, entre vários outros, Burnyeat
1997; Vlastos 1991: 163-165; McPherran 2000: 100-102; Gocer 2000; Parker 1996.
43 ‘Greek religion did not comprise a unified, organized system of beliefs and rituals distin-
guished from the social, political and commercial aspects of life we would now ordinarily term
“secular”’ (McPherran 2000: 91). Ademais, seria até mesmo difícil identificar um substantivo
no grego antigo significando propriamente ‘religião’ (Gocer 2000: 115, n. 3).
Sócrates e as leis: democracia e metafísica 55
16. Talvez o trecho mais importante do Críton seja o seu final: lem-
brando os acordos e contratos que as ligam a Sócrates (54c3-4)46, as
leis vão se referir a uma espécie de legalidade universal que vincula as
leis da cidade às leis do Hades. É preciso perceber como esta noção de
44 Como bem viu Orígenes (Gianantoni 1990: v. 1, 318 – 1G28, 6-7), Sócrates preferiu
morrer como filósofo que viver de maneira não-filosófica. É preciso perceber que uma coisa é
a maneira como este pensava ou agia, outra, o que o povo de Atenas achava disto (cf. Vlastos
1994: 87). Se só chegamos a Sócrates através do que outros dele pensaram, isto não nos autoriza
a tomá-lo pelos outros – para nós, antes de tudo devem falar seus atos. Os que o tem na conta
de adversário da democracia, costumam lembrar que Ânito lutou pela democracia durante a
tirania dos Trinta (Constituição de Atenas XXXIV, 3). Esquecem, contudo, que, ainda segundo
Aristóteles (ibid. XXVII, 5), foi ele também o primeiro a corromper os juízes atenienses; e há
quem acredite ter sido Meleto, o acusador de Sócrates, um dos homens enviados pelos Trinta
para prender Leon de Salamina (Brickhouse e Smith 1985: 19). Mas possivelmente grassava
no período subseqüente à restauração da democracia um certo rancor ideológico e o temor de
uma nova queda do qual se aproveitam os acusadores. Para uma visão paradigmática de Sócrates
como um pensador autoritário, veja-se Stone 1993.
45 Consulte-se, por exemplo: Todd 1995: 311; Parker 1996: 43; Brickhouse e Smith 2002:
204-207. É importante ter em mente que Sócrates não estava devotado a ensinar apenas seus
alunos, mas a cidade como um todo.
46 Louis Gernet (2001: 461) marca o sentido religioso dos termos jurídicos da família de tithè-
mi significando ‘contrato’, como o utilizado no texto: synthèkas (54c4).
56 Filosofia Antiga
uma justiça natural e divina, está todo o tempo presente de forma la-
tente nos discursos socráticos: não como um saber acabado – um alvo
mais que um ponto de partida. Esta é a origem do extremo respeito às
leis anacronicamente assemelhado por alguns intérpretes ao positivis-
mo jurídico moderno. A última fala de Sócrates, comparando-se aos
iniciados dos mistérios dos Coribantes47, revela a inspiração divina
que, se não é tomada simplesmente como verdade dada, constitui
algo de essencial a seu pensamento48.
A diferença entre Sócrates e a multidão é a consciência do não-saber:
este abre a porta para a experiência do saber e para o aperfeiçoamen-
to pessoal. O que de maneira nenhuma o isola de sua comunidade
na procura monástica de alguma iluminação hermética. A história
de Querefonte e o oráculo na Apologia o confirma: para saber por
que era dito sábio, Sócrates parte para tentar enxergar a si mesmo
49 Apologia 20e-23c. Vale assinalar, como outros já fizeram, a importância da associação com
Querefonte, notório democrata, no reconhecimento da posição política de seu mestre (Vlastos
1994: 108; Brickhouse & Smith 2002: 203). Sobre o autoconhecimento socrático, o Primeiro
Alcibiades, seja ou não produto autêntico da lavra platônica, parece consistente com a Apologia
ao mostrar como o conhecimento de si está ligado ao conhecimento dos outros homens e do
deus (133b-d).
50 A explicação de C. C. W. Taylor (1982: 113) sobre por que o deus precisa de Sócrates, já
se tornou clássica: ‘[...] there is one good product which [the gods] can’t produce whithout human
assistance, namely, good human souls’. For a good human soul is a self directed soul. Cf. Vlastos
1991: 173-177; Nehamas 1992: 303.
58 Filosofia Antiga
18. Por fim, é interessante notar como a relação entre moral e saber
foi quase sempre lida pela tradição em apenas um dos seus sentidos:
o verdadeiro conhecimento leva à virtude. Nisto se vê como para
o Ocidente a virtude foi principalmente um fim: da filosofia mo-
ral antiga, passando pela resoluta identificação de saber e poder na
Renascença, até hoje, o conhecimento foi antes de tudo um meio
para se alcançar aquela capacidade de realização e êxito que confu-
samente costumamos mesmo identificar à ‘felicidade’. O Críton de
Platão parece querer mostrar a igual importância do outro sentido, já
que só assim a equação socrática recebe sua significação completa: a
virtude leva ao verdadeiro conhecimento.
60 Filosofia Antiga
Resumo
O conceito de lei socrático foi desde sempre objeto de contro-
vérsias, principalmente em função das tentativas de explicar
sua atitude quando de seu julgamento, encarceramento e exe-
cução. Toda a dificuldade de conciliar entre si os diferentes
textos sobre a filosofia e a vida de Sócrates, naturalmente se
realça diante das circunstâncias de sua condenação e morte.
Se soluções definitivas não parecem ser possíveis no atual es-
tado de nossa documentação, contudo, uma possibilidade de
ao menos atenuar as contradições reside no exame do funcio-
namento do método socrático a partir de seus fundamentos: o
diálogo como meio de um acordo, não apenas entre os cida-
dãos de Atenas, mas destes com a própria ordem universal, a
qual se vislumbra na busca humana da justiça e o bem comum.
Résumé
Le concept de loi socratique a depuis toujours été l´objet de
controverses, principalement en raison des tentatives pour ex-
pliquer son attitude lors de son jugement, son emprisonne-
ment et son exécution. Toute la difficulté de concilier entre
eux les différents textes sur la philosophie et la vie de Socrate,
naturellement ressort à propos des circonstances de sa condam-
nation et de sa mort. Si, dans l´état actuel de notre documen-
tation, il paraît impossible d´apporter une solution définitive,
néanmoins une possibilité d´en atténuer les contradictions ré-
side dans l´examen du fonctionnement de la méthode socra-
tique à partir de ses fondements: le dialogue comme moyen
d´un accord, non seulement entre les citoyens d´Athènes,
mais entre ceux-ci et le propre ordre universel, lequel se dessi-
ne da la recherche humaine de la justice et du bien commun.
Sócrates e as leis: democracia e metafísica 61
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62 Filosofia Antiga
1. O problema
Apesar de a leitura tradicional continuar maioritária entre os intér-
pretes, tem-se recentemente difundido a tendência para negar à teoria
das Formas (TF) o lugar de centro de gravidade do platonismo2. Os
argumentos apresentados para justificar essa posição invocam difi-
culdades na interpretação das noções de eidos e idea, a par da falta de
indicações sobre a natureza das Formas, a impossibilidade de atribuir
teses a Platão nos diálogos3, e sobretudo a denúncia da gravidade dos
problemas postos pela teoria, no Parménides. Sem tomar posição no
debate, parece-me oportuno alargá-lo, analisando a filosofia platôni-
ca – se é lícito conferir unidade à obra dialógica que a suporta –, a
partir da questão do dualismo.
Para o historiador da filosofia, o tópico é importante pelo fato de im-
pedir a assimilação da epistemologia platônica à concepção moderna
de conhecimento. Enquanto esta supõe pelo menos uma relativa
autonomia do sujeito e objecto, naquela o dualismo corpo/alma – es-
trito nos planos ético e antropológico –, apoiado na congenitura da
alma com as Formas (Ménon 81c-d; Fédon 79c-d, 80a-b), funde um
4 Aos loci classici do dualismo – o Fédon, os Livros centrais da República e a descrição da psico-
génese, no Timeu – acrescento a sua reafirmação pontual, no Sofista 248a, a par das três versões
da anamnese: Ménon 82-86, Fédon 72-76 e a imagem da alma, na palinódia do Fedro 245d-
251b (vide ainda a comparação da reminiscência com a recordação, no Filebo 34a–c). Sendo
consensual a exegese destes textos, dispenso-me de os abordar extensivamente, optando por
referi-los quando se levantarem questões que me pareçam oportunas.
5 Embora não a encare como o núcleo doutrinal da filosofia platônica, além dos textos já men-
cionados, considero este programa expresso, ou subjacente, no Crátilo e Simpósio.
Sujeito epistémico e sujeito psíquico na filosofia platônica 67
2. Anamnese no Fédon
O dualismo platónico começa a ser exposto no argumento do Fédon
que identifica a sensibilidade com o corpo e a alma com a Razão (65a
sqq). A cisão é explorada até às últimas consequências no plano éti-
co (66c-69e, 81b-84b), em termos que os compêndios caracterizam
como caracteristicamente platónicos. Menos notada, pelo contrário,
é a correspondente e capital função desempenhada pela sensibilida-
de na cognição. Ao longo do chamado “argumento da anamnese”
vemo-la ser constantemente contraposta à Razão, numa posição su-
bordinada, porém, sempre funcional.
2. 1 O argumento
Depois de uma comprimida referência implícita ao Ménon (73a-b),
é definido o princípio segundo o qual só pode haver reminiscência
daquilo que antes se “soubera” (epistêmê, epistasthai: 73c). São depois
fornecidos vários exemplos, tendentes a mostrar em que circuns-
tâncias uma experiência cognitiva, designada “senso-percepção6”,
suscita outra, identificada como saber (73c-74a) e caracterizada como
reminiscência.
Começa então o argumento propriamente dito, concentrado nos
casos da reminiscência de “semelhantes” (74a sqq: vide 73e). A
comparação dos iguais visíveis com o Igual estabelece a prioridade
cronológica (74e-75e), psíquica (74c-d) e epistemológica (74d-75d)
da experiência inteligível sobre a sensível. Todavia, o argumento não
deixa de repetidamente insistir (74c, 75a, b, e, 75e-76a) no facto
de ser através da sensibilidade que “recuperamos” (analambanomen:
75e) essa experiência inteligível, designada como saber.
7 A leitura relativista do passo (“para mim”...“para ti”) é a mais natural, introduzindo o re-
gisto doxástico da diferença. A este se acrescenta o físico, relativo à possibilidade de alteração
constitutiva. No entanto, não se acha excluída a possibilidade de o ler no registo relacional, da
chamada “mudança de Cambridge”, pelo qual as coisas “nos aparecem” de acordo com aquilo
com que as comparamos (vide Féd. 96d-e, 102b-104a; Teet. 154a-155e).
O interesse desta nota reside no facto de a comparação fornecer o contexto no qual se insere
a “aparência”: as coisas parecem-nos diferentes não apenas por se acharem sujeitas à mudança,
mas porque cada um a compara com experiências diferentes.
8 Em 74b – concedida por Símias a realidade/existência do Igual inteligível –, a sua experi-
ência é identificada como “saber”, caracterizado pela imutabilidade, nos três registos acima
assinalados.
9 Esta tradução literal parece preferível à habitual, “associados”, pelo facto de esta induzir a
inserção do argumento num contexto psicologístico, de todo anacrónico. Na prática, equivale
a interpretar a reminiscência como um caso especial de associação.
Sujeito epistémico e sujeito psíquico na filosofia platônica 69
3. O Teeteto
3. 1 A teoria
Todas estas dificuldades são encaradas no Teeteto, a começar pela úl-
tima. Na refutação da primeira resposta de Teeteto à pergunta de
Sócrates sobre a natureza do saber – “O saber é senso-percepção” –, é
desenvolvida uma complexa teoria onto-epistemológica sobre a cons-
tituição e modo de captação do sensível14.
Numa perspectiva ontológica, é-nos apresentada uma realidade
reduzida à “deslocação, movimento e mistura”, quantitativa e quali-
tativamente indiscernível, na qual “nada é de nenhum modo e tudo
devém” (gignetai: 152d).
A possibilidade de captar uma realidade dominada pelo fluxo catas-
trófico é desenvolvida no plano epistemológico da teoria, adiante
exposto. Os percebidos (aisthêta) são movimentos lentos, aos quais
erradamente são atribuídos nomes que os identificam como entes
(157b-c). Emitem fluxos rápidos, captados pelos percipientes (ais-
thanomenoi: vide 159e), eles também movimentos lentos). Aqueles
penetram nestes pelos canais sensíveis (identificados pelos seus no-
mes: 156c), produzindo novos movimentos rápidos, designados
“senso-percepções”15 (aisthêseis: 156d-157b).
3. 1. 2 Justificação da teoria
A possibilidade de o mesmo percebido “aparecer” com qualidades
opostas a diferentes percipientes conduz à identificação da “aparên-
cia” (phantasia) com a senso-percepção (152a-c). Como disse, daqui
resulta a dificuldade criada pela consequente identificação da senso-
percepção com o saber (152c). Como podem diferentes percipientes
ter diferentes percepções do mesmo percebido, todas infalíveis?
O desenvolvimento do argumento mostra que tal estado de coisas será
não apenas explicado, mas exigido, por um real dominado pelo fluxo,
em que nada é, qualitativa ou quantitativamente (em termos linguís-
ticos e anacrónicos, que nada é sujeito ou objecto de predicação).
A incompreensão da parte de Teeteto obriga Sócrates a uma longa ex-
plicação, sintetizada pela enumeração dos princípios reguladores da
onto-epistemologia atrás desenvolvida, sucessivamente criticada por
uma série de objecções “erísticas” de Sócrates (161c-165e), adiante
superadas pela chamada “defesa de Protágoras” (165e-168c).
3. 1. 3 Síntese da teoria
Após a consideração do exemplo da percepção do “mesmo” vinho,
por um Sócrates “doente” e outro “saudável”, as leis que comandam
a percepção são expressas em cinco princípios:
18 Para facilitar a exposição, cada princípio é identificado pela regra que introduz. Ao primeiro,
chamaremos “princípio da unicidade” (PU); ao segundo, “princípio da inter-dependência” (PI);
ao terceiro, “princípio da reciprocidade” (PR); ao quarto, “princípio da privacidade” (PP); ao
quinto, “princípio da verdade” (PV).
74 Filosofia Antiga
3. 1. 4. 1 Duas soluções
3. 1. 4. 1. 1 “Protágoras”
O problema da superação da inconsistência provocada pelo fluxo
é resolvido por “Protágoras”. Nenhuma contradição resulta da co-
existência da verdade infalível das senso-percepções com a infinita
variação de percebido e percipiente:
3. 1. 4. 1. 2 Platão
A de Platão, pelo contrário, não é nem uma coisa, nem outra. Vamos
encontrá-la no argumento que remata a refutação da resposta de
Teeteto (184b-186e). Contrastando a passividade analítica do sensó-
rio com a actividade sintética da alma, Sócrates mostra que qualquer
possibilidade de interpretar o sensível, quanto mais de atingir o saber,
se acha fora do domínio da senso-percepção.
O argumento refuta Teeteto, atingindo indirectamente Protágoras,
ao questionar o pressuposto da continuidade da senso-percepção
com a opinião, em que se funda a epistemologia por ele proposta.
Examinando os princípios da epistemologia sensista, é claro que a crí-
tica de Sócrates não atinge os quatro primeiros (PU, PI, PR, PP), mas
apenas o último deles (PV), pelo facto de retirar à senso-percepção a
capacidade de captar a verdade.
Numa perspectiva complementar a esta, é isto mesmo que o argu-
mento da “auto-refutação de Protágoras” (170a-171c) prova. Ou a
opinião de Protágoras é verdadeira, como a de todos os outros ho-
20 Tradução de Adriana Nogueira e Marcelo Boeri, Platão, Teeteto, Prefácio de José Trindade
Santos, Lisboa 2005.
21 A referência é pontual, porém, incontestável: “Se te deixares persuadir por mim...” (ean oun
emoi peithêi).
22 Muito haverá a dizer sobre este projecto epistemológico, que a filosofia, seguindo Platão,
veementemente rejeitou. Mas não é este o momento para o fazer.
76 Filosofia Antiga
23 Dada pelo texto platónico. É impossível avaliar se é com correcção que Sócrates liga PV, que
assegura a verdade da senso-percepção, para quem a sente (158e, 160c), à verdade da opinião
que a exprime (vide 161e7-9), sendo evidente que Sócrates está a sobre-interpretar a tese do
homo mensura. Mas esse não é o problema!
O meu objectivo é avaliar o argumento com que Sócrates refuta a tese que atribui a Protágoras,
não a legitimidade da atribuição.
24 O único relevante, para “Protágoras”. Embora o Teeteto mantenha silêncio sobre a possi-
bilidade da relação, é perfeita a coincidência desta cidade com a Caverna platônica. De resto,
abundam na digressão (172c-177c) sinais do paralelismo entre os dois passos.
Sujeito epistémico e sujeito psíquico na filosofia platônica 77
25 Pelas quais a alma recebe uma percepção (184e-185a), a compara com outras (185a-b),
podendo reflectir em conjunto sobre a totalidade da sua experiência, visando o saber (185c-
186d). Esta actividade conceptual e perceptiva da mente esclarece o modo como a anamnese
“estrutura” a experiência sensível, integrando-a na anterior experiência epistémica da alma.
78 Filosofia Antiga
6. Consequências da inovação
Onde nos leva esta conclusão? A supor que, afastada a tese da verdade
necessária das opiniões, Platão pode fazer concessões ao relativismo de
Protágoras, sobre a refutação do qual exprimirá reservas (179c). É que,
apesar de o argumento final da primeira resposta eliminar o pressu-
29 Plato’s Theory of Knowledge, London 19351; vide a tentative de reabilitar Cornford, critican-
do M. Burnyeat, em G. Adalier, “The Case of Theatetus”, Phronesis XLVI, Leiden 2001, 1-37.
30 Os principais simpatizantes da tese de Ryle (expressa em “Plato’s Parmenides” Mind 48,
1939, 129-151; e “Logical Atomism in Plato’s Theaetetus”, Phronesis 35, 1990, 2-16) con-
cordam na rejeição da interpretação de Cornford, mas não se comprometem com a tese do
abandono; vide R. Robinson, “Forms and error in Plato’s Theaetetus”, Philosophical Review 59,
1950, 3-30; John M. Cooper, “Plato on Sense-Perception and Knowledge (Theaetetus 184-
186)”, Phronesis 15, 1970, Assen, 123-146; M. F. Burnyeat, The Theaetetus of Plato (translation
by M. J. Levett), Indianapolis/Cambridge 1990.
80 Filosofia Antiga
31 Desinteressando-se das consequências éticas, morais e religiosas da subversão da alma pelo cor-
po (Féd. 65d sqq), bem como do estudo dos conflitos entre as “partes da alma” (República IV).
32 Respectivamente, nos dativos plural passivo (Rep. VI 508e1-2, 509b6) e singular activo
(e2) do particípio, e no nominativo e acusativo neutros do particípio, activo e passivo (Crá.
440b5).
Sujeito epistémico e sujeito psíquico na filosofia platônica 81
Mario A. L. Guerreiro
Depto. de Filosofia – UFRJ
Os homens são joguetes dos deuses. São como moscas nas mãos
de meninos malvados que as matam por pura diversão (citado
por Mondolfo, 1969, p. 347, o grifo é nosso).
Mas se Édipo não teve a intenção de fazer tais coisas, por que se
sentiu terrivelmente culpado chegando mesmo a se autopunir gra-
vemente furando seus olhos?! Simplesmente porque o sentimento de
culpa tanto pode decorrer de (1) uma intenção que se materializou,
de (2) uma intenção que não se materializou, ou (3) de uma ação sem
a correspondente intenção de praticá-la. Assim sendo, é perfeitamen-
te compreensível que um indivíduo se sinta culpado, mesmo por um
mal involuntariamente praticado por ele; se o referido mal não pode
ser considerado decorrente da sua intenção, tem de ser considerado
decorrente da sua ação, como é o caso do homicídio culposo em que
– diferentemente do doloso – não está caracterizada a intenção de
praticar o ato praticado.
Desse modo, torna-se bastante compreensível dizer que a auto-recri-
minação e a autopunição de Édipo não decorreram de ele ter tido as
intenções de praticar os males que praticou, porém dos males produ-
zidos nos outros em decorrência das suas ações efetivas. Não devemos
esquecer que Édipo não é caracterizado por Sófocles como um indi-
víduo dotado de autodeterminação e de capacidade de escolha, mas
sim um mero fantoche movido pelo destino inexorável ou pelo desejo
dos deuses. Um indivíduo nestas condições não pode ser considerado
responsável por nenhum mal, porém isto não o impede de se sentir
culpado diante do mal feito aos outros. Neste sentido, concordamos
inteiramente com J. S. Lasso de La Vega quando ele afirma:
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98 Filosofia Antiga
1 SAFFREY, H. D., Proclus, diadoque de Platon in Recherches sur le néoplatonisme après Plotin,
Paris:J. Vrin, 1990, p. 141-158.
2 Ibidem., p. 157.
100 Filosofia Antiga
5 Cf. SAFFREY, H., D., Accorder entre les traditions théologiques: une caractéristique du neopla-
tonismo athénien in On proclus and his influence in medieval philosophy, Ed. E. P. Bos and P. A.
Meijer. New York: E. J. Brill. 1992, p. 35-48.
6 PROCLO, Parmênides (citaremos no formato Com. Parm), edição bilingüe de A-ED.
CHAIGNET, Tomo Primer, Paris: Minerva, 1968, p. 46.
7 Segundo Proclo no livro II do Comentário ao Parmênides, os jônicos são o símbolo da natu-
reza, os itálicos da substância intelectual, enquanto que os atenienses representam a substância
mediana pela qual as almas estimuladas retornam da natureza à razão. Cf. Op. cit., p. 95.
8 Cf. Com. Parm. Op. cit., p. 54.
102 Filosofia Antiga
9 Para citação do texto platônico do Parmênides utilizaremos a edição estabelecida por John
Burnet traduzida por Maura Iglésias e Fernando Rodrigues. Cf. PLATAO, Parmênides, Rio:
Loyola, 2003. O grifo na citação é nosso.
10 Ibidem. pg. 23. Grifo nosso.
11 Com. Parm. Op. Cit. p. 59.
Algumas considerações sobre a leitura procleana do Parmênides de Platão 103
a) Personagens:
Parmênides → a razão não participada13 = ser
Zenão → a razão participada pela alma divina14= vida
Sócrates → a razão particular ( participada e não participada)15 = razão
19 Cf. Com. Parm. p. 86 . Segundo Proclo existem três atividades (energueiai) dialéticas, são elas:
a que convem a juventude e que serve para desenvolver a razão por meio da busca em si mesma;
segundo, o repouso da razão dentro das coisas mesmas, dito de outro modo, o contemplar
a verdade em si mesma (Fedro 252b); por último, realizar uma espécie de parast th, que
serve para purificar a alma da sua dupla ignorância (Sofista 231 a). Cf. Com. Parm. p. 88.
Deste modo, a dialética tem o papel de condução da alma em direção a unidade originária.
Sobre a função da dialética, J. Trouillard nos recorda que a dialética platônica se caracteriza
como um diálogo da alma consigo mesma. Todo o projeto platônico consistiria numa reflexão
total da alma. No Parmênides esta reflexão é um reencontro, uma tomada de consciência do
pensamento consigo mesmo. Cf. TROUILLARD, L’un et l’âme selon Proclos, p. 22.
20 Cf. SAFFREY, La théologie platonicienne de Proclus, fruti de l’exégèse du Parménide en
Recherches sur le Néoplatonisme après Plotin. Paris: J. Vrin, 1990, p. 181.
21 Para Proclo do mesmo modo que no Timeu Platão ensina como as coisas são produzidas
pelo Demiurgo, no Parmênides, temos exposta a maneira pela qual os seres retiram seu ser do
Uno. Cf. Livro I;15, p. 74. Sobre a relação entre o Demiurgo e o Uno, Trouillard observa que
quando os neoplatônicos liam o Timeu, o faziam sempre sob a perspectiva do Parmênides.
Nos diz ele: quand ils voient le Démiurge former les âmes dans le cratère, ils entendent Parménide
dérouler les hypothèses du jeu final. Cf. L’ame du “Parménide et l’un du “Timée”, p. 111.
Algumas considerações sobre a leitura procleana do Parmênides de Platão 105
“Vosso irmão por parte de mãe, qual era mesmo o seu nome,
que não estou lembrando? Era, penso, um garoto, quando,
de uma vez anterior, vim de Clazômenas para cá; mas já faz
muito tempo desde então. O nome de seu pai era, parece-me,
Pirilampo” (126b).
22 Parm. 126a.
106 Filosofia Antiga
Referências
PLATAO, Parmênides, edição estabelecida por John Burnet traduzida por
Maura Iglésias e Fernando Rodrigues. Rio: Loyola, 2003.
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du neoplatonismo athénien in On proclus and his influence in medieval philosophy,
Ed. E. P. Bos and P. A. Meijer. New York: E. J. Brill. 1992.
SAFFREY, La théologie platonicienne de Proclus, fruti de l’exégèse du Parménide
en Recherches sur le Néoplatonisme après Plotin. Paris: J. Vrin, 1990.
TROUILLARD, J. L’ um et l’âme selon Proclos, Paris: Les Belles Lettres,
1972.
TROUILLARD, J. La mystagogie de Proclos, Paris: Les Belles Lettres, 1982.
25 Parm. 126b.
26 Com. Parm. II; 34, p. 126.
109
Morte
Giovanni Casertano
Rachel Gazolla
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e ortográfica dos artigos.
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