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1. ADOÇÃO E FAMÍLIA
A palavra adoção vem do latim adoptione, que significa “considerar, olhar
para, escolher” (Weber, 1999, p.100). A literatura indica que a adoção vem sendo
praticada desde os tempos mais remotos, não sendo, portanto, um traço
característico das modernas estruturas sociais. Apesar de pais e filhos adotivos
existirem há muito tempo, o tema “adoção” foi sempre um pouco obscuro, visto
geralmente como uma questão da intimidade da família (Weber, 1999).
Segundo Gomide (1999) a adoção foi tratada tradicionalmente no bojo da
filantropia e da assistência social, e até pouco tempo raros eram os estudos
sistemáticos sobre o assunto, o que, de acordo com Weber (1999), trouxe como
conseqüência a generalização de casos dramáticos e a formação de preconceitos e
estereótipos. A literatura internacional sobre adoção começou a se expandir
principalmente na década de 1980, quando houve a divulgação de uma série de
obras sobre o tema nas áreas de psicologia e psicanálise. A partir da década de
1990 começou a ser produzida também uma literatura nacional sobre adoção, tendo
sido discutida e debatida entre técnicos, assistentes sociais, psicólogos e pais
adotivos (Abreu, 2002). Atualmente percebe-se uma crescente produção nacional e
internacional sobre o tema, com a sistematização de dados obtidos através de
pesquisas e experiências profissionais, tendo como foco diferentes aspectos do
processo adotivo.
participação e concordância popular. A única condição era que o adotante tinha que
ser pelo menos 18 anos mais velho que o adotado. Essa forma de adoção objetivava
encontrar pessoas capazes de continuar o nome da família, perpetuar o culto aos
ancestrais, ou então dar uma criança a um casal sem filhos (Abreu, 2002).
Segundo Abreu (2002) não se sabe ao certo como funcionava a adoção por
testamento, mas um exemplo desse tipo de adoção é o fato de Júlio César ter
adotado Otávio através de seu testamento, conferindo-lhe o uso do nome e o
privilégio de ser filho de César.
Abreu (2002) afirma que nas sociedades muçulmanas não era (e em algumas
ainda não é) permitida a adoção, pois esta prática social teria sido proibida por Alá.
De acordo com o Corão, “... Dos filhos adotivos de vocês, Ele (Alá) não os fez filhos”
(citado por Abreu, 2002, p.142). Assim, apesar de a lei ter recebido diversas
interpretações nas sociedades muçulmanas, a adoção adquiriu prioritariamente uma
imagem ofensiva e negativa, tanto para quem adota como para quem é adotado.
A literatura indica que durante a Idade Média a adoção entrou em declínio. A
cristianização da Europa gradativamente acabou com o culto aos mortos, e a
necessidade de adotar alguém para que essa função fosse desempenhada perdeu o
sentido. Além disso, os filhos adotivos eram desinteressantes para a Igreja, pois a
sua existência não lhe permitia exercer o direito sobre a herança. A Igreja, que
exerceu grande influência religiosa e política na época, entendia a adoção como
uma forma de legitimar filhos bastardos, e também como um meio de as pessoas
terem filhos para ampará-las na velhice sem ter que recorrer ao matrimônio (Weber,
1999; Abreu, 2002).
Na Idade Média a linhagem passou a estar estreitamente vinculada aos laços
sangüíneos, e a nobreza, que era o fundamento da ordem política e social, era
considerada hereditária. A adoção era contrária ao sistema de feudos presente na
época, no qual eram seguidos de forma estrita os termos de consangüinidade, com o
direito feudal considerando imprópria a convivência entre senhores e rústicos ou
plebeus em uma mesma família. Assim, a ideologia consangüínea da Europa
medieval acomodava muito mal a adoção, de modo que entre 800 e 1800 há um
verdadeiro eclipse das diversas legislações referentes à adoção (Abreu, 2002;
Weber, 1999).
Apesar de não existirem registros precisos sobre adoção na Idade Média,
Ariès (1981) ressalta que nessa época era comum famílias de algumas regiões
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1.2. Abandono
Quando se fala em adoção, muitas vezes deve-se levar em conta uma história
precedente de abandono (Rizzini, 1999; Albornoz, 2001). Freire (1991a) afirma que,
embora seja certo que o fenômeno do abandono de crianças sempre é mais intenso
e acentuado na eclosão de grandes catástrofes e crises sociais, é possível perceber
a sua presença constante, em todas as épocas e em praticamente todas as
sociedades, mesmo em momentos sociais de maior estabilidade. Assim, através da
história, verifica-se que o abandono de crianças constitui uma constante
preocupação dos poderes instituídos, que procuraram através de inúmeras medidas,
dar uma resposta adequada à situação aflitiva das crianças.
Desde a antigüidade existem casos de pais que abandonam ou doam seus
filhos, e de pessoas que se interessam em acolher essas crianças. Assim, a
organização social de diferentes culturas buscou maneiras de implementar outros
tipos de relações familiares que não as biológicas, muitas vezes com atos jurídicos
para a criação de laços de parentesco (Weber, 2001).
Alguns povos, como os Bárbaros, os Hebreus e os Egípcios, recolhiam as
crianças sem pais e cuidavam delas como se fossem filhos legítimos. Outros, dentre
eles os Persas, os Assírios, os Gregos e os Romanos, faziam um rígido controle
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1.3. Institucionalização
Quando se fala em institucionalização de crianças e adolescentes, de um
modo geral estamos falando de um procedimento que engloba todos os casos em
que crianças e jovens se encontram fora da família e recebendo atendimento
institucional. Assim, podem ser incluídas aí situações de internamento: visando a
privação de liberdade, voltadas para adolescentes em conflito com a lei; destinadas
a tratamentos de casos específicos, de condições físicas ou mentais (por exemplo,
crianças e jovens com patologias ou portadores de deficiências); ou voltadas para
crianças e adolescentes que se encontram em situações consideradas de risco
pessoal e social (abandono, violência doméstica, entre outros), que por algum
motivo não tem condições de permanecer com sua família de origem (Rizzini e
Rizzini, 2004). No presente trabalho será abordada mais especificamente essa
última modalidade de institucionalização.
De acordo com Weber (1999), a institucionalização de crianças e
adolescentes é um dispositivo jurídico-técnico-policial criado com base na
justificativa de abrigar e proteger a criança e o jovem abandonado. Porém a maior
finalidade do internamento tem sido o afastamento dessas crianças e adolescentes
marginalizados do convívio social, servindo mais aos interesses da sociedade.
Trindade (1984) ressalta que, com um regime disciplinar e autoritário, a instituição
surge para atender a criança que tem problema, tendo, dentre outras funções, a de
domesticar a criança, não apenas estabelecendo padrões definidos de conduta, mas
também procurando impedir a ocorrência de qualquer desvio de comportamento que
pudesse afetar a ordem estabelecida. Também Rizzini e Rizzini (2004) ressaltam
que as iniciativas de internamento estiveram prioritariamente entrelaçadas a
objetivos de assistência e controle social de uma população representada
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sempre vivida como um mau lugar, assim como a família não é sempre um lugar
privilegiado e protetor.
Segundo Weber (1999), apesar de o internamento de crianças e adolescentes
ser uma medida que deveria ser tomada como recurso extremo e por curto período,
muitas vezes o que ocorre é o abandono dessas crianças e adolescentes nas
instituições, onde acabam passando boa parte de suas vidas. Embora, nos termos
jurídicos, o abandono seja caracterizado pela falta de assistência ou omissão dos
pais, ou quando é destituído dos pais o seu poder familiar1 em virtude de uma
sentença judicial, Weber (1999) considera que quando crianças ou adolescentes são
colocados em um estabelecimento em regime de internato e não são assistidos pela
família, são abandonados, ainda que não o sejam em termos jurídicos.
Weber (1999) afirma que a maioria absoluta das crianças institucionalizadas
são internadas pela própria família, e que a maioria dessas crianças deixadas nas
instituições nunca recebem visitas de seus familiares. Ainda segundo Weber (1999),
apesar de essas crianças estarem esquecidas nas instituições e de não receberem
visitas, somente uma pequena parcela dos pais delas foi destituída do poder familiar,
e apenas as crianças cujos pais foram alvo de tal decisão estão liberadas para
adoção. A maioria das crianças, apesar de estarem abandonadas de fato, não estão
abandonadas de direito, e por isso não estão liberadas para serem adotadas. Um
exemplo disso é o fato de que, em São Paulo, uma mãe que abandona o filho recém
nascido só perde o poder familiar depois de, no mínimo, três meses sem reclamar a
criança (Mendonça e Fernandes, 2004, em reportagem da revista Época de
23/08/04). Segundo Weber (1999), há um descaso das autoridades competentes
(Instituições de Abrigo, Poder Judiciário e Promotoria Pública) em relação à tutela
dessas crianças que estão em instituições, pois elas continuam internadas e
abandonadas por seus familiares, e sem a possibilidade de serem adotadas. Daí
resulta que muitas crianças e adolescentes ficam internados em instituições por um
longo período de tempo, às vezes cerca de 18 anos, enquanto o Estatuto da Criança
e do Adolescente afirma que, mesmo para adolescentes infratores, o período
máximo de internamento deve ser de três anos (Weber, 1999).
1
O termo “poder familiar” passou a ser usado no lugar de “pátrio poder” a partir do novo Código Civil, que
começou a vigorar em janeiro de 2003. Na época do antigo Código Civil, de 1916, quem exercia o poder sobre
os filhos era o pai (por isso o uso do termo “pátrio poder”), e não se falava no poder dos pais (do pai e da mãe).
Mas esta situação mudou, e hoje a responsabilidade sobre os filhos é de ambos os pais (Santos, 2005). O termo
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Com base em dados do IBGE, estima-se que 200 mil crianças e adolescentes
brasileiros não tenham família, estando muitas delas internadas em abrigos
(Mendonça e Fernandes, 2004, em reportagem da revista Época de 23/08/04). No
entanto, apenas 5% das crianças nos abrigos estão disponíveis para adoção. Em
declaração à revista Época (23/08/04), numa reportagem de autoria de Mendonça e
Fernandes (2004), Gabriela Schreiner, diretora executiva do Centro de Capacitação
e Incentivo à Formação de Profissionais (Cecif), afirmou que os abrigos são uma
espécie de colégios internos de crianças carentes. Algumas crianças recebem visitas
regulares de pais ou mães, que os mantém ali por falta de condição financeira.
Outras, que não têm pais, são visitadas por tios ou avós, que não as tiram de lá nem
as disponibilizam para adoção. Há ainda casos de crianças que são abandonadas e
permanecem nos abrigos durante anos, e acabam se deparando com algum parente
justamente quando estão para serem adotadas.
“pátrio poder” só será usado no decorrer desse trabalho quando o texto se referir períodos em que vigorava o
poder paterno sobre os filhos.
2
No texto “Infertilidade X Esterilidade” (sem autoria), no site http://www.ism.med.br/infertil/infxest.htm,
encontra-se uma diferenciação entre os termos infertilidade e esterilidade. A infertilidade é a incapacidade de um
ou de ambos os cônjuges de gerar gravidez por um período conjugal de no mínimo dois anos, por causas
funcionais ou orgânicas, sem o uso de contraceptivos e com vida sexual normal. A esterilidade refere-se aos
casos em que os recursos terapêuticos não proporcionam cura.
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adotarem uma criança. Desse modo, chega-se a colocar na mesma ordem de valor
o direito da criança a ser criada e educada numa família e o “direito” dos adultos de
“possuírem” os filhos que lhes teriam sido negados pela natureza. Essa percepção
tem sido responsável, segundo Becker (2000), por uma inversão nos procedimentos
da adoção, pois muitas vezes deixou-se de considerar as necessidades das crianças
e passou-se a procurar crianças para satisfazer necessidades de adultos.
Ebrahim (2001) assinala que, atualmente, tem sido bastante difundida uma
“cultura da adoção”, com o objetivo de proporcionar um lar para crianças que não o
tem, sem valorizar demasiadamente características como condições de saúde, cor,
gênero e idade da criança ou adolescente a ser adotado. Porém o maior interesse
no Brasil continua sendo pela adoção de bebês, e enquanto grande quantidade de
crianças maiores continua sem família, os cadastros de candidatos à adoção
pleiteiam crianças pequenas, ficando as crianças maiores à espera de pais, e os
pais a espera de bebês.
No Brasil, a adoção legal, que segundo A. Robert (1989, citada por Weber,
1999) “é a criação jurídica de um laço de filiação entre duas pessoas”, é
regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e tem como principal
objetivo encontrar uma família para crianças e adolescentes abandonados, tentando
adequar a esse objetivo o interesse de pessoas que querem adotar. Além da adoção
legal, é bastante conhecido também o sistema de adoção que foge à esfera jurídica,
a chamada “adoção à brasileira”, que ocorre quando uma pessoa encontra uma
criança e a registra como seu filho sem passar pelos trâmites legais da adoção.
De acordo com Diniz (1991), a adoção pode ser definida como “... a inserção
num ambiente familiar, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio
da filiação, segundo as normas legais em vigor, de uma criança cujos pais morreram
ou são desconhecidos, ou não sendo esse o caso, não podem ou não querem
assumir o desempenho das suas funções parentais, ou são pela autoridade
competente, considerados indignos para tal” (p.67).
Reppold e Hutz (2003) conceituam a adoção como a criação de um
relacionamento afiliativo que envolve aspectos jurídicos, sociais e afetivos que a
diferenciam da filiação biológica. Fu I e Matarazzo (2001) consideraram a adoção
mais uma condição social e psicológica do que judicial, muitas vezes referindo-se à
criança que não vive com os pais biológicos e que é criada por outras pessoas, por
meio ou não de adoção legal, de tutela ou de guarda. Mas essa concepção ampliada
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de adoção deve ser usada com cautela, pois não corresponde ao uso mais comum
do conceito, tanto no contexto jurídico como em outros contextos sociais.
Gagno e Weber (2002) afirmam que muitas vezes se usa o termo “filho de
criação” para se referir a filhos adotivos, mas apesar de os termos “filho de criação”
e “filho adotivo” serem usados indistintamente no senso comum, as autoras afirmam
que a literatura sugere uma distinção entre eles. Na adoção – tanto legal como
informal – a relação de filiação estabelecida é substitutiva à relação dada
biologicamente, ou seja, a mãe biológica é substituída pela adotiva, enquanto nas
famílias de criação a relação de filiação é geralmente aditiva, ou seja, os filhos
“somam mães”, ao invés de uma substituir a outra. O filho de criação dispensa a
preocupação com a evitação de relações com a família de origem, enquanto na
adoção, via de regra, a família adotiva e a família biológica não se conhecem. A
relação de criação, segundo Fonseca (2002a, 2002b) é uma alternativa de
organização de parentesco que não é vista pelos pais biológicos como abandono, e
nem vivida como tal pelas próprias crianças. A autora afirma que os etnólogos
chamam a prática da criação de “circulação de crianças”, por causa do vai e vem de
crianças entre as casas de diversas mães (madrinha, vizinha, etc.), e afirma que
essa prática não deveria ser ignorada nas análises de organização de famílias de
baixa renda no Brasil.
Paralela a pouca distinção no senso comum entre adoção e criação, segundo
Fu I e Matarazzo (2001) existem também outras variações no processo de adoção,
como a distinção entre adoção extrafamiliar, quando a criança é adotada por
pessoas que não têm relação de parentesco com nenhum de seus pais biológicos, e
intrafamiliar, quando a criança está sob cuidados de pessoas que têm relação de
parentesco com pelo menos um dos pais biológicos. Essas autoras afirmam que a
distinção entre os vários tipos de adoção em relação aos adotantes é
freqüentemente citada nos estudos, mas raramente foi investigada a influência
dessas variações no desenvolvimento psicológico dos filhos adotivos.
Conforme Mendonça e Fernandes (2004), em reportagem da revista Época
de 23/08/04, o número de adoções realizadas por brasileiros vem crescendo. Na
cidade do Rio de Janeiro, o volume cresce desde 2000, em especial as adoções de
crianças com mais de 4 anos, que são justamente as mais rejeitadas. De acordo
com a reportagem, a classe média já não vê a adoção apenas como um plano
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pela expressão “dar de papel passado” (Abreu, 2002, p.24). Segundo Weber (2001),
as possibilidades de adoção incluídas no Código Civil de 1916 assemelhavam-se às
do Código Napoleônico, sendo excessivamente rígidas, o que dificultava o seu uso
social. Além disso, Abreu (2002) afirma que, até este momento, a adoção no Brasil
estava situada dentro da esfera das relações privadas e familiares.
Em 1927 foi promulgado o primeiro Código de Menores brasileiro, uma
legislação especialmente voltada para crianças e adolescentes. Weber (2001) afirma
que este Código não trouxe qualquer contribuição para a questão da adoção.
Segundo Santos (2004), o Código de Menores de 1927 elegia como objeto de sua
ação a infância e adolescência abandonada, delinqüente, ou carente, objetivando o
seu controle, e enfatizava a institucionalização como forma de proteção.
Em 1957 foi promulgada uma lei que trouxe importantes contribuições para a
adoção, mas apesar de ter simplificado algumas exigências feitas pelo Código Civil
de 1916, continuou sendo uma lei de difícil uso social (Weber, 2001). As principais
modificações introduzidas pela Lei 3.133 de 08/05/1957 foram: a idade mínima do
adotante foi reduzida de 50 para 30 anos; a diferença de idade exigida entre
adotante e adotado passou de 18 para 16 anos; as pessoas casadas só poderiam
adotar depois de decorridos 5 anos de casamento; e a adoção poderia ocorrer
mesmo se o adotante tivesse filhos legítimos. Em relação à sucessão hereditária, se
o adotado fosse filho único, receberia integralmente a herança; se os adotantes
tivessem filhos naturais após a adoção, o adotado teria direito à metade do que
coubesse a cada filho natural; se os adotantes já tivessem filhos antes da adoção, o
filho adotivo não teria direito à herança (Weber, 2001).
Com a Lei 4.655, de 1965, foi criada no Brasil a Legitimação Adotiva, ou seja,
o filho adotivo passou a ter quase os mesmos direitos e deveres que o filho legítimo,
exceto nos casos de sucessão hereditária em que concorresse com filho legítimo
gerado posteriormente à adoção. A Legitimação Adotiva trouxe como principal
inovação a preocupação com a criança adotiva, visto que essa criança poderia se
tornar filha legítima de quem a adotasse (Weber, 2001). A partir daí passaram a
coexistir duas modalidades de adoção, uma regida pelo Código Civil e a outra regida
pela nova lei. De acordo com a nova legislação o limite máximo de idade da criança
para que pudesse ocorrer a legitimação seria 7 anos, e poderiam ser legitimadas: a
criança abandonada cujos pais fossem desconhecidos, tivessem declarado por
escrito sua intenção de colocá-la para adoção ou tivessem sido destituídos do pátrio
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poder; a criança órfã não reclamada por qualquer parente há mais de um ano; o filho
natural reconhecido apenas pela mãe, impossibilitada de prover sozinha sua criação;
a criança abandonada que estivesse sob os cuidados de uma instituição de
assistência social; e a criança maior de 7 anos que ao completar essa idade
estivesse sob a guarda dos legitimantes, mesmo que estes não preenchessem as
condições exigidas por lei. Poderiam ser legitimantes: os casais com mais de 5 anos
de matrimônio, sem filhos, e com pelo menos um dos cônjuges com idade superior a
30 anos; pessoas viúvas com mais de 35 anos que já estivessem com a criança e
comprovassem integração dessa criança ao lar; e pessoas desquitadas, desde que
a guarda da criança houvesse começado durante o matrimônio, e que houvesse um
acordo quanto à guarda após o término da sociedade conjugal (Chaves, 1966, citado
por Weber, 2001).
Em 1979 foi instituído um novo Código de Menores (Lei 6.697 de 10/10/1979),
que trouxe mais progressos para a questão da adoção. Segundo Weber (2001), com
esse Código passou a haver três procedimentos para a adoção:
A Adoção Simples, regida pelo Código de Menores, que dependeria de
autorização judicial. Era voltada para os então chamados “menores em situação
irregular”, lhes conferindo direitos restritos, e assumindo mais um caráter de
controle social e proteção contra o risco representado por esses “menores”. Essa
adoção deveria ser precedida de estágio de convivência pelo prazo fixado pela
autoridade judiciária (em função da idade do adotando e das peculiaridades do
caso), podendo ser dispensado o estágio de convivência se o adotando tivesse
menos de um ano de idade;
A Adoção Plena, também regida pelo Código de Menores, que veio substituir a
Legitimação Adotiva, criada em 1965, visando especialmente os interesses dos
adotados. Por meio da Adoção Plena era atribuída ao adotado a situação de
filho, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os
impedimentos matrimoniais. Só poderia ser adotada a criança até 7 anos que se
encontrasse em situação irregular, e a criança acima de 7 anos se há época em
que completou essa idade já estivesse sob a guarda dos adotantes. De acordo
com a legislação, a Adoção Plena só seria deferida após período mínimo de um
ano de estágio de convivência, e poderiam adotar: casais, com ao menos um dos
cônjuges com idade superior a 30 anos, e que tivessem mais de 5 anos de
matrimônio – esse prazo seria dispensável se fosse provada a esterilidade de
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2002) se faz uma distinção entre pais adotivos e padrasto ou madrasta. Consideram
pai/mãe adotivo (a) um indivíduo que provê cuidados paternos/maternos a uma
criança que não pertence à sua prole genética, enquanto o padrasto ou a madrasta
é aquele (a) que se ligou a um (a) companheiro (a) com prole dependente já
existente. Ou seja, nos pais adotivos o interesse inicial é um desejo de serem pais,
enquanto o padrasto ou madrasta tem como interesse inicial o cônjuge.
O ECA afirma que a adoção depende do consentimento dos pais ou do
representante legal do adotando, sendo este consentimento dispensado em relação
à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido
destituídos do poder familiar. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a
suspensão ou perda do poder familiar nos casos em que os pais, injustificadamente,
deixarem de cumprir seus deveres de sustentar, ter sob guarda e educar os filhos,
submeterem-nos a abusos e maus tratos, ou, ainda, deixarem de cumprir
determinações judiciais no seu interesse (Becker, 2000). Assim, segundo Becker
(2000), pode-se dizer que a perda do poder familiar será decretada sempre que a
manutenção da criança ou do adolescente junto aos pais representar sério risco ao
seu desenvolvimento, à sua saúde ou até mesmo à sua vida.
É importante ressaltar que, de acordo com o ECA, a falta ou carência de
recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do
poder familiar, e não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da
medida, a criança ou o adolescente deve ser mantido em sua família de origem, a
qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio. Segundo
Becker (2000) é comum ocorrer uma confusão conceitual entre abandono e pobreza.
Costuma-se dizer que existem milhões de crianças abandonadas no Brasil, devido
ao fato de existirem muitas crianças nas ruas ou em abrigos, às vezes passando
fome e sem os cuidados básicos. Porém, a imensa maioria dessas crianças, mesmo
as que estão nas ruas ou recolhidas em abrigos, possuem vínculos familiares, e
estão nessas condições mais por uma questão de pobreza que de abandono. Muitas
vezes o que as leva a essa situação de risco não é a rejeição ou a negligência por
parte dos pais, e sim alternativas, às vezes desesperadas, de sobrevivência. Assim,
não é adequado ver a colocação em família substituta como uma solução para a
pobreza dessa população, visto que o que deveria ser feito, segundo a lei, seria uma
inclusão dessas famílias pobres em programas oficiais de auxílio. Mas essa inserção
em programas oficiais de auxílio, com o objetivo de possibilitar que a família
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biológica tenha condições de ficar com a criança, muitas vezes não acontece. De
acordo com Mariano e Rossetti-Ferreira (2004), em uma pesquisa que objetivou
caracterizar as famílias biológicas envolvidas em processos de adoção de crianças
na Comarca de Ribeirão Preto – SP, muitas famílias biológicas foram destituídas ou
delegaram o poder familiar por motivos associados à pobreza, e não foram
observados, no entanto, registros de inserção dessas famílias em programas de
auxílio (de reinserção no mercado de trabalho, de acesso a melhores condições de
moradia, de profissionalização, entre outros), para que pudessem ficar com os seus
filhos, de acordo com o que é estabelecido pelo ECA. Assim, fica evidente que a
inserção em programas oficiais de auxílio, que muitas vezes não acontece, deve ser
acompanhada por uma luta maior, por melhores condições de vida para toda a
população, com a criação de políticas governamentais que visem garantir condições
de vida adequadas aos amplos setores populacionais que estão na pobreza
extrema.
O ECA determina que, quando a adoção for uma solução viável, ela deve ser
precedida de estágio de convivência, sendo o prazo estabelecido ao arbítrio do
magistrado, de acordo com a necessidade de cada caso. O estágio de convivência
pode ser dispensado se o adotando estiver com menos de um ano de idade, ou se já
estiver sob a companhia do adotante por tempo suficiente para se poder avaliar a
conveniência da constituição do vínculo.
Conforme o Estatuto, sempre que possível a criança ou adolescente deverá
ser previamente ouvido sobre a adoção, e a sua opinião devidamente considerada.
Quando o adotando for maior de 12 anos, é necessário haver o seu consentimento
para que a adoção seja efetivada.
Quanto ao registro relativo ao processo, o ECA estabelece que o vínculo da
adoção constitui-se por sentença judicial e será inscrito no registro civil, constando o
nome dos adotantes como pais. O registro original do adotando será cancelado, e
será feito um novo registro conferindo ao adotado o nome do adotante e, a pedido
deste, poderá ser modificado o prenome. Nenhuma observação sobre a origem do
ato poderá constar nas certidões de registro. A partir do ECA fica proibida a adoção
por procuração, antes prevista pelo Código Civil, não sendo mais possível que um
advogado represente os adotantes no momento da adoção.
O ECA determina que a autoridade judiciária deverá manter em cada juizado
ou foro regional um registro de crianças e adolescentes em condições de serem
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crianças estão lá não por abandono, e sim por falta de condição financeira das
famílias. Os que defendem o projeto chamam a atenção para a existência de uma
geração de crianças que estão nos abrigos e não podem ser adotadas pois têm
vínculos familiares (Neves, 2005, em reportagem do jornal A Tribuna de 16/01/05).
A partir do que foi exposto nota-se que, assim como em vários outros países
do mundo, a legislação sobre a adoção no Brasil tem um desenvolvimento muito
recente, tendo obtido maiores avanços apenas no século XX. Somente em 1990, ou
seja, há apenas cerca de 15 anos, o ECA equiparou definitivamente os direitos e
deveres dos filhos adotivos aos dos filhos biológicos, tornando a adoção plena e
irrevogável para todas as crianças e adolescentes, e proibindo quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação. Fazendo uma reflexão acerca desse
desenvolvimento legislativo relativamente tardio, percebe-se que no Brasil há um
conjunto de condições que não favorecem que a adoção seja alvo de atenções. A
população de crianças e jovens a ser adotada no país geralmente é proveniente de
classes populacionais economicamente desfavorecidas, e sabe-se que as políticas
governamentais geralmente não são direcionadas a essa parcela da população, e
quando o são, se mostram insuficientes para atender sua demanda. Além disso, se
há tantas crianças e adolescentes desprovidos de famílias e necessitando serem
adotados, isso é indício de que as políticas governamentais não conseguem
proteger os amplos setores da população que estão na pobreza extrema. Assim,
falar de adoção é de certa forma colocar em evidência a insuficiência de políticas
governamentais de amparo e assistência às camadas populares, que não dão
subsídios para que essas pessoas possam ter condições de criar e educar seus
filhos.
3
O termo “família natural” é usado, no Estatuto da Criança e do Adolescente, para diferenciá-lo do termo
“família substituta” (Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 2001).
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inadequada, pois a intimação é feita pelo Diário Oficial, não levando em conta que
grande porcentagem dessa população é analfabeta, e que uma mínima
porcentagem tem acesso a essa publicação. Assim, segundo as autoras, não se
busca a reinserção da criança nas famílias biológicas, nem o desenvolvimento de
recursos familiares próprios para a manutenção dos filhos. Essa questão nos remete
a outra discussão, feita anteriormente, de que muitas crianças estão esquecidas nas
instituições, não sendo acompanhadas por seus familiares, e não podendo ser
adotadas pois seus pais não foram destituídos do poder familiar. Para que esses
pais possam ser destituídos do poder familiar, é necessário que sejam esgotados os
recursos para que estes sejam encontrados, pois a prioridade, segundo o ECA, é a
manutenção da criança na família de origem. Assim, ou não são empreendidos
esforços na busca da família de origem da criança, e esta permanece na instituição
sem poder ser adotada, ou quando são feitas buscas pelos pais biológicos, muitas
vezes estas se mostram inadequadas, havendo a possibilidade de os pais biológicos
da criança serem destituídos de seu poder familiar sem ficarem sabendo, mesmo
tendo a possibilidade de serem encontrados e, quem sabe, de ficarem com a
criança.
O ECA destaca três modalidades de colocação em família substituta: a
guarda, a tutela e a adoção. A guarda tem o caráter de provisoriedade, e obriga à
prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente,
dando ao seu detentor o direito de se opor a terceiros, inclusive aos pais. Becker
(2000) afirma que, de um modo geral, a guarda é concedida nos casos em que os
requerentes aguardam decisão judicial sobre concessão de tutela e adoção, em
casos de suspensão do poder familiar, enquanto se procede ao atendimento dos
pais biológicos visando à restauração dos vínculos ou à decisão definitiva sobre a
perda do poder familiar, nos casos em que a adoção não se aplica ou é inviável,
entre outros.
A tutela é aplicada geralmente no sentido de encarregar aqueles que
sucedem os pais no exercício do poder familiar, quando este é retirado dos pais por
determinação judicial ou em casos de orfandade, e implica a administração dos bens
e o dever de guarda. A tutela é preferencialmente cedida a pessoas do grupo
familiar (avós, irmãos maiores, tios, entre outros), podendo ser conferida a outros na
ausência ou impossibilidade dos familiares. Diferentemente da guarda, a tutela tem
39
caráter definitivo, podendo ser destituída apenas nos casos em que se prevê a
destituição do poder familiar (Becker, 2000).
A adoção, de acordo com Becker (2000), é a forma mais definitiva e radical de
colocação em família substituta, pois a criança se torna um filho com todas as
conseqüências jurídicas e psicossociais que tal situação acarreta. A adoção é
indicada quando a criança é separada definitivamente de seus pais biológicos, e
quando não existem parentes com condições de assumir sua tutela.
Uma pessoa ou casal que tem interesse em adotar uma criança deve se
inscrever no Juizado da Infância e da Juventude da comarca4 de sua residência, e
entregar a documentação necessária, (isso inclui, em geral, documentos pessoais,
além de comprovante de renda e residência, atestado de sanidade física e mental e
“Declaração Nada Consta”, retirada no Fórum, referente aos antecedentes da
pessoa5). É importante ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente não
determina a documentação necessária para adoção, podendo esta ficar a critério do
Juizado.
De acordo com o art. 167 do ECA, “a autoridade judiciária, de ofício ou
requerimento das partes ou do Ministério Público, determinará a realização de
estudo social ou se possível, perícia por equipe interprofissional, decidindo sobre a
concessão de guarda provisória, bem como, no caso de adoção, sobre o estágio de
convivência”. Assim sendo, será feito um estudo psicossocial dos requerentes por
uma equipe técnica formada por psicólogo6 e assistente social (geralmente por meio
de entrevistas, mas o procedimento pode variar dependendo do Juizado), estudo
este que tem como objetivo dar ao Juiz e ao Ministério Público um parecer técnico
sobre as condições encontradas. Os psicólogos e assistentes sociais fazem um
estudo sobre os requerentes, seus interesses, e sobre as especificidades de seu
caso, além de fornecer orientação sobre o procedimento legal e os significados da
adoção. Será preenchido um cadastro, com informações sobre a pessoa ou casal,
assim como sobre as características da criança que se deseja adotar (como sexo,
cor de pele, idade e aspectos de saúde). Após feita a avaliação psicológica e social
é emitido um parecer técnico, em forma de laudo, que será anexado ao Processo, o
qual será avaliado pelo Ministério Público e pelo Juiz da Vara da Infância e
4
Divisão judicial de um Estado sob a jurisdição de um juiz de direito (Dicionário Silveira Bueno, 1990, p.159).
5
Informações obtidas no Juizado da Infância e Juventude de Vila Velha – ES.
6
Há comarcas em que não existe o cargo de psicólogo, e nesses casos ou não há psicólogos fazendo parte da
equipe técnica, ou os psicólogos que lá trabalham o fazem em desvio de função ou atuando voluntariamente.
40
Juventude, que dará a decisão final sobre o cadastramento ou não dos interessados.
Estando entendido por todos que a pessoa ou casal está apto para adotar uma
criança ou adolescente, esta pessoa ou casal vai entrar numa fila de Cadastro de
Pretendentes à Adoção, e aguardará até que chegue a sua vez de adotar. Quando a
equipe técnica entende que o requerente está inapto para adotar uma criança ou
adolescente, esta não é, necessariamente, uma decisão definitiva, pois o
interessado pode passar por um período de reflexão e orientação, e ser reavaliado
posteriormente. Já os candidatos considerados inidôneos (aqueles que cometeram
faltas ou delitos graves, representando um risco à integridade da criança) têm sua
inscrição indeferida definitivamente (Oliveira, 2002).
Aqueles que entram no Cadastro de Pretendentes à Adoção ficam
aguardando numa fila, em ordem de inscrição, até que chegue sua vez de adotar e
até que haja a disponibilização de uma criança ou adolescente adequada ao seu
interesse. O Juizado deve ter um cadastro de crianças e adolescentes em condições
de serem adotadas, geralmente localizadas em abrigos sociais. Em geral o tempo de
espera pela adoção é longo (às vezes de alguns anos), e isso se deve,
principalmente, ao fato de que as pessoas em geral preferem recém nascidos
brancos, e a maioria das crianças que são disponibilizadas para adoção não são
mais recém nascidas, e geralmente têm a pele identificada como parda ou negra.
Quando houver alguma criança com as características apontadas pelo(s)
interessado(s), estes serão contactados e receberão informações sobre a criança,
sendo convidados a conhecê-la. Se houver um interesse na adoção daquela criança
(o que não é obrigatório, e caso não haja interesse a pessoa continua na fila de
cadastro), será iniciado um estágio de convivência (em alguns casos
desnecessário), e será dado início ao procedimento legal de adoção, que é
finalizado com a sentença do juiz e com o mandado de cancelamento (quando a
criança já foi registrada) e confecção de novo registro civil.
Um outro procedimento para adoção realizado nos Juizados denomina-se
intuitu personae (que no vocabulário jurídico significa “em consideração à pessoa”,
ou “obrigação contraída” 7), também conhecido como “adoção pronta”, e acontece
quando os pais biológicos escolhem a família para a qual desejam entregar seu filho.
Assim, a pessoa ou o casal adotante vai até o juiz, juntamente com os pais
7
Site do acadêmico de Direito, http://www.sadireito.com/web/dicionario/i.asp.
41
biológicos e com a criança que lhe foi entregue por estes, e pede que seja iniciado o
processo de adoção dessa criança. Isso acontece porque o ECA, no artigo 166,
garante aos pais a possibilidade de indicar seu desejo de abdicar do poder familiar
em direção a outrem (Abreu, 2002). Nesse tipo de adoção ocorre um contato entre
pais de origem e adotivos, na medida em que são os pais de origem de escolhem
quem irá adotar a criança, mas esse contato não é necessariamente mantido
posteriormente, o que fica a critério dos pais adotivos.
Existem também casos de pessoas que comparecem às Varas da Infância e
da Juventude para legalizarem adoções de crianças ou adolescentes que estão sob
sua responsabilidade há muito tempo, mas não do ponto de vista legal. Muitas vezes
essas crianças ou adolescentes foram entregues pela própria mãe para que
“tomassem conta” de seus filhos, com posterior perda de contato (Oliveira, 2002).
Os casos mais complexos são aqueles em que o bebê é deixado na porta de
uma casa, ou em lugares públicos, e aqueles que o encontram resolvem adotá-lo.
Nesses casos não há um mesmo parâmetro que norteie o trabalho nas diferentes
Varas da Infância e Juventude, mas em geral os juizes dão prioridade aos interesse
das pessoas que já se encontram cadastradas no Juizado, não permitindo que a
criança fique com quem a encontrou, principalmente quando ela é ainda um bebê.
Essa decisão, geralmente, só é repensada quando a criança convive com a pessoa
que a encontrou a tempo suficiente para o estabelecimento de um vínculo afetivo,
principalmente se essa criança não é mais um bebê, e aí esse vínculo deve ser
levado em conta para decidir se a criança fica com quem a encontrou ou vai ser
adotada por uma pessoa ou casal cadastrados.
É importante ressaltar que, qualquer que seja o caso em que há interesse
pela adoção legal, é necessário que seja feito o estudo psicossocial, por equipe
técnica composta por psicólogo e assistente social, tanto do caso como das pessoas
que pretendem adotar.
De acordo com Ebrahim (2000) a colocação de uma criança em um lar
adotivo é uma decisão que deve ser cuidadosamente considerada pelas pessoas
envolvidas com o processo de adoção, dentre eles juízes, assistentes sociais e
psicólogos, e a resolução final da justiça deve ser pautada na probabilidade da
família adotiva satisfazer as necessidades da criança. Segundo Diniz (1991), devido
à complexidade da decisão a favor ou não da adoção, torna-se indispensável três
42
8
Informações obtidas no Cartório Sarlo, com endereço na Avenida Nossa Senhora da Penha, n.º 595, Praia do
Canto, Vitória-ES, em 11/01/2005.
46
muitos não conseguem perceber essa prática como um crime, e sim como uma ação
para apressar a adoção, como um ato nobre, caridoso, motivado pelo desejo de
salvar a criança. Assim, as punições do Código Penal acabam não tendo força social
nem jurídica no que se refere às adoções ilegais, e isso tudo parece revelador dos
esquemas de percepção e ação postos em prática pela sociedade brasileira no que
diz respeito ao assunto. Em uma declaração feita à revista Época (23/08/04) sobre
adoções ilegais, numa reportagem de autoria de Mendonça e Fernandes (2004), o
próprio juiz da Primeira Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro afirmou:
“... quem vier aqui (ao Juizado) e confessar esse crime tem a situação regularizada e
o perdão da Justiça” (p.99).
Por outro lado, a legislação é extremamente rígida no que se refere à
prescrição do crime de falsificação de registro civil, pois, segundo o Código Penal, a
prescrição se dá após um período de 10 anos, mas só começa a correr a partir da
data em que o fato se tornou conhecido (artigo 111). Ou seja, o crime não começa a
prescrever antes que uma autoridade tome ciência do caso, o que garante, ao
menos temporalmente, a possibilidade de punição do autor pela justiça.
Abreu (2002) afirma que muitos operadores do direito não conhecem com
exatidão a lei que rege e pune a adoção à brasileira. Juizes e técnicos do juizado
desconhecem este crime e sua tipificação, seus efeitos e mesmo seus detalhes,
como, por exemplo, a particularidade da lei no que se refere à prescrição.
Segundo Fu I e Matarazzo (2001), a prática de adoção sem registro judicial é
um procedimento comum no Brasil. Não se sabe ao certo o número real de
adotantes ilegais no país, talvez devido à característica cultural do povo brasileiro
em diferenciar pouco os procedimentos legal e ilegal da adoção, e também à
despreocupação dos governantes em investir num cadastro que inclua as adoções
ilegais.
De acordo com alguns juízes, estima-se que a proporção varia de 80 a 90%
do total das adoções realizadas no Brasil, o que foi confirmado em alguns debates
entre membros do Judiciário, técnicos e militantes de grupos de apoio à adoção
(Abreu, 2002).
Apesar das incertezas dos números, tudo indica que essa proporção era
maior ainda no passado. Segundo Abreu (2002), antigamente os cartórios não eram
obrigados a exigir um documento da maternidade indicando o nome da criança e da
mãe biológica para que o bebê pudesse ser registrado. As adoções à brasileira se
47
realizavam muitas vezes com a cumplicidade dos responsáveis pela execução das
adoções legais, e com a cumplicidade da sociedade. As ilegalidades ocorriam dentro
dos próprios juizados (destruição de documentos, entrega de guarda a pais não
cadastrados, entre outros), com o apoio, a cumplicidade, e mesmo a participação
ativa dos juízes e técnicos do juizado. Além disso, algumas adoções legais (a
Adoção Simples e a regida pelo Código Civil) não garantiam ao filho adotivo os
mesmos direitos do filho legítimo, e após uma adoção legal, no registro de filiação
constava o termo “adotado”, o que era visto com maus olhos pelos pais adotivos pois
era motivo de discriminação. Essas distinções foram abolidas em 1990 com a
entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, o que tenderia a facilitar
o uso da adoção legal e a diminuir as adoções à brasileira. Porém, outros
fenômenos continuam servindo de barreira à adoção legal, como a morosidade da
Justiça, e o fato de esta parecer, tanto para quem doa como para quem adota uma
criança, um poder ineficaz (Abreu, 2002).
Weber (1999) aponta alguns dos motivos que podem levar as pessoas que
querem adotar a romper com o sistema oficial de adoção: as pessoas em geral
acham que as adoções realizadas através dos Juizados são demoradas,
discriminatórias e burocráticas; alguns não confiam nos sistemas legais de adoção,
são imediatistas e não se conformam em ficar na lista de espera no momento em
que decidem adotar; o fato de a adoção ser controlada pelos técnicos do Juizado às
vezes é visto como uma invasão de privacidade; e o tempo estabelecido para a
guarda da criança antes da adoção muitas vezes é visto pelos adotantes como
traumático, porque eles não sabem se ficarão ou não com a criança.
Para as pessoas que resolvem romper com o sistema oficial de adoção
existem os intermediários, que são geralmente mulheres “caridosas” que indicam ou
arranjam bebês para pessoas que querem adotar, profissionais de saúde como
médicos e enfermeiras, e às vezes os próprios serviços assistenciais e judiciais e as
maternidades, que oferecem dinheiro para a mãe biológica para que seu filho seja
inscrito como filho legítimo da pessoa ou casal adotante (Weber, 1999).
De acordo com Abreu (2002), as próprias mães biológicas preferem agir
pessoalmente quando querem entregar um filho para adoção, sem a interferência da
justiça. Parece que o fato de ter um contato pessoal com o mediador ou com os pais
adotivos é mais reconfortante para essas mães do que entregar a criança para o
anonimato e a impessoalidade estatal, dando a sensação de que não entregou o
48
filho para qualquer um, de que sabe quem vai criá-lo e de que vão cuidar bem dele.
O Estado, como mediador de adoções, não parece a essas mães uma entidade
suficientemente consistente e confiável para a qual a criança pudesse ser entregue.
não da adoção para o filho. Segundo esse autor há três alternativas possíveis:
revelar oportunamente a origem ao filho; negá-la, construindo uma nova e falsa
história; ou sempre adiar a decisão sobre o assunto. O autor afirma que muitos
aspectos importantes da relação interpessoal entre pais e filhos são influenciados
pela atitude assumida a respeito da origem do filho, e que após a decisão de adotar,
revelar a adoção talvez seja a iniciativa de maior importância e repercussão na
família adotiva.
Vários autores (Piccini, 1986; Schettini Filho, 1999; Weber, 1999; Cassin e
Jacquemin, 2001; Kumamoto, 2001) afirmam que a revelação da adoção para o filho
é fundamental, pois está ligada à formação de sua identidade e de sua história
pessoal, e consequentemente à construção de sua relação com o mundo e com a
vida: “ignorar a questão, a guisa de proteção, é uma atitude que parece ligar,
aproximar e preservar, porém leva ao distanciamento e à deterioração, pois se
fundamenta na negação e no silêncio, propiciando insegurança, desconfiança e
desilusão” (Schettini Filho, 1999 p.15). De acordo com Marin (1991) a criança tem
direito a conhecer e discutir sua história, a participar ativamente do processo
histórico que a determinou e do qual faz parte, sendo um agente nesse processo.
Piccini (1986) ressalta que quando é escolhida a opção de guardar segredos
ou de relatar inverdades sobre a adoção, na tentativa de escamotear eventuais
problemas, outros bem mais graves poderão surgir para os pais e, sobretudo, para a
própria criança. Segundo Oliveira (2002), o segredo pode ser considerado como um
fator estruturante de conflitos psicológicos e desvios, dando à adoção uma condição
apriorística de dificuldade e risco. A partir do relato de três casos verídicos retirados
de prontuários clínicos, Piccini (1986) descreveu algumas conseqüências negativas,
psicológicas e sociais, decorrentes principalmente da insegurança dos pais adotivos
em assumirem-se serenamente como tais, dentre elas dificuldade de relacionamento
entre pais e filhos, falta de confiança nas relações interpessoais, instabilidade
emocional, desenvolvimento de problemas de saúde com fundo emocional, queda
no rendimento escolar do filho, entre outras.
Cassin e Jacquemin (2001) apontam que, apesar de a literatura ser
unanimemente favorável à revelação da adoção para o filho, parece haver
contradições, inclusive legais, no que se refere a essa questão. O Estatuto da
Criança e do Adolescente resulta de uma preocupação pela inclusão e pela
igualdade de direitos a todas as crianças, mas determina que nada conste no
52
registro da criança adotada sobre sua verdadeira história. Quando uma criança é
adotada, ela é registrada legalmente pelos pais adotivos, não havendo nenhuma
informação nesse registro que evidencie a adoção. Quando a criança já tem algum
registro antes de ser adotada, com a adoção este registro é anulado com todas as
informações nele contidas, inclusive sobre os pais biológicos dessa criança. Esses
procedimentos se mostram questionáveis, pois se a lei garante iguais direitos aos
filhos adotivos e biológicos, não faz sentido a adoção permanecer oculta, na
clandestinidade, em obediência à lei. Além do mais, isso se mostra contrário às
orientações sugeridas pela literatura no sentido da revelação para o filho de que ele
é adotivo, pois a própria lei se encarrega de apagar todas as informações que
evidenciam a adoção. Mas essa aparente contradição, certamente polêmica, merece
ser relativizada, pois se deve levar em conta que numa sociedade em que há ainda
tantos preconceitos em relação à criança adotiva, talvez o fato de constar no registro
da criança informações que evidenciem a adoção possa ser um fator que
desestimule a procura pela realização de adoções legais, na tentativa de minimizar
os preconceitos e discriminações em relação à criança.
Vários autores (Piccini, 1986; Schettini Filho, 1999; Kumamoto, 2001)
analisaram a atitude de pais adotivos que, de forma completa ou parcial, tentam
manter segredo sobre a origem biológica de seus filhos, e ressaltaram alguns
motivos que podem levar a isso. Uma das finalidades do segredo seria tentar
preservar a vida do filho, diante da estigmatização e da discriminação social ainda
vigentes na sociedade em relação à criança adotada (Piccini, 1986; Schettini Filho,
1999; Kumamoto, 2001). O segredo também pode ser mantido com base na idéia de
que a criança adotada pode ter tido um “passado vergonhoso”, e tocar em épocas
passadas dolorosas poderia magoá-la (Schettini Filho, 1999; Piccini, 1986). O
segredo sobre a adoção serve ainda para proteger pais inférteis das cobranças da
sociedade, a qual impõe às pessoas a obrigatoriedade de gerar filhos para que
sejam consideradas “normais”. A infertilidade pode acarretar um sentimento de
incompletude que se confunde com a idéia de inferioridade, o que pode levar a
mecanismos de fuga como a negação e o segredo (Schettini Filho, 1999). Além
disso, a supervalorização da biologia em nossa sociedade pode levar a crer que o
relacionamento de pais adotivos com seu filho será de segunda categoria, o que
explica o sentimento de inferioridade e até de culpa de certos pais diante da
hipótese de terem que revelar a adoção (Schettini Filho, 1999; Piccini, 1986;
53
Kumamoto, 2001). Esse fato, segundo Piccini (1986), pode provocar na criança
sentimentos de insegurança e até de desvalorização dos pais adotivos, pela
ambigüidade e auto-desvalorização nas quais eles próprios se colocam.
Segundo Piccini (1986), outras razões que tornam difícil aos pais adotivos
revelarem a adoção para o filho são: a angústia de serem menos amados por ele e
de terem contra si sua revolta após a revelação; a preocupação de incentivar nele,
involuntariamente, aspirações de reencontrar a família originária; e, quando o filho foi
registrado como sendo legítimo, acrescenta-se o medo de punições legais, ao se
tornar patente a anterior falsa declaração em ato público.
Um outro motivo que pode contribuir para a manutenção do segredo sobre a
adoção foi o que Schettini Filho (1999) denominou como rejeição à diferença: o fato
de o filho adotivo ser diferente dos outros filhos do ponto de vista da formação de
sua história de vida pode ser visto como uma inferioridade ou deficiência, e por isso
a adoção é negada a todo custo. Schettini Filho (1999) afirma que não se pode
negar que o filho adotivo é diferente dos outros filhos do ponto de vista da formação
de sua história de vida, mas isso não deve ser visto como uma inferioridade. Weber
(2004) afirma que a parentalidade biológica e a adotiva tem a mesma importância,
mas a contingência de uma família adotiva traz características especiais que não
devem ser negadas, mas sim assumidas totalmente. Na tentativa de negar as
diferenças, às vezes pais adotivos tentam camuflar a relação adotiva e imitar uma
família biológica. Segundo Ebrahim (2000) a situação da adoção não é
necessariamente um elemento complicador, se as diferenças forem percebidas
como pertinentes a todos os indivíduos. O diferente pode tornar-se fator de
crescimento, mobilizando as pessoas e tirando-as da estagnação que a facilidade da
semelhança pode trazer.
De acordo com Piccini (1986), apesar de a revelação da adoção para a
criança ser geralmente o melhor caminho, não se deve forçar os pais adotivos a
fazer revelações que eles sentem que são impossíveis de serem feitas, pois se
achando obrigados a falar sem estarem convencidos, dificilmente conseguirão
favorecer no filho a elaboração daquilo que eles próprios não elaboraram.
Quanto ao momento em que a revelação sobre a adoção deve ser feita ao
filho, Schettini Filho (1999) afirma que não é possível oferecer uma resposta
padronizada, pois dependerá de fatores ambientais no grupo familiar, da preparação
dos pais para tomarem a iniciativa, e do momento de desenvolvimento de cada
54
criança. Mas, apesar de não haver uma resposta padrão, alguns direcionamentos
são importantes. É quase unânime entre os autores a idéia de que é importante que
a adoção seja contada “o mais cedo possível”, o que, tendo em vista a situação
individual de cada criança, segundo Schettini Filho (1999), significa contar entre os 2
ou 3 anos. O autor afirma que essa é uma boa época para se contar a história da
adoção pois a criança não exigirá detalhes, nem questionará a informação, o que
deixará os pais mais à vontade para estabelecerem até que ponto devem falar, ao
mesmo tempo em que se sentirão mais liberados das tensões e do medo da
revelação. Porém esse é um processo que irá se prolongar, e as questões irão
tomando novas formas de acordo com o desenvolvimento da criança, com a
finalidade de preencher os vazios deixados pelas informações resumidas do início.
Segundo Schettini Filho (1999), na medida em que for adiada a decisão de
revelar a adoção para a criança, maiores cuidados deverão ser tomados ao abordar
o assunto, pois a revelação tardia tende a acrescentar dificuldades para pais e filhos.
Em situações em que a revelação ocorre após 5 ou 6 anos de idade, os benefícios
do conhecimento da história podem vir juntos com os prejuízos decorrentes da forma
pela qual ela é interpretada pela criança. Piccini (1986) afirma que, quando a
revelação se dá tardiamente, fica imediatamente evidente que até então os pais não
foram sinceros, e em decorrência disso a confiança do filho neles poderia diminuir,
de modo que a decepção por ter sido enganado durante tanto tempo pode dificultar
a justa avaliação pelo filho de todo o convívio com os pais adotivos. Além disso, pelo
fato de os pais esconderem o ato da adoção, será fácil para a criança concluir que
se trata de algo vergonhoso, condenável ou indigno, pois se não, não se justificaria o
silêncio a respeito da questão.
De acordo com Piccini (1986), quando o filho adotivo traz as primeiras
dúvidas sobre sua vinda, se lhe forem fornecidas imediatamente respostas
esclarecedoras, na medida certa de suas perguntas, ele irá se acostumando a
encarar a sua verdade. Schettini Filho (1999) discorda que os pais devam aguardar
as perguntas dos filhos, pois não parece provável que uma criança bem pequena
tomasse essa iniciativa de fazer esse tipo de questionamento, e se o fizesse, seria
indício de alguma informação ou percepção anterior, o que estaria indicando que os
pais demoraram a falar no assunto. Mas ambos os autores concordam que se os
pais passarem as informações com segurança, empatia e afeto, possibilitarão que a
criança se sinta seguramente aceita e inserida na família.
55
las, e a partir daí cerca de 98% das mães que doam seus filhos passaram a deixar
informações.
Mello e Dias (2003), no já citado trabalho que investigou como os indivíduos
percebem a pessoa que entrega um filho para adoção e as circunstâncias que
envolvem esse ato, pesquisaram como as pessoas percebem o direito ao reencontro
do doador com o filho. A maioria dos participantes acredita que é um direito da
criança conhecer seus pais biológicos, e outras acreditam que depende do contexto.
Uma minoria acredita que o reencontro deve atender ao interesse dos pais adotivos,
e que só deveria ocorrer em casos extremos, e há pessoas que acreditam que o
reencontro entre pais doadores e filho não deve ser permitido.
Miall e March (2005), a partir de uma pesquisa realizada no Canadá que
objetivou analisar mudanças nas práticas de adoção a partir da opinião da
comunidade, tendo em vista que a opinião popular tem afetado as políticas e
práticas acerca da implementação de novos tipos de famílias adotivas, examinaram
o nível de aprovação da comunidade acerca do encontro entre adultos adotados e
seus pais biológicos (“birth reunions”). Segundo as autoras, a grande maioria dos
participantes (91%) aprovam o encontro entre filhos adotivos adultos e seus pais
biológicos. Foi perguntado ainda se as pessoas eram favoráveis à revelação de
informações de identificação dos pais biológicos aos adultos adotivos, e a grande
maioria afirmou que sim, de modo que 84% acham que essas informações devem
ser reveladas aos adultos adotivos mesmo se for contra a vontade dos pais adotivos,
e 77% acham que essa revelação deve ser feita mesmo se for contra a vontade dos
pais biológicos. Quando foi perguntado se deveriam ser dadas informações de
identificação sobre os filhos adotivos aos pais biológicos, a maioria dos participantes
foi favorável, mesmo que isso ocorresse sem a permissão dos pais adotivos (55%).
Porém, apesar de a maioria ser favorável à liberação de informações sobre os filhos
adotivos aos pais biológicos, a maioria (55%) discorda que isso seja feito sem a
permissão do adulto adotivo envolvido.
Oliveira (2002) afirma que, na tentativa de se igualar a uma família biológica,
a família adotiva muitas vezes tenta negar ou minimizar qualquer situação que
demonstre suas diferenças. Uma das maiores evidências dessa diferença entre
ambas as famílias, segundo a autora, é a existência da família biológica, e por isso
uma ligação entre estas deve ser totalmente inexistente na visão de muitas pessoas.
Essa ausência de ligação entre as famílias biológica e adotiva é uma característica
59
1.11. Preconceitos
A adoção no Brasil sempre esteve ligada à clandestinidade, ao segredo e à
falta de informação (Weber, 1999). Apesar das transformações observadas nos
aspectos jurídicos e nas concepções acerca da finalidade social da adoção, Weber
(1999) afirma que há vários preconceitos, mitos e estereótipos cultivados pelo senso
comum em torno da adoção, os quais resultam de um processo histórico. Segundo
pesquisa realizada por Weber (2003) sobre conceitos e preconceitos acerca da
64
adoção, boa parte da população acredita que um filho adotivo sempre dá problemas;
que haverá menos problemas se a criança nunca souber que foi adotada; que uma
criança adotada sempre vai sofrer preconceitos e ser tratada de forma diferente
pelos outros; que crianças adotadas com mais de 6 meses de idade seriam mais
difíceis de serem educadas; que crianças adotadas devem ser devolvidas ao
Juizado, ao orfanato ou aos pais biológicos se surgirem problemas; que os pais
biológicos podem requerer a criança assim que desejarem; que é interessante
adotar crianças maiores de 10 anos para ajudarem nos serviços domésticos; e que o
governo deveria realizar um controle de natalidade, pois isso resolveria o problema
das crianças abandonadas nas ruas.
Em relação à consangüinidade, Weber (2003) afirma que em geral as
pessoas consideram que somente os laços de sangue são “fortes e verdadeiros”, e
têm medo de adotar crianças sem saber a origem dos seus pais biológicos, pois a
“marginalidade dos pais poderia ser transmitida geneticamente”. Abreu (2002), ao
falar dos preconceitos oriundos da origem “moral” da criança, afirma que um dos
fantasmas recorrentes é a associação da criança abandonada a uma procedência
imoral, como prostituição, “sexo livre” e irresponsável (praticado por pessoas que
não são capazes de assumir seus filhos), e alcoolismo ou drogadição (estes últimos,
apesar de serem reconhecidos como doenças pela Organização Mundial de Saúde,
muitas vezes ainda são concebidos socialmente como vinculados à imoralidade).
Segundo o autor, para muitas pessoas os aspectos morais são genéticos, e podem
“contaminar” a criança adotada.
Os dados de Weber (2003) mostram ainda que boa parte dos sujeitos acredita
que a adoção existe apenas para satisfazer os desejos e expectativas de casais que
não podem ter filhos, e portanto, quem já possui filhos biológicos não precisa adotar
uma criança; que a morte de um filho natural é motivo suficiente para se adotar uma
criança; e que algumas mulheres só conseguem engravidar depois de terem
adotado, e portanto, a adoção é um bom motivo para se tentar ter filhos biológicos.
É interessante ressaltar que o preconceito em relação à adoção pode ser
visto claramente nas leis, que em geral tentaram proteger os filhos biológicos,
deixando os filhos adotivos como coadjuvantes da família. Em praticamente todos os
tratados jurídicos sobre o assunto, desde o Código Napoleônico, aparece a adoção
como uma “imitação da natureza”, uma relação “fictícia” de paternidade e filiação. No
Brasil foi com a instituição do Código de Menores que houve um certo progresso na
65
um vazio. Isso pode ser observado na afirmação de Schettini Filho (1999): “a adoção
está inscrita em um cenário de impossibilidades. É a tentativa de modificar
contingências nas quais as incapacidades interferem na trajetória do
desenvolvimento pessoal” (p.11).
Segundo Weber (1999) é comum ouvir em congressos profissionais que lidam
com a adoção afirmarem que “bebês adotivos são sempre bebês de risco”, ou que “a
perda da mãe natural é sempre insubstituível” (p.76), formando-se desta maneira
uma representação limitada e errônea sobre a associação genérica entre adoção e
fracasso. Di Loreto (1997, citado por Weber, 1999), que trabalha na área da
psiquiatria infantil, afirma que muitas vezes a adoção é caracterizada como doença,
tanto por profissionais como por pais adotivos, como se qualquer dificuldade ou
distúrbio de uma criança adotiva fosse determinada pela adoção. Fu I e Matarazzo
(2001) afirmam que a crença popular de que filhos adotivos são sinônimos de
problemas pode conduzir profissionais da área de saúde mental à tentativa de
encontrar neles uma psicopatologia específica que confirme tal crença, o que seria
absolutamente incorreto.
De acordo com Henderson (2000), o fato é que os terapeutas muitas vezes
não estão preparados para lidar com a adoção ou não têm conhecimentos sobre o
assunto. Sass e Henderson (2000) realizaram um estudo nos Estados Unidos que
investigou o nível de preparação de psicólogos para lidar com a adoção e o nível de
formação profissional relacionada ao tema. A maioria dos entrevistados (51%) se
considerou “razoavelmente preparado” para lidar com adoção, 23% se consideraram
“não muito preparados”, 22% se descreveram como estando “bem preparados” ou
“muito bem preparados”, e 4% relataram não ter qualquer conhecimento sobre
adoção. Dentre os entrevistados, 90% relataram que precisam de mais formação
profissional relacionada à adoção, e 81% informaram ter interesse em aprimorar seu
conhecimento sobre o assunto por meio de cursos no futuro. A maioria dos
psicólogos relatou não ter tido qualquer tipo de curso sobre adoção nem na
graduação (65%), nem na pós graduação (86%). De acordo com a pesquisa,
percebe-se que pouco se aborda o tema adoção durante a formação profissional do
psicólogo nos Estados Unidos, e essa afirmação também é válida para o Brasil. O
estudo sugere que os psicólogos em geral necessitam de maior formação e
conhecimento profissional acerca da adoção e dos efeitos do processo adotivo.
67
dessa criança pelos pais. Ainda segundo Ebrahim (2000), vários autores afirmam
não haver relações significativas entre a idade da criança e o sucesso da adoção.
Alvarenga (1999) afirma que, em termos gerais, espera-se daqueles que
acolhem uma criança mais velha maior sensibilidade, maior segurança, e uma
motivação capaz de sustentar as dificuldades que possam vir a surgir. Um estudo
realizado por Ebrahim (2001b) sobre adoção tardia, comparando pais que realizaram
adoções de crianças maiores de dois anos com pais que adotaram bebês,
evidenciou que os adotantes tardios apresentaram idade média mais elevada, níveis
mais elevados de maturidade, de estabilidade emocional e de altruísmo. Os
adotantes tardios apresentaram também nível sócio-econômico superior ao dos
adotantes convencionais (de bebês), o que contrariou os dados obtidos por Weber
(1999), segundo os quais as pessoas de nível sócio-econômico mais baixos fazem
menor número de exigências em relação à criança, adotando com mais freqüência
crianças maiores. De acordo com Ebrahim (2001b), os adotantes tardios
apresentaram ainda maior variação no estado civil (casados, solteiros, viúvos ou
divorciados) e maior presença de filhos biológicos, enquanto os adotantes
convencionais eram casados em quase sua totalidade e sem filhos biológicos.
A partir da pesquisa realizada, Ebrahim (2001b) afirma que os adotantes
tardios adotaram mais por se sensibilizar com a situação de abandono da criança,
enquanto as pessoas que adotaram bebês o fizeram na maior parte das vezes por
não ter os próprios filhos. Segundo a autora, o altruísmo, mais elevado entre os
adotantes tardios, traz uma justificativa para a motivação apresentada por eles, de
uma preocupação em atender as necessidades do outro como mobilizadora das
adoções. Ebrahim (2001b) encontrou ainda relações entre a motivação para a
adoção tardia, o estado civil e a presença ou ausência de filhos biológicos. Os
adotantes tardios foram casais que em sua maioria já tiveram filhos biológicos, e
portanto já vivenciaram a experiência de criar uma criança, não tendo mais
necessidade ou disponibilidade de começar com um bebê; ou pessoas sozinhas,
como solteiros, divorciados e viúvos, que não têm tempo e condições de cuidar de
um recém-nascido, mas querem constituir uma família. Enquanto isso, os adotantes
convencionais eram, em sua maioria, casados e sem filhos biológicos.
De acordo com Ebrahim (2001b), as motivações para as adoções tardias são
beneficiadas pelas características de personalidade dos adotantes, mas esse fato
não impede que outras pessoas com características diferentes adotem crianças
74
maiores. Não há a intenção, segundo a autora, de achar que somente pessoas com
níveis elevados de maturidade, estabilidade emocional e altruísmo seriam capazes
de realizar uma adoção tardia com sucesso. O importante, afirma Ebrahim (2001b),
é procurar formas de impulsionar novas adoções, mesmo com pessoas que dispõem
de características diferenciadas, e o desenvolvimento de programas de educação
social poderia contribuir com esse objetivo, visando desenvolver ou aumentar
comportamentos pró-sociais na população.
Segundo Weber (1999), pesquisas sobre adoção realizadas no Brasil
mostram que adoções de crianças pardas e negras são minoria no país. Um estudo
realizado por Weber (2003) sobre desejos e expectativas de pessoas cadastradas
para adoção no Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba evidenciou que 67%
dos adotantes colocam como condição principal uma criança branca (nesse estudo,
95% dos adotantes eram brancos), 19% dizem aceitar uma criança “até morena”, ou
seja, preferem uma criança branca mas aceitam uma “morena clara”, e 7% dizem
não ter preferência quanto a cor da criança. Em outra pesquisa realizada com pais
adotivos de todo o Brasil, foi encontrado 31% de pais brancos com filhos adotivos
pardos, e somente 4,5% com filhos negros (Weber, 1999).
Apesar de uma adoção inter-racial ser qualquer uma em que o conjunto das
características físicas da criança adotada é diferente das características dos pais
adotivos, o termo é usado quase que só para as adoções de crianças pardas e
negras, visto que as pessoas interessadas em adotar pela via legal, em maioria
absoluta, são brancas. Weber (1999) afirma que somente 5% dos brasileiros
realizam adoções inter-raciais, sendo essas em sua grande maioria de crianças
pardas, enquanto 44% dos estrangeiros realizam adoções inter-raciais com crianças
pardas e 12% com crianças negras.
De acordo com Freire (1991b), quando a adoção é inter-racial é preciso
prever a incompreensão do meio (família, vizinhos, amigos), pois as diferenças entre
pais e filho são evidentes. Segundo o autor, além dos elementos necessários para
favorecer o desenvolvimento de qualquer criança, a adoção inter-racial deve permitir
o reforço positivo da identidade da criança e de seus atributos culturais.
De acordo com Mendonça e Fernandes (2004), em uma reportagem da
revista Época de 23/08/04, a fixação dos brasileiros em adotar uma criança loura dos
olhos azuis é tanta que isso provoca uma corrida para tentar adotar nos estados do
sul do país, onde há maior número de pessoas com essas características físicas
75
9
No contexto desse trabalho o termo inter-racial se refere a famílias que combinam cônjuges brancos e pardos,
brancos e negros ou pardos e negros.
83
por pais solteiros ou por pares homossexuais. De acordo com as autoras, a idade e
o nível de escolaridade dos participantes estiveram diretamente associados ao grau
de aceitação de formas alternativas de famílias adotivas, de modo que quanto mais
jovens os participantes e quanto maior o seu nível de escolaridade, maior o nível de
aceitação de formas alternativas de famílias adotivas. Outras informações obtidas
nessa pesquisa serão mais bem detalhadas nos dois tópicos a seguir.
seria muito aceitável, enquanto 45% dos homens e 44% das mulheres afirmaram
que esse tipo de adoção não seria muito aceitável ou seria inaceitável. Assim, a
partir dessa pesquisa é possível perceber que, em relação à realização de uma
adoção por pessoas solteiras, há em geral um maior nível de aceitação quando esta
é realizada por uma mulher solteira, e um maior nível de rejeição quando é realizada
por um homem solteiro.
10
Em alguns casos será mantida a expressão “casal” para se referir ao par homossexual, embora não se trate de
um casal stricto sensu.
86
admissão do direito de adoção por pares do mesmo sexo, mas logo que perceberam
que a polêmica seria grande e poderia comprometer a aprovação do projeto,
desistiram da idéia.
Em alguns países existem legislações que regulamentam a união de
homossexuais, e abordam o tema da filiação. Por exemplo, na Dinamarca, na
Noruega e na Suécia a união civil entre pessoas do mesmo sexo é permitida, e os
“casais” homossexuais têm os mesmos direitos dos heterossexuais. Mas nesses
países as leis impedem as cerimônias em igrejas, a adoção de crianças e a
inseminação artificial em “casais” registrados de lésbicas. Na Islândia a união civil
entre homossexuais é legalizada, assim como a custódia conjunta de filhos
biológicos de um dos parceiros. No ano de 2000, a Holanda, que já reconhecia o
registro de associação para pessoas do mesmo sexo desde 1998, se tornou o país
mais liberal do mundo em direitos para homossexuais, ao aprovar o casamento entre
pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por pares homossexuais, desde
que residam no país, e que as crianças adotadas sejam de nacionalidade
holandesa, para evitar conflitos jurídicos com outros países (O Globo, 19/12/00).
No Brasil, a polêmica sobre a adoção por homossexuais teve destaque na
mídia numa novela de grande audiência, iniciada em 2004, na qual uma médica, que
era homossexual, achou um bebê negro no lixo do hospital, e resolveu tentar adotá-
lo, visto que ela e sua namorada se apaixonaram pelo bebê. De acordo com Pereira
(2003), em reportagem da revista Época de 29/12/03, as restrições à paternidade
dos homossexuais estão começando a ser revistas pela sociedade brasileira, pois,
graças à adoção e à fertilização in vitro, os homossexuais estão trazendo para a
cena moderna mais um modelo de família, denominado “homoparental”.
Santos e Bruns (2004) realizaram investigação objetivando compreender
como homossexuais vivenciam a parentalidade e que significados lhe atribuem, a
partir de entrevistas com pessoas homossexuais com filhos biológicos e/ou adotivos.
Os resultados apontaram a existência de um grande preparo psíquico e
socioeconômico por parte dos homossexuais para a chegada de uma criança.
Segundo as autoras, a divisão de papéis sexuais em famílias homossexuais não
segue o modelo de casal heterossexual tradicional, nas funções de pai e mãe
(atribuídas ao homem e à mulher, respectivamente), sendo as funções parentais
exercidas por ambos. Mas percebe-se a existência de relatos de situações de
preconceito quanto aos papéis sexuais desempenhados. Santos e Bruns (2004)
89
ressaltam que parece difícil para a sociedade aceitar, por exemplo, que duas
mulheres que constituem um “casal” e uma família nuclear possam ter suas
identidades de gênero femininas, e que possam exercer efetivamente a
parentalidade. Mas ainda se acredita que, pelo fato de serem mulheres, ainda
possam ser mais bem sucedidas do que um “casal” de homens homossexuais,
devido à idéia de que as mulheres seriam “naturalmente” boas cuidadoras e boas
mães. Segundo as autoras, a crença de que a criança ficaria confusa com o fato de
ter duas mães ou dois pais não foi confirmada na pesquisa, visto que as crianças
formaram vínculos afetivos saudáveis e estáveis com as pessoas que exerceram as
funções parentais.
McIntyre (1994, citado por Weber, 2003), através de análise acerca de pais e
mães homossexuais e o sistema legal de custódia, afirma que pais do mesmo sexo
são tão efetivos quanto casais tradicionais. Ricketts e Achtenberg (1989, citado por
Weber, 2003) realizaram um estudo com casos individuais de adoções por
homossexuais de ambos os sexos e afirmam que a saúde mental e a felicidade
individual dependem da dinâmica de determinada família, e não da maneira como a
família é definida. Patterson (1997, citado por Weber, 2003), avaliando as relações
de pais e mães homossexuais com seus filhos e as evidências da influência dos pais
na identidade sexual, desenvolvimento pessoal e relacionamento social dos filhos
(crianças de 4 a 9 anos), afirma que os níveis de ajustamento maternal, auto-estima,
e desenvolvimento social e pessoal das crianças são compatíveis com os de
crianças criadas por casais tradicionais.
Miall e March (2005), no Canadá, investigaram o nível de aceitação da
comunidade em geral a respeito da realização de uma adoção por “casais”
homossexuais masculinos ou femininos. Os dados dessa pesquisa mostram que a
aprovação social da realização de uma adoção por pares homossexuais em geral é
muito menor que a realização de uma adoção por casais heterossexuais ou por
pessoas solteiras. De acordo com a autoras, 23% das mulheres e 17% dos homens
(significativamente mais mulheres) afirmaram que uma adoção por um “casal” de
lésbicas seria plenamente aceitável, enquanto 58% dos homens e 47% das
mulheres (significativamente mais homens) afirmaram que a realização de uma
adoção por um “casal” de lésbicas não seria muito aceitável ou seria inaceitável. Em
relação à realização de uma adoção por um “casal” de gays, 21% das mulheres e
15% dos homens (significativamente mais mulheres) afirmaram que seria muito
90
aceitável, enquanto 61% dos homens e 51% das mulheres (significativamente mais
homens) afirmaram que não seria muito aceitável ou seria inaceitável a realização
de adoção por um “casal” de gays. Percebe-se que em geral as mulheres aceitam
mais a possibilidade de pares homossexuais serem pais adotivos, enquanto os
homens reprovam mais tal situação.
podem se inscrever para adoção de uma criança pois não seriam considerados uma
família para a criança. Ou então deixam de se inscrever pois acreditam que a
legislação prioriza o modelo conjugal como mais adequado ao desenvolvimento de
uma criança.
Enfim, parece que essa diversidade que caracteriza as relações familiares na
atualidade, tão presentes em nosso cotidiano, não foi completamente assimilada no
que se refere à adoção, pois as práticas se mantém de certa forma atreladas a um
modelo de família conjugal, tanto para os profissionais que atuam junto ao direito
como para a sociedade em geral. Porém, na atualidade, é possível perceber que há
um grande número de pessoas cadastradas para adoção nos juizados que não
correspondem a esse modelo familiar conjugal, e essa grande diversidade de
interesses e de interessados envolvidos em processos de adoção coloca em
questão aquela concepção que se fixa em um modelo, evidenciando a insuficiência
e a precariedade de um trabalho de adoção que prioriza um determinado padrão
familiar como mais adequado para uma criança.
1.17. Objetivos
A partir do que foi exposto é possível perceber que o tema “adoção” engloba
uma série de discussões e uma grande variedade de interesses, e lidar com essa
variedade tem se mostrado um desafio rotineiro. Assim, buscando contribuir para
uma melhor compreensão dos aspectos envolvidos na adoção, e mais
especificamente, da diversidade de interesses e interessados relacionados ao tema,
realizamos a presente pesquisa com pessoas interessadas em adotar crianças e/ou
adolescentes, cadastradas para adoção no Juizado da Infância e da Juventude de
Vila Velha -ES.
Considerando a importância da adoção no contexto brasileiro atual e o
destaque que o tema vem ganhando, o presente estudo objetivou construir um
panorama a respeito das adoções realizadas através do Juizado da Infância e da
Juventude do município de Vila Velha - ES, buscando ressaltar a diversidade de
interesses e de interessados envolvidos no processo de adoção. Relacionam-se aos
objetivos desse trabalho explorar o processo de adoção, as variáveis relativas à
caracterização das pessoas interessadas em adotar, os motivos que as levaram a
querer adotar, suas preferências quanto às características das crianças desejadas,
explorar como a criança pode alterar a vida das pessoas que adotam, o
97
2. MÉTODO
2.1. Participantes
Participaram da pesquisa homens e mulheres, casados ou não, interessados
em adotar crianças e/ou adolescentes, cadastrados no Juizado da Infância e da
Juventude de Vila Velha - ES. Foram feitas no total 21 entrevistas, com casais
(ambos os cônjuges simultaneamente) ou com pessoas individualmente. Em dois
casos de entrevistas com casais os respectivos cônjuges não puderam comparecer,
de modo que a entrevista foi feita com apenas um deles, que forneceu informações
sobre o casal. Desse modo, o grupo de participantes compôs-se de 12 casais, 2
pessoas casadas que forneceram informações sobre ambos os cônjuges (1 do sexo
feminino e 1 do sexo masculino), 6 pessoas solteiras (4 do sexo feminino e 2 do
sexo masculino) e 1 separada (sexo feminino), perfazendo um total de 33
98
Foi preenchida uma ficha (individual ou referente ao casal – anexos III e IV)
com alguns dados dos participantes, tais como sexo, idade, endereço, escolaridade,
estado civil, profissão, e um registro da cor da pele dos participantes (negro, pardo,
branco, oriental, ou indígena). No caso dos casais, além de solicitadas essas
informações de cada um dos parceiros, foi informado também o tempo de união.
Foi realizada com os participantes uma entrevista apoiada em roteiro semi-
estruturado elaborado previamente. O objetivo foi coletar informações acerca de
vários aspectos da adoção, como o tempo de espera desde a efetuação do cadastro
para adoção, os motivos que os levaram a querer adotar, os eventuais casos de
adoção na família, suas preferências quanto às características das crianças
desejadas, expectativas sobre como a adoção pode alterar suas vidas, o
posicionamento dos pretendentes sobre a revelação à criança de sua condição
adotiva, as restrições ou preconceitos percebidos pelos adotantes em relação ao
seu interesse em adotar, entre outros. O roteiro da entrevista realizada com casais
(anexo V) continha algumas questões adicionais em relação ao roteiro da entrevista
realizada individualmente com os solteiros ou separados (anexo VI), questões estas
referentes à negociação do casal em relação a alguns aspectos da adoção. As
entrevistas foram gravadas, e de cada uma das entrevistas gravadas foram
transcritas as informações relevantes, as quais foram submetidas à análise.
O total de entrevistas realizadas foi de 21 (12 com casais, 2 individuais
referentes ao casal, e 7 individuais com pessoas solteiras ou separadas). Cabe
ressaltar que inicialmente foram realizadas as primeiras 10 entrevistas (7 casais e 3
individuais), com a finalidade principal de testar o instrumento. Essas entrevistas
foram submetidas a análise, e só após a sua conclusão foram realizadas as outras
entrevistas. Em função disso, as 11 últimas entrevistas (5 casais, 2 individuais
referentes ao casal e 4 individuais) foram realizadas quase um ano após as 10
primeiras.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Quadro 1 apresenta algumas informações sobre a caracterização dos
participantes da pesquisa.
100
A idade dos participantes variou entre 24 e 66 anos, sendo que 22,86% deles
tinham até 30 anos, 28,57% entre 31 e 40 anos, 42,86% entre 41 e 50 anos, e
5,71% tinham 51 anos ou mais. Resulta uma idade média de 38,66 anos entre os
participantes, sendo 40,25 anos a idade média dos homens entrevistados e 37,31
anos a das mulheres. A idade das mulheres apresenta-se relativamente alta ao se
considerar a faixa etária na qual mais freqüentemente se tem filhos, principalmente o
primeiro filho, o que seria o caso da maioria das participantes (68% delas). Diante
disso podemos considerar, ao menos para esses participantes, que a iniciativa de
realização de uma adoção foi tomada geralmente em um estágio mais avançado da
vida, podendo vários fatores terem contribuído para isso, dentre eles: a espera na
tentativa de ter filhos biológicos; a necessidade de um grande período para refletir
sobre a idéia de realizar uma adoção; a busca por um filho em função de um novo
relacionamento, iniciado em estágio mais avançado da vida, quando a idade impede
uma gestação; no caso das pessoas solteiras, a espera pelo surgimento de um
102
relacionamento que gere filhos; entre outros. Um outro aspecto que deve ser
considerado é o fato de que, na atualidade, os brasileiros estão cada vez mais
adiando a decisão de ter filhos e optando por tê-los mais tardiamente, muitas vezes
em função de carreira profissional ou de estabilidade financeira (Carelli, em texto no
site www.pibbca.hpg.ig.com.br/materiais_arquivos/com_filhos. htm).
Quanto à escolaridade dos participantes predomina a condição “Ensino Médio
Completo” (50% dos homens e 57,9% das mulheres). A segunda condição de
escolaridade mais freqüente é “Ensino Superior Completo” (37,5% dos homens e
26,3% das mulheres). O quadro se completa, para os homens, com dois casos de
“Ensino Fundamental Incompleto” (12,5%) e para as mulheres com três casos de
“Ensino Fundamental Completo” (15,8%).
As profissões ou atividades profissionais dos participantes são bastante
variadas. Entre as 19 mulheres, 6 não têm atividade profissional fora de casa,
caracterizando-se como “Dona de casa” (31,6%). Outras 4 (21,1%) atuam em
escolas ou creches. As demais 9 mulheres têm atividades profissionais variadas,
sendo as mais freqüentes ligadas ao comércio. Nenhuma mulher com “Ensino
Superior Completo” está na condição de “Dona de casa”. Não houve caso de mulher
aposentada.
Entre os homens, 6 (37,5%) atuam em prestação de serviços, em três casos
de nível superior. São 4 (25%) os que atuam em atividades ligadas ao comércio e
outros 4 (25%) atuam na indústria. Os 2 restantes (12,5%) exercem atividades
religiosas ( um é pastor da Igreja Metodista e o outro é missionário religioso). Dois
homens já estão na condição de aposentados.
Apesar de não terem sido solicitadas diretamente informações a respeito da
renda familiar dos participantes, os dados sobre escolaridade e profissão indicam
que a maioria deles apresenta nível econômico de classe média, e esses dados
estão de acordo com as informações obtidas por Weber (1999), que sugerem
correlações claras entre o nível cultural e econômico e certos aspectos da adoção.
Weber (1999), a partir de uma pesquisa sobre adoção, afirma que a maioria dos pais
adotivos pertencentes a classes sociais de melhor renda adota através dos Juizados
da Infância e da Juventude, enquanto a maioria dos pais adotivos com nível
econômico menos privilegiado realiza adoções “à brasileira”. Talvez isso esteja
relacionado ao fato de a “condição econômica” ser um dos itens analisados durante
o processo seletivo de candidatos para adoção nos Juizados. Weber (1999) afirma
103
que parece haver uma contradição entre o que os Juizados e as pessoas que
passaram pelo processo dizem. Segundo a autora, os juizados afirmam que a
seleção dos candidatos não é feita pelo nível sócio-econômico, mas os candidatos à
adoção dizem que sim, e os dados da pesquisa realizada por Weber (1999) mostram
correlações entre esses aspectos.
Dos 14 casais entrevistados, 9 são casados legalmente e 5 não. O tempo
mínimo de relacionamento foi de 3 anos, sendo que 7 têm entre 3 e 6 anos de
relacionamento, 3 têm entre 7 e 12 anos, e 4 têm entre 13 e 18 anos. Das 7 pessoas
entrevistadas individualmente, 6 são solteiras e 1 é casada, mas separada de fato
há 8 meses.
Em relação à cor da pele, a maioria dos participantes tem a pele branca:
57,14% são brancos, 31,43% são pardos e 11,43% são negros (conforme
classificação realizada pela pesquisadora no instrumento em anexo). Isso está de
acordo com os dados obtidos por Weber (1999), segundo os quais a maioria dos
adotantes no Brasil é composta por pessoas de pele branca, e apenas uma minoria
é negra. Dos 14 casais entrevistados, 8 são inter-raciais e 6 não. Dos casais inter-
raciais, 4 são constituídos de branco com pardo, 3 de branco com negro e 1 de
pardo com negro. Dos casais em que ambos os cônjuges têm a mesma cor de pele,
4 são brancos e 2 são pardos. Foi possível perceber um alto grau de miscigenação
entre os casais, o que, como será visto, está relacionado às preferências quanto à
cor da pele do filho adotivo.
As Tabelas 1a, 1b e 1c apresentam alguns dos principais resultados obtidos
com a pesquisa.
104
Tabela 1a – Preferências quanto ao sexo e à cor de pele da criança a ser adotada e outras
caracterizações.
Tem Não tem
Tem Interesse Não tem
casos preferênci- Sexo preferido Cor preferida
cadastro inicial em preferênci-
de a quanto
Entrevistas Sexo apenas adotar a quanto à
adoção ao sexo
em Vila (só para cor do filho
na do filho Menina Menino
Velha casais) adotivo Branca Parda Negra
família adotivo
H X X
Entrevista 1 X X X X
M X X
H X *1
Entrevista 2 X X
M *1 X
Entrevista 3 H X X X X X
Entrevista 4 M X X X X X
H X
Entrevista 5 X X
M X
H
Entrevista 6 X X X
M X X
Entrevista 7 M X X *2 X *2 *2 X *2
H X
Entrevista 8 X X X
M X X
H X
Entrevista 9 X X
M X X
H X
Entrevista 10 X X X
M X X
Entrevista 11 M X X X
H X X
Entrevista 12 X X X
M X
H X
Entrevista 13 X *3 X *3 *3 X *3
M X
H
Entrevista 14 X X X X
M X
Entrevista 15 M X X X X
Entrevista 16 M X X X X X
Entrevista 17 H X X X X X
H X
Entrevista 18 X X X
M
H X
Entrevista 19 X X X
M X
H X
Entrevista 20 X X
M X X
H X X
Entrevista 21 X X X
M
1
* O interesse partiu do filho (11 anos). Primeiro teve o acordo do pai, e depois da mãe.
*2 Interesse em uma criança específica (menina, branca, 1,2 anos).
*3 Interesse em uma criança específica (menina, parda, 4 anos).
105
no Juizado de Vila Velha variou entre 1 mês e meio e três anos, estando entre 1 mês
e meio e 1 ano em 17 das entrevistas, e entre 1 e 3 anos em 4.
Na época de realização das entrevistas, 2 pessoas solteiras (entrevistas 3 e
17) e 4 casais (entrevistas 9, 10, 13 e 20) já haviam conseguido a adoção de uma
criança. Mas como essas adoções haviam sido realizadas há pouco tempo (no
máximo há dois meses), esses participantes continuaram mostrando-se relevantes
para a pesquisa. Em 5 casos a adoção foi de meninos recém nascidos, e em 1 caso
a adoção foi de uma menina de 4 anos.
uma adoção por via de meios legais pode ser longo, apesar de esse tempo variar em
função de alguns aspectos, dentre eles a disponibilidade de participação do
candidato no processo avaliativo e as preferências em relação às características da
criança (cor, idade, e sexo). É interessante ressaltar que no caso da entrevista 13 o
tempo de espera foi curto (2 meses), e isso se deu por alguns fatores. Quando o
casal se interessou pela criança e começou a tentar sua liberação para a adoção,
criou um vínculo afetivo com a menina, o que lhe deu prioridade em sua adoção.
Além disso, o fato de o interesse ter sido em uma criança que não corresponde ao
interesse da maioria dos postulantes à adoção (uma menina parda de 4 anos)
possibilitou que o casal não enfrentasse a dificuldade de ter que competir com
outros interessados.
É importante mencionar que o tempo de espera relatado pelos participantes
desde a realização do cadastro refere-se ao momento em que foi feita a entrevista.
Deve-se lembrar que as primeiras 10 entrevistas foram realizadas quase um ano
antes das outras 11 e, portanto, não é possível chegar a uma conclusão do tipo “o
casal da entrevista 20 passou na frente na fila do cadastro do casal da entrevista 1,
pois na entrevista 20 o tempo de espera foi de 9 meses e eles já adotaram, e na
entrevista 1 é de dois anos e eles não adotaram ainda”. Além disso, para serem
realizadas comparações desse tipo deve-se levar em conta outros fatores, dentre
eles as características da criança que se deseja adotar e a possibilidade de não
aceitação de uma adoção no momento em que foi chamado.
Houve dois casos em que a adoção já havia ocorrido mas não por meio do
Juizado de Vila Velha. Em um deles (entrevista 9) o casal, cujo tempo de espera no
Juizado de Vila Velha foi de 7 meses, adotou por meio do Juizado da Infância e da
Juventude do município da Serra, onde seu tempo de espera foi praticamente nulo.
O casal relatou que foi informado por um amigo que havia uma criança com as
características que eles queriam sob responsabilidade do Juizado da Serra em um
abrigo, e imediatamente eles foram olhar a criança e se cadastrar naquele Juizado
para tentarem a adoção (visto que o cadastro para adoção de uma criança
específica deve ser feito no município do Juizado responsável pela criança). Fizeram
o cadastro no Juizado da Serra e entraram numa fila de cadastros. Porém, como
nenhuma das pessoas cadastradas anteriormente teve interesse em adotar a
criança, eles logo foram chamados e conseguiram adotá-la. No outro caso
(entrevista 17), o homem interessado em adotar, que já havia se cadastrado em Vila
109
Velha há cerca de 1,4 anos, recebeu um telefonema de uma amiga que mora no
interior da Bahia, dizendo que havia um menino recém nascido cuja mãe não
poderia criá-lo, e perguntando se ele não tinha interesse em adotá-lo. Apesar de sua
preferência ser por menina, o entrevistado viajou até lá para conhecer o menino e
gostou muito dele, de modo que foi ao Fórum da referida cidade para regularizar a
adoção da criança e depois a trouxe consigo.
Esses dados sugerem que as pessoas que se cadastram num Juizado e têm
um papel participativo em busca do filho adotivo ficam menos tempo na fila de
espera pela adoção do que aqueles que fazem o cadastro e ficam aguardando pelo
Juizado. Um outro dado ainda corrobora essa informação. Um dos casais
entrevistados (entrevista 5) relatou que, após ter feito o cadastro para adoção no
Juizado de Vila Velha, foi procurar o Juizado do município de Vitória para fazer o
cadastro lá também, e logo eles souberam de uma criança sob responsabilidade do
Juizado de Vitória na qual nenhum dos cadastrados naquele município tinha
interesse. Foram visitar a criança no abrigo, se interessaram por ela, e já estão
sendo providenciados os trâmites necessários para a realização da adoção. Apesar
de os técnicos dos Juizados, em geral, se posicionarem contrariamente a uma
participação ativa dos candidatos à adoção (visitas a abrigos, realização de
cadastros em vários municípios), os dados indicam que os candidatos mais ativos
normalmente aguardam menos tempo para conseguirem a adoção.
Dentre aquelas pessoas que não haviam realizado a adoção no momento da
entrevista, o tempo médio de espera até então era de 7,3 meses, tempo este inferior
àquele de 3 dos 4 interessados que conseguiram adotar pelo Juizado de Vila Velha.
Em princípio, esses dados sugerem que a maioria dos participantes que ainda não
adotou provavelmente vai esperar mais algum tempo para conseguir adotar pelo
Juizado de Vila Velha, mas não se deve desconsiderar que o tempo de espera pela
adoção depende de vários aspectos, e por isso não pode ser previsto com precisão.
Não há caso algum de mulher com vida conjugal interessada em adotar e que
possa ter filho, que não tenha filho biológico. Das 14 mulheres com vida conjugal, 11
não podem ou têm dificuldades de ter filhos biológicos (8 delas não têm filhos e
outras 3 têm filhos, embora não possam ter outros). As 5 entrevistadas sem vida
conjugal não têm filhos biológicos, e 3 delas afirmam que poderiam tê-los. Deve ser
registrado, entretanto, que todas 3 têm idades superiores aos 40 anos, o que
implicaria uma primeira gestação envolvendo riscos.
É possível dizer que, no grupo de entrevistadas que participaram do estudo, a
impossibilidade de ter filho biológico foi a principal motivação para a adoção, ainda
que precise ser considerada em articulação com a condição conjugal e com a idade.
As outras motivações mais destacadas são “ajudar uma criança” (16%) e “fazer
sua parte perante a sociedade” (8%). Reppold e Hutz (2003) afirmam que a adoção,
no imaginário social, ainda é muito associada à caridade e à filantropia. Uma
pesquisa realizada por Weber (1999) ressalta que os valores religiosos, como
caridade, pena e amor ao próximo, são apontados como um forte motivador para
adoção, e um estudo realizado por Gatti, Campos e Vargas (1993, citado por
Reppold e Hutz, 2003) constata que a relevância social, associada ao nível de
reflexão social, é um dos principais motivos para a adoção.
Segundo Cassin e Jacquemin (2001) a caridade é uma motivação
considerada ilegítima ou inadequada para a adoção, de forma similar a outras como
preencher um vazio, satisfazer outra pessoa, salvar o casamento, promessa, ter
companhia, e substituir um filho morto ou uma gravidez interrompida. Reppold e
Hutz (2003) afirmam que essas motivações, em decorrência de sua fragilidade,
podem implicar potenciais dificuldades de adaptação para a criança adotiva.
“Preencher um vazio”, motivação considerada inadequada segundo a literatura, foi
112
Aos casais foi perguntado de quem foi o interesse inicial pela adoção, e 6 dos
14 casais responderam que foi de ambos os cônjuges, 5 responderam que foi da
mulher, e apenas 3 que foi do homem. Nos casos em que o interesse pela adoção
partiu de ambos os cônjuges, 4 casais afirmaram que não podiam ter filhos
biológicos ou tinham dificuldade para tê-los, e apesar de todos esses casais
relatarem um interesse antigo pela adoção, foi a infertilidade ou esterilidade da
mulher que despertou o interesse conjunto pela adoção e a decisão de procurar o
Juizado. Nos 2 casos em que o interesse pela adoção partiu de ambos os cônjuges
e nos quais não havia qualquer problema de fertilidade com o casal, a adoção foi
citada pelos entrevistados como um projeto de vida, tendo havido um interesse pela
adoção desde o início do relacionamento do casal.
Em 100% dos casos em que o interesse pela adoção partiu da mulher, os
casais entrevistados afirmaram haver problemas de infertilidade ou esterilidade com
o casal, sempre por algum distúrbio com a mulher. Isso parece indicar que, em
casos de esterilidade do casal, quando o interesse pela adoção não é algo comum
entre os pares, é mais fácil para a mulher aceitar a adoção do que para o homem, ou
nesses casos, é mais fácil para a pessoa estéril lidar com a possibilidade de adoção.
A possível dificuldade de alguns homens aceitarem a adoção pode estar relacionada
à questão da masculinidade, e do tabu acerca de um homem criar um filho que não
leva a sua herança genética.
por parte da mulher, essa impossibilidade de ter filhos se deu devido à laqueadura
de trompas, ou seja, esses casos se diferenciam da esterilidade feminina que
sempre impossibilitou o casal de ter filhos biológicos. Em um desses casos
(entrevista 2) foi o filho do casal que primeiramente demonstrou interesse na adoção
de uma criança pelos pais, devido ao fato de se sentir sozinho e querer um (a) irmão
(ã) como companhia, e primeiramente ele obteve a concordância do pai, e depois da
mãe. No único caso em que o interesse inicial pela adoção foi do homem e que não
foi relatado qualquer problema de infertilidade, o cônjuge masculino relatou ter tido
vontade de adotar para ajudar uma criança que não tem família, e ao falar disso
para a esposa ela concordou.
“ Eu própria sou adotada... Eu fui adotada por minha tia, mas isso
não tira o fato de que eu fui criada com um casal que não era os
meus pais biológicos. Fui criada assim, sabendo, mas a minha
criação foi totalmente diferente dos meus irmãos. Fui criada como
filha única, adotada mesmo, sabendo que era adotada, então é um
116
11
Todos os nomes mencionados durante o texto são fictícios, para assegurar o anonimato dos participantes.
118
coisas mais com a razão... Mas a relação filho/pai, eles são falhos,
mesmo com tudo que eu fiz por eles, hoje eles não dão confiança,
só quando precisam, e tal... A relação pai/filho não é positiva”
(homem, divorciado, 57 anos, que já tem dois filhos adotivos).
“Não, ela (mãe biológica) tinha condições, só que ela, como se diz, a
minha tia não tinha filhos, não tinha, não teve condições... Antes de
mim ela adotou uma criança que morreu. Acho que a mamãe ficou com
pena né, dessa situação e, é..., prometeu uma filha pra ela, quando ela
tivesse, quando ela casasse, isso aí foi solteira ainda. Aí quando ela se
casou ela teve a primeira filha, não deu..., é uma história longa, aí ela
teve quatro filhos homens, e a minha mãe queria igual a mim, queria
uma menina, aí quando eu nasci, já..., já estava subentendido que eu
seria adotada. Nunca foi uma necessidade financeira, foi mais uma
necessidade afetiva que a minha mãe teve de ajudar a irmã... Meu pai
também foi, meu pai biológico foi uma pessoa muito, digamos assim,
honrou, né, o compromisso da minha mãe, porque ele, ele era muito
apegado aos filhos, e cedeu uma filha por necessidade mesmo, assim,
afetiva, de ver o casal de cunhados precisando de adotar, e lá no
interior não é fácil, naquela época não era fácil conseguir uma criança.
Aí me, me deram (risos)... Até hoje mantenho relação. Sei que eles são
meus irmãos, fomos criados assim, muito próximos, eu sabendo, eu
fazendo as minhas escolhas, porque eu tinha é... eu tive oportunidade
de escolher, graças a Deus... De ficar com uma família ou outra, eu
poderia... foi me dada essa possibilidade de escolha, com 9 anos, os
meus pais biológicos mudaram dessa cidade que a gente morava,
então a família reuniu e perguntou com quem eu queria ficar realmente,
que até então tudo o que tinha sido feito poderia ser desfeito. E eu
escolhi ficar com meus pais adotivos, porque eu acho que o laço... de
você criar um ser humano, ele é muito forte, ele não se quebra com
120
Nas entrevistas nas quais houve preferência quanto ao sexo do filho adotivo,
50% foram realizadas com casais e 50% com os solteiros ou separados. Em 78,57%
dos casos foi relatado que a preferência era por meninas e em 21,43% por meninos.
Nota-se, assim, uma preferência muito maior pelo sexo feminino, tal como relatado
em várias outras investigações. Àqueles que responderam ter preferências por um
determinado sexo, foi solicitado que falassem sobre os motivos dessa preferência.
122
Entrevista 4 M Branca ou Parda Quer que a criança seja parecida com ela.
Quanto à cor do filho adotivo, em 66,66% das entrevistas foi afirmado haver
preferências, e em 33,33% não. Nos casais, os cônjuges estiveram sempre de
acordo em suas opiniões. Em 7 entrevistas foi relatada mais de uma cor preferida, e
portanto foram consideradas todas as respostas dadas. Quando houve preferência
124
que a criança seja parecida com o(s) adotante(s), e as justificativas para isso são:
“evitar que as pessoas façam comentários” (citado em 3 entrevistas), “evitar que a
criança ou os pais tenham que ficar dando explicações” (2), “medo de não saber
lidar com a diferença” (2), “evitar problemas” (1), “para a criança se adaptar melhor à
família (1), “minimizar o preconceito” (1), e “evitar que a criança questione antes do
tempo” (1). De fato, Weber (1999) afirma que uma pessoa que decide adotar uma
criança cujas características raciais ou de cor de pele sejam diferentes das suas,
tem grande probabilidade de enfrentar preconceitos em dobro no Brasil – pela
adoção e pela diferença racial. Weber (1999) afirma ainda que esse desejo de que o
filho adotivo se pareça com os pais pode expressar também uma necessidade de a
família adotiva imitar a família biológica, na qual as características genéticas dos
pais são transmitidas aos filhos, e portanto, estes são razoavelmente parecidos com
os pais biológicos. Já de acordo com Abreu (2002), essa opção dos adotantes de
que a criança se pareça com eles tem por objetivo facilitar a identificação dos pais
adotivos com os filhos. Segundo o autor os pais buscam, através da adoção,
reproduzir socialmente sua continuidade e semelhança, o que ocupa no imaginário
social um lugar central na reprodução. Costa e Campos (2003) afirmam que é muito
comum, nos estudos psicossociais de adoção, os adotantes ressaltarem com
orgulho a semelhança dos filhos consigo próprios ou com outros membros da
família, pois ressaltar essas semelhanças parece consolidar um vínculo de
parentalidade que poderia estar ameaçado de não existir em função da ausência de
ligação biológica.
“A idéia da gente é que sejam parecidas com a gente, é pra ela se...
não por nós, pra que ela se adapte melhor, é, à família” (mulher,
casada, 41 anos).
“ eu acho que mais pela sociedade mesmo, pra gente não ter que...
pra diminuir bastante os problemas que a gente viria a enfrentar
mais tarde. Não que fosse escondido, e que isso vai ser omitido,
não... a questão da adoção tá, até pra criança. Mas é que eu acho
que ficaria mais fácil, eu acho que seguindo o mesmo biotipo, não
sei, eu acho que tem uma coisa assim, acho que nas outras
pessoas...” (homem, solteiro, 36 anos).
126
Quadro 6 – Comparação da cor da pele dos participantes que apontaram preferências pela cor da
pele do filho adotivo com as preferências relatadas por eles.
Cor da Pele
Preferência pela cor da pele
Entrevistas Sexo dos
do filho adotivo
participantes
H Branca
Entrevista 1 Branca ou Parda
M Parda
Entrevista 3 H Branca Branca ou Parda
Entrevista 4 M Branca Branca ou Parda
H Branca
Entrevista 6 Branca
M Branca
Entrevista 7 M Parda Branca
H Branca
Entrevista 9 Branca
M Branca
H Branca
Entrevista 10 Branca
M Branca
H Negra
Entrevista 13 Parda
M Parda
H Parda
Entrevista 14 Branca ou Parda
M Parda
Entrevista 15 M Branca Branca ou Parda
Entrevista 16 M Parda Branca ou Parda
Entrevista 17 H Branca Branca ou Parda
H Parda
Entrevista 19 Parda
M Parda
H Negra
Entrevista 21 Negra
M Branca
específica, e, portanto, a cor de pele da criança não teve influência direta sobre a
decisão de adotar.
Os dados sobre as preferências de cor de pele podem ser observados mais
detalhadamente na tabela 3, a seguir, que compara a cor da pele dos participantes,
individualmente, com as preferências relatadas por eles quanto à cor do filho
adotivo.
pele é muito branca, eu acho que destoa muito. Veja bem, o negro
mesmo, aquele que, como a gente até brinca, chega a ser azul, o
pardo não, é normal, não tem nada a ver, pode até ter o cabelo
crespo sim, não tem problema, mas eu acho que aquele negro que
chega brilhar, eu acho que destoa de mim, se eu tivesse uma cor
mais escura, eu não teria restrição não, te digo sinceramente, mas é
uma coisa... é seu filho, é um impacto eu acho que até pra mim,
sabe” (mulher, separada, 45 anos).
Como a adoção, na maior parte dos casos, não é realizada por uma
única pessoa, pode ser revelador considerar a informação sobre cor de pele
em conjunto com a condição conjugal e a cor de pele do cônjuge. Isso é feito
a seguir (tabela 4), tomando-se como base as mulheres casadas e solteiras,
somando-se a elas os dois homens solteiros.
Tabela 4– Comparação da cor da pele dos participantes com as preferências relatadas por eles
quanto à cor de pele do filho adotivo.
Mulheres Aceita criança branca* Aceita criança parda* Aceita criança negra*
Branca casada com branco (4) 4 1 1
Branca casada com pardo (3) 3 3 3
Branca casada com negro (2) 1 1 2
Parda casada com branco (1) 1 1
Parda casada com pardo (2) 1 2
Parda casada com negro (1) 1
Negra casada com branco (1) 1 1 1
Branca solteira (3) 3 3 1
Parda solteira (2) 2 1
Total 18 16 8
* Pôde ser dada mais de uma resposta.
“Nós fomos ver a Kátia ... Nós colocamos que a gente quer uma
criança de pele branca, até parda, e aí foi a confusão, porque
quando nós chegamos, a Kátia para nós ela não era parda, para nós
ela era negra mesmo, né, então a gente pegou e ligou e disse assim
‘olha, se a Kátia para nós é parda a gente até muda, coloca de cor
branca’, porque diz que não existe a morena ou moreno, né,... O
problema é a definição do que é isso, porque é complicado... e aí vai
ter que ser na hora de olhar mesmo, de estar com a criança. O
pardo vai até aonde pra nós e até aonde começa o negro, é a gente
que vai definir isso, é muito difícil e até constrangedor...” (homem,
casado, 30 anos).
H
Entrevista 9 Recém nascido Querem passar por todas as etapas da criança.
M
H Querem que a criança se acostume com eles desde nova. Acham
Entrevista 10 Recém nascido
M que um bebê dá para educar do jeito deles.
Para educar do jeito deles, passar os valores, pois acima disso fica
Entrevista 11 M 0-2 anos
mais marcada pelas experiências, fica mais difícil corrigir.
H Querem passar por todas as fases da criança. Para educar do jeito
Entrevista 12 0-2 anos
M deles, pois acham que a personalidade é formada até os 7 anos.
H
Entrevista 13 4 anos Afinidade com uma criança específica.
M
H
Entrevista 14 0-2 anos Para educar do jeito deles.
M
Entrevista 15 M 0-4 anos Para educar do jeito deles.
Por que nunca teve a experiência, gostaria de passar por todas as
Entrevista 16 M 0-3 anos
fases.
Para educar do seu jeito. Para a criança se acostumar desde
Entrevista 17 H 0-2 anos
pequena, pois isso aumenta a proximidade.
H
Entrevista 18 Recém nascido Por opção dos filhos do casal.
M
H
Entrevista 19 0-6 meses Acham mais fácil a criança se acostumar com eles.
M
H Gostam de curtir a fase de bebê. Para manter uma compatibilidade
Entrevista 20 0-4 anos
M de idade com a filha.
H Não têm muito tempo para cuidar de um bebezinho. Querem a
criança já andando e falando, pois é melhor para se lidar. Para
Entrevista 21 2-4 anos
M educar do jeito deles, pois acreditam que é a fase que mais marca
a criança.
* O número total de respostas foi 32.
Apesar de não terem sido feitas indagações diretas sobre a saúde do filho
adotivo, em 6 entrevistas esse aspecto foi mencionado: em 5 entrevistas as pessoas
relataram a necessidade de que a criança fosse saudável (pela dificuldade de cuidar
por ser solteira(o) em 2 casos, por falta de condições emocionais em 2 casos, e por
falta de condições financeiras em 1 caso), e em 1 entrevista o fato de a criança ter a
saúde comprometida não se mostrou um obstáculo para a adoção. Um outro dado
curioso é que em 2 entrevistas foi relatado que, se houvesse oportunidade, os
entrevistados adotariam gêmeos, sendo o interesse por um casal em um caso, e por
duas meninas no outro.
A partir do que foi exposto pode-se perceber que ambos os cônjuges de todos
os casais entrevistados relataram ter a mesma preferência quanto a todas as
características do filho adotivo, havendo um único caso em que foi necessária certa
negociação para chegar a um consenso – ela preferia menina e ele menino, então
optaram por não ter preferências quanto ao sexo da criança.
Um resumo das mudanças de preferências por determinadas características do
filho adotivo durante o período de espera pela adoção de uma criança pode ser visto
no quadro 8. Tal quadro inclui apenas as 6 entrevistas nas quais ocorreram relatos
de mudança de preferências.
136
Quadro 8 – Mudanças nas preferências das características do filho adotivo durante o processo de
adoção.
Mudanças na preferência das características do filho adotivo
Entrevistas Sexo Cor da pele Idade
Antes Depois Antes Depois Antes Depois
Não tem mais
Branca ou
Entrevista 2 preferência por 0-2 anos 1-5 anos
Parda
cor de pele
Entrevista 4 2,5-4 anos 3-8 anos
Entrevista 6 0-3 meses 0-8 meses
Não tem mais
Branca ou
Entrevista 8 preferência por 0-2 anos 0-3 anos
Parda
cor de pele
Não tinha
preferência Branca ou Recém
Entrevista 15 0-4 anos
por cor de Parda nascido
pele
Entrevista 16 0-1 ano 0-3 anos
antes a entrevistada não tinha preferência por cor de pele, e depois ela passou a
preferir apenas crianças brancas ou pardas, fazendo restrição à criança negra.
Segundo a participante, ela mudou de opinião pois ouviu de amigos casos de
pessoas que adotaram crianças de cor de pele diferente da própria e tiveram
problemas com isso. A partir disso a entrevistada ficou com medo de não saber lidar
com uma grande diferença de cor de pele entre ela (que é branca) e a criança, e
passou a fazer restrição quanto à adoção de uma criança negra.
Em relação ao medo de adotar uma criança de cor de pele diferente da própria
cor, é interessante ressaltar o relato do casal (entrevista 20) que já possui uma filha
adotiva de 7 anos, filha essa que tem a pele mais escura que a dos pais adotivos.
Em 4 entrevistas (todas com casais) foi relatado que os cônjuges têm filhos
biológicos conjuntamente12, sendo que em 3 casos o casal já possui um filho
(entrevistas 1, 2 e 21), e em 1 caso o casal já possui dois filhos (entrevista 18). Em 2
entrevistas (ambas com casais) foi relatado que os cônjuges têm filhos biológicos,
mas separadamente, sendo que em um desses casos cada cônjuge tem um filho
(entrevista 10), e no outro caso um cônjuge tem um filho e o outro dois. Há ainda
uma entrevista com um casal (14) em que foi relatado que apenas um dos cônjuges
tem dois filhos biológicos (teve três, mas um veio a falecer). Nessas 7 entrevistas em
que foi relatado que os participantes já têm filhos biológicos (4 conjuntamente, 2
separadamente e um caso em que apenas um dos cônjuges tem filhos biológicos), 4
casais relataram que não podem mais ter filhos biológicos, e 3 casais relataram que
ainda podem ter filhos biológicos.
Em 14 entrevistas (11 casais e 3 indivíduos) foi relatada uma dificuldade ou
impossibilidade de ter filhos biológicos, e em todos os casos essa impossibilidade
relaciona-se à mulher, apesar de os motivos serem variados: idade avançada,
problemas no sistema reprodutivo, ou outros distúrbios de saúde que dificultam ou
impossibilitam uma gravidez. Em 7 entrevistas (3 casais e 4 solteiros) não foi
relatada qualquer dificuldade em ter filhos biológicos.
De acordo com Abreu (2002), o que as pessoas interessadas em ter filhos
buscam antes de tudo é um filho biológico. Quando fracassam as tentativas de
reprodução por meios naturais, o primeiro passo (havendo condições econômicas) é
a busca de técnicas de reprodução assistida, ou seja, a busca de técnicas médicas
de ajuda à procriação. Segundo o autor, a grande maioria dos adotantes que têm
problemas de fertilidade realizam contato com o médico para tentar solucionar o
problema. No Brasil, como o custo das técnicas médicas de fertilização é alto,
apenas as pessoas mais abastadas tem condições de fazer uso delas. Somente
quando essas técnicas também não dão o resultado esperado é que as pessoas
orientam seu olhar para uma criança de outra seqüência biológica. Por isso,
segundo Abreu (2002), é durante o contato com a medicina que se decide pela
adoção. Costa e Rossetti-Ferreira (2004), ao investigar como casais constróem e
ressignificam sentidos de maternidade e paternidade ao se tornarem pais adotivos,
analisam um caso em que o casal, extremamente desejoso em ter um filho, ao se
12
A entrevista 1 foi realizada com um casal em que a mulher estava grávida de 8 meses do primeiro filho, e
como estava muito próximo de ela ter o bebê, este casal foi analisado como já tendo um filho biológico.
140
dados relevantes num grupo de adotantes, visto que, como já foi ressaltado, em
geral a idéia que se tem socialmente é a de que a adoção é uma forma de atender
aos anseios daqueles que não têm filhos biológicos ou que não podem tê-los. Assim,
percebe-se que, atualmente, além de a adoção ser vista como uma forma de
resolver o problema de quem não pode ter filhos, concepção social mais comum,
estão emergindo também outras concepções sobre o tema, de modo que a adoção
vem se mostrando como uma possibilidade de atender a outros determinantes, tanto
pessoais como sociais. Os dados obtidos por Costa e Campos (2003), a partir de um
levantamento estatísticos sobre famílias adotantes no Distrito Federal nos anos de
1998 e 1999, também colocam em questão essa concepção de que a adoção é uma
forma de compensar a impossibilidade de ter filhos biológicos, pois foi constatado
que, entre os casais interessados em adotar, mais da metade possuía filhos
biológicos em comum. Segundo as autoras, o momento do ciclo de vida da família
pode influenciar na decisão pela adoção, pois em famílias cujos filhos estejam na
fase da adolescência ou no início da vida adulta pode haver uma maior
disponibilidade para realização de uma adoção. Esse aspecto pôde ser observado
em alguns casos na presente pesquisa, pois das 7 entrevistas em que os
participantes relataram já possuir filhos biológicos, em 4 delas (2 casais com filhos
conjuntamente, 2 com filhos separadamente e um caso em que apenas um dos
cônjuges tem filhos biológicos) esses filhos já estão na adolescência ou na fase
adulta.
Fazendo uma análise comparativa das motivações para adoção relatadas pelos
entrevistados que não podem ter filhos biológicos e pelos entrevistados que podem
ter filhos biológicos, levando em conta o fato de eles já terem tido ou não filhos
biológicos, percebe-se que há uma diferença entre as principais motivações
apontadas por esses grupos de participantes. Dentre aqueles que atualmente não
podem ter filhos biológicos, tanto para aqueles que já têm filhos como para aqueles
que não os têm, a principal motivação relatada é “não poder ter filhos biológicos”,
sendo essa motivação ressaltada por 100% daqueles que já têm filhos biológicos, e
por 70% daqueles que não os têm. Dentre aqueles que podem ter filhos biológicos, a
motivação mais ressaltada por aqueles que já têm filhos biológicos é “ajudar uma
criança” (em 100% dos casos), e a motivação mais ressaltada por aqueles que não
têm filhos biológicos é “vontade de ser pai/mãe” (em 50% dos casos).
142
visão de mundo” (4,76%). É interessante ressaltar que, apesar de não ter sido feito
qualquer questionamento a esse respeito, 57,14% dos entrevistados ressaltaram
que as mudanças serão no sentido de melhorar a vida. Apenas em uma entrevista
(entrevista 21) os participantes acreditam que com a chegada do filho adotivo a vida
não vai mudar, pois o casal já tem uma filha biológica com 4 anos, e a faixa etária
escolhida da criança adotiva é muito próxima (de 2 a 4 anos). Assim, o casal
acredita que a chegada de uma criança mais ou menos da idade da filha que já
possui não vai alterar sua vida. Àqueles que já haviam adotado quando foram
realizadas as entrevistas (total de 6) foi perguntado se eles imaginavam que a vida ia
mudar após a adoção, e como eles estão percebendo essas mudanças depois de
terem adotado, e 66,66% responderam que as mudanças estão ocorrendo de
acordo com o esperado, enquanto 33,33% responderam que as mudanças estão
sendo maiores do que as expectativas que tiveram.
Entrevistas Sexo Como pretendem contar para o filho que ele é adotivo?
H Não tem uma data certa. Quando ele tiver consciência. O filho biológico vai ter
fotos de gravidez que o adotivo não vai ter. Da maneira mais natural possível.
Entrevista 1
A medida que as questões forem surgindo. Se necessário, solicitarão ajuda de
M um psicólogo.
H Naturalmente. Ter um filho biológico e não contar para o outro que ele é
Entrevista 2 adotivo é uma covardia. Acham que existe um momento próprio, mas não
M sabem qual é.
Vai contar para evitar problemas, porque é o certo, mas não gosta da idéia. No
seu caso julga que tem que contar pois como é solteiro, se não contar vai ter
Entrevista 3 H
que inventar uma história. Não pensou em como vai contar, mas vai descobrir
uma forma.
É fundamental contar. Vai contando à medida que for crescendo, e pedirá
Entrevista 4 M
ajuda psicológica para orientá-la como contar.
H Pretendem contar desde pequeno, com muito amor. Pretendem contar com a
Entrevista 5 ajuda de um profissional, tendo um acompanhamento tanto para eles como
M para a criança.
Vão contar a partir do momento que a criança começar a entender as coisas.
H
Não pensaram em como, mas de forma bem natural. Pretendem solicitar um
Entrevista 6
psicólogo para auxiliá-los em como fazer. A experiência de outras pessoas
M pode ajudar.
Não pretende trabalhar com mentiras, e não sente insegurança para falar.
Entrevista 7 M
Pretende falar na idade certa, com muita naturalidade. A religião pode ajudar.
H Vão solicitar acompanhamento de um profissional, pois não sabem como vão
Entrevista 8 falar. Acham que ir falando no dia a dia, que não nasceu da barriga. Mas não
M sabem em que idade falar e como a criança vai reagir.
146
Entrevistas Sexo Como pretendem contar para o filho que ele é adotivo?
Não gostam da idéia de contar, apesar de acreditarem que têm que contar.
H Pretendem contar logo no início. Já estão com o bebê, e ela já fala com ele
que é adotivo, pois acredita que a criança, apesar de não assimilar, grava
Entrevista 9 tudo, e depois vai buscando as informações. Quer que chegue uma idade na
qual não precise estar falando, mas que a criança já compreenda com a maior
M naturalidade possível. Não vai haver um dia, mas a medida que for crescendo
ele já vai sabendo. Pretendem utilizar livros de histórias e filmes infantis.
H
Entrevista 10 Vão esperar a oportunidade de contar, pois acham que vai surgir.
M
Não pensou em como fazer. Tem que ir contanto desde pequeno, para a
Entrevista 11 M criança não ter um ‘choque’ quando sentar para conversar. A própria
experiência como filha adotiva vai ajudar.
H A partir do momento que a criança começar a entender as coisas. Vão solicitar
Entrevista 12
M ajuda psicológica.
H Como esse caso é de interesse por uma criança específica de 4 anos, ela já
Entrevista 13
M sabe que é adotiva.
H
Entrevista 14 Desde cedo. Quando a criança tiver condição de entender.
M
Pretende começar a falar desde que a criança chegar, independente da idade
Entrevista 15 M
que tenha.
A partir do momento que puder entender. Responder à medida que a criança
Entrevista 16 M
for perguntando. Tentar contar naturalmente.
Pretende contar desde pequeno, mas não pensou em como fazer. Pretende
Entrevista 17 H
procurar orientação de um psicólogo.
H Desde que a criança chegar em casa. Não de uma só vez, mas ir conversando
Entrevista 18
com a criança. Ir contando historinhas à medida que a criança for crescendo.
M
H Tem que contar, apesar de ser difícil. Desde pequena, contando algumas
Entrevista 19
M histórias.
H Desde que começar a falar, bem no nível da criança, por meio de historinhas.
Da fantasia eles vão evoluindo para a realidade, até que a criança consiga
Entrevista 20
M enxergar a realidade completa. Foi assim que fizeram com a primeira filha
adotiva, e pretendem repetir a experiência, pois deu certo.
H Não sabem como vão fazer, mas acreditam que têm que respeitar o
Entrevista 21 Desenvolvimento da criança, pois cada criança é única. Pretendem procurar
M
um psicólogo, para ver a idade ideal, e se há literatura infantil a esse respeito.
É possível perceber que algumas idéias são comuns quando se pergunta aos
entrevistados se já pensaram em como contar para o filho que ele é adotivo.
Primeiramente, há uma concepção de que a revelação para a criança de que ela é
adotiva tem que ocorrer com naturalidade, ou seja, não deve ser algo impactante
para a criança. Essa idéia de “contar com naturalidade” foi ressaltada pelos
informantes em 6 entrevistas. Enquanto em algumas entrevistas foi ressaltado que
não há um momento específico adequado para a revelação da adoção para a
criança (“não existe um momento certo para a revelação” em 2 entrevistas, “será no
dia a dia” em uma outra, e “pretendem ir conversando com a criança” em mais uma),
147
anterior, o que estaria indicando que os pais demoraram a falar no assunto. Mas
ambos os autores concordam que se os pais passarem as informações com
segurança, empatia e afeto, possibilitarão que a criança se sinta seguramente aceita
e inserida na família.
Em 6 entrevistas os informante relataram que ainda não pensaram em como
revelar a adoção para o filho, e não sabem como o farão. Em 3 entrevistas foi
explicitada a dificuldade de contar para o filho que ele é adotivo, de modo que os
participantes afirmaram que, apesar de pretenderem revelar a adoção, não gostam
muito dessa idéia. Segundo Costa e Campos (2003), devido à freqüente associação
entre adoção e problemas no imaginário social, muitas vezes as famílias adotivas
optam por revelar a adoção para a criança mais por medo de que algo saia errado
do que por acreditar ser um direito da criança conhecer sua história de origem. É
interessante ressaltar que em um caso (entrevista 13) em que a adoção foi realizada
recentemente a criança tem 4 anos e, portanto, ela já sabe que é adotiva, de modo
que os pais já não precisarão passar por essa situação de revelar a adoção para a
criança.
Em 8 entrevistas os participantes relataram que pretendem solicitar um
psicólogo para ajudá-los na hora de contar para o filho que ele é adotivo. Esses
dados parecem indicar que alguns entrevistados vêem a forma de contar para o filho
que ele é adotivo como algo possivelmente problemático para eles e para o filho
adotivo, apesar de terem o desejo de que isso se dê de modo natural. Assim,
mesmo aqueles que resolvem adotar, os quais muitas vezes supõe-se que devido a
essa decisão estão muito menos presos a idéias pré-concebidas em relação à
adoção, não estão imunes a certos estereótipos sociais, o que é evidenciado, por
exemplo, no mal estar relatado por alguns entrevistados em ter que contar para o
filho que ele é adotivo, e no fato de relatarem antecipadamente que pretendem
contar com a ajuda de um profissional, como se a situação de adoção fosse em si
mesma passível de problemas.
Percebe
Entrevistas Sexo restrições Que restrições
de quem
H Quem pode ter filhos biológicos não precisa adotar. Não sabem de onde
Entrevista 1 Familiares
M vem a criança.
H A amiga teve uma experiência negativa, e diz para eles tomarem o caso
Entrevista 2 Uma amiga
M dela como exemplo. Vão ter problemas.
Restrição quanto a ter um filho, e não quanto à adoção. Dizem que ele vai
Familiares
Entrevista 3 H arranjar problemas, pois acham que a pessoa solteira vive numa paz, sem
e amigos
problemas.
No
Quem trabalha como cuidadora não pode se apegar às crianças e querer
Entrevista 7 M trabalho e
adotá-las.
da Justiça
H Familiares Filho dá trabalho, ainda mais adotivo. As pessoas ficam contado casos de
Entrevista 8
M e amigos adoção que não deram certo. Não sabem a procedência da criança.
H As pessoas ficam curiosas para saber por que adotaram, como isso fosse
Entrevista 9 Amigos
M uma indicação certa de que eles têm problemas.
H
Entrevista 10 Familiares Não sabe quem são os pais. Vai dar trabalho.
M
H Vai arrumar encrenca. Não conhece a índole da criança, sua origem
Entrevista 11 Amigos
M genética.
H Vai dar trabalho. Quando os pais são ruins a criança já nasce com genes
Entrevista 12 Amigos
M ruins. As pessoas relatam casos de adoção que não deram certo.
H
Entrevista 14 Amigos Falam que são doidos. Vai dar trabalho. Pode ter uma genética ruim.
M
Restrição quanto a ter um filho, e não quanto à adoção. Falam que é louca,
Entrevista 15 M Amigos
que criança dá trabalho.
Restrição quanto a ter um filho, e não quanto à adoção. Vai sair do grupo
Entrevista 17 H Amigos
de amigos, deixar de sair e passar a ficar só em casa como o filho.
H Já tem dois filhos biológicos, não precisam adotar. Vão ter que dividir as
Entrevista 18 Familiares
M coisas das crianças. Não conhecem a família de origem da criança.
H Falam que são doidos. Vão procurar problemas. As pessoas relatam casos
Entrevista 19 Amigos
M negativos de adoção.
H Vão criar filho dos outros. Pode ser gente ruim. Acham que eles são
Entrevista 20 Amigos
M coitados que não puderam ter filhos.
H
Entrevista 21 Familiares Medo de que pegassem uma criança ruim.
M
pois criança dá trabalho” (1 caso), e “vai sair do grupo de amigos, deixar de sair e
passar a ficar só em casa como o filho” (1 caso).
Dentre as restrições que se referem à adoção, as mais citadas foram as que
se relacionam ao desconhecimento da origem genética da criança (9 casos –
entrevistas 1, 8, 10, 11, 12, 14, 18, 20 e 21), sendo que em 4 desses casos se fala
explicitamente da crença de que se os pais forem pessoas “ruins”, isso será
transmitido geneticamente para a criança, que será então portadora de “genes
ruins”. Em 1 entrevista (20) os informantes relataram como restrição percebida o
comentário “vocês vão criar filho dos outros”, comentário este que evidencia uma
concepção exclusivamente genética de parentalidade, como se a adoção não
estabelecesse uma relação de filiação entre a criança e os pais que a adotaram.
Uma outra forma de restrição percebida pelos participantes é o relato de casos
negativos de adoção por parte das outras pessoas, sendo isso entendido como uma
forma de desencorajá-los a adotar (4 casos – entrevistas 2, 8, 12 e 19).
Alguns participantes relataram que, quando falam do seu interesse em adotar
para as outras pessoas, algumas dizem que eles “vão ter problemas” com a criança
adotiva (3 casos – entrevistas 2, 11 e 19), ou que o filho adotivo “vai dar trabalho” (4
casos – entrevistas 8, 10, 12 e 14), ou ainda que os adotantes “são doidos” (2 casos
– entrevistas 14 e 19). Segundo Abreu (2002), muitas concepções negativas são
produzidas e mantidas pela sociedade em relação à adoção, dentre elas a noção de
problema: uma criança que pode trazer problema, e que é oriunda de problemas
reprodutivos. Assim, a criança sinaliza com a possibilidade de conflitos na
adolescência: fugir, querer os pais biológicos, ter recebido uma carga genética que a
predisponha ao alcoolismo ao à prostituição (que é de onde se originam, numa visão
fantasmagórica, os abandonados), entre outros.
Alguns participantes que não podem ter filhos biológicos relataram que
algumas pessoas parecem entender a opção pela adoção como uma indicação certa
de que o casal tem algum problema de fertilidade (1 caso – entrevista 9), ou que eles
são “coitados” que não puderam ter filhos (1 caso – entrevista 20), e isso é
entendido pelos participantes como uma restrição. Um outro tipo de restrição que se
baseia em concepção semelhante, percebida exclusivamente por pessoas que
podem ter filhos biológicos ou que já tiveram filhos biológicos, refere-se à crença de
que quem pode ter ou já tem filhos biológicos não precisa adotar uma criança (2
casos – entrevistas 1 e 18), e nesses casos a adoção seria injustificável. Em 1
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entrevista (18), com participantes que já têm filhos biológicos, uma restrição
percebida foi o fato de que eles “terão que dividir as coisas dos filhos biológicos com
o filho adotivo”, o que deixa subentendida uma preferência pelas crianças que são
filhas biológicas do casal.
Há ainda um caso específico (entrevista 7) em que a pessoa trabalha num
abrigo, como cuidadora de crianças, e os responsáveis pelos abrigos não admitem
que uma cuidadora se apegue a uma criança a ponto de querer adotá-la. A Justiça
também se posiciona contrariamente à adoção por parte de pessoas que trabalham
em abrigos, pois uma cuidadora não poderia se apegar mais a uma criança que a
outra, pois isso comprometeria o seu cuidado igualitário com todas as crianças. A
entrevistada, que se apegou muito a uma menina do abrigo e resolveu tentar adotá-
la, se sente muito prejudicada com essa restrição, e relata a sua indignação por
tentarem impedi-la de dar uma família a uma criança que precisa.
Esse relato evidencia que, apesar dos muitos obstáculos sociais ainda
existentes, é possível perceber alguns movimentos favoráveis e de incentivo à
adoção, não apenas de cidadãos comuns e instituições voltadas para esse fim, mas
também de empresas privadas, que estão levando em conta a importância da
adoção na sociedade atual, e dando subsídios aos funcionários de desejam realizá-
la. Isso mostra que conquistas como esta são possíveis, e que a ampliação de uma
discussão social sobre a adoção pode contribuir para a desmistificação de mitos e
preconceitos existentes sobre o tema.
A partir das análises realizadas, percebe-se que os dados coletados
evidenciaram uma grande diversidade de informações, e as possibilidades de
análise se mostraram muito amplas. A riqueza dos dados foi proporcionada pelas
particularidades dos casos, que trouxeram uma grande variedade de informações
em um universo pequeno de participantes.
4. COMENTÁRIOS FINAIS
Os comentários finais serão iniciados com a apresentação de um diagrama
que pretende resumir e organizar cronologicamente os principais passos da trajetória
implicada na adoção legal e os fatores e ela relacionados, de modo que esses
passos, em sua maior parte, foram considerados na presente investigação.
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158
159
Apesar de a procura mais comum pela adoção ocorrer por parte de casais
que não podem ter filhos, como indica a literatura, as pesquisas têm mostrado que a
existência de adoções feitas por famílias diferentes do padrão de família tradicional,
como, por exemplo, famílias compostas por mães desacompanhadas, pais
desacompanhados, pares homossexuais, famílias inter-raciais, famílias
recompostas, entre outras, merece especial destaque no contexto atual. O fato de a
família nuclear conjugal ter se tornado hegemônica fez com que vigorasse a
tendência a ver qualquer desvio desse modelo como problemático. No entanto, as
dinâmicas familiares ditas "alternativas", apesar de não se encaixarem no modelo
ainda dominante de família, são cada vez mais freqüentes e gozam de legitimidade
social, de modo que a compreensão da vida familiar no Brasil contemporâneo exige
que sejam consideradas, além do padrão hegemônico, tais dinâmicas alternativas.
Essas várias possibilidades de composições familiares levam a novas situações
sociais, inclusive no que diz respeito à adoção, e o desafio é lidar com essa
diversidade confrontando mitos e estereótipos sobre o que é considerado “normal”
ou “desviante”. No que se refere ao trabalho de profissionais que lidam com a
adoção, a análise dessa diversidade aponta a inadequação de modelos tradicionais
para lidar com uma realidade ainda não contemplada inteiramente pelas formulações
teóricas relacionadas à família, e uma prática que não considere as várias
possibilidades de composição familiar como legítimas corre o risco de se mostrar
limitada.
Os resultados dessa pesquisa também contribuem para a reflexão acerca dos
critérios referentes à legitimidade das intenções de pais adotivos. De acordo com o
Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção só será deferida se fundar-se em
motivos legítimos (art. 43, p.41). Segundo a Revista Brasileira de Crescimento e
Desenvolvimento Humano (2001), que apresenta comentários sobre os artigos do
ECA, o termo “motivos legítimos” refere-se ao fato de a adoção não poder ser usada
para satisfazer outros interesses e objetivos que não a proteção dos direitos das
crianças e adolescentes, não sendo considerados motivos legítimos, por exemplo,
todos aqueles ligados a interesses de exploração e de uso da adoção para
satisfação exclusiva dos adotantes. Porém, como na própria lei não são
estabelecidos os critérios de legitimidade, muitas vezes essa tarefa fica a cargo dos
profissionais que trabalham com a adoção, que passam a estabelecer seus próprios
critérios de legitimidade para considerar um postulante à adoção apto ou inapto. A
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partir disso, percebe-se que uma atuação presa a modelos tradicionais pode
privilegiar critérios de legitimidade bastante restritos, não condizentes com a
diversidade presente na sociedade contemporânea. Assim, os resultados da
pesquisa, na medida em que evidenciam a grande diversidade de aspectos
envolvidos na adoção, apontam para a necessidade de uma ampliação dos critérios
de legitimidade das motivações de pais adotivos.
Como afirma Oliveira (2002), não podemos perder de vista que a avaliação
psicológica dos pretendentes à adoção resume-se a uma visão pontual, precisa,
feita em um momento determinado, uma vez que o profissional tem um prazo para
realizar sua tarefa. Quando trabalhamos na avaliação dos postulantes à adoção,
temos apenas uma avaliação das possibilidades que essas pessoas apresentam
para desempenhar seus papéis parentais, seus desejos e suas motivações, visto
que as figuras parentais e filiais são interdependentes, e não se pode desconsiderar
o papel ativo que as crianças exercem nos ajustes das interações. Um outro aspecto
que deve ser levado em conta é que a avaliação psicológica dos pretendentes à
adoção é uma intervenção imposta pela autoridade judicial, de modo que a
participação dos interessados independe de sua vontade, o que pode comprometer
a eficácia do trabalho. Assim, acreditamos que devem ser consideradas as
limitações do trabalho de avaliação psicológica dos postulantes à adoção, o qual
deve ser repensado visando sua flexibilização e agilização. Acreditamos ainda que,
mais que um trabalho de avaliação psicológica, o trabalho com os futuros pais
adotivos deve ser de preparo e a orientação, no sentido de dar suporte ao grupo
familiar, de orientá-lo quanto ao processo de adoção e, principalmente, de abrir
espaço para a discussão dos tabus que envolvem a adoção. De acordo com
Ebrahim (2001a), esse trabalho pode ser decisivo para que haja mudanças nas
próprias formulações dos pedidos dos adotantes, sendo talvez capazes de alterar o
quadro atual de um desejo generalizado por crianças brancas e recém nascidas.
É importante ressaltar que o fato de a pesquisa ter sido realizada por
psicóloga que atua diretamente no setor de adoção do Juizado da Infância e da
Juventude de Vila Velha contribuiu para a produção das informações, de maneira
que a vivência profissional, longe de manter-se distante numa suposta e inatingível
neutralidade, enriqueceu a apresentação dos dados e seu tratamento com
elementos da própria experiência. O risco de distorção na manifestação de algumas
idéias, pelo receio dos entrevistados de que isso pudesse afetar a decisão final
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