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Esta comunicação tem como proposta fazer uma possível relação entre duas
obras de Denis Diderot (1713 – 1784) o Paradoxo sobre o Comediante (1770 -1773
composição/ 1830 publicação) e o Sonho de d’Alembert (1769 composição/ 1830
publicação). Duas obras que foram compostas pelo autor mais ou menos no mesmo
período, onde ele mesmo se consideraria seu tempo de escritor maduro. Como acontece
com Aristo no Discurso sobre a Poesia Dramática (1758). É somente aos cinquenta e
cinco anos que o personagem Aristo, a quem era chamado de o filósofo, torna-se grande
autor e excelente crítico.
Proponho iniciar nossa discussão dessa possível relação com uma questão: a
palavra “sensibilidade” utilizada no Paradoxo pode ser tomada no mesmo sentido
quando utilizada n’O Sonho? O tema da sensibilidade é bastante amplo e esse termo é
empregado em diversas áreas do saber. Nossa análise terá como ponto de vista o âmbito
da Estética, que já em nossos dias, a partir de Baumgarten, é consagrada como
disciplina filosófica. Com efeito, supõem-se que essa discussão acerca da sensibilidade
em Diderot tenha uma raiz nos estudos e no exercício de crítica que ele se dedicou
acerca das chamadas belas artes. Desse modo, os argumentos aqui expostos acerca do
valor da palavra “sensibilidade” visam mostrar que numa representação artística, em
seus diversos gêneros, o gênio se serve do que chamamos as qualidades da reflexão.
Assim, resta saber se o significado da “sensibilidade” poderia ter qualquer relação com
as qualidades necessárias ao gênio para produzir a bela arte.
De partida, pode-se enxergar um obstáculo à frente, o problema da expressão.
Como é possível saber o sentido da propriedade denominada sensibilidade? Como
associar esse termo utilizado por um médico, tal como o personagem Bordeu, e esse
termo utilizado por um crítico, tal como o personagem O Primeiro. N’O Sonho, Bordeu
diz que a sensibilidade é uma propriedade da matéria que explica diversos fenômenos
fisiológicos no ser vivo. No Paradoxo, O Primeiro diz que o ator deve anular sua
sensibilidade para que ele seja excelente em seu desempenho no palco e em seus
estudos. Se uma expressão pretende ter um sentido, um valor, é preciso que dois
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Mestrando em Filosofia pela UFSCar. Bolsista CAPES. E-mail: <cabodvd@gmail.com>.
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interlocutores não somente se entendam, mas saibam o valor da expressão. O que quero
tentar mostrar nesta exposição é que Bordeu concordaria com O Primeiro quanto as
implicações da sensibilidade no homem, eles tem a mesma opinião quanto ao sentido
dessa propriedade. Uma vez que dois interlocutores chegam até uma representação
precisa do sentido de um conceito, para Diderot suas concepções devem vir
acompanhadas de imagens que exemplificará, ou mesmo forjar um modelo ideal que dê
valor à expressão. No Discurso sobre a Poesia Dramática (1758), Diderot ressalta o
papel da imaginação na produção artística. Essa qualidade irá produzir um modelo
capaz de tornar sensível a representação. Qualidade sem a qual “o discurso se reduz ao
hábito mecânico de aplicar sons combinados”.
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Diderot. Discurso sobre a Poesia Dramática, p. 68.
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O que sabeis vos? Nada. Ponderai bem o que segue, e concebei como
é frequente e fácil que dois interlocutores, empregando as mesmas
expressões, tenham pensado e dito coisas totalmente diversas.3
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Diderot. Paradoxo sobre o Comediante, p. 31. In Obras II, ed. Perspectiva.
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um comediante que representa”.4 Dessa maneira, a distinção entre ser sensível e sentir
será aplicada ao ator: o ator medíocre em oposição ao grande comediante. Essa obra
está repleta de passagens com quadros que exemplificam essa distinção. O comediante
Garrick, personagem satírico, mas também uma espécie de modelo ideal, excelente
imitador da natureza; Mlle Clairon que tem a experiência do teatro é preferível a Mlle
Dumesnil, atriz que utiliza do entusiasmo, que não é constante porque na maioria das
vezes não saber o valor daquilo que declama, uma atriz que faria uso de sua
sensibilidade natural. Diversas imagens são dadas no Paradoxo para explicar a
sensibilidade dominada pelo comediante. Observemos o exemplo de Le Kain,
interpretando Semíramis de Voltaire:
Pode-se perceber que o ator não parece sofrer os tormentos do personagem. Ele
percebe o pingente de diamante e recolhe para os bastidores. Ele parece, nesse caso, agir
duplamente. É sua cabeça quem trabalha, não o seu coração.
O homem sensível fica por demais à mercê de seu diafragma para que
seja grande rei, grande político, grande magistrado, homem justo,
profundo observador e, consequentemente, sublime imitador da
natureza, a menos que possa esquecer-se e distrair-se de si mesmo, e
com a ajuda da uma imaginação forte, saiba criar, e, de uma
memória tenaz, manter a tenção fixada em fantasmas que lhe servem
de modelos; mas então não é mais ele quem age, é o espírito de um
outro que o domina.6
De um modo geral, a sensibilidade parece ser uma qualidade que por natureza
está presente no homem. Sua evidência é que as ações humanas são determinadas por
qualidades vitais que através do sentimento de prazer e dor, e todas as ideias mais
complexas que surgem a partir da sensibilidade, podem constituir o caráter de um
indivíduo. Mas, haveria uma ação livre da coerção sensibilidade natural: a imaginação é
capaz de fazer surgir um modelo que não existe na natureza, que talvez ultrapasse em
grandeza um caráter natural. Cabe ao comediante imitar esse fantasma da imaginação, e
que ao fazê-lo não é mais um “eu” cuja determinação natural da sensibilidade que o faz
agir, mas o comediante, por assim dizer, é um “outro” cujo caráter é constituído através
da arte.
BIBLIOGRAFIA
BELAVAL, Yvon – “L´esthétique sans paradoxe de Diderot”,Gallimard, Paris, 1950.
DIDEROT . Paradoxo sobre o Comediante. J. Guinsgurg (trad). Obras II. São Paulo:
Perspectiva, 2000.
DIDEROT. D. O Sonho de d’Alembert. Marilena Chauí (Trad). Os Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural, 1973.
DIDEROT. Discurso sobre a Poesia Dramática. Franklin de Matos (Trad). São Paulo:
Cosac Naify, 2005.
DIECKMANN, H. Cinq leçon sur Diderot. Geneve : E Droz, 1959.
FRANKLIN DE MATOS. O Filósofo e o Comediante. Belo Horizonte: Editora UFMG.
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Diderot. Paradoxo sobre o Comediante, p. 52.
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