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O dilema europeu
GestãoPública
Uma revista a serviço do País
• Meritocracia no serviço
53
combate à corrupção
• Máquina pública deve
ser equilibrada, com
servidores eficientes
Ano XXI - Nº 53 - Maio 2012 - R$ 14,80
Fortalecer a democracia
participativa no Brasil
O
Estado-Nação, construção grega que já possui democrático, com seu estado de direito construído a par-
mais de 2.400 anos, vem se aprimorando continu- tir de um equilíbrio dinâmico entre os poderes Executivo,
amente para lidar com as demandas da sociedade, Legislativo e Judiciário, de um lado, e, de outro, as insti-
de onde deriva. Entretanto, a máxima democrática, rever- tuições, associações e organizações da sociedade.
berada ao longo dos séculos, de que o poder deve emanar Proudhon nos alerta que um interesse público pode se
do povo e em seu nome ser exercido, visando a satisfa- criar distinto do interesse popular, e isto em nome mesmo
ção de suas necessidades, tem sido um grande princípio da soberania popular que o mandata. “Neste interesse,
ou valor, porém nem sempre respeitado pelos agentes ele faz dos funcionários públicos, que são por natureza
públicos, eleitos ou designados para representar o povo, funcionários da sociedade trabalhadora, suas próprias
administrando este patrimônio político que lhes foi dele- criaturas. Decorre disto a criação de uma casta burocrá-
gado. A Constituição Brasileira de 1988 assume este tica de onde resulta o despotismo, a corrupção.” Como é
princípio logo em seu primeiro artigo ao declarar que: atual esta situação em nosso país, não é verdade?
“todo poder emana do povo, que o exerce por meio de Mesmo no âmbito dos regimes democráticos pode-
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta mos sentir a tensão contínua entre Estado e sociedade.
Constituição” (Art. 1o. par. único). Enquanto o primeiro se percebe atendendo aos anseios
Como podemos ver, nossa e necessidades da sociedade por
Constituição nasce com uma meio de suas políticas públi-
ambiguidade: ser uma democracia cas, esta o vê como um sistema
representativa ou uma democracia burocrático pesado, lento e auto-
participativa, ou ser uma com- -referente, por vezes corrupto e
binação de ambas? A relação dilapidador dos bens por ela cria-
criador/sociedade/criatura-Estado dos. Mais uma vez Proudhon nos
apresenta diversos estágios, con- adverte de que “é este Estado ofi-
figurando um contínuo de poder, cial, pertencendo de fato a uma
que vai desde o extremo da coação minoria controladora do apare-
máxima, onde o Estado opres- lho estatal que, para aumentar os
sor (monárquico, oligárquico ou números de seus servidores, para
ditatorial) anula a dinâmica e a fazer crescer sua potência extra
própria existência social, até o popular, tende a multiplicar inde-
outro extremo, onde a sociedade finidamente seus empregados.
não reconhece a legitimidade do O socialismo governamentalista
poder estatal, assumindo em suas pretende empregar o governamen-
mãos o poder político (anarquia, talismo contra o capitalismo.” O
colegialidade). No meio deste con- aparelhamento do Estado, com as
tínuo podemos encontrar o regime milhares de funções comissionadas
consta do Relatório sobre a Situação da População relação às gerações futuras de brasileiros? Continuarão
Mundial/ 2008 divulgado pelo Fundo de População condenados à esta fome endêmica? Constitucionalmente,
das Nações Unidas. “De acordo com o estudo, a esti- o Poder Executivo está obrigado a resolver esta questão
mativa para aquele ano (2008), é que, em cada grupo de econômica e social, o que não vem sendo feito a contento.
mil crianças nascidas vivas no país, 23 morram antes Diante desta clara ineficácia dos sucessivos
de completar um ano de idade. O índice brasileiro só governos brasileiros, o Poder Judiciário, que também
não é maior do que o da Bolívia, com 45 mortes, e o está submetido à ordem Constitucional, vem exercendo
do Paraguai, com 32.” Fica no ar a pergunta: as políti- o seu papel diante da omissão do Executivo, frente ao que
cas públicas de saúde estão sendo efetivas? Diante do estabelece a Constituição? Pelo menos em tese, “a vio-
sofrível índice apresentado, poderá o Poder Judiciário lação da Constituição, sempre abrirá as portas da tutela
pressionar o Poder Executivo a cumprir a Constitui- jurisdicional a qualquer questão, por mais política que
ção, garantindo o direito à vida a 23 pessoas/por mil, seja”. A quem recorrer, quando a omissão se dá nos
que equivale a 4 milhões e 370 mil pessoas que mor- três poderes?
rem anualmente no Brasil, antes de completarem um • Índice de doenças endêmicas – Este é
ano de vida? mais um fator determinante do direito fundamen-
É fundamental recordarmos que “embora a formu- tal à vida, que vem sendo negligenciado pelo Estado
lação de uma política pública seja responsabilidade dos brasileiro, omitindo-se ao cumprimento do art. 5º.
poderes Executivo e Legislativo, a sua execução demanda da Constituição. É o que podemos depreender de
um tratamento isonômico que será assegurado pelo declarações emitidas durante recente seminário sobre
Poder Judiciário através de uma concepção substancial saúde pública, que aqui sintetizamos: “devido às bai-
acerca do papel da Constituição.”. Diante da evidente xas condições de moradia do país, cerca de 6 milhões
falta de tratamento isonômico em relação às populações de pessoas estão infectadas pela doença de chagas.
das diversas regiões e classes sociais brasileiras, caberia, (...) Outra doença que não fica de fora da lista dos
portanto, ao Juiz, provocado pelo Ministério Público, problemas emergenciais de saúde pública do país
assegurar o cumprimento deste direito fundamental que é a malária. O Brasil é o país com maior número de
é garantia à vida. casos nas Américas e o terceiro do mundo.” Em pleno
• Índice de subnutrição – O Estado brasileiro século XXI nosso país ainda apresenta mazelas de
tem deixado fora de sua população economicamente saúde pública típicas de séculos atrás, denunciando
ativa um considerável contingente de pessoas, pois a o descompasso entre as ações de saúde preventiva
subnutrição afeta tanto o crescimento físico quanto em relação ao grande avanço da medicina curativa,
o desenvolvimento da inteligência, conforme já com- que é equivalente ao praticado no primeiro mundo,
provado pela própria OMS. Além disso, uma pessoa tanto nos hospitais particulares, quanto nos hospitais
subnutrida em sua infância levará para o resto de sua públicos. Este estado de coisas denuncia o equívoco
vida uma série de deficiências que certamente afeta- do modelo de saúde brasileiro, que há décadas vem
rão a sua qualidade de vida, suas relações sociais e, estabelecendo políticas públicas orientadas predo-
portanto, o exercício de sua cidadania. Portanto este minantemente para o tratamento de doenças, com o
é mais um aspecto do direito à vida que vem sendo patente descaso do Estado para com a prevenção da
negligenciado historicamente pelas políticas públi- saúde.
cas brasileiras. Com base em pesquisas do Programa A Constituição-cidadã, que nos foi outorgada pela
Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PAM), “o Assembleia Constituinte de 1988, criou um divisor de águas
Brasil é o país da América do sul com o maior número entre o Direito tradicional, refém da legalidade formal e o
de subnutridos. São 15,6 milhões de pessoas, ou 9% da Direito moderno, que combina a interpretação da legalidade
população. (...) A situação brasileira, apesar da fome constitucional com as exigências da legitimidade e da efi-
atingir “apenas” 9% da população é considerada das cácia do ato administrativo, orientando-se pela realidade e
mais críticas e paradoxais, porque o país é um dos pelo bem comum. Neste sentido, cabe ao Poder Judiciário
maiores produtores de alimentos do mundo” atuar como estuário final de demandas da sociedade origi-
Mais uma vez perguntamos o que será feito em nadas pela frustração de seus direitos mais fundamentais.
É este o país que queremos deixar de legado para seus direitos fundamentais, por meio da definição e da
nossos filhos e netos? Diante do fraco desempenho das implementação de políticas públicas efetivas, cujos resul-
políticas públicas traduzido por estes seis indicadores tados serão facilitados com a participação da sociedade
de vida e segurança, além de muitos outros não abor- nos processos decisórios do Estado.
dados neste texto, será que, no fundo, estamos diante de
uma grave crise política, ainda pouco percebida em sua Vantagens da democracia participativa
real magnitude? Uma crise que exigirá uma mudança de Em nosso entender, para superar esta situação cala-
segunda ordem, isto é, uma mudança de natureza qua- mitosa, faz-se necessário complementar a prática da
litativa, que reveja princípios, valores e mecanismos de Democracia Representativa, com o uso de mecanismos
nossa democracia, redefinindo as relações mantidas entre viabilizados pela democracia participativa, como já
Estado e sociedade, de modo que esta deixe de se colo- vem sendo feito com sucesso pela Confederação Suíça,
car numa atitude passiva ou meramente reativa, sempre desde 1848. Aquele país tem conseguido combinar, de
esperando um “grande pai” e passe a ser também prota- modo harmonioso, o instituto da representação polí-
gonista de seu futuro? tica com a participação direta de seus cidadãos. Será
É inegável que inúmeras pesquisas têm constatado este o segredo da Suíça para exibir o 7º. IDH mundial,
indícios de falência do regime democrático represen-
tativo em nosso país. Porém, à semelhança do que
ocorre com pessoas que estão prestes a sofrer uma
isquemia cerebral, e continuam a ignorar os sintomas
que seu corpo está lhe informando, tais como fraqueza
em uma perna ou um braço, tontura, visão dupla, difi-
culdade de falar, entre outros e, diante de tal quadro de
risco, por ele considerado apenas um “incômodo pas-
sageiro,” ainda insiste em continuar achando que está
em ótimo estado de saúde, o mesmo pode estar ocor-
rendo com nossa nação, empurrando os problemas
para o próximo presidente, para a próxima legislatura, combinado com o 7º. maior PIB em paridade de poder
para o próximo mandato do Judiciário e assim conti- de compra per capita (PIB-PPP) do planeta (US$
nua a postergar o enfrentamento de situações críticas, 43.193,00), enquanto o Brasil combina seu fraco 75º.
tais como estas que analisamos até aqui, sintetizadas IDH a um, também fraco, PIB-PPP (US$ 10.466,00)
nesta vergonhosa relação 6º PIB/75º IDH, uma equa- que se mantém no 77º. lugar do mundo?
ção insustentável sob todos os aspectos. Os cidadãos suíços não abrem mão do direito de inter-
Enfim, tudo demonstra que já é tempo de se repen- ferir nas decisões de Estado e, até mesmo, de definir, por
sar a relação da sociedade brasileira com o seu Estado, conta própria, como os recursos públicos serão aplicados,
tendo em vista a patente incompetência deste em resol- quais os problemas que deverão ser resolvidos, enfim,
ver os graves problemas nacionais. E isto inclui o Poder como construirão seus futuros, solidariamente, em com-
Judiciário, parte do Estado, com sua tão propalada moro- plemento às decisões legislativas e executivas.
sidade na prestação jurisdicional. Vale aqui ressaltar que “a democracia participativa
Diante da patente incompetência do Estado brasileiro não revoga os fundamentos da democracia representa-
para lidar com estas questões humanas essenciais, além tiva, mas apenas amplifica os instrumento de proteção
do sentimento de angústia e frustração, pode-se perceber direta deste valor constitucional” que está preconizado
uma sensação de impotência e de desalento social, tradu- no art. 1º da Constituição Brasileira: “todo poder emana
zida na lamentação de que “não tem jeito mesmo, só nos do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
resta esperar”. ou diretamente, nos termos desta Constituição (Art. 1o
Porém, em que pese a tendência cultural “macu- § único).
naímica” à acomodação, cabe à sociedade brasileira Este sistema misto ainda é um tabu político no Brasil,
construir mecanismos que garantam a real satisfação de apesar de já encontrarmos diversos exemplos isolados,