Vous êtes sur la page 1sur 179

See

discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/272481006

Conversas pragmatistas sobre


comportamentalismo radical

Book · August 2012

CITATIONS READS

2 248

3 authors, including:

Carlos Eduardo Lopes Carolina Laurenti


Universidade Estadual de Maringá Universidade Estadual de Maringá
31 PUBLICATIONS 37 CITATIONS 34 PUBLICATIONS 21 CITATIONS

SEE PROFILE SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Carlos Eduardo Lopes on 24 February 2015.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


Tal como ocorreu com a
publicação da obra de grandes
p en sa d o res o c id e n ta is , a
divulgação da obra de B. F. Skinner
(1 9 0 4 -1 9 9 0 ) na com unidade
acadêmica brasileira, a partir da
década de 1960, provocou, de um
lado, o surgimento de grupos de
admiradores e defensores, e, de
outro, daqueles que a rejeitam. São
decorridos aproximadamente 50
anos da apresentação da obra
skinneriana no Brasil e o seu
pensamento ainda hoje se mantém
vivo, tal como o atesta a publicação
deste livro e a existência daqueles
dois grupos em departamentos e
cursos de Psicologia.
O livro se dirige aos
diferentes tipos de leitores -
àqueles que admiram a obra de
Skinner, àqueles que a rejeitam e,
àqueles que a desconhecem. Os
autores estipulam, entretanto, uma
condição: que o leitor se mostre
“sensível a outros textos”, “de
mente aberta”, mas nem por isso
conformista, uma vez que não
pretendem fazer prosélitos. Enfim,
um leitor disposto a dialogar, tarefa
árdua, mas, paradoxalmente, que
pode se tomar prazerosa.
CONVERSAS
Pragmatistas
sobre

Comportamentalismo Radical
Mundo, homem e ética
Copyright © desta edição:
ESETec E ditores A ssociad os, Santo A ndré, 2012.
Todos os direitos reservados

L opes, C.E.

C o n v er sas Prag ma tis tas sobre C o m p o rta ment alism o R a d i c a l, C arlos Eduardo
L o p e s . C a r o l i n a L a u r e nt i e J o s é A n t ô n i o D a m á s i o A b i b . 1. ed, S u m o A n d r é . SP:
E S E T e c F d ii o r e s Associados. 10) 2.

176p. 2 1 cm
1. Pragm atism o
2. C o m p o rtam en talism o R adical
3. A n álise do C o m p o rtam ento

C D D 155.2
CD U 159 .9 .0 1 9 .4 IS B N 97 8 8 5 7 9 1 8 0 3 8 5

Capa: Im agem IR feita com o telescópio


S pitzer, da rem anescente de supernova
C assiopeia A, que explodiu cerca de 320 anos
atrás, a m ais jo v e m s\ipernova na Via Láctca.
N A S A /JP L -C A L T E C H /S cience ph o to lib ra ry

Solicitação de exemplares: comercial@esetec.com.br


Tel. 11 4990 56 83 "
www.esetec.com.br
CONVERSAS
Pragmatistas
sobre

Comportamentalismo Radical
Mundo, homem e ética

Carlos Eduardo Lopes


Carolina Laurenti
José António Damásio Abib

ESETec
2012
A Miryam Mager,

Por sempre respeitar nossas diferenças...


S u m á rio

Apresentação.................................................................................9

Introdução.....................................................................................15

Capítulo 1
Da Ação ao Comportamento........................................................ 19

Capítulo 2
Visão de Mundo Pluralista............................................................43

Capítulo 3
Homem Complexo........................................................................85

Capítulo 4
Ética sem Absoluto.....................................................................131

Referências.................................................................................167

Sobre os autores 175


A p re s e n ta ç ã o

Segundo os autores, este livro é produto de uma conversa


especial entre amigos interessados no pragm atism o e no
comportamentalismo radical skinneriano. Masj á podemos adiantar que
não se trata de uma conversa qualquer, mas de um exame minucioso
das possibilidades de aproximação entre os textos skinnerianos e o
pensamento pragmatista. Já podemos adiantar, também, que o resultado
foi um texto competente e cuidadoso porque juntou três autores que
demonstram entusiasmo e dominam os dois assuntos.
O convite para eu entrar nessa conversa, fazendo esta
apresentação, foi recebido com muita alegria e como um privilégio.
Isto porque já tive oportunidade de ter muitas conversas profícuas
com os três autores e tenho adotado seus textos em cursos que
ministro. Nos meus contatos com alunos de graduação e de pós-
graduação, venho observando um crescente interesse deles em
compreender melhor o comportamentalismo radical e seus
compromissos filosóficos. Com isso, quero dizer que minha alegria
foi também porque muitos de nós, que nos interessamos por esse
assunto, esperávamos por um livro desse escopo.
O livro está dividido em quatro capítulos, cada um deles
contendo temas bastante densos. Tendo isso em conta, escolhi fazer
uma breve apresentação de cada capítulo, selecionando ao menos
dois ou três pontos que mais me chamaram atenção (ou que me
surpreenderam) em cada um.
No primeiro capítulo - Da ação ao comportamento - a
surpresa foi encontrar uma interpretação histórica do desenvolvimento
do conceito de comportamento, promovido por B. F. Skinner, diferente
do que vemos nos livros de história da Psicologia ou da Análise do
Comportamento. Nesses livros temos encontrado a descrição da
passagem do conceito de comportamento reflexo para o conceito de
comportamento operante. O tema aqui é outro; é anterior e paralelo
a esse: trata-se de apresentar uma história da “filosofia da ação” que
se inicia com Aristóteles, passa por autores pragmatistas como J.
Dewey e G. H. Mead, até receber retoques marcantes com o
comportamentalismo radical de B. F. Skinner. Ao chegar até Skinner,
já não se trata mais só de ação, mas de comportamento, O capítulo
cumpre exatamente o que consta no seu título: esclarece o que constitui
a passagem da noção de ação para a noção de comportamento.
Cabe destacar dois pontos que ganharam esclarecimentos cruciais
neste capítulo. O primeiro deles é o deslocamento promovido por
Skinner do papel até então atribuído ao comportamento nas teorias
psicológicas tradicionais: de coadjuvante, o comportamento passa a
protagonista no comportamentalismo radical. Outro ponto que merece
destaque é a defesa de uma concepção relacional de comportamento
ou, nas palavras dos autores, a defesa skinneriana de um “relacionismo
comportamental”.
Na leitura do segundo capítulo o leitor irá deparar-se com
diversos temas difíceis que deixam dúvidas recorrentes na leitura
dos textos skinnerianos. Uma questão importante a ser respondida
neste capítulo é se, além de afinidades no campo da epistemologia
[na concepção de ciência], o comportamentalismo radical
compartilharia também com o pragmatismo uma visão de mundo
pluralista. Aqui o debate é ousado [e não poderia ser de outra forma]
na defesa de uma visão de mundo pluralista [pragmatista] em
contraponto com concepções tradicionais da Psicologia e da

10 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


Filosofia. Neste capítulo os autores subvertem várias teses próprias
do pensamento modemo e, inclusive, algumas das teses comumente
defendidas por analistas do comportamento. Entre as primeiras estão
o monismo e o substancialismo, e entre as segundas estão o
determinismo e a ideia de que a explicação do comportamento se
esgotaria [ou se fecharia] entre a hereditariedade e as variáveis
ambientais. No entanto, os autores escrevem como pragmatistas.
Como tal, são cuidadosos na defesa das teses pluralistas, sugerindo
que elas constituem uma alternativa de interpretação, entre outras
p o ssív e is, a resp eito de com p ro m isso s filo só fico s do
comportamentalismo radical.
Na passagem para o terceiro capítulo, o leitor não vai
encontrar temas mais amenos, mas a leitura do livro não é pesada e
nem maçante. Isto se deve tanto à novidade encontrada em boa
parte da argumentação, mas, a meu ver, porque a visão pragmatista
que vai se descortinando desde o primeiro capítulo é de que
comportamento e mundo se definem não só por relações regulares
e estáveis, mas também por processos, por mudanças, e como tal
perm item que se desenvolva a esperança de que ambos
(comportamento e mundo) possam ser mudados para melhor.
O capítulo terceiro - Homem complexo - centra-se na
defesa da tese de que não há uma natureza ou essência humana
imutável. No entanto, há características específicas a serem
consideradas na compreensão do que constitui a “humanidade” do
homem. Uma humanidade que se define antes de tudo pela
complexidade de um homem que só pode ser compreendido por
meio das múltiplas faces que ele apresenta. Aqui há um longo e
árduo caminho percorrido pelos autores descrevendo, uma a uma,
diferentes faces desse homem complexo; um caminho feliz porque,
em minha opinião, consegue esclarecer o que vem a ser a concepção
de homem pragmatista. Isto é bem diferente do que normalmente

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical II


vemos em textos de Psicologia: afirmações de que o homem é
complexo sem maiores especificações do que isto quer dizer.
Gostaria de chamar atenção especial para a última seção deste
capítulo (Um homem no comportamentalismo radical). Nela os
autores resumem o que esclareceram até então a respeito das
especificidades do homem, mostrando de modo particularmente
cativante o que é o homem para o pragm atism o e para o
comportamentalismo radical. Vale a pena ler cuidadosamente este
capitulo não só para poder apreciar melhor essa seção final, mas
também para compreender uma sólida argumentação que se
contrapõe à tese de que o comportamentalismo radical “esvaziou”
o homem.
Após ler o final quase apoteótico do terceiro capítulo, e
tendo em conta tudo que foi contemplado nos capítulos anteriores,
eram tantas informações e análises relevantes, que tive a impressão
de que o livro já estava completo. Mas havia ainda mais, o quarto
capítulo trazia novas e boas surpresas. O caráter não absolutista do
pragmatismo, com uma visão relacional e processual de mundo,
agora se estende ao contexto ético, fazendo um contraponto à ética
de tradição platônica e kantiana. Destacam-se neste capítulo a
proposta de conciliação entre sentimento e razão, colocando ambos
como igualmente necessários na mediação de conflitos humanos e
a defesa de uma ética criativa que se afasta tanto de posições
universalistas (fundacionistas), quanto do relativismo. Os autores
demonstram, ainda, estreitas afinidades entre os compromissos
filosóficos do comportamentalismo radical e do pragmatismo ao
esclarecerem a defesa skinneriana de uma ética que privilegia a
pluralidade e a sobrevivência das culturas.
Finalmente, olhando-se para o livro como um todo, chama
atenção a subversão conduzida pelos autores, em cada capítulo, ao
desconstruir, um a um, importantes pressupostos filosóficos
tradicionais. Desse modo, palavras-chave como monismo, verdades

12 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


absolutas, essências, universais, natureza humana, certeza,
necessidade, determinismo, substancialismo, razão, e tantas outras,
vão sendo substituídas (ou complementadas) por outras como:
pluralismo, efetividade, relação, estabilidade, contexto, variabilidade,
indeterminismo, possibilidades, contingência, criatividade, mudança,
responsabilidade e, sobretudo, esperança. O livro abre um horizonte
para a possibilidade e a esperança de que o comportamentalismo
radical, ao compartilhar de importantes compromissos filosóficos e
éticos pragmatistas, possa contribuir com mudanças decisivas em
questões cruciais do mundo atual.

Dra. Maura Alves Nunes Gongora


Docente do Programa de Mestrado em Análise do
Comportamento da Universidade Estadual de Londrina

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 13


In tro d u ç ã o

O livro Conversas pragmatistas sobre comportamen­


talismo radical: mundo, homem e ética é o resultado de um trabalho
intelectual coletivo. 0 termo conversas pode soar até irreverente e
sugerir uma troca superficial de ideias sobre um assunto vago e
corriqueiro. Não foi esse o caso. Mais do que trocar ideias, essa
conversa enredou diferentes textos. Em primeiro lugar, o texto de
Skinner atravessado por textos pragmatistas. O pragmatismo atuou
como pré-texto interpelando o comportamentalismo radical quanto
ao seu posicionamento sobre questões capitais: mundo, homem e
ética. Mas a relação entre esses textos obedeceu, algumas vezes, à
dinâmica de uma Gestalt. ora o texto comportamentalista era fundo,
e o texto pragmatista figura; ora a relação era invertida. Não foi uma
conversa fácil, já que as teorias em jogo são densas e complexas,
além de cercadas por preconceitos e vulgatas de toda a sorte. Além
disso, houve a intromissão de outros textos: o texto dos próprios
autores, suas biografias que carregam diferentes relações com os temas
cm curso no livro; o que, em alguns casos, conduziu a divergências,
ainda que pontuais. Por vezes, é o texto dos autores que aparece
como figura, relegando os textos comportamentalista e pragmatista a
pano de fundo.
A conversa não foi fácil por uma razão mais óbvia: hoje é
difícil conversar. Em um a época na qual se valoriza a
hiperespecialização e a pesquisa factual em detrimento da teórica,
propor uma conversa transdisciplinar em um campo conceituai soa
como um projeto natimorto. É árduo conversar, pois a bolha
individualista que nos envolve está cada vez mais difícil de ser
rompida: a despeito das críticas aoprodutivismo acadêmico, ele,
inconscientemente ou não, nos consome. A era do homo lattes foi
inaugurada. Nessa toada, as relações acadêmicas tomam-se ainda
mais frias, já que estritamente burocráticas, e mediadas por e-mail
e torpedos. Enfim, o diálogo parece estar fora de moda.
Tendo isso em vista, o termo conversas, que inaugura o
título, adquire um sentido especial. Ele marca os bastidores e as
pretensões deste trabalho. O livro foi fruto de uma conversa face a
face entre os autores; uma conversa intertextual complexa e
prazerosa, que agrega o calor e o deleite da amizade ao debate
intelectual. A intenção deste livro não poderia ser outra, senão a de
fazer um convite à resistência: resistamos ao isolamento e
conversemos; sejamos sensíveis a outros textos, deixemo-nos tocar
por textos diferentes, estranhos, para que a conversa nunca finde.
Talvez não haja nada perene na história do pensamento
ocidental a não ser nossas intermináveis indagações sobre temas
candentes, como o são, o mundo, o homem e a ética. Não foram
poucas as tentativas que proliferaram no pensamento ocidental no
afã de oferecer respostas definitivas a nossas inquietações, mais do
que justificadas, sobre assuntos de tão elevado valor para as nossas
vidas. Foram, e continuam sendo, muitas as disciplinas e os modos
de pensamento que tentaram, e por vezes acreditaram, que haviam
desvelado a natureza do mundo, do homem e da ética. Felizmente
para uns, infelizmente para outros, o mundo, o homem e a ética são
realidades tão suscetíveis às contingências históricas e antropológicas
que respostas definitivas são nada mais do que doce ilusão.
Evidentemente não estamos interessados nem acalentamos
a esperança de encontrar respostas definitivas. As conversas tratadas

16 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


neste livro tem um estilo heurístico; com elas esperamos apenas
descortinar horizontes possíveis de reflexão que possam sugerir
ações éticas dos humanos nos mundos atuais agonísticos e
imprevisíveis. Façamos então um breve esboço dessa conversa.
No capítulo 1 partimos da filosofia de Aristóteles para
elucidar o conceito de ação, e mostramos, com base nos textos de
John Dewey e George Herbert Mead, como a filosofia do
pragmatismo transforma o conceito de ação no conceito de
comportamento, e como, enfim, o conceito de comportamento de
B. F. Skinner tem afinidades com essa transformação.
No capítulo 2 discutim os que as afinidades do
comportamentalismo radical com a visão de mundo do pragmatismo,
o pluralismo, poderiam ampliar as relações entre essas filosofias para
além do campo estritamente epistemológico, atingindo também
questões de natureza cosmológica e ética.
No capítulo 3 argumentamos que, à semelhança do
pragmatismo, a filosofia skinneriana, com a noção de comportamento,
não decreta a abolição do homem. E justamente no comportamento
que emerge um homem complexo, multifacetado. Pragmatismo e
comportamentalismo radical, opondo-se à noção de natureza e
essência humanas, podem situar a problemática do homem em uma
condição de complexidade.
No capítulo 4 as filosofias pragmatista e comportamentalista
envolvem-se em um diálogo profícuo para, agora, pensar o eu moral.
Mostram a possibilidade de um projeto ético se estabelecer mesmo
dispensando fundamentos extra-humanos e incondicionais. É resistindo
a classificações estanques (fundacionismo, relativismo) que as teorias
éticas do pragmatismo e comportamentalismo radical se fazem
entender.

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical II


Se tomarmos o cuidado de afastar-nos das vulgatas para
lá de simplórias e dos reducionismos das lógicas utilitárias, de viés
econômico e político, que a todo instante ouvimos na mídia,
proferidas por políticos, economistas, tecnocratas, e até mesmo
por “intelectuais”, veremos que o pragmatismo, como disse Rorty
(2000), é uma filosofia da esperança. E acrescentamos: o
comportamentalismo radical também.

18 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


C ap ítulo 1
Da A ção ao C o m p o rtam en to

Skinner (1989) afirma que a palavra behave é mais


recente do que a palavra do. De acordo com dicionários da língua
inglesa, as palavras behave e do podem ser traduzidas por agir; e
behavior e doing, por ação (Sykes, 1982; Yerkes, 1989). Skinner
refere-se à longa entrada da palavra agir (do) no OxfordEnglish
Dictionary dc 1928 e escreve que ela “sempre tem enfatizado
consequências - o efeito que alguém produz no mundo” (p. 14). Às
vezes, Skinner (1953,1957,1974,1989) menciona a palavra ação
em trechos nos quais poderia ter m encionado a palavra
comportamento. Faz sentido. Ele está apenas usando a palavra
mais antiga, ação, e não a palavra mais recente, comportamento,
para se referir a efeitos, consequências.
Aparentemente, há uma estreita relação semântica
envolvendo as palavras comportamento c ação que justifica o uso
ora de uma ora de outra. Um uso que é confirmado por Zuriff (1985)
ao observar que uma prática comum entre comportamcntalistas
consiste precisamente em descrever o comportamento na linguagem
da ação. Diante desse cenário, parece plausível dizer que
comportamento é ação, bem como indagar se, sendo mais recente,
o c o n ceito de co m p o rtam en to não a p re se n ta novos
desenvolvimentos.
Com o propósito de examinar em mais detalhes a prosa
de Skinner, sugerindo a presença de uma sinonímia envolvendo os
conceitos de ação e comportamento, faremos dois recortes na
filosofia da ação. O primeiro, na filosofia da ação de Aristóteles; o
segundo, na filosofia da ação do pragmatismo clássico.
O recorte que faremos na filosofia da ação de Aristóteles
justifica-se porque a análise que ele faz do conceito de ação é um
pressuposto da filosofia da ação, que, na cena contemporânea,
encontra expressão na filosofia romântica alemã, no marxismo, no
existencialismo, nas últimas fases da filosofia analítica e no
pragmatismo (Abbagnano, 1971/2000; Ferrater Mora, 1986/ Vol. 1;
Joas, 1993). Além disso, James (1907/1988) relaciona o termo
pragmatismo com a palavra grega que corresponde à ação,
sugerindo que esclarecimentos sobre essa palavra podem contribuir
para elucidar o pragmatismo; e, certamente, a filosofia da ação de
A ristóteles constitui-se como local privilegiado para tais
esclarecimentos.
O recorte que faremos na filosofia da ação do pragmatismo
clássico justifica-se porque a filosofia do pragmatismo de Dewey
(1896/1981) e de Mead (1934/1962) carrega o conceito de ação
de acepções que a transformam no conceito de comportamento.
Após tais exames, mostraremos as aproximações que
podem ser realizadas envolvendo a filosofia da ação do pragmatismo
e a filosofia do comportamento de Skinner, bem como em que sentido
essa filosofia contribui para o desenvolvimento do conceito de
comportamento.

No Rastro de Aristóteles
James (1907/1988) diz o seguinte sobre a origem do teimo
pragmatismo: “uma olhadela na história da ideia mostrará melhor
o que significa pragmatismo. O termo é derivado da mesma palavra
grega Jipay^ia, que significa ação, da qual vêm nossas palavras
‘prática’ e 'prático” ’ (p. 26). James está dizendo que os termos

20 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


pragmatismo e ação,prática eprático são derivados da mesma
palavra grega. De acordo com Murphy (1990/1993), essa palavra
é prâgma. E, portanto, da palavraprâgma que são derivados os
termos pragmatismo, ação, prática e prático.
Segundo Houaiss e Villar (2001), a palavra prâgma é a
forma substantiva do verboprásso ouprátto e significa:

“Negócio, coisa por fazer, o que se faz; ação, atividade”


e o adjetivopragmatikós “que concerne à ação, próprio
da ação, capaz de agir, eficaz; relativo a negócios, próprio
para manejo de negócios; relativo a assuntos judiciais;
que se refere a fatos (por oposição a palavras)”, donde
o vernáculo pragmático e derivados, (p. 2276)
Segundo Chauí (1994), “o verbo prátto (no infinitivo
práttein) significa: percorrer um caminho até o fim, chegar ao fim,
alcançar o objetivo, executar, cumprir, realizar, agir, conseguir, fazer
acontecer alguma coisa, fazer por si mesmo” (p. 358).
Segundo Peters (1974/1983), a palavra grega que significa
ação époieín, e para Aristóteles (s.d J 1984a), a ação é uma categoria,
‘corta’ e ‘queima’ são os seus exemplos. Mas Peters declara que
“num contexto ético Aristóteles distingue... poieín, no sentido de
‘produzir’(daípoietike episteme, ciência produtora) depratein [s/c]
(actuar), (daí praktike episteme, ciência prática)” (pp. 193-194).
Poieín, a ação, significa tanto ação prática quanto ação produtiva.
Se prâgma é a forma substantiva do verbo prátto,
práttein no infinitivo, e se práttein significa praktike episteme,
ciência prática, então, o esclarecimento do significado de prâgma,
depende da elucidação do sentido aristotélico de praktike episteme
ou de ciência prática. Sendo assim, seguiremos o rastro de Aristóteles
com a finalidade de elucidar o conceito de ação.
Aristóteles (s.d./1979) afirma que existem em nossa alma
um princípio racional científico e um princípio racional deliberativo.

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radicai 21


Com o prim eiro, “contem plam os as coisas cujas causas
determinantes são invariáveis” (p. 141) e, com o segundo,
“contemplamos as coisas variáveis” (p. 141). Deliberamos sobre
as coisas variáveis, mas não deliberamos sobre as coisas invariáveis.
O filósofo é taxativo: “ninguém delibera sobre o invariável” (p. 141).
A contemplação aparece soberana em ambos os princípios; há
coisas que contemplamos sobre as quais não podemos deliberar, e
há coisas que contemplamos sobre as quais podemos deliberar.
O princípio racional científico é a fonte do conhecimento
(Aristóteles, s.d./l 979, s.d./1984b). Nas palavras do filósofo, “o
conhecimento é a crença acerca de coisas que são universais e
necessárias” (s.d./1984b, p. 1801). Assinalar que o conhecimento
é sobre o necessário significa dizer isto: “o que conhecemos não
pode ser de outro modo” (s.d./1984b, p. 1799). O conhecimento
assim concebido é o conhecimento científico. Em suas palavras,
“o objeto do conhecimento científico existe necessariamente; donde
se segue que é eterno, pois todas as coisas que existem por
necessidade no sentido absoluto do termo são eternas, e as coisas
eternas são ingênitas e imperecíveis” (s.d./l979, p. 143).
O princípio racional deliberativo é a fonte da ação
(Aristóteles, s.d./1979). A ação decorre da deliberação, refere-se
ao que não é necessário, ao que não é universal, ao que pode deixar
de ser como é, ao que pode ser de outro modo. Deliberar consiste
no raciocínio desiderativo ou no desejo raciocinativo com um fim
em vista, que está na origem da escolha, que, por sua vez, está na
origem da ação. E o que o filósofo escreve: “a origem da ação... é
a escolha, e a da escolha é o desejo e o raciocínio com um fim em
vista” (p. 142).
O princípio racional deliberativo é também a fonte da ação
prática (Aristóteles, s.d./l 979). Aaçãoprática consiste em mover-
se com um fim em vista, um fim que nem é meio para outro fim nem

22 Carlos Eduardo Lopes, Ca rol ina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
é diferente da ação. Uma ação que vise à felicidade como um fim, e
não como meio para outro fim, só pode ser uma ação feliz. A ação
prática é um fim em si, e como o fim pode ser bom ou mau, a ação
também pode ser boa ou má. A ação prática boa é a sabedoria
prática, que Aristóteles atribui a “Péricles e a homens como ele,
porque percebem o que é bom para si e para os homens em geral:
pensamos que homens dotados de tal capacidade são bons
administradores de casas e de Estados” (p. 144).
O princípio racional deliberativo é, enfim, a fonte da ação
produtiva (Aristóteles, s.d./l 979). De modo similar à ação prática,
a ação produtiva é mover-se com um fim em vista. É o que diz
Aristóteles em uma passagem sobre a deliberação. Ela, a deliberação,
“vale também para o intelecto produtivo, já que todo aquele que
produz alguma coisa o faz com um fim em vista” (p. 142). Mas a
ação produtiva não é um fim cm si: ela tem um fim que é diferente
de si mesma. Passando a palavra a Aristóteles: “ao passo que o
produzir tem uma finalidade diferente de si mesmo, isso não acontece
com o agir, pois que a boa ação é o seu próprio fim” 1(p. 144). Na
ação produtiva, o fim é externo à ação, o fim é restrito, pois é
dependente de produções particulares, o que se deseja é o fim. Na
ação prática, o fim é interno à ação, o fim é irrestrito, pois não
depende de produções particulares, o que se deseja é a própria
ação. Na ação produtiva o intelecto é produtivo; na ação prática o
intelecto é prático. Eis o que diz Aristóteles: “só o que se pratica é
um fim irrestrito, pois a boa ação é um fim ao qual visa o desejo” (p.
142). O fim na ação prática não é externo à ação. O fim na ação
produtiva é externo à ação.
O próximo passo de Aristóteles (s. d./1984b) consiste em
diferenciar a episteme da doxa: a doxa refere-se à opinião e à crença,

‘Nessa passagem os termos agir e ação referem-se à ação prática.

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical «


que “podem enganar-se” (p. 1799), e a episteme refere-se à ciência.
Para o filósofo* a ciência refere-se a um corpo organizado de
conhecimento que inclui a ciência teórica, a ciência prática e a ciência
produtiva, como ele escreve, “ciência-prática, produtiva, teórica”
(p. 1621). As ciências teórica, prática, produtiva, referem-se,
respectivamente, ao conhecimento científico, à ação prática, à ação
produtiva. A ciência é theoria (teoria), práxis (prática), poíesis
(produção)2.
As ciências teóricas são: matemática, física, teologia. As
ciências produtivas são: as artes, as técnicas, a medicina, a estratégia,
a construção naval, a agricultura, a retórica etc. A ciência prática é a
política no amplo sentido do termo, que envolve a ética e outras
disciplinas. Como observa Kury (1985a): “ciência política no sentido
mais amplo, incluindo, além da ética, a sociologia, a economia política
c a política propriamente dita” (p. 15).
O objeto da ação política é a boa ação, que é o sumo bem,
o bem incondicional. Passando a palavra a Aristóteles (s.d./1979):
Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que
desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no
interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa
desejamos com vistas em outra... evidentemente tal fim
será o bem, ou antes, o sumo bem. (p. 49)
E qual é a ciência que estuda esse bem? Aí está a resposta
de Aristóteles (s.d./l 985):

Não terá então uma grande influência sobre a vida o


conhecimento deste bem? ... Cumpre-nos tentar

2A episteme aristotéliea envolve o princípio racional científico e o princípio racional


deliberativo. O primeiro refere-se à ciência teórica, e o segundo, à ciência prática e à
ciência produtiva. Isso equivale a dizer que stricto sertsu ciência é teoria; e que laia
sensu, ciência é ciência teórica, ciência prática e ciência produtiva.

24 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásic Abib


determinar... o que é este bem, e de que ciências ou
atividades ele é objeto. Aparentemente ele é objeto da
ciência mais imperativa e predominante sobre tudo.
Parece que cia é a ciência política... A finalidade [dessa
ciência] deve ser o bem do homem... Embora seja
desejável atingir a finalidade apenas para um único
homem, é mais nobilitante e mais divino atingi-la para
uma nação ou para as cidades. Sendo este o objetivo de
nossa investigação, tal investigação é dc certo modo o
estudo da ciência política, (p. 18)
A ética, então, é introdução à ciência política. Com efeito,
Aristóteles (s.d./1985) conclui a Ética aNicômacos com esta frase:
“comecemos a nossa discussão” (p. 211). Kury (1985b) comenta
que a expressão “nossa discussão” refere-se à “Política, à qual a
Ética a Nicomaquéia serve de introdução” (p. 225).
Aristóteles (s.d./1985) assevera que a ética e a política
constituem a filosofia das coisas humanas. Em suas palavras:

Nossos predecessores se omitiram quanto ao exame do


assunto da legislação; talvez seja melhor, portanto, que
nós mesmos o estudemos, e estudemos de um modo geral
a questão das constituições, a fim de completarmos da
melhor maneira possível, nos limites de nossa capacidade,
nossa filosofia das coisas humanas [itálicos nossos],
(p. 210)
Por fim, Aristóteles (s.d./1979) afirma que a origem da
ação é um homem; é um homem que delibera, escolhe e age. Em
suas palavras: “a origem de uma ação dessa espécie é um homem”
(p. 142). O homem não delibera sobre a teoria, pois não é possível
deliberar sobre o que é necessário. O homem delibera sobre o
possível, sobre a ação, sobre a ação prática e sobre a ação
produtiva.

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 28


O simples fato de ter sua origem na palavra ação afasta o
pragmatismo da ciência teórica. Sendo filosofia da ação, o
pragmatismo é ciência da ação prática, e como veremos, é também
ciência da ação produtiva. Como ciência da ação prática, é mais
perfeita do que como ciência da ação produtiva. Com efeito, por
ter um fim em si, interno, irrestrito e incondicional, a ação prática é
mais perfeita do que a ação produtiva. A ação produtiva (poíesis) é
subordinada à ação prática (práxis). Como escreve o filósofo Comte-
Sponville (2003), “a vida, por exemplo, é uma práxis: viver é criar
sem obra. E o trabalho ou a arte, uma poíesis. Esta só tem sentido
a serviço daquela” (p. 467). Cabe ressaltar ainda a ênfase que James
(1907/1988) atribuiu à relação entre os termos prática, prático,
ação e pragmatismo. Recordemos: o termo pragmatismo “é
derivado da mesma palavra grega T r p a y jia , que significa ação, da
qual vêm nossas palavras ‘prática’ e ‘prático’” (p. 26). O filósofo
não disse: produtiva, produtivo. Em princípio, portanto, o
pragmatismo é filosofia da ação prática.
O conceito de prática não recobre, portanto, todo o
conceito de ação porque a ação pode ser prática ou produtiva. Se
o pragmatismo é uma filosofia da ação prática, a ação produtiva
está excluída de seu âmbito. Mas se é filosofia da ação, é filosofia
da ação prática e da ação produtiva.
Mas então, é o pragmatismo uma filosofia da ação prática
e produtiva ou é somente uma filosofia da ação prática? A resposta
a essa indagação requer um exame mais detalhado do conceito de
ação no pragmatismo. E o que faremos a seguir.

Pragmatismo
Joas (1993) declara que o pragmatismo concebe a ação
humana como ação criativa. O pragmatismo seria desse modo uma
filosofia da ação criativa. Mas se trata de criatividade situada. Em
suas palavras, a “criatividade está sempre encerrada em uma

26 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José António Damásio Abib


situação” (p. 4). Joas ressalta que a referência à situação leva
frequentemente os críticos do pragmatismo a acusá-lo de ser uma
filosofia da adaptação. O sociólogo rebate frisando que a ação
situada é ação criativa: é ação de resolução de problemas, E de
resoluções que não são dadas de antemão. É o que Joas escreve:
“queiram ou não, os atores defrontam-se com problemas, cuja
solução, contudo, não está prescrita claramente de antemão pela
realidade, mas requer criatividade e traz alguma coisa objetivamente
nova ao mundo” (p. 4). Há um problema que exige resolução, mas
não há resolução conhecida.
Brüning (1963/1983) assevera que no pragmatismo o
homem é ativo, e, por paradoxal que possa parecer, é exatamente
isso que, por um lado, o toma inadaptado ao mundo e, por outro,
possibilita-lhe novos desenvolvimentos. Nas palavras de Brüning,
o homem “não está seguramente adaptado a um mundo ambiente
prévio, mas possui um vasto campo de possibilidades em que se
pode desenvolver nas mais variadas direções” (p. 545). É
precisamente nesse aspecto que o homem se distingue do animal,
pois “o animal se encontra seguro pela sua adaptação às condições
do mundo ambiente” (Brüning, p. 545). O animal vive em relação
fechada, acabada, especializada, com o mundo. O homem vive em
relação aberta, inacabada, não especializada, com o mundo. No
pragmatismo o homem tem uma natureza informe e provisória,
maleável à aprendizagem. Nas palavras do filósofo, “para esta
concepção, hom em e m undo não representam nada de
definitivamente dado, que se teria simplesmente que aceitar, mas
algo a formar e transformar num trabalho construtivo” (Brüning, p.
545).
Joas (1993) ressalta que o pragmatismo é uma filosofia
da ação focada em novas possibilidades de ação, sem as quais os
atores ficariam com uma limitada capacidade de resolução de
problemas. Saberiam solucionar problemas cujas resoluções já

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 27


fossem conhecidas. Mas ficariam paralisados diante de novas
dificuldades e obstáculos. As novas possibilidades de ação são
sondadas no curso da própria ação com vistas à efetiva resolução
dos problemas. Ocorre uma transformação que vai do problema à
sua solução. Todos os problemas cujas resoluções são conhecidas
passaram um dia pelo exame das possibilidades. O ator, então, não
se adapta às circunstâncias, à situação, ao problema. Se ele se
adapta, o faz em relação à solução que criou ao resolver o problema.
A ação criativa situada mostra três coisas. Primeiro, que a
ação se relaciona com possibilidades e não com necessidade; pois,
se fosse com a necessidade, não haveria abertura, não haveria
inacabamento, não haveria criatividade. Na verdade, em termos
aristotélicos, nada do que depende da ação seria possível: a prática
não seria possível, a produção não seria possível, as ações ética e
política não seriam possíveis, a arte não seria possível, pois, ao fim
e ao cabo, a ação não seria possível. Estaríamos condenados à
necessidade, só nos restaria a contemplação de relações invariáveis:
a theoria’.
Segundo, a ação situada mostra também que o conceito
aristotélico de ação prática não recobre completamente a noção de

* Talvez nem isso. Koyré (1957/1979) assinala que a revolução científica moderna,
que ocorreu nos séculos XVI e XVII, originou uma crise na consciência europeia que
consistiu, entre outras coisas, na passagem da scientia contemplativa à scientia activa.
Essa transição “transformou o homem de espectador da natureza em seu possuidor
e mestre” (p. 7). Segundo Rossi (1989), a defesa das artes mecânicas entre 1400 e
1700 im plicava “o abandono da concepção de ciência com o desinteressada
contemplação da verdade” (p, 17). Referindo-se à tecnociência, Sibilia (2003) afirma
que “existiria um ‘programa tecnológico oculto’, como assinala Hermínio Martins, de
maneira que a sua fecundidade nessa área não seria um mero subproduto da ciência...
mas o seu objetivo primordial” (pp. 47*48). Rorty (1990/1993) declara que o abandono
da versão contemplativa do conhecimento significa o “abandono da distinção aparência/
realidade” (p. 9). No entanto, ressaltamos que Aristóteles (s.d ./l979, s.d./1984b,
s.d./1985) referiu-sc a contemplar coisas invariáveis e a contemplar coisas variáveis.

28 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


prática. Podemos, evidentemente, concordar com Comte-Sponvilíe
(2003), quando escreve que a palavra prática (práxis) “só me parece
útil numa oposição, de origem aristotélica, àpoíesis” (p. 467). Mas
há acepções da ação cotidiana que são chamadas de prática sem
que a marcada oposição aristotélica esteja emjogo. Assim, dizemos
que determinadas pessoas são práticas quando mostram habilidade
na resolução de problemas cotidianos, às vezes os mais banais,
mas que seriam capazes de infernizar a vida de pessoas que não
são nem um pouco práticas. As profissões, como a medicina, a
advocacia e a engenharia, por exemplo, também podem ser vistas
como corpus de ações práticas com vistas à resolução de problemas
que, de um modo ou de outro, afligem as pessoas, as comunidades,
as sociedades, as culturas. O que verificamos nesses casos é que a
palavra prática é vinculada à existência de problemas e à sua efetiva
resolução. Parece também serem esses os usos do verbo prátto,
práttein, “percorrer um caminho até o fim, chegar ao fim, alcançar
o objetivo... conseguir, fazer acontecer alguma coisa” (Chauí, 1994,
p. 338). Essa acepção de prática parece estar relacionada também
com o substantivoprâgma, “relativo a negócios, próprio para manejo
de negócios, relativo a assuntos judiciais” (Houaiss & Villar, 2001).
É evidente a proximidade desses usos da noção dc prática com o
conceito aristotélico de ação produtiva. Vale, portanto, ressaltar,
como o fez Comte-Sponville, que a ação produtiva só tem sentido
a serviço da ação prática.
Terceiro, a ação situada mostra finalmente que a ação,
por ser situada, pode contribuir para elucidar a passagem da ação
ao comportamento. Um texto canônico nesse sentido é O conceito
de arco reflexo na psicologia, de John Dewey (1859-1952),
publicado cm 1896.0 filósofo argumenta que, de acordo com esse
conceito tradicional, a ação consiste em uma composição aditiva
dasfases do arco. Essas fases obedecem a uma ordem, que começa
nos estímulos externos e termina nas reações dos organismos a esses

C ON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 29


estímulos, passando por uma fase intermediária que conecta as fases
anteriores e que consiste no processamento interno de estímulos.
Dewey não aceita que a ação seja reduzida a uma composição
aditiva das fases do arco. Em suas palavras: “o que temos é um
circuito; não um arco ou segmento quebrado de um círculo. Esse
circuito é mais verdadeiramente denominado orgânico do que
reflexo” (Dewey, 1896/1981, p. 141). No circuito, a ação consiste
na interpelação das fases do arco. Elas interpenetram-se, perdem
sua independência, e transformam-se. A ação pode ter início no
ambiente ou nos organismos, a ordem das fases perde sua
linearidade, deixa de ser uni direcional. É nesse sentido que,
comentando o famoso texto de Dewey, Joas (1993) escreve: “a
esse ‘modelo de arco reflexo' ele opõe a totalidade da ação. É a
ação que determina os estímulos que são relevantes no contexto
definido pela ação” (p. 21). A ação é totalidade: é inter-relação.
Não pode ser totalidade se for composição aditiva.
Tanto no arco quanto no circuito a ação é situada. Na
medida em que a ação situada é seminal para a passagem da ação
ao comportamento, ambos os conceitos representam itinerários para
elucidar essa transição. Mas no arco a ação é reduzida à composição
aditiva de fases e não fecha o arco: há um curso, mas não um recurso.
O ambiente exerce efeitos na ação, mas a ação não exerce efeitos
no ambiente: a relação de transformação entre o ambiente e a ação
não se instaura no arco. Para que isso aconteça é necessário que o
arco seja substituído pelo circuito. No pragmatismo de Dewey, a
ação é totalidade situada.
Outro texto canônico para explicar a passagem da ação
ao comportamento é o livro Mente, Sujeito e Sociedade de George
Herbert Mead (1863-1931), publicado em 1934. Mead (1934/
1962) afirma que a ação é ação social, e que a ação social é ação
comunicativa. Na linguagem do filósofo, a ação comunicativa envolve
uma conversação de gestos que pode ser descrita por uma relação

30 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


tríplice. Por exemplo: “a resposta do pinto ao cacarejo da galinha
mãe é uma resposta ao significado do cacarejo; dependendo do
caso, o cacarejo refcre-se a perigo ou alimento, e é esse o significado
ou conotação que tem para o pinto” (p. 71).
Essa tríplice relação está presente em qualquer tipo de
ação comunicativa; envolvendo ou não a participação dos atores
sociais. Quando envolve, o significado do gesto é compartilhado;
quando não, o significado do gesto não é compartilhado. Digamos
que José faça um gesto violento em relação a João, e que João faça
um gesto de fuga ao significado do gesto de José (perigo, ferimento,
dor etc.). Em resposta ao gesto de João, José pode fugir do
significado de seu próprio gesto (perigo, ferimento, dor etc.). Se
José foge, ele adota o papel (ou a atitude) do outro em relação ao
seu próprio gesto. Os dois atores sociais fogem do mesmo significado
(perigo, ferimento, dor etc.). Nessa hipótese, a ação comunicativa
envolve compartilhamento de significado.
Mas digamos que em resposta ao gesto de João, José
faça um gesto ainda mais violento com relação ao significado do
gesto de João (“fraqueza”, “covardia” etc.). Se José se toma ainda
mais violento, ele não toma o papel (ou a atitude) do outro em
relação ao seu próprio gesto. Os gestos dos dois atores não têm o
mesmo significado (João responde ao perigo, ferimento, dor etc.;
José responde à “fraqueza”, “covardia” etc.). Nessa hipótese, a
ação comunicativa não envolve compartilhamento de significado.
A diferença entre a ação comunicativa com participação e
ação comunicativa sem participação é crucial, porque a concepção
que é relevante para a noção de ação no pragmatismo de Mead é a
ação comunicativa com participação. Cabe enfatizar que as pessoas
podem estar se comunicando sem estar compartilhando significados,
mas como estão se comunicando, pode-se pensar, erroneamente,

C ON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 31


que estão compartilhando significados. Cabe então ressaltar que as
pessoas podem se comunicar compartilhando ou não significados.
M orris (1962) cham a de signo o gesto na ação
comunicativa sem participação, e de símbolo significante o gesto
na ação comunicativa com participação. Em ambos os casos, a
ação comunicativa é mediada pelo significado; no primeiro caso,
pelo significado do signo; no segundo, pelo significado do símbolo.
As respostas dos organismos e das pessoas não são ao gesto em
si, mas ao significado do gesto, ao significado do signo ou do
símbolo. O que caracteriza a ação social no pragmatismo é a ação
comunicativa simbólica.
A ação simbólica é adquirida na interação entre os atores
sociais: é intersubjetiva. O que é crucial para a constituição do sujeito:
“a autoconstituição tinha as suas raízes completamente no sujeito
individual e aform a pragmática [itálicos nossos] de constituição
toma o seu ponto de partida na intersubjetividade dos indivíduos
em comunidade” (Brüning, 1963/1983, p. 545). O indivíduo é
constituído pela sociedade, mas é por meio da ação criativa que ele
se autoconstitui em comunidade. Com efeito, no pragmatismo, “a
estrutura do homem e do seu mundo é projetada pelos indivíduos
em comunidade; neste caso, esse projecto realiza-se, em especial,
na atividade criadora [itálicos nossos]” (Brüning, pp. 544-545).
A dquire-se a ação social sim bólica no contexto
intersubjetivo da interação social quando as pessoas tomam a atitude
do outro, ou o gesto do outro, em relação ao seu próprio gesto: se
o outro foge em resposta ao nosso gesto violento, nós também
fugimos. Mas a ação social simbólica pode ser questionada pela
ação social não simbólica: o signo pode interpelar o símbolo. Ao
assumir uma atitude pacífica em relação aos gestos violentos de
seus opressores, Mahatma Gandhi e Martin Luther King criaram
uma oportunidade para que seus tiranos assumissem uma atitude

32 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


pacífica em relação aos seus gestos violentos iniciais. O signo do
gesto pacífico sinalizou a possibilidade de transição de uma ação
social simbólica violenta para uma ação social simbólica pacífica.
Mahatma Gandhi e Martin Luther King legaram-nos, desse modo,
um modelo que, se for abraçado pelos indivíduos, comunidades e
sociedades, poderá, quem sabe, contribuir para a construção de
relações mais pacíficas.
As concepções de Dewey (1896/1981) e de Mead (1934/
1962) sobre a ação representam a virada da ação para o
comportamento. Essa metamorfose foi claramente percebida por
Abbagnano (1971 /2000) ao afirmar que o pragmatismo encaminhou
a noção de ação para uma nova fase interpretativa. O filósofo
menciona o que lhe parece ser uma ironia do pensamento que ao
explorar a ação em seus limites máximos tenha transformado essa
noção em comportamento. Em um comentário relativamente longo,
Abbagnano esclarece essa ironia:

As análises empiristas de James e, melhor ainda, as de


Dewey deveriam evidenciar o condicionamento da ação
por parte das circunstâncias que a provocam, sua relação
com a situação que constitui seu estímulo e, daí, os limites
de sua eficiência e liberdade. Mas, desse ponto de vista,
a ação deixa de estar ligada unicamente ao sujeito e de
encontrar unicamente nele ou na atividade dele (vontade)
o seu princípio. Perde a possibilidade de consumar-se e
de exaurir-se no próprio sujeito; e torna-se um
comportamento, cuja análise deve prescindir da divisão
das faculdades ou dos poderes da alma, enquanto deve
ter presente a situação ou o estado de coisas a que deve
adequar-se. (p. 9)
O sujeito perde sua soberania na explicação da ação, sua
vontade passa a ser limitada pela situação, e é esse limite que
transforma o conceito de ação em comportamento. Isso não quer

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 33


dizer, contudo, que o sujeito perdeu sua liberdade de ação; de modo
algum, porque, como já sabemos, a lógica da ação opera na esfera
do possível e não do necessário.
Em 1930, Dewey modificou o título de seu artigo O
conceito de arco reflexo na psicologia. McDermott (1981) escreve
que esse artigo “foi reimpresso por Dewey em Filosofia e
C iviliza çã o (1930) sob o novo títu lo : ‘A U nidade do
Comportamento’” (p. 136). McDermott menciona ainda que “o
uso da palavra ‘comportamento’ na segunda edição é instrutivo,
pois se trata precisamente da consciência de Dewey das dimensões
comportamentais na psicologia que caracteriza ‘O Conceito de Arco
Reflexo na Psicologia’” (p. 136).
Mead (1834/1962) relaciona explicitam ente sua
investigação em M ente, Sujeito e Sociedade ao comporta-
mentalismo. Passando-lhe a palavra: “abordamos a psicologia do
ponto de vista do comportamentalismo; isto é, comprometemo-
nos a considerar a conduta do organismo e localizar o que é
denominado de ‘inteligência’, e, em particular, ‘inteligência
autoconsciente’, dentro dessa conduta” (p. 328).
Por fim, ao explicar a concepção de Mead sobre a ação,
Joas (1993) escreve que “é possível compreender a ação como
comportamento autocontrolado” (p. 24). E o que isso significa? O
“comportamento humano toma-se orientado às possíveis reações
dos outros: através de símbolos, são formados modelos de
expectativa recíprocos de comportamento, que, contudo, sempre
permanecem imersos no fluxo de interação, de verificação e de
antecipações” (Joas, p. 24).

Comportamentalismo
A noção de ação situada transforma o conceito de ação
porque limita a vontade soberana do sujeito na explicação da ação.
A ação é, portanto, comportamento, se for situada. Se não for, não

34 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


é. E vice-versa, o comportamento é ação, se a ação for situada. Se
não for, não é. Desse modo, há um sentido preciso em que o
comportamento pode ser identificado com a ação, bem como há
outro sentido, bastante preciso também, em que o comportamento
não pode ser identificado com a ação. A noção de comportamento
carrega consigo todo o sentido da ação situada. A tal ponto que
podemos ex abrupto definir o comportamento como ação situada.
Essa herança do pragmatismo, essa concepção de
comportamento como ação situada, é preservada na filosofia do
comportamento de B. F. Skinner (1904-1990). Nessa filosofia a
ação é situada, pois se não o fosse, o sujeito seria soberano. Sua
vontade não seria situada. No comportamentalismo radical de
Skinner (1953,1969,1974,1987) a ação é situada em um contexto
complexo do qual participam eventos antecedentes e consequentes.
Outra herança do pragmatismo, a referência aos efeitos,
consequências, resultados da ação, também é preservada na filosofia
do comportamento de Skinner. Assim, no pragmatismo, a ação
criativa de resolução de problemas, bem como a ação produtiva e
a ação prática, dão origem a efeitos, tais como, solução de
problemas, técnicas, e novas práticas éticas e políticas. E quando
Skinner (1989) aproxima as palavras behave c do, o faz referindo-
se à ênfase da palavra do (agir) nas consequências - “o efeito que
alguém produz no mundo” (p. 14).
Se, de um lado, o comportamentalismo radical preservou
esse legado do pragmatismo, de outro lado, contribuiu para o
desenvolvimento do conceito de comportamento. Isso ocorreu, em
primeiro lugar, porque Skinner (1953,1969,1989) radicalizou o
conceito de comportamento: radicalização que consiste em estudar
o comportamento em seu próprio domínio. Com base nessa guinada,
argumentaremos que Skinner dcslocou o comportamento do papel
de coadjuvante para o papel de protagonista.

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical II


O comportamento é coadjuvante quando desempenha um
papel secundário em teorias do comportamento. O interesse principal
dessas teorias consiste em explicar o comportamento com base em
processos mentais e em processos neurais. Isso significa dizer que
elas estão realmente interessadas em compreender os processos
mentais e os processos neurais, e que o comportamento é somente a
via de acesso a tais processos. Os protagonistas dessas teorias são
esses processos. Dois exemplos desse tipo de teoria discutidos por
Skinner (1969) são as teorias comportamentalistas de Clark Hull
(1884-1952) e Edward Tolman (1886-1959). Ele escreve que “para
Clark Hull a ciência do comportamento toma-se, em última instância,
o estudo de processos centrais, principalmente conceituais, mas
frequentemente atribuídos ao sistema nervoso” (p. xi). Com relação
a Tolman, embora concorde com ele em vários aspectos importantes,
comenta que sua explicação do comportamento terminou centrada
em “processos mentais” (p. 28)4. Diz ainda com relação a Hull que
ele “não somente apelou para processos centrais”, mas “os tomou
como o principal objeto de investigação” (p. 28, itálicos nossos).
Nessa linha de argumentação, Skinner diria que Tolman tomou os
processos mentais como o seu principal objeto de investigação (mas
não é tão explícito nesse aspecto quanto o foi em relação a Hull). O
verdadeiro objeto de estudo são os processos centrais (Hull) ou os
processos m entais (Tolman) e não o com portam ento. O
comportamento apenas ajuda a investigar e conhecer esses processos.
Os processos centrais e mentais que são tomados como explicação,
são, em última análise, o que é explicado. Portanto, em teorias desse
gênero, a expressão explicação do comportamento não explica o

4 A interpretação skinneriana da proposta dc Tolman é questionável. O conceito de


mapas, por exemplo, não parece ter uma conotação mentalista, pelo menos quando se
entende o conceito no âmbito de uma epistemologia instrumentalista (cf. Lopes,
2009b).

36 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


comportamento. Explica, isto sim, o que é tomado como explicação
do comportamento.
Para que seja explicado, o comportamento precisa participar
de sua própria explicação. O comportamento precisa se tomar
protagonista. Precisa desempenhar o papel principal na teoria do
comportamento. Ao criticar Hull e Tolman, Skinner (1969) quer que
o comportamento desempenhe o papel de protagonista e não o de
coadjuvante. Essa mudança representa uma revolução no interior do
próprio comportamentalismo, e a teoria do comportamento de Skinner
(1953,1969,1971) pode ser compreendida como a expressão mais
lídima dessa revolução.
Skinner (1953, 1969, 1974, 1987) quer mostrar que o
comportamento é a relação original da ação com o mundo. O que
é procedente porque o comportamento é ação situada; logo é
relação com o mundo. No princípio está a relação da ação com o
mundo. Os processos centrais e os processos mentais têm origem
nessa relação. Portanto, devem ser estudados no interior dessa
relação. É sob essa perspectiva que Skinner (1969,1974) analisa
“processos mentais” como, por exemplo, percepção, pensamento,
conhecimento, consciência.
A segunda contribuição do comportamentalismo radical
para o desenvolvimento do conceito de comportamento consiste
no esclarecim ento da noção de m undo. Na perspectiva
comportamentalista radical, o comportamento é a relação interna
entre ação e mundo, mas, aqui, mundo não é apenas situação
presente, é também história; comportamento é ação contextualizada
e não apenas ação situada. A noção de ação ainda estaria
preservada, mas agora a sua inserção no mundo, no contexto, é
mais ampla, é histórica. Skinner (1989) assinala que o indivíduo
pode ser um organismo (depende da seleção natural); uma pessoa
(depende do condicionamento operante), um s e lf (depende da

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 37


evolução de culturas). Isso significa dizer que as ações do indivíduo
podem ser as ações de um organismo, de uma pessoa, de um se lf
Com base nessas considerações de Skinner, podemos declarar que
o comportamento humano refere-se às ações do indivíduo vistas
sob todas essas designações, às ações em contexto: é no
comportamento que emerge um indivíduo total. O indivíduo que
Skinner (1971) define como “um lócus em que muitas linhas de
desenvolvimento reúnem-se em um único conjunto” (p. 209).
As ações hum anas produzem consequências que
transformam o mundo, que, por sua vez, transformam, não só o
comportamento, mas também os estados do organismo. Sentimos os
estados do organismo, do corpo que faz coisas, do corpo que trabalha
(Skinner, 1989). E isso que sentimos, os estados do corpo que faz
coisas, do corpo que trabalha, é derivado de nossas relações com o
mundo e participa da explicação de nosso comportamento5. Mas os
estados do corpo são coadjuvantes de nossas relações com o mundo,
pois, agora, o protagonista é o comportamento. Surge, desse modo,
a possibilidade de elevar nossa compreensão do comportamento
partindo do estudo da relação das ações com o mundo. Doravante,
o comportamento é o objeto seminal de investigação.
A terceira contribuição do comportamentalismo radical
para o conceito de comportamento está na afirmação de que a
relação das ações humanas com o mundo é entranhada. As ações
entranham-se no mundo, e o mundo entranha-se nas ações. Essa
relação é interna: nem a ação nem o mundo existem previamente
um ao outro para, só então, serem colocados em relação. Longe
da relação desentranhada, longe da relação externa, a ação só existe
em relação com o mundo, e o mundo só existe em relação com a

5 Mutatis mutandis é o que Skinner (1978) insinua: “pensamentos, imagens,


conhecimento, ideias, c conceitos não explicam absolutamente até que sejam, por sua
vez, explicados” (p. 18).

38 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


ação. A relação interna da ação com o mundo transforma o que
entra em relação. A relação externa da ação com o mundo não
transforma o que entra em relação. A relação entranhada da ação
com o mundo, com o contexto, pode ser denom inada de
relacionismo com portam entaf.
Como relação interna das ações com o mundo, o
comportamento é contextuai e complexo, porque envolve as
contingências filogenéticas, as contingências culturais e as
contingências ontogenéticas. O comportamento consiste na relação
interna das ações com a história da espécie humana, com a história
cultural do sujeito, e com a história da pessoa. A história da espécie
e a história cultural alcançam a pessoa em seu tempo e espaço de
vida, adquire uma configuração peculiar, formando o indivíduo total,
como um lócus, um ponto, um produto. É por esse caráter
contextuai e complexo que o estudo do comportamento requer uma
orientação transdisciplinar. Skinner assinala (1990a) que essa
orientação envolve a análise do comportamento, a antropologia, a
etologia e a fisiologia. Tomadas isoladamente, qualquer uma dessas
disciplinas é insuficiente para explicar o comportamento. A ciência
do comportamento é uma ciência transdisciplinar.

6 De acordo com Abbagnano (1971/2000), “o termo relacionismo (relazionismo) foi


usado na Itália para indicar uma filosofia que considera a relação como fenômeno
essencial do universo e do homem, mas sem implicações relativistas” (p. 844).
Abbagnano está se referindo à obra D ali 'esistenzialisma al relazionismo (1957) do
filósofo italiano Enzo Paci (1911-1976). De acordo com Ferrater Mora (1984), Paci
“entende a relação como ‘processo’ e, portanto, como modo de uniâo dinâmica7’ (v. 4,
p. 2827). Isso significa dizer que o relacionismo é uma defesa da tese da relação
intema, bem como uma ontologia antagônica à ontologia do substancialismo. No
substancialismo as coisas existem antes de serem postas cm relação. No relacionismo
as coisas são constituídas pelas relações. Ferrater Mora refere-se a outras filosofias
que defendem a ontologia da relação intema, por exemplo, o idealismo absoluto, que
afirma a realidade do Todo, e o empirismo radical de William James, que afirma que
as relações que unem as coisas são relações experimentadas. Ferrater Mora refere-se
ainda ao atomismo lógico como uma filosofia que defende a tese da relação externa.

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentaiismo Radical w


A relação interna, contextuai e complexa, das ações
humanas com o mundo, pode sugerir que o homem é vítima das
configurações específicas de suas histórias filogenética, cultural e
pessoal. Isso, contudo, não procede porque essas relações são
relações de contingência. O que equivale a dizer que os homens
são livres em situação, são livres em contexto, pois as relações de
contingência são relações de possibilidade7. As relações de
contingência não são relações de necessidade; se fossem os
indivíduos não poderiam ser livres em situação, não poderiam ser
livres em contexto. As relações de possibilidade podem deixar de
ser como são; já as relações de necessidade não podem deixar de
ser como são. As relações de contingências filogenéticas,
ontogenéticas e culturais são relações de possibilidade e não de
necessidade8. Relações realizadas das ações humanas com o mundo,
relações internas, contextuais e complexas, sao relações que, por
mais sólidas que pareçam ser, podem ser desfeitas, porque são

7 Na filosofia antiga, medieval e moderna, a noção de contingência significa


possibilidade. Ferrater Mora (1986) escreve que, “para Aristóteles, o contingente sc
contrapõe ao necessário” (v. 1, p. 616). Escreve ainda que “as definições medievais dc
contingência podem ser resumidas na tese de Santo Tomás, segundo a qual o
contingente é aquilo que pode scr ou não se r ... o ens contingens sc contrapõe ao ens
necessarium” (v. 1, p. 616), Segundo Ferrater Mora, na filosofia de Leibniz, “a
conhecida distinção entre verdades dc razão e verdades de fato pode ser equiparada a
uma distinção entre o necessário e o contingente” (p. 617). Ferrater Mora refere-se
ainda ao filósofo francês Émile Boutroux (1845-1921) que desenvolveu uma filosofia
completa com base no conceito de contingência, tendo escrito, entre outras obras, Da
contingência das leis da natureza em 1874, e A filosofia da contingência em 1904.

Nem mesmo os estímulos liberadores, que participam da explicação dos instintos


ou dos comportamentos específicos da espécie, inscrevem-se na ordem da necessidade.
Passando a palavra a Skinner (1969): “os ‘liberadores’ dos etólogos... simplesmente
estabelecem uma ocasião. Como um estímulo discriminativo, eles aumentam a
probabilidade de ocorrência dc uma unidade de comportamento, mas não a força” (p.
175). Mesmo no caso do reflexo, aparentemente somente o reflexo incondicionado
pertence à ordem da necessidade. O reflexo condicionado pertence à ordem da
possibilidade. Passando a palavra a Pavlov (s.d./1972): “é legítimo chamar reflexo
absoluto à conexão permanente do agente externo com a atividade do organismo
determinado por ele, e refiexo condicionado à conexào temporária” (pp. 184-185).

40 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


relações de possibilidade. Sendo assim, o homem pode desfazer
relações de possibilidade realizadas, bem como pode sondar
relações de possibilidade não realizadas. Pode fazê-lo nas margens
das relações de possibilidade realizadas, bem como pode imaginar
novas relações de possibilidade.

Epílogo
O pragmatismo configura-se como uma filosofia original
da ação ao transformá-la em comportamento. Skinner radicalizou
o conceito de comportamento ao elevá-lo ao papel de protagonista
do debate do homem com o mundo ao mesmo tempo em que
deslocou os processos mentais e neurais para o papel de
coadjuvantes. O solo estava preparado por James, Dewey e Mead.
Não é o Sol que gira em tomo da Terra. É a Terra que gira em
tomo do Sol.

CO N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 41


C ap ítu lo 2
V isão de M u ndo P luralista

A modernidade instituiu a crença de que o conhecimento


científico desenvolve-se independente de questões teórico-filosóficas
(Machado, Lourenço & Silva, 2000). Nessa perspectiva, o dado, obtido
pela aplicação do método científico, não se mistura com a interpretação
que se tem dele, o mundo dos fatos não se subjuga à teoria. Isso fomenta
uma separação radical entre fato e teoria, entre observação e
interpretação: diante de um mesmo fato observado, diferentes teorias
apresentam suas interpretações (Hanson, 1975). De modo geral, essa
perspectiva nutre a esperança de que, no limite, o progresso
metodológico de uma ciência propiciará, em algum momento, uma
perfeita unidade teórica que descreva fielmente os fatos.
Contrapondo-se a essa proposta moderna, a filosofia da
ciência contemporânea tem argumentado que a compreensão de
projetos científicos depende do esclarecimento dos compromissos
filosóficos subjacentes a eles (Burtt, 1932/1983; Kuhn, 1970/2003).
Isso quer dizer que não há método descontextualizado de
compromissos filosóficos, pelo contrário, é de uma filosofia que se
deriva o método. Como consequência, a defesa de uma separação
absoluta entre discurso científico e filosófico começa a perder força,
uma vez que a cicncia, como todo conhecimento, parte de uma
visão de mundo mais ou menos explícita (Pepper, 1942/1961).
Ademais, alguns autores têm atribuído um estatuto positivo
à pluralidade teórica (e.g. Abib, 2009). Isso quer dizer que a
diversidade de propostas não é apenas um estágio preliminar da
construção do conhecimento científico, que será, em algum momento,
substituído por uma unidade. A busca por uma teoria completamente
unificada, que retira a legitimidade da pluralidade, parece ser
subsidiária da concepção de que a complexidade da natureza é a
manifestação de uma unidade profunda em tudo o que existe - uma
visão que tem suas raízes na crença religiosa de unidade de todas
as coisas (Gleiser, 2010; James, 1907/1988).
Destoando dessa concepção, admite-se atualmente que
tal pluralidade é uma característica indelével da própria ciência. A
pluralidade atinge, agora, não apenas as teorias, mas o próprio
mundo dos fatos. Ao invés de apenas simetrias, agora a ciência
também se interessa por assimetrias, abdicando da velha estética
do perfeito, na qual a perfeição é bela, e beleza é verdade. Em
contraste, a ciência começa a ser orientada por uma nova estética,
baseada na imperfeição: “é o imperfeito, e não o perfeito que deve
ser celebrado” (Gleiser, 2010, p. \ 5). Um mundo assimétrico é
plural e não uno. Nessa ótica, o pluralismo epistemológico insurge
como uma ferramenta para lidarmos de maneira mais efetiva com a
natureza, com o homem e com a sociedade.
Diante dessa situação, o desafio que fica é: como tratar
da pluralidade sem incorrer na tentação de reduzi-la a uma unidade?
Seria possível pensar um mundo plural, em contraste com o mundo
unitário, simples, há muito defendido na filosofia e na ciência? Essas
questões foram elegantemente enfrentadas por William James (1842-
1910). Com seu pragmatismo, James (1907/1988, (909/1970)
defenderá que uma visão de mundo pluralista, na qual a
complexidade das coisas não é redutível a uma unidade, é a forma
mais promissora para se assumir o projeto de um mundo melhor.
Nesse sentido, o pluralismo redunda em consequências éticas, o
principal critério de decisão para o pragmatismo.

44 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


Essa defesa do pluralismo pelo pragmatismo jamesiano
pode ter implicações para a interpretação dos compromissos
filosóficos do comportamentalismo radical de B. F. Skinner. Isso
porque, não raro, essa proposta psicológica é considerada de
inspiração pragmatista (Abib, 1994; Baum, 1994/1999; Carrara,
2004,2005; Hayes, Hayes & Reese, 1988; Laurenti, 2009a, 2009b;
Lopes, 2009a; Morris, 1993; Moxley, 2001, 2007; Tourinho &
Neno, 2003). Se o pluralismo é a visão de mundo do pragmatismo,
e se o comportamentalismo skinneriano tem notáveis afinidades com
o pragmatismo, cabe perguntar: o comportamentalismo é também
um pluralismo? Tentar responder essa questão é o objetivo deste
capítulo. Para tanto, o texto é dividido em três partes. Na primeira
parte, o alvo de análise será a afirmação de que o pragmatismo,
especificamente na sua versão jamesiana, inclui o compromisso com
uma visão de mundo. Na segunda parte, o pluralismo será
apresentado como a visão de mundo pragmatista. Por fim, serão
discutidas algumas evidências a favor de uma interpretação pluralista
do comportamentalismo radical, bem como as consequências dessa
leitura.

Pragmatismo, método e filosofia


Na segunda conferência sobre pragmatismo, James (1907/
1988) apresenta o método pragmático para resolver debates
filosóficos. De acordo com esse método, as divergências devem
ser avaliadas perguntando-se por diferenças práticas entre elas. Se
tais diferenças puderem ser encontradas, o debate é legítimo,
devendo-sc escolher pelo lado que produza consequências mais
efetivas. Se não houver diferença prática, o debate simplesmente
não vale a pena.
A forma despojada com que James (1907/1988) apresenta
o método pragmático - tratando a história da filosofia como uma
disputa de temperamentos - pode encorajar a ideia de que o

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 49


pragmatismo não é exatamente lima filosofia9. Afinal, como “puro
método”, ele não seria isento de compromissos ontológicos ou
mesmo éticos, podendo ser aplicado por qualquer um em qualquer
contexto? James estaria aceitando a separação entre método e
filosofia, mantendo-se apenas do lado do método? Acompanhando
o texto jamesiano, essa conclusão não parece se sustentar. Em
primeiro lugar, o método pragmático depende de uma “atitude” diante
de questões filosóficas, bastante incomum em relação às concepções
tradicionais de filosofia: atitude de olhar além das primeiras
coisas, princípios, ‘categorias ’, supostas necessidades; e de
procurar pelas últimas coisas, frutos, consequências, fa to s” (p.
29). Ao dar mais importância para as consequências, o pragmatismo
deixa para trás séculos de filosofias assentadas na metafísica dos
princípios, no substancialismo, nos fundamentos, nas essências.
Em segundo lugar, essa atitude pragmática inclui uma nova
teoria da verdade: “a palavra pragmatismo tem sido usada em um
sentido ainda mais amplo, como significando também certa teoria
da verdade” (James, 1907/1988, p. 29). Nessa teoria da verdade,
as teorias não devem ser avaliadas por sua capacidade de espelhar
um “modelo” estático chamado Realidade. Ao invés disso, o
pragmatismo considera verdadeiras as teorias capazes de conduzir
os homens a ações que tenham consequências efetivas ou úteis:
“tudo que o método pragmático implica é que verdades devem ter
consequências práticas” (James, 1909/1970, p. 52). Novamente
uma diferença substancial em relação à tradição.

9 Essa conclusão parece reiterada quando alguns trechos do próprio texto jamesiano são
considerados de modo descontextualizado, como por exemplo: “quanto ao termo
‘pragmatismo’, eu mesmo tenho apenas usado-o para indicar um método de levar uma
discussão abstrata” (James, 1909/1970, p. 51); ou ainda: “é somente um método”
(James, 1907/1988, p. 28).

46 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


Em terceiro lugar, a noção de efetividade ou utilidade
adotada pelo pragmatismo tem uma conotação ampla, que cobre
desde a organização da vida cotidiana, passando por questões
psicológicas, chegando até preocupações éticas, como o convívio
com outras pessoas, a conduta correta, o diálogo, o respeito. Nas
palavras de James (1909/1970), um efeito útil é aquele que permite
“que possamos prever melhor o curso de nossas experiências,
comunicarmo-nos uns com os outros, e dirigir nossas vidas por
regras. Também que possamos ter uma visão mental mais inclusiva,
mais clara, mais limpa” (pp. 62-63).
Em quarto lugar, a atitude pragmática, com sua teoria da
verdade, permite uma visão crítica não só das teorias filosóficas,
mas também do conhecimento científico tradicional. Isso quer dizer
que o pragmatismo também envolve questões de uma epistemologia
científica. Nas palavras de James ( 1909/1970):

Conforme compreendo a maneira pragmatista de ver as


coisas, deve sua existência à derrocada que os últimos
cinquenta anos imprimiram às noções mais antigas de
verdade científica... Até por volta de 1850, quase todos
acreditavam que as ciências expressavam verdades que
eram cópias exatas de um código definido de realidades
não humanas.... Ouvimos leis científicas tratadas agora,
quando muito, como ‘taquigrafia conceituar verdadeiras
só na medida em que são úteis, e nada mais. (pp. 57-58)
Em suma, o pragmatismo é uma atitude filosófica da qual
é derivado um método de decisão de problemas filosóficos, e que
inclui, pelo menos, uma teoria da verdade, uma preocupação ética
e uma epistemologia. Não obstante essas diferentes referências de
pragmatismo, uma questão ainda permanece: será que a “atitude
pragmatista” pode ser considerada uma visão de mundo? Em outras
palavras, o pragmatismo pode ser interpretado como uma
cosmovisão?

CON VER SAS Pragmatistas sobre Com porta mental ismo Radical 47
Pragmatismo e visão de mundo
Seguindo o método pragmático, essa questão deveria ser
compreendida pautando-se nas possíveis consequências práticas
envolvidas na adoção de uma visão de mundo. Trata-se de indagar
sobre a utilidade de uma visão de mundo. Será que acreditar que o
mundo é de uma forma ou de outra faz diferença? Talvez uma
pergunta anterior seja esta: é possível agir de modo efetivo no mundo
sem qualquer crença sobre o mundo?
Para responder essa questão é preciso trazer à baila a noção
de crença, em especial, a relação entre crença e hipótese na proposta
jamesiana (James, 1897/1912). Embora o assunto seja complexo,
para os propósitos deste texto basta saber que crença é uma hipótese
viva, uma hipótese que se apresenta como real para uma pessoa, o
que quer dizer que ela desperta, nessa pessoa, uma disposição para
agir de determinada maneira; por outro lado, uma hipótese morta é
aquela que gera indiferença, não sendo, portanto, acompanhada por
qualquer disposição de agir. Nesse sentido, há uma íntima relação
entre crença e ação, de modo que não há crença que não envolva
ação. É isso que James (1897/1912) parece querer dizer quando
afirma que: “[as condições de morte e de vida de uma hipótese] são
medidas pela disposição do indivíduo para agir. O máximo de vida
em uma hipótese significa disposição irrevogável para agir. Em termos
práticos, isso significa crença; mas há alguma tendência de acreditar
sempre que há alguma disposição para agir” (p. 3).
Isso conduz a uma segunda constatação, a de que as
crenças estão na base das ações motivadas. A crença é a motivação
para agir de uma determinada maneira. Dessa forma, as decisões
tomadas, no sentido de agir de uma maneira ou de outra, são
condicionadas por crenças, por hipóteses vivas. Essas ações
motivadas produzem, por sua vez, resultados que, se forem
satisfatórios, mantêm a hipótese viva, e, se forem frustrantes,
enfraquecem a hipótese, podendo, no limite, matá-la completamente.

48 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


Em terceiro lugar, James (1897/1912) argumenta que no
âmbito das crenças, das hipóteses vivas, as escolhas não são
completamente racionais. Em linhas gerais, a crença nem sempre
está ancorada exclusivamente em um julgamento racional acertado;
na maioria das vezes há um elemento irracional na crença, que escapa
ao controle intelectual, resistindo a argumentos puramente racionais.
Assim, muitas ações são dirigidas, em alguma medida, por esse
elemento passional da crença; e, por isso, justificativas puramente
intelectuais para essas ações são contrafactuais e, com efeito,
escondem seus motivos. Nas palavras de James (1897/1912):

Evidentemente, então, nossa natureza não-intelectual


influencia nossas convicções. Há tendências passionais
e volições que correm na frente e outras que chegam
depois da crcnça, somente essas últimas estão atrasadas
para a festa; e elas não estão tão atrasadas quando o
trabalho passional prévio já aponta em sua própria
direção.... Evidentemente, o estado de coisas está longe
de ser simples; e o puro discernimento e a lógica, o que
quer que possam fazer idealmente, não são as únicas
coisas que realmente produzem nossos credos, (p. 11)
Voltando à questão inicial: é possível agir no mundo sem
qualquer crença sobre ele? A resposta parece, agora, mais simples.
Se toda ação traz consigo um elemento de crença, se as ações são
motivadas, não há como escapar de acreditar para agir. Essa conclusão
ajuda a esclarecer uma questão muitas vezes presente em
interpretações “pragmatistas,, de ciência (cf. Wilson, 1958/1974, p.
238). Não raro, diz-se que se pode agir “pragmaticamente” adotando
uma “hipótese de trabalho” : o cientista se comporta como se um
fenômeno fosse assim, mas sem acreditar que ele é assim. Com isso,
tenta-se eliminar o elemento irracional inerente à crença, colocando
as decisões em bases completamente intelectuais: o cientista “finge
que acredita”, age, e depois vê o resultado. Em termos jamesianos,

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 49


isso equivaleria a uma ação que parte de uma hipótese morta, uma
vez que a motivação da ação depende do lado passional ou irracional
da crença. Mas, como diante de uma hipótese morta há indiferença,
inação, ou o cientista acredita e age, ou não acredita e não age.
A defesa de que a ação científica parte de uma “simples
hipótese de trabalho” talvez esteja assentada na crença de que a
ciência opera de maneira exclusivamente racional, ironicamente, a
defesa da ausência de crença parece se pautar em uma crença. Se
essa hipótese se sustenta, não seria surpresa encontrar certo grau
de irracionalidade nas tentativas de apagar o elemento irracional
das ações científicas. Isso porque o apego dos cientistas por suas
crenças também é uma expressão dessa dimensão irracional, que
mantém as crenças, levando o cientista a lutar por elas. James (1897/
1912) dá um exemplo provocante desse tipo de defesa “cega” de
uma crença no contexto científico:

Por que tão poucos “cientistas” chegam a pelo menos


examinar evidências a favor da chamada telepatia?
Porque pensam, como certa vez me disse um importante
biólogo, já falecido, que mesmo que tal coisa fosse
verdade, os cientistas deveriam se unir para mantê-la
suprimida e escondida. Ela desfaria a uniformidade da
Natureza e todo o tipo de outras coisas sem as quais os
cientistas não podem levar adiante seus projetos, (p. 10)
Dessa forma, uma visão de mundo, uma crença sobre como
é o mundo, é nossa motivação para agir nesse mundo. E na medida em
que se trata de nossa visão, de nossa filosofia, sempre a defenderemos
como uma verdadeira parte de nós10. Isso toma a compreensão da

lüEsse ponto é analisado por James (1890/1955) em sua teoria do se lf apresentada no


capítulo X do Principies ofpsychology. Uma discussào pormenorizada desse assunto,
infelizmente;, foge aos objetivos deste texto. Em linhas gerais, James argumenta que o
seZ/espiritual, que inclui minhas crenças, é parte de mim na medida em que tenho por
minhas crenças um sentimento de calor e intimidade; além disso, sinto-w?<? atacado
quando elas são atacadas, e feliz quando são valorizadas e respeitadas.

50 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


visão de mundo de algucm um assunto de grande importância, o que é
reiterado por James (1907/1988) logo na abertura da primeira
conferência sobre pragmatismo: “sei que vocês, senhores e senhoras,
têm uma filosofia, cada qual e todos vocês, e que a coisa mais interessante
e importante sobre vocês é a maneira pela qual ela determina a
perspectiva em seus diversos mundos” (p. 7).

Visão de mundo como crença e como teoria


Mas afinal o que é uma visão dc mundo? A literatura
filosófica tem uma extensa discussão sobre o assunto (cf. Ferrater
M ora, 1994/2001c, pp. 2 0 2 6 -2 0 3 0 ). Em um sen tid o
contemporâneo, essa discussão assenta-se, em boa medida, na
diferença presente nos termos alemães Weltbilde e Weltanschauung
(Cicero, 1994). Em linhas gerais, Weltbilde é uma imagem do mundo,
uma concepção estritamente teórica ou intelectual acerca do mundo;
já Weltanschauung, a visão de mundo propriamente dita, envolveria
uma mistura indissociável entre pensamento, vontade, açào e mundo
(Cicero). Assim, em uma visão dc mundo ( Weltanschauung) não
há distância entre mundo, ações, disposições, e desejos em relação
a esse mundo; não há uma imagem pura do mundo que depois é
poluída por crenças; são as crcnças que constituem o mundo, que
projetam as ações no mundo dando forma e sentido a cie11. E isso
que está no horizonte desta assertiva: uma visão de mundo é
indispensável para agir no mundo.

"James tenta evitar que isso o conduza ao idealismo absoluto (Conant, 1997/2010).
Se, por um lado, projetamos nossas ações no mundo, por outro, o mundo mais cedo
ou mais tarde oferecerá alguma resistência a nossas ações. A questão importante é:
como entendemos essa resistência? Ou, que importância damos a ela? Muitas ve?es
nossa visão dc mundo é tão enraizada, é tão dogmática, que agimos ignorando essa
resistência; olhamos para o mundo como se nossa visão não tivesse qualquer oposição.
N esse contexto, a proposta do pragmatismo c tentar “olhar também para o outro
lado”, buscar uma visão de mundo mais inclusiva, menos dogmática (James, 1907/
1988, 1909/1970). Discutiremos esse ponto no decorrer do texto.

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 51


Dessa perspectiva, o senso comum já tem uma visão de
mundo: um conjunto de crenças que mantém as pessoas agindo de
maneira efetiva cotidianamente. Um exemplo de “cosmologia do
senso comum” é a permanência existencial dos objetos, uma crença
que em boa medida pode ser pragmaticamente justificada na vida
comum. James (1909/1970) ilustra esse ponto:

A maior realização do senso comum, após a descoberta


de um Tempo e de um Espaço, é, provavelmente, o
conceito de coisas permanentemente existentes. Quando
um chocalho cai pela primeira vez das mãos de um bebê,
ele não olha para ver onde foi parar. Aceita a nao-
percepção como aniquilação, até achar uma crença
melhor. Que nossas percepções significam seres,
chocalhos que estão lá quer os tenhamos em nossas mãos
ou não, torna-se uma interpretação tão luminosa do que
nos acontece, que, uma vez empregada, jamais será
esquecida, (p. 63)
Quão difícil seria a vida cotidiana se não agíssemos
acreditando na permanência existencial dos objetos... Quanto
sofrimento por acreditar que nossa biblioteca desapareceu porque
deixamos de vê-la... Que angústia por saber que as coisas podem
simplesmente sumir e nunca mais aparecer... Evidentemente,
reconhecer as vantagens das crenças do senso comum não quer
dizer que sua visão de mundo é incorrigível, mas simplesmente que
ela é útil para certos propósitos: “o senso comum aparece, assim,
como um estágio perfeitamente definido em nosso conhecimento
das c o isa s, um e stá g io que sa tisfa z de um a m an eira
extraordinariamente feliz os propósitos pelos quais pensamos”
(James, 1907/1988, p. 83). A filosofia e a ciência podem contribuir
com correções dessa crença, mas naquilo que funciona aos
propósitos práticos da vida comum, não há necessidade de correção.
Por exemplo, muitas vezes filósofos fizeram críticas consistentes ao
“realismo ingênuo” do senso comum, mas a menos que isso faça

52 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurentí e José Antônio Damásio Abib


uma diferença significativa, que seja mais útil para a vida do homem
comum, ele não tem obrigação de acompanhar a argumentação
filosófica: “embora um Berkeley, um Mill ou um Comelius possam
criticar,funciona', e na vida prática, nunca pensamos em ‘voltar
atrás’ nesse sentido, ou interpretar nossas experiências que nos
chegam em outros termos” (James, 1909/1970, p. 63). Aqui, o
critério de decisão é exclusivamente a utilidade da crença para
conduzir a certos objetivos, c não argumentos racionais.
No entanto, é preciso diferenciar crença de teoria. Uma
teoria pode ser definida como uma formalização articulada de um
conjunto de crenças. Esse ponto esclarece uma diferença importante
entre conhecimento do senso comum e conhecimentos científico e
filosófico. O senso comum age em função de crenças que, na maioria
das vezes, não são formalizadas como teoria. Por outro lado, ciência
e filosofia são par excellence teorias, A questão é que no nível da
crença não se encontram as mesmas exigências da formalização
teórica. Por exemplo, na ciência e na filosofia a consistência lógica
é fundamental: trata-se de sistemas teóricos mais ou menos
abrangentes que não podem cometer contradições; já o senso
comum está menos atento a isso, e cotidianamentc uma pessoa pode
agir de maneiras muito distintas sem que isso gere um conflito em
seu “sistema de crenças”.
Quando tratada academicamente, uma visão de mundo c
discutida no âmbito das teorias, da formalização e sistematização
de certas crenças. Isso quer dizer que, embora o elemento de crença
esteja inevitavelmente presente, outros critérios de decisão também
precisam ser considerados. Interdita-se, assim, a defesa dogmática
de uma visão de mundo. Em outras palavras, uma teoria de mundo
precisa ter uma sustentação empírica. Com isso, toma-se legítimo,
pelo menos no contexto acadêmico (filosófico-científico), considerar
inadequada uma visão de mundo que não tenha mínimo amparo em

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical


fatos, que contrarie completamente a experiência (para exemplos
de visões de mundo consideradas inadequadas, cf. Pepper, 1942/
1961, pp. 115-137). Em suma, a ausência de apoio factual é critério
de exclusão de uma teoria de mundo.
O exemplo da ciência ilustra bem esse ponto. Ao adotar
uma visão de mundo específica, a ciência pode passar a defendê-la
“cegamente”, subvertendo a natureza do próprio conhecimento
científico, que deveria se assentar, sobretudo, em fatos. O elemento
irracional da crença leva, muitas vezes, o cientista a ignorar evidências
contrárias, a “blindar” sua visão de mundo. Seguindo uma atitude
científica pragmática, uma visão de mundo defendida por um cientista
deveria ser considerada inadequada quando os fatos forem
ostensivamente contrários a ela, independentemente da crença que
ele nutre por essa visão de mundo.

O mundo como um pragmatista o vê


Em diversos m om entos das conferências sobre
pragmatismo, James (1907/1988) trata de assuntos envolvidos em
sua visão de mundo, como a crítica ao substancialismo (p. 43), a
questão da existência de Deus (p. 47), o debate entre determinismo
e livre-arbítrio (p. 54), entre outros. Mas há uma questão considerada
pelo próprio James (1907/1988) como a mais fundamental de todas,
talvez porque englobe todos esses assuntos: o problema da unidade
e diversidade do mundo. Nas palavras do autor:

Eu mesmo já cheguei, após longo meditar a respeito, a


considerá-lo o mais central de todos os problemas
filosóficos, central porque prenhe de consequências.
Quero dizer com isso que, se vocês sabem que um
homem é um monista decidido ou um pluralista decidido,
talvez vocês saibam mais a respeito do resto das opiniões
desse homem do que se dessem a ele qualquer outra
classificação terminada em ista. Acreditar no um ou nos

54 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


muitos, essa é a classificação com o número máximo de
consequências. (James, 1907/1988, pp. 61-62)
A questão que está no horizonte desse problema filosófico
é o debate entre momstas e pluralistas. Enquanto monistas defendem
que o mundo é completamente unificado, pluralistas veem no mundo
uma mistura de unidade e diversidade. Seguindo a atitude pragmática,
James (1907/1988) examina a questão do monismo avaliando as
crenças que sustentam essa visão de mundo, bem como suas
consequências práticas. Por fim, volta-se ao pluralismo mostrando
que se trata de uma visão de mundo mais adequada para o
pragmatismo.
Dentre as crenças que sustentam a defesa do monismo
algumas são mais importantes, no sentido de que são exclusivas
dessa visão de mundo e, portanto, definem-na, A primeira delas é a
defesa de que no universo12todas as coisas estão sempre em uma
relação de influência, sendo justamente esse fato que assenta boa
parte de nosso conhecimento científico. Na medida em que o
conhecimento do mundo avança, mais relações vão sendo
descobertas, proporcionando, no limite, um mundo em que tudo se
relaciona com tudo, um grande todo coeso e contínuo. James (1907/
1988) resume essa crença monista da seguinte forma:

Falando de maneira despreocupada, e de forma geral,


pode-se dizer que [no monismo] todas as coisas coerem
e aderem umas às outras de algum modo, e que o
universo existe praticamente em formas reticuladas ou
concatenadas, que fazem dele algo contínuo ou
‘integrado’, (p. 64)

12 James (1907/1988) argumenta que o mero uso do termo ‘universo’, a despeito de


sugerir um “único mundo”, não nos compromete necessariamente com o monismo.
Podemos considerar que ‘universo’ não descreve um sistema fechado e imutável, tal
como defenderia o monista, mas que é apenas um nome para um sistema aberto, cujos
limites não estão claramente delimitados, e no qual a mudança é legítima. Nesse sentido,
a expressão universo pluralista nào seria uma contradição em termos.

CO N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical II


A principal crítica jamesiana a essa crença é de que ela
não encontra apoio empírico suficiente. Se, por um lado, é certo
que o mundo pode ser conhecido adotando-se linhas de influência
entre os eventos, também é igualmente certo que, mais cedo ou
m ais tarde, essa linha é interrom pida, m ostrando um a
descontinuidade entre as coisas do mundo. Tomando um exemplo
físico, da mesma forma que há condutores, existem também
isolantes; e o que estabelece os limites dos condutores são
justamente os isolantes. Assim, a análise de linhas de influência entre
as coisas não encerra um Todo, uma completa Unidade, mas uma
diversidade de sistemas descontínuos. É do lado dessa constatação
empírica que fica o pluralismo. Usando uma metáfora, se o mundo
monista é um continente contínuo e ininterrupto, o mundo pluralista
vê nesse continente apenas uma parte do mundo, que também incluí
oceanos e outros continentes. Essa imagem é útil para mostrar que
o pluralismo não é mera “inversão de polaridade”: não se trata de
substituir um continente por um oceano, mas de mostrar que há
tanto terra, quanto água, e o fato de que cada um desses aspectos
do mundo pode ser estudado não permite que um seja reduzido ao
outro. De forma mais clara, para o pluralista há no mundo relações
de influência que unem as coisas, mas há também desunião,
descontinuidade: “o ponto importante é notar que unidade e
diversidade acham-se absolutamente coordenadas aqui. Uma não
é primordial ou mais essencial ou excelente que a outra” (James,
1907/1988, p. 65). Nesse sentido, a principal falha do monismo é
ignorar, de forma arbitrária, a descontinuidade do mundo como se
ela não fosse tão real quanto a continuidade.
Uma segunda crença que está na base do monismo é a
tentativa de ver o mundo como uma unidade narrativa. Aqui, o
funcionamento do mundo como um todo poderia ser contado por
uma única história linear (com começo, meio, e fim). A origem dessa
crença estaria no fato de o homem ser capaz de, retrospectivamente,

56 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


contar uma história de forma linear, coerente, unitária, o que o motivaria
a pensar o mundo da mesma forma. O sentido dessa história única é
interpretado pelos monistas de diferentes maneiras. Alguns recorrerão
a um início comum e absoluto, um ato primeiro de criação a partir do
qual tudo surge e se desenrola. Outros invocarão um propósito comum,
um tétos, um destino para o qual tudo converge. Outros irão recorrer
a um princípio imutável que permanece durante o processo, uma
substância que mantém a unidade e a coerência durante toda narrativa.
Independentemente do caso, o que se nota, mais uma vez, é o
privilégio de um aspecto do mundo sobre os demais. No universo
monista tudo segue uma ordem incorruptível, o funcionamento do
mundo não sofre desvios, o mundo tem uma direção pré-determinada.
Logo, qualquer indício de desordem, desvio, variação é mero
acidente13.
Novamente, James (1907/1988) vê na crença monista um
desprezo pelo que se constata empiricamente. Nenhuma história
desenvolve-se de maneira completamente linear e ordenada, e apenas
um olhar retrospectivo enviesado, que opera ignorando todos os
desvios, erros, reviravoltas, pode fazer com que uma narrativa “limpa”
seja construída. Nas palavras de James (1907/1988): “segue-se que
quem quer que diga que o mundo todo conta uma estória expressa
outro daqueles dogmas monistas que um homem acredita por sua
conta e risco” (p. 67). A sugestão pluralista é evitar comprometer-se
com esse dogmatismo, voltando-se para o mundo da forma como
ele se apresenta, encarando sua diversidade narrativa, seus fracassos,
interrupções, e desvios como legítimos, e não apenas como ruídos ou

13 De acordo com Pepper (1942/1961, p. 147), a principal diferença entre organicismo


e contextualismo (entendendo esse último como a visão de mundo do pragmatismo)
seria justamente esta: embora ambos admitam a diversidade, ou pluralidade, como
ponto dc partida, o organicismo vê uma ordem subjacente que conduz a um derradeiro,
a um final absoluto, para o qual tudo converge; já o contextualismo, em sua versão
“pura” mantém a pluralidade como irredutível.

C ON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical


acidentes de uma narrativa linear e pré-determinada. Assim, para o
pluralismo, “o mundo é cheio de estórias parciais que correm em
paralelo umas com as outras, começando e terminando em tempos
desencontrados. Elas entrelaçam-se mutuamente e interferem-se em
vários pontos, mas nós não podemos unificá-las completamente em
nossas mentes” (James, 1907/1988, p. 67).
O pluralismo impede que olhemos as coisas com olhos
que não nos pertencem. Trata-se de aceitar e manter o homem em
sua condição, e falar do mundo a partir de seu ponto de vista. O
homem não é deus nem demônio, capaz de olhar o mundo “de
fora”, e narrar uma história completa como se não fizesse parte
dela. Não descobre o Verdadeiro funcionamento das coisas, que
estaria por detrás das aparências de um mundo sensível; não conhece
uma Realidade apartada da experiência. Enfim, é preciso sempre
lembrar que o homem tem uma visão parcial das coisas. (Para uma
discussão pormenorizada dessa “condição humana”, bem como de
suas consequências na interpretação do comportamentalismo radical,
ver o próximo capítulo.)
Um terceiro ponto sobre o monismo, analisado por James
(1907/1988), diz respeito à arrogância subjacente a essa visão de
mundo: “a unidade do mundo geralmente tem sido afirmada apenas
abstratamente, como se qualquer um que a questionasse fosse um
idiota” (p. 73). Em outras palavras, o monismo é uma atitude
exclusivista, que não admite exceções: o mundo é uno, e isso não
pode ser questionado. Esse dogmatismo é, em boa medida,
decorrente da fragilidade do monismo, uma vez que qualquer desvio,
descontinuidade, irregularidade detectada, por menor que seja, o
derrubaria como faz um sopro a um castelo de cartas. Por outro
lado, o pluralismo apresenta-se como uma visão de mundo mais
inclusiva, na qual diferentes graus de regularidade podem ser
admitidos sem ameaça. Graças a essa tolerância, o pluralista
considera o mundo bastante regular - o que é ótimo, uma vez que

58 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


boa parte de conhecimento humano assenta-se nisso mas a
constatação desse alto grau de regularidade não permite o passo
decisivo dado pelo monista afirmando-se uma completa regularidade.
Em outras palavras, o pluralista está satisfeito com o altamente
provável, mas o monista só se satisfaz com a certeza14.
Passando em revista as justificativas do monismo, suas
consequências, e, sobretudo, o dogmatismo subjacente a essa visão
de mundo, James (1907/1988) conclui que o pragmatismo não tem
alternativa senão ficar do lado do pluralismo: “visto que o monismo
absoluto nos proíbe de considerá-lo seriamente, portando-se como
irracional desde o começo, é claro que o pragmatismo deve voltar
as costas ao monismo absoluto, c seguir o caminho mais empírico
do pluralismo” (pp. 73-74).
Como pluralista, o pragmatismo considera o mundo uma
diversidade, que resiste a unificações absolutas e definitivas. No
mundo reconhece-se tanto a regularidade quanto a variabilidade,
tanto a ordem quanto a desordem, tanto a continuidade quanto a
descontinuidade; e o que é mais importante: essa pluralidade não é
simplesmente teórica, ela tem sustentação empírica. A questão é
que partindo de certas crenças, o homem opera no mundo
selecionando algumas partes e ignorando outras, e a recomendação
do pluralismo c que esse processo não pode ser ignorado tomando-
se a parte pelo todo. Nesse sentido, o pragmatismo pluralista chama
a atenção para o fato de que tudo seria diferente se nossos interesses
fossem outros: “se nosso intelecto tivesse sido levado a interessar-
se por relações disjuntivas tanto quanto o foi por relações
conjuntivas, a filosofia teria celebrado igualmente com sucesso a
desunião do mundo” (James, 1907/1988, p. 65).

11 Filosoficamente, isso pode ser traduzido na polêmica determinismo versus


indeterminismo. Do ponto de vista da filosofia da ciência, o determinismo motiva a
busca por ccrtezas, por previsões completamente certas, por leis universais
incorruptíveis. Já o indeterminismo mantém o cientista no campo mais modesto das
propensões, das previsões aproximadas, das leis probabilísticas (Laurenti, 2009a).

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical


Com efeito, a única coisa negada pelo pluralismo são
propriedades absolutas no mundo. Em um mundo pluralista não há
espaço para determinações completamente necessárias, para
relações que excluem qualquer tipo de variação, ou para noções
que retiram a autonomia da mudança em favor da imutabilidade.
Assim, se, por um lado, o pluralismo considera que a estabilidade
do mundo é um fato, por outro lado, essa estabilidade não é absoluta.
Isso tem algumas consequências filosóficas importantes.

Consequências filosóficas do pluralismo


A crítica pluralista à imutabilidade tem uma implicação
ontológica. O pragmatismo recusa a antiga noção de substância,
em favor de um mundo no qual a mudança é um de seus traços
constitutivos. A ideia de substância designa um princípio racional
imutável, que sustentaria a identidade das coisas-etimologicamente,
identidade compartilha a mesma raiz latina de idêntico, idem “o
mesmo” (cf. Houaiss & Villar, 2009, p. 1043). Embora a filosofia
divida-se em duas noções clássicas de substância - a aristotélica,
que a considera como princípio imanente às coisas observadas; e a
platônica, que a considera como princípio transcendente ao qual as
coisas observadas fazem referência há sempre uma diferença
insuperável entre substância e seus atributos, entre essência e
aparência. Já no contexto da modernidade, Descartes (1641/1973),
em seu famoso argumento do pedaço de cera, reitera essa distinção,
defendendo que a essência das coisas não aparece em suas
propriedades sensoriais15.

15 Na segunda meditação, Descartes (cf. 1641/1973. pp. 104-106) apresenta esse argumento
mostrando que mesmo que todas as propriedades sensíveis de um pedaço de cera possam
mudar (cor, formato, cheiro, gosto etc.), a cera continua existindo como tal. Disso o
filósofo conclui que a verdadeira cera só pode ser conhecida pelo entendimento e não pela
percepção ou pela imaginação: “só concebemos os corpos pela faculdade de entender em
nós existente e não pela imaginação nem pelos sentidos, e não os conhecemos pelo fato de
os ver ou de tocá-los, mas somente por os conceber pelo pensamento” (p. 106).

60 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


Com a diferença entre substância (imutável) e atributos
(mutáveis) atribui-se mais realidade à substância: as coisas variam
em sua aparcncia, mas permanecem imutáveis em sua essência.
Assim, faiar de mesa, cadeira, Sócrates, implica referir-se não aos
atributos acidentais dessas coisas, mas à sua essência: mesas e
cadeiras continuam sendo as mesmas, independentemente da cor
que sejam pintadas, Sócrates continua o mesmo com ou sem barba.
Sobre essa questão, o pragmatismo concorda com a crítica
dos nominalistas (James, 1907/1988). Para o nominalismo a noção
de substância é um equívoco linguístico: as coisas se apresentam ao
homem como um conjunto de atributos sensíveis, e quando é dado
um nome específico para essa totalidade (usando um substantivo),
o homem pode se iludir acreditando existir algo atrás dos atributos,
algo que os liga, algo imutável que seria o Verdadeiro dono desse
nome. Pragmaticamente, o nome é uma estratégia útil para que o
homem ignore pequenas variações das coisas, de modo a se
comportar como se ela fosse exatamente a mesma, dia após dia16.
O nome designa simplesmente um conjunto de propriedades
empiricamente conhecidas, que aparecem regularmente de forma
mais ou menos simultânea, c nada mais.

16 Vale ressaltar que o uso de substantivos está contextualizado na crença do senso


comum acerca da permanência existencial dos objetos. Quando damos um nome,
reafirmamos a estabilidade do objeto e facilitamos nosso convívio com ele. O mesmo
raciocínio aplica-sc ao emprego de nomes próprios para designar as pessoas. “João”
destaca um conjunto dc propriedades que, pragmaticamente, mantém-mc comportando
de forma mais ou menos estável diante dessa pessoa, ao mesmo tempo em que exige
dela certa estabilidade. Sc um dia João mudar radicalmente seu corte de cabelo, suas
preferências, suas ações, fico tentado a dizer que ele já nâo é mais João, e terei que
mudar meu comportamento em relação a essa nova pessoa. Todo esse raciocínio é
possível sem invocar uma “substância pessoal” (uma personalidade), que estaria por
detrás do que conheço, mantendo a estabilidade de gostos, aparência, ações de uma
pessoa. Dessa forma, a noção de substância parece ser uma invençào de filósofos, e
não do senso comum.

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 61


Do ponto de vista pragmático, a substância é uma noção
inútil; trata-se de um princípio completamente teórico, isto é: não
parece haver evidência empírica direta de sua existência. Assim, o
pragmatismo acaba subvertendo o pensamento filosófico tradicional:
os atributos são mais primordiais que a substância. Nas palavras de
James (1907/1988):

Um grupo de atributos é o que cada substância aqui tem


para ser reconhecida, e formam seu único valor em caixa
para a nossa experiência real. A substância, em cada
caso, é revelada por meio dos seus atributos; se fossemos
separados deles, nunca poderíamos suspeitar de sua
existência; e se Deus mantivesse mandando-os a nós
em ordem inalterável, aniquilando milagrosamente em
um determinado momento a substância que os suportava,
jamais poderíamos perceber o momento, pois as nossas
próprias experiências permaneceriam inalteradas, (p. 43)
Em suma, a noção de substância, a ideia de que existe
algo completamente imutável, não faz diferença na vida prática, e
por isso é possível viver bem sem ela17. Logo, o conceito de
substância pode ser abandonado sem qualquer remorso: “poucas
coisas pareceriam ter consequências pragmáticas menores para nós
do que as substâncias, apartados como estamos de todo contato
com elas” (James, 1907/1988, p. 44).
A crítica à imutabilidade tem também uma implicação ética.
Um mundo no qual a mudança é uma característica irredutível é um
m undo em construção, um m undo cujo futuro não está

17 James (1907/1988) menciona uma única utilidade para a noção de substância: a


explicação escolástica da eucaristia. Com a noçâo de substância justifica-se a mudança
da essência da hóstia - de farinha e água para o corpo de Cristo - sem comprometer
suas propriedades empíricas: ela continua com cor, gosto, aroma de farinha e água.
D e qualquer forma, trata-se de uma justificativa pragmática muito fraca, na medida
em que só faz sentido no contexto dos que já acreditavam de qualquer forma na
eucaristia, c se já acreditam, qual a necessidade de invocar a noção de substância para
justificar essa crença?

62 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


completamente garantido, um mundo que traz consigo um germe
de imprevisibilidade. São essas características que fazem a diferença
em uma visão de mundo pragmatista:

A importante diferença entre pragmatismo e racionalismo


aparece agora em toda sua extensão. O contraste
essencial é que para o racionalismo a realidade está
pronta e completa desde toda eternidade, enquanto
que para o pragm atism o está ainda sendo feita, e
espera do futuro parte de sua complexâo. De um lado
o universo é absolutamente seguro, de outro está ainda
perseguindo suas aventuras. (James, 1907/1988, p. 115)
É justamente por defender esse mundo mutável, aberto a
possibilidades, que a ação tem papel central no pragmatismo (para
uma discussão filosófica desse ponto, ver o capítulo 1). Em visões
de mundo monistas, embora as ações ocorram na Realidade, elas
não alteram a natureza imutável do universo. Já no pluralismo
pragmatista, as ações constroem a realidade, elas dão ao mundo
um destino. Como consta no próximo capítulo, no pragmatismo o
homem é ação, o que faz desaparecer a distância entre homem e
mundo - não se trata de seres completamente independentes que
em algum momento entram em relação, mas de partes de uma mesma
relação inextrincável.

Comportamentalismo e visão de mundo pluralista


Seria inconsistente com a própria atitude pragmatista
afirmar categoricamente que a proposta skinneriana tem uma visão
de mundo pluralista. Por isso, seguindo no espírito pragmatista, este
capítulo defende a possibilidade de uma interpretação pluralista
dos compromissos filosóficos do comportamentalismo radical,
destacando suas consequências. Com efeito, a pretensão aqui não
é apresentar a Verdadeira interpretação da obra skinneriana - o
que também assinalaria um distanciamento do pragmatismo mas
de avaliar a utilidade de uma dentre as várias leituras possíveis.

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 03


Alguns aspectos do texto skinneriano parecem sustentar
a interpretação de que o comportamentalismo é simpático ao
pluralismo. Eis alguns exemplos.

Mundo vivido e mundo teórico


Na raiz da defesa pragmatista do pluralismo encontra-se
uma interpretação específica da relação do homem com o mundo.
De acordo com James (1907/1988), o homem está em relação
com dois mundos diferentes: um mundo sensível, vivido e
experienciado como uma evidente variedade de cores, formas,
odores, sons, paixões; e um mundo de ideias abstratas, inteligível,
de conceitos e teorias que tentam classificar, sistematizar e, com
isso, unificar a experiência. Com base nessa distinção James mostra
que, tradicionalmente, a filosofia e a ciência têm especial apreço
pelo mundo abstrato; pois são com atividades teóricas, como a
criação de conceitos, que elas buscam organizar a experiência de
modo que o homem possa agir de forma efetiva.
Na proposta skinneriana há um paralelo interessante dessa
questão na diferença entre contingência e regra. Do ponto dc vista
comportamentalista, o mundo da experiência com toda sua
variedade pode ser entendido como o campo das contingências; o
mundo teórico, “limpo” e organizado como as regras formuladas
pelo homem ou aprendidas cm um contexto cultural. Nesse sentido,
a ciência opera teoricamente, formulando regras que especificam
contingências. Skinner (1969) parece sustentar essa interpretação.
A diferença entre regra e contingência expressa-se por díades que
p o d eriam ser a p lic ad a s aos dois m undos ja m e sia n o s:
“comportamento governado por regra pode ser frio e estoico\
comportamento modelado por contingências provavelmente é
quente e epicurista. A ética protestante versus a ética hedonista
[itálicos nossos]” (p. 169); “o comportamento governado por regras

64 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


é usualmente designado para satisfazer contingências, não para
duplicar outros fatores do comportamento modelado por elas.
Portanto, o comportamento modelado por contingências tem
provavelmente uma maior variedade ou riqueza [itálicos nossos]”
(p. 170). Ou ainda, “o comportamento cvocado por uma regra é
frequentemente mais simples do que o comportamento modelado
pelas contingências das quais a regra foi derivada. A regra cobre
apenas o essencial; ela pode om itir aspectos que dão ao
comportamento modelado por contingências seu caráter [itálicos
nossos]” (p. 167).
Em relação à ciência, Skinner (1969,1974), em diferentes
momentos, também parece sustentar uma interpretação pragmatista
do assunto, ao dizer, por exemplo, que:

Leis científicas tam bém especificam ou implicam


respostas e suas consequências. É claro que elas não
são obedecidas pela natureza, mas por homens que lidam
efetivamente com a natureza. A fórmula s = '/,g t2 não
governa o comportamento de queda dos corpos, ela
governa o com portam ento daqueles que preveem
corretamente a posição de corpos caindo em um dado
momento. (Skinner, 1969, p. 141)
Com isso, Skinner (1969, 1974) pretende corrigir um
equívoco comum entre filósofos e cientistas: confundir regra com
contingência ou, em termos jamesianos, confundir mundo teórico
com mundo vivido. Nas palavras de Skinner: “são as contingências,
não as regras, que existem antes das regras serem formuladas. O
comportamento modelado pelas contingências não mostra
conhecimento das regras” (Skinner, 1969, pp. 161 -162), e ainda,
“nós não precisamos descrever contingências de reforçamento para
sermos afetados por elas” (Skinner, 1974, p. 127). Assim, o fato
de o comportamento governado por regras ser efetivo, como, por

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalísmo Radical 65


exemplo, quando o cientista obtém resultados seguindo regras ou
leis científicas, não subsidia a ilação de que a regra ou lei já estava
lá antes de ser formulada. O mundo teórico é um recorte útil para o
homem operar no mundo vivido, mas não é o mundo vivido.
O homem começa operando no mundo, e as contingências
gradualmente modelam o seu comportamento, tomando-o mais
efetivo. Até esse ponto, não seria correto falar dc regras ou de
teorias; o homem age de acordo com as consequências, e isso não
envolve sequer consciência. Ele se comporta exclusivamente no
mundo vivido, intuitivo, no mundo das contingências: “comportar-
se intuitivamente, no sentido de comportar-se como efeito de
contingências não analisadas, é o ponto de partida de uma análise
comportamental” (Skinner, 1974, p. 132); e ainda,

Todo comportamento, efetivo ou não, é primeiramente


irracional no sentido de que as contingências responsáveis
por ele não foram analisadas. Todo comportamento é
p rim eiram en te in consciente, m as pode to rn ar-se
consciente sem se tomar racional: uma pessoa pode saber
o que está fazendo sem saber por que ela está fazendo.
(Skinner 1974, pp. 130-131)
Participando de comunidades verbais, o homem se expõe
a contingências sociais, que, entre outras coisas, o colocam sob
controle de regras transmitidas culturalmente, bem como permite a
ele formular suas próprias regras. Na origem desse processo,
presumivelmente, estão perguntas feitas pela comunidade, que
aum entam a probabilidade de ele responder ao próprio
comportamento, tomando-se consciente de suas ações e, em alguns
casos, dos próprios motivos delas. É nesse ponto que surgem as
regras como descrições de contingências, que podem fazer com
que o homem “se adiante”, respondendo antes mesmo da exposição
à contingência descrita.

66 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José António Damásio Abib


Não obstante, uma regra é uma descrição “econômica”
de contingências, ela “recorta” o mundo vivido, dirigindo a atenção
para algumas de suas partes, ao mesmo tempo em que leva a ignorar
outras. Por seu turno, a manutenção da função desse “recorte” é
garantida pela efetividade da regra. Seguindo esse raciocínio, uma
teoria pode ser entendida como um conjunto de regras mais ou
menos efetivas, formalizadas e transmitidas por uma comunidade
verbal. Desse modo, há diferentes tipos de teorias em função das
comunidades verbais responsáveis por sua transmissão: teorias
religiosas, científicas, morais, jurídicas, políticas ctc. Todas podem
ser entendidas como “recortes ú te is” que controlam o
comportamento dos adeptos da teoria, ou dos membros de uma
comunidade verbal específica.
Uma forma bastante útil de olhar para a experiência humana
é destacar suas regularidades, tornando o m undo vivido
razoavelmente previsível. Por isso, teorias que cumprem o papel dc
selecionar os aspectos mais regulares da experiência têm um forte
apelo: o homem prefere buscar uma causa para tudo a considerar
que algum aspecto de sua vida seja regido pelo acaso; acredita que
tudo obedece a um mesmo princípio, ao invés de admitir que as
coisas possam simplesmente mudar. Essa preferência pela
regularidade - pragmaticamente justificada, visto que produz
resultados - já está presente em concepções do senso comum, e
também nas religiões, na ciência, na filosofia. Em diferentes
momentos, Skinner(1953,1974) segue esse argumento, dizendo
que o ponto dc partida dc sua ciência consiste em considerar o
comportamento como um fenômeno regular, previsível, regido por
leis.
No entanto, de um ponto de vista pragmatista, o fato de
as teorias que destacam a regularidade do mundo serem efetivas,
não quer dizer que elas descrevam o real funcionamento do mundo.

CON VER SAS Pragmatistas sobre Com porta mental ismo Radical 67
Elas continuam sendo teorias! Quando se olha para o mundo vivido
destacando suas regularidades, uma parte igualmente real é também
ignorada. Afinal, nada seria encontrado se se olhasse para o mundo
em busca de descontinuidades, de tragédias, de erros, de
imprevisibilidade, desvios, rupturas?
Novamente, na raiz do problema encontra-se uma visão
de mundo monista. Como foi discutido alhures, o monismo considera
o mundo uma grande unidade, sem rupturas, desvios, ruídos. O
problema é que o mundo vivido não se ajusta completamente a
essa unidade, levando o monista a afastar-se cada vez mais dele em
favor da integração teórica. Assim, quanto maior a exigência de
integração, menos o mundo vivido pode ser considerado. Ora, o
monismo não é outra coisa senão a exigência de integração total, o
que tem como contrapartida um rebaixamento ontológico do mundo
vivido: ele não é real, ele encobre o mundo real.
Dc um-ponto de vista comportamentalista, seguir o
monismo seria sinônimo de considerar as regras como mais
importantes ou reais do que as contingências. Seria retirar a
efetividade do comportamento modelado por contingências, em
favor de regras precisas e necessárias. A efetividade dc uma regra
depende, entre outras coisas, de sua clareza, de sua não
ambiguidade, de uma especificação mais clara possível da relação
entre ação c consequência. Por outro lado, a contingência opera no
campo das possibilidades, probabilidades, tendências. Se a regra
descreve uma relação “se..., então..,”, a contingência parece dizer
“se..., então, provavelmente,...”. Nesse sentido, é interessante notar
que a própria noção de contingência opõe-se filosoficamente a uma
interpretação monista, na medida em que, pelo menos desde
Aristóteles, contingente quer dizer não-necessário (cf. Ferrater
Mora, 1994/200la, pp. 567-568).

68 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


Nesse contexto, o pluralismo pragmatista pode ser
entendido como uma tentativa de resgatar a importância ontológica
do mundo vivido, inviabilizando as pretensões dc reduzi-lo a uma
teoria monista. No caso do comportamentalismo, trata-se de manter
a distinção entre contingência e regra, vendo na primeira um mundo
de possibilidades, de probabilidades; e na segunda, uma seleção
que exclui os aspectos menos regulares das contingências. A
variabilidade e a mutabilidade das coisas não são consideradas,
então, como mera aparência de um mundo realmente regular e único.
As contingências são sempre mais “ricas”, e o papel das teorias é
selecionar partes desse mundo vivido, a fim de tomar as ações
humanas mais efetivas. Mas, mesmo diante dos resultados positivos
desse “olhar teórico” para o mundo das contingências, não se pode
perder de vista que as regras excluem partes, igualmente reais, do
mundo vivido.

Crítica à imutabilidade
A conciliação pluralista entre regularidade e variabilidade,
negando, consequentemente, a existência de princípios absolutos,
parece encontrar guarida no modelo de explicação de seleção pelas
consequências (Skinner, 1981). Em primeiro lugar, entende-se que
a regularidade observada no comportamento é produto de um
processo de seleção de variações, e nesse sentido a regularidade
deriva da variabilidade, e não o contrário18. Isso inviabiliza a defesa
de um mundo completamente regular e previsível, no qual a mudança
seria mero acidente de algo imutável mais primordial, uma substância

18 Além disso, como a regularidade não é absoluta, a seleção, por mais


rigorosa que seja, ainda mantem presente algum grau de variabilidade. Isso
fica evidente quando se considera que a classe dc respostas é um conjunto
aberto, em que a variabilidade topográfica está sempre presente. Assim,
seria impossível constituir uma classe fechada, que tentasse reproduzir
todas as dimensões topográficas de maneira idêntica.

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 6»


ou essência que percorreria o tempo sem mudar. Nos três níveis dc
variação e seleção não há algo para além do próprio processo:

(a) Uma molécula que pudesse se reproduzir e evoluir


para célula, órgão e organismo estava viva assim que teve
início a sua existência, sem o auxílio dc um princípio vital
denominado vida, (b) O comportam ento operante é
modelado e colocado sob o controle do ambiente sem que
haja a intervenção de um princípio chamado mente. (Supor
que o pensamento surgiu como uma variação, assim como
uma característica morfológica na teoria genética, é invocar
um saltum desnecessariamente longo.) (c) Ambientes
sociais geram autoconhecim ento (“consciência”) e
autogoverno (“razão”) sem o auxílio de uma mente grupai
ouumZeitgeist. (Skinner, 1981, p. 503)
Essa compreensão de que o mundo é processo - que não
envolve entidades atemporais preexistentes - parece também estar
presente quando Skinner (1953, 1974, 1989) prioriza o uso de
verbos ao de substantivos na descrição do comportamento. Com
isso, Skinner (1953) compartilha da crítica nominalista-pragmatista
à hipóstase: “começamos com ‘comportamento inteligente’,
passamos primeiro para ‘comportamento que mostra inteligência’,
e então ao comportamento que é o efeito da inteligência” (p. 202).
Essa preocupação linguística, de não perder de vista o caráter
processual do comportamento, aparece em interpretações
skinnerianas de fenômenos mentais, como nos títulos de diferentes
capítulos do livro Sobre o Comportamentalismo: o capítulo cinco
é pereeiving, ao invés deperception: o sete thinking e não thought;
e o nove knowing ao invés de knowledge.
A explicação dinâmica do comportamento, pautando-se nos
processos de variação e seleção, também impugna esquemas
explicativos tradicionais que tentam reduzir toda mudança a um ato
primeiro de criação. Trata-se de uma “lógica cri acionista'” de

70 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


explicação, que parte da suposição de que existe algo absoluto no
começo, que se desenvolve ao longo do tempo: “inicialmente [em
concepções tradicionais], evoluir significava desenrolar, como se
desenrola um pergaminho; desenvolver antigamente significava
desdobrar, como se desdobra uma carta. Ambas as palavras significam
expor alguma coisa que já estava ali” (Skinner, 1989, p. 54).
Seguindo uma inspiração darwinista, Skinner (1981,1989)
substitui criação por variação e seleção, explicando o funcionamento
do comportamento a partir das três histórias seletivas: (i) filogenética,
(ii) ontogenética, e (iii) cultural:

(i) A seleção natural substitui um criador muito especial


e a in d a é q u e stio n a d a por c a u sa d isso , (ii) O
c o n d ic io n am e n to o p e ra n te o ferece um a análise
sim ila rm e n te c o n tro v e rsa do co m p o rtam en to
(“voluntário”) tradicionalmente atribuído a uma mente
criativa, (iii) A evolução de um ambiente social substitui
a suposta origem de uma cultura como um contrato social,
ou de práticas sociais como mandamentos. (Skinner,
1981, p . 502)
A substituição da criação pela variação e seleção tampouco
implica na defesa do ambiente como iniciador (Skinner, 1971,
1981). A seleção pelas consequências é um tipo de explicação que
não está comprometido com a causalidade da mecânica clássica e,
por isso, não recorre a forças antecedentes (Skinner, 1981).
Diferentemente, o comportamentalismo radical segue uma inspiração
pragmatista ampliando o papel do ambiente, prestando mais atenção
às consequências: “agora está claro que devemos considerar o que
o ambiente faz a um organismo não somente antes, mas depois que
cie responde” (Skinner, 1971, p. 18). Como antecedente o ambiente
apenas estabelece uma probabilidade: “o cenário atual pode afetar
a probabilidade de uma resposta..., mas isso é a única coisa que ele
faz. Alterar a probabilidade não é eliciar uma resposta, como no

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 71


reflexo” (Skinner, 1974, p. 52), Já como consequência, o ambiente
atua selecionando variações e estabelecendo novas probabilidades:
“seu papel [do ambiente] é similar àquele na seleção natural, mas
em uma escala de tempo bem diferente” (Skinner, 1971, p. 18).
Por fim, as críticas às explicações que apelam a um início
absoluto não comprometem o modelo de variação e seleção com
uma explicação finalista do comportamento: “seleção substitui o
propósito” (Skinner, 1989, p. 115). Isso significa que a explicação
do comportamento atual é dada em termos das consequências
seletivas passadas, e não em termos de propósitos ou intenções
futuros: “somente consequências passadas têm um papel importante
na seleção” (Skinner, 1981, p. 503). Nesse sentido, o modelo de
explicação do comportamento é notadamente histórico:

(i) Uma espécie particular não tem olhos para que seus
membros vejam de maneira mais eficiente; ela os tem
porque certos membros, passando por variação, puderam
ver melhor e, como consequência, tiveram mais chances
de transm itir a variação, (ii) As consequências do
com portam ento operante não são a finalidade do
comportamento atual; elas são simplesmente semelhantes
às consequências que m odelaram e m antiveram o
co m p o rtam e n to , (iii) A s p e sso a s não exercem
determinadas práticas para que o grupo tenha maiores
chances de sobreviver; elas as exercem porque grupos
que induziram seus membros a exercê-las sobreviveram
e as transmitiram, (p. 479)
Em suma, no com portam entalism o skinneriano o
funcionamento do comportamento parece ter notáveis afinidades
com uma visão de mundo pluralista. O comportamento não é descrito
com referência a um princípio imutável regulador, uma substância
atemporal que percorreria o tempo. Nem recorre a um início pré-
determinado, a um agente iniciador, ou a uma força propulsora que

72 Ca rios Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


incitaria o comportamento. E também não admite uma direção
preestabelecida a ser seguida, não tem o objetivo de atingir uma
meta, de concretizar um plano. O comportamento é processo, e,
como tal, é mutável.
Isso é inconsistente com a pretensão de alcançar uma
unidade estética na interpretação do comportamento. Em outras
palavras, sua natureza processual impede que o comportamento se
ajuste a uma história completamente linear. No caso do primeiro
nível de variação e seleção, a seleção natural mostra que seria um
equívoco descrever a evolução das espécies como uma história
linear e direcionada; diferente disso, trata-se de uma história
dramática e plural na qual alguns sobrevivem e muitos são extintos
(Mayr, 2001/2009). A única forma de ver uma unidade estética
nessa história seria ignorar tudo que não sobreviveu, todos os
indivíduos que “ficaram pelo caminho”. As variações são muitas, e
a seleção é apenas uma parte dessa história.
No segundo nível, no comportamento operante, as coisas
não são diferentes. Um repertório não é o produto de uma história
linear e coerente de reforçamento. As classes de respostas que
‘"sobrevivem” o fazem às custas de variações que não foram
selecionadas ou que foram extintas “durante o caminho”. Além disso,
tal como na seleção natural, na ocorrência de variações não há
necessidade, e, nesse sentido, um repertório também depende do
acaso - nessa história, algumas variações ocorreram, outras não, e
c possível até considerar, contra factualmente, que se tivessem
ocorrido seriam mais funcionais do que aquelas que foram
selecionadas. Em suma, um repertório não segue um plano, não
tende ao aprimoramento, ele permanece aberto e, geralmente,
conflituoso: respostas de um mesmo repertório competem e mantêm-
se em força em contextos discriminativos específicos.

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentaiismo Radical 73


No caso das culturas, as práticas selecionadas e
transmitidas, em boa medida, não são planejadas, e mesmo quando
isso acontece, seus resultados têm certo grau de imprevisibilidade:
“no terceiro nível, nós podemos introduzir novas práticas culturais
ou, raramente, arranjar contingências de sobrevivência especiais -
por exemplo, para preservar uma prática tradicional. Mas tendo
feito essas coisas, precisamos esperar a seleção ocorrer” (Skinner,
1981, p. 504). Em outras palavras, ainda que na evolução das
culturas possa haver planejamento, ela não se ajusta a uma história
linear e única. Tentativas de manter a coerência da história de culturas,
promovidas, por exemplo, por governos autoritários, encontram
desde o início alguma resistência, fazendo com que uma história
paralela “germine” ao lado da “história oficial”. Outro exemplo
interessante: sabe-se, hoje, que durante o período medieval, houve
lima profusão de propostas filosófíco-religiosas diferentes da filosofia
cristã tradicional (Onfray, 2006/2008). No entanto, como os
representantes dessas propostas, bem como seus livros, foram
cabalmente destruídos, tem-se a impressão de que durante a Idade
Média todos na Europa aceitavam os dogmas católicos oficiais.
Em suma, parece que o comportamentalismo radical vê
as três histórias evolutivas de maneira pluralista. No interior de cada
história o acaso parece estar preservado, no sentido de que variações
randômicas podem surgir a qualquer momento e serem selecionadas.
Mesmo no nível cultural, o planejamento não é capaz de suprimir
completamente a variabilidade: histórias paralelas sempre estão
ocorrendo, quando os sucessos de um planejamento roubam o foco,
seus fracassos são ignorados; quando uma cultura ganha relevo, o
olhar de outras é desviado. O cenário que resta é um mundo
complexo, em que a variedade nunca pode ser completamente
suprimida: as espécies não são eidos\ os repertórios não são um
conjunto fechado, coeso e consistente dc respostas; as culturas não
compõem uma unidade harmônica.

74 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


Determinismo versus livre-arbítrio
Por muito tempo a filiação do comportamentalismo radical
ao determinismo pareceu ser ponto pacifico19. Em primeiro lugar, o
próprio Skinner declarou, explicitamente, sua simpatia pelo
determinismo, por exemplo, “o determinismo é uma suposição útil
porque encoraja a busca de causas” (Skinner, 1968, p. 171). Além
disso, diferentes intérpretes da obra skinneriana reafirmaram o
determinismo como única alternativa legitimamente científica diante
dadíade determinismo-livre-arbítrio (e.g. Baum, 1994/1999; Slife,
Yanchar & Williams, 1999). Baum (1994/1999), por exemplo,
apresenta dc forma clara as definições de determinismo e livre-
arbítrio, chegando à conclusão, quase inevitável, de que o
comportamentalismo é um determinismo. Nas palavras desse autor:
“chama-se isto de determinismo, a noção de que o comportamento
é determinado unicamente pela hereditariedade e pelo ambiente”
(p. 29). Em contrapartida, “o livre-arbítrio supõe um terceiro
elemento além da hereditariedade e do ambiente, supõe algo dentro
do indivíduo” (p. 29). A situação descrita nesses termos reserva ao
comportamentalista a seguinte escolha: determinismo ou mentalismo.
No entanto, se essas definições forem examinadas com
mais cuidado, a questão deixa de ser tão simples assim. Seguindo
Baum (1994/1999), o determinista parece acreditar que os fatores
hereditários e ambientais esgotam a explicação do comportamento.
Isso quer dizer que, se fôssemos capazes de conhecer todos os
elementos genéticos e ambientais envolvidos, a previsibilidade do
comportamento seria total: certeza de que a resposta ocorreria, ou
certcza de que ela não ocorreria. Trata-se de uma crença que

19 Um dos primeiros trabalhos que colocou explicitamente em dúvida essa vinculaçâo


foi o artigo dc Moxley (2007). Recentemente, Laurenti (2009a) apresentou uma
discussão pormenorizada da possibilidade de uma leitura indeterminista dos
compromissos filosóücos do comportamentalismo radical.

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 75


encontra solo fértil em uma visão de mundo monista, uma vez que a
explicação das relações comportamentais conduz a uma grande
unidade sem qualquer falha, a um todo coeso e incorruptível.
Além disso, a explicação determinista opera seguindo uma
unidade narrativa: todo funcionamento do comportamento esgota-
se em uma mesma história, regulada perfeitamente pelos mesmos
princípios, no caso, a hereditariedade e o ambiente. Como já foi
pontuado, a unidade narrativa é uma construção ad hoc, no sentido
de que sua capacidade de convencimento é bem maior quando o
passado é contemplado, do que quando se tenta prever o futuro. No
caso do comportamentalismo, o completo sucesso do determinismo
aparece com a capacidade de explicar, retrospectivamente, todo
fenômeno comportamental em termos de hereditariedade e ambiente,
e nada mais. Mas quando se parte para o plano preditivo, embora os
resultados ainda sejam positivos, já não se conformam completamente
à unidade, exigindo novos ajustes ad hoc: geralmente defende-se
que algum aspecto hereditário ou ambiental foi esquecido,
O argumento de James (1907/1988) para explicar a
resistência do futuro à unidade narrativa é que o olhar para o passado
é um ato claramente seletivo. Quando alguém conta uma história
passada, amparado por uma visão de mundo monista, destaca o
que lhe interessa para dar linearidade e coerência aos fatos, ao
mesmo tempo em que ignora “acidentes” que não fazem parte da
unidade narrativa. Assim, olhando para trás tudo parece fazer sentido
e se ajustar perfeitamente a essa unidade. Isso leva a projetar no
futuro a mesma linearidade, prevendo o andamento das coisas, sem
desvios, variações, ou interrupções. É nesse ponto que o monismo
mostra sua fraqueza: não parece haver comprovação empírica
satisfatória desse todo coeso e completamente previsível, as
previsões são sempre probabilísticas. É justamente essa “falha” que
abre caminho para propostas mentalistas concorrentes.

76 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


Um mentalista com pretensões científicas pode argumentar
que a im precisão do estudo determ inista, que usou de
probabilidades, ocorre porque se desconsiderou um terceiro fator:
a mente que opera entre a hereditariedade e o ambiente. Nesse
sentido, o mentalismo pode apostar que no futuro a compreensão
desse fator mental conduzirá a uma explicação completa do
c o m p o rtam en to . E m ais, n esse cen ário m e n ta lista , o
comportamentalismo apareceria como o culpado pelo atraso nas
pesquisas, na medida em que desvia nosso olhar dessa importante
parte da explicação do comportamento humano20- exatamente o
argumento que o comportamentalista-determinista usa contra o
mentalista. Nesse ponto, parece que determinismo e mentalismo já
não estão separados por um abismo intransponível. Na verdade,
eles têm uma notável afinidade: adotam uma visão de mundo monista,
na qual o comportamento é visto como um todo completo e coeso.
Consequentemente, qualquer desvio, imprecisão, variabilidade é um
problema epistemológico, e não ontológico: o comportamento é
completamente regular, e se não conseguimos ver isso é porque
nossas pesquisas ainda não avançaram o suficiente.
Depois dessa discussão começa a ficar mais fácil pensar
em uma alternativa. Se as propostas do determinismo e do
mentalismo compartilham de uma mesma visão de mundo monista,
como seria o encaminhamento desse assunto em um universo
pluralista? De uma perspectiva pluralista, a escolha forçada entre
determinismo ou mentalismo não parece se sustentar: é possível
não ser determinista sem ser mentalista. Olhando o comportamento
de forma pluralista, abre-se a possibilidade de aceitar que se trata

-l1Uma variante desse tipo de pensamento é aquela defendida pela neurocíência de


inspiração materialista, que substitui a mente pelo cérebro. Nesse caso, a promessa
da explicação compleia ficaria condicionada à compreensão do funcionamento cerebral.
Assim, parece que mentalismo e materialismo são duas faces de uma mesma moeda.

C O N VER SAS Pragmatístas sobre Comportamentaíismo Radical n


de um fenômeno regular eprobabilístico ao mesmo tempo. Isso
quer dizer que a probabilidade não é uma falha, um indicativo de
que algo está faltando, um espaço como o de um quebra-cabeça,
que quando preenchido com uma peça, genética, ambiental ou
mental, proverá um quadro completamente coeso.
Diferente disso, variabilidade, mudança, probabilidade são
da natureza do fenômeno comportamental, A própria noção de
contingência denuncia essa natureza probabilística do comportamento.
Se o comportamento não é do campo da necessidade, a pretensão
de uma unidade narrativa não faz sentido. Não existe uma história
única que precisa ser percorrida pelo com portam ento; o
comportamento é uma narrativa em constante construção com
tendências que podem se realizar ou não. No comportamento é certo
que há “caminhos pavimentados”, e, por isso, mais prováveis de serem
percorridos (topografias anteriormente reforçadas, classes de
respostas estáveis), mas há, outrossim, a existência de “desvios”,
“becos”, “trilhas” que também podem ser percorridos (variações
topográficas, classes pouco estabelecidas).
Dessa forma, a célebre afirmação de Skinner(1953) de
que o comportamento não é uma coisa, mas um processo, mutável,
fluido e evanescente (p. 15) talvez possa ser melhor compreendida.
O monismo vê nesse fluxo uma perfeita harmonia, uma espécie de
sinfonia clássica, que mostra notável regularidade e repetições. Por
outro lado, um pluralista vê nesse processo algo que não fecha
completamente; aspectos bastante regulares, mas também
idiossincrasias; padrões que se repetem, mas tentativas que
fracassam e são abortadas; um rio ordenado com margens de
confusão. Não há problema nenhum em destacar a regularidade do
fluxo comportamental, afinal é isso que permite alcançar resultados
práticos, mas a parte não deve ser tomada pelo todo. O mérito de
uma ciência do comportamento não é mostrar que o comportamento
é puramente regular, e, em decorrência disso, completamente

78 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


previsível e controlável; mas mostrar que há regularidade, e que
olhando para esse aspecto do comportamento é possível ter algum
controle e fazer previsões bastante acuradas.
Retomando, então, a questão do determinismo versus
livre-arbítrio, James (1907/1988) argumenta que o pluralismo rejeita
o determinismo por sua estreita vinculação com o monismo. Mas e
quanto ao livre-arbítrio? Considerando a definição de Baum (1994/
1999), o livre-arbítrio acaba sendo muito mais uma versão mentalista
de determinismo, do que exatamente uma alternativa a essa forma
de pensar o comportamento. Se analisada com mais cuidado, a
definição de livre-arbítrio apresentada por Baum parece ser formada
por duas teses independentes. A primeira é que hereditariedade e
am biente não são capazes de esgotar a ex p licação do
comportamento; a segunda é que uma explicação completa seria
dada por um terceiro elemento intemo-mental. O pluralismo defende
apenas a primeira tese. A hereditariedade e o ambiente não fornecem
uma explicação completa do comportamento, mas isso não quer
dizer que está faltando algo; uma explicação desse tipo simplesmente
não é possível. O comportamento é um fenômeno incompleto,
aberto, mutável, e por isso resiste a uma visão monista.
Assim, parece que nem determinismo, nem livre-arbítrio
são adequados a uma visão de mundo pluralista. Como entender,
então, a afirmação de Skinner (1968, p. 171) de que o determinismo
é útil? Será que o limite da aproximação entre pragmatismo e
comportamentalismo radical foi alcançado? Nesse ponto eles são
completamente incompatíveis? A pretensão de uma interpretação
pragmatista dos compromissos filosóficos do comportamentalismo
skinneriano deveria ser abandonada?
Em primeiro lugar, é necessário entender o argumento de
Skinner (1968). Ele parece estar dizendo o seguinte: para fazer
ciência cumpre admitir que o comportamento seja um fenômeno

CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Rlólcat


determinista, porque só assim as suas causas seriam divisadas e,
com isso, previsão e controle seriam obtidos. Essa seria a utilidade
do determinismo. A essa recomendação skinneriana, o pluralista
responderia que não é preciso acreditar no determinismo para buscar
causas, ou mais precisamente, não é apenas em uma visão monista
que as coisas têm relação de influência. O mundo pluralista é
altamente regular, o que motiva a busca por essa regularidade. E,
nesse ponto, o pluralismo talvez tenha uma vantagem: ele não se
desespera por ter que tratar o mundo de maneira probabilística, e,
portanto, corre menor risco de desanimar com o tempo. Em suma,
a função motivacional do pluralismo está garantida, mesmo que a
certeza nunca seja atingida. Por outro lado, por quanto tempo o
determinista irá aguentar? Não seria exigir demais continuar
buscando indefinidamente algo que nunca é efetivamente alcançado?
O que foi discutido até aqui endossa a conclusão de que as
características pluralistas do comportamento não combinam com a
defesa do determinismo. Mas por que Skinner teria feito a defesa da
utilidade do determinismo? Talvez por não ter visto, naquele momento,
a alternativa pluralista para o impasse determinismo ou livre-arbítrio, o
que, evidentemente, toma a escolha pelo determinismo forçada. Mas
será que conhecendo essa alternativa é preciso se manter do lado do
determinismo? Será que a saída pluralista para a questão é incompatível
com o comportamentalismo radical?

*******

Podemos concluir que uma interpretação pluralista do


comportamentalismo radical é possível. No espírito pragmatista,
cabe, por fim, perguntar: mas isso tem alguma diferença prática?
Em primeiro lugar, filiar o comportamentalismo skinneriano ao
pluralismo pode, como vimos, estender o alcance de interpretações
pragmatistas dessa proposta psicológica. A inspiração pragmatista

80 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


não precisa ficar restrita ao nível epistemológico, mas pode alcançar
um compromisso com uma visão de mundo.
Em segundo lugar, o pluralismo parece ser compatível com
o movimento contemporâneo de várias ciências. Para dar um
exemplo, Lewontin (cf. 1998/2002, pp. 43-45), um biólogo defensor
da epigenética, argumenta que o fenótipo dos organismos não c
uma função exclusiva da genética c do ambiente; há um terceiro
elemento, chamado por ele de ruído de desenvolvimento, que
introduz um fator aleatório e imprevisível. Trata-se de um raciocínio
muito próximo do apresentado pelo pluralismo, e Skinner (1968),
em alguns momentos, parece admitir algo parecido:

Pode-se ainda argumentar que algumas instâncias do


comportamento humano não podem ser atribuídas nem à
dotação genética, nem à história ambiental, e que elas
são, portanto, originais em um sentido especial. Certamente
novas formas de comportamento humano simplesmente
surgiram [come into exisíence], M uito pouco do
extraordinário repertório do homem moderno era exibido
por seus ancestrais há, digamos, 25.000 anos. (p. 179)
Ao final desse argumento, Skinner (1968) se pergunta se
isso não poderia ser atribuído a uma mente criativa, e sua resposta
faz referência ao encaminhamento da questão dado pela biologia
evolutiva, no tocante à origem das espécies: tanto para os organismos,
quanto para o comportamento, é o acaso que explica a novidade:
“novas respostas são geradas por arranjos acidentais de variáveis
tão imprevisíveis quanto os arranjos acidentais de moléculas e genes”
(p. 180).
Finalmente, o pluralismo parece ter, ainda, uma vantagem
ética. Em um mundo monista, fechado, e pré-determinado, todos
os “efeitos colaterais” do avanço tecnocientífico tendem a ser
desprezados em função do enaltecimento do progresso. Mas será
que realmente podem ser considerados meros “efeitos colaterais”

CON VER SAS Pragmatistas sobre Com porta menta lismo Radical 81
acontecimentos como: guerras, sustentadas pelo desenvolvimento
bélico, que massacram países inteiros; doenças decorrentes do uso
abusivo de vacinas e antibióticos; montanhas de lixo produzidas
por indústrias e usinas nucleares; acidentes ambientais? Será que
isso tudo é mero desvio de um claro e verdadeiro desenvolvimento?
Se a resposta for não, então estamos do lado do pluralismo. É
preciso admitir que esses “refugos” do desenvolvimento são reais,
ver o mundo não como uma sucessão linear e progressista, mas
admitir que seja também desvio, erro, imprevisibilidade. Não se
trata, portanto, de pensar o futuro como um desenrolar linear do
presente, mas de considerar sua complexa dinâmica, na qual um
elemento de imprevisibilidade é insuperável. Essa recomendação
pluralista é compartilhada por Morin (1981/2010), que fomece uma
bela descrição da relação entre presente e futuro:

Com certeza, o estado do mundo presente carrega


consigo, potencialmente, as situações do mundo futuro.
Mas ele contém embriões microscópicos, que se
desenvolverão, e que são ainda invisíveis aos nossos
olhos. Por outro lado, embora dependentes das condições
preexistentes, existindo, pois, já no presente, as
inovações, invenções, criações vindouras não podem ser
concebidas antes de sua aparição (são somente as
consequências das criações/invenções atuais que podem
ser eventualmente imaginadas). Esta parte decisiva do
futuro, portanto, ainda não tomou forma no húmus do
presente, (pp. 13-14)
Um dos desafios contemporâneos é pensar o mundo de
forma pluralista, abandonando a visão de mundo monista, que
promoveu todos esses “efeitos colaterais” na mesma proporção
em que os ignorou. Aceitar que o mundo não é perfeito parece ser
uma condição para o homem tentar melhorá-lo. Além disso, é
preciso admitir que o homem não é todo-poderoso em suas
previsões e em suas ações; mesmo tentando acertar, muitas vezes

82 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


erra; trata-se de olhar o mundo “de dentro”, visto que somos parte
dele; trata-se de admitir que o mundo encerra um futuro de
possibilidades, sem um início absoluto ou um destino, que
tragicamente arrasta a humanidade em sua direção. O mundo
também é produto de nossas ações, “o mundo permanece realmente
maleável, esperando receber os retoques finais de nossas mãos”
(James, 1907/1988, p. 143), e “o futuro é amplamente uma questão
de acaso” (Skinner, 1990b, p. 104).

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 83


C ap ítu lo 3
H om em C o m p le x o 21

O pragmatismo insiste que humanidade é uma noção


em aberto, que a palavra humano nom eia não uma
essência mas um projeto confuso, embora promissor.

Rorty

Embora em alguns momentos Skinner (cf. 195 7, p. 1, 1974,


pp. 139-140,1989, p. 14) tenha empregado de modo intercambiável
os termos ação e comportamento, a sua predileção pelo último é
notória. A ciência que advoga é chamada Análise do Comportamento
e não Análise da Ação (Skinner, 1953,1969); e o comportamentalismo
é a filosofia dessa ciência, da ciência do comportamento (cf. Skinner,
1969, p. 221,1974, p. 3). A escolha é justificável: a ciência proposta
por Skinner está calcada na ideia de ação situada - uma ação
encravada no mundo, isto é, nas condições antecedentes e nas

21A vigência do masculino em muitas culturas explica, em parte, a representação do


homem sob forma masculina, o que se evidencia no uso do Lermo para se referir aos
dois sexos. Não obstante, o ‘“problema do homem’ é o ‘problema do homem e da
mulher’, isto é, ‘o problema do ser humano7, que é sexualmente ‘especificável’, mas
sem que isso leve, ou deva levar, a se produzirem ‘definições distintas’ para cada
componente sexual” (Ferrater Mora, 1994/2001b, pp. 1378-1379). Este capítulo
pauta-se nas palavras do filósofo espanhol. Com efeito, o emprego da expressão
homem, neste texto, remete à sua acepção gencrica, cujo sentido mais exato seria
humanidade.
consequências (cf. Skinner, 1989, p. 62). Ora, a ciência do
comportamento é justamente isto: o estudo da relação indissociável
da ação com o mundo. A passagem da ação ao comportamento,
presente na ciência e filosofia skinnerianas, tem decorrências
importantes. Uma delas, examinada no primeiro capítulo, é destituir o
homem da centralidade na explicação da ação. O homem já não tem
mais prerrogativa absoluta nessa tarefa. Doravante, a explicação da
ação humana reclama também o contexto.
Acompanhando o movimento da passagem da ação ao
comportamento, iniciada por autores como Dewey e Mead (cf cap.
1), Skinner (1953, 1969, 1981) sondou o papel do contexto,
examinando como as ações humanas estão em relação de
interdependência com a situação antecedente e com as consequências.
É certo que nesse estudo a função do contexto foi pintada, por vezes,
com cores bastante carregadas. Por exemplo, ao discutir a percepção,
S kinner (1 9 7 1 ).declara: “ o que quer que façam os, e,
consequentemente, qualquer que seja a maneira de percebê-lo, o
fato que subsiste é que é o ambiente que age sobre quem o percebe,
e não a pessoa que percebe que age sobre o ambiente” (p. 188). E
mais: “cabe a uma análise experimental do comportamento, pela sua
natureza, retirar as funções atribuídas anteriormente ao homem
autônomo e transferi-las, uma a uma, ao ambiente controlador” (p.
198). Por fim, enuncia: “uma pessoa não age sobre o mundo, o mundo
age sobre ela” (p. 211).
Se tomadas de modo isolado e descontextualizado, essas
assertivas podem sugerir que a transferência da ação ao
comportamento foi acompanhadaparipassu por um deslocamento
ou, no limite, por uma substituição do homem pelo ambiente. Tal
ilação pode ganhar corpo se outro aspecto for destacado: essas
declarações skinnerianas foram anunciadas no último capítulo do livro
Além da Liberdade e Dignidade intitulado O que ê o homem?.

86 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


Ora, justamente na seção na qual polemiza com essa temática, Skinner
(1971) parece não oferecer guarida ao homem em uma ciência do
comportamento. Enfim, parece que o comportamento, entendido
como ação situada, daria lugar à situação, ao mundo, em vez de ao
homem. Diante disso, algumas indagações tomam-se cogentes. Uma
ciência do comportamento conceberia o homem como mero fantoche
estando à mercê das condições naturais e sociais? Seria o homem
uma vítima do ambiente, um ser passivo, incapaz de mudar sua vida e
seu próprio destino? A Análise do Comportamento decretaria a
abolição do homem?
Para muitos intérpretes e críticos da obra skinneriana a
resposta seria “sim!”22. Haveria, pois, uma incompatibilidade entre
comportamento e homem: a adoção do comportamento como objeto
de estudo científico aniquilaria o homem qua homem. Existem várias
expressões dessa crítica, c Skinner (1974) estava ciente de muitas
delas. Na introdução de seu livro Sobre o Comportamentalismo,
ele cita vinte objeções usualmente endereçadas à sua filosofia, sendo
que boa parte tangencia a problemática do homem. Eis algumas: “ele
[o comportam entalism o] formula o com portam ento como
simplesmente um conjunto de respostas a estímulos, representando
dessa forma uma pessoa como um autômato, robô, fantoche, ou
máquina” (Skinner, 1974, p. 4); “não atribui qualquer papel ao Eu
[self*] ou à consciência do Eu” (p. 4); “é necessariamente superficial
e não consegue lidar com as profundezas da mente ou personalidade”
(p. 4); “limita-se à previsão e ao controle do comportamento, e perde

2: Em seu livro Behaviorismo radical: crítica e metacrítica, Carrara (cf. 2005, pp.
J47-361) arrola essas críticas e avalia uma a uma a pertinência delas.

O termo .«'// apresenta dificuldades de tradução. Visto que já se converteu em um


conceito filosófico, equivalentes em português, como “si mesmo”, não apreendem
seu significado. Como regra geral, self será traduzido, aqui, por Eu, com inicial maiúscula
para marcar que se trata de um substantivo e não de pronome pessoal. No entanto,
quando isso gerar algum tipo de ambiguidade, o termo no original inglês será mantido.

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 87


de vista a natureza essencial ou o ser do homem” (p. 4); “desumaniza
o homem; é reducionista e destrói o homem qua homem” (p. 5); “só
se interessa pelos princípios gerais e por isso negligencia a unicidade
do indivíduo” (p. 5). Skinner dedicou Sobre o Comportamentalismo
e outras obras (Skinner, 1969, 1971,1989) a responder a críticas
dessa natureza; não obstante, como analisa Carrara (2005), elas ainda
persistem.
A noção de comportamento como ação situada não implica
necessariamente na abolição do homem. O pragmatismo, a despeito
de defender a ideia de ação situada, mantém claramente no horizonte
o conceito de homem, a ponto de algumas de suas versões serem
chamadas de humanismo. Nas palavras de James (1909/1970): “eu
acho que a proposta do Sr. Schiller de chamar o pragmatismo mais
amplo de humanismo é excelente, e deve ser adotada” (p. 53). Na
perspectiva pragmatista, o homem está em uma relação inseparável
com o mundo; mas com um mundo pluralista, susceptível a mudanças,
sendo que essas transformações, em boa medida, são provocadas
principalmente pelo homem: “do lado pragmatista temos somente uma
edição do universo, inacabado, expandindo em todas as espécies de
lugares, especialmente naqueles onde seres pensantes estão
trabalhando” (James, 1907/1988, p. 116). Um mundo pluralista está
aberto à ação humana. Sobre esse ponto, vale resgatar as palavras
de James (1907/1988): “o mundo permanece realmente maleável,
esperando receber os seus retoques finais de nossas mãos” (p. 115).
Se o mundo cresce e se expande, por que as mudanças feitas nele
pelo homem também não se ampliariam? Para James (1907/1988),
o homem adiciona, enriquece algo à realidade, e “essa realidade tolera
a soma” (p. 114). Esse acréscimo vai desde a organização das
sensações até as realidades mais abstratas, tais como: “as principais
formas de nosso pensamento, a separação dos sujeitos dos
predicados, os julgamentos negativos, hipotéticos e disjuntivos, são
puramente hábitos humanos” (James, 1909/1970, p. 59).

88 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


É certo que para o pragmatismo o homem age em um mundo
pluralista, não obstante, o próprio homem seria plural? O mundo,
como disse James (1907/1988), “está cheio de histórias parciais que
correm em paralelo, com eçando e term inando em horas
desencontradas” (p. 67). Essas histórias são constituídas por histórias
individuais humanas, de tal modo que apropria história de uma pessoa
é atravessada pela história de outrem: “ao acompanhar a história de
sua vida devo temporariamente desviar a atenção da minha própria
história” (James, 1907/1988, p. 67). Não apenas homens compõem
diferentes narrativas no mundo, mas o próprio homem encerra
pequenas histórias, que ora se entrelaçam e ora se desenlaçam de
modo que não podem ser unificadas nalgum lugar. Explicando de
outra forma, mesmo tendo uma participação ativa na construção do
mundo, o homem não é o porto seguro no qual se pode apoiar a
pluralidade do mundo para unificá-lo, atá-lo, ancorá-lo - o fundo
rochoso no qual o mundo pode lançar sua âncora. O homem não é
uma plataforma arquimediana, um ponto fixo e prévio que transforma
o mutável em imutabilidade. Ele não apreende o mundo em uma
unidade totalizadora (James, 1907/1988,1909/1970). Assim como
o mundo, o homem também é plural.
O comportamentalismo radical compartilha da acepção de
comportamento como ação situada (cf. Skinner, 1969, pp. 7-10,
1989, p. 62). A lém disso, há afinidades eletiv as entre
comportamentalismo skinneriano e pragmatismo (cf. Skinner, 1979,
p. 48). Considerando essas relações, haveria espaço na teoria
skinneriana para a manutenção e a legitimidade do conceito de homem,
tal como se verifica no pragmatismo? Estudar o homem à luz do
comportamento anularia, paradoxalmente, o próprio homem? Caso
ainda subsista alguma noção de homem no comportamentalismo
radical, ela seria consistente com uma visão pluralista? Este capítulo
pretende examinar essas questões pontuando, sempre que possível,
as eventuais interfaces entre comportamentalismo e pragmatismo no
tocante à temática do humano.

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 89


Comportamentalismo skinneriano e seu caráter “radical”
O comportamentalismo de Skinner adota o comportamento
como objeto de estudo. Isso é lugar comum. Não obstante, a teoria
skinneriana não é só comportamentalismo; é comportamentalismo
radical. Ele esclarece esse adendo dizendo que a expressão
“comportamentalismo radical” designa “a filosofia de uma ciência do
comportamento que o trata como objeto de estudo cm seu próprio
domínio, separado de explicações internas, mentais oufisiológicas”
(Skinner, 1989, p. 122). Com efeito, o caráter radical do
comportamentalismo skinneriano reside na proposta de explicar o
comportamento empregando termos, conceitos, e leis derivados do
exame das relações do indivíduo com seu contexto natural e social.
Trata-se, então, de im pugnar a redução das explicações
comportamentalistas a explicações pautadas em uma mente
substancial, ou em um funcionamento fisiológico. Partindo do
comportamento, Skinner (1968,1971,1974,1989) tenta explicar,
ao longo de sua obra, temas genuinamente psicológicos, tais como
liberdade, criatividade, pensamento, percepção, e, o alvo de interesse
deste exame, o homem. Mas o que é o homem?
Na filosofia, a resposta a essa questão muitas vezes é dada
referindo-se a uma característica ou propriedade essencial que
diferenciaria o homem do resto da natureza (Ferrater Mora, 1994/
2001b). Isso engendrou diferentes acepções de homem, tais como:
o homem é um ser natural, um homem-máquina, um animal social,
um animal que fabrica coisas, um ser linguístico ou simbólico, um
ser racional, um centro ou fundamento último do conhecimento, um
ser intencional, livre, criativo, um animal moral, um ser ético, um ser
capaz de julgar, um ser único, uma pessoa, um indivíduo (cf. Ferrater
M ora, 1994/2001b, pp. 1378-1385). Considerando essas
definições de homem, cumpre indagar: o conceito de homem no
comportamentalismo radical admite algum desses significados?

90 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


Comportamentalismo radical: comportamento e homem
M an ten d o -se fiel ao caráte r ra d ic a l de seu
comportamentalismo, Skinner (1969,1971) precisa explicar, com
base no comportamento, tanto o mundo quanto o homem. Em outras
palavras, mundo e homem são de natureza comportamental. Qual
é, então, a natureza do comportamento? Skinner (1953) responde:
“desde que [o comportamento] é um processo e não uma coisa,
não pode ser facilmente imobilizado para observação. Ele é mutável,
fluido e evanescente” (p. 15). Ao que parece, nessa definição,
Skinner defende que no comportamento não há permanência
absoluta (uma coisa ou uma substância), mas processo, mudança.
Como consta no capítulo anterior, a concepção de mundo
comportamentalista radical, dada as suas afinidades com o
pluralismo pragmatista, inclui justamente esse traço. O controle
exercido pelas situações antecedentes e pelas consequências é
probabilístico: o setting sinaliza a probabilidade de um tipo de açâo
ser seguido por uma consequência; esta, por seu turno, engendra
tendências, probabilidades, permanências relativas e não absolutas
(Skinner, 1953, 1969, 1989). Nessa ótica, o papel da situação e
das consequências constitui uma trama de possibilidades - o mundo
é aberto admitindo mudança, variação, novidade. O mundo não é
coisa, mas tendência e potencialidade.
Em uma perspectiva comportamentalista, à semelhança
do mundo, o homem não poderá ser considerado uma coisa: sua
natureza é mutável. De imediato, o comportamentalismo radical
impugna uma teoria substancialista do homem. Isso significa que a
filosofia skinneriana não pode aceitar a noção de que o homem é
uma essência, algo que perdura no devir e na contingência; aquilo
que se mantém permanente sob os acidentes múltiplos c mutáveis
da vida (Skinner, 1971). Defender isso significa, então, que a teoria
skinneriana não advoga a existência de características exclusivas

CONVERSAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 91


ao homem? Não haveria, pois, diferença entre o homem e as demais
espécies?
Skinner (1971, 1981, 1989) compactua com a visão
darwinista de homem: não compartilha da concepção de que o
homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Não defende,
por conseguinte, que o homem assume uma posição superior na
natureza, fruto de um planejamento prévio de criação. Tanto é assim
que utilizou animais, como ratos e pombos, para estudar o
comportamento (Skinner, 1938/1991). É possível aplicara Skinner
(cf. 1989, p. 27) o seu próprio raciocínio: o fato de ter dispensado
Deus como um Criador, significa que ele também descartou da
ciência do comportamento a imagem de Deus chamada Homem?
Ao invés de o homem ser concebido a imagem e semelhança de
Deus passaria agora a ser visto como imagem e semelhança de um
rato, pombo ou cachorro24?
Empregar outras espécies no estudo do comportamento
não significa que Skinner (1971) desconsidera as especificidades
do homem: “o homem é muito mais do que um cachorro” (p. 201),
ele replica. Todavia, continua: “mas como um cachorro, ele está no
âmbito de uma análise científica” (p. 201). As diferenças entre homens
e outros animais não são obscurecidas quando, por exemplo,
fisiologistas examinam os sistemas respiratório, reprodutivo,
digestivo, e endócrino em outras espécies. No entanto, por que
essas diferenças são fervorosamente invocadas no estudo do
comportamento humano? (Skinner, 19 7 1). Uma coisa é reivindicar
uma discussão ética sobre o emprego de espécies não humanas em
experimentos para benefício do homem, o que não está em questão
no momento. Outra é dizer que a Análise do Comportamento reduz
o homem a um mero animal, sendo que a palavra animal, nesse

24 A menção ao cachorro diz respeito às contribuições do fisiólogo russo I. P. Pavlov


(1849-1936), uma figura muito citada na história do Comportamentalismo (cf. Skinner,
1971, p. 201).

92 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


contexto, é empregada em uma acepção depreciativa: “ ‘animal’ é
um termo pejorativo, mas somente porque ‘homem’ se transformou
em um termo honorífico espúrio” (Skinner, 1971, p. 201). Skinner
(1971) declara que semelhanças, e tampouco diferenças, entre
animais humanos e não humanos não devem ser exageradas; no
entanto, provoca: “mas não podem os descobrir o que é
‘essencialmente’ humano até que tenhamos investigado sujeitos não
humanos” (pp. 20 1-202).
As aspas empregadas por Skinner (1971) no vocábulo
essencialmente do trecho supracitado merecem ser ressaltadas. Esse
recurso gráfico ajuda a captar o posicionamento skinneriano acerca
da problemática do homem: o caráter mutável do comportamento
impede a defesa de uma natureza ou essência humana, de algo fixo e
imutável que definiria o homem como tal. Contudo, isso não implica
necessariamente na tese de que não haja características humanas
específicas. Como se verá adiante, Skinner (1971) advoga que o
homem exibe diferenças em relação às demais espécies, sem que
isso esteja assentado na ideia de natureza humana. Há caracteres
exclusivos humanos que derivam da relação do homem com o mundo;
mas como essa relação é mutável, não é possível sustentar que se
trata de características estanques, dc uma essência; são traços
temporais, relativos.
Até aqui é possível concluir que a noção de comportamento
não exclui o homem da filosofia skinneriana: ele deve ser definido cm
termos de comportamento. Em primeiro lugar, isso dá relevo ao caráter
processual desse homem; o homem exibe regularidades que sofrem
transformações. Em segundo, isso implica em excluir uma concepção
específica de homem, que o concebe como coisa ou essência. Em
terceiro lugar, Skinner (1 9 7 1 ,1 9 8 9 ) inscreve o homem como ser
natural25: o homem não é divino, não é sobrenatural, mas compartilha

25O termo natural será empregado aqui no sentido amplo de oposição à sobrenatural.

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportannentalismú Radical 93


com outros anim ais a condição terrena. Nesse sentido, o
comportamentalismo skinneriano trata do homem grafado com “h”
minúsculo, e não do Homem com a inicial maiúscula. Skinner parece
seguir o caminho do pragmatismo alocando a discussão do homem
em um contexto terreno, concreto, e não celestial e abstrato,
contribuindo para que “a terra das coisas, há muito lançada nas
sombras pelas glórias dos mundos celestiais, retome seus direitos”
(James, 1907/1988, p. 57).
Enfim, o comportamentalismo radical não decreta a abolição
do homem. Declara, isto sim, a abolição de uma dada concepção de
homem, que receberá agora exame mais atento: “o que está sendo
abolido é o homem autônomo - o homem interior, o homúnculo, o
demônio possuidor.... A ciência não desumaniza o homem, ela o
des-homunculiza [de-hotmmcidizes], e deverá fazê-lo se quiser evitar
a abolição da espécie humana” (Skinner, 1971, p. 200).

O homem autônomo versus um homem relacional


A concepção comportamentalista radical de homem,
calcada no comportamento, contesta uma visão bastante comum e
dominante que trata o homem como um ser autônomo - um ser que
subsiste incólume, a despeito dos diferentes contextos com os quais
possa interagir no curso de sua existência. Na psicologia essa teoria
pode ser entendida por meio das noções de personalidade ou agente
iniciador do comportamento. O homem é autônomo, uma vez que
é causa de suas próprias ações, entendidas como simples sintoma
ou expressão do que se passa em seu interior (Skinner, 1989). Diz-
se, por exemplo, que o sujeito delibera e depois executa, sente e
depois demonstra, pensa e depois faz, deseja e depois realiza. Em
outras palavras, as ações do homem são reféns de sua intenção,
sentimentos, cognição e volição.
Mas na teoria do homem autônomo, o homem não se
identifica com o conjunto dessas atividades; ele é o “dono”, o

94 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


“executor”, uma substância que dá origem a elas. As mudanças de
contexto pelas quais o homem pode passar em sua história de vida
não afetariam a sua essência, que permaneceria a mesma, idêntica,
imutável. Com efeito, o contexto é inócuo em termos causais; a
noção de homem autônomo presume justamente isto: o homem
autônomo é livre no sentido de que seu comportamento não é
causado pelo contexto, apenas por suas deliberações interiores.
Skinner (1971) resume o ponto:

Ele [o homem interior] não é um mediador entre a história


passada e o comportamento contemporâneo, é o centro
do qual o comportamento emana. Ele inicia, origina, e cria,
e, ao fazer isso, permanece divino, como o era para os
gregos. Dizemos que ele é autônomo - e, para uma ciência
do comportamento, isso significa milagroso, (p. 14)

De acordo com a teoria do homem autônomo, o contexto,


na melhor das hipóteses, é apenas palco ou cenário para o
protagonista; nele, o homem encena seu drama, exibindo diferentes
personagens ou máscaras. Aliás, a metáfora das máscaras (Sennett,
1974/1988) capta bem a noção de um homem uno que permanece a
despeito das mudanças, mostrando afinidades com a teoria
substancialista26. Essa metáfora sugere que o indivíduo, em suas
interações sociais, empregaria uma diversidade de máscaras,
desempenhando os papéis de amigo(a), de filho(a), de namorado(a),

26 Skinner (cf. 1989, p. 28) invocou a metáfora das máscaras para dar relevo à ideia de
que uma pessoa e nada mais que um conjunto de repertórios comportametitais
construídos ao longo da vida do indivíduo; “ao vestir diferentes máscaras, ele [o ator]
poderia interpretar diferentes papéis, Contingências de reforçamento operante têm
efeitos bastante similares” (p. 28). Contudo, tendo em vista as afinidades entre a
metáfora das máscaras e o substancialismo, por um lado, e a crítica skinneriana a essa
filosofia, por outro, pode-se concluir que aquela nào é uma boa metáfora para entender
a pessoa como uma pluralidade de padròes comportamentais. A noçào de rostos, e
nâo a de máscaras, parece ser mais apropriada para esclarecer a acepção de pessoa em
uma perspectiva comportamentalista radical.

CO N VER SAS Pragmatislas sobre Comportamentalismo Radical 95


de irmão(a), de professor(a), e assim por diante. Essas máscaras,
contudo, não expressariam o verdadeiro homem, que subsistiria como
unidade atrás delas. Tem-se, aqui, a reedição da famosa dicotomia
essência-aparência: as ações de um indivíduo, as máscaras ou papéis
que representa, são sua aparência, o sujeito uno sua essência; a
aparência pode variar, a essência permanece imutável; a aparência
pode ser percebida por outros, a essência permanece escondida.
A teoria do homem autônomo é uma teoria monista e não
pluralista. É a teoria do homem como ser uno e não como ser plural.
A trama conceituai que define o homem autônomo por vezes o
identifica com a permanência, a estabilidade e a imutabilidade.
Circunscrever o homem nos acidentes da vida lhe retiraria essa
condição. Mudanças, variações, incertezas, ambiguidades não
poderiam defini-lo: isso é apenas sua aparência, suas máscaras.
O homem autônomo também não encontra guarida em uma
concepção comportamentalista. Ele fere o campo das relações
comportamentais, isto é, das relações inextricáveis entre homem e
mundo. A teoria do homem como agente iniciador não inscreve o
homem no mundo, mas o caracteriza a despeito do mundo. O mundo
não toca o homem, não faz parte dele, não integra sua condição.
Diferente da noção de homem autônomo, a teoria comportamentalista
encrava o homem no mundo. Isso porque, vale recuperar isto, o
comportamento é ação situada no mundo. Se o homem é definido no
comportamento, e comportamento é ação inserida no mundo, então,
o homem está inscrito no mundo. E na relação com o mundo - a bem
dizer, é no comportamento - que o homem emerge.

Homem: culpado ou vítima?


No embate com a teoria do homem autônomo, Skinner
(1981), amiúde, deu ênfase ao papel do ambiente antecedente e
consequente. Exemplos disso foram citados no início deste capítulo.
Mas o destaque ao ambiente não vincula inelutavelmente o

96 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Oamásio Abib


comportamentalismo skinneriano a explicações extemalistas-
ambientalistas, que priorizam o ambiente em prejuízo do homem.
Na verdade, a despeito de suas sensíveis diferenças, as teorias do
homem autônomo e do ambientalismo parecem ser subsidiárias da
mesma lógica de explicação: aquela que instala uma dicotomia entre
homem e mundo; aquela que os concebem como originalmente
separados; aquela que os vincula por algum princípio de associação,
ora ancorado no homem (representações), ora no ambiente
(contiguidade, repetição); aquela que fixa um início absoluto, seja
no homem (eu iniciador), seja no mundo (ambiente iniciador). Se
pela teoria do homem autônomo a culpa recai no indivíduo, pelo
ambientalismo ela incide no ambiente; se no primeiro caso o homem
é culpado, no segundo é vítima.
O desafio que se instala à teoria skinneriana de homem é
espinhoso. De um lado, as críticas de Skinner (1971,1981,1989)
ao agente iniciador não subscrevem a visão de um homem culpado.
Por outro lado, a sua ênfase pronunciada no papel do contexto selaria
a noção de homem como vítima do mundo? É possível, pois, se
desvencilhar das condições de culpado ou vítima? Em vários
momentos, Skinner não parece ter dado uma ênfase ao mundo em
detrimento do homem. A frase inaugural do livro Comportamento
Verbal é um caso emblemático. Nela Skinner (l 957) afirma “homens
agem sobre o mundo, modificam-no e são modificados, por sua vez,
pelas consequências de suas ações” (p. 1). Ressalta-sc, aqui, que
Skinner não começa dizendo que o mundo age sobre os homens; são
os homens que agem sobre o mundo. Desse modo, criticar a tese de
que o homem é o agente iniciador não significa defender a proposição
de que o homem não é ativo. O homem é ação: homens agem!
A princípio, o homem não é vítima. O homem torna-se
vítima quando sua capacidade de agir é coibida por formas de
relações não sociais e sociais que tolhem sua liberdade. O homem

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 17


é vítima de intempéries e desastres naturais que, não raro, o impedem
de agir, deixando-o desamparado, incapaz de reagir à “fúria da
natureza”. O homem é vítima de relações humanas desiguais, cujo
poder reside nas mãos de poucos que se valem de formas coercitivas
de controle social. O homem é também vítima de tipos de controle
aparentemente benevolentes, mas que, em longo prazo, produzem
consequências aversivas mantendo a desigualdade social. Nesses
dois últimos casos há exploração, há escravidão, mas o segundo é
ainda mais usurpador, pois engendra o “escravo feliz” - aquele que
não se revolta contra sua condição de miséria e dominação (cf.
Skinner, 1971, pp. 32-40). Disso decorre que, na perspectiva
skinneriana, o homem é ativo quando é livre. O homem é livre
quando suas ações constituem formas de controle que não produzem
consequências aversivas, contemporaneamente ou em longo prazo.
O homem é ativo quando livre em uma acepção mais
primordial. A noção de comportamento inscreve o homem no mundo,
mas em um mundo pluralista, indeterminista (cf. cap. 2). Nesse
mundo, regularidade e variabilidade encontram-se coordenadas. As
regularidades são susceptíveis a mudanças, desvios. Com efeito,
há possibilidade e não certeza (James, 1907/1988). Isso é
consistente com o papel exercido pelas situações antecedentes e
pelas consequências na teoria skinneriana. A ocorrência constante
desses tipos de eventos pode gerar regularidades, padrões
comportamentais (Skinner, 1953,1974). Mas tais regularidades
sofrem variações, mesmo que ínfimas, uma vez que o controle do
settin g e das consequências sobre as ações hum anas é
probabilístico. O homem como ação é, portanto, livre; há espaço
para que ele mude o curso dos eventos.

Homem: liberdade, atividade e responsabilidade


Nota-se que o conceito de liberdade no comporta-
mentalismo radical não passa pelo de autonomia. Na teoria do homem

98 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib


autônomo, as noções de autonomia e liberdade estão vinculadas à
ideia de um contexto inerte, que não assume papel “causal”27: “na
visão tradicional uma pessoa é livre. Ela é autônoma no sentido de
que seu comportamento não é causado” (Skinner, 1971, p. 19). Já
no comportamentalismo radical, liberdade e atividade pressupõem
uma relação de dependência do homem com o mundo; elas não se
dão sem o mundo ou malgrado o mundo. E justamente em um mundo
aberto ou probabilístico que liberdade e atividade humanas são
possíveis.
Um homem livre e ativo é também um homem responsável.
Skinner (1971) criticou a noção de responsabilidade da teoria do
homem autônomo, condicionando a existência do homem ao mundo.
Essa crítica deu ensejo a interpretações de que a filosofia skinneriana
retirou do homem a responsabilidade pelas suas ações, alocando-a
no ambiente (Carrara, 2005; Skinner, 1974). O argumento parece
ser o seguinte: ora o comportamentalismo skinneriano aboliu a noção
de homem autônomo, então, o homem não pode ser mais
responsável pelo seu sucesso ou fracasso na sociedade. De culpado,
o homem passa à condição de vítima.
E certo que Skinner (1971) não acompanha a noção de
responsabilidade pessoal assentada na teoria do homem autônomo.
No entanto, isso não é o mesmo que celebrar a irresponsabilidade
humana. Ao que parece, o conceito de responsabilidade, retirado da
trama semântica do homem autônomo, e reinserido na estrutura
conceituai do comportamento, não seria inconsistente com o
comportamentalismo radical. Em outras palavras, a noção de

27 Vaie lembrar que Skinner (cf. 1953, pp. 35-42; 1971, pp. 217-218) considera
causalidade, causa e efeito termos bastante desgastados na ciência. É provável que as
aspas, usualmente empregadas quando cita essas palavras, justiflquem-se pelo fato
de ele defender uma relação de dependência entre tipos de eventos distinta. Skinner
(1953) propõe a substituição de causalidade por relação funcional, e dc causa c efeito
por variável independente e dependente, respectivamente.

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 99


responsabilidade parece decorrer da própria definição de
comportamento: homens agem e são modificados pelas consequências
de suas ações. Em uma visão extemalista-ambientalista homens não
agem, reagem. Em uma visão intemalista, homens não são afetados
pelas consequências de suas ações, já que agem e existem
independentemente de sua relação com o mundo. A relação recíproca
entre ação e consequências da ação conduz a uma concepção
relacionista ou comportamentalista de responsabilidade pessoal.
Homens são responsáveis na medida em que as consequências
produzidas por suas ações modificam e constroem o mundo natural e
social. E sua responsabilidade aumenta na exata medida em que seu
poder de modificação se amplia. Nesse sentido,

O homem “controlou seu próprio destino”, se é que tal


expressão realmente diz alguma coisa. O que o homem
fez do homem é o produto da cultura que o homem
planejou.....Ambos os processos de evolução [biológica
e cultural] podem agora ser acelerados, pois estão
submetidos a um planejamento intencional. Os homens
já têm modificado sua constituição genética por meio da
rep ro d u ção se le tiv a e m udado c o n tin g ê n cia s de
sobrevivência, e podem agora começar a introduzir
mutações diretamente relacionadas à sobrevivência. Por
um longo tempo, os homens introduziram novas práticas
que funcionaram como mutações culturais, e mudam as
condições em que essas práticas são selecionadas.
(Skinner, 1971, p. 208)

Com efeito, a definição de comportamento como ação


situada no mundo é consistente com uma concepção de homem
livre, ativo e responsável. As noções de culpado ou vítima não são
inerentes à concepção de homem do comportamentalismo radical.
São inerentes, isto sim, a formas específicas de relações sociais que
empregam consequências exploradoras. O homem é culpado
quando destrói a natureza e subjuga outros homens. O homem é
vítima quando é impedido de agir, quando é espoliado e escravizado.

100 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
Homem e mundo: antinomia?
Asseverar a liberdade, a atividade e a responsabilidade
do homem em uma perspectiva comportamentalista radical pode
soar contraditório. Ora, como defender a ideia de um homem livre,
ativo e responsável, na teoria skinneriana, diante de enunciados tais
como aqueles citados no início deste capítulo? Vale recuperar alguns
deles agora: “... é o ambiente que age sobre quem o percebe, e não
a pessoa que percebe que age sobre o ambiente” (Skinner 1971,
p. 188); ou ainda: “uma pessoa não age sobre o mundo, o mundo
age sobre ela” (p. 211).
Considerando a critica de Skinner (1971,1981,1989) à
teoria do homem autônomo, talvez esses trechos adquiram outro
significado. Cabe ressaltar que no contexto da discussão skinneriana
o que está sempre em jogo é uma teoria específica de homem, a de
homem autônomo ou agente iniciador, e não a concepção de homem
per se. Convém chamar a atenção para o movimento “dialógico”
que caracteriza o já mencionado capítulo, O que è o homem?.
Skinner (1971) inicia o texto apresentando uma tese que será
criticada por ele: o homem autônomo origina o comportamento.
Na sequência apresenta outra: “o agente autônomo, ao qual o
comportamento foi tradicionalmente atribuído é substituído pelo
ambiente” (Skinner, 1971, p. 184). Ele dá vários exemplos que
ilustram como o ambiente pode assumir a função do homem
autônomo na explicação de uma série de fenômenos psicológicos,
tais como: agressão, traços de caráter, atividades cognitivas
(atenção, percepção, discriminação, abstração, generalização,
memória, pensamento, conhecimento, consciência), sentimentos,
motivação, intenção e propósito, moralidade e ética, e a própria
noção de Eu (cf. Skinner, pp. 185-199).
Tudo leva a crer que a proposta skinneriana restringir-se-
á a isto: a substituição do homem autônomo pelo ambiente, e a

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 101


consequente desconsideração do homem, seja em que acepção
for. Mas não é isso o que acontece. Depois de criticar o homem
autônomo, Skinner recupera o homem em outras bases conceituais
(cf. Skinner, 1971, pp. 205-215), afirmando: “o próprio homem
pode ser controlado pelo seu ambiente” (p. 205), e logo em seguida
completa dizendo, “mas por um ambiente que é quase inteiramente
produto de sua própria lavra” (pp. 205-206). Isso porque “o
ambiente físico da maioria das pessoas é, em boa medida, produto
humano” (p. 206), e “o ambiente social é obviamente produzido
pelas mãos do homem” (p. 206). Diz ainda que “a evolução de uma
cultura constitui, com efeito, uma espécie de gigantesco exercício
de autocontrole” (p. 206), pois quando muda a si mesmo alterando
o mundo no qual vi ve, o homem promove, em última instância, a
evolução cultural. Enfim, “o homem, tal como o conhecemos, para
melhor ou para pior, é o que o homem fez de si mesmo” (p. 206).
Estaria Skinner (1971) priorizando agora o homem em
detrimento do mundo? Nào se trata disso. O encaminhamento
skinneriano da problemática do homem parece incorrer em um circuito
virtuoso homem-mundo ou mundo-homem. Partindo do homem cai-
se no mundo, partindo do mundo recai-se no homem: “quando uma
pessoa muda seu ambiente físico e social ‘intencionalmente’...
desempenha duas funções: uma como um controlador, como
planejador de uma cultura controladora, e outra como o controlado,
como o produto de uma cultura. Não há nada de inconsistente nisso”
(Skinner, 1971, p. 207). Homem e mundo são, pois, indissociáveis.
Isso coaduna com as palavras de James (1907/1988):

O rio faz suas margens, ou são as margens que fazem o


rio? Um homem anda mais essencialmente com sua perna
direita ou com sua pema esquerda? Isso pode ser tão
impossível quanto separar o real dos fatores humanos
no crescimento de nossa experiência cognitiva, (p. 113)

102 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
À semelhança de James, Skinner (1971) articula homem e
mundo em uma perspectiva inteiramente relacional: não há homem
sem m undo, tam pouco m undo sem hom em . A qui, o
comportamentalismo skinneriano mostra seu caráter radical: o homem
é definido na relação comportamental. O que é o homem, então, se
não for o homem autônomo? O homem é processo, ainda que exiba
regularidade; é livre, mesmo dependendo do mundo; é ativo, embora
não inicie o comportamento; é responsável, malgrado não seja o
causador exclusivo de seus próprios atos.
O conceito de homem no comportamentalismo radical
parece ainda suportar outras acepções. Há dimensões mais concretas
do homem que podem ser divisadas na teoria skinneriana. Há faces,
rostos, e não máscaras. Nesse caso, o mote não é buscar aquilo que
se esconde por detrás do que aparece, aquilo que perdura nas
mudanças, tal como faz o substancialismo. Diferente disso, a filosofia
skinneriana busca as faces do homem na relação com o mundo.

Algumas faces do homem no comportamentalismo radical


As faces do homem vão se constituindo à medida que sua
relação com o mundo vai se tomando diferenciada e complexa.
Essa diferenciação está inscrita em diferentes perspectivas históricas
nas quais se situam as ações humanas: o mundo físico-natural, o
mundo vivo-natural, o mundo social e cultural, e o mundo individual.
Com efeito, o homem é um ser mundano, e a caracterização de
suas dimensões deve respeitar sua condição terrena.

Mundo físico-n aturai


Homem físico, mas não máquina
O homem compartilha com os outros animais a condição
terrena. Não obstante, essa condição do homem não deve ser
entendida em termos exclusivamente mecânico-materiais: o homem

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 103


não é homem-máquina. A teoria do homem-máquina é notadamente
materialista e mecanicista, e surgiu no século XVIII contra teorias
metafísicas, espiritualistas e imaterialistas de homem. Por influência
do método científico newtoniano, a teoria do homem-máquina foi
considerada científica, pois tentava explicar o homem recorrendo a
princípios puramente mecânicos (cf. Feirater Mora, 1994/200 lb,
pp. 1383-1385). Skinner (1971) também advoga que o homem
deve ser explicado em termos científicos: “a tarefa de uma análise
científica é explicar como o comportamento de uma pessoa, como
um sistema físico, está relacionado às condições sob as quais a
espécie humana evoluiu e às condições sob as quais os indivíduos
vivem” (Skinner, 1971, p. 14). E até compartilha com a teoria do
homem-máquina a ideia de que o comportamento é um sistema que
apresenta regularidades: “homem é uma máquina no sentido de que
ele é um sistema complexo que se comporta de maneira regular,
mas a complexidade é extraordinária” (Skinner, 1971, p. 202).
Ainda que empregue o termo físico28 para caracterizar o
comportamento como um sistema, e embora admita regularidades
no homem, Skinner (1971) não parece defender uma explicação
mecânica, ou mesmo uma que reduza o homem a seus componentes
físico-químicos. Mesmo que um dia a capacidade de o homem se
ajustar às condições ambientais possa ser simulada por máquinas,
Skinner (1971) endossa: “os sistemas vivos assim simulados
permanecerão únicos de outras maneiras” (p. 202). Isso sugere a
defesa de aspectos particulares e irredutíveis de fenômenos vivos à
matéria inanimada. Com efeito, o homem não é stricto sensu
homem-máquina, mas ele pode se tomar um: “o escravo na
plantação de algodão, o guardador de livros em seu assento, o
aluno sendo submetido a exercícios repetitivos pelo professor-
esses eram os homens-máquina” (Skinner, 1971, p. 203).

2STalvez físico seja usado aqui em oposição a místico ou sobrenatural, perspectivas


repudiadas por Skinner (1971,1989) na sua proposta de análise do comportamento
humano.

104 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
Inscrito em um mundo físico-natural, o homem assume
uma estrutura física constituída por elementos subatômicos, átomos,
moléculas - embora não possa ser entendido exclusivamente com
base nessa condição. Complementando Skinner (1981), o homem
parece estar, antes de tudo, situado em um mundo cósmico,
compartilhando com o universo os elementos constituintes da matéria
terrestre e universal, bem como a sua característica de ordem e
desordem, regularidade e variabilidade (Peirce, 1892/1992). Nessa
dimensão o homem já apresenta uma face física.

Mundo vivo-natural
Homem orgânico
Situado agora em um mundo vivo-natural, o homem
adquire outras faces. O homem é um “macaco nu” (Skinner, 1971,
p. 196), no sentido de que é um organismo, com uma constituição
genética e estrutura anatomofísiológica, e com um repertório inato
de comportamento (reflexos incondicionados e instintos). Esse
organismo bioquímico e comportamental segue uma ascendência
comum com outros animais, especialmente símios. Todo esse
conjunto é usualmente chamado de “natureza humana”. Skinner
(1971) tem ressalvas com respeito a essa expressão, e também
com a de “constituição genética” (Skinner, 1974). Elas podem sugerir
a ideia que são algo que o organismo possui. Na perspectiva
skinneriana, o organismo humano compartilha com outras espécies
uma história evolutiva que não é armazenada; essa história “muda
um organismo, mas não é armazenada nele” (p. 196). Quando
fisiologistas e anatomistas esquadrinham um organismo humano, “não
vão encontrar um macaco, ou um touro, e nem mesmo instintos.
Encontrarão, sim, características anatômicas e fisiológicas que são
produto de uma história evolutiva” (p. 196) - enfim, o que eles
veem não é essa história, mas o produto dela.

CON VER SAS Pragmatístas sobre Comportamentalismo Radical 105


Vale ressaltar que, ao chamar a atenção para o papel do
mundo na constituição do homem, Skinner (1971) não deixa o
“organismo vazio” (p. 195), como comumente foi acusado de fazer.
Ele complementa que “muita coisa continua dentro da pele e,
finalmente, a fisiologia nos dirá mais sobre isso” (p. 195). Nessa
perspectiva, o organismo como estrutura bioquímica é objeto de
estudo da fisiologia e da ciência do cérebro (Skinner, 1990). E já
nesse ponto o homem apresenta uma particularidade: “cada célula
no seu corpo [do homem] é um produto genético único, tão único
quanto a clássica marca da individualidade, a impressão digital”
(Skinner, 1971, p. 209). Não obstante, cabe lembrar que o
organismo também é ação filogenética: “um organismo é mais do
que um corpo; ele é um corpo que faz coisas. Tanto órgão quanto
organismo estão etimologicamente relacionados a trabalho. O
organismo é o executor” (Skinner, 1989, p. 28). Como ação
filogenética o organismo é assunto da etologia (Skinner, 1990).
Em suma, a história filogenética, ao longo de milhões de
anos, engendrou, por meio de processos de variação e seleção,
uma face orgânica do homem: uma estrutura bioquímica e um
repertório comportamental inato únicos. O homem seria definido,
então, por essa face orgânica? Não parece ser esse o caso, pois
ele também é produto de outro tipo de evolução, a cultural, como
pontua Skinner (1971) ao dizer que, “ele [o homem] emergiu de
dois processos de evolução bastante diferentes: a evolução biológica
responsável pela espécie humana e a evolução cultural conduzida
pela espécie” (p. 208).

Mundo social e cultural


Homo faber e homem verbal
O homem, assim como outras espécies, é social na medida
em que sua sobrevivência depende da presença do outro. Ademais,
o fato da presença de membros da mesma espécie ser um dos

106 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
aspectos mais estáveis e constantes do ambiente criou condições
para o surgimento de comportamentos sociais, que se verificam
não só em humanos, mas também em outras espécies sociais. Skinner
(1981) exemplifica: “muito do comportamento estudado por
etólogos - a corte, o acasalamento, o cuidado dos filhotes, a
agressão intraespecífíca, a defesa do território, e assim por diante -
é social” (p. 501). Isso quer dizer que o ambiente social não é uma
exclusividade humana.
A relação das espécies, não-humanas e humanas, com o
ambiente natural e social tomou-se diferenciada com a fabricação e o
uso de instrumentos. Por exemplo, a obtenção de alimentos, bem
como a defesa do território contra outras espécies, poderiam ser
mais efetivas por meio do uso de ferramentas, como varas, paus e
pedras, e, posteriormente, com o emprego de foices, martelos, e
machados pela espécie humana. O potencial transformador do uso
de instrumentos se faz notar de modo evidente com a tecnologia
produzida pelo homem. Em um contexto mais recente de evolução
da cultura, a ação produtiva tomou o homem capaz de responder a
pequeníssimas coisas de seu mundo com o uso de um microscópio
eletrônico, ou responder a objetos de dimensões cósmicas com o
emprego de telescópios; pode agir sobre o mundo com a “precisão
delicada de um micromanipulador ou com o poder e alcance de um
foguete espacial” (Skinner, 1971, p. 202). Com barcos, carros,
aviões, e outros meios de transporte, o homem pode acelerar a
realização de tarefas cotidianas. Nesse sentido, pode-se dizer que o
homem é homo faber, ação produtiva, na medida em que sua ação
transforma mecanicamente, ou melhor, tecnologicamente, o mundo.
Não obstante, na perspectiva skinneriana, não é a
tecnologia que diferencia os homens das demais espécies. O avanço
tecnológico só se tomou possível por meio do comportamento que
emergiu quando a musculatura vocal passou a sofrer influência do

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 107


ambiente social (Skinner, 1981). Diferente dos demais animais, o
homem, com o comportamento verbal, tomou-se capaz de formalizar
o uso dos instrumentos criados por ele, por meio de regras,
transmitidas de geração a geração. Essas regras, de primeira e
segunda ordem, formuladas pelos homens e registradas em livros e
em meios eletrônicos, podem afetar o comportamento de outros
indivíduos em diferentes lugares e momentos. Além disso, toda
tecnologia computacional permite que essas regras sejam
combinadas e recombinadas em uma velocidade tal que superaria
o gênio mais arguto (Skinner, 1971).
Com o comportamento verbal a relação do homem com
o mundo também foi transformada de modo único: tomou-se possível
agir de modo indireto no ambiente físico, mediado agora por outras
pessoas. Desse modo, o primeiro efeito do comportamento verbal
é sobre outros homens (cf. Skinner, 1957, p. 1). Em um contexto
pré-verbal um homem sedento, para obter água, precisaria dirigir-
se até uma fonte para poder saciar sua sede, e, quando
desconhecida, ele precisa descobrir sozinho onde está essa fonte;
já com o comportamento verbal basta um pedido: “dê-me um copo
d ’água, por favor” ; ou ainda, “onde posso encontrar um
bebedouro?” (Skinner, 1957). A consequência obtida (copo d’água)
é alcançada por meio do comportamento da pessoa que atendeu
ao pedido. Com efeito, o comportamento verbal é mantido pela
mediação da ação de outro indivíduo. Além disso, a mediação
operada pelo ouvinte, entre o falante e o copo d ’água, é
especializada e organizada: o ouvinte, que atende ao pedido, integra
uma comunidade verbal que o ensinou a responder às ações de
outrem de modo específico.
Por meio do uso de instrumentos o homem pode, ainda,
fabricar outras coisas, outros objetos, criando um mundo diferente,
como se vê, por exemplo, no caso da realidade virtual. Com o

108 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damàsio Abib
comportamento verbal, novas “coisas”, ou mais especificamente,
novas relações do homem com o mundo também são criadas, como
se verá adiante. O homem é, pois, ação verbal. Não obstante, a
analogia do comportamento verbal com o uso de instrumentos pode
ser enganadora: o comportamento verbal não é um instrumento ou
ferramenta no sentido de ser empregado para expressar algo, como
uma ideia, intenção, estado ou sentimento. A palavra água não é uma
ferramenta utilizada pelo homem para expressar um estado de sede
com vistas a conseguir um copo de água, à semelhança de alguém
usar um instrumento de alcance para obtê-lo. A teoria skinneriana do
comportamento verbal não é uma teoria de expressão de ideias.
A teoria do comportamento verbal também não é uma teoria
referencialista ou semântica do significado, pois o comportamento
verbal não se refere ou alude a algo além das relações do homem
com o mundo, como uma ideia, pensamento, ou sentimento
decorrentes de uma substância mental, ou mesmo um objeto no mundo
extemo, entendido como expressão de uma substância material. Trata-
se, pois, de uma teoria funcional do significado, no sentido de que o
significado de uma ação verbal encontra-se nas consequências que
ela produz (cf. Skinner, 1957, pp. 13-14). Desse modo, o significado
da palavra água não se refere a um estado mental ou fisiológico (a
depender da interpretação) de sede. A ação verbal “água”, mesmo
ocorrendo sob um estado motivacional de privação de líquidos, não
é explicada exclusivamente por esse estado, mas principalmente
porque sua emissão produziu consequências no mundo: a obtenção
de um copo d’ água no passado. O significado de uma ação verbal
está, pois, na relação com o mundo.

Homo sapiens-demens
Com o comportamento verbal, as pessoas tomaram-se
capazes não só de mostrar aos outros o que fazer - algo que, em

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 109


alguma medida J á estava presente na imitação pré-verbal mas
de dizer o que fazer. A evolução do comportamento verbal permitiu
que o comportamento em geral pudesse ser ensinado a partir de
contingências sociais especialmente organizadas para isso (Skinner,
1987, cf. pp. 75-92). O indivíduo pode se comportar em função
de uma instrução, de uma regra ou conjunto de regras. Isso criou
condições para que o mesmo pudesse ser feito em relação a si
(Skinner, 1957,1989). Com o comportamento verbal, o homem
passou a descrever o seu comportamento, e, eventualmente,
comportar-se em função dessa descrição. É nesse contexto que o
homem fica consciente de seu próprio comportamento, se age, como
age, e porque age no mundo. Skinner (1971) não nega a consciência;
nega, isto sim, uma concepção mentalista de consciência - uma
entidade imaterial e sobrenatural que distinguiria o homem como
um ser especial. No comportamentalismo radical consciência é
comportamento verbal, e sua natureza é, portanto, social29. Skinner
(1971) esclarece dizendo que “sem a ajuda de uma comunidade
verbal todo comportamento seria inconsciente. Consciência é um
produto social. Ela não somente não é o campo especial do homem
autônomo, como também não está ao alcance de um homem
solitário” (p. 192).
Cabe ressaltar, que, para Skinner (1974), há um mundo
dentro da pele: “uma pequena parte do universo está contida dentro
da pele de cada um de nós. Não há razão de ela ter um status físico
especial só por se encontrar dentro desses limites” (p. 21). O homem
não responde apenas às condições fora dos limites de sua pele, ele

29 Esse é o tratamento skinneriano da consciência reflexiva. No entanto, há um sentido


mais lato para o termo consciência, como sinônimo de estar consciente, desperto, nâo
estar em coma ou desmaiado. Nesse caso, do ponto de vista comportamentalista, estar
consciente seria sinônimo de responder discriminativamente ao mundo, estar sensível
ao ambiente, o que participa da própria definição de comportamento (Lopes, 2008).

110 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
também responde às condições mais ou menos específicas de seu
próprio corpo, que, por sua vez, são efeitos colaterais da relação
do homem com o mundo. A constituição de uma sensibilidade a
essas condições corporais parece ter sido fundamental para a
sobrevivência do organismo. Mas, com o comportamento verbal,
o homem toma-se capaz de responder verbalmente às suas
condições corporais, ele pode descrevê-las ou “introspectá-las”.
Nesse sentido, Skinner (1974, 1990a) não nega a introspecção;
nega uma concepção tradicional daquilo que é “introspectado”, pois
o que é introspectivamente observado não é uma mente imaterial.
Presumivelmente também não é o cérebro, pois o homem não dispõe
de “nervos sensoriais indo até partes importantes do cérebro; um
cirurgião pode operar sem anestesia” (Skinner, 1990a, p. 1207). O
que o homem vê quando “introspecta” é o seu corpo se comportando
(Skinner, 1974); ou “é mais provável que o que vemos por meio da
introspecção sejam os estágios iniciais do nosso comportamento,
os estágios que ocorrem antes que o comportamento comece a
agir sobre o meio” (Skinner, 1990a, pp. 1207-1208).
O processo de ensino da discriminação verbal dessas
condições corporais foi um tema recorrente na obra skinneriana
(cf. Skinner, 1945/1984, 1953, 1957, 1969, 1974). Com essa
discussão, Skinner (1974) tentou mostrar como seria possível tratar
questões tradicionalmente subjetivas de forma não mentalista,
respondendo, assim, a críticas que consideravam sua proposta
incapaz de fazê-lo. Como mencionado alhures, o ponto de partida
desse debate é a defesa de que o que “vemos” introspectivamente
não é de uma natureza especial, não é sobrenatural. Trata-se de
condições corporais. Na origem do processo de discriminação
verbal dessas condições corporais está uma série de perguntas feitas
pela comunidade verbal, que organiza condições para que o homem
fale sobre o que está acontecendo com seu corpo enquanto se

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 111


com porta (Skinner, 1974, 1981). Não obstante, ao criar
contingências para que o homem fale de suas condições corporais,
a comunidade verbal não é capaz de delimitar, de maneira rigorosa,
sob controle de que propriedades o indivíduo está respondendo.
Além disso, uma vez que o responder verbal a condições corporais
é mediado pela comunidade, a função dos estímulos interoceptivos
e proprioceptivos está contextualizada nas práticas dessa
comunidade. Por exemplo, “dor muscular” tem um sentido diferente
em comunidades verbais de atletas e de não atletas; no primeiro
caso, pode querer dizer que o treino está fazendo efeito e deve ser
continuado; no segundo, que a atividade é cansativa e deve ser
interrompida. Assim, não existe “a dor muscular”, mas “dores
m usculares” com diferentes funções, contextuaiizadas em
comunidades verbais distintas. Nesse sentido, o que define o homem
não é o fato de ele ter uma intimidade com o seu ser, um âmago que
o espera intocado para ser descrito, e que o diferenciaria de outros
seres ou coisas (cf. FerraterMora, 1994/200 lb, p. 1379). Não há
essa intimidade, o que há é um ambiente social que leva o homem a
ficar sob controle de condições corporais, respondendo de
diferentes maneiras a elas.
Não obstante, a linguagem gera autoconhecimento.
Conhecer a si próprio toma-se importante para a pessoa porque
isso é importante para a sociedade. Para uma comunidade verbal a
vida social pode ser facilitada quando o homem “toma consciência”
de si mesmo; nessa condição, ele “está em melhor posição de prever
e controlar seu próprio comportamento” (Skinner, 1974, p. 31).
Ora, quando uma pessoa fica consciente de que está com raiva de
outra, e apresenta ainda um nível de consciência tal que a permite
descrever por que isso acontece, ela pode evitar um confronto verbal
ou corporal com a pessoa odiada, deixando de ir, por exemplo, a
lugares nos quais poderá encontrá-la. Com efeito, o homem é
sapiens, um ser racional no sentido de que é capaz de descrever

112 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
verbalmente o comportamento dos outros c dc si mesmo e, com
isso, toma-se capaz de planejar, calcular, julgar situações de sorte
que mude os outros e a si próprio.
O homem c sapiens, mas também é demens. É loucura,
intuição, fé, impulso. Na perspectiva skinneriana, a loucura pode
ser entendida como uma tendência a se comportar sob controle
exclusivo de reforçadores básicos, como comida e sexo (Skinner,
1974). Desse ponto de vista, não há uma oposição irredutível entre
razão e loucura: “eles [os reforçadores básicos] não precisam ser
suprimidos pela razão; ao contrário, eles podem tornar-se
amplamente mais efetivos” (p. 131). Já a intuição c a fc dizem respeito
a contingências não analisadas (Skinner, 1974). Respondendo aos
seus detratores sobre esse assunto, Skinner declara: “mas se
comportar de modo intuitivo, no sentido de se comportar como o
efeito de contingências não analisadas, é o exato ponto de partida
de uma análise comportamentalista” (p. 132). E sobre a fé enuncia:
“é uma questão da força do comportamento resultante de
contingências que não foram analisadas” (p. 133). Já o impulso ou
“comportamento impulsivo é o efeito direto de contingências” (p.
133), isto é, um comportamento que não sofre influência de regras,
um comportamento exclusivamente modelado por contingências
(Skinner, 1969). O homem é, pois, ação consciente e ação irrcfletida.
Sapiens e demens remetem a repertórios comportamentais distintos,
mas inseparáveis: sapiens analisa demens, e, por vezes, demens
são os motivos de sapiens.

Eu
Com o comportamento verbal, a sociedade produz
consciência, autoconhecimento e, cm última instância, o próprio Eu.
Em uma dada acepção, o Eu é entendido como um conjunto de
condições corporais sentido ou introspecti vãmente observado: “o
Eu”, aqui, “é como a pessoa sente'' (Skinner, 1989, p. 28). Mas o

CON VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 113


Eu também é narrativa, uma biografia construída reflexiva e
retrospectivam ente. Importante destacar que como é uma
construção, essa narrativa não pode ser tratada como mera
apreensão, ou mesmo descoberta, da biografia. Isso quer dizer que
o autoconhecimento, a face reflexiva, não é um espelho das outras
faces do homem, mas a constituição de uma nova face que
acrescenta algo, selecionando certos aspectos e desprezando outros,
de acordo com as situações antecedentes e as consequências. Assim,
a consistência dessa narrativa - a continuidade entre o Eu atual que
conhece e os Eu’s passados conhecidos - depende da estabilidade
e da coerência das contingências passadas e presentes, mas como
isso raramente ocorre, a identidade reflexiva é, na maioria das vezes,
conflituosa:

Nesse sentido, autoconhecimento e autocontrole implicam


dois Eus. O Eu conhecedor quase sempre é um produto
de contingências sociais, mas o Eu que é conhecido pode
vir de outras fontes. O Eu controlador (a consciência ou
superego) é de origem social, mas o Eu controlado é mais
provável que seja o produto de suscetibilidades genéticas
ao reforçamento (o id ou o Velho Adão). O Eu controlador
geralmente representa o interesse dos outros, o Eu
controlado o interesse do indivíduo. (Skinner, 1971, p. 199)

Seria o homem definido exclusivamente pela evolução


cultural? Certamente não, pois ele é também produto de uma evolução
cósmica e fílogenética. As faces física, biológica e cultural seriam,
então, suficientes para caracterizar o homem? Parece que não.

Mundo individual
Pessoa biográfica
Universo, natureza e cultura ainda não sao capazes de
elucidar o humano. Há ainda outra dimensão mundana na qual o
homem está situado: o mundo de sua história individual, a sua

114 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
biografia. É certo que sem a evolução da espécie e da cultura não
haveria indivíduo, mas também sem indivíduo não haveria nem
espécie nem cultura. Uma passagem longa, mas esclarecedora,
resume o ponto:
Uma espécie não existe exceto como uma coleção de
indivíduos, do mesmo modo que não existe uma família,
tribo, raça, nação, ou classe. Uma cultura não existe à
parte do comportamento dos indivíduos que mantêm suas
práticas. É sempre um indivíduo que se comporta, que
age sobre o ambiente e é modificado pelas consequências
de sua ação, e que mantém as contingências sociais que
são uma cultura. O indivíduo é o veículo tanto de sua
espécie quanto de sua cultura. Práticas culturais, assim
como traços genéticos, são transmitidos de indivíduo para
indivíduo. Uma nova prática, como um novo traço
genético, aparece primeiro em um indivíduo e tende a
ser transmitido se contribuir tanto para sua sobrevivência
quanto para o indivíduo. (Skinner, 1971, p. 209)
Nesse contexto, emerge a face pessoal e singular do
homem: “em uma análise comportamentalista, uma pessoa [itálicos
nossos] é um organismo, um membro da espécie humana que
adquiriu um repertório de comportamento” (Skinner, 1974, p. 167);
ou uma “personalidade”, que é, “na melhor das hipóteses, um
repertório de comportamento compartilhado por um conjunto
organizado de contingências” (p. 149). Sendo assim, um homem
pode exibir diferentes pessoas ao longo de sua vida, ou mesmo
contemporaneamente.
Essa possibilidade gera conflitos, ou as conhecidas crises
de identidade, principalmente quando as situações nas quais esses
repertórios emergem se interpenetram (cf. Skinner, 1971, p. 199).
Por exemplo, um repertório comportamental constituído no ambiente
familiar pode gerar consequências aversivas quando o indivíduo muda
de cidade e vai morar longe dos pais, sozinho ou com outras

C O N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 115


pessoas. Esse mesmo repertório, constituído no seio familiar, pode
se tom ar inconciliável com outros repertórios adquiridos em
contextos diferentes, como aqueles tecidos na relação com amigos
ou com um(a) namorado(a). Uma crise de identidade pode emergir
quando, com o(a) namorado(a), o indivíduo encontra seus amigos;
ou, em uma situação ainda mais conflituosa, quando amigos e
namorado(a) vão jantar em sua casa junto com seus pais.

Pessoa corporal
E também no âmbito da história de vida que se constitui a
pessoa como um corpo próprio. No decurso dessa história, desde
muito cedo, o organismo passa a responder de maneira diferencial
aos limites de sua própria estrutura física. Nessa situação, um corpo
próprio é então constituído, contribuindo para a emergência de outra
dimensão do homem. Trata-se, de um homem pré-verbal, que surge
mesmo antes da comunidade verbal ensinar esse indivíduo a falar.
Cria-se, assim, uma face corporal, graças a uma contingência
discriminativa bastante estável, a qual o organismo está exposto
praticamente desde o seu nascimento. Nas pal avras de Skinner (1971):

Seu próprio corpo é a única parte do ambiente que


permanece a mesma (idem), momento a momento, dia
após dia. Dizemos que ela [a criança] descobre sua
identidade à medida que aprende a distinguir entre seu
corpo e o resto do mundo. Ela aprende isso muito antes
que a comunidade a ensine a nom ear as coisas e a
distinguir “mim” de “isso” ou de “você”, (pp. 198-199)

Assim, há um sentido de identidade que surge muito cedo,


graças a contingências não-verbais, das quais participa o corpo,
entendido como aparte mais estável do ambiente. Essa estabilidade
é relativa, e se fundamenta no fato de o corpo ser um todo coeso,
percebido e sentido sempre no mesmo lugar. Dessa forma, o
comportamento se dá com o corpo - à medida que o organismo se

116 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laureníi e José Antônio Damásio Abib
comporta, percebe e sente o corpo agindo. Essa vinculação entre
corpo e comportar-se cria uma primeira identificação entre indivíduo
e seu corpo, dando origem ao que se pode chamar de uma face
corporal. No entanto, vale destacar que, nesse ponto, o corpo não
tem uma pessoa, o corpo é uma pessoa: “o quadro que resulta de
uma análise científica não retrata um corpo com uma pessoa dentro,
mas sim um corpo que é uma pessoa, no sentido de que exibe um
complexo repertório de comportamento” (Skinner, 1971, p. 199).
A emergência da pessoa no interstício do universo, da
natureza e da cultura é assunto da psicologia, e, por conseguinte, da
Análise do Comportamento. Nesse contexto, delineia-se o assunto
da psicologia: intencionalidade, “personalidades”, “identidades”,
mudanças, diferenças, conflitos, crises, sentimentos, e também o
corpo. Ressalta-se, aqui, que a face corporal não se identifica
necessariamente com a face orgânica: esta é tema da fisiologia, aquela
da psicologia. Com efeito, problemas corporais, tais como, transtorno
dismórfico corporal, bulimia, anorexia, não devem ser entendidos
exclusivamente em termos de disfunções orgânicas, fisiológicas,
cerebrais ou genéticas, mas, principalmente, em termos de formas de
relações tecidas ao longo da história do indivíduo, que construíram
um corpo que lhe causa dano e sofrimento.

Pessoa intencional
A face pessoal c explicada por contingências estáveis que
selecionam padrões comportamentais estáveis; nesse ponto cria-se
também uma identificação entre o indivíduo e o que ele faz. Em
outras palavras, a pessoa também se constitui como um conjunto
de crenças, ideologias, filosofias, gostos, e humor particulares, que
nada mais são do que padrões comportamentais relativamente
persistentes. Da mesma maneira que o corpo, a pessoa não possui
esse conjunto, ela é esse conjunto de tendências, que foi construído
no curso de sua vida (Skinner, 1971).

CO N VER SAS Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical 117


A pessoa entendida como um repertório de comportamento
é uma propensão ou tendência de se comportar de uma dada
maneira. Nesse sentido, ela é ação intencional. Skinner (1971) não
rejeita as noções de intenção e propósito. O que faz, à semelhança
de Darwin na evolução das espécies, é desvinculá-las da ideia de
um planejamento. A explicação da intencionalidade, da evolução
biológica e da mudança individual, não está no futuro, mas sim nas
consequências passadas. A mão de um primata não evoluiu para
que ele pudesse manipular as coisas de modo mais eficiente; ela
evoluiu como produto da seleção de variações graduais que
contribuíram para a sobrevivência daqueles organismos que as
apresentaram. Semelhantemente, o movimento habilidoso das mãos
de um pianista não deve ser explicado por uma intenção prévia de
fazê-lo. Um pianista toca uma escala de modo fluente por causa
das consequências que se seguiram aos seus movimentos
gradativamente mais complexos no passado (cf. Skinner, 1971, pp.
204-205). O propósito de uma ação deve, pois, ser identificado
com suas consequências passadas, e não futuras.
As ações humanas são intencionais, pois encerram
tendências apontadas para o mundo em razão das consequências
que produziram no passado. As consequências delimitam o campo
do propósito e da intenção humanos (cf. Skinner, 1974, pp. 55-57).

Homem como ação moral e ética


O conceito de homem no comportamentalismo radical não
prescinde da noção de indivíduo. No entanto, a importância do
indivíduo na definição de homem não deve ser entendida como unia
defesa do individualismo. O individualista é aquele que não se
preocupa com outra coisa a não ser com sua própria existência e
bem-estar. Por isso, um dos maiores problemas do individualista é
a morte (Skinner, 1971). Em outras palavras, o individualista não
consegue lidar com a condição de finitude humana - com o fato de

118 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
ser-para-a-morte. A morte, para o individualista, significa “o projeto
da aniquilação pessoal” (Skinner, 1971, p. 210). Ele não encontra
conforto diante da possibilidade de uma contribuição subsistir a
ele; seja uma contribuição para o outro do presente ou do futuro.
Situar o homem no mundo exige o enfrentamento de sua
condição terrena. O homem é um ser finito. Como lidar com essa
limitação? Buscar condições para viver mais e melhor é uma coisa,
viver a qualquer custo parecc ser outra. Enfrenta-se a finitude
buscando a vida eterna? O Santo Graal? A obsessão pela
longevidade não seria uma reedição da visão do homem como
imagem e semelhança de Deus? À similitude de seu Criador, o
Homem não deveria conquistar a eternidade? O Homem não seria
superior aos outros animais, pois, diferente deles será um dia capaz
de resistir à própria morte?
Skinner (1971) parece sugerir que essa condição passageira,
efêmera, temporal reclama do homem um “sentido de limite” ou
“sentimento de finitude”30. Ainda que não esgote a condição humana
na natureza e tampouco na cultura, mesmo que reserve à história do
indivíduo um importante papel na definição das particularidades do
humano, Skinner (1971) logo situa o homem em sua condição terrena:
“mas o indivíduo, contudo, permanece meramente como um estágio
em um processo que teve início muito antes de ele ter nascido e que
perdurará muito tempo depois dele” (p. 209).
Enfrentar a finitude humana envolve o reconhecimento de
uma diversidade de coisas que diferem do humano e que precisam
ser respeitadas; exige o reconhecimento de que este mundo subsistirá
ao homem contemporâneo, e que, portanto, as consequências de
suas ações afetarão não só as pessoas do presente, mas também as
do futuro. Há, então, uma maneira de lidar com a morte, com a

-ü Expressões emprestadas de Rorty (2000, p. 63).

C O N V E R S A S P ragm atistas sobre C orriportam entalism o R adical 119


fmitude: agir eticamente. O homem prolonga sua vida lutando pela
sobrevivência das espécies e das culturas. O homem, na perspectiva
skinneriana, é um ser ético, ou um “animal moral” (Skinner, 1971,
p. 198). Todavia, o “homem não é um animal moral no sentido de
possuir um traço ou virtude especial; ele criou um tipo de ambiente
social que o induz a se comportar de maneira moral” (p. 198). Para
que o homem aja de maneira ética e moral é preciso haver um
contexto social capaz de encorajar esse tipo de ação. Em termos
skinnerianos, são necessários indivíduos que fortaleçam ações de
outrem que produzam consequências consistentes com o bem das
espécies e das culturas (Skinner, 1971).
Essa discussão delineia uma concepção menos divina e
mais terrena ou secular de longevidade: o homem prolonga sua vida
quando suas ações encerram variações ou mutações que incorram
no bem do outro; do outro familiar e do estrangeiro; do outro do
presente e do futuro; do outro humano e não humano. Trata-se de
uma consequência que pode ultrapassar o seu tempo de vida; mas,
ao fazer isso, o homem fez sua contribuição, uma contribuição
planetária, já que, “as ‘mutações’ que explicam a sua evolução [da
cultura] são as novidades, as inovações, as idiossincrasias que
nascem no comportamento dos indivíduos” (Skinner, 1968, p. 171).

Comportamentalismo radical e mudança do homem


A discussão skinneriana, iluminada pelas suas afinidades
com o pragmatismo, encaminha a problemática do homem para
uma direção diferente. A pergunta que cabe não parece ser mais “o
que é homem?”, mas “o que se pode esperar do homem hoje?”.
Ou no espírito do pragmatismo: “nós fazemos uma adição a alguma
realidade sensível, essa realidade tolera a soma” (James, 1907/1988,
p. 114). “A grande questão é: [ao construir o fluxo sensível] com
nossas adições, ele sobe ou desce em valor? As adições são dignas
ou indignasV (James, 1907/1988, p. 115).

120 Ca rios Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
É preciso considerar o destino multifacetado do humano.
Uma coisa parece ser ponto pacífico: é preciso que o homem mude
seu modo de relação com o mundo para que garanta a sua própria
existência e a do próprio mundo. Enfim, é preciso que se mude o
comportamento humano. Isso não é tarefa fácil. O homem é capaz
de enviar humanos e não humanos à lua, almejando até habitar outros
planetas, mas é ainda incapaz de garantir moradia a todos na Terra;
a tecnologia de alimentos avança a ritmo galopante, mas a fome
ainda assola milhões de pessoas no mundo todo; o homem é capaz
de gerar riqueza de fontes abstratas, como o próprio conhecimento
e a informação, mas milhões de famílias ainda sc encontram em
uma condição degradante abaixo da linha da miséria.
Do que o homem precisa para mudar seu comportamento?
É necessária uma nova teoria sobre cie? Seria uma concepção
científica de homem a solução para os problemas humanos? Skinner
(1971) conta que a física e a biologia avançaram quando formas
tradicionais de explicação de seus fenômenos foram abandonadas:
abdicaram de invocar espíritos, essências, forças, planos, para
recorrer a fenômenos naturais traduzidos em conceitos e leis. As
ciências humanas estariam dispostas a fazer o mesmo no tocante ao
homem? Isso pode soar ultrajante, conduzindo ainda “a uma vaidade
ferida, a sentimentos de desesperança e nostalgia” (Skinner, 1971,
p. 215).
Não obstante, Skinner (1971) pondera: “mas nenhuma
teoria muda o seu objeto; o homem continua a ser o que sempre
foi” (p. 215). O arco-íris, comenta Skinner, não deixou de ser belo
depois da teoria da luz de Newton. “O passarinho continua comendo
minhoca” (I. Pessotti, comunicação pessoal, 9 de setembro de
2011), mesmo depois de ser batizado de Philohydor lictor. O
homem continua a ser o que sempre foi mesmo depois de ser
designado como homo sapiens. Skinner (1971) esclarece:

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o Radical 121


Suas realizações [as dos homens] na ciência, govem o,
religião, arte, e literatura continuarão como sempre foram,
sendo admiradas do mesmo modo que alguém admira
uma tempestade no mar, a folhagem do outono, o pico
de uma montanha, isto é, completamente à parte de suas
origens e intocadas por uma análise científica, (p. 213)

A ciência e a filosofia são construções sobre o homem;


construções sobre o mundo vivido. E um comportamento verbal
que especifica modos de ação com respeito ao campo da
experiência, das contingências. A verdade da teoria científica não é
aferida pelo fato de espelhar ou revelar aquilo que o homem
realmente é. Isso é consistente com o pensamento pragmatista, que
declara: “as ciências não expressam verdades entendidas como
cópias exatas de um código finito de realidades não humanas”
(James, 1909/1970, p. 58).
Embora não possa mudar o homem, “o que muda é nossa
chance de fazer algo sobre o objeto da teoria” (Skinner, 1971, p.
213). Uma teoria pode ajudar a lidar de modo mais eficiente com o
homem. O que o homem pode fazer do homem quando orientado
por uma teoria comportamentalista da condição humana? Quais
são as consequências de se adotar uma teoria que situa o homem
em um mundo pluralista? Eis a pedra de toque para aferir a teoria
skinneriana de homem.
Diferentes teorias encerram modos distintos de lidar com
o homem e de encaminhar eventuais soluções para os problemas
humanos. No caso da teoria do homem autônomo, o estudo é
centrado na pessoa: o mundo só tem sentido na perspectiva do
indivíduo, o mundo só é quando apreendido e significado por ele.
O começo de tudo está na pessoa, que é a origem, a causa de
todas as coisas. Uma psicologia centrada no homem autônomo
envereda pelo exame das possibilidades criadoras desse homem.

122 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
A ênfase demasiada no indi víduo é uma faca de dois gumes:
de um lado, poderia ser usada a favor da libertação política, religiosa
e econômica. Por exemplo, um governante despótico poderia ser
derrubado apenas convencendo o indivíduo de que aquele é a fonte
de poder coercitivo responsável pela sua condição de dominação
(Skinner, 1978). Por outro lado, a centralização no indivíduo pode
gerar o seu “excessivo engrandecimento” (p. 54), legitimando o direito
de satisfazer suas necessidades de riqueza, bem-estar, prazer, e
felicidade a qualquer custo, às expensas dos recursos naturais, em
detrimento dos outros do presente e, principalmente, da geração futura.
Assim, no contexto da teoria do homem autônomo, a
reivindicação dos indivíduos pelos seus direitos pode se traduzir,
como se testemunha na sociedade contemporânea, no seu direito
de consumir; o homem toma-se homo consumens. Liberdade,
altcridadc, c respeito podem dar lugar, respectivamente, à liberdade
de consumo, à diversidade de consumo, à estima pelo objeto de
consumo. A política dos direitos da vida, humana e não humana,
pode ceder espaço à política dos direitos do consumidor. As relações
éticas podem se converter em relações de consumo: o outro não é
mais humano, é objeto, precisa ser consumido e depois descartado
como lixo.
Além disso, Skinner (1978,1981) sempre insistiu neste
ponto: a noção de homem autônomo contribui para que o indivíduo
desvie o olhar do contexto social, justamente aquilo que pode
encerrar relações sociais de libertação ou de dominação. Skinner
(1978) com a palavra: “o erro bastante antigo é procurar pela
salvação no caráter de homens e mulheres autônomos, ao invés de
buscá-la nos ambientes sociais que surgiram na evolução das culturas
e que agora podem ser explicitamente planejados” (Skinner, 1978,
pp. 54-55). A teoria do homem autônomo pode subsidiar uma
ideologia que culpabiliza o indivíduo pelo seu sucesso ou fracasso

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o Radical 123


na sociedade, transformando problemas de natureza social e política
em dilemas exclusivamente individuais.
Já no caso da psicologia comportamentalista, o exame é
centrado na relação do homem com o mundo. Em alguma medida,
o mundo também só é na relação com o homem; mas, igualmente,
o homem só é na relação com esse mundo. Nem homem nem mundo
começam as ações. Uma psicologia “centrada” na relação do
homem com o mundo estuda o homem sondando as possibilidades
de sua inserção nesse mundo, que, como foi discutido, são múltiplas
e complexas.
Skinner (1971) apresenta uma teoria do homem com
notáveis afinidades com o pluralismo pragmatista. Essa leitura
encoraja tratar o homem em termos de condição humana; uma
condição plural, complexa. O destino humano precisa ser situado
nessa condição de complexidade. Tendo isso em vista, qual é o
destino humano? Alguém arrisca? Skinner (1971) não. Sua teoria
do homem não permite fazê-lo: “o comportamento humano é
extraordinariamente complexo, e é improvável que uma explicação
verdadeiramente definitiva seja alcançada logo” (Skinner, 1971, p.
57). Se é que um dia será. A complexidade humana impede previsões
derradeiras:

O homem presumivelmente continuará a mudar, mas não


podemos dizer em que direção. Ninguém poderia ter
previsto a evolução da espécie humana em nenhum ponto
desde o início de sua história, e a direção do planejamento
genético intencional dependerá da evolução de uma
cultura que é, ela própria, imprevisível por razões
similares. (Skinner, 1971, p. 208)
Ainda que não possa prever com acurácia e, em alguns
casos, sequer prever, o homem pode sonhar, imaginar, almejar. O

124 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
homem pode, por um momento, deixar de ser homo empiricus
para ser homo imaginarius. Foi isso que Skinner fez.

É difícil imaginar um mundo no qual as pessoas vivam


juntas sem brigar, se mantenham por meio da produção
de alimentos, abrigos, e roupas que necessitam , se
divirtam e contribuam para o entretenimento dos outros
nas artes, na música, na literatura, nos jogos, consumam
apenas uma parte razoável dos recursos do mundo e
contribuam o menos possível para a sua poluição, não
tenham mais filhos do que possam criar decentemente,
continuem a sondar o mundo à sua volta e a descobrir
melhores maneiras de lidar com ele, cheguem a conhecer
a si mesmas de modo acurado e, portanto, tomem-se
capazes de governar a si m esm as eficientem ente.
(Skinner, 1971, p. 214)

Utopia? Talvez projeto. Skinner (1971) faz uma aposta:


“ainda assim, tudo isso é possível” (p. 214). E continua dizendo
“não vimos ainda o que o homem pode fazer do homem” (p. 215).
Esse projeto é possível se a cultura selecionar práticas que favoreçam
sua sobrevivência (Skinner, 1971). Práticas que levem à condição
de complexidade humana ao seu extremo: isso significa o respeito
pelo plural, pelo diferente, pela alteridade, pelo outro do presente e
do futuro, pela democracia. Trata-se, enfim, de selecionar práticas
que gerem o respeito, não pela vida, mas pelas vicias, no plural,
vidas humanas e não humanas, do aqui e agora e do porvir.
Isso é um projeto conjunto, transdisciplinar, envolvendo
muitas áreas do conhecimento que podem elucidar as diversas faces
do homem: física, química, biologia, sociologia, antropologia,
filosofia, artes, psicologia. A condição de complexidade humana
reclama uma invasão de fronteiras e uma comunicação sem redução
entre diferentes campos do saber.

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o Radical 125


Um homem no comportamentalísmo radical
Como é o homem na perspectiva skinneriana? O homem
é como se fosse um ponto, “um lócus no qual muitas linhas de
desenvolvim ento convergem em um único conjunto. Sua
individualidade é inquestionável” (Skinner, 1971, p. 209). O homem
não é um centro; é um ponto, um anfitrião, que convive com
diferentes mundos: o mundo cósmico, o mundo vivo, o mundo
cultural, o mundo individual. O homem está situado no mundo,
em um mundo pluralista.
Trata-se de um mundo pluralista, pois, em cada um desses
mundos a regularidade coexiste com a mudança. No universo, já
dizia Peirce (1892/1992), regularidade e acaso coabitam o mesmo
mundo; a primeira possibilita as leis da natureza, o segundo o desvio
dessas leis, evidenciando seu caráter aproximativo e probabilístico:
“há uma regularidade aproximada, e que todo evento é influenciado
por ela. Mas suponho que a diversificação, a especificidade, e a
irregularidade das coisas sejam o acaso” (pp. 306-307). No mundo
vivo há continuidade ou um aspecto comum na história evolutiva
que une o homem com outras espécies, caracterizado pela herança
filogenética. Mas também há descontinuidade, há elementos nessa
história que propiciaram a proliferação de uma diversidade de
espécies: “o que evoluiu não foi uma única espécie em vagaroso
desenvolvimento, mas milhões de espécies diferentes competindo
por um lugar no mundo” (Skinner, 1990a, p. 1207).
Hm um âmbito cultural mais estrito, o homem compartilha
de uma cultura no sentido de sua ação ser afetada por uma linguagem;
no entanto, mesmo no interior de uma mesma cultura linguística, há
pequenas comunidades verbais, cada qual com suas próprias regras
e códigos verbais. Em uma dimensão mais global há culturas e
subculturas: a cultura ocidental e a oriental ocupam o mesmo planeta;
ainda assim, no interior de cada uma delas, há diferentes subculturas

126 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
ocidentais e orientais. Desse modo, “a evolução de ambientes sociais
produziu não uma única cultura, mas muitas, que frequentemente
conflitam” (Skinner, 1990a, p. 1207). Há, aqui, outrossim, a
convivência da regularidade com a diversidade.
Em escala individual essa coexistência também se verifica:
a história do indivíduo gera uma pessoa, uma regularidade ou padrão
comportamental; mas essa história pode engendrar uma diversidade
de pessoas a depender da pluralidade de contextos com os quais
interage de maneira consistente ao longo da vida. Com efeito, os
processos comportamentais que caracterizam uma história individual
produzem “não um repertório único e coerente, mas milhões de
repertórios menores, que se confrontam e cujos conflitos de alguma
maneira terão de ser resolvidos” (Skinner, 1990a, p. 1207).
A inserção em um mundo pluralista engendra, igualmente,
um homem plural - um homem que admite distintas definições. Após
Skinner (1971, 1974,1989) desbancar o homem uno, autônomo,
in iciad o r, o hom em insu rg e na tram a c o n ce itu a i do
comportamentalismo radical com diferentes faccs. Destoando da
tradição substancialista, o homem c processo. O homem compartilha
com o mundo uma natureza pluralista caracterizada pela existência
conjunta da regularidade (seleção) e da mudança (variação). O
homem é, pois, um ser mundano.
Mas, por outro lado, em razão de sua própria natureza
pluralista, o mundo dá abertura para que receba o toque de mãos
humanas; o mundo também é, em certa medida, humano. A
possibilidade de mudança do mundo dá ensejo para a existência de
um homem livre: a inserção humana no mundo não sela o seu destino.
O homem pode alterar o curso das coisas com sua ação: o homem
é ativo, é ação. O homem é ativo sem ser o agente iniciador do
comportamento. O homem não e iniciador porque é tecido na trama
comportamental. Mesmo não sendo iniciador, o homem é

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o Radical 127


responsável, pois as consequências de suas ações afetam,
constroem (ou destroem) os diferentes mundos (fisico-natural, vivo-
natural, sócio-cultural, e individual).
Por ser de natureza comportamental o homem não é nem
sobrenatural nem metafísico. Por meio do comportamento, o homem
é inscrito em um mundo natural: fisico-natural e vivo-natural. Em
um mundo fisico-natural o homem exibe uma constituição física que
envolve elementos presentes no restante do universo. Nesse mundo,
o homem adquire uma face cósmica. Em um mundo vivo-natural, o
homem compartilha com outras espécies uma linhagem comum; o
homem é um “macaco nu”, apresentando uma constituição genética
e um repertório fílogenético de comportamento, exibindo, portanto,
uma face orgânica. O mundo vivo-natural não é capaz, por si só, de
definir a condição humana. O homem está também inscrito em um
mundo cultural e individual. A facc cultural do homem dá visibilidade
a diferentes dimensões: o homem é, pois, ser social, homofaber,
homem verbal, homo sapiens-demens, Eu, animal moral e ético.
Inscrito no mundo individual, o homem exibe uma face pessoal: o
homem é pessoa biográfica, corporal, intencional.
O homem não é metafísico, pois ele se dá na “experiência
fenomenal”. Nem se trata de um sujeito transcendental kantiano,
asséptico, condição de possibilidade da experiência. Em termos
skinnerianos, a experiência fenomenal é a tessitura das relações de
contingências filogenética, cultural, e da história individual. O homem
acontece no campo da experiência, no interstício da fílogênese,
cultura e história de vida. E esse interstício, ao mesmo tempo em
que revela suas múltiplas possibilidades de existência, demarca sua
condição de fmitude: o homem é um ser finito.
Como organismo, o homem é inconsciente; como corpo
protoconsciente; como pessoa pode ser inconsciente ou consciente;
como narrativa é necessariamente consciente. O homem também é

128 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
conflito: é a instância do embate entre natureza, indivíduo e cultura;
entre instinto, desejo e dever. O homem pode ser ambíguo e
incoerente, como no caso das várias “pessoas”, discutidas por
Skinner (1989), que podem coexistir sob a mesma pele: o Eu
observado e o observador, o Eu controlado e o controlador, o Eu
racional e o irracional, o Eu responsável e o irresponsável, o Eu
confiante e o inseguro, o Eu que ama a si mesmo e o que se deprecia.
Não há, portanto, uma natureza ou essência humana. O
homem não se define por nenhuma dessas faccs isoladamente. A
problemática do homem na perspectiva comportamentalista radical
não parece compactuar com soluções balizadas pelo pensamento
dicotômico. Em outras palavras, não se trata nem do homem
epistemológico do racionalismo, nem do homem pulsional do
romantismo; o homem não é moralidade incorruptível, nem puro
instinto e desejo. O homem está entre essas alternativas, e vive
todos os problemas dessa posição intermediária. Esta é uma
condição humana: uma condição de complexidade. O filósofo e
sociólogo francês Edgar M orin (1921- ) capta bem essa
complexidade humana com sua designação de homo complexus:

O ser humano é um ser racional e irracional, capaz de


medida e desmedida; sujeito de afetividade intensa e
instável. Sorri, ri, chora, mas sabe também conhecer com
objetividade, é sério e calculista, mas também ansioso,
angustiado, gozador, ébrio, extático; é um serde violência
e de ternura, de amor e de ódio; é um ser invadido pelo
imaginário e pode reconhecer o real, que é consciente
da morte, mas que não pode crer nela; que secreta o
mito e a magia, mas também a ciência e a filosofia; que
é possuído pelos deuses e pelas Ideias, mas que duvida
dos deuses e critica as Ideias; nutre-se dos conhecimentos
com provados, mas também de ilusões e quimeras.
(Morin, 1999/2004, p. 59)

C O N V E R S A S P ragm atistas sobre C om portam entalism o Radical 129


A filosofia e ciência skinnerianas não abolem o homem,
mas tentam resgatá-lo inscrevendo-o no mundo com base no
comportamento. Anoção de homem do comportamentalismo radical
parece ser consistente com as discussões contemporâneas do
assunto (Morin, 1999/2004), o que leva a pensar que a filosofia
skinneriana é ainda uma filosofia do presente. Se a teoria skimieríana
tem condições de promover uma compreensão do homem
contemporâneo, ela traria igualmente o germe de sua transformação?
O comportamentalismo radical seria também uma filosofia do futuro?

130 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
C ap ítu lo 4
Ética sem A b so lu to

Aceitar a contingência dos pontos de partida é aceitar a


nossa herança de, e a nossa conversa com os nossos
pares humanos, como a nossa única fonte de orientação.

Rorty

O pragmatismo é um antiessencialismo. Isso significa que


ele é avesso à noção de absoluto e às suas diferentes expressões,
usualmente precedidas pelo artigo definido: a certeza, a imutabilidade,
a verdade, a realidade, a eternidade. Por isso, o pragmatismo é um
movimento que pensa mundo e homem longe das categorias típicas
do pensamento filosófico grego tradicional, como realidade-aparência,
essência-acidente, substância-atributo. Como foi discutido nos
capítulos anteriores, o mundo não consiste em uma realidade intrínseca
e imutável, que deve ser acessada por meio de um processo de
desvelamento (aniquilação das aparências) chamado investigação
científica. Tampouco o homem é compreendido em termos de uma
substância que não se deixa facilmente revelar, que se esconderia por
detrás de máscaras, aparências ou acidentes de uma identidade una,
central e invariável. Mundo e homem são relações, processos que
não estão fora do tempo e da história, e, por isso, admitem
transformações que podem ser imprevisíveis.
Em vista disso, o pragmatismo opõe-se ao dogmatismo, já
que não reivindica princípios absolutos e não admite sentenças
incontestáveis. O movimento pragmatista é de abertura e não de
fechamento: tem sempre no horizonte a possibilidade dc algo ser
rebatido, refutado, criticado. Não há, pois, o derradeiro. A sua metáfora
para falar do progresso é a do alargamento e não a da profundidade
(Rorty, 2000). Desse modo, a validade de um conhecimento não é
aferida pela sua suposta aproximação de uma realidade imutável, mas
pela possibilidade de esse conhecimento abarcar de modo crescente
relações até então nunca vistas, ou, antes, pensadas. A crítica
pragmatista à noção de absoluto na ciência, e, por conseguinte, aos
conceitos de verdade, certeza e seus coirelatos, como o determinismo,
já foi interpretada como a declaração da desistência do
empreendimento científico (Marcondes, 2000). Comofazer ciência
sem esses fundamentos? Como avaliar o progresso científico?
Como ter motivação para pesquisar se o cientista não fo r
encorajado pela busca da Verdade?
O caráter não absoluto do pragmatismo também é estendido
ao contexto ético: a ética não poderia ser pautada por obrigações
incondicionais ou categóricas. Termos como incondicional,
categórico, universal feririam a concepção relacional e processual
do pragmatismo, tal como declara Rorty (2000):

a ideia de “descobrir a natureza intrínseca da realidade


física” e a ideia de “esclarecer nossas obrigações morais
incondicionais” são igualm ente detestáveis para os
pragmatistas, porque ambas pressupõem a existência de
algo não-relacional, algo que não sofre as vicissitudes
do tempo e da história, algo que não é afetado pelos
mutáveis interesses e necessidades humanos, (p. 113)

A rejeição pragmatista do absoluto na esfera ética suscita -


à semelhança dessa recusa no terreno científico - perplexidade a
ponto de a expressão “ética pragmatista” poder ser entendida como
sinônimo de caos moral (Marcondes, 2000). Se não fo r possível
fixar universalmente uma lei que prescreva o que é Correto, como
julgar as ações humanas? Como distinguir o que ê Bom daquilo

132 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
que é Mau, Altruísmo de Egoísmo, Virtude de Pecado? Se não
houver uma espécie de plataforma arquimediana moral, a
pergunta “por que o homem deveria ser moral? ” nãofaria sentido
algum!Assim seguem os argumentos contra uma ética pragmatista.
Do mesmo modo que nâo inviabiliza o empreendimento
científico ao dispensar as noções de realidade intrínseca, de
determinismo, e de leis imutáveis, o pragmatismo também não coíbe
o delineamento de uma proposta ética ao abdicar de princípios morais
universais. Como isso é possível? Quais seriam as características de
uma ética pragmatista? Este capítulo tenta esboçar algumas respostas
a essas questões no intuito de situar o comportamentalismo radical
nessa problemática. As afinidades da filosofia skinneriana com o
pragmatismo sc generalizariam ao domínio ético? Seria possível
defender uma ética pragmatista no comportamentalismo radical? Esse
é o horizonte da discussão que segue.

Ética pragmatista
Moralidade versus prudência: uma desconstrução pragmatista
Rorty (2000), seguindo Dewey, discutc a ética pragmatista
contrastando-a com a filosofia ética tradicional, entendida, aqui,
como as teorias éticas platônica e kantiana31. Embora essas duas

31 Neste capítulo basear-nos-emos, predominantemente, em discussões


sobre a ética pragmatista apresentadas por Richard Rorty (1931-2007). A
inclusão de Rorty no texto talvez exija um breve comentário. Isso porque
Rorty é, geralmente, classificado como neopragmatista, o que abre o flanco
para a pergunta sobre a diferença entre pragm atism o clá ssico e
neopragmatismo. Muitas vezes considera-se que essa diferença estaria na
influência da “virada linguística” sobre os neopragmatistas, de modo que
eles teriam mudado o foco da discussão da experiência para a linguagem.
No entanto, Murphy (1990/1993), seguindo Rorty, sugere que a relação de
influência seria exatamente inversa: foi o pragmatismo que influenciou os
rumos da “virada linguística”. Isso nâo quer dizer que o pragmatismo esteja
na origem da virada linguística - geralmente atribuída ao Tractaius de

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o R adical 133


propostas exibam diferenças marcantes em vários aspectos, Rorty
as toma como um interlocutor comum, pois, ambas fundamentam a
ética em princípios imutáveis e universais, além de situarem o sujeito
moral em um sujeito puramente racional - noções que serão
duramente criticadas pelo pragmatismo, como se verá adiante.
O primeiro alvo da crítica de Rorty (2000) é a dicotomia
entre moralidade e prudência. A ética tradicional considera que a
moralidade está assente na ideia de incondicionalidade, e a prudência
na de contingência. Nessa perspectiva, a fonte da moralidade consiste
na razão, e já que ela é capaz de alcançar princípios necessários e
universais, a ação moral é considerada inexoravelmente correta,
estando de acordo com uma lei fixa e imutável. Já a fonte da prudência
reside em princípios extraídos da observação de ações cotidianas
que ajudam as pessoas a lidar com cautela e ponderação com situações
tensas e perigosas da vida. A ação prudente não é necessariamente
correta, pois sua fonte, a contingência, é variável e relativa, e, por
isso, é uma ação sempre contextuai, particular, local. Uma ação
prudente é útil, já uma ação moral é correta. Há, pois, uma diferença

Wittgenstein - , mas que as críticas pragmatistas às primeiras versões da


filosofia analítica foram decisivas para os rumos da filosofia da linguagem
no século XX. Nessa história, Quine teria papel fundamental, na medida em
que, de um lado, está imerso na filosofia da linguagem, e de outro, presta
tributo ao pragmatismo dc Dewey. Nesse contexto, tanto Rorty (1990/1993),
quanto Murphy (1990/1993) não hesitam cm classificar Quine como
pragmatista (e não como neopragmatista). Como se pode ver, a classificação
neopragm atista está longe de ser consensual na literatura sobre
pragmatismo, e as polêmicas envolvidas ultrapassam o escopo deste livro.
Assim, não nos preocuparemos em levar adiante eventuais diferenças entre
pragmatismo clássico e neopragmatismo. Dessa maneira, assumimos a
posição de que, embora o pensamento pragmatista não seja completamente
homogêneo, algumas características parecem ser compartilhadas tanto por
pragmatistas clássicos quanto por neopragmatistas, como, por exemplo, o
pluralismo, a crítica ao dogmatismo, a teoria da verdade como efetividade.
Para uma discussão detalhada de algumas diferenças entre autores
pragmatistas, cf. Murphy (1990/1993).

134 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abíb
de tipo entre moralidade e prudência: a primeira está calcada no
racional, universal, imutável e necessário, ao passo que a prudência
no irracional, relativo, variável e contingente (Rorty, 2000).
A dicotomia entre moralidade e prudência na teoria ética
tradicional parece conduzir a uma diferença, de tipo também, entre
homens e animais. O homem compartilharia com o restante dos
animais a prudência, mas não a moralidade. Ambos comportam-se
de modo a lidar de maneira eficaz em seu ambiente, evitando perigos
e buscando formas de sobrevivência nas situações cotidianas. Há
um interesse pessoal que se sobrepõe ao coletivo na luta pela
preservação da própria vida. Se a prudência aproxima, a moralidade
marcaria uma ruptura qualitativa entre homem e natureza. Como a
fonte da moralidade é a razão, e os outros animais são desprovidos
dela, só o homem seria capaz de dominar seus instintos egoístas -
que priorizam a sobrevivência individual - para agir em prol do
bem comum na ação moral.
A diferença de tipo entre prudência e moralidade perpetua,
ainda, uma oposição considerada irredutível entre natureza e cultura.
A natureza, situada ao lado da prudência, é entendida como fonte
de competição, destruição, agressividade e aniquilamento alheio em
função da sobrevivência pessoal. A cultura, por seu turno, associada
à moralidade, é enaltecida como o veículo de libertação dessa
herança malquista, assumindo a heróica tarefa de encontrar, pela
razão, práticas que iriam de encontro a essa natureza egoísta. Em
virtude dos laços da prudência com a natureza, o homem prudente,
afeito aos seus instintos, seria necessariamente egoísta, voltado para
o interesse pessoal. A saída para os problemas humanos seria, então,
a moralidade, entendida, nessa perspectiva, como a vitória da razão
sobre o sentimento, da moral sobre a prudência, do altruísmo sobre
o egoísmo, enfim, da cultura sobre a natureza.
Invocando as afinidades eletivas do pragmatismo com o
danvinismo, Rorty (2000) discute que a diferença entre moralidade e

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o R adical 135


prudência não é de tipo, mas de grau. De imediato, o pragmatismo
interdita a ideia de que a ação moral se opõe à natureza. O progresso
moral é natural, não apenas na acepção de não ser sobrenatural, mas
também por estar inscrito em um processo mais global de evolução
biológica que permitiu ao homem desenvolver a linguagem, e, com
isso, os seus tratados filosóficos, religiosos e éticos. Lembrando Dewey,
Rorty argumenta que talvez “a única coisa especificamente humana aí
[na moralidade] é a linguagem” (Rorty, 2000, p. 100). Mas a
linguagem, continua o filósofo, nada mais é do que comportamento,
ou seja, ela nunca deixou de ser, tal como os “grunhidos e cutucoes
dos neandertais” (p. 101), “uma série de reações ao comportamento
de outros seres humanos” (p. 100).
Além do mais, o pragmatismo, inspirado no darwinismo,
entende que a natureza, assim como a cultura, é um campo de
possibilidades em aberto. Na história filogenética surgiu uma
diversidade de tendências de ação que contribuiu para a sobrevivência
da espécie. Essas tendências não são apenas agressivas, mas também
altruístas32. Tendo isso em vista, se as ações prudentes tivessem um

32 Essa tese ganha vigor e atualidade com as pesquisas dos primatologistas Wrangham
e Peterson (1996/1998) e do etólogo e primatologista holandês Frans dc Wall (2009/
2010). De acordo com Wrangham e Peterson, embora os chimpanzés sejam violentos
- os m achos matam os membros de sua própria espécie, atacam, torturam e mutilam
seus sem elhantes, sem motivo aparente (nem alimentação, nem defesa de território
estão e n v o lv id o s), matam ex-am igos» estupram as próprias irm ãs - tam bém
compartilham “amizade, generosidade e alegria, rolando uns de encontro aos outros
em tardes sonolentas, rindo juntos em brincadeiras infantis... oferecendo um naco de
carn e... fazendo as pazes depois de uma rusga, afagando-se durante muitas horas” (p.
31). Investigando o comportamento dos chim panzés, D e Waal faz observações
similares. Tão próxim os de nós quanto os chimpanzés são os bonobos (D e Waal)
que, segundo Wrangham e Peterson, indicam um triplo caminho para a paz que
consiste na redução da violência “nas relações entre os sexos, nas relações entre os
m achos, e nas relações enlre as com unidades” (p. 251). De Waal faz observações
similares e conclui que “muitos animais sobrevivem cooperando e compartilhando os
recursos, e não aniquilando-se uns aos outros ou conservando tudo para si mesmo.
Isso se aplica aos animais que vivem cm bando, com o os lobos e as orcas, mas
também aos nossos parentes mais próximos, os primatas” (p. 19). De Waal explica os

136 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
vínculo mais estreito com a natureza, como quer a filosofia tradicional,
então, elas não prezariam necessariamente o interesse pessoal,
podendo também abarcar os anseios coletivos. Separar natureza de
ação moral, como supõe a filosofia ética tradicional, implicaria em
afastar as possibilidades altruístas oferecidas pela filogênese. Se a
natureza disponibiliza uma pluralidade de tendências filogenéticas,
sendo algumas delas altruístas, a cultura poderia incrementar essas
disposições por meio de práticas que prolongariam as tendências
altruístas da natureza na sociedade. Com efeito, na perspectiva
pragmatista, prudência e moralidade estão inscritas na natureza33.
Do mesmo modo, prudência e moralidade não acompanham
a distinção entre ajustamento e conhecimento: a primeira não mais se
reduz a práticas que permitem aos homens se ajustar às mudanças
contingentes da vida; a segunda não mais envolve princípios

com portam entos m enos violentos, m enos egoístas, m enos com petitivos e mais
cooperativos com o conceito de autonomia funcional: “o comportamento não se
deixa restringir necessariamente pelas razões que são relevantes do ponto de vista da
evolução” (p. 67). Segundo D e Waal (2009/2010), a autonomia funcional envolve, dc
um lado, uma explicação biológica e, de outro, uma explicação psicológica. A explicação
biológica busca a “causa última” (a razão original) e a explicação psicológica busca a
“causa próxim a” (a razão no “aqui e agora”) (p. 323). D e Waal vale-se dos dois tipos
de explicação e relata que foi com certa tensão que se encontrou com o famoso etólogo
inglês, Richard Dawkins (1941 - ) , autor do clássico O gene egoísta. De Waal considerou
o resultado do encontro bastante estimulante. Com efeito, ele comenta que “Dawkins
concordou que todos os tipos de comportamento, incluindo os atos de gentileza
genuínos, podem ser produzidos p elos genes selecionados para beneficiar seus
portadores” (p. 64). Isso significa que “ainda que determinado comportamento tenha
evoluído por razões egoístas, estas não precisam fazer parte daquilo que motiva um
indivíduo a colocá-lo em prática, do m esm o modo com o uma aranha não precisa estar
determinada a apanhar m oscas no m om ento em que está tecendo sua teia” (p. 324). O
cnconlro teve um final feliz: “no conjunto, tivem os um esplêndido bate-papo,
tentando desenvolver essa abordagem de dois níveis” (p. 64),

O que está em jogo aqui é uma noção pluralista de natureza. Embora a filogênese
envolva seleção, a variabilidade ainda c preservada em algum grau. Em outras palavras,
a seleção natural não iem com o produto uma essência imutável (Mayr, 2001/2009).

C O N V E R S A S P ragm atistas sobre C om portam entalism o R adical 137


incondicionais e universais, que regeriam as ações genuinamente
morais. Em uma veia pragmatista, prudência e moralidade são nada
mais que buscas por adaptação (Rorty, 2000). Ambas encerram ações
que permitem aos homens lidar de maneira efetiva com o ambiente
natural e, principalmente, social. Nesse sentido, prudência e
moralidade não se distinguem pela sua fonte: a primeira a natureza, a
segunda, a razão. Elas comungam a mesma fonte: ações que permitem
o intercâmbio com o mundo. Nessa ótica, não há diferença de tipo
entre útil e correto; trata-se de termos que caracterizam relações sociais
com diferentes graus de complexidade. Sobre esse ponto, Dewey,
citado por Rorty (2000), escreve: “correto é apenas um nome abstrato
para uma multiplicidade de demandas concretas em ação que os outros
imprimem em nós e que, se queremos viver, somos obrigados a levar
em conta” (pp. 98-99).
Essa discussão aproxima-se em vários aspectos da
empreendida por Skinner (1971, 1974, 1981). À semelhança do
pragmatismo e do darwinismo, Skinner (1974) admite que há várias
razões para que alguém se comporte pelo bem de outro. Uma delas
diz respeito justamente a tendências inatas.

Podem os agir de forma a reforçar outra p essoa e


reforçar-nos a nós próprios. A constituição genética
humana pode incluir uma tendência desse tipo, como,
por exemplo, o cuidado dos pais com as crias parece
ilustrar. Darwin assinalou o valor de sobrevivência do
com portam ento altruísta... embora só tipos m uito
esp ecia is de com portam ento inato parecem estar
envolvidos. (Skinner, 1974, p. 192)

O comportamentalismo radical também critica a tese de que


o homem é superior aos outros animais pelo fato de exibir moralidade.
Nas palavras de Skinner (1974): “o homem tem sido considerado
superior aos outros animais porque desenvolveu um senso moral ou
ético... Mas o que evoluiu foi um ambiente social no qual os indivíduos

130 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
compoitam-se de maneiras determinadas, em parte, pelos seus efeitos
sobre os outros” (p. 195). Esse ambiente social evoluiu graças a outro
acontecimento que, na perspectiva skinneriana, consiste na única
diferença entre homens e animais, qual seja, o controle operante da
musculatura vocal, que deu origem ao comportamento verbal.
Skinner (1981) entende que características usualmente
invocadas para atestar a unicidade do ser humano, tais como práticas
éticas, autogoverno ético e intelectual, auto conhecimento ou
consciência, devem-se a nada mais do que essa ampliação do
controle operante à musculatura vocal. Nas palavras do autor: “há
muito tempo, diz-se que essas características conferem à espécie
humana sua posição única, embora seja possível que tal singularidade
seja simplesmente a extensão do controle operante à musculatura
vocal” (Skinner, 1981, p. 502). A extensão desse controle,
juntam ente com um conjunto de respostas vocais menos
comprometidas com estímulos eliciadores e liberadores, permitiram
o surgimento do comportamento verbal, bem como de ambientes
verbais cada vez mais complexos (Skinner, 1987, cf. pp. 75-92).
Nesse ponto, vale m encionar que essas condições para a
emergência do comportamento verbal são, em última instância,
produto de contingências de seleção natural (Skinner, 1981). Em
outras palavras, elas têm sua raiz na evolução biológica.
É certo que o comportamento verbal ampliou as relações
do indivíduo com o ambiente, gerando, no limite, práticas que podem
ir contra a sobrevivência da própria espécie (Skinner, 1971 ). Mas
isso não significa que com o comportamento verbal o homem
adquiriu a capacidade de descobrir princípios universais. A linguagem
e o comportamento verbal, a despeito de suas especifícidades34,

34 O comportamento verbal diz respeito ao comportamento do indivíduo, sobretudo


do falante; já a linguagem remete a práticas sociais de uma comunidade verbal que
geram, modelam e mantêm o comportamento verbal de indivíduos que participam
dessa comunidade (Skinner. 1957).

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o R adical 139


continuam a ser explicados pelos processos de variação e seleção
do comportamento pelas consequências - princípios invocados
também na explicação de instintos e reflexos (Skinner, 1981). De
modo semelhante, os aspectos linguísticos e verbais, usualmente
mencionados para tratar da ética, da moralidade, da consciência,
do autogoverno, não reclamam uma explicação diferente da
comportamentalista. Em suma: não há nada de especial (necessário,
incondicional, absoluto) no comportamento moral. Sendo assim,
ele pode e deve ser explicado em termos de contingências, com
especial ênfase nas consequências das ações. Skinner (1971)
esclarece:

Os comportamentos classificados como bom ou mau,


certo e errado não são devido a bondade ou maldade, ou
a um bom ou mau caráter, ou a um conhecimento certo
ou errado; cies ocorrem devido a contingências que
envolvem uma grande variedade de reforçadores,
incluindo os reforçadores verbais generalizados, como
“Bom!”, “Mau!”, “Certo!”, e “Errado!”, (p. 113)
Se, para Skinner (1981), os com portam entos são
discutidos e diferenciados em termos das consequências que
produzem, pode-se conjecturar, então, que, à semelhança do
pragmatismo, não há uma diferença de tipo entre prudência e
moralidade no comportamentalismo radical. Prudência e moralidade
são definidas como comportamentos, sua natureza é comportamental.
Não obstante, dizer que a diferença entre moralidade e prudência,
correto e útil, não é de tipo, mas de grau ou de complexidade, não
significa reduzir cultura à natureza, ou moralidade à prudência.
Embora sejam de grau, essas diferenças são importantes, e não
podem ser desprezadas. Qual é a diferença, então, entre moralidade
e prudência para o pragmatismo? Essas distinções encontram
correlatos no comportamentalismo radical?

140 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
Diferenças pragmatistas entre moralidade e prudência
Recorrendo novamente a Dewey, Rorty (2000) define
prudência como sinônimo de hábito ou costume; isto é, prudência
remete a relações sociais comuns, rotineiras, que envolvem ações
incontroversas e familiares, que não requerem qualquer deliberação,
e, por isso, são quase automáticas. Por exemplo, assim como é
prudente (habitual, comum, familiar, automático) um homem se afastar
quando avista uma cobra venenosa na grama, parece ser prudente
(habitual, comum, familiar, automático) confiar mais em pessoas da
própria família do que em estranhos; mais em vizinhos do que naqueles
que habitam um lugar longínquo; mais em sua comunidade do que em
grupos que não partilham de características comuns; mais em seu
país do que em território estrangeiro (Rorty, 2000).
Por outro lado, a moralidade surge no contexto de relações
que envolvem um grau diferente de complexidade, nas quais está
presente um elemento de novidade, imprevisibilidade, conflito e,
consequentemente, de deliberação. A moralidade emerge quando
ações habituais deixam de funcionar; quando, por exemplo, o
interesse do indivíduo conflita com o da família, e o da família com
o dos vizinhos, e o dos vizinhos com o das comunidades, e o das
comunidades com o do país, e o interesse do país com o de outras
nações (Rorty, 2000). Diante dessa situação, a moralidade emerge
como ações novas que permitem lidar de maneira efetiva com esse
contexto novo e imprevisível. Com efeito, “a moralidade é
simplesmente um costume novo e controverso. A obrigação especial
que sentimos quando usamos o termo moral é simplesmente a
necessidade de agir de uma maneira relativamente nova e ainda não
testada” (Rorty, 2000, p. 104)35.

35Essa distinção entre prudência e moralidade lembra a diferença que Rorty (1979/
1980) faz entre epistcm ologia e hermenêutica. Baseado na distinção feita por Thomas
Kuhn entre discu rsos “norm ais” e discursos “anorm ais”, Rorty afirma que a
epistcm ologia é o estudo de discursos “normais” e que a hermenêutica c o estudo de

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o R adical 141


Nessa estranha situação de conflito, as ações prudentes
deixam de ser úteis: elas não resolvem o problema e, por vezes, o
agravam. É necessário encontrar modos de ação distintos para lidar
com esse contexto controverso; é preciso abandonar hábitos e
engajar-se em uma atividade de deliberação que possa conduzir à
solução do conflito. Dessa forma, “a distinção entre prudência e
moralidade é, assim como a distinção entre o costume e a lei, uma
distinção de grau - o grau em que é necessária uma deliberação
consciente e uma formulação explícita de preceitos - ao invés de
uma distinção de tipo” (Rorty, 2000, p. 98).
Dizer que a ação moral envolve deliberação é tão somente
uma forma de contrastá-la com o caráter automático das ações
prudentes. Isso não deve sugerir a ideia de que a moralidade envolve
um tipo de pensar que capta uma regra universal fixa que, por sua
vez, passa a orientar todas as ações morais. No pragmatismo, a
m oralidade não é respaldada pela necessidade, m as pela
contingência, e, assim como a prudência, envolve ações que não
escapam ao tempo, ao contexto, à história. O pragmatismo sugere
que a deliberação moral até pode levar ao delineamento de
estratégias para que conflitos de interesse sejam resolvidos, mas
elas sempre estão ligadas a um contexto particular, específico, local.
Dito de outro modo, os problemas éticos são heurísticos e não
algorítmicos. Por isso, a deliberação ética não pode ter a pretensão
de chegar a regras ou preceitos universais (como o imperativo

discursos “anormais”. Sobre hermenêutica escreve o seguinte: “hermenêutica é o


estudo de um discurso anormal do ponto de vista de algum discurso normal - o
esforço de conferir sentido ao que está acontecendo em um estágio onde ainda estamos
muito inseguros para descrevê-lo e para comcçar, por essa razão, uma consideração
cpistem ológica” (pp. 320-321). Sobre epistem ologia escreve o seguinte: “som os
epistem ológicos onde com preendemos perfeitamente bem o que está acontecendo,
mas queremos codificá-lo a fim de estendê-lo ou fortalecê-lo ou cnsiná-lo ou ‘fundá-
l o ’” (p. 321). N e sse s term os, a m oralidade no pragm atism o é uma questào
hermenêutica, e não epistem ológica.

142 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
categórico kantiano), que, uma vez alcançados, teriam validade em
todo tempo e lugar.
A resolução de um conflito moral não coloca quem o
solucionou mais próximo da Verdade, nem o coloca em contato
com o que é inquestionavelmente correto, apenas o livra de uma
disputa até o surgimento do próximo dilema. Por esse motivo, o
diálogo ético nunca finda, sendo solicitado toda vez que há conflito
de interesses, A ética pragmatista é uma ética do diálogo e não de
normas. E uma ética que frustra as expectativas daqueles que se
engajam no debate ético pretendendo, ao final, encerrar a disputa
formulando preceitos universais e definitivos; é, pois, uma ética da
contingência e não da necessidade.
Como já foi mencionado, Skinner (1974) explica o
comportamento moral como qualquer outro comportamento. O que
diferenciaria, então, a moralidade da prudência na perspectiva
skinneriana? Essa diferença poderia ser encaminhada em termos
de comportamento governado por regras, e comportamento
modelado por contingências, respectivamente? Se esse fosse o caso,
o comportamento prudente seria aquele cujas consequências
modelaram e mantêm um comportamento útil, sem a participação
de regras; enquanto que o comportamento moral dependeria de
certas normas e regras formuladas pela comunidade. Não obstante,
Skinner (1974) parece retirar das regras o poder de explicar por
que o homem se engaja em comportamentos morais:
as pessoas puniam umas às outras muito antes de o
comportamento ser considerado bom ou mau e antes de
as regras serem formuladas, e uma pessoa pode ter sido
“socializada” por essas contingências punitivas sem
intervenção de regras... O comportamento social não
e x ig e que as con tin gên cias que o geraram sejam
formuladas em regras ou, se foram formuladas, que uma
pessoa deva conhecer essas regras, (pp. 192-193)

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o R adical 143


A despeito de destituir à regra o poder de garantir o bom
co m p o rtam en to , S k in n er (1974) p o n d era que é
extraordinariamente importante, entretanto, que práticas sociais
sejam form uladas” (p. 193). Isso porque, em situações
incontroversas, as regras ajudam a tomar eficiente a relação entre
os seres humanos. As regras são econômicas: colocam os indivíduos
sob o controle das propriedades mais relevantes de uma dada
situação (Skinner, 1969), e evitara a deliberação sobre questões já
conhecidas e resolvidas. Nesse sentido, paradoxalmente, parece
que as regras estão mais próximas do campo da prudência, visto
que geram comportamentos adequados a situações incontestes, que
não precisam de deliberação, que funcionam quase automaticamente.
Há outra justificativa pautada no comportamentalismo
radical que exclui a regra como um aspecto definidor da moralidade:
o comportamento governado por regras, muitas vezes, é insensível
a mudanças que tenham ocorrido depois da formulação da regra
(Skinner, 1969). Isso tem sérias implicações para o estabelecimento
de ações morais, pois, se o que configura um conflito moral é
justamente uma mudança contextuai - que toma comportamentos,
anteriormente efetivos, inúteis nessa situação - o que se precisa no
campo da moralidade é de variabilidade e criatividade, algo que
parece estar ausente em comportamentos estritamente governados
por regras. Assim, o encaminhamento skinneriano da moralidade
parece se aproximar do pragmatista: as regras não deveriam estar
no horizonte da resolução de problemas morais.
Dessa forma, como mencionado alhures, o campo da
moralidade define-se por um processo heurístico de resolução de
problemas (Skinner, 1968,1969). Explicando de outra forma, nos
conflitos morais a solução não é alcançada seguindo-se um preceito
moral, que especifica a ação correta; a solução precisa ser
construída, criada, inventada, de acordo com as exigências do

144 Carlos Eduardo Lopes, Ca rol í na Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
contexto. O campo da moralidade envolve pensamento produtivo,
um processo do qual participam ações precorrentes, que aumentam
as chances de a solução ser produzida. De acordo com Skinner
(1968), há uma série de técnicas de manipulação do ambiente que
podem ajudar na resolução heurística de problemas36; mas essas
técnicas não prescrevem ações específicas, fixas e rígidas, são apenas
form as de aum entar a probab ilid ad e de o co rrên cia de
comportamento exploratório, de aumentar a variabilidade
comportamental, de modo que uma ação original, nova, criativa,
possa aparecer. Há, pois, aqui, um elemento de criatividade na
moralidade: ela envolve arranjos no ambiente que maximizem a
probabilidade de que respostas originais aconteçam e resolvam o
problema ético.
Além da criatividade, a resolução heurística de problemas
depende também de liberdade, o que reafirmaria sua independência
das regras. O sucesso desse processo de resolução de problemas
requer um comportamento que esteja sob controle “das coisas”
(Skinner, 1968). Nesse contexto, isso significa independência de
estímulos verbais, capacidade de agir sem que os outros lhe digam o
que e como fazer (regras). Nas palavras de Skinner (1968): “um
homem que pode executar adequadamente um comportamento ainda
não é livre se for preciso que alguém lhe diga o que e quando fazer.
Para ser livre de direção pessoal deve ser ‘dependente das coisas’”
(p. 173). No âmbito ético, o comportamento deve ficar sensível às
relações sociais que caracterizam o conflito ético naquela situação
particular, e não ficar sob controle exclusivo de preceitos previamente
formulados em contextos passados. Se, por um lado, a solução de

36 São exemplos dessas técnicas: promoçào de um controle menos preciso dc respostas;


encorajamento de perturbações no ambiente; arranjos arbitrários de palavras; simples
evocação de comportamento; incentivo à curiosidade ou comportamento exploratório
(Skinner, 1968).

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre Com porta m ental ism o Radical 145


um conflito ético pregresso pode até ajudar na solução de um
problema presente, por outro, isso não autoriza a formulação de uma
regra universal que resolveria todos os problemas éticos, em qualquer
tempo. Assim, a moralidade não encerra um conjunto de ações
estanques controladas por preceitos ou normas independentes do
contexto, com vistas à resolução de conflitos éticos.
Se essas análises estiverem corretas, as diferenças entre
prudência e moralidade propostas pelo pragmatismo parecem
conciliáveis com o tratamento comportamentalista radical do assunto.
Nessa perspectiva, prudência remete ao campo das ações -
modeladas por contingências ou instruídas por regras - mantidas
ao longo do tempo, em uma dada comunidade, devido às
consequências que geraram para a sobrevivência do grupo. Nesse
campo não há conflito, não há necessidade de deliberação. Aqui, a
solução para problemas já é conhecida de antemão, e as ações
envolvidas nessa solução são quase automáticas.
Já moralidade designa o campo de ações que lidam com
um conflito de interesses, com problemas que não são facilmente
resolvidos, porque a solução é desconhecida. Na esfera da
moralidade é preciso pensar, deliberar, mudar e rearranjar o
ambiente, tentar aumentar as chances de que uma ação nova, criativa,
seja executada e conduza a uma solução provisória do conflito.
Para tanto, as ações morais precisam ser sensíveis a diferenças
contextuais, elas precisam estar sob controle “das coisas”, precisam
ser livres de um controle estrito de regras. As ações morais surgem
no contexto de um processo no qual se articulam pensamento e
criatividade, e, como se verá adiante, sentimento e razão. Uma regra
extraída desse processo só poderá ser parcial, e só poderá especificar
a resolução do conflito ético em um contexto específico.
Nessa ótica, o ensino da moralidade não pode se definir
pela transmissão de regras fixas de geração a geração. Na melhor
das hipóteses, uma educação moral requer o ensino de uma heurística
ética, como assinala Skinner (1968):

146 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásío Abib
Os problemas éticos que um indivíduo pode encontrar
não podem, é claro, ser todos previstos; a cultura pode
precisar ensinar um tipo de resolução de problema ético
que permite ao indivíduo chegar aos seus próprios
preceitos de acordo com as exigências da ocasião.
Algum as v ezes isso se faz ensinando preceitos de
segunda ordem ou uma heurística ética. (p. 193)

A conciliação de processos aparentemente contraditórios


em uma mesma ação moral parece ser consistente com mais uma
característica da ética pragmatista: a dissolução da dicotomia entre
razão e sentimento no campo da moralidade.

,
Razão sentimento e ação moral: uma conciliação pragmatista37
Na teoria ética tradicional, a moralidade é entendida como
ações pautadas por um conjunto de princípios universais e
incondicionais, que devem ser aplicados a todas as pessoas,
independentemente de seu contexto histórico. Isso garantiria uma
ação moral, voltada para o bem comum, a despeito das restrições
pessoais que, inevitavelmente, imporiam ao indivíduo. Alçar esses
princípios só seria possível sem a interferência de sentimentos, como
afeto, paixão, ou emoção. Caso as ações fossem reguladas por
sentimentos, e não pela razão, elas tenderiam apenas ao interesse
particular. Isso porque o sentimento, dada a sua herança instintiva,
estaria à mercê das concupiscências e desejos do corpo, que são,
nessa ótica, necessariamente egoístas.
Dessa maneira, subjaz à ética tradicional a noção de um
sujeito moral essencialmente racional, não-empírico, desprovido de
paixões, sentimentos e volições. A insensibilidade do eu moral na
ética tradicional é tal que Rorty (2000) o compara a um psicopata,

17 Rorty (2000) m enciona que já houve tentativas de articular razão e sentimento na


açào moral, com o é o caso da teoria de Humc. M as, m esm o nesse caso, o que sc
verifica é apenas uma inversào de polaridade cm favor dos sentimentos sobre a razão.

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre Com porta m ental is mo Radical 147


“frio e calculista” (p. 105), “capaz de existir independentemente de
qualquer preocupação com os outros” (p. 104). Se o eu moral é
insensível, como poderia agir pelo bem alheio? Como o eu moral
pode ser altruísta? Rorty (2000) responde: “como um frio
psicopata... o eu moral... precisa ser pressionado para levar as
necessidades de outras pessoas em consideração” (Rorty, p. 104).
Nesse contexto, a razão precisa ser regulada pelos princípios éticos
universais (o imperativo categórico kantiano) para que o eu moral
insensível faça o bem alheio. Dessa forma, o verdadeiro eu moral é
aquele que cuja preocupação com os demais é mediada por
princípios racionais incondicionais, e não por sentimentos transitórios
e mutáveis, o que garantiria uma ação imune ao interesse pessoal.
Sendo assim, o eu moral seria racional e insensível, mas altruísta.
Mas o que dizer da faceta sensível, emotiva? O eu empírico
não parece sair ileso da obediência do eu moral aos princípios éticos
universais. O eu moral age pelo bem do outro por obrigação moral.
O termo obrigação sugere um esforço no sentido de realizar um
ideal ético, um esforço que é fruto do domínio da razão sobre
tendências instintivas, egoístas e agressivas. A relação entre eu moral
e eu empírico é, portanto, conflituosa: a obediência aos princípios
éticos se faz às expensas da anulação do eu empírico. Por isso, a
dicotomia entre razão e sentimento38 sugere a noção de que fazer o
bem alheio é algo necessariamente sacrifícante, requerendo,
inexoravelmente, uma ação penosa e aflitiva por parte do eu empírico.

38 Morin (1999/2004) dissolve essa dicotomia no circuito razão/afeto/pulsão. Baseado


na “concepção do ccrebro triúnico de Mac Lean” (p. 53), diz que a pulsão relaciona-
se com o paleocéfalo. “herdeiro do cérebro reptiliano” (p. 53); o afeto com o
m esencéfalo, “herdeiro do cérebro dos antigos m am íferos” (p. 53); a razão com o
córtex nos mamíferos e nos humanos, e “que integra a animalidade (mamífero e réptil)
na humanidade e a humanidade na animalidade” (p. 53). Morin escreve ainda que “a
relaçào triúnica não obedece à hierarquia razcio/afetividade/piásâo\ há uma relação
instável, permutante, rotativa entre estas três instâncias. A racionalidade não dispõe,
portanto, de poder supremo” (p. 53).

148 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurentí e José Antônio Dam ásio Abib
Nesse sentido, Rorty (2000) argumenta que é “só quando nos
retratamos, de maneira sadomasoquista... sentimos a necessidade de
nos punirmos, amedrontando-nos diante de imperativos divinos, ou
diante do tribunal kantiano da razão prática” (Rorty, 2000, p. 105).
Nota-se que a teoria ética tradicional divide o homem em
dois eus - um insensível e altruísta, outro sensível e egoísta
tomando inconciliável razão e sentimento na ação moral. A dissolução
pragmatista da dicotomia entre sentimento e razão no reino da
moralidade põe em dúvida a cisão entre eu moral insensível e eu
prudente sensível. O eu moral, tal como o eu prudente, é encarnado,
e, portanto, é sensível. Em uma ética pragmatista, a moralidade não
está ancorada em um eu transcendente, em uma alma imortal
apartada do corpo; tampouco depende de um eu transcendental,
um ego puro universal que ultrapassa os limites da história. O eu
moral é um eu empírico, carnal, sensível, temporal, finito.
Mas, se o sentimento participa tanto da ação prudente
quanto da moral, qual é a diferença entre elas? No caso da prudência,
o sentimento não parece assumir um papel preponderante,
justamente porque as ações prudentes, como já foi discutido, são
quase automáticas, ocorrendo em situações incontroversas. O
sentimento, aqui, quando presente, parece ser um sentimento do
familiar, um sentimento maternal ou paternal, que pode acompanhar
ações de fazer o bem aos próprios filhos, alimentá-los, atentar às
suas necessidades. Já no caso da moralidade, o sentimento parecc
exercer um papel capital. O campo da moralidade inaugura-se
quando nos deparamos com situações em que surgem sentimentos
atípicos, quando nos importamos com algo que, a princípio, não
nos afetaria diretamente: quando me preocupo com o preconceito
contra homossexuais, mesmo sendo heterossexual; quando fico
indignado com o tratamento desigual dado a uma mulher, mesmo
sendo homem; quando uma criança que passa fome me mobiliza,
mesmo que não seja meu filho ou um membro da minha família.

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o Radical 149


Diferente da prudência, os sentimentos que participam da moralidade
são de curiosidade, surpresa, inquietude.
Embora sensíveis, isso não significa que eu moral e eu
prudente sejam uma e mesma coisa. Há, pois, diferentes eus (prudente
e moral) que coexistem na mesma carne. Nesse ponto, o pensamento
comportamentalista radical pode ajudar a esclarecer a questão: a
diferença está nas contingências. O eu prudente é um repertório de
ações construído por contingências sociais bastante estáveis e
regulares, que selecionaram e mantêm comportamentos habituais
ou costumeiros. O eu moral pode ser entendido como um repertório
precorrente, que insurge em contingências conflituosas, novas e
imprevisíveis, e, por esse motivo, reclamam ações que alterem o
ambiente aumentando as chances de aparecimento de uma ação
nova que resolva o conflito.
Se a diferença entre eu prudente e eu moral depende,
respectivamente, da estabilidade ou instabilidade das contingências
sociais em vigor, comunidades mais “fechadas”, que tentam evitar
conflitos pela manutenção de regras rígidas, criam condições
favoráveis para a ocorrência de ações prudentes. A estabilidade
desse “repertório prudente” depende de vários aspectos, mas,
principalmente, de fatores como o isolamento da comunidade:

Vários tipos de isolamento podem produzir uma cultura


bem definida pela limitação da transmissão de práticas.
Ao falarmos de uma cultura “samoana” aludimos a um
isolam en to g eográfico; da m esm a forma, ao nos
referirmos às características raciais que podem interferir
no intercâmbio de práticas de uma cultura “polinésica”.
(Skinner, 1971, pp. 131-132)

Assim, em tese, comunidades muito isoladas não se


deparariam com situações de conflito muito diferentes daquelas que
já fizeram parte de sua história, e cuja solução já é, portanto,

150 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Oamásio Abib
conhecida e transmitida por meio de práticas sociais. Não obstante,
dificilmente o isolamento de uma comunidade é total. Em uma
comparação com a evolução das espécies, Skinner (1971)
argumenta que esse é um dos principais pontos de diferença na
evolução das culturas: “as espécies são isoladas umas das outras
pela não transmissibilidade de traços genéticos, mas não há nenhum
isolamento comparável no caso das culturas. Uma cultura é um
conjunto de práticas, mas não é um conjunto que não possa ser
misturado com outros” (p. 131). Além disso, considerando que na
base de uma cultura encontra-se um extenso e complexo conjunto
de contingências, naturais e sociais, a completa estabilidade de
práticas dependeria da estabilidade de todas essas contingências, o
que é praticamente impossível de ocorrer por muito tempo. Skinner
(1971) elucida:

Mas nenhuma cultura está em permanente equilíbrio.


Contingências necessariamente mudam. O ambiente
físico muda à medida que as pessoas se deslocam, que o
clima muda, que os recursos naturais se esgotam, são
desviados para outros fins ou inutilizados, e assim por
diante. Contingências sociais também mudam, na medida
em que o tamanho de um grupo ou seu contato com
outros grupos também se alteram, ou quando agências
controladoras se tomam mais ou menos poderosas ou
competem entre si, ou quando o controle exercido leva
ao contracontrole na forma de fuga ou revolta (p. 128).

P or fim , o p ro c e sso de g lo b a liz a ç ã o na


contemporaneidade, que rompe fronteiras cada vez mais distantes,
parece criar um contexto que exige uma intensa participação de um
eu moral. O homem contemporâneo se defronta gradativamente
com modos de pensar, sentir, agir, diferentes dos seus. Questões
que antes não faziam parte de sua comunidade, agora fazem; assuntos
que eram alheios ao seu cotidiano são gradualmente incorporados
à sua vida. Novos problemas surgem, inclusive os de natureza ctica.

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o Radical 151


Como lidar com essas diferentes situações de conflito ético? Recorrer
a velhas formas de resolução de problemas pode não funcionar;
aliás, pode aumentar o conflito, gerando intolerância, preconceito,
intransigência. Se cada cultura tinha sua forma de dirimir problemas,
agora, quando são postas em contato com outros ‘"universos éticos”,
estratégias conhecidas, e até então bem-sucedidas, são malogradas.
O que fazer? Regredimos ao isolamento? Deveríamos acatar um
relativismo, no qual cada cultura mantém seu conjunto de práticas,
e uma não pode interferir com a outra?

Educação da sensibilidade: projeto de uma ética pragmatista


A ética pragmatista não parece subscrever o isolamento,
tampouco o relativismo. A invasão de fronteiras geográficas e culturais
parece ser um movimento irreversível. Ademais, o relativismo,
embora reconheça a diversidade de valores, não encoraja o trânsito
entre eles; a pluralidade parece ser admitida, mas sem a necessidade
de contato ou diálogo. Diferente disso, o pragmatismo estimula
justamente o intercâmbio entre diferentes “universos éticos”,
sondando possibilidades nunca antes exploradas de relação com o
outro. Mas, para que essa conversa aconteça, é preciso que
estejamos sensíveis ao outro, àquilo que é diferente de nós. É preciso
que o vejamos, percebamos, que sejamos tocados por ele, que ele
desperte em nós sentimentos, enfim, que não sejamos indiferentes.
É necessário que nossa sensibilidade seja ampliada ao outro. Este
parece ser o projeto de uma ética pragmatista: uma educação da
sensibilidade, de modo que ela seja alargada a um número cada vez
maior e diferente de pessoas. Isto é, pois, o progresso moral, “uma
questão de incremento da sensibilidade., um aumento na capacidade
de responder às necessidades de uma variedade cada vez mais
ampla de pessoas” (Rorty, 2000, pp. 111 -112).
Mas quem são essas pessoas às quais devemos ser
sensíveis? Uma vez que estar sensível ao outro familiar é prudência,

152 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
o projeto ético pragmatista tem como alvo o alargamento da
sensibilidade de modo a incluir o outro estranho. A ação moral
supõe a am pliação da sensibilidade do homem a pessoas
marcadamente diferentes em esferas distintas: geográficas,
psicológicas, sociais, culturais. A primeira vista, isso pode sugerir a
ideia de que o outro estranho seria justamente aquele que despertaria
em nós sentimentos como medo e desconfiança. O outro estranho
não seria ameaçador? Não seria preciso resgatar, aqui, a ideia de
sacrifício ou aflição na ação moral? De Botton (2011) ironiza essa
imagem do estranho como alguém necessariamente perigoso,
mostrando como ela é frívola:

Trancados em nossos casulos privados, a mídia passou


a ser a principal maneira de imaginar como são as outras
pessoas, e, como consequência, esperamos que todos
os estranhos sejam assassinos, golpistas ou pedófilos -
o que reforça o impulso de confiar apenas nos poucos
indivíduos que já foram selecionados por redes familiares
e de c la sse. N aq u elas raras o ca siõ e s em que as
circunstâncias (nevascas, tem pestades) conseguem
romper nossas bolhas herméticas e nos jogam junto a
pessoas que não conhecemos, tendemos a nos maravilhar
quando os concidadãos demonstram pouco interesse em
nos cortar ao meio ou em molestar nossos filhos e que
podem até mesmo ser surpreendentemente gentis e se
mostrar dispostos a ajudar, (pp. 24-25)

Essa descrição de De Botton (2011) permite considerar


que o outro estranho não precisa ser necessariamente repugnante,
objeto de desconfiança e fonte de medo. Evidência disso encontra-
se, por exemplo, na prática da viagem, na qual o desejo de conhecer
lugares e pessoas diferentes e, até mesmo inóspitos, sugere que o
outro estranho pode ser objeto de curiosidade, alvo da imaginação
que se encanta por pessoas e formas de vida não familiares à nossa.

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalísm o Radical 153


Em uma bela passagem sobre a prática da viagem Onfray (2007/
2009) nos convence dessa possibilidade:

Viajar so licita uma abertura passiva e generosa a


em oções que advêm de um lugar a ser tomado em sua
brutalidade primitiva, como uma oferenda mítica e pagã.
Longe dos clichês transmitidos por gerações acumuladas,
longe das visões morais e moralizadoras, longe das
reduções éticas e etnocêntricas, longe das reativações
insidiosas do espírito colonizador e invasor, intolerante e
bárbaro, a viagem solicita o desejo e o prazer da
alteridade; não a diferença facilmente assimilável, mas
a verdad eira r e sistê n c ia , a franca o p o s iç ã o , a
dessemelhança maior e fundamental, (pp. 59-60)

Mesmo admitindo que o outro possa despertar em nós


diferentes sentimentos, de curiosidade a repulsa, outra questão
emerge: por que deveríamos levar o outro em consideração? Por
que a ética deveria ser orientada na direção do estranho? Em última
instância, a pergunta parece ser: por que deveríamos agir dc maneira
moral? Dizer que a contemporaneidade exige isso, pela diluição
das fronteiras e estreitamento das distâncias, não é suficiente, pois,
poderíamos advogar a favor do relativismo. Estar sensível ao outro,
ampliar o nosso círculo, é também uma forma de potencializar nossa
felicidade, ou seja, de encontrar outras fontes de satisfação, de
alcançar uma vida melhor.
Mas seria adequado orientar a ética pela busca da
felicidade? Rorty (2008/2010) não parece ter dúvidas sobre isso.
Opondo-se especificamente aqui a uma ética da transcendência,
que se volta para um absoluto extra-humano como ponto de
referência moral, Rorty (2008/2010) diz:

A atitude da Igreja [condenando a homossexualidade]


reduziu significativam ente a felicidade humana. A
controvérsia sobre a homossexualidade suscita uma

154 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
pergunta essencial sobre a natureza da moralidade: a
Igreja tem razão ao afirmar que existe uma espécie de
estrutura da existência humana capaz de servir de ponto
de referência moral, ou nós, os seres humanos, não temos
obrigações morais, além da obrigação de nos ajudar
reciprocamente a satisfazer nossos desejos, atingindo
assim a melhor felicidade possível? Concordo com John
Stuart Mi 11, o grande filósofo utilitarista, sobre o fato de
que esta última é nossa única obrigação moral. (p. 13)

Em alguns momentos, Skinner parece admitir que o deleite,


o prazer, e a felicidade têm papel importante no comportamento
moral. Em primeiro lugar, ao discutir os problemas suscitados pelo
capitalismo, ele diz:

A qualidade de vida no Ocidente não é o problema mais


importante no mundo hoje. Não pode ser comparado com
a pobreza global, com a doença e com a violência, ou
com a superpopulação, a exaustão de recursos essenciais,
a destruição do meio ambiente, a possibilidade de guerra
nuclear. Mas uma melhor qualidade de vida deveria ajudar
a solucionar esses problemas. (Skinner, 1987, pp. 29-30)

Além disso, o desfrute envolvido na felicidade parece ser


incompatível com comportamentos agressivos, destrutivos, que
participam de muitos problemas no campo da moralidade: “acima
de tudo, quantas das guerras da história foram travadas - e quantas
poderiam ainda ser travadas - somente porque as pessoas não
desfrutam suas vidas?” (Skinner, 1987, p. 30).
Por fim, Skinner (1989) declara que a cultura pode
engendrar uma forma de amor, de deleite ou prazer pelo fazer o
bem ao estranho. Trata-se do amor agápico, o sentimento de deleite
que surge ao fazer o bem para a humanidade. Nessa perspectiva,
uma educação da sensibilidade é também uma educação para o
amor, na qual o sentimento de prazer ou deleite estende-se ao fazer

C O N V E R S A S P ragm atistas sobre C om portam entalism o R adical 155


o bem ao outro, mas não apenas ao outro amigo (amor fraternal),
ou ao outro amante (amor erótico), mas ao outro desconhecido,
ao outro estranho do agora e do futuro.
Dizer, contudo, que uma das motivações para estar sensível
ao outro consiste na ampliação de nossa felicidade, do prazer ou
deleite não deve ser entendido como egoísmo ético. A busca pela
felicidade pessoal não deve se dar às custas da felicidade alheia. A
felicidade do outro deve ser considerada na busca pela maximização
da nossa felicidade. Rorty (2008/2010) esclarece dizendo que “o
progresso moral consiste em ampliar a faixa de pessoas cujos
desejos devem ser levados em conta” (p. 27). Ele exemplifica essa
ampliação argumentando que “os ricos começaram a ver os pobres
como seus concidadãos, e não como pessoas cujo lugar na vida
havia sido decretado por Deus” (p. 27), e continua descrevendo
que “de uns tempos para cá, os homens têm se mostrado mais
dispostos a se colocar no lugar das mulheres” (p. 27); e, depois,
completa: “outro exemplo, ainda, é o fato de os heterossexuais
estarem mais propensos a se colocar no lugar dos homossexuais, a
imaginar como deve ser ouvir dizer que o amor que se sente por
outra pessoa é uma perversão repugnante” (pp. 27-28).
Esses exemplos sugerem que o projeto de um alargamento
da sensibilidade ao outro é exequível. A visão pluralista de homem,
defendida pelo pragmatismo - e ao que parece consistente com o
comportamentalismo radical - subsidia esse projeto. Vale lembrar
que o pluralismo pragmatista entende o homem como um processo
capaz de incluir diferentes identidades (organismo, corpo, pessoa,
eu racional), muitas delas inconsistentes ou não harmonizadas entre
si. O homem complexo é, pois, um projeto inacabado, aberto a
novas possibilidades de existência, a diferentes identidades. A sua
própria constituiçãojá é mediada pelos outros homens em sua história
pessoal e cultural. Rorty (2000), citando a filósofa Baier, argumenta
que o amor materno e paterno, recebidos desde a tenra infância,

156 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
pode proporcionar a sensibilidade do homem ao outro. Trata-se de
mais um exemplo da possibilidade de o homem ficar sensível a outras
identidades.
Nesse caso, a sensibilidade aos demais não é uma questão
de obrigação e obediência no sentido da ética tradicional, segundo
a qual o eu moral precisa, por intermédio da razão, e do jugo dos
princípios morais universais, se esforçar para fazer o bem alheio.
Enfim, agir moralmente não é obedecer. Na ótica pragmatista, a
ação moral é inserida em uma perspectiva mais otimista e menos
estóica, pois a noção de obrigação não precisa necessariamente
demandar sacrifício ou anulação do interesse pessoal. O esforço
não resulta, então, da tentativa de subjugar a natureza à cultura,
mas do desafio colocado à razão para sondar possibilidades de
ampliação da sensibilidade a situações novas, até então nunca
pensadas ou realizadas. Se há esforço, ele é imaginativo, criativo e
não aflitivo.
Com efeito, a educação da sensibilidade requer imaginação
e criatividade humanas para que o homem identifique-se como tal
na relação com o outro, É no contato com o outro que o homem se
escreve, e se reescreve na medida em que se relaciona com pessoas
cada vez mais diferentes dele (Rorty, 2000). O projeto é, pois, da
construção de uma identidade cosmopolita, que nunca finda, mas
sempre está aberta a integrar diferentes e estranhas identidades já
que imersa nas relações contingentes, e não necessárias, da vida.
Rorty (2000) resume o ponto ao dizer que “desenvolvimento moral
no indivíduo e progresso moral na espécie humana como um todo
são uma questão de reconstruir as identidades humanas de maneira
a conseguirmos expandir a diversidade de relacionamentos que
constituem essas identidades” (p. 107).
Com efeito, é possível uma ética sem absolutos. A ética
pragmatista é um exemplo: dispensa incondicionais, fundamentos,
sem, com isso, abdicar de valores para pensar o progresso moral.

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o R adical 157


Há como aferir o progresso moral, não em termos do alcance da
perfeição moral, ou pela sua proximidade com um princípio
incondicional e universal, como a Bondade ou a Moral. Este é o
valor dessa ética:
Mas podem os ter como objetivo tomarmo-nos cada vez
m ais sen sív eis ao sofrim ento e alcançarm os uma
satisfação cada vez maior de necessidades cada vez mais
variadas. Os pragmatistas pensam que a ideia de algo
não-humano que nos fascina deve ser substituída pela
ideia de conseguirmos mais e mais seres humanos para
nossa com unidade - de levar em consideração as
n ecessid ad es e interesses e perspectivas de seres
humanos cada vez mais diversos. (Rorty, 2000, p. 113)

Trata-se, isto sim, de tomar o futuro diferente do passado,


buscando levar as necessidades de outras pessoas em consideração
mais do que era feito antes, imaginando novas formas de sermos
humanos. Desse modo, o progresso moral é aferido pelo alargamento
da sensibilidade. A ética pragmatista é> pois, uma ética da
sensibilidade, “de um ser humano o mais simpático, caloroso e
sensível possível” (Rorty, 2000, p. 114)39.

39N o projeto de uma ética da sensibilidade podemos assimilar o que diz Umbcrto Eco
(1 9 3 2 -) sobre a ética. O filósofo escreveu um ensaio moral intitulado Quando o outro
entra em cena no qual afirma que a ética começa, precisamente, quando o outro entra cm
cena. Em defesa de sua tese, argumenta que as leis morais regulam relações interpessoais,
e que se houvesse no mundo apenas um Adão bestial e solitário, tais leis não seriam
necessárias. Eco prossegue afirmando que o outro não se refere apenas ao outro de nossa
comunidade tribal ou de nossa etnia. O outro não se refere somente aos nossos parentes,
aos nossos amigos, aos nossos conhecidos. Se o outro se referir apenas ao outro familiar,
ou ao outro que se pareça conosco, o outro não familiar, ou o outro diferente de nós, é o
bárbaro, é o desumano. O outro assim, bárbaro, desumano, estranho, é massacrado,
canibalizado, é o que tem o seu corpo humilhado. Eco (1997/1998) escreve que se os
“direitos do corpo” tivessem sido respeitados, “não teríamos lido o massacre dos Inocentes,
os cristãos no circo, a Noite de São Bartolomeu, a fogueira para os hereges, os campos de
extermínio, a censura, as crianças nas minas, os estupros na Bósnia” (p. 94).

158 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
Sensibilidade e democracia: a ética e a política a favor do
futuro da humanidade
O homem complexo, como já discutido no capítulo
anterior, não é um homem harmônico. O eu moral também não, já
que deve lidar com uma diversidade cada vez maior de interesses
diferentes dos seus. Como, diante de conflitos de interesses, ficar
sensível ao interesse de outro estranho? Trata-se de buscar por
algo comum a todos os homens, um princípio universal que
inscreveria os homens como irmãos?
A filosofia ética tradicional parece buscar esse princípio.
Mas o que seria um princípio moral universal? Há vários candidatos,
que, para Rorty (2000, cf. p. 120), até o momento, não conseguiram
justificar um princípio notadamente humano. Não obstante, a
estratégia investigativa desse princípio universal é a de buscar uma
semelhança comum a todas as pessoas, independentemente de
época, lugar, raça, e religião. A ideia parece ser, mais uma vez, a de
aniquilar as diferenças e encontrar aquilo que é igual, comum, normal.
Nessa perspectiva, a sensibilidade pelo outro estranho seria
encorajada pela anulação de diferença (ou estranheza) desse outro
em favor de um aspecto comum universal captado, é claro, pela
razão.
O pragmatismo não subscreve essa prática, pois não existe
algo como um princípio universal de igualdade. Rorty (2000) marca
esse ponto dizendo que “os pragmatistas sugerem que devemos
simplesmente desistir da busca filosófica pela semelhança’’(p. 120).
A resolução de conflitos não deve ser orientada por uma plataforma
arquimediana moral, que independa dos grupos envolvidos nessa
disputa. Diferente disso, o pragmatismo, argumenta Rorty, encoraja
o diálogo que busca minimizar as pequenas desigualdades e ressaltar
os pontos em comum nesses grupos específicos em seus contextos
particulares. Vale ressaltar que esses pontos em comum não remetem

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o Racfical 159


a um princípio universal, mas à história social e cultural à qual esses
grupos foram expostos. Como disse Rorty (2000, p. 165),
lembrando Dewey, os seres humanos são “filhos de seu tempo e
lugar”, e é nessa condição finita e temporal que os valores que
subsidiam as ações morais são foijados.
A substituição da eternidade pela finitude no contexto da
moralidade supõe que esse aspecto em comum, aquilo que o indivíduo
compartilha com os demais, não tem prerrogativa com relação aquilo
que lhe é peculiar, diferente, ou não compartilhado. Sobre esse ponto,
Rorty (2000) declara que “aquilo com que todos podem ser levados
a concordar (o universal) não merece nenhum privilégio automático
sobre aquilo a respeito do qual não se pode levar outros a concordarem
(o idiossincrático)” (p. 163). Com isso, além de sugerir que as
diferenças individuais são preservadas no diálogo com o outro, e não
aniquiladas, Rorty impugna qualquer tentativa de o aspecto comum,
uma vez alcançado via diálogo, ser considerado expressão de um
princípio universal, como a “natureza humana” (p. 163), o
“conhecimento da Lei Moral” (p. 164), e assim por diante.
O fato de alguém se sensibilizar pelo bem do outro - “a
gradual disseminação da noção de que a dor alheia importa para
nós, independentemente do fato de que os que sofrem sejam da
mesma família, da mesma tribo, da mesma religião, da mesma nação,
ou que tenham as mesmas crenças que nós” (p. 164) - é um
fenômeno tão contingente histórica e socialmente quanto qualquer
outro. Com efeito, a ação moral é contextuai, ou, como diz Rorty
(2000), “isso significa que um sentido de obrigação moral é uma
questão de condicionamento e não de insight” (p. 165). Não é
uma questão de insight, pois, para o pragmatismo, não é possível
transcender o contexto e dar uma espiada de for a; é uma questão
de condicionamento, pois “nossa consciência e nosso gosto estético
são, igualmente, produtos do ambiente no qual crescemos” (p. 165).

160 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio D am ásio Abib
Sobre esse assunto, Skinner (1974) diria que para as pessoas agirem
de modo moral, “o que se faz necessário é uma restauração do
ambiente social em que as pessoas ajam de maneiras que chamamos
morais” (p. 196).
Essa tese dá relevo à importância de uma educação para
a sensibilidade. Ela mira um homem sensível e cosmopolita. Um
homem sensível à diferença, de modo a ser capaz de transitar em
diferentes lugares, enfim, um diplomata, que, sem anular seus gostos
particulares, busca reconciliar práticas sociais distintas. Mas não se
trata de um cosmopolitismo espúrio, chauvinista, que tenta reconciliar
“diferenças'’entre iguais, ou diferenças que não fazem diferença. A
moralidade encerra ações que promovem um cosmopolitismo
democrático, no qual a cooperação é uma atividade de fazer dialogar
diferenças entre práticas, culturas, contextos os mais heterogêneos
possíveis. E no diálogo que a deliberação e o sentimento se imbricam
na tentativa de lidar com as diferenças, e não em uma atividade
isolada de um eu moral.
A compreensão desse cosmopolitismo democrático,
defendido pelo pragmatismo, pode ajudar na interpretação do valor
ético de sobrevivência das culturas, proposto por Skinner (1971).
Em primeiro lugar, o plural empregado na expressão deve ser
ressaltado: não se defende como valor ético a sobrevivência de
uma cultura, mas da diversidade cultural. Isso parece inviabilizar
“diálogos” que têm no horizonte a aniquilação da diferença, o
consenso a qualquer custo, a imposição, a violência. Diferente disso,
trata-se de um diálogo virtuoso, no qual se almeja o enriquecimento
das culturas em contato, a possibilidade de aprender com o outro,
de tomar-se sensível a outros contextos e pessoas. Dessa forma,
considerar a sobrevivência das culturas como um valor ético é admitir
que a pluralidade ou diversidade cultural não é um estado
temporário, que será sucedido por uma integração homogênea; é,

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o R adical 161


antes de tudo, abandonar a longa tradição que identifica beleza com
simplicidade, perfeição com monismo; é alinhar-se com um projeto
de educação que destaque a beleza do múltiplo, o interesse pelo
diferente, o valor do plural.
Não obstante, tal cosmopolitismo democrático não implica
necessariamente relativismo, se, “ ‘relativismo’ quer dizer que
qualquer perspectiva moral é tão boa quanto qualquer outra” (Rorty,
2000, p. 165). Embora não haja uma base neutra que oriente a
dissolução de conflitos éticos, há critérios ou valores para aferir o
progresso moral, como já foi anteriormente citado. Trata-se de
ampliar a sensibilidade ao outro estranho para contextos e pessoas
cada vez mais variados e distintos, mas que essa ampliação não
encoraje práticas culturais que firam o princípio da diferença, “ou
que a tradição cultural justifique a desigualdade de oportunidades”
(Rorty, 2000, p. 139).
Isso significa que a ação moral busca articular diferentes
práticas de forma que a satisfação do interesse de um grupo não
seja empecilho para a satisfação do interesse de outro. Do mesmo
modo, o interesse do indivíduo deve ser considerado, mas desde
que isso não impeça que o desejo dos outros tambcm o seja. Rorty
(2008/2010) exemplifica: “meu desejo de que meus filhos tenham
mais comida que os filhos de meus vizinhos não é intrinsecamente
mau, mas esse desejo não deveria ser realizado. Não existe um
desejo intrinsecamente mau, existem apenas desejos a ser
subordinados a outros no interesse da equidade” (p. 26).
Há, aqui, uma cooperação entre as esferas ética e política.
A ética da sensibilidade coaduna com uma “democracia planetária”
(Rorty, 2000, p. 139). Por meio desse tipo de política uma educação
da sensibilidade ganha corpo, de modo que o agir moral e político
envolvam ações que permitam o contato entre linguagens afeitas à
prática democrática e aquelas linguagens discriminatórias:

162 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
Alguém terá de infiltrar, gentil e pacientemente, a política
igualitária na linguagem de tradições que insistem numa
distinção entre uns poucos racionais ou inspirados e os
muitos desorganizados ou confusos. Alguém terá de nos
persuadir a modificar nosso hábito de basear decisões
políticas na diferença entre pessoas como nós, os seres
humanos paradigmáticos, e casos duvidosos de
humanidade como estrangeiros, infiéis, intocáveis,
mulheres, homossexuais, mestiços, e pessoas deformadas
ou aleijadas. Tais distinções estão estabelecidas em
nossas tradições culturais, e dessa forma em nossos
vocabulários de deliberação moral. (Rorty, 2000, p. 140)
Novamente, isso tudo parece que pode ser abarcado no
valor ético de sobrevivência das culturas. Defender pluralidade,
multiplicidade, diversidade, sem a pretensão de uma redução,
integração ou unificação, não quer dizer impossibilidade de mudança.
O diálogo é o motor dessa mudança. Com ele práticas são pensadas,
corrigidas, e eventualmente abandonadas, mas isso não quer dizer
que caminhamos na direção de um estado de integração. De um
ponto de vista pragmatista, o progresso ético parece descrever
exatamente o contrário: quanto maior o contato, quanto mais
dialogarmos, mais plural e complexa se toma a ética, pois mais
pontos de vista precisam ser considerados, mais pessoas devem
participar, mais sensibilidade é demandada.
Não obstante, essa mudança é factível? Para que essa
transformação aconteça, Rorty (2000) alega que é preciso
abandonar a tendência filosófica que pensa que “nada pode mudar
a não ser que tudo mude” (p. 136). Ele destaca que essa filosofia
também se verifica nos pós-m odernos de vanguarda, que
condicionam a realização de seus ideais em mudanças radicais na
cultura. “Essa insistência na radical idade”, arremata Rorty (2000),
“é o fundacionismo de cabeça para baixo” (p. 136). Isso sugere, tal
como o faz a filosofia tradicional, de que a mudança só pode ser

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o R adical 163


catalisada por uns poucos iluminados: ou aqueles que conseguem
alçar a realidade intrínseca das coisas, ou aqueles que conseguem
captar o tempo por meio de uma linguagem e práticas esotéricas e
herméticas.
Nota-se que essa veia vanguardista, de que é preciso
mudar tudo a um só golpe, pode ser tão paralisante quanto a mais
conservadora resignação. O proclame “ou uma revolução
macroestrutural ou nenhuma mudança” pode acabar eclipsando
ou subestimando as mudanças pontuais que ocorrem em contextos
particulares, e que têm um potencial democrático planetário. Com
efeito, essas mudanças são lentas e gradativas, pois requerem um
esforço imaginativo e criativo de mediação e reconciliação entre
práticas éticas antigas e novas, de modo que os interesses de grupos
cada vez maiores de pessoas sejam satisfeitos, sem ferir, com isso,
a equidade.
Embora ã discussão da política em Skinner seja repleta
de controvérsias, algumas de suas ideias parecem não ferir a proposta
de uma democracia planetária. A crítica skinneriana ao poder das
agências controladoras, por exemplo, parece adequada para evitar
a resignação que transfere ao sistema econômico, ou mesmo ao
governamental, a responsabilidade da mudança: “a concentração
de poder em uma agência é questionável não apenas porque é
caracteristicamente mal usado e desperdiçado, mas porque destrói
o contato interpessoal” (Skinner, 1978, p. 9). Nesse contexto, a
proposta parece ser a retomada do controle face a face, o que
poderia ser entendido como a ampliação do ideal ético do diálogo
para a esfera política: “quando delegamos o controle de pessoas a
instituições políticas e econômicas, renunciamos ao controle face a
face de um governo igualitário das pessoas pelas pessoas... Uma
melhor estratégia é fortalecer o controle face a face” (Skinner,
1978, p. 9).

164 Carlos Eduardo lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Damásio Abib
Considerações finais
E dispensando fundamentos, incondicionais (Perfeição,
Bondade, Lei M oral, Imperativo Categórico) e oposições
inconciliáveis (moralidade versus prudência, razão versus
sentimento) que a ética pragmatista se constrói. E resistindo a
classificações estanques (fundacionismo, relativismo) que a ética
pragmatista se faz entender. A proposta ética no comportamentalismo
radical talvez exija movimento semelhante.
A ética pragmatista, assim como a comportamentalista, é
uma ética da ação, da ação situada, do comportamento. Mais
uma vez pragmatismo e comportamentalismo radical podem se
envolver em um diálogo profícuo para, agora, problematizar a ética.
Mostram a possibilidade de uma ética que se delineia na relação de
um homem complexo com um mundo pluralista. E nessa relação
humana - carnal, sensível, mundana, como um campo das
possibilidades, de contingências - que o eu moral se constitui. Ele
emerge quando, em situações controversas, uma ação criativa e
livre, que envolve sensibilidade, produz satisfação, felicidade, deleite
(ágape) com o outro estranho. Enfim, é quando o outro estranho
entra em cena que o sujeito moral aparece.
Diante do estreitamento das fronteiras planetárias, as éticas
pragmatista e comportamentalista reclamam uma educação para a
moralidade. Isso significa criar condições para que a sensibilidade
ao outro estranho seja ampliada. Essas condições encerram o cultivo
do diálogo: é na conversa face a face que as pequenas diferenças
podem ser debatidas e resolvidas. É no contexto desse diálogo que
os valores que orientarão a resolução de conflitos éticos podem ser
construídos. Valores provisórios, contingentes àquela situação
controversa.

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o Radical 165


Isso não é tarefa fácil. Exige engajamento, liberdade e
criatividade, ao invés de recorrer a alguma prescrição ou norma,
cuja obediência levaria à solução de qualquer conflito ético. Não é
tarefa fácil, pois é difícil dialogar e respeitar quando se vem de uma
tradição acostumada a desprezar, impor ou, no máximo, tolerar.
Não é fácil, pois exige um movimento gradativo, e não a um só
golpe, para fazer respeitar as diferenças.
Com efeito, uma ética pragmatista e comportamentalista
é uma ética da esperança. Não é uma ética universal, mas
contingente; não é uma ética de mandamentos ou de leis, mas do
diálogo; não é uma ética da normatização ou da prescrição, mas da
criatividade; não é uma ética da obediência, mas da liberdade; não
é uma ética nem egoísta nem altruísta, mas da sensibilidade; não é
uma ética da aflição, mas da felicidade; não é uma ética do medo e
da repulsa ao outro estranho, mas daquela que diz a cíc: seja bem-
vindo! Agapel

166 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
R e fe rê n c ia s

Abbagnano, N. (2000). Dicionário de filosofia (A. Bosi, trad.). São


Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1971)
Abib, J. A. D. (1994). O contextualismo no comportamento verbal: a
teoria skinneriana do significado e sua crítica ao conceito de referência.
Psicologia, Teoria e Pesquisa, 10, 473-487.
Abib, J. A. D. (2009). Epistemologia pluralizada e história da psicologia.
Scientiae Studia, 7(2), 195-208.
Aristóteles (1979). Ética aNicômaco (L. Vallandro & G. Bomheim, trads.).
In V. Civita (Org.), Aristóteles (II) (pp. 47-236). São Paulo: Abril Cultural.
(Trabalho original publicado em s.d.)
Aristóteles (1984a). Categories (J. L. Ackril!, trad.). In J. Bames (Orgs.),
The complete works o f Aristotle (Vol. 1, pp. 3-24). New Jersey: Princenton
University Press, (Trabalho original publicado em s.d.)
Aristóteles (1984b). Nicomachean ethics (W. D. Ross, trad.). In J. Bames
(Orgs.), The complete works o f Aristotle (Vol. 2, pp. 1729-1867). New
Jersey: Princenton University Press. (Trabalho original publicado em s.d.)
Aristóteles (1985). Ética a Nicômacos (M. da G Kury, trad.). Brasilia:
Editora da Universidade de Brasilia. (Trabalho original publicado em s.d.)
Baum, W. M. (1999). Compreender o behaviorismo (M. T. A. Silva, M.
A. Matos, G. Y. Tomanari & E. Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artes
Médicas. (Trabalho original em inglês publicado em 1994)
Brüning, W. (1983). Antropologia filosófica (s./t.). In F. Heinemann (Org.),
A filosofia no século X X (pp. 537-552). Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian. (Trabalho original publicado em 1963)
Burtt, E. A. (1983). As bases metafísicas da ciência moderna (J. Viegas
Filho & O. A. Henrique», trads.). Brasília: Editora da Universidade de
Brasília. (Trabalho original em inglês publicado em 1932)
Carrara, K. (2004). Causalidade, relações funcionais e contextualismo:
algumas indagações a partir do Behaviorismo Radical, Interações, 1 7,
29-54.
Carrara, K. (2005). Behaviorismo radical: Crítica e metacrítica (2a. ed.
rev. e atual). São Paulo: Editora UNESP.
Chauí, M. (1994). Introdução à história da filosofia: Dos pré-socráticos
a Aristóteles. São Paulo: Editora Brasiliense.
Cícero, A. (1994). Introdução. In A. Cícero, & W. Salomão (Orgs.), O
relativismo enquanto visão de mundo (pp. 9-16). Rio de Janeiro: Francisco
Alves Editora.
Comte-Sponville, A. (2003). Dicionário filosófico (E. Brandão, trad.).
São Paulo: Martins Fontes.
Conant, J. (2010). A disputa entre James e Royce e o desenvolvimento
da “solução” de James. In R. A. Putnam (Org.), William James (A. Oídes,
trad.). Aparecida-SP: Ideias e Letras. (Trabalho original em inglês
publicado em 1997)
De Botton, A. (2011). Comunidade. In Religião para ateus (V. Paolozzi,
trad., pp. 19-56). Rio de Janeiro: Intrínseca.
Descartes, R. (1973). Meditações. In V. Civita (Ed.), Os pensadores -
história das grandes ideias do mundo ocidental. São Paulo: Abril Cultural.
(Trabalho original em latim publicado em 1641)
Dewey, J. (1981). The reflex arc concept in psychology. In J. J.
McDermott (Org.), The philosophy o f John Dewey (pp. 136-148).
Chicago: The University o f Chicago Press. (Trabalho original publicado
em 1896)
Eco, U. (1998). Cinco escritos morais (E. Aguiar, trad.). Rio de Janeiro:
Record. (Trabalho original publicado em 1997)
Ferrater Mora, J. (1986). Diccionario defilosofia (Vol. I). Madrid: Alianza
Editorial.

168 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
Ferrater Mora, J. (2001a). Dicionário de filosofia - tomo I (A-D) (M. S.
Gonçalves, A. U. Sobral, M. Bagno &N. N. Campanário, trads.). São Paulo;
Edições Loyola. (Trabalho original em espanhol publicado em 1994)
Ferrater Mora, J. (2001b). Dicionário de filosofia - tomo II (E-J) (M. S.
Gonçalves, A. U. Sobral, M. Bagno & N. N. Campanário, trads.) (2a. ed.
rev. atual, e ampl. por Josep-Maria Terricabras). São Paulo: Edições Loyola.
(Trabalho original em espanhol publicado em 1994)
Ferrater Mora, J. (2001c). Dicionário de filosofia - torno UI (K-P) (M. S.
Gonçalves, A. U. Sobral, M. Bagno & N. N. Campanário, trads.). São Paulo:
Edições Loyola. (Trabalho original em espanhol publicado em 1994)
Gleiser, M. (2010). Criação imperfeita: Cosmo, vida e o código oculto
da natureza (4a. ed.). Rio de Janeiro: Record.
Hanson, N. R. (1975). Observação e interpretação (L. Hegenberg & O.
S. Mota, trads.). In S. Morgenbesser (Org.), Filosofia da ciência (2a.
ed.). São Paulo: Cultrix.
Haycs, S. C., Hayes, L, J., & R eese, H. W. (1988). Finding the
philosophical core: a review of Stephen C. Pepper’s World Hypotheses:
A study in evidence. Journal o f the Experimental Analysis o f Behavior,
50,97-111.
Houaiss, A., & Villar, M. S.(2001). Dicionário Houaiss da lingua
portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva.
Houaiss, A., & Villar, M. S. (2009). Dicionário Houaiss da lingua
portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva.
James, W. (1912). The will to believe and others essays in popular
philosophy. New York: Longmans, Green, and Co. (Trabalho original
publicado em 1897)
James, W. (1955). The principles o f psychology. In R. M. Hutchins
(Ed.), Great books o f the western world (Vol. 53). Chicago: Encyclopaedia
Britannica, Inc. (Trabalho original publicado em 1890)
James, W. (1970). Humanism and truth. In The meaning o f truth: A
sequel to pragmatism (pp. 51-101). Michigan: The University Michigan
Press. (Trabalho original publicado em 1909)

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o R adical 169


James, W. (1988). Pragm atism . Cambridge: Hackett Publishing.
(Trabalho original publicado em 1907)
Joas, H. (1993). Pragmatism and social theory. Chicago: The University
o f Chicago Press.
Koyré, A. (1979). Do mundo fechado ao universo infinito (J. Pires,
trad.). Lisboa: Gradiva. (Trabalho original publicado em 1957)
Kuhn, T. (2003). A estrutura das revoluções científicas (8a. ed, rev., B.
V. Boeira & N. Boeira, trads.). São Paulo: Perspectiva. (Trabalho original
em inglês publicado em 1970)
Kury, M. da G. (1985a). Notas à introdução. In Aristóteles, Ética a
Nicômacos (p. 15). Brasília: Editora da Universidade de Brasília.
Kury, M. da G. (1985b). Notas. In Aristóteles, Ética a Nicômacos (pp.
213-225). Brasília: Edilora da Universidade de Brasília.
Laurenti, C. (2009a). Determinismo, indeterminismo e behaviorismo
radical. Tese de doutorado, Departamento de Filosofia, Universidade
Federal de São Carlos, São Carlos.
Laurenti, C. (2009b). Uma interpretação pragmatista da variação e seleção
na Análise do Comportamento. In R. C. Wielenska (Org.), Sobre
comportamento e cognição: Desafios, soluções e questionamentos (Vol.
23, pp. 243-248). Santo André: Esetec.
Lewontin, R. (2002). A tripla hélice: Gene, organismo e ambiente (J.
Viegas Filho, trad.). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original
em inglês publicado em 1998)
Lopes, C. E. (2008). Uma proposta de definição de comportamento no
behaviorismo radical. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e
Cognitiva, 10, 1-13.
Lopes, C. E. (2009a). Contextualismo e monismo neutro: reflexões
ontológicas sobre a Análise do Comportamento. In R. C. Wielenska,
(Org.), Sobre com portam ento e cognição: D esafios, soluções e
questionamentos (Vol. 23, pp. 239-242). Santo André: Esetec.
Lopes, C. E. (2009b). O projeto de psicologia científica de Edward
Tolman. Scientiae Studia, 7(2), 237-250.

170 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
Machado, A., Lourenço, O., & Silva, F. J. (2000). Facts, concepts, and
theories: the shape o f psychology’s epistemic triangle. Behavior and
Philosophy, 28, 1-40.
Marcondes, D. (2000). Desfazendo mitos sobre a pragmática. Alceu,
7(1), 38-46.
Mayr, E. (2009). O que é evolução (R. S. de Biasi & S. C. de Biasi, trads.).
Rio de Janeiro: Rocco. (Trabalho original em inglês publicado em 2001)
McDermott, J. J. (1981). Introduction. In The philosophy o f John Dewey
(p. 136). Chicago: The University o f Chicago Press.
Mead, G. H. (1962). Mind, self and society: From the standpoint o f a
social behaviorist. Chicago: The University of Chicago Press. (Trabalho
original publicado em 1934)
Morin, B. (2004). Os sete saberes necessários à educação do futuro (9a
ed., C. E. F. da Silva & J. Sawaya, trads.). São Paulo: Cortez. (Trabalho
original publicado em 1999)
Morin, E. (2010). Para onde vai o mundo? (F. Morás, trad.). Petrópolis:
Vozes. (Trabalho original em francês publicado em 1981)
Morris, C. W. (1962). Introduction: George H. Mead as social psychologist
and social philosopher. In G. H. Mead, Mind, self and society: From the
standpoint o f asocial behaviorist (pp. ix-xxxviii). Chicago: The University
o f Chicago Press. (Trabalho original publicado em 1934)
Morris, E. K. (1993). Mechanism and contextualism in behavior analysis:
just some observations. The Behavior Analyst, 16, 255-268.
Moxley, R. A. (2001). Sources for Skinner’s pragmatic selectionism in
1945. The Behavior Analyst, 24, 201-212.
Moxley, R. A. (2007). Ultimate realities: deterministic and evolutionary.
The Behavior Analyst, 30, 59-77.
Murphy, J. (1993). O pragmatismo - de Pierce a Davidson (J. Costa, trad.).
Porto: Edições Asa. (Trabalho original em inglês publicado em 1990)
Onfray, M. (2008). Contra-história da filosofia II: O cristianismo
hedonista (M. Stahel, trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original
em francês publicado em 2006)

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o R adical 171


Onfray, M. (2009). Teoria da viagem: Poética da geografia (P. Neves,
trad.). Porto Alegre: L&PM. (Trabalho original publicado em 2007)
Pavlov, 1. P. (1972). Reflexos condicionados e inibições (D. Fontanive, trad.).
Rio de Janeiro: Zahar Editores. (Trabalho original publicado em s.d,)
Peirce, C. S. (1992). The doctrine of necessity examined. In N. Houser, &
C. J. W. Kloesel (Eds.), The essencial Peirce (pp. 298-311). Bloomington:
Indiana University Press. (Trabalho original publicado em 1892)
Pepper, S. C. (1961). World hypotheses: Prolegomena to systematic
philosophy and a complete survey o f metaphysics (4th. ed.). Berkeley:
University of California Press. (Trabalho original publicado em 1942)
Peters, F. E. (1983). Termos filosóficos gregos (B. R. Barbosa, trad.).
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. (Trabalho original publicado em
1974)
Rorty, R. (1980). Philosophy and the mirror o f nature (2th ed.). New
Jersey: Princeton University Press. (Trabalho original publicado em 1979)
Rorty, R. (1993). Introdução: Pragmatismo como anti-representacionismo
(J. Costa, trad.) In J. Murphy, O pragmatismo - de Pierce a Davidson
(pp. 7-13). Porto: Edições Asa. (Trabalho original em ingles publicado
em 1990)
Rorty, R. (2000). Pragmatismo: A filosofia da criação e da mudança
(C. Magro, & A. M. Pereira, trads.). Belo Horizonte: Editora UFMG.
Rorty, R. (2010). Ética laica (G. Vattimo, lntrod., M. T. Martino, trad.).
Sao Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 2008)
Rossi, P. (1989). Os filósofos e as máquinas: 1400-1700 (F. Carotti,
trad.). São Paulo: Companhia das Letras.
Sennett, R. (1988). Papéis. In O declinio do homem público: As tiranias
da intimidade (7a ed., L. A. Watanabe, trad., pp. 45-64). Sao Paulo:
Companhia das Letras. (Trabalho original em inglês publicado em 1974)
Sibilia, P. (2003), O homem pòs-orgânico: Corpo, subjetividade e
tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Delume Dumará.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: The Free
Press.

172 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century-
Crofts.
Skinner, B. F. (1968). The technology o f teaching. New York: Appleton-
Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1969). Contingencies o f reinforcement: A theoretical
analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1971). Beyondfreedom and dignity. New York: Alfred A. Knopf.
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Alfred A. Knopf.
Skinner, B. F. (1978). Reflections on behaviorism and society. New Jersey:
Prentice-Hall.
Skinner, B. F. (1979). Interview with B. F. Skinner. Behaviorists fo r
Social Action Journal, 2(1), 47-52.
Skinner, B. F. (1981, Jul. 31). Selection by consequences. Science,
2/3(4507), 501-504.
Skinner, B. F. (1984). The operational analysis of psychological terms.
In A. C. Catania, & S. Hamad (Orgs.), The Behavioral and Brain Sciences,
7(4), 547-553. Princeton: Cambridge University Press. (Trabalho original
publicado em 1945)
Skinner, B. F. (1987). Upon further reflection. New Jersey: Prentice-Hall.
Skinner, B. F. (1989), Recent issues in the analysis o f behavior. London:
Merrill Publishing Company.
Skinner, B. F. (1990a). Can psychology be a science o f mind? American
Psychologist, 45(11), 1206-1210.
Skinner, B. F. (1990b), To know the future. The Behavior Analyst, 13,
103-106.
Skinner, B. F. (1991). The behavior o f organisms: An experimental
analysis. Massachusetts: Copley Publishing Group. (Trabalho original
publicado em 1938)
Slife, B. D., Yanchar, S. C., & Williams, B. (1999). Conceptions o f
determinism in radical behaviorism: a taxonomy. B ehavior and
Philosophy, 27, 75-96.

C O N V E R S A S P rag m atistas sobre C om portam entalism o R adical 173


Sykes, J. B. (1982). The concise oxford dictionary. Oxford: Oxford
University Press.
Tourinho, E. Z., & Neno, S. (2003). Effectiveness as truth criterion in
behavior analysis. Behavior and Philosophy, 31, 63-81.
Waal, F. de. (2010). A era da empatia: Lições da natureza para uma
sociedade mais gentil (R. Rubino, trad.). São Paulo: Companhia das Letras.
(Trabalho original publicado em 2009)
Wilson, H. V. R. (1974). On causation. In S. Hook (Org.), Determinism
and freedom (pp. 237-243). New York: Macmillan. (Trabalho original
publicado em 1958)
Wrangham, R., & Peterson, D. (1998). O macho demoníaco: As origens
da agressividade humana (M. H. C. Côrtes, trad.). Rio de Janeiro: Objetiva.
(Trabalho original publicado em 1996)
Yerkes, D. (1989). Webster's encyclopedic unabridged dictionary o f the
english language. New York: Portland House.
Zuriff, G. E. (1985). Behaviorism: A conceptual reconstruction. New
York: Columbia University Press.

174 Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti e José Antônio Dam ásio Abib
S ob re os au to res

Carlos Eduardo Lopes


Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de
São Carlos, e doutor em Filosofia pela mesma instituição. É professor
adjunto no Departamento de Psicologia da Universidade Estadual
de Maringá, instituição na qual coordena o Laboratório de Filosofia
e Metodologia da Psicologia (LAFIMEP).

Carolina Laurenti
Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de
Londrina. Fez mestrado e doutorado em Filosofia na Universidade
Federal de São Carlos. Atualmente é professora adjunta no
Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade
Estadual de Maringá, e integrante do Laboratório de Filosofia e
Metodologia da Psicologia (LAFIMEP).

José Antônio Damásio Abib


Graduado em Psicologia pela Universidade de Brasília.
Mestrado e doutorado em Psicologia pela Universidade de São
Paulo. Pós-Doutorado cm Epistemologia da Psicologia pela
Universidade de Aarhus, Dinamarca. Foi professor no Departamento
de Filosofia e orientador no Programa de Pós-Graduação em
Epistemologia da Psicologia e da Psicanálise da Universidade
Federal de São Carlos, SP. Professor visitante de várias
Universidades brasileiras.

Todos os autores trabalham com pesquisa conceituai em


História e Filosofia da Psicologia, tendo publicado diversos artigos
e capítulos de livro nessa área.
O livro apresenta
algum as das relações entre o

Comportamentalismo Radical e o
Pragmatismo, principalmente na

co n cep çã o de W illiam Jam es,

G eorge H erbert M ead , John


D ew ey, e Richard Rorty. Através de

qu atro c a p ítu lo s , os a u to r e s
procuram demonstrar o

comprometimento da obra
skinncriana com o pensam ento

pragmatista, sob três grandes eixos:


Mundo, H om em c Ética.

Os autores dispõem de
amplo conjunto de conhecim entos,

c u i d a d o s a me n t e bem

fundam entados e articulados e


apresentam suas ideias com um
estilo fluente. Em suma, uma obra

indispensável principalmente para


os estudiosos do comportamento
humano.

Dr. José Baus

P rofessor Adjunto no
Departamento de
P s i c o l o g i a da
Universidade Federal de
Santa Catarina
View publication stats

Vous aimerez peut-être aussi