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Ser ou não ser não é a questão


Jean-Claude Bemardet

Na sala de espera de um hospital onde se tratam doentes de


Aids, um rapaz aproxima-se de mim e pergunta se pode falar
comigo. Sentamos. Ele me explica que está gravemente doente,
que vai morrer. Estranho: ele parece forte, é musculoso, tem boa
aparência. Pergunto sobre o sangue dele, essas coisas: quantida-
de de CD4, de CD8, carga viral (quantidade de vírus por milíme-
tro cúbico de plasma); o sangue dele está muito melhor do que o
meu, seu estado não está tão ruim como afirma. Digo que ele
parece deprimido, mais deprimido do que verdadeiramente
doente. Ele confessa que a doença o deixa deprimido. Pergunto
se antes de estar doente ele estava deprimido. Ele responde que
sim, mas antes era diferente: era uma "depressão existencial",
diz, enquanto agora é a doença que provoca a depressão.
Essa situação é muito mais freqüente do que se imagina. A
Aids, muitas vezes apresentada como uma trovejada divina que
viria restabelecer a moralidade numa sociedade pervertida, pode
ser capitalizada pelo doente em seu benefício. Agora sim, ele tem
um bom motivo para estar deprimido: a doença. Ele se justifica
diante de si mesmo, diante da família, dos amigos. Ele tem uma
boa causa. Antes, estava deprimido sem causa, ou sem saber a
causa, ou sem querer saber. Na conversa com esse sujeito, enten-
do que ele não vive bem o fato de ser homossexual, não se sente
bem na pele dele, há uma culpabilidade vaga pairando na sua
cabeça, ele não sabe muito bem do que se trata, prefere não me-
xer neste vespeiro.
Esta é uma das piores formas do preconceito contra os
homossexuais. Quando os pais, as tias, os amigos dos pais, os
colegas da escola, os professores percebem a orientação dos

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desejos sexuais e afetivos de um jovem ou de uma jovem, orga-
conhece essa situação. Não só porque ele não é objeto dessa cam-
niza -se em torno deles uma verdadeira campanha. O jovem pode
até nem se ter ainda dado realmente conta de que se sente atraído panha, como porque a sociedade lhe oferece ~odelos de c?m-
por pessoas do mesmo sexo, mas a campanha está aí, martelan- portamento. Os meninos namoramc.om as m<:mnas, e as me~nas
do. A campanha pode não ser muito Clara, inclusive por que os com os meninos, os pais fizeram asslI~., os avo~ fiz~ram ~s~~. O
adultos tentam evitar a palavra que soa monstruosa para sua for- casamento passando ou não pelas leis e pela Igreja, está ai: e .só
fazer corno os outros. O casamento monogâmico e o adultério,
mação moral e religiosa: homossexualidade. De forma que a
os bordéis e as prostitutas: o caminho já está traçado. Os ro~~-
campanha não é frontal, é insidiosa, ela se insinua. E um profes-
sor que, tendo notado que dois garotos andam muito juntos, dá ces.os filmes, a publicidade nos muros da cidade ou na t<:leYls~o,
as telenovelas tudo nos diz como devemos proceder. E o remo
um grito durante um recreio e os manda jogar futebol, ou então
da heterossexualidade. Ao adolescente com tendências homos-
lhes atribui carteiras afastadas na sala de aula. É um pai que fica
sexuais não se oferecem trilhas pronf:JlS,ele tem que encontrar as
irritado ao perceber que o filho está lendo um romance como O
suas, adivinhar, procurar, inventar. E a luta. E lutar contra essa
bom crioulo, de Adolfo Caminha, ou O retrato de Dorian. Gray,
cidadela armada não é fácil.
deOscar wnae, ou uma antologia do poeta grego Cavafy,' e per;-
Tudo isso se dá como se a heterossexualidade levasse neces-
gunta se não seria bem melhor ler algum romance de aventura. E
sariamente à felicidade. É só ver os problemas que casais forma-
uma mãe que fica caçando nos bolsos ou nos cadernos do filho
ou da filha alguma 'bilhete comprometedor. São colegas que dos por um homem e uma mulher têm para se dar conta de que a
ficam caçoando porque o fulano não gosta de jogar futebol ou heterossexualidade não é sempre um paraíso. .
conversar sobre a ca1cinha da professora. Mas nada disso vem Tudo isso se dá como se todo mundo soubesse o 'que é hete-
realmente às claras. E se nada disso funcionar, resta o recurso do rossexualidade e o que é homossexualidade. Heterossexualid?-de
psicólogo ou do psicanalista: "meu filho, sabe doutor, é um bom se refere a comportamentos sexuais entre pessoas d~ sexos dífe-
menino, mas ele tem um problema ..." rentes, e homossexualidade entre pessoas do mesmo sexo. Mas
Esse clima mina a segurança do adolescente, que passa a não vai muito 'além disso. No quadro da heterossexualidade há
achar que deve ter alguma coisa muito ruim dentro dele. O pre- múltiplos comportamentos sexuais, afetivos e amorosos. Bem
conceito manifestado pelos familiares, os amigos, os professo- como no quadro da homossexualidade.
res, contamina o adolescente. Ele encampa em parte o Relações sexuais e afetivas entre pessoas do mes~o sexo
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preconceito contra ele próprio. Ele se vê dividido entre prazer datam dos primórdios da humanidade. Em algumas SOCIedades,
a homossexualidade fazia parte dos costumes aceitos. Como na
de estar com seu amigo, e uma culpabilidade e uma solidão que
ele não sabe reconhecer muito bem. Nada disso facilita qualquer Grécia antiga, por exemplo, vista por muitos gays hoje como o
forma de afirmação, e encaminha para comportamentos depres- paraíso perdido da homossexualidade. Mas com.o era e~sa;ho-
sivos e para uma vida dupla: precisa esconder, manter aparente- mos sexualidade grega? Os gregos formavam casais constituídos
mente uma vida como os outros querem e, às escondidas, por um homem adulto e um adolescente, freqüentem~nte c~m a
satisfazer os seus amores e desejos. concordância dos pais do adolescente. Mas o adulto nao devia se
Não resta dúvida que, numa situação dessa, precisa firmeza aproveitar do corpo do amante como um objeto sexual,. era se.u
e coragem para se afirmar claramente gay ou lésbica, se aceitar a dever contribuir para a sua formação cultural e moral, Incenti-
si mesmo, se fazer aceitar e respeitar pelos outros. O adolescen- vando nele a coragem e a honra. Quando o adolescente ficava
te, cujos desejos se encaminham para pessoas do outro sexo, não adulto, a relação devia cessar, e o novo adulto podia então man-
ter relações com um adolescente. Isso era, pelo menos, o com-
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portamento socialmente aprovado, o quenão quer dizer que tudo Assim na Terra como no Olimpo: afinal Zeus, patrono dos
ocorria sempre assim. Havia muita prostituição masculina,e os deuses gregos, era bastante mulherengo, o que não o impediu de
prostitutos pagavam uma taxa ao Estado, bem como'asprostitu- se apaixonar loucamente pelo belo Ganimedes e mandar uma
tas.' Essa relação adulto-adolescente era codificada. O adulto não águia raptá-lo. E até hoje, ele serve o néctar a Zeus, sob o olhar
devia ser penetrado pelo rapaz, Os adultos que tinham um com- enciumado de Juno. A Bíblia também conta a história de Davi e
Jônatas: "A alma de Jônatas ligou-se à alma de Davi, e Jônatas se
portamento sexualchamado de passivo eram desprezados, e
afeiçoou a ele como a si próprio", e quando Jônatas morre, Davi
havia rima expressão pejorativa para designá-Ias: bunda larga, o
lamenta: "Quanto sofro por ti, Jônatas, meu irmão! Quanto me
quejcórrespondemais ou menos ao nosso veado-deIioje.
eras caro e querido! Tua amizade me era mais maravilhosa que o
Relações sexuais entre dois homens adultos eram condenadas. E
amor das mulheres" (no lugar de amizade, algumas traduções
tais relações tampouco deviam ocorrer entre dois jovens: Essas dão amor, outras afeição. Por que?).
práticas sexuais existiam, mas eram malvistas. Então, o que Vimos que a idéia de homossexualidade não existia na Gré-
dizer: havia Ou não havia preconceito contra a homossexualida- cia antiga. Quando apareceu tal idéia? Recentemente, segunda
de na Grécia antiga? '
metade do século xix, ela nasce em meio aos médicos. Passa-se
, , 'Os adultos' que mantinham' relações com adolescentes eram a achar que a homossexualidade seria como uma doença, uma
na sua quase totalidade casadose pais de família: E'a relação disfunção que poderia ser tratada. Em realidade, a palavra
homossexual não entrava em contradição com sua vida familiar, homossexualidade não se refere tanto ao fato de que há homens
Isto devido a vários motivos. Um deles era queas mulheres gre- e mulheres que mantêm relações sexuais com pessoas do mesmo
gas eram' confinadasnas suas casas" dedicadas à procriação e às sexo, mas remete a uma certa maneira de encarar a questão. De
~efas domésticas. "Tenho observado que, com freqüência, esse fato, não existe nenhuma palavra que designe pessoas que têm
é o destino das mulheres -'-não somos absolutamente nada;', diz relações sexuais com outras do mesmo sexo independentemente
uma esposa numa tragédia deSófócles. O indiscutíveldesenvol- do momento histórico que se focaliza. Assim como "homosse-
vimento da homossexualidade masculina apoiava-seem.grande xualidade" tem a marca médica, as outras palavras também têm.
parte na discriminação das mulheres. Onde está o preconceito? Na Grécia antiga, chamava-se o adolescente que convivia
Preconceito ou organização social? _ ' sexualmente com um adulto de eromenos, enquanto o amante era
,..,.FfellZJÜente
para as mulheres gregas, apareceu a,poetisa Safo chamado de erastes, e nenhuma palavra designava simultanea-
nailliade
.'. ".
Lesbos,
.
,',
donde foi tirada apalavra
." . .
lesbianismo.
'.
Elaincen-
.
mente os dois, embora os dois tivessem relações com pessoas do
tivavarelaçõesentre mulheres, livres dos homens. As mulheres de mesmo sexo. Os samurais japoneses tinham um comportamento
Lesbos foram de.alguma forma as primeiras feministas. sexual algo semelhante ao dos gregos; chamavam-no de shudo.
.. ' -Como.eu.disse acima,os adultos-que mantinham relações Posteriormente, a palavra sodomita teve muito sucesso. Em cer-
corq adolescentes não viam contradições .com a vida.he~erosse.,. tas épocas e lugares, aplicava-se a qualquer forma de atividade
xual que.levavam com suas esposasou outras mulheres. E que -c -, sexual que não fosse a tradicional relação homem-mulher; em
pasmemc=- a idéia de homossexualidade não existia na Grécia outras, designava apenas a relação anal entre homens. Não teria
,O, menor sentido chamar o dramaturgo Christofer Marlowe, do
antiga. Existia a idéia de sexualidade, eumhomem.normalmen-
te constituído podia sentir desejos sexuais e afetivos voltados ·Renascimento inglês, de eraste ou de homossexual, ele era con-
tanto para pessoas do seu sexo comodo sexo feminino. Não siderado sodomita. Da mesma forma Shakespeare, Michelânge-
10 ou Leonardo da Vinci.
havia uma idéia de exclusividade sexual.

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Hoje em dia, a palavra "homossexual" sobrevive (até quan- agressão a uma sociedade que eles rejeitam. Para um dramatur-
do?). Mas outro termo tem muito sucesso nesta segunda metade go e romancista como Jean Genet, ser "homossexual" é ser rebel-
do século xx, é a palavragay. Temos tendência a considerar gays de, o que exclui qualquer integração numa sociedade de classe,
os homens que transam com homens. Em realidade, esta palavra racista, capitalista, consumista, religiosa, como está atualmente
tem, como todas as outras, a sua história. Ela provém dos Esta- constituída a sociedade em que vivemos. Essa rebeldia, esses
dos Unidos e se desenvolve depois do Stonewall, quando, em homens querem mantê-Ia. Freqüentemente, preferem ser cha-
1969, "gays" americanos enfrentaram muito seriamente a polí- mados e se chamar de bichas ou veados. É o vocabulário do pre-
cia que invadiu um bar chamado Stonewall em Nova York. Esse conceito, da rejeição, do desprezo, mas eles o reivindicam com
combate deu um impulso considerável ao movimento de liberta- orgulho para se opor à sociedade que desprezam. Black is beau-
ção dos "gays" e teve repercussão mundial, passando a ser um tiful, dizem os negros americanos, é semelhante.
modelo de organização, de afirmação e de comportamento, a tal Já.se disse que a "homossexualidade" é "o amor que não
ponto que ser "homossexual" hoje é ser "gay" ou "lésbica". ousa dizer o seu nome". Atualmente no nosso meio social ele
. '
Além da lutados gays, certamente outros fatores decisivos ousa dizer seu nome, só que não tem palavra para isso. Podemos
contribuem para o reconhecimento dos direitos dos e das n?s pergunt'.ll" se precisamos de uma palavra. Os termos que as
"homossexuais". Um deles é o fato de que as sociedades indus- dI~ersas socl~dades e ~I?oc~ históricas usaram, visaram sempre
triais têm gente até demais e não anseiam por novos nascimen- cnar categonas, classificações. O homossexual é homossexual,
tos. Outro é a modificação do papel das mulheres nestas como o heterossexual é heterossexual, como o gato é um gato,
sociedades: mesmo que ainda tenham menos poder que os como a rosa é uma rosa, uma rosa, uma rosa.
homens, elas são cada vez mais presentes nos negócios, na polí- Isso coloca a questão da identidade. Existe uma identidade
tica etc. Isso necessariamente leva a uma reequilíbrio da mascu- sexual exclusiva? Não existem "gays" que transam com mulhe-
linidade, assim como abre possibilidades para as lésbicas. res? Lésbicas mães? Casados e casadas que transam com casa-
Então, se o movimento de afirmação dos gays e lésbicas está dos e casadas, ou solteiros e solteiras? Existem. E muitos. Em
tão forte atualmente, como explicar que haja homens que tran- vez de ligar uma palavra, "homossexual" que seja, a uma pessoa,
sam com homens que se recusam a ser chamados de "gays", e n~o seria I?referívelligá-Ia a um comportamento? Uma pessoa
consideram a palavra quase como ofensiva? Primeiro, a palavra nao podena ter um comportamento "homossexual" quando se
tem uma indiscutível origem americana, o que incomoda quem relaciona com alguém do mesmo sexo, e heterossexual quando
se opõe ao imperialismo norte-americano. Segundo, o movi- se relaciona com alguém do outro sexo? As pessoas e seus com-
portamentos são cambiantes, se transformam, são fluidos, não
mento gay visa em grande parte a integração dos "gays" na socie-
são como pedras. O que não exclui que alguns ou muitos possam
dade: os gays seriam como todo mundo. E dessa forma, eles se
ter um comportamento exclusivamente homossexual ou hete-
integram no capitalismo e no consumismo.
rossexual por toda a vida. Mas o furor classificatório já achou
O movimento gay norte-americano deve parte de sua notá-
uIn:a palavr.a:. qu~~ .transa /com os dois s~xos é bissexual, o que
vel força ao fato de que muitas empresas se deram conta que, em
satisfaz o dicionário, Este e um preconceito, o medo de não con-
média, os gays têm um bom nível cultural, empregos e salários
trolar as pessoas e seus comportamentos pelas palavras, o medo
razoáveis, dispondo portanto de recursos que nas famílias são
de qu~ a fluidez dos comportamentos possa escapar ao policia-
canalizados na educação dos filhos. Eles podem assim consumir
mento lingüístíco, e portanto moral, psicológico e médico.
arte, roupa, turismo etc. Pois bem, muitos homens rejeitam essa
integração e querem que a sua "homossexualidade" seja uma

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