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ANNIE BESANT

YOGA

Ciência da Vida Espiritual

Tradução de

CINIRA RIEDEL DE FIGUEIREDO

EDITORA PENSAMENTO
SÃO PAULO
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Título do original inglês:
Yoga

ÍNDICE

Prefácio 04
Introito 08
Capítulo I – Indicações Preliminares 09
Capítulo II – Estados que devem ser alcançados 19
Capítulo III – As qualidades requeridas 30
Capítulo IV – O Homem Perfeito 44
Capítulo V - Morte, uma ilusão! 52

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PREFÁCIO

Ao apresentar este livro, cabe-nos dizer algo sobre Yoga. Palavra de significado
profundo, tem, infelizmente, perdido muito de sua profundidade, pois aparece apenas
sob uma forma que, embora útil, mais desperta nas pessoas o desejo de aprimorar
seus veículos, do que a vontade de aprofundar a consciência e atingir os poderes ali
ocultos.
Há algumas décadas, a Dra. Annie Besant, em várias conferências, procurou revelar
a Sabedoria contida na Alma, e buscou mostrar ao público, de maneira simples e
genial, as possibilidades de cada um, por seu próprio esforço, fazer desabrochar o
Poder e Sabedoria que jazem latentes em seu ser.
Quase um século se passou, e como a humanidade é a mesma, e são as mesmas as
suas qualidades e defeitos, como as suas possibilidades de progresso, é justo e natural
que nós, hoje, seguidores de tais ensinamentos, nos preocupemos em divulgar aquilo
que ela nos ensinou e tanto benefício nos prestou, àqueles que hoje, como nós,
buscam entender e compreender melhor a alma e seus desígnios, através das lutas e
tempestades, premida sempre pelo karma implacável de personalidade a limitar a sua
ação.
Yoga significa União. Perguntaremos: União de que? É a união da personalidade
mortal e perecível com o seu Ego imortal; e para isto, a Yoga se apresenta como o
método mais real, puro c nada perigoso, àqueles que desejam ardentemente aperfeiçoar-
se.
Todas as religiões e muitas filosofias tratam em diferentes graus de apresentar meios
para se chegar a essa perfeição tão decantada pelos Instrutores Espirituais de todas as
épocas. Mas, infelizmente, embora todos eles fossem perfeitos yogues, e falassem que
Yoga é esta União com Deus, e portanto, com o Deus que reside em nós, todos se
expressaram cada um de acordo com os meios e métodos adequados ao maior
apercebimento das massas às quais se dirigiam em determinados países e determinadas
circunstancias,.
Suas mensagens foram sempre portadoras de uma nova luz, que deveria esclarecer a
mente humana sobrecarregada de conhecimentos parciais da Verdade Eterna, que está
oculta no coração de cada ser humano.
A descoberta desta Verdade Eterna só pode ser conseguida por um esforço imenso de
cada um, embora as palavras e a presença dos Grandes Seres sejam para aqueles que
tiveram a felicidade de conviver com Eles e de buscar seguir os Seus ensinos, de um auxílio
enorme para a sua evolução.
As mensagens espirituais provindas dos Grandes Yogues, ficam pairando no ar como o
perfume das flores estimulando os que desejam progredir e descobrir a realidade contida
nos ensinamentos apresentados através da limitação da forma em relação com a Sua Vida.
Eis porque cabe àquele que deseja ser "perfeito como o Pai que está no Céu", esforçar-
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se para ser um yogue como Ele foi; e só então poderá decifrar o que de oculto existe em
Seus Evangelhos e ensinamentos.
O fato da palavra Yoga correr de boca em boca e de serem inúmeras as escolas e
institutos de Yoga hoje existentes, não quer dizer que o homem esteja na senda reta, no
caminho firme para a Yoga Real, embora denote a abertura de uma pequenina fenda
através da qual a luz poderá penetrar na alma.
A união da personalidade com o Ego ou o Espírito não significa a morte ou o
desaparecimento de um para que o outro surja. É errôneo dizer que devemos destruir a
personalidade para a alma poder brilhar. O que é de fato a personalidade? É o sagrado
"Templo do Espírito Santo", o instrumento através do qual a alma manifesta sua sabedoria
e seu valor. Como poderíamos destruir o instrumento pelo qual o artista manifesta a sua
arte? Devemos, sim, afiná-lo e aperfeiçoá-lo de tal maneira, que ela, a alma, possa fazer
vibrar em acordes harmoniosos o valor de sua Sabedoria e seu Poder.
A purificação e aperfeiçoamento da personalidade podem ser realizados através da
Yoga. É por seu meio que a Alma se aproxima da personalidade, que o Criador se unifica
com a sua criatura e que, ela, a personalidade, se torna um instrumento perfeito nas mãos
do seu dono.
Assim como um instrumento musical possui várias cordas que devem ser afinadas uma
por uma para a maior harmonia de suas vibrações, assim também, no veículo humano, os
corpos físico, emocional e mental São cordas que devem ser afinadas em conjunto para
que as vibrações não se desencontrem mas produzam nas mãos do artista, que é a Alma,
sons harmoniosos, capazes de, misturados aos sons musicais da harmonia das esferas que
vibram em toda a natureza, realizar a suprema Yoga, que é a União com Deus.
O primeiro capítulo deste livro nos fala dos "Estados que devem ser alcançados para
atingir esta União." Diz-nos: "Podeis encontrar o Eu ascendendo de plano em plano, isto é,
pela senda dos veículos, mas também podeis alcançá-lo pela senda da consciência."
No ascender de plano em plano, o yogue deve preparar um veículo para sua
manifestação em cada plano, tomando conhecimento progressivo de cada mundo por
onde passa e onde aprende a manifestar-se.
Este caminho é menos árido, e quem sabe mais seguro, pois o estudante pode,
quando reconhece sua incapacidade de continuar a jornada, abandoná-lo, embora
isto lhe traga muitas vezes sérios prejuízos, senão muitas perturbações mentais. É
como alguém que, viajando em estrada de ferro, se arrepende e resolve voltar. Mas,
mesmo nesta senda, como o homem desperta os siddhis (poderes ocultos), estes poder
tanto pode alçá-lo como esmagá-lo, e dificilmente poderá livrar-se de seus efeitos.
Na senda da consciência, o estudante atira-se em busca do EU, abandonando as
estações que existem no caminho. É o caminho arrojado do ocultista, que só se aplica
à Raja Yoga, na qual o yogue, esquecido de si mesmo, une-se aos outros, à
humanidade sofredora, e por amor a ela, abandona o seu próprio eu.
E outro capitulo, a autora nos fala das "Qualidades a serem adquiridas". A vida do
yogue pode ser igual à de todo homem que vive fielmente as leis da natureza. Forçar a
lei, ou tentar mudar seu ritmo harmonioso e perfeito, é desviar-se da senda da Yoga
verdadeira.
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Pode-se estudar Yoga sem mesmo ter aptidões para praticá-la, porém, para lograr
triunfo na existência atual, é mister ter-se alguma vocação neste sentido, e são
indispensáveis pelo menos certas qualidades.
Em primeiro lugar, o principiante deve ter um desejo ardente de vencer os
obstáculos, desprendendo-se dos grilhões que o prendem ao mundo. Precisa ter
absoluta confiança em si. Se tiver vontade fraca, não poderá cumprir certas obrigações
que ele mesmo se impõe para praticar diariamente. Deve purificar o corpo físico por
meio de uma alimentação racional e regras de higiene. Não deve dormir de mais nem
de menos; deve seguir sempre o "dourado caminho do meio". O homem grosseiro,
descontrolado, jamais conseguirá resultados, e não está apto para praticar a Yoga.
Existe, porém, vários tipos de Yoga, cada qual mais adequado ao temperamento
Ou raio espiritual a que o individuo pertence. Na natureza impera a variedade e não a
uniformidade; a sua beleza resulta da simplicidade de suas formas, e a sua harmonia
de equilíbrio entre a unidade do espírito e a variedade da matéria.
Não existem dois seres perfeitamente iguais em temperamento. Nuns domina a
vontade, noutros a emoção ou o pensamento, e dai provêm os diferentes métodos de
Yoga.
Entre esses diferentes métodos dois se destacam como sistemas capitais, que
visam alcançar os mesmos objetivos finais, porém, por métodos opostos.
Um, é Hatha Yoga, conhecida como a Yoga do corpo físico, condenada quando mal
aplicada por aqueles que fazem dela um método anormal, fugindo das leis naturais,
como acontece em vários yogues da Índia e de outros países, em todo o mundo. São
aqueles que buscam dominar certas partes do corpo físico, mantendo o braço em
posição ereta até secar, ou mesmo por uma subjugação total dos órgãos físicos e suas
funções, como as palpitações do coração, respiração, etc... Porém, quando aplicada
como exercício físico Unicamente, sujeito às leis naturais que o regem por meio de
posturas e exercícios lentos, aliados geralmente a um desenvolvimento mental, o que
se toma um misto de Hatha e Raja Yoga, é de grande utilidade para o sistema nervoso,
trazendo, além de equilíbrio para o corpo físico, maior estabilidade e paz mentais.
Este método de Hatha Yoga·está sendo utilizado por grande número de pessoas de
todas as idades. Há um desejo natural de não envelhecer, embora ainda com fins
egoístas, ou seja, ter mais saúde, etc ... , pois, pouco a pouco o seu praticante aprende
a dominar e orientar o pensamento, isto se o instrutor conhece de fato a Hatha Yoga e
o aluno se interesse. Quando não, um simples benefício para o corpo será útil.
A escola de Raja Yoga é totalmente diferente. Procura tomar a mente guia e
orientadora, não só do corpo físico, como dos demais, apresentados pela autora no
capítulo "Estados de Consciência". São poucos, porém, os capazes de enfrentar as
dificuldades de Baja Yoga, e no Ocidente poucas são as escolas existentes, e menos ainda
os que delas se aproximam. Geralmente ficam ali marcando passo, sem atingir o seu
objetivo.
Autênticos Raja Yogues são os Grandes Instrutores da Humanidade, aqueles que se
libertaram da personalidade, não subjugando-a, mas, sim, aperfeiçoando-a a tal ponto que
Suas vibrações se unificam com as provindas de Sua Alma, realizando assim a verdadeira
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Yoga, ou então a União com Deus.
A Raja Yoga exige do indivíduo uma abstenção total das coisas exteriores, sem que, no
entanto, delas se afaste. O verdadeiro Raja Yogue vive no mundo das formas; delas se
utiliza, porém a elas não se prende, física, emocional ou mentalmente. Isto é
extremamente difícil, principalmente para o ocidental cujo sistema de educação visa
sempre fazer com que se ligue cada vez mais ao que o rodeia e dando valor excessivo às
coisas do mundo físico, bem como valorizar-se.
Isto já não acontece com a educação oriental, onde a criança aprende desde pequenina
a saber que "ela não é o corpo físico, o emocional nem o mental, e que nada mais é do que
veículo ou instrumento para a manifestação de sua alma". Eis porque no Ocidente a Hatha
Yoga tem tamanha expansão. Ela atrai os que se preocupam mais com o corpo físico,
embora, como já foi dito, se praticada de maneira certa e com algum conhecimento de Raja
Yoga, é de grande utilidade.
A Raja Yoga pode aperfeiçoar o indivíduo, mas todas as Yogas são meios Ou caminhos, e
finalmente todas levarão a mente à sua libertação das limitações do objetivo para a sua
entrada triunfal no subjetivo, onde se encontra a Alma, a dona do corpo que ela mesma
criou para sua manifestação.
Vem depois o Capítulo "O Homem Perfeito", no qual a autora nos fala das Grandes
Iniciações. E que são as Grandes Iniciações? São as que o indivíduo alcança depois que sua
personalidade se unificou com o seu Ego ouvindo a voz do Ego; este se funde com o Mestre
e inicia a sua verdadeira caminhada na Senda Espiritual.
Dominando Sidhis, os poderes psíquicos, abandonando os fenômenos psíquicos, o Ego e
a personalidade "um só", se tornam o Homem Verdadeiro, aquele que É e não mais deseja
ser. Este é o verdadeiro yogue, esta é a Yoga Real.
Finaliza este livro uma conferência de Annie Besant "A Morte, uma Ilusão", para a qual
a Yoga nos prepara. E concluímos então: Qual foi o objetivo de todo este trabalho, em anos
de existência na busca de nossa libertação? Não foi certamente fugir da morte ou preservá-
la. Foi, sim, a compreensão Ou a percepção real da ilusão da morte, e da certeza da
existência de uma Vida Eterna e Real, aquela Vida que após manifestada através das
formas, delas se liberta para iluminar-se a si e a toda a humanidade.
Foi esta Vida Liberta dos Grandes Instrutores, um Cristo Ou um Buda que, como
Grandes Yogues, conseguiram, com Suas excelsas Presenças, trazer a Verdadeira Luz para o
mundo em trevas.

CINIRA RIEDEL FIGUEIEDO

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INTROITO

Com grande prazer volto a encontrar-me novamente entre meus amigos de Paris,
sempre acolhedores, bem como tão benévolos para com as numerosas faltas que cometo
ao falar a formosa língua francesa, que só uso quando me encontro entre vós.
Durante estes três dias, proponho desincumbir-me de uma tarefa bastante difícil, que é
a de falar-vos sobre a Yoga (1).
Temo que este tema seja um tanto árduo; porém, a estudantes como vós pode-se falar
de assuntos difíceis, que deveis estudar e compreender.
A Yoga não é uma prática ininteligível e isolada da vida humana, e nem é uma coisa
qualquer sobre humana; ao contrário, entra na vida de cada um.
É possível que não percebais isto exatamente, e assim como M. Jaurdain escrevia prosa
sem o saber, do mesmo modo pratiqueis a Yoga. É; preciso que, melhor informados, a
pratiqueis cada dia mais na vida normal, e vos convertais no que se chama um Yogue, isto
é, aquele que pratica a Yoga.

(1) A palavra sânscrita Yoga significa união, seja com um ser ou com um
objeto. Do ponto de vista prático, a palavra também significa o meio de realizar
essa união. No caso presente e geralmente na Teosofia, a Yoga determina a
união do homem pessoal com a parte mais elevada de seu ser. Quando a
ascensão se limita a planos concretos da consciência ordinária, o método que
afeta a personalidade é chamado Hatha Yoga, e quando se refere à superior, é
chamado Raja Yoga, e deste modo pode seguir-se indefinidamente.
Este é o significado da palavra; porém, a Teosofia não preconiza nada mais
que Raja Yoga.

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CAPÍTULO I

INDICAÇÕES PRELIMINARES
A yoga é a ciência de uma psicologia perfeita, que considera o homem sob
todos os aspectos, que o compreende perfeitamente, assim como à sua consciência e
seus veículos; não é somente uma ciência da consciência abstrata, senão também uma
ciência da inteligência que funciona em todo o nosso ser.
Para aprender a Yoga é preciso compreender os corpos bem como a consciência,
olhar o homem como uma unidade, apesar da diversidade dos elementos que o
integram.
O Eu se expressa por meio da matéria que o envolve, e não se pode separar este
Eu de suas envolturas materiais, bem como não se pode separar essas envolturas do
Eu. O homem é uma unidade, e como tal devemos olhá-lo.
Assim, Yoga, a ciência, como temos dito, de uma psicologia perfeita, nada mais é
que a aplicação no indivíduo das leis normais que regem a evolução da consciência e
dos corpos, uma constante e racional aplicação destas leis.
Se pudermos compreender as leis da evolução da consciência e da matéria .que a
envolve, então podereis compreender a Yoga. Sobre esta maneira de ver, também
encontrareis na Índia uma imensa literatura.
No Oriente, a psicologia é estudada há milhares de anos, e através deste longo
tempo se têm feito numerosas descobertas.
Todas as pessoas cultas conhecem o que denominamos os dez grandes Upanishads.
Estes têm sido traduzidos em todas as línguas, porém, no Ocidente muitos ignoram,
pois não foram traduzidos, os Upanishads menores, nos quais se encontram reveladas
por meio de símbolos, em imagens ou alegorias, a ciência oculta do mundo exterior,
assim como do mundo interior do homem.
Existe, além disso, outra classe de literatura chamada os Tantras, nos quais se
encontra a magia prática, a magia branca, a magia negra, e também a magia que
poderíamos chamar cinzenta, por não ser branca nem negra. Os tantras indicam os
dois caminhos pelos quais se pode avançar: o caminho da direita e o caminho da
esquerda; ali se encontram todas as cerimônias da magia, e também a ciência dos
sons por cuja repetição se pode traduzir certos efeitos nos corpos físico, astral, mental
e outros ainda mais elevados.
Existe também um pequeno tratado, denominado os Sutras de Patânjali, divididos
em três partes e já traduzidos em inglês e castelhano.
Esta obra está acompanhada de um comentário de Vyasa, um Rishi hindu; porém,
como todos os comentários hindus, este não dá as explicações verdadeiramente
ocultas. No dito comentário se encontram muitas palavras que mais velam as ideias do

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que as explicam, havendo nelas apenas alusões. Mas, quando o sutra - frase muito
curta que diz muito em poucas palavras - contém um ensinamento difícil, jamais dá o
comentário a sua explicação. Entenda-se bem: não desejo falar de uma explicação
gramatical, mas de uma explicação da experiência em si mesmo. Na tradução que
estou agora fazendo dos Sutras, tenho a intenção de dar as explicações d que acabo de
falar. Com efeito, estas páginas ou provérbios constituem outros tantos temas de
discursos que o discípulo tinha anotado, contentando-se quanto ao resto, em escutar
as explicações orais destes pelo mestre. Vyasa conhecia certamente as experiências
da Yoga porém, nem sempre as explicava.
Os Sutras contêm alguns termos dos quais falarei em minha segunda conferência,
que se podem traduzir facilmente como experiências que, quando se tem alguma
pratica, podem ser reconhecidas entre as experiências dos místicos, sejam do Oriente
ou do Ocidente, e que podem ser compreendidas quando se tenha estudado Teosofia,
que fala destas coisas de uma maneira mais clara.
Desta maneira, nesta tradução, que faço hoje com o auxilio de um dos meus
amigos do Oriente, fazemos também um comentário teosófico que explicará o
comentário de Vyasa, bem como os próprios Sutras; graças a esta tradução, os
estudantes dos Sutras poderão tirar informações mais precisas do que as que têm
podido tirar até o presente.
Os Upanishads menores são em número de cento e oito. Quanto aos Tantras, seu
número é imenso: alguns são bons, outros são maus; mas todos são perigosos, posto
que se empreguem palavras que, para vós e para mim, possam designar uma parte do
corpo, mas, no entanto, referem-se a partes de outros corpos como o astral ou o
mental. E se alguém estiver tentado a começar as práticas, indicadas pelos Tantras
sobre os órgãos do corpo físico, se desenvolverão geralmente enfermidades nervosas
difíceis de ser curadas.
Ler os Tantras sem preceptor é uma coisa perigosa; se, pelo contrário, são
estudados sob a direção de um mestre que possua o conhecimento das coisas,
podem-se tirar deles indicações verdadeiramente úteis para a Yoga.
Eis agora o perigo que os Tantras oferecem ao estudante quando são estudados
sem um mestre. Tenho visto, na Índia, frequentemente, homens que vinham
procurar-me, dizendo: "Tenho tal dor no ventre ou em outro órgão qualquer! Que
devo fazer para curar-me?" Sempre que lhes perguntava, respondiam-me que haviam
seguido as práticas dos Tantra. Era muito difícil restabelecer sua saúde pelas práticas
físicas. Não leias, pois, os Tantras, ainda que sejam traduzidos. Ao dizer-vos isto, quero
dizer que não pratiqueis o que estes indicam. Lede-os, se quiserdes, mas a título de
conhecimento; são de fato interessantes. Mas não os pratiqueis sem a explicação
elucidativa; nisto vai a saúde de vosso corpo físico.
Prescindindo da literatura sobre este assunto, continuarei agora falando dos Sutras
de Patânjali, dos quais extrai as ideias que desejo expor-vos sobre a Yoga.
Antes de tudo, insisto uma vez mais na ideia de que a Yoga é uma ciência e não
uma prática religiosa; não é oração, nem tampouco o altruísmo ou a abnegação. O
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Yogue pode utilizar estes últimos, porém, somente como um meio; Yoga é uma
ciência, e aquele que não se interessa pela ciência, não se interessa pela Yoga.
A Yoga não é para o devoto, senão para o homem de ciência desejoso de ter
perfeito conhecimento das coisas; que jamais anda com os olhos fechados por um,
caminho, mas quer sempre ver e compreender.
Existe uma grande diferença entre o caminho da ciência e a senda da devoção, a
qual definirei oportunamente. Ambos os caminhos conduzem ao mesmo objetivo;
porém, dada a diferença de temperamentos, é preciso que cada um siga a senda que
seja mais adaptável ao seu peculiar temperamento.
A Yoga começa por um conhecimento mais ou menos extenso da natureza do Eu; é
indispensável compreender, mesmo que seja teoricamente, esta natureza em seus
três aspectos: inteligência, vontade e ação. É preciso compreender que a Yoga se
adapta à inteligência denominada em sânscrito Chid; inteligência abstrata, universal,
da qual a mente humana é um reflexo, pois reproduzimos em miniatura o que existe
no Eu Universal.
Já que se quer andar pelo caminho do desenvolvimento da inteligência, ou melhor,
para que se abra a flor à luz, que isto não constitui uma evolução, pois evolução é do
domínio da matéria; o Eu revela seus poderes, manifesta tudo quanto há nele.
É preciso, pois, estudar duas coisas: o Eu que se manifesta no universo, e o veículo
do Eu, que se desenvolve vida após vida.
É também necessário compreender, olhando em conjunto o Eu e seus veículos,
que, quando o Eu se expande e exibe seus poderes, está no plano da espiritualidade,
e, como eu disse, este não é o único e exclusivo caminho.
O que é a espiritualidade? É a consciência da unidade; nada mais nada menos.
Não é o conhecimento das coisas, nem tampouco o conhecimento do mundo
exterior: não é o conhecimento objetivo, é o conhecimento da unidade, do próprio
Eu. A consciência, envolta na matéria, manifesta todos os poderes psíquicos, mas os
poderes psíquicos pertencem à matéria e não à espiritualidade.
A espiritualidade é esta consciência da unidade, consciência de que só existe um só
e único ser em tudo e para tudo; que não se separa absolutamente de nada, que vê o
Uno em todas as partes. Como disse Sri Krishna: "Aquele que me vê em todos os seres
e a todos os seres em mim, esse pode ver, e vê em verdade."
Isto é espiritualidade.
O psiquismo é a manifestação da consciência por meio da matéria, e tanto faz que
estes poderes se manifestem na matéria do corpo físico, como na matéria do corpo
astral ou mental, pois a matéria não deixa de ser matéria. Sempre sucede o mesmo:
todos os poderes manifestados na matéria são psíquicos .
Assim, pois, é erro falar sempre do psiquismo como de uma coisa má, posto que
vossas ideias comuns e normais, vossos pensamentos, vossas mentes, tudo isso é
psíquico. Não é mais psíquico o ver no plano astral que ver no plano fisíco, sempre é
a percepção dos objetos, e não há diferença d princípios entre os dois modos de ver;
nem um nem outro o a espiritualidade, e, no entanto, isto não deixa de ser uma
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confusão, que frequentemente fazem os estudantes de Teosofia.
É verdade que aqueles que têm espiritualidade mais elevada, possuem sempre os
dons psíquicos, pois são senhores da matéria; mas não é completamente exato dizer
que todos os grandes psíquicos são homens de elevada espiritualidade.
Por conseguinte, na Yoga há duas coisas a praticar: fazer que o Eu se manifeste, e
em seguida organizar e purificar a matéria como envoltura, isto é, como veículo deste
Eu.
Também é possível desenvolver a espiritualidade por Outros meios; pelo amor,
por exemplo; porém, o método é diferente; apenas o objetivo é o mesmo.
Se eu quisesse representar por meio de uma imagem a diferença entre o que se
chama a Yoga e o que se chama algumas vezes o Misticismo, diria que o Místico
levanta seu voo até Deus nas asas do amor: é como uma grande onda de emoção que
se eleva e o coloca aos pés de Deus. O Yogue, ao contrário, caminha equilibrado,
passo a passo; este segue seu caminho pouco a pouco, segundo os seus métodos;
jamais é transportado: ele caminha. Na Yoga não há entusiasmo, não há aqueles
desejos nem aqueles gozos que se encontram no Misticismo. Tampouco se encontra
na Yoga nenhuma daquelas grandes dores do místico que se sente desolado, árido,
abandonado de tudo e de todos.
Cada um deve escolher por si mesmo a senda que mais convém ao seu
temperamento, evitando dizer aos demais: "Caminhe pela mesma senda que eu;
também você deve escolher a senda que eu escolhi. "
Um Sufí, místico maometano, disse: "Os caminhos que conduzem a Deus são tão
numerosos como os alentos dos homens."
Assim, em nossa Yoga temos este sistema completamente científico: o amor de
Deus, que é como um meio, como um objeto atraente para fixar a atenção do
Yogue. A vista contempla Deus, não como um objeto amoroso em si mesmo, e sim,
como um objeto muito atrativo, com o fim de fixar completamente a atenção para
refrear a mente: nisso há uma grande diferença. Para o Yogue, Deus e seu amor são
uma senda para unir-se com aquele, mas o Deus com o qual o Yogue pretende unir-
se, não é o Deus do exterior, e sim, o Deus interno; nisto há sem dúvida, uma grande
diferença.
Se se procura Deus no mundo exterior, pode muito bem ser encontrado, posto
que Deus está em todas as partes; também podemos vê-Lo nos santos, nos anjos, e
mais alto ainda na Trindade. Mas, quando se concebe a Deus como princípio
universal, existindo no coração do homem, assim como presente em todo o
Universo, Deus é melhor reconhecido pela inteligência do que pelo amor; O amor
sempre busca dar-se; Deus é um objeto de Amor, porém na Yoga procura-se
encontrar e compreender no Eu particular e no Eu universal.
E o sábio vos dirá: "Não há uma prova absoluta de Deus, nem de Sua existência,
fora de vós mesmos; existem muitas provas, cintilações das provas de sua existência;
porém, não são absolutamente concludentes: sempre lhes falta alguma coisa."

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No Ocidente, sempre se procura demonstrar a existência de Deus com o auxílio
de numerosos e lógicos argumentos; no Oriente não se faz da mesma maneira a
demonstração da deifica existência; um hindu dirá: "A única prova da existência de
Deus sois vós próprios. Se puderdes encontrar o Eu, e identificar-vos com :Ele de tal
maneira que :Ele seja vós mesmos, e que vós sejais o Eu, então não podereis negar a
existência de Deus. De outra maneira, sempre existirá uma possibilidade de dúvida."
Assim, pois, pode-se ler nos Upanishads: “A única prova da existência de Deus, é o
testemunho do Eu; verdade profunda que se deve tratar de compreender."
A Yoga busca esta identificação com o eu interno pelo caminho do conhecimento.
Desde que a Yoga é uma ciência, a ciência da investigação interna, precisa
compreender a verdade do porquê da consciência e matéria relacionarem-se entre si.
Algumas vezes falamos - e esta é uma maneira muito deficiente de nos
expressarmos - das vibrações do pensamento; eu mesmo o tenho feito; porém, não
devemos falar assim; somente se deve falar das mudanças de estado da consciência. As
vibrações pertencem sempre à matéria; no entanto, a cada mudança de consciência
corresponde uma vibração da matéria. Do mesmo modo, uma vibração da matéria
corresponde sempre a uma mudança de estado de consciência e mesmo pode ser a
causa dessa mudança.
Sobre este duplo fato se fundamentam os dois sistemas: A Raja Yoga e a Hatha
Yoga.
O primeiro trata do desenvolvimento progressivo dos poderes da consciência, assim
como da formação, por meio dos mesmos poderes, das envolturas materiais, por meio
das quais a consciência pode expressar-se de uma maneira mais perfeita.
O segundo, o da Hatha Yoga, trabalha sempre de baixo para cima; seus esforços são
encaminhados a agir de tal maneira sobre a matéria, que os estados de consciência
sejam cada vez mais elevados.
Em cada sistema existe uma grande parte de verdade, porém, por meio da Hatha
Yoga não se pode ascender muito alto; no entanto, pode-se chegar muito alto no plano
astral porém, a dificuldade, o obstáculo para o Yogue que segue n senda da Hatha
Yoga, é que desenvolve os órgãos sem desenvolver a inteligência, e que deve servir-se
só dos referidos órgãos.
Por exemplo: é algumas vezes possível, pois que desenvolveu a faculdade de ver
com os olhos, utilizar esta faculdade para ver no plano astral, se o corpo astral estiver
suficientemente organizado; porém, se as coisas vistas não são compreendidas, de que
vale, de que serve desenvolver estes órgãos?
Frequentemente encontramos na Índia yogues que praticaram o sistema Hatha
Yoga, os quais, achando-se em estado de transe, o corpo físico imóvel, não podendo,
por conseguinte, ver, nem ler, nem fazer coisa alguma, e uma vez despertos deste sono
profundo, ignoravam absolutamente o que haviam feito enquanto estavam fora do
corpo. Que utilidade tem isto?
Todavia, se se pratica o outro sistema, se se desenvolve a inteligência com o
objetivo de que esta construa os seus órgãos, poder-se-á desde logo compreender
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teoricamente, e mais tarde, ao ver os objetos, sabe-se o que se vê.
Esta é, em verdade, a senda da evolução normal Criamos sempre num plano
superior os órgãos que mais tarde manifestarão os seus poderes no plano imediato
inferior; isto é, vossos olhos não foram desenvolvidos no corpo, como afirmam os
sábios em sua linguagem materialista. A mente construiu no plano astral um centro de
visão, e por meio deste centro construiu o órgão da visão no plano físico.
Esta é a verdadeira senda da evolução normal. Pode-se caminhar mais depressa e
também muito mais devagar. A natureza age muito lentamente. Pelo conhecimento
pode-se andar muito mais depressa; porém, deve-se seguir pelo caminho indicado
para cada temperamento, sem que se perca a saúde física nem o equilíbrio mental.
Assim, a Raja Yoga que reconhece muito bem a necessidade que há de praticar no
plano superior aquilo que se deseja fazer no plano inferior, ascende de plano em plano e
constrói por si mesmo, em cada um destes planos, os centros ti que tem necessidade.
Para que a vista astral seja verdadeiramente normal e sã, é preciso que os centros da
inteligência tenham sido formados com antecipação no plano mental, antes que se possa
construir no corpo astral o que se chama Chakras, ou órgãos dos sentidos astrais.
Eis aqui a regra que se deve seguir, regra de suprema importância, pois é a voz superior;
o estímulo de baixo para cima, por si só, desenvolve uma visão fictícia, na qual ninguém
pode fiar-se; pelo contrário, elevamo-nos ao plano mental nas asas da inteligência, então,
sim, podem-se construir os órgãos do corpo astral de uma maneira normal e sã.
Tudo isto deve ser compreendido pelos oculistas, e mantido sempre presente.
O yogue trata primeiramente de fazer com que a sua inteligência se desperte de um
plano para outro. Este é o seu primeiro dever, e depois de ter compreendido que as leis
são sempre as mesmas, e que o que a natureza constrói com 'O auxílio de seres
conscientes, os deuses do plano astral e os elementais, em milhares de anos, ele pode
fazer com bastante rapidez, mediante a aplicação constante das leis que seguem a
natureza em sua evolução normal.
Volto a repetir que Yoga é a ciência de uma perfeita psicologia.
Todas as leis do desenvolvimento da inteligência que se encontram no mundo, todos os
conhecimentos que se podem adquirir por meio da evolução da consciência no gênero
humano, durante estes imensos períodos de tempo, é necessário compreendê-los e aplicá-
los a si mesmo, conscientemente. Deveis ser como o jardineiro que escolhe entre suas
flores aquelas que pelo seu desenvolvimento lhe parecem melhores para enxertá-las
novamente para que produzam flores mais formosas. Assim, pois, de geração em geração,
a qualidade destas flores serão melhores.
Quando o jardineiro emprega as leis da natureza, aplica-as em casos individuais; deveis,
porém, compreender leis normais da evolução da inteligência e aplicá-las à vos própria.
Eis aqui a Yoga, nem mais nem menos. Não é, como eu disse anteriormente, uma coisa
isolada, nem uma coisa sobre humana, é somente o desenvolvimento normal da
inteligência, aplicado conscientemente a um caso individual. São as mesmas leis, os
mesmos caminhos, os mesmos métodos que os que podeis aplicar para instruir o vosso
filho. Deveis tomar vossa inteligência em vossas próprias mãos e aplicar-lhe as leis da

14
evolução.
Qual é a primeira condição absolutamente necessária para fixar a atenção em um só
ponto?
Na linguagem yogue, denominamos concentração. O que é, pois, concentração?
Concentração não é senão concentração perfeita.
Fala-se da concentração como se ela fosse uma coisa misteriosa, divina, sobrenatural, é
simplesmente a atenção fixada em um único objeto,
Observais que esta concentração é a coisa mais difícil para as pessoas; porém, sem esta
concentração não podereis fazer nada na senda da Yoga.
Para cada um de vós seria uma experiência interessante verdes se podeis, "embora
somente no espaço de uma hora, fixar vossa atenção em um livro interessante. Por
exemplo: um carro que passa pela rua, quereis olhar; qualquer bate à porta: quem será?
Isto não é de nenhum modo atenção.
Se quiserdes começar a prática da Yoga, a primeira coisa que tendes a fazer em vossa
vida diária é impor-vos a tarefa de fixar e manter a atenção sustida nas coisas que fazeis.
De minha parte, esta foi a maneira como eu aprendi a Yoga; cada ocupação, mesmo a
mais insignificante, constituía para mim uma lição de Yoga; se eu queria fazer um embrulho
- coisa que nada tem de oculto - esforçava-me em concentrar nele todo o meu cuidado, a
fim de fazê-lo com toda a perfeição.
Se quiserdes analisar isto sob outra forma, esta concentração é em realidade o espírito
artístico que nos impulsiona a fazer tudo tão bem quanto nos é possível. Assim, o artista
pode converter-se num yogue, se tiver verdadeiramente o temperamento de artista e
buscar a perfeição em tudo.
Se quiserdes, pois, preparar-vos para a Yoga; se quiserdes fazer algumas das
experiências que tratarei de vos descrever, é preciso começardes por prestar atenção
perfeita a todos os vossos atos.
O importante não é de modo algum estar atento durante algum tempo para deixar,
em seguida, divagar vossa atenção: a atenção deve ser sempre mantida.
É muito bom meditardes pela manhã, meia hora ou uma hora, porém, não tereis
feito nada se durante as outras horas do dia vossa mente se toma errante em busca de
aventuras. Cada ato deve despertar vossa atenção até o momento em que digais: quero
mudar o objeto de minha atenção. Então não deveis pensar no que fazíeis momentos
antes, e sim, concentrai vossa atenção no novo objeto que vos ocupa.
Se estivesse aqui uma pessoa capaz de prestar uma atenção perfeita em algo que
deverá esquecer-se ao pensar em uma nova coisa, não lhe faltaria mais do que um
pequeno esforço para converter-se em um yogue.
A mesma coisa acontece com uma criança que aprende as suas lições, a quem
recomendais que deve estar atenta, que não olhe as moscas que voam, que não ouça o
que, se diz ao seu redor. Seria uma grande coisa conseguir que as crianças pudessem
aprender suas lições em meio de um torvelinho de ruídos.
Uma das razões, segundo meu modo de ver, que torna concentração muito mais fácil

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para os hindus, é a maneira como as crianças são instruídas na escola. Em vossas escolas, o
aluno lê, o professor explica e todos os demais escutam as explicações. Na Índia, ao
contrário, cada discípulo fala em voz alta, todos falam de uma só vez, até o ponto em que
os professores do Ocidente acham impossível ensiná-los em meio deste caos, crendo que
nenhum aluno prestaria atenção.
Acontece. precisamente o contrário. Citarei o exemplo de uma família hindu, a qual
tinha cinco ou seis filhos. Estes davam suas lições todos juntos; um deles lia inglês, o outro
sânscrito, um terceiro estudava aritmética; todos estudavam em voz alta. A princípio, era
para mim impossível precisar os sons nesta mistura; porém, o professor ouvia
distintamente todas as vozes, e depois de haver admoestado uma falha de pronúncia em
um dos meninos, corrigia o erro cometido por outro em seus cálculos.
Eu tive a vantagem de ter por professora uma mulher original, que empregava este
método. Todas as crianças estavam reunidas numa sala, ocupadas algumas em ler, outras
na aritmética; ela sempre admoestava os discípulos que escutavam as observações feitas a
um de seus outros discípulos mandando-os de novo ao trabalho.
Depois de bem definido o primeiro ponto, tratai de fixar vossa atenção, cada dia, em
cada uma de vossas ocupações, o segundo passo na Yoga é tratar de observar com precisa
exatidão e raciocinar com exata lógica.
Observai atentamente o objeto que tendes ante vós a fim de poder descrevê-Io com
exatidão, se alguém vos pedir sua descrição, sem este poder de observação exata, não é
possível construir o órgão de visão ou de audição astral; esta capacidade do plano mental,
de observar com exatidão, é que constrói os órgãos do corpo astral.
Depois da exata observação e do raciocínio lógico que o precede, ainda falta um
terceiro passo.
No primeiro passo, o primeiro obstáculo que acabamos de descrever corresponde ao
que em sânscrito se chama sono. Não é o sono comum, e sim, a inércia, esta qualidade
da matéria, a passividade completa, absoluta. Todo o mundo é preguiçoso; a preguiça
ainda é necessária aos corpos, porém, é preciso saber dominá-la, e esta necessidade
de dominá-la, para converter-se em um yogue, é explicada por meio das leis da
evolução.
Uma inteligência pouco evoluída, a de um selvagem, por exemplo, tem
necessidade de um objeto exterior para ser despertada; os concidadãos que
encontrais nas ruas, e que estão pouco evoluídos, buscam sempre sensações novas,
quer seja por meio do ouvido, da vista, e quando lhes faltam estas atenções, dormem.
O obstáculo que deve ser vencido, é esta tendência de aferrar-se a um objeto
exterior, que desperta a atenção, e que, sem este, cai no sono.
Na meditação, por exemplo, sempre se dorme no começo. Por que durmo quando
me interesso tanto naquilo que faço?, perguntamo-nos. Dormis, porque vossa mente
repele o objeto no qual deveria fixar-se vossa atenção.
Para mudar de direção a forma de um objeto material, é preciso tê-lo durante
algum tempo na posição que desejais dar-lhe, sem o que ele voltaria à sua primeira
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posição. Para que uma árvore cresça numa determinada direção, é preciso atá-la
durante algum tempo.
Para formar os órgãos do corpo astral, é preciso continuar mantendo a matéria
num determinado sentido durante um longo lapso de tempo, sem o que esta não
poderia ser retida no seu novo órgão.
Perseverança perfeita, repetição continua do movimento da mente, eis o segundo
obstáculo a vencer.
Em terceiro lugar, pede-se a quem quer chegar a ser yogue, uma grande energia,
porque, sempre, a um novo estado mental corresponde uma- - nova vibração da
matéria, e estas desusadas e insólitas vibrações costumam espantar o principalmente:
"Eu sinto isto ou aquilo... O que? Vou ficar doente?" Não: estas são somente as novas
vibrações para a formação do novo órgão que ides construir.
Estes três passos de que acabo de falar: fixidez da atenção, observação e perfeito
raciocínio; estes obstáculos a ser vencidos, acham-se resumidos num só no Sutra de
Patânjali:
"Yoga é a cessação de todas as modificações da mente."
Na Medicina, graças ao que se chama inibição, é possível, quando um nervo não
funciona de maneira normal, fazer com que a sua função cesse; assim, vossa mente se
modifica a cada instante, e cada modificação da mente determina uma modificação
no corpo mental, qualquer que seja; então, veem-se ondas coloridas sempre
mutáveis. Cada onda representa uma ou muitas vibrações, e cada grupo de vibrações
é uma modificação do corpo mental.
É absolutamente necessário suprimir tudo isto, posto que o Eu deve dominar as
envolturas sempre mutáveis, sob o contato dos objetos do mundo exterior; e se estes
movimentos não podem ser detidos, e fazer cessar o funcionamento do corpo mental,
jamais o Eu poderá ser revelado.
O Eu inferior é como o lago que o vento agita e em cujas águas jamais existe uma
imagem perfeita das montanhas, do sol, ou da lua; tudo é truncado pelas agitadas
ondas; o mesmo sucede com o corpo mental. Por causa de todas estas pequenas
ondas, por causa das contínuas modificações da matéria, não podeis ver refletir-se a
consciência superior na mente inferior.
Eis o que a Yoga pretende: suprimir completamente as modificações do corpo
mental; Yoga é a absoluta supressão de todas as modificações da mente.
Se quereis entrar nesta senda, é preciso percorrer os passos que acabo de
descrever; sem isto, é impossível seguir a senda da Yoga.
Empenhei-me em dar-vos estas explicações preliminares, a fim de que
compreendais que, para vós, no Ocidente, também é possível alcançar a Yoga.
Não é sempre fácil desenvolver este ou aquele poder psíquico, porque alguns processos
da Yoga exigem uma reclusão absoluta, uma vida quase anormal; porém, o mais
importante da Yoga é o completo domínio da mente, aquela que equivocadamente
acreditais que é o Eu, o Eu superior à inteligência mais elevada. Tudo isto pode ser
praticado a cada instante na vida deste mundo.
Se não principiardes desta maneira, se vossa prática não for continua e de todos os
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instantes, se não seguirdes as regras preliminares da Yoga, que enumerei, jamais vos será
possível começar nesta vida o que se chama a verdadeira prática da Yoga, que descreverei
em minha segunda conferência.

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Capítulo II

OS ESTADOS QUE DEVEM SER ALCANÇADOS

Agora quero descrever Os passos que se devem dar na senda da Yoga, os


estados da consciência e da mente, bem como os veículos desta consciência, tarefa
bem difícil, mas neste esclarecimento concentrarei todos os meus esforços.
O primeiro Sutra de Patânjalí, como eu disse, define a Yoga como "a supressão das
modificações da mente"; na filosofia Sânkhya, na qual se baseiam os Sutras, diz-se que
"o corpo mental reproduz em si mesmo os objetos para os quais se dirige."
Parece-me fácil equivocar-se quando se trata de compreender o verdadeiro sentido
destas palavras. Tenho encontrado estudantes hindus, os quais pensavam que se
podiam ver as imagens dos objetos no corpo mental; acreditavam que, pensando, por
exemplo, num quadro, via-se no corpo mental a imagem de um quadro; isto não é
assim.
Os pensamentos de outro não podem, efetivamente, ser lidos tão facilmente como
parece. Certamente que, ao pensar, o corpo mental se modifica, porém, seria mais
exato dizer que suas modificações se traduzem em símbolos para reproduzir os objetos
do plano físico. Existe ali, antes, uma linguagem simbólica, símbolos de estrutura difícil
de explicar.
Se puderdes, imaginai um cristal, ou melhor, aquilo que se chama as linhas de forca
do cristal; não a superfície do cristal, mas as suas linhas de forca, se tiverdes estudado a
cristalografia, só estas linhas vos permitirão reconhecer a espécie de cristal. O mesmo
acontece com os pensamentos: existem modificações que indicam, a todo aquele que é
bem Instruído, o objeto, a forma que, no plano físico, será criada pelas forças.
Um clarividente que não olhe senão o corpo mental, não pode compreender
facilmente os pensamentos daquele que se examina; porém, se a consciência está
desenvolvida, se pode identificar-se com a consciência do outro corpo mental, então pode
ler os pensamentos, não por meio da visão externamente desenvolvida, e sim, com uma
vista interior. Se puderdes identificar vossa consciência, o Eu em Vós, com a consciência de
outro, então podereis ler seus pensamentos. Mas, se apenas fordes clarividentes, se
apenas puderdes ver as formas de pensamento, a mente não estará de forma alguma
aberta, nem mesmo para os olhos do plano mental.
É preciso, pois, que não imagineis, como se tem feito muitas vezes entre os hindus, que
se realize a supressão de um acúmulo de formas objetivas. Não é assim. O que se suprime
são as vibrações que são seguidas das mudanças de estado de consciência, que são os
pensamentos.
A grande diferença que existe entre a aura de um homem comum e a de um Yogue, é a
seguinte: No primeiro, cada aura, mental ou astral, é modificada sob a ação dos corpos
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inferiores, bem como pelos contatos dos objetos do plano no qual atua, e no Yogue, esta se
modifica sob a ação dos corpos superiores.
Para o homem comum, a vista dos objetos do plano físico e seu contato, são como um
estímulo, o qual reage no corpo astral em forma de desejos. A maior parte das vibrações do
corpo astral tem sua origem no plano físico; começam com os objetos desse plano; os
desejos despertam-se sob a influência destes objetos.
Do mesmo modo, os pensamentos são estimulados no corpo mental pelos desejos do
corpo astral, e assim sucessivamente, de plano em plano.
Considerai, ao contrário, a aura de um Yogue. Os sentidos de seu corpo físico são
perfeitamente indiferentes ao objetos exteriores. Se se fixa em um objeto, não se desperta
nele nenhum desejo que se relacione com este objeto. O mesmo acontece com os objetos
astrais; o corpo astral permanece tranquilo, incolor; parece um clarão da lua: se aparecem
as cores no corpo astral, são apenas reflexos dos pensamentos no corpo mental.
Assim, as cores do corpo astral, no Yogue, reproduzem os pensamentos; no homem
comum reproduzem os desejos que foram despertados pelos objetos do plano físico.
Se alguém deseja, pois, praticar a Yoga, é absolutamente necessário desenvolver o que
se chama Vairagya, isto é, a ausência dos desejos pelos objetos exteriores. Este é o pri-
meiro passo. A palavra Vairagya está composta da palavra Râga, paixão (estou apaixonado
por tal ou qual objeto), e de um prefixo privativo. O primeiro passo a, pois, o "não
apaixonamento", a ausência de paixão por todos aqueles objetos que despertam os
desejos do homem comum.
Quando este passo preliminar é dado, o corpo astral permanece tranquilo ante a
presença dos objetos, e indiferente a tudo. Uma vez alcançado este estado, é preciso
esforçar-se para adquirir esta mesma indiferença pelos objetos do plano astral, e mais
tarde, pelos objetos do plano mental.
Agora é necessário distinguir na Yoga dois objetos diferentes: podeis fazer funcionar
vossos corpos astral, mental e búdico; ou melhor, podeis desejar encontrar o Eu.
Podeis encontrar o Eu elevando-vos de plano em plano. Isto é uma verdade, uma vez
tenhais ultrapassado o plano búdico e alcançado o plano átmico. Então podeis encontrar o
Eu. Mas, podeis também decidir ir ao Eu retamente pela senda da consciência ao invés de
pela senda dos veículos.
Tudo depende de vossas faculdades; mas as etapas são as mesmas em ambas as
sendas; isto é, estas etapas têm os mesmos nomes. Somente que em uma de tais sendas as
etapas constituem estados de consciência os mais possivelmente puros. Ao passo que na
outra senda constituem os diferentes siddhis, os quais pertencem à matéria, e não à
consciência. E necessário decidir-se por uma ou outra destas sendas, e então podereis
compreender porque se diz na Índia: "O desenvolvimento dos siddhis constitui um
obstáculo na senda da Yoga".
São estes, com efeito, os obstáculos se desejais realizar em vós o Eu, a Divindade, posto
que todos os siddhis são poderes psíquicos, isto é, que se relacionam com objetos do
exterior. A clarividência, a clariaudiência, todos os poderes do plano astral, se dirigem para
os objetos desse plano; a visão de uma categoria superior, a lucidez no plano mental, por

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exemplo, se encaminham para os objetos desse plano.
O mesmo acontece na religião; se se buscam os prazeres do céu, se se busca a vida do
além para gozar a felicidade celeste, não se busca verdadeiramente o caminho que conduz
a Deus. O céu e Deus são coisas muito diferentes.
Quando Cristo definia a vida eterna, não falava da vida imortal dos céus, senão da
Sabedoria de Deus, do conhecimento de Deus. Na prática da Yoga, é necessário escolher:
desejais possuir esta profunda sabedoria, Vydia, o verdadeiro conhecimento do Eu, ou
apenas buscais passear pelo universo e por entre seus mundos tão diversos?
Os dois objetos são bons, mas vós mesmos tendes de escolhê-los, pois, do móbil que
vos impulsionar, dependerão os meios que tereis de empregar.
Tenho dito que existem etapas a percorrer; se se deseja prosseguir na Yoga, é preciso
repeti-las de plano em plano, seja por meio da consciência ou dos veículos desta.
Estas etapas são em número de quatro; tratarei de descrevê-las no plano físico, pois se
as compreenderdes neste plano, também as compreendereis em todos os demais. A lei de
correspondência pode servir-vos de guia; podeis compreender as ideias num plano e
continuá-las no outro plano superior; porém, geralmente é mais fácil compreendê-Ias em
meio dos objetos que vos são familiares.
Se estas contínuas repetições de plano em plano representam um trabalho da
consciência, é porque esta retrocede sempre para um plano interior ou superior (prefiro
dizer interior, pois as coisas não estão umas por cima das outras).
Quando atuais por meio do corpo físico, a consciência está no plano astral. Imaginai-vos
agora que a consciência atue no plano mental; então, vosso corpo se compõe do corpo
astral, mais o corpo físico, e a consciência em estado de vigília age em ambos os corpos,
como um só veículo.
Elevai ainda mais alto a consciência, no plano búdico, por exemplo; então, o corpo
mental, o astral e o físico não constituem senão um só corpo, e a consciência de vigília, a
consciência diária, é a que atua nos três corpos.
Se puderdes elevar vossa consciência até o plano átmíco, o Nirvana, tereis a consciência
do Adepto.
Para o Adepto, os corpos búdico, mental, astral e físico não constituem nada mais do
que um só grande corpo, no qual Sua consciência atua em estado de vigília diária, esta se
move nestes quatro planos inferiores com perfeita unidade.
Vós não vedes senão no corpo físico; para vós, o plano astral é o plano dos sonhos; para
o Adepto, o plano dos sonhos é aquele que está acima do plano búdico, o plano de Sua
consciência ordinária é o plano composto de quatro planos inferiores. A união destes
corpos não constitui nada além de uma unidade de consciência.
O Adepto não tem necessidade de retirar Sua consciência do corpo físico para ver no
plano astral, nem tampouco retirá-la do plano astral para ver no plano mental, nem do
plano mental para ver no plano búdico. O Adepto vê tudo ao mesmo tempo. No entanto,
pode encontrar-se por um momento num plano determinado, mas somente da mesma
maneira que percebeis por meio de vossa vista comum.
21
Neste momento estou vendo claramente este quadro; também vejo o auditório que me
rodeia; porém, vejo-o de uma maneira confusa, vaga, porque minha atenção está mais
particularmente fixa no quadro.
Do mesmo modo, o Adepto vê em todos os planos, mas Ele não vê todos os objetos
com a mesma clareza com que veria um objeto de um plano determinado, para o qual
dirigisse Sua atenção. Todos estes planos não constituem para o Adepto senão um só
plano; assim, Ele vê da mesma maneira os objetos de todos os planos que eu nesta sala vejo
o auditório, enquanto minha atenção está fixa no quadro.
Assim, pois, na Yoga não existe senão duas coisas: Prana, a consciência, e Pradhãna, a
matéria; para o yogue todos os corpos são considerados como um só corpo abaixo do
centro de sua consciência.
Desta forma pode ele ascender de plano em plano: à medida que sua consciência se
eleva a um plano superior, todos os outros planos se confundem no plano exterior, o plano
do não eu, identificando-se sempre a consciência com aquele plano em que Se encontra o
Eu.
Assim, pois, vós mesmos podeis saber o plano onde vos encontrais, perguntando-vos:
que é para mim o "Eu"?
Quando falo do "Eu", que quero dizer com isto? Certamente, não é o vosso corpo físico;
já superastes esta ideia; não vos identificais mais com o corpo físico; sabeis muito bem que
existe em vós algo que diz: minha cabeça, minha mão, meus olhos, um algo que fala, que
considera os corpos como instrumentos, como um utensílio, porém, não como o Eu; vós
viveis na consciência física; esta é vossa subconsciência.
A consciência das células de vosso corpo não é de modo algum a vossa consciência; não
podeis seguir o processo da vida íntima das células que integram vossos corpos; o Adepto
pode fazê-lo à vontade, porém, não vós. Atualmente perdeste esta consciência, e todas as
funções da vida física se realizam para vós sem a correspondente consciência.
Se vosso corpo está em estado de saúde, as funções vitais prosseguem seu
funcionamento regular; em verdade sois vós que guiais o corpo; não percebeis isso,
porém, no entanto, é vosso Eu quem dirige todas as funções da vida orgânica; portanto,
para vós não é esta a consciência em estado de vigília, a consciência diária.
Geralmente sois homens e mulheres cultos; portanto, quando vossa consciência está
em seu centro, atuais no plano astral.
Esta consciência no plano astral é uma consciência de acordo com a qual é preciso
trabalhar; mas vós trabalhais no plano físico.
Quereis identificar-vos com esta consciência, ou preferis identificar-vos com a matéria
do plano astral?
Se quereis desenvolver o siddhis, isto é, os poderes psíquicos além da consciência que
trabalha no cérebro e no sistema nervoso, é preciso que no momento vos identifiqueis com
a matéria do plano astral; é necessário que, com a ajuda da imaginação, vos formeis uma
ideia da constituição do corpo astral, vos identifiqueis com este corpo e vivais nele.
Imaginai-vos todos os objetos do plano astral em vossa meditação, e pouco a pouco vereis
e ouvireis nesse plano, posto que identificando a consciência com o veículo astral, todos os

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sentidos deste veículo começam a organizar-se.
Se cada dia, em vossas meditações, vos identificardes com a matéria do plano astral,
pouco a pouco vossa consciência se elevará ao plano mental, como centro, e se servirá do
corpo astral, do mesmo modo que neste momento a consciência astral se serve do corpo
físico.
Mas, quais são as etapas desta transformação? Existem duas palavras sânscritas para
designar estas etapas; porém, não me servirei delas, embora sejam muito cômodas para
todos aqueles que conhecem o seu sentido. No entanto, citarei uma destas palavras,
porque designa claramente aquilo que desejo dizer e porque já a conheceis.
Frequentemente se fala em Samâdhi. O que quer dizer isto?
Este estado não é de sono; a diferença entre o sono e Samâdhi - que é o estado de
transe - é que a consciência está toda retirada do corpo de quem está em Samâdhi. Não o
podereis despertar pelos meios do plano físico, mesmo os mais violentos e prolongados.
O homem pode estar em Samâdhi no plano astral; este transe não é muito elevado,
porém, se verdadeiramente este estado tem lugar no plano astral, no corpo astral, e com
plena consciência deste plano, não podereis despertá-lo pelos meios físicos. Podereis
beliscá-lo, puxá-lo e açoitá-lo, e apesar de tudo isto não despertará; no entanto, podereis
despertar facilmente quem estiver dormindo.
A palavra Samâdhi, que se deve traduzir por transe, significa um estado da consciência e
do corpo, em que não se podem despertar os corpos em cada plano determinado com os
meios oferecidos pelo próprio plano.
Se se trata de um Samâdhi no plano mental, não se poderá despertar o corpo astral, no
mesmo plano, com meios astrais.
Ascendendo de plano em plano, existe um Samâdhi para cada um desses planos, e
quando se fala do Samâdhi do Adepto, do Mestre, este Samâdhi tem lugar num plano
superior ao plano átmico.
O Adepto, pois, começa seu Samâdhi em um plano superior ao plano átmico, porém vós
e eu podemos começar o Samâdhi no plano astral, mental ou búdico, depende
inteiramente da situação que o centro da consciência ocupe. O Samâdhi tem lugar sempre
num plano superior aquele que constitui o centro da consciência.
Se lerdes os livros teosóficos ou hindus, não compreendereis jamais as instruções neles
dadas, se antes não houverdes compreendido o princípio de que todas as palavras da Yoga
são aplicáveis a todos os planos. É pois, preciso saber onde começais, a fim de ordenar
vossas palavras numa sucessão invariável, que se repetirá em cada plano.
A primeira das quatro etapas de que vos falei, é o cabal conhecimento de um plano
determinado, onde todos os objetos podem ser compreendidos pelos sentidos despertos
nesse plano.
A segunda etapa constituía a perda do conhecimento desse plano, bem como de todos
os seus objetos, permanecendo a consciência completamente vazia e inconsciente neste
plano.
A palavra sânscrita que designa este estado, traduz-se sempre por "conhecimento". Isto
não é exato; este não é o conhecimento comum, e sim, um conhecimento mais vívido, mais
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interno; um estado que transpôs os objetos, que penetrou mais além, que perdeu de vista
por alguns momentos esses objetos e que ainda não compreendeu os do plano superior.
Isto é o que alguns psicólogos chamam "vida inconsciente"; mas isto não é inconsciência,
mas uma consciência que já não está em relação com o plano onde se encontra.
A terceira etapa é mais difícil de descrever. Esta se define na ideia de coisas que por
todas as partes parece que vos rodeiam, porém, que não podeis compreender. É uma ideia
vaga, mal definida; não podeis ver, porém, pressentis a existência de alguma coisa.
Se estiverdes em uma habitação escura, podeis saber, no entanto, que há alguém ao
vosso lado. Como o sabeis? Provavelmente não podereis dizer como. Não é o ouvido nem
tampouco a vista que vos informou desta presença, e no entanto, existe a impressão de um
algo que não podeis definir.
Descrevemos a terceira etapa.
A quarta é a visão perfeita dos objetos deste novo plano. Deste modo chegais à entrada
do plano superior, no qual estas quatro etapas tornam a repetir-se.
Um exemplo tirado do plano físico vos permitirá seguir mais fàcilmente esta
progressão.
Quando tomais um livro, ledes as palavras, as letras que compõem; nesta primeira
etapa tendes objetos exteriores nas quais se fixa a consciência.
Se fechardes os olhos, já não vedes o livro. Vossa atenção se fixou no pensamento
do autor. Ainda conservareis na memória as palavras, mas não a visão destas; podeis
repetir em vossa memória o que tiverdes lido, porém, a consciência está separada dos
objetos do plano físico. Então criais em vós mesmos a imagem destes objetos: este é o
segundo passo.
Se vossa atenção for bem concentrada nestes pensamentos, adiantando então um
passo mais, podereis identificar-vos com a mente do autor, com algo mais do que se
transmite por meio das palavras, ideias mais vastas que as próprias palavras, as quais
não podem expressar senão uma parte das ideias. No princípio não podereis
compreender tudo; as ideias não se delineiam com clareza; porém, tendes uma
indefinida consciência das mesmas.
Se depois deste terceiro passo persistis na concentração de vossa mente, a
obscuridade desaparecerá e obtereis uma perfeita e clara visão das ideias. Este é o
quarto passo.
Podereis compreender isto se por um momento fixardes vossa atenção no
problema geométrico, chamado o problema 47 de Euclides. Fixai vossa atenção nas
linhas e nos ângulos; cerrai os olhos depois e reproduzireis mentalmente estas linhas e
as explicareis. Podereis fazer por uma lógica rigorosa a prova com este problema,
conhecido de todos os que têm estudado matemáticas elementares.
Mas se quiserdes vos concentrar nesta ideia, deixai de lado as linhas, concentrai-
vos na ideia que estas representam, ideia de certas relações universais; Sentireis que
há uma ideia-mãe além destas relações.
Que ideia é essa? me perguntareis. Não sabeis o que esta ideia, não a conheceis,
apesar de a buscardes; porém, pouco a pouco a concentração vos desenhará linhas
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vagas que a princípio não podeis compreender; mas sentireis a presença de uma
grande ideia mais longa ainda, traçada no mundo do tempo e do espaço, por meio das
linhas tomadas no plano físico, no qual encontram sua expressão pelas linhas e
ângulos.
Se puderdes superar esta obscuridade na qual sentis um algo que não
compreendeis senão vagamente, esta desaparecerá subitamente, e então vereis o
plano no qual se esboça o sistema solar, pois que é esta verdadeiramente a
significação daquelas linhas.
Para isto é necessário elevar-se acima da consciência concreta, e ir além da
consciência abstrata; é preciso elevar-se até o plano búdico.
Uma vez chegado a este plano, o que era um problema geométrico na página de
um livro, converte-se no plano geométrico do Grande Arquiteto do Universo que se
encontra encerrado nestas fórmulas matemáticas.
São estas, pois, as quatro etapas: o problemas traçado na página de um livro, as
ideias expressas que se podem encontrar por uma lógica rigorosa, a obscuridade onde
se perde a consciência por um momento, onde se pressente que existe alguma
sublime e grande coisa que não se pode compreender, e logo o plano imenso do
Arquiteto do mundo, o Logos que surge da obscuridade.
Foi isto que Pitágoras viu quando disse: "Compreendi, compreendi". Então
compreendeu o plano do Divino Arquiteto.
Eis, pois, como se progride em cada plano.
Em seguida deve-se repetir o mesmo no plano astral. Se vos elevardes do plano
físico ao plano astral, da maneira que vos acabo de descrever, se vos identificardes
com a imaginação, que é o poder criador no homem, assim como com o corpo astral,
e vos rodeardes dos objetos desse plano; e vos esforçardes obstinadamente por olhar
estes objetos com os sentidos astrais, vós vereis, e vereis sem dúvida: é a isto que se
chama o transe consciente; estareis no plano astral.
Uma vez ali, é preciso reconstruir este plano astral, este plano dos objetos, das ideias-
mães que moram no plano mental. Por isso, a visão dos objetos está em primeiro lugar;
depois, a concentração da consciência; mais tarde, o vazio perfeito desta consciência, e por
último, a obscuridade, a incerteza, apesar do que percebeis alguma coisa que não podeis
compreender; e mais além, a plena visão no plano mental.
É sempre preciso em cada plano passar por estas quatro etapas: visão dos objetos no
plano onde atua a consciência; depois, visão da ideia expressa por estes objetos; em
seguida, o pressentimento dos objetos mais sutis do plano imediato superior; e por último,
visão desse plano.
Após ter ascendido em todos os planos, chega-se ao plano búdico, e encontrais nesse
plano a obscuridade que já havíeis encontrado nos outros planos -o mental, o astral e o
físico - então entrais no que se chama em misticismo da Obscuridade na Senda,
experimentada por todo místico.
Nas Sagradas Escrituras dos hebreus se diz: "Na montanha onde estava Deus, havia
nuvens que a envolviam"; nos escritos dos místicos alemães é sempre repetida a palavra
25
"nuvem"; com efeito, esta é uma experiência de todos os místicos, de todos os yogues,
realizada no vazio precursor da visão do plano superior. Assim, pois, quando no plano
búdico se sente a obscuridade, esta incerteza que envolve a alma, na qual não se pode ver
nem compreender nada, porém, em cujo estado se sente, contudo, a presença divina,
então, se está verdadeiramente na umbral da Visão Divina.
Então desaparece a dúvida, dissipa-se a obscuridade e alcança-se a visão divina; podeis
dizer que vedes a Deus, e vendo a Deus, vereis o Eu.
Se compreendestes estas quatro etapas, começai a praticar no plano físico, pois é
preciso começar pelo plano em que vos encontrais. Principiai a transportar estas quatro
etapas, uma após outra; feito isto, encontrais-vos no plano astral. Voltai a começar os
quatro mesmos estados no plano astral, e alcançareis o plano mental. Depois das quatro
etapas do plano mental, alcançareis o plano búdico. Uma vez transposto o plano búdico,
obtereis a visão perfeita da unidade, e podereis vos identificar com o Eu.
Eis como se consegue esta identificação na senda dos siddhis: suprimindo as
modificações dos objetos que vos rodeiam depois de tê-los vivificado. Vivificar a matéria
receber todas impressões do plano onde se atua, abandona em seguida todos os objetos:
esta é a senda por meio da qual os siddhis se desenvolvem.
A senda que vem em seguida não é de modo algum chamada senda da devoção; é a
senda do conhecimento.
Se quiserdes alcançar os mesmos estados de consciência na senda do conhecimento, é
preciso começar por suprimir em vez de vivificar.
Se desejais que a consciência se desperte sem o auxílio dos siddhis, começai sempre
vosso labor com o pensamento mais elevado de que fordes capazes naquele momento;
tratai de suprimir todas as modificações de vossos pensamentos íntimos, e especialmente
de vossos desejos.
Assim, já que possuís a consciência mental, já que podeis pensar, deveis identificar-vos
no momento com o pensamento, mas não com o mundo mental. Assim, pois, identificar-
vos com o pensamento mais abstrato que puderdes criar, identificai-vos com a consciência
abstrata, e destrui a consciência concreta, suprimindo todas as modificações do corpo
mental, o qual responde aos estímulos dos objetos do plano exterior.
Esta senda é muito mais difícil, porém, menos perigosa do que a que vos descrevi
antes, pois é necessário que destrua:s com o pensamento abstrato os pensamentos
concretos. Então, quando estiverdes identificados com esta consciência abstrata, quando
a consciência inferior tiver desaparecido, começa a despontar em vós a aurora de uma
consciência ainda mais elevada do que a inteligência abstrata: a inteligência búdica.
É totalmente impossível permanecer inativo na senda do conhecimento. Se desejais vos
identificar com a consciência mais elevada que tiverdes alcançado, fazendo o que acabo de
dizer e suprimindo as modificações da mente inferior, elevar-vos-eis, pouco a pouco e sem
esforço, até além da consciência abstrata, pois existe uma consciência que começa a
manifestar-se, que principia a fazer-se sentir, desde que estejais concentrados na
consciência mais elevada que conheceis. Não podereis estar concentrados na mente
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abstrata sem que a aurora de outra consciência mais elevada principie a despontar; no
momento em que sentis que há alguma coisa além desta consciência na qual estejais
concentrados, é preciso que por meio de um grande esforço alcanceis aquela consciência
que começa a despontar. Como já foi dito: ”É preciso perder a vida a fim de encontrar a
vida".
Isto é uma verdade, pois existem também na consciência estas quatro etapas. Quando
tiverdes alcançado a inteligência, assim como a consciência perfeita, a identificação
completa com esta consciência abstrata, que é a mais elevada para vós neste momento;
então, se podeis dizer: "Eu não sou isto, não sou esta mente abstrata, e sim, sou algo que
está acima de tudo isto", então, possuis a Fé.
É preciso ter fé em algo mais além, em algo que em realidade não conhecemos ainda,
porém que é o Eu. Dizei: "Não sou este eu que identifico com a mente abstrata; existe
alguma coisa mais além; estou certo de que possuo em mim mesmo o sentimento de que
eu não sou esta consciência: pude compreendê-lo"
Neste estado, é preciso ainda abandonar esta ideia; é preciso lançar-se no vazio.
Este é o segundo passo. É necessário permanecer neste vazio com uma paciência
perfeita; é preciso recusar-se a voltar a descer à mente concreta, à vida que conheceis. É
mister abandonar tudo e ir ao que se chama o conhecimento verdadeiro, o vazio
consciente, e ali permanecer até o momento em que a incerteza e as trevas comecem a
fazer-se sentir, até o momento em que sintais, no que é mais recôndito ainda do que a
vossa consciência abstrata, a existência de um algo ainda mais profundo em vós mesmos.
Permanecei então nas trevas; isto é indício da proximidade da vitória. Permanecei
pacientemente na obscuridade que circunda o santuário, e um dia - não se pode precisar
quando -a nuvem desaparecerá e vos encontrareis no cume da montanha, ante a presença
de Deus, ou se falais na linguagem do yogue, ante a presença do Eu, num veículo que não
conheceis ainda como veículo, senão como o próprio Eu.
Quando se pratica a Yoga de Patãnjali, o que é que resta depois que foram suprimidas
todas as modificações da mente? "Existe - diz Patânjali - o Eu que mora em si mesmo, em
sua própria forma".
Mas o que é importante compreender é que o Eu permanece sempre o mesmo; que, se
se identifica por ignorância com cada veículo, uma vez desfeito este, volta a identificar-Se
de novo com outro, inconscientemente. Abandonando de novo este veículo quando se
tenha tomado consciente, ascende ainda a um veículo mais elevado, mas sempre existe um
veículo qualquer. Embora este seja de matéria mais sutil, a matéria do plano átmico,
sempre será uma forma: a forma do Eu; então este permanece em sua própria forma.
Pois bem; se se ascende por esta senda tão difícil, posto que não é possível determinar
seus progressos, a não ser pela tranquilidade, serenidade e indiferença para com todas as
coisas que o candidato manifesta. Quando se sente indiferença por tudo do exterior, do
qual pode, no entanto, servir-se, conservando sempre uma consciência à parte, os siddhis
são obstáculos, pois que a mente vai sempre para o exterior com os siddhis, enquanto que,
nesta segunda senda, a consciência busca sempre em si mesma um Eu mais íntimo, que é o
Eu que abandonou.
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Eis porque é tão difícil esta senda; é possível percorrê-Ia, porém, com a condição de
possuir a qualidade que denominamos Fé.
Mas, o que é a fé? Às vezes se responde a esta pergunta: Fé é credulidade. Não; a fé é
uma certeza inata da existência do Eu; esta certeza é superior à razão. Eis aqui a
verdadeira fé. Esta fé não é oposta à razão, senão que está acima dela, e fala com voz
imperativa, à qual ninguém pode resistir; voz eloquente, que não admite contradição e
que diz: "Eu sei". É a verdade suprema, e é necessário ter fé nesta voz interior que se
proclama eterna existência, imperecível; sem esta fé não se pode atravessar o imenso
vazio no qual não se é consciente de nada, exceto de que a gente existe.
Esta é a primeira senda da Raja Yoga; é em verdade uma senda difícil, como podeis
compreender. Aquela outra senda pela qual se ascende de plano em plano, por meio da
matéria dos mesmos, também é uma senda da Raja Yoga.
Se se empreende a senda mais difícil, a da consciência do Eu, então, quando se chega aos
planos búdico e átmico, todos os siddhis se oferecem ao Yogue como servidores; estes lhe
pertencem, pois todos os poderes da matéria estão à disposição da alma, da consciência
liberta.
Para o yogue que seguiu esta senda, não é necessário cultivar os siddhis, todas eles se lhe
oferecem: "Aqui estamos - dizem - servi-vos de nós como quiserdes."
Assim, pois, embora esta senda seja muito longa e difícil, tudo se acha conquistado no
fim da peregrinação; por conseguinte, percorrê-la é apenas uma questão de tempo.
Mas, rogo-vos, escolhei entre ambas as sendas, pois é necessário não confundi-las. Se
desprezais os siddhis, é preciso fazê-lo por uma razão compreensível para vós, e não por
um preconceito cego e não razoável, dizendo: “Não quero servir-me dos siddhis", sem
poder dar o motivo pelo qual não desejais possuí-los.
Quando fordes absolutamente indiferentes a todos os sentidos corporais; quando, para
vós, possuir a vista ou estar cego for exatamente a mesma coisa no plano físico; quando
estar surdo ou ouvir não vos importe, então, pouco caso fareis dos siddhis; mas duvido que
haja entre vós alguém capaz de uma tal indiferença. Há os que dizem: "Eu não desejo os
siddhis porque isto é psiquismo"; porém, não encontrei um só teósofo que tenha querido
abandonar os dons psíquicos no plano físico onde os conhece; sempre são abandonados
num plano onde não são conhecidos. Crê-se mais espiritual abandonar os siddhis, porque
se sabe que grandes yogues os têm recusado; mas deste modo se recusa sem
conhecimento e sem poder aquilo que os grandes sábios renunciaram com pleno
conhecimento, tanto das causas como das leis.
Isto não é santidade, e sim ignorância e loucura; isto não é em realidade ser grande, e
sim, pequeno.
Assim, pois, rogo-vos, procureis compreender as coisas, e então podereis escolher. Se
tiverdes compreendido o que eu disse com referência a estas etapas, a estes métodos,
embora seja teoricamente, então podereis escolher a senda pela qual quereis ascender.
Mas, recordai-vos sempre de que se quiserdes caminhar pela senda do conhecimento puro
e simples, devereis renunciar absolutamente a todas as coisas do mundo, pois que, se

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desejais as coisas que estão à vossa vista, também desejareis as coisas que não vedes,
porém, que um dia podereis ver.
Se verdadeiramente sois indiferentes até o ponto de não desejardes nada do mundo,
nem o amor (1) nem o ódio, se amor e ódio vos causam a mesma indiferença; se a calúnia e
o elogio são para vós absolutamente iguais; se nenhum destes sentimentos desperta em
vós vibração alguma, então podeis dizer: "Sim, quero seguir esta senda". Se este ideal
vos atrai, então podeis seguir esta senda; porém, repito, é a mais difícil de todas. É
necessário um valor sem limites, uma perseverança inesgotável, capaz de sobrepor-se
a tudo, de superar tudo, e viver só no nada: poucas almas podem suportar estas
dificuldades e transpor estes obstáculos.
A senda da devoção é mais simples, é outra coisa. Nesta senda existem todas as
espécies de prazeres, de gozos da alma, os quais são como flores espalhadas no
caminho.
Mas a senda do ocultismo propriamente dito, seja pela ação ou conhecimento, é
uma senda árida e cheia de aguçados abrolhos, onde os pés se cortam e o coração se
dilacera.
Muito poucas pessoas são, em verdade, capazes de afrontar o verdadeiro
ocultismo; e se vos falo desta maneira tão séria, é porque precisais tomá-lo à sério, se
quiserdes realizar rapidamente o que a natureza realizará em milhares de anos para
vós.
Aprender a Yoga não é um brinquedo de crianças; é muito difícil; é obra de
gigantes.
Na próxima conferência vos explicarei o que é preciso vencer, e talvez vos
descreva também, em poucas palavras, a senda mais fácil, a senda da devoção, pela
qual todo homem de boa vontade, toda pessoa suficientemente desenvolvida, pode
ascender. No concernente à senda do ocultismo, já é muito diferente.

(1) Amor material, o aspecto físico, manifestado pelo desejo.

29
Capítulo III

AS QUALIDADES REQUERIDAS

Na conferencia anterior eu disse que queria falar dos obstáculos na senda do


ocultismo; mas creio ser preferível analisar estes obstáculos de outro ponto de vista; isto é,
considerar as qualidades requeridas para poder caminhar por esta senda. Com efeito, é
sempre preferível olhar as coisas pelo lado positivo em lugar do negativo, olhar as virtudes
antes que os vícios; por conseguinte, vale mais considerar as qualidades que são o anverso
dos obstáculos.
Existem três grandes qualidades, que é necessário possuir; a primeira é um desejo
ardente; a segunda, uma vontade firme; a terceira, uma clara inteligência.
Sem estas qualidades, é impossível caminhar por senda tão difícil; para poder
compreendê-Ias, é preciso analisá-las e como podem estas qualidades evoluí em nós
mesmos.
Embora a Yoga não seja nada mais do que aplicação das leis da evolução da matéria,
bem como dos poderes da inteligência; no entanto, em certo sentido, não é para ser
seguida por todo o mundo; só pode sê-lo por poucas pessoas. Todo mundo pode começar,
todo mundo pode tratar de aplicar em si mesmo, pouco a pouco, estas leis; porém, sem
um método consciente, sem uma ininterrupta e resoluta prática, não pode converter-se
num fato para qualquer homem ou mulher. Só alguns dentre nós podem verdadeiramente
converter-se no que se chama um yogue. Somente aqueles que a praticam resolutamente
e seguem a Yoga propriamente dita têm possibilidade de êxito nesta empresa.
Assim, dissemos que a Yoga requer, em primeiro lugar, um desejo ardente. Sem este
desejo é impossível qualquer êxito; é tão longo o caminho, as dificuldades são tão grandes
que somente aquele que ardentemente deseja pode seguir por esta senda.
Examinai a vós mesmos e encontrareis em vosso interior um grande número de
desejos, porém que são passageiros, fugitivos; não são perduráveis; hoje desejais uma
coisa, amanhã outra. Os desejos mudam continuamente no caminho do progresso normal
da evolução; é preciso sentir todos estes desejos para evocar os poderes da inteligência e
da alma.
Algumas vezes se fala dos desejos como se estes fossem uma coisa má, e que é preciso
não ter desejos. Isto só é verdade uma vez alcançado certo grau, porém, não é verdade no
caminho onde se buscam as experiências.
Nossos livros falam das sendas chamadas Pravritti, a senda pela qual se vai, e Nivritti, a
senda pela qual se volta; e segundo a senda que alguém siga, deve ou não ter desejos.
Mas procurar matar os desejos quando ainda não se está suficientemente
desenvolvido, é um erro fatal, comum a muitas pessoas. Credes por ventura que o Logos,
criador do Universo, teria enchido este mundo de objetos próprios para despertar o
desejo, se quisesse que este não existisse? Se Deus não quisesse que os homens sentissem
desejos, o mundo seria muito diferente do que é; na senda não se encontrariam objetos
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agradáveis que vos atraem dizendo a cada instante: "Eis-me aqui; toma-me".
O Logos é como uma mãe cujo filho ainda não anda: esta lhe mostra de longe um
brinquedo para chamar a sua atenção, e lhe diz: "Vem, anda, experimenta andar".
Impulsionado pelo desejo de possuir o brinquedo, o menino começa a andar. Da mesma
maneira trata o Logos seus filhos, para os quais tem brinquedos de todas as espécies.
O prazer, o gozo de viver, os elogios, o poder, todas as coisas que não são
completamente satisfatórias para a alma humana, a atraem, no entanto,
momentaneamente, e preenchem assim sua finalidade no mundo, a tarefa de impulsionar-
nos ao esforço para compreendê-los e desenvolver-nos quando os tivermos alcançado.
Destruir num jovem todos os seus desejos é causar-lhe um mal terrível, pois estes
desejos são para ele uma proteção eficaz contra muitos dos pecados do mundo.
Para o jovem ambicioso não são, contudo, viscosos todos os caminhos neste mundo,
pois que sem este desejo não pode crescer, não pode chegar a alcançar nenhum poder
sobre os demais sem aprender a respeitar-se a si mesmo. Impulsionado pelo desejo,
permanece muito amiúde na senda da virtude, evitando desta maneira a senda do vicio,
graças a este desejo mais elevado que tem de alcançar o poder, seja político ou social.
Nestas circunstâncias pouco importa o objeto; só o esforço tem valor.
O Logos, que compreende muito bem sua função, coloca todos os objetos desejáveis
ante os olhos de Seus filhos, a fim de que aprendam a andar para tornar-se homens. Os
desejos pelas coisas elevadas destroem os desejos inferiores; os desejos nobres são as
espadas que matam os desejos mesquinhos.
O desejo de unir-se a Deus, de encontrar o Eu, de realizar sua divindade, é um desejo
nobre e necessário. Sem este desejo ardente como uma chama, não seria possível vencer
as dificuldades, os perigos, os sofrimentos desta Senda tão difícil e tão curta que conduz
rapidamente ao conhecimento do Eu.
Em segundo lugar, é preciso ter uma vontade firme, invariável.
Qual é a diferença entre o desejo e a vontade? É uma diferença muito notável. O
desejo é a. mesma energia que a vontade, mas diferem em que o desejo é sempre
determinado por um objeto exterior, mesmo que seja o ardente desejo do qual vos
falei; o desejo é sempre posto em atividade por um objeto. A vontade é a mesma
energia determinada pelo Eu, brotando do interior e não movida pelos objetos do
exterior. Por conseguinte, a vontade não muda com os desejos; é permanente, e é
dirigida do interior através de todas as experiências anteriores da alma durante a
série de vidas em que o homem tem existido no mundo.
É preciso encontrar ,esta firmeza de vontade; ela permanece oculta no Eu; é a
ultima qualidade divina do Eu, e dirige todas as experiências de nossas vidas, por
numerosas que tenham sido. Toda a direção imprimida no transcurso destas vidas,
emana da vontade que permanece oculta em nós, é a divindade oculta que tudo
dirige. Mas é preciso que esta divindade se manifeste, que não permaneça
escondida, pois a vontade do homem, vontade verdadeiramente livre, é o dom mais
precioso que a alma humana possui. É Deus mesmo em nós.
A vontade no homem é a vontade divina que caminha sempre unida à Vontade
Suprema e que Se esforça por dominar os desejos que pululam nos mundos inferiores;
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são eles o reflexo de seus próprios poderes, porém se levantam contra estes, dos
quais são os verdadeiros filhos.
Em terceiro lugar é preciso uma inteligência penetrante, intensa, sem a qual não
existe Yoga possível.
Mas como fazer brotar, como fazer crescer estes poderes da alma?
Pode-se responder a esta pergunta com três palavras; cada uma delas se refere a
uma capacidade.
Pode-se estimular o desejo, pensando; pode-se desenvolver a vontade, agindo, e
pôde-se desenvolver a inteligência, estudando.
Eis aqui os três meios que devo precisar.
Podeis criar em vós exatamente aquilo que desejais alcançar; isto é só questão de
tempo e de esforço, nada mais. Tudo quanto podeis pensar, imaginar e conceber,
podeis criar em vós mesmos; esta é para vós a verdade mais importante.
Pode-se dizer com razão que os hindus possuem uma vontade firme; e, contudo se
diz frequentemente que é passivo. Isto acontece porque, apesar de possuir ele uma
vontade firme, existem poucos objetos em que lhe valha a pena empregar sua
atividade.
Esta indiferença, talvez uma indiferença exagerada, acontece devido a uma
concepção imperfeita daquilo que chamamos Carma. O hindu toma às vezes o carma
como um destino impôs to do exterior, e não como uma criação da alma. Por isso o
hindu manifesta frequentemente uma aparente indiferença e preguiça. Mas, ao
encontrar um objeto que o atraia verdadeiramente, no mesmo instante vereis surgir
nele a vontade,
O que pensareis de um homem capaz de manter o braço no ar, até atrofiar-se e
tomar-se insensível? Pensai na intensa vontade que isto requer; pensai nas angústias,
nas dores que precederam ao momento em que o braço permaneceu levantado.
Tratai de fazê-lo durante uma hora, e vos dareis conta do que seria fazê-lo durante
anos; desta forma podereis medir a firmeza de vontade do hindu, quando
verdadeiramente quer alcançar alguma coisa. Geralmente ele não deseja nada; nada
merece a aplicação de sua vontade. É por isso que se encontram yogues da Índia
capazes de atos inúteis, como o de inutilizar um braço; mas não tem preço a vontade
que pode obter tal resultado.
Não é a esta classe de vontade que fiz alusão no princípio; é a vontade dirigida a
uma prática determinada, como, por exemplo, a meditação sobre uma virtude, coisa
que é bem compreendida na Índia.
Conheci um hindu de idade avançada - tinha então uns cinquenta e cinco anos - que
durante quarenta anos mantinha o hábito de meditar todos os dias em uma só virtude: a
Verdade. E, sem dúvida, bastante tempo. Porém, na Índia são frequentes as meditações
como esta. E qual foi o resultado destas frequentes meditações? É que ninguém pode faltar
à verdade em sua frente, sem que ele imediatamente o perceba; como ele era juiz de uma
comarca, jamais alguma testemunha ou acusado pôde enganá-lo.
Compreendeis de que modo pôde o juiz chegar a este resultado? É coisa muito fácil.
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Já vos disse que a cada vibração da matéria corresponde um estado de consciência. A
um estado de consciência que está em relação com a verdade, a um pensamento acerca da
verdade, corresponde uma vibração no corpo mental; cada vez que se pensa na verdade,
repete-se esta vibração nesse corpo. Se, cada manhã, durante quarenta anos, repetísseis
tal pensamento acerca da verdade, vosso corpo mental repetiria sempre as mesmas
vibrações particulares. Tendo o corpo mental adquirido este hábito, quando se encontra
diante de uma consciência que represente outro estado, o da mentira, ambas as vibrações
estão em completo desacordo, como sucede numa definição musical.
Eis aí um caso que é muito Simples, este juiz não lia na mente do acusado ou da
testemunha; não era um clarividente nem clariaudiente, pois que não via a mentira.
Bastava apenas a nota dissonante dada pela testemunha para produzir uma dissonância
com a vibração de seu corpo mental; a sensação era sentida tão imediatamente, como se
sente uma nota discordante produzida entre duas notas musicais.
Podereis obter o mesmo resultado se quiserdes. É preciso, porém, que compreendais
ser preciso um desejo muito ardente de conhecer a verdade, para meditar desta maneira
durante quarenta anos, todas as manhãs. Por outro lado, não é necessário meditar tanto
tempo para adquirir um pouco desta sensibilidade. Uma perseverança semelhante é muito
difícil encontrar-se entre os, ocidentais; estes sempre procuram desculpar-se. Meditam
bem durante um semana, ou ainda durante um mês; porém, durante um ano, é impossível;
e, se depois de transcorrida uma semana não aparece nenhum progresso, o que é
impossível reconhecer após tão curta experiência, então a meditação é abandonada.
Se desejais verdadeiramente aperfeiçoar vosso corpo mental, coisa necessária para a
prática da Yoga, precisais possuir esta vontade firme para poder dirigir o pensamento.
A imaginação é a vossa energia criadora. Imaginai aquilo que desejais, porém, imaginai
com toda a precisão, e vos convertereis em um criador. É este o único poder do qual o
Logos se serve para criar um universo. Ele imagina um universo, e o universo vem à
existência.
Vós também podeis exercer este poder, tão necessário na Yoga. Tratai todos os dias,
embora só por dois ou três minutos, imaginar alguma coisa com toda clareza e precisão,
como o faz o artista quando quer pintar um quadro; se podeis observar um objeto com
todos os seus pormenores, isto já é um bom resultado. Cada um de vós possui o poder da
imaginação, embora em diversos graus de desenvolvimento; existem pessoas nas quais a
imaginação é muito viva. Contudo, em todos existe o germe deste poder; cultivai-o, tratai
de desenvolvê-lo, de ativá-lo no vosso interior, pois neste poder da imaginação que é
verdadeiramente divino, encontrareis todos que vos são necessários para vossa evolução.
Ensaiai durante dois ou três meses a experiência em vós mesmos; imaginai uma virtude
que necessitais, e ao fim de algum tempo vereis aparecer em vossa vida o esboço dessa
virtude.
Quando tiverdes feito esta experiência em vós mesmos, tereis feito mais do que lendo
dezenas de obras sobre o poder do pensamento. Os livros são a expressão das ideias de
outros; vossa experiência radica em vós e estareis mais convencidos por vossa própria
experiência do que pela leitura de um livro, ou ouvindo uma conferência.

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Se compreenderdes que possuis esta energia criadora da imaginação, começai pelo
desejo.
É impossível mudardes vossos desejos enquanto eles forem tais; desejais Ou não
desejais; uma coisa vos agrada ou vos desagrada; este é um fato contra o qual nada
podeis.
Como se pode agir sobre o desejo por meio do pensamento?
Podeis olhar um desejo frente a frente e pensar em todas as consequências que se
seguirão à satisfação do mesmo, quer ele seja bom ou mau.
Pensando nas funestas consequências de um mau desejo, nascerá em vós um
princípio de repulsa pelos objetos que antes desejáveis.
Ainda podeis fazer outra coisa. Se virdes que algum de vossos desejos dá sempre
como resultado alguma desgraça, não penseis no objeto que vos atrai, e sim, na
desgraça que virá, e no final de pouco tempo só a vista deste objeto vos causará
repulsa.
Se, pelo contrário, desejais cultivar um bom desejo que vos eleve, fixai o
pensamento nas boas consequências que advirão quando ele for satisfeito. Este desejo
será então cada vez mais forte, cada vez mais ardente. Se desejais cultivar um forte
desejo pela Yoga, precisais, para sua consecução, pensar durante longo tempo,
durante meses e ainda anos, em todos os magníficos resultados que podem resultar da
união do Eu, em todos os poderes que obtereis para ajudar os demais quando vos
tiverdes identificado com o Eu.
Desta maneira nascerá em vós aquele desejo que tenho comparado a uma chama
que devora tudo quanto há de mau em vós, que consome os laços que vos ligam às
coisas inferiores deste mundo.
Como Se poderá agora fortalecer a vontade? Simplesmente agindo.
Já não se trata de pensamento, e sim, de ações, de atividade. É necessário praticar
diariamente; é preciso que vos obrigueis a levar a cabo aquilo que vos haveis proposto,
embora no momento determinado vos seja desagradável; é necessário que vos
esforceis em realizar esta atividade que resolvestes exercitar e repeti-la cada dia,
dominando deste modo a resistência do corpo por meio da prática deste exercício.
Pouco importa qual seja o objeto ao qual dirigis vossa atividade, o essencial é que
esta atividade seja um fato.
Os janistas jovens têm o costume de escolher cada manhã a sua atividade para
durante o dia. Um menino de dez anos, por exemplo, dirá: "Não quero sentar-me hoje
mais do que três vezes." Isto é, se quereis, uma necessidade, concordo; porém, quando
este menino tiver se sentado as três vezes não se senta mais o resto do dia.
O resultado obtido é mínimo, quase ridículo; mas, no entanto, a vontade se
desenvolveu com estas determinações, repetidas cada manhã e mantidas no decorrer
do dia, e por este meio a vontade se toma consciente.
Do ponto de vista prático, seria muito útil para vossos filhos que cada manhã lhes
exigísseis uma pequena promessa, que deveriam manter durante todo o dia; então,
veríeis com assombro manifestar-se a vontade resistindo à tentação de fazerem o que
não devem.
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Mas nesta senda não escolhais no princípio coisas difíceis; proponde-vos objetivos
fáceis, pois é muito difícil fazer ou deixar de fazer uma coisa, por pequena que seja; é
preciso possuir memória e vontade. Então, a pessoa se toma mais consciente, guia suas
ações, decide o que fará, e em realidade, a consciência ininterrupta do Eu é o que nos
converte em yogue.
Formulai cada manhã vossos propósitos; não os comuniqueis a ninguém; ponde
vosso amor próprio em manter esta promessa, e vereis quão rapidamente se fortalece
vossa vontade.
Não vos esqueçais, porém, que, se é muito fácil formular um propósito, é muito
mais difícil executa-lo.
Neste estado, a mente permanece em atividade. Como desenvolvê-la?
Estudando tudo o que é necessário, alcançareis este resultado; não quero dizer que
o alcançareis lendo livros, coisa muito fácil, e sim, estudando livros.
Alguns dentre vós lerão muito, talvez demasiado, e isto sem um grande resultado
do ponto de vista da evolução da mente, a qual permanece como uma mala sempre
meio vazia; pois, ler um livro é somente seguir a mente de outro; estudar, ao contrário,
é fazer evoluir o corpo mental.
Estudo severo, sustido, perseverante, eis o que se precisa para fazer que a
inteligência se desperte e vivifique. A este estudo é necessário dedicar-se todos os dias,
sem jamais faltar um só.
Aqui tendes, pois, as três qualidades absolutamente indispensáveis.
Mas é necessário uma quarta qualidade para percorrer uma das sendas que ontem
descrevi: esta qualidade é a energia.
Se desejais caminhar por esta senda, na qual desenvolvereis os veículos físico, astral
e mental, a fim de que a inteligência possa utilizá-los, é necessária a energia; na outra
senda, esta energia não é tão precisa; nela se manifestam os poderes do Eu; na
segunda senda existem dificuldades, é certo, mas, não perigos.
O primeiro caminho indicado, o do ocultismo, é, ao contrário, muito perigoso;
oferece uma soma de perigos que não se encontram no caminho da espiritualidade.
Repito: na senda do ocultismo, onde se alcança o conhecimento por meio dos
veículos, é preciso ter valor, pois que os corpos físico, astral e mental devem enfrentar
muitos perigos em cada um destes planos; se o valor é necessário ao soldado que se
bate em campanhas, não o é menor para aqueles que desenvolvem os siddhis.
Pois, sem valor, é impossível o progresso; mas também é preciso disciplinar os
corpos a fim de purificá-los e organizá-los. Sem esta purificação, os perigos se
convertem em grandes poderes de destruição.
Como, pois, purificaremos os corpos?
Purificamos o corpo físico, usando apenas alimentos puros. Os hindus dividem os
alimentos em três classes: alimentos sátvicos, harmonizadores, rajásicos, produtores de
energia, de forcas tumultuosas, cujas vibrações são muito fortes, porém não são
rítmicas; e, tamásicos, os que produzem vibrações lentas e confusas.
Como reconhecer estas três classes de alimentos? Cada uma delas possui
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qualidades bem definidas.
Todos os alimentos que não são perfeitamente frescos, como a caça que se
guardam muito tempo; os alimentos que foram cozidos mas são ingeridos no dia
seguinte, por exemplo, são alimentos tamásicos; toda substância em decomposição é
um alimento tamásico. É preciso evitar esta alimentação.
Os alimentos rajásicos são aqueles que contêm a seiva vital, o sangue dos animais;
são de propriedades rajásicas porque o animal tem a mente muito pouco desenvolvida;
o animal é a encarnação dos desejos, porque está organizado de uma maneira kâmica,
passional, com instintos muito violentos.
Estes alimentos são de alguma utilidade para o corpo, mas é preciso evitá-los na
Yoga, bem como os alimentos do reino vegetal que possuam algo de magnetismo
animal.
Os alimentos rajásicos são aqueles que contêm a seiva micas são alimentos sátvicos,
estes são todos os vegetais, nos quais a vida entra lenta e gradualmente em atividade;
todo os grãos que produzem novas vidas, conservadores de uma vitalidade sempre
crescente. As frutas, os grãos: eis os melhores alimentos para o corpo físico; estes
alimentos tomarão o corpo físico sensitivo e harmonizarão suas vibrações.
É preciso evitar a corrupção sob todas as suas formas, posto que esta influi em
certas regiões cerebrais ainda incompletamente desenvolvidas no homem comum,
porém, absolutamente necessárias para o corpo físico quando se pratica a Yoga;
refiro-me ao corpo pituitário e à glândula pineaI.
Estas duas pequenas partes do cérebro são essenciais para o desenvolvimento do
yogue, e o álcool, por exemplo, as paralisa muito rapidamente. É pois, preciso
abandonar o álcool sob todas as formas, se se quer dedicar à prática, sem o que a
meditação e a concentração produzirão a irritação e a inflamação destas partes do
cérebro até o ponto de tomar sua cura muito difícil. Isto é o que se requer para o
corpo físico.
Mas recordai-vos de que se no corpo astral alimentais desejos impuros, ou no
corpo mental pensamentos também impuros, embora vos esforceis por purificar
vosso corpo pelo uso de alimentos puros, a reação destes desejos e destes
pensamentos manterá sempre o corpo impuro: os desejos e pensamentos puros são
necessários a todo aquele que quer possuir o corpo físico puro.
Estas questões da purificação são algumas vezes esquecidas, expondo-nos aos
mais sérios perigos do plano astral.
Sem dúvida já tereis ouvido falar deste ser que se chama “o guardião do umbral
do plano astral". A palavra "guardião” é aplicada em ocultismo a três espécies de
seres completamente diferentes, sendo sempre necessário precisar bem o sentido
com que se emprega a palavra "guardião".
Os primeiros guardiães do plano astral são os elementais da natureza, já que se
entra no plano astral pelos subplanos mais próximos do plano físico, e os elementais
destes subplanos se relacionam com o reino animal. Estes elementais não sentem
simpatia pelos homens.
Podeis compreender o porquê desta falta de simpatia?
36
Do ponto de vista destes elementais, o homem é o agente destruidor da natureza.
É ele quem pisa e esmaga a erva, quem corta as ·árvores e quem mata os animais.
Para estes elementais, o homem é um diabo que leva sempre a morte a toda parte, e
todos os males que eles procuram evitar, nos reinos vegetal e animal, provêm do
homem. Assim, pois, os elementais da natureza odeiam o homem, e veem nele um
espírito malfeitor.
Quando o homem começa a atuar, a mover-se e a funcionar no campo astral, este
acúmulo de elementais se precipita sobre ele para assustá-lo, porém,
verdadeiramente não podem fazer-lhe nenhum mal, pois não têm semelhante poder.
Somente podem espantá-lo usando para este figuras abomináveis, além de gestos
terríveis e repugnantes.
Armados de valor, devemos seguir adiante, sem prestar a menor atenção a todos
estes seres que formigam ao nosso redor. Mas diremos: "Estes seres não têm nenhum
poder para infligir-me algum mal; eu sou um ser consciente e divino. Que podem
contra mim estes criadores, muito menores do que eu no reino da alma?"
Se se tem este valor, todos os elementais retrocedem, empreendendo a fuga e
desaparecendo.
Logo, pouco a pouco, se adquire a confiança destes elementais, e a gente se
converte, ao contrário, em seu amigo. Eles começam a compreender que não
sentimos nenhum ódio contra eles; que não queremos destruir nada; que somos em
realidade seus amigos, e inimigos de ninguém; perdem então todo temor e
convertem-se em nossos aliados.
Este primeiro perigo é, pois, de pouca importância, porém, não direi a mesma coisa
do segundo. Este outro perigo é o vosso próprio pensamento encarnado nas formas
de pensamentos, ou elementais artificiais que encontrareis no umbral do plano astral.
Tudo quanto existe de mau em vossos pensamentos, todos os crimes não expiados,
todas as injúrias de que fostes culpados, tudo o que chamais mau carma, encarna-se
em formas materiais para arrojar-vos deste umbral.
Assim, pois, compreendereis agora a necessidade de uma longa série de vidas de
bondade e de virtude antes de afrontardes estes perigos, a fim de que este mau carma
seja esgotado o mais depressa possível, de modo que não reste senão muito pouco
que esteja em oposição contra vós quando entrardes neste plano.
Etste é o segundo guardião do umbral.
O terceiro guardião é muito menos frequente, porém, bem mais terrível.
Algumas vezes acontece que em alguma de suas vidas pode o homem ter caído em
vez de elevar-se; isto significa que não resistiu às tentações, mas cedeu a elas. Cede a
tudo o que é mau na natureza e afasta tudo o que é bom nele, combate contra o que o
Eu superior trata de inculcar nele. A carne, as paixões, lutam sempre contra a virtude, e
nesta luta encarniçada levam a vitória até o ponto de obscurecer o corpo físico, o astral
e o mental tanto pelo pecado que o Eu superior os repele com horror, dizendo: "Já não
quero mais nada de vós, já não me pertenceis".
Numa das escrituras da Índia se lê:

37
"O Eu se converte no inimigo daquele que não quer se submeter às suas leis". Neste
caso o Eu repudia os seus corpos, e deste modo os corpos são separados do Eu.
Perderam este princípio de vida eterna e andam errantes no plano mental, no plano
astral, e ainda às vezes no plano físico: sem alma, sem o Deus inato que se retira de seu
templo, pois, desde que este não é mais o templo santo, o Deus desaparece.
Alguns homens não têm, sobre a terra, consciência do bem nem do mal; vivem no
mal sobre a terra" como em uma atmosfera onde não acham nenhuma dificuldade em
respirar mover-se.
Em tais condições, a morte mata só o corpo físico, o qual perdeu a sua alma; porém,
o corpo astral persiste por algum tempo ainda muito fortemente vitalizado, porque os
desejos, os desejos animais e não humanos são verdadeiramente poderosos. Se a
parte destes desejos que pertencem ao elemental permanente é vitalizada até a hora
em que o Eu volta a construir novos veículos, mental, astral e físico, isto é, se volta à
terra com novos corpos antes do corpo astral abandonado ter sofrido a desintegração,
então, este corpo astral da vida precedente se converte no guardião do umbral mais
feroz do plano astral.
Todavia, felizmente este caso é raro, porém, deveis compreender alguns dos
perigos que é necessário enfrentar.
Não obstante, é possível vencer este destino terrível, embora seja bastante difícil, e
os que possuem semelhante guardião do plano astral, farão bem em não praticar a
Yoga em sua existência presente, mas apenas em viver uma vida nobre e de benefícios,
para que este terrível guardião se desintegre através do tempo.
É pois, útil, antes de começar a prática da Yoga, pedir-se a algum clarividente neste
plano indagar se tem o espírito livre de semelhante passado que procurei descrever.
Existem ainda outros perigos menos graves neste plano; são os que se chamam
perigos do fogo, da água, da terra e do ar.'
É preciso aprenderdes, por meio de lições fáceis, que na matéria do plano astral
nada pode opor-se à vontade humana, nada absolutamente; a matéria está sempre
sujeita à vontade.
Por conseguinte, podeis encaminhar-vos ali por onde quiserdes. Se vedes alguma
coisa aparentemente intransponível, em verdade não o está para vós, se desejais
seguir adiante; porém, é preciso saber tudo isto, pois, sem este conhecimento não
podereis progredir.
Madame Blavatsky nos contou, um dia, uma história bastante curiosa. Como
sabeis, ela era multo gorda, e, encontrando-se uma vez no plano astral, viu, no
entanto, que podia passar facilmente por um lugar muito estreito. Não obstante, eis
que, quando se encontrava no meio daquele passadiço, pensou: "Sou demasiado
gorda para poder passar por aqui", e ao mesmo instante se encontrou de tal modo
oprimida, que lhe era impossível avançar ou retroceder.
Isto porque ela pensou que não poderia passar; mas, ao dar-se conta disse: "Sou
uma tola; posso passar por toda a parte no plano astral", no mesmo instante recobrou
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a liberdade de seus movimentos.
Existe ainda outra pequena dificuldade, se chegais a atuar conscientemente no
plano astral: a de pensar, ainda que não seja senão por um instante, que qualquer
coisa pode causar-vos dano, pois este pensamento repercutirá no corpo físico.
Este não é um grande perigo, no entanto, não deixa de ser prejudicial.
Durante o naufrágio de um navio em que me encontrava em corpo astral, vi que
um dos mastros ia cair sobre mim, e ignorantemente pensei: "Este mastro vai cair
sobre mim"; porém, logo percebi meu erro e disse: "Estou em corpo astral, e não
pode causar-me nenhum mal físico." Mas era demasiado tarde; ao despertar-me, meu
corpo tinha recebido o dano causado pelo mastro físico caído sobre o meu corpo
astral.
Em suma, estas pequenas aventuras no plano astral, não são em realidade as que
oferecem perigo. Existe outro perigo mais sério: o das ilusões astrais.
Cada um de vossos desejos aparece objetivamente no plano astral como um
aliado; provavelmente não o reconhecereis como um desejo vosso, senão como
alguém que vos vem ver e dar as boas-vindas. Se é um desejo pernicioso ou muito
bom, é um seguro inimigo e pode seduzir-vos e afastar-vos do caminho; pode unir-se
a vós de tal modo que vos retenha em vossa senda ascendente.
Antes de enfrentar o plano astral, fareis bem em eliminar todos os desejos do
plano físico; então, estareis em completa segurança. Porém, se vossos pensamentos
não são corretos e verídicos, se não respondem a vossas aspirações atuais, sempre
sofrereis decepções neste plano, toda vez que estes pensamentos vos mostrarem
como realidade aquilo que é apenas engano e ilusão.
É preciso, pois, não pensar senão em coisas absolutamente verdadeiras; do
contrário as decepções serão continuas. Vereis anjos, amigos e guias ali onde não há
senão inimigos que vos farão cair sem que saibais donde nem de quem procedem as
ciladas.
Vedes, pois, como, ainda neste caso, existe a necessidade de uma purificação a
mais perfeita possível.
Algumas vezes, há más interpretações entre os teósofos acerca destas questões.
Quando insisto na necessidade que há de purificar-se, e quando acrescento que há
discípulos que não alcançaram o suficiente grau de pureza, acusam-se de contradição.
Em verdade não há tal contradição. É possível atravessar este umbral sem ser puro,
assim como é possível mover-se livremente no plano astral sem ter alcançado um
suficiente grau de pureza; mas é também verdade que existem terríveis perigos se
esse grau não foi alcançado.
Assim, pois, o dever de todo aquele que sabe que existem estes perigos, é dizer ao
estudante: "Não percorrais plano astral. se não fordes puros. Podereis, é certo, fazê-lo,
porém enfrentando numerosos perigos e sofrendo quedas terríveis.
Mas, se me perguntardes: "Pode tal ou qual pessoa ir ao plano astral, embora não
seja pura, isto é, embora possua algum vicio?" A semelhante pergunta respondo que
sim, que isto é possível.
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É necessário compreender isto muito bem, para evitar contínuas más
interpretações que vos fariam muito mal.
Existe, contudo, um perigo muito maior; mas este não e apresenta senão àqueles
que já subiram muito alto na Senda; refiro-me aos esforços da "fraternidade negra",
que atua sobre as virtudes mesmo, a fim de destruí-las.
Não é possível fazer cair uma alma elevada, por meio do vício, por que ela já
transpôs esta possibilidade; porém, podem faze-Ia cair algumas vezes pelo exagero
de virtudes, que verdadeiramente se convertem em vícios para o discípulo, quando
este perde o equilíbrio.
É possível cair-se em excessos na prática de uma virtude: "a virtude é sempre o
meio", disse Platão; e numa Escritura hindu se lê que a senda é tão estreita como o
fio de uma navalha, e que é tão fácil cair de um lado como do outro.
É preciso, pois, manter-se perfeitamente equilibrado para percorrer esta senda,
pois que "os da irmandade negra", não podendo, como dissemos, valer-se dos
vícios, buscam ajuda nas virtudes.
Do mesmo modo, eles podem obscurecer e confundir a mente, não podendo a
alma, em tais nebulosidades, ver nem determinar onde está a Senda do dever, e
isto causa amiúde quedas.
Para aqueles que sabem, as quedas nada significam, pois são apenas uma
experiência; embora a queda dure uma vida inteira, que significa um dia entre os
numerosos dias da vida imortal?
Para os que se recordam do passado e vislumbram o porvir, que chegaram a
compreender algo deste futuro, que é uma só vida, por longa que seja? Um dia tão
só e nada mais. Pode ocorrer um acidente qualquer que dure um dia ou uma
semana da vida presente. Isto constitui, por ventura, um caso tão terrível, tão
espantoso? Não, de modo algum; Isto só é questão de alguns dias.
Se aqueles que querem seguir a Senda do ocultismo, esta Senda cheia de
perigos, caem no caminho, isto não significa nada; voltarão a levantar-se, e de novo
empreenderão sua marcha; isto não será mais do que uma experiência que
enriquecerá sua vida.
Mas não se deve caminhar por esta Senda se não se é capaz de distinguir entre o
Eu e seus veículos, se não pode dizer a si mesmo: "Eu não sou este veículo", e se
não pode dizer com uma perfeita serenidade: "Este veículo me é útil, porém na vida
não tem outro valor; eu sempre sou eu mesmo, eterno e inquebrantável."
Mas, é preciso ter alcançado uma elevação considerável antes de poder
permanecer equilibrado nestas circunstâncias e poder dizer que, se o eu inferior,
João, Maria Ou Guilherme, ou outro nome qualquer, sucumbe, pouco importa, se é
seu carma expiar um crime do passado, pago na vida presente. Isto será de certo
modo uma grande vantagem, porque o crime e sua expiação pertencerão ao
passado, e uma vez vencida esta dificuldade, poderá seguir adiante sem mais se
preocupar.

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Mas, certamente não é assim como se encaram as coisas no mundo. Assim, pois,
a senda do ocultismo é acessível a muito poucas pessoas e nunca será
compreendida pelo mundo.
Mas, repito, não é necessário tomar-se este caminho para ascender; pode-se
tomar uma senda que ofereça menos perigo, apesar das dificuldades e sofrimentos
que nela se encontram: é a Senda do Amor a Deus e à Humanidade.
Nesta Senda, o místico, o verdadeiro místico, cheio de amor a Deus, sente
arrebates de emoção, de deleite espiritual, ondas de gozo nas quais pode banhar o
seu ser.
Qual é, pois, o reverso da medalha na Senda do Misticismo, posto que toda
medalha tem seu reverso?
São as profundas dores que têm sido chamadas "a noite da alma", obscuridade
que aniquila, aridez em todas as partes, em que a vida se desvanece, onde a alma se
esgota, onde divaga em um imenso vazio sem Deus e sem auxilio humano.
Atravessar esta obscuridade é o preço com que se pagam os gozos do místico, e
se sois incapazes de suportar esta noite da alma, não busqueis esses gozos.
O dia mais claro, o sol mais brilhante, é sempre seguido pela obscuridade da
noite; a noite, por sua vez, é substituída pelo sol; assim, pode bem sofrer-se a
obscuridade quando se sabe que em seguida se regozijará na plena luz. Mas não vos
esqueçais: não é possível alcançar um sem a. outra, o sol sem a obscuridade.
Se quiserdes, pois, sentir os gozos do misticismo, superai estas dares, estas noites.


Nem o misticismo nem o ocultismo são a senda da espiritualidade pura e simples;
esta senda é a última da qual me falta falar.
Esta senda é muito difícil e muitas pessoas que acreditam caminhar por ela, são
incapazes disso.
Tenho dito que a espiritualidade é a consciência da unidade, e uma inteligência
pouco desenvolvida pode compreender até certo ponto o que se entende por
unidade.
Mas a espiritualidade não é tão somente este conhecimento intelectual da
unidade; a espiritualidade é a identificação com o UNO, o único SER, o Eu, coisa
extremamente difícil.
Compreendereis o que é isto estudando a vida dos grandes mestres espirituais
que, de tempo em tempo, têm vindo à nossa terra, como Buda e Cristo. Buda e Cristo
representam dois tipos de espiritualidade perfeita.
Entre as pessoas verdadeiramente boas e compassiva, observais algumas vezes
um grande horror ao pecado, contra o qual manifestam uma indignação apaixonada.
Isto é muito bom, e este horror ao pecado é necessário para o mundo, sem o qual
41
não se purificaria a sociedade; e mesmo quando esta indignação é dirigida contra o
pecador, isto é ainda um bem, mas não é a espiritualidade. Este horror ao pecado
assemelha-se a um forte vento que dissipa as nuvens e purifica as ruas; é de toda
utilidade para a felicidade da sociedade humana, e nada se pode dizer contra.
Mas, repito, isto não é a espiritualidade.
Quando alguém se indigna contra o pecado - não quero dizer contra o pecador,
pois todo o mundo deve amá-lo, mesmo quando o pecado vos repugne - significa
que vós mesmos correis o perigo de cair neste pecado, pelo que o Eu retrai com
forca, com energia, os veículos da presença deste perigo.
As mulheres consideram, frequentemente, como sinal de pureza feminina o
sentirem ódio à impureza, e censuram depreciativamente as faltas de castidade. Isto
é muito bom, pois demonstra que elas desejam ser puras, porém, este ódio pela
impureza demonstra também ao alho que pode ver, que a virtude de tais mulheres
também periga.
Repelir a mulher impura, fechar-lhe a porta de sua casa, apartar de seu lado a
pecadora, tudo isto está muito bem; porém, o Cristo se considerava feliz ao ver que a
pecadora lhe beijava os pés.
Eis aqui a grande diferença: nem todos são o Cristo. Todo este ódio contra o
pecado é, pois, como uma muralha que protege os débeis; muralha necessária, posto
que é débil a generalidade dos homens. E se muitos deles são bons, é porque não são
tentados.
Se as mulheres são mais puras que os homens, é porque elas não enfrentam as
mesmas tentações e tampouco o mundo pede aos homens a mesma pureza que à
mulher, e contudo, a pureza é a mesma para o homem como para a mulher. O
homem impuro não é, como alma, melhor do que a mulher impura; a pureza não
tem sexo, exceto na sociedade humana. Aos olhos da alma não há diferença entre o
homem e a mulher quando se trata de pureza; de cada um se exige o mesmo grau
de pureza.
Aqueles que verdadeiramente são espirituais, os Cristos do mundo, não sentem
ódio contra o pecado nem contra o pecador; eles sabem muito bem que tanto o
pecado como o bem são necessários para a evolução do homem, e também sabem
que aqueles que pecam são ignorantes e precisam de experiências. Conhecendo a
unidade da vida, identificando-se com esta vida, para o Cristo o pecado de outro é
Seu pecado e por isso não se sente separado de ninguém.
Eis aqui a glória do Cristo. Ele não pode separar-se dos pecados dos homens; o
pecado da humanidade é o pecado do Cristo, e o Evangelho diz: "Ele veio ao pecado
para salvar os homens."
Amais Cristo há dois mil anos e não sabereis amá-Lo entre vós, na vossa
mundana sociedade. Se Ele vivesse entre vós, diríeis: "É um ser imoral, não
aborrece o pecado, é tolerante e compassivo"; e nem mesmo o deixaríeis entrar em
vossas casas com medo de que Sua presença manchasse vossa pureza.
Evidentemente, é uma coisa muito difícil ser verdadeiramente espiritual.
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Desejais unir-vos com os santos e com o Cristo porque esta união vos eleva; porém,
não desejais unir-vos com os pecadores por medo de vos envilecerdes. Eu vos digo
que não podeis vos unir com o Cristo somente e deixar de lado o pecador.
Não há mais do que uma única vida, um só Eu, se vos tiverdes identificado com
este Eu, também o estareis com o pecador mais degradado, bem como com o Deus
mais puro.
Se não quiserdes aceitar esta grande verdade, se não puderdes compreender
que o que digo é realmente uma grande verdade, então, podereis ser bons
cidadãos, poderei ser homens e mulheres verdadeiramente bons, porém, não sereis
espirituais.
E se tiverdes compreendido o que é espiritualidade, ainda não sei se quereríeis
aspirar a ela; é demasiado elevada para aqueles que ainda são Pequenos.
"Sei o que é a espiritualidade, mas não posso ascender a este ponto tão elevado;
não posso deixar de reconhecer a beleza, a divindade de um Ser para quem o santo
e o criminoso são seus irmãos; que tudo ama e que tudo compreende, e que a todos
perdoa." Eu disse que perdoa. Mas, não há o que perdoar, pois que Ele se identifica
com todos; não há nada que perder quando se é o mesmo que aqueles a quem se
quer conceder o perdão.
Assim, irmãos e irmãs meus, tratai somente de compreender, e escolhei vossa
senda particular. A vós tocam a escolha e as possibilidades; mas, para os demais,
rogo-vos, sede caritativos; pensai que não podeis compreendê-los; não conheceis
seu passado, e tampouco podeis julgar o seu futuro; eles são uma parte de vós
mesmos: não digo que são vossos irmãos, e sim, insisto em que são uma parte de
vós mesmos.
A ideia de fraternidade é uma coisa imensamente grande, é perfeita identidade, e
no ideal teosófico, é o Eu único que reside no coração de cada forma; isto é, que vós
e eu somos Um.

43
Capítulo IV

O HOMEM PERFEITO

Existe na evolução uma senda a percorrer que precede imediatamente o objetivo


para o qual tendem os esforços da humanidade.
Percorrida esta senda, o homem, como homem, cumpriu o seu dever, ele
alcançou a perfeição, chegou ao fim de sua carreira. As grandes religiões deram
diferentes nomes a este homem perfeito, porém, seja qual for o nome, a ideia é
sempre a mesma. Pode chamar-se Mitra, Osíris, Krishna, Buda ou Cristo; é sempre o
símbolo do homem perfeito,
Este símbolo não pertence a uma só religião, nem a uma só nação, nem tampouco
a uma só família humana, nem é limitado pela linguagem de um só credo. O ideal
mais nobre e mais perfeito se encontra em todas as partes. Todas as religiões o
proclamam; todos os credos estão justificados nEle. Ele é o ideal que toda crença
busca, e da precisão com que esta ensine o caminho que conduz a ele, assim como a
luz que arroje sobre esta senda, depende a perfeição com a qual uma religião cumpre
a divina mensagem que lhe foi confiada. Este nome de Cristo, pelo qual o
Cristianismo designa o Homem Perfeito, é mais o de um estado do que o de um
homem. O pensamento do Instrutor cristão foi a esperança gloriosa do Cristo em nós.
O curso da evolução do homem conduz, com efeito, ao estado de Cristo, e com o
tempo, todos devemos realizar esta longa peregrinação.
Aquele cujo nome está no Ocidente acima de todos os homens, é um dos Filhos de
Deus, que alcançou o objetivo final da humanidade. Esta palavra tem simbolizado
sempre um estado, o de "Ungido do Senhor", que todos devem alcançar. "Olha em
teu interior; tu és Buda." "Até que o Cristo seja formado em vós." Tais são as frases
que foram utilizadas pelos diversos Instrutores.
Para se converter em um grande artista, não é por acaso necessário ouvir as obras
mestras das celebridades musicais, e engolfar-se nas melodias dos grandes mestres?
Assim deveríamos fazer nós, filhos da humanidade: caminhar com os olhos e o
coração abertos na incessante contemplação dos cumes onde permanecem os
homens perfeitos da nossa raça. O que nós somos, Eles foram; o que Eles são, nós
chegaremos a ser.
Todos os filhos dos homens podem fazer o que fez o Filho do Homem; vejamos,
pois, n’Ele a promessa do nosso triunfo. O desenvolvimento da divindade em nós é
apenas questão de evolução.
A evolução externa pode ser dividida em submoral, moral e supramoral. É
submoral quando a distinção entre o bem e o mal não é percebida, e quando o
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homem se entrega aos seus desejos sem escrúpulos; é moral quando se faz esta
distinção e ela se toma definida, mais absorvente, e quando o homem trata de seguir
a lei; e é supramoral, enfim, quando a lei externa é superada e a natureza divina dirige
seus veículos.
A condição moral reconhece a lei como um dique legitimo, como uma saudável
restrição: "Faça isto, evite aquilo." Assim, pois, o homem se esforça por obedecer a lei,
estabelecendo-se uma luta constante entre a natureza inferior e a superior. No estado
supramoral, a vida divina no homem encontra sua natural expressão sem direção
exterior. Um semelhante homem ama, não porque seu dever seja amar, senão porque
ele é amor. Ele age segundo as nobres palavras de um Iniciado cristão: "De modo
algum. segundo a lei ou a ordem da carne, e sim, segundo o poder de uma vida
infinita."
A moralidade é excedida quando o homem se encaminha para o Bem. Assim como
a agulha imantada se dirige para o Norte, do mesmo modo a divindade nele busca
sempre o que pode ser melhor para todos. Para um semelhante homem, já não
existem combates, porque a batalha foi ganha. O Cristo alcançou seu
desenvolvimento perfeito. Ele se converteu no Cristo triunfante, o senhor da vida e da
morte.
Este estado da vida de Cristo ou de Buda começa com a primeira grande iniciação.
O Iniciado se assemelha então a um "recém-nascido", ou algumas vezes é também o
"infante de três anos." O homem deve converter-se de novo em um "inocente
criança", para "entrar no reino dos céus." Quando atravessou este umbral, nasce
então para a vida do Cristo, trilha com seus pés "o caminho da cruz", e avança através
dos sucessivos portais da senda.
Chegado ao final de sua peregrinação, e definitivamente livre da vida limitada,
assim como dos laços da escravidão, morre no tempo para viver na eternidade, torna-
se consciente de si mesmo mais como vida do que como forma. Não há dúvida que no
começo do Cristianismo este estado da evolução foi reconhecido definitivamente
como o maior objetivo possível de todo cristão. Não estava São Paulo ansioso de que
o Cristo nascesse em todos os seus convertidos?
Só este versículo seu não demonstra que no ideal cristão o estado de Cristo era
tomado como uma condição interna, assim como o período final da evolução de todo
crente? Seria bom que os cristãos atuais o reconhecessem, pois então cessariam de
olhar a vida do discípulo, acabando no homem perfeito, como uma importação exótica,
no Ocidente, de um pensamento germinado nas longínquas terras do Oriente.
Este ideal faz parte de todo verdadeiro cristianismo espiritual, e o nascimento do Cristo
em toda alma cristã é verdadeiramente o objetivo do ensino cristão. O único objetivo de
toda religião é precisamente conduzir a este nascimento, e se acontecesse que este místico
se perdesse, o Cristianismo perderia com isso o poder de elevar até Deus aqueles que o
praticam.

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A primeira das grandes iniciações é, pois, o nascimento do Cristo, ou de Buda, na
consciência humana. Ser iniciado é exceder a consciência do eu, esta renúncia de todas as
limitações. Todo estudante de Teosofia sabe que, no estado de Cristo, isto é, no estado
entre o homem bom e o Mestre triunfante, há quatro graus de desenvolvimento. Cada grau
é marcado por uma iniciação que conduz cada vez mais a uma maior expansão da
consciência, a qual alcança os mais vastos limites abrangidos pelo corpo humano. A
mudança que se opera no primeiro grau é o despertar da consciência no mundo espiritual,
no mundo, onde a consciência se identifica com a vida e cessa de identificar-se com as
formas que a aprisionam.
Sua característica é um sentimento de súbita expansão e de radiação que transcendem
os limites habituais da vida e da certeza de um Eu divino e poderoso, que é vida e não
forma, que é gozo e não dor; o sentimento de uma profunda paz que sobrepuja tudo
quanto se pode sonhar no mundo. Com o abandono das limitações aumenta a intensidade
da vida; dir-se-ia que no regozijo de ter rompido as ligações que o aprisionavam, penetra
no interior de todas as coisas ao mesmo tempo, e percebe este sentimento de maneira tão
real, que toda vida na forma é como a morte e toda luz terrena como noite tenebrosa.
É de uma natureza tão maravilhosa esta expansão, que parece que a consciência se
reconhece pela primeira vez, pois tudo quanto tinha até então como consciência, é, após
este momento, considerado como inconsciência, em presença da vida que se revela.
A consciência do eu, cujo germe apareceu com a infantil humanidade, desenvolve-se,
cresce e expande-se sempre nas limitações da forma, crendo-se separada, sentindo
sempre o "eu", falando sempre de "si" e do "seu". Esta consciência própria sente de
repente todos os eus como o único Eu, e todas as formas como a sua própria forma.
O homem perfeito vê que estas limitações foram necessárias para a construção de um
centro de Subjetividade, no qual sua identidade possa persistir. E ao mesmo tempo sente
que a forma nada mais é do que um instrumento para o seu serviço, enquanto que ele
mesmo, consciência vivente, é uno com tudo quanto vive. Ele conhece toda a significação
desta frase tão frequentemente repetida, "a unidade da humanidade", e sente o que é
viver em tudo quanto vive e se move.
Esta consciência é acompanhada de um imenso gozo; esta alegria da vida que, ainda
em suas mais íntimas manifestações sobre a terra, constitui um dos êxtases mais
profundos que o homem conhece. Esta unidade não é somente o intelecto que a vê,
porém é sentida como satisfazendo a sede de união conhecida por todos aqueles que já
amaram. Esta unidade é sentida dentro e não fora; não é uma concepção, é uma vida.
Quantas páginas antigas têm simbolizado este nascimento do Cristo no homem, figurando
sempre as mesmas imagens, e contudo, quão grosseiras e insuficientes são todas estas
palavras elaboradas no mundo das formas, quando são trazidas do mundo da vida!
Portanto, a criança deve converter-se no homem perfeito, e para chegar a isto, tem que
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realizar muitos trabalhos, sofrer muitas angústias, afrontar dores, vencer obstáculos, antes
que o Cristo, débil criança no berço, alcance a estatura do homem perfeito.
É mister ele viver uma vida trabalhosa em meio dos homens seus irmãos; fazer
frente ao ridículo e à desconfiança, e afrontar o menosprezo com que foi recebida
sempre sua mensagem divina; deve sofrer a agonia do desterro, a paixão na Cruz, e
ainda a obscuridade no túmulo,
Tudo isto se apresenta ante o neófito no estado em que acaba de entrar.
O discípulo deve aprender, por meio de uma prática contínua, a assimilar a
consciência do outro, e vencer a "heresia da separatividade", heresia esta que o faz
ver os demais como separados dele. A consciência deve crescer por uma prática
diária, até que seu estado normal se converta naquilo que sentiu no momento de
sua primeira iniciação.
Com este objetivo, em sua vida cotidiana ele se esforça por identificar sua
consciência com a das pessoas que dele se aproximam; esforça-se por sentir tudo
quanto os outros sentem, por pensar o que os outros pensam; por se regozijar com
suas alegrias e sofrer com seus sofrimentos.
Gradualmente desenvolve a simpatia perfeita, uma simpatia capaz de vibrar em
harmonia com todas as cordas da lira humana. Aplicar-se-á a responder a todas as
sensações como se fossem suas, por elevadas ou baixas que sejam. Pouco a pouco
se identificará com todos, e sempre em todas as circunstâncias da vida. Deste modo
aprende a lição das lágrimas, assim como a da felicidade, e isto não é possível senão
quando sua consciência tiver excedido a do eu separado, quando nada pede para si;
quando compreendeu que não deve viver daí em diante senão a única e verdadeira
vida, a vida do Todo.
O neófito trava sua grande batalha quando chega a hora de desprender-se de
tudo quanto até então constituía sua vida, sua consciência e sua realidade. Quando
chega a hora de caminhar só, nu, devendo deixar de se identificar com qualquer
forma.
Aí aprende a lei da vida, a única pela qual a divindade interna pode manifestar-se;
a lei que é a antítese de seu passado. A lei da forma consiste em tomar, enquanto
que a lei da vida consiste em dar. A vida cresce ao derramar-se através das formas
que a contêm, e é alimentada por um imenso manancial de vida que está no Coração
do Universo. Quanto mais a vida se verte para o exterior, maior é a afluência no
interior.
Ao jovem Cristo parece-lhe no primeiro momento que toda a vida o abandona,
que suas mãos ficam vazias depois que deu seus dons a um mundo ingrato. A vida
eterna não vibra nele a não ser no momento em que a natureza inferior é
inteiramente sacrificada; o que se assemelhou à morte, é agora nascimento, a
expansão de uma vida mais intensa. Deste modo se desenvolveu a consciência
durante todo o percurso da primeira parte da senda, a primeira etapa.

47

Mais tarde, aparece ante o discípulo o segundo portal da Iniciação, simbolizado nas
Escrituras cristãs pelo batismo do Cristo. Então, enquanto se acha submerso nas
águas das angústias do mundo, o rio aonde desce cada salvador para receber nele o
batismo, uma nova onda de vida divina do Pai encontra nele Sua mais ampla
expressão.
Sente iluminar a sua consciência com a vida da mônada, "seu pai que está no
céu", e compreende que é uno, não apenas com os homens, mas também com seu
Pai celestial Sente que não vive na terra senão para ser a expressão da vontade do
Pai, e Seu veículo manifestado.
Seu ministério acerca dos homens se converte desde então num fato tangível em
sua vida. Ele é o filho que todos os homens devem escutar, pois a vida oculta flui de
seu ser em ondas, e ele se converteu no centro por meio do qual esta vida divina pode
manifestar-se no mundo exterior. Ele é o sacerdote do Deus do mistério, é o Deus
revelado que se adianta com radiante e gloriosa face, refletindo a Luz Divina que
brilha em seu santuário.
Neste momento começa a tarefa do amor, simbolizado em sua expressão externa
pela ardente sede de curar e ajudar. As almas que ansiam vida e luz, amontoam-se ao
seu redor, atraídas pela sua forca interna, assim como pela forca divina manifestada
no filho eleito pelo Pai.
As almas famintas vêm até Ele, e Ele as alimenta. Acodem a Ele as almas devoradas
pelos pecados, e o seu divino verbo as sara. As almas cegas pela ignorância o buscam,
e também a sua sabedoria as ilumina. Os abandonados e os pobres, os desesperados
e os envilecidos acorrem a Ele do mesmo modo, sem experimentar o menor
sentimento de separatividade.
Eis aí um dos sinais de um Cristo em seu ministério. Os desvalidos sentem a forca
atrativa de uma simpatia que a nada nem a ninguém recusa, pois a bondade irradia de
todo o seu ser, e o amor, o amor que tudo compreende, ilumina ao seu redor. Os
ignorantes são sabem que têm diante de si um Ser que se encaminha para a
Divindade. No entanto, sentem o poder que eleva e a vida que anima; respiram em
sua atmosfera uma nova forca e uma nova esperança.


Mas ei-lo ante o terceiro portal, que o conduz a um novo estado de progresso. Uma
vez transposto este portal, o neófito experimenta um curto intervalo de paz, de glória,
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de iluminação, simbolizado nas Escrituras cristãs pela Transfiguração. Este é um ponto
alto em sua vida, um curto repouso em seu serviço ativo, uma viagem à Montanha
donde surge a paz celestial. Ele está ali, ao lado daqueles que o ajudaram em sua
jornada para a Divindade, para essa divindade que por um momento brilha com toda
a sua transcendente beleza.
Durante esta trégua lhe aparece o seu porvir: uma série de quadros se apresentam
sucessivamente ante sua vista; vê os sofrimentos que o esperam, assim como a
soledade do Gethsemane e a agonia do Calvário. Então dirige seus olhos para
Jerusalém, para a noite na qual vai submergir-se por amor à humanidade.
Compreende que, se quer alcançar a perfeita realização da unidade, deve passar pela
quintessência da solidão. Embora consciente até aqui de sua crescente vida, sempre
lhe pareceu que vinha do exterior; mas agora vai compreender que o centro dessa
vida está nele próprio. Efetivamente, é na solidão do coração que sentirá a verdadeira
unidade do Pai e do Filho. Unidade interna e não externa, Para que isto aconteça,
perderá até a visão de seu Pai; todo contato com os homens e mesmo com Deus deve
cessar, para que em seu próprio espírito possa encontrar o Ser Uno.
Enquanto se aproxima a hora sombria, o novo Cristo se sente cada vez mais
intimidado, pois todas as simpatias humanas que acreditara ter adquirido por sua vida
e seus serviços passados, o abandonam; e no momento mais crítico, quando busca ao
seu lado uma amizade que o conforte, aqueles que mais amou jazem submersos
numa letárgica indiferença. Então lhe parece ter-se rompido todo laço humano; que
todo o amor humano não passa de um sarcasmo, e uma traição toda fé humana.
Então penetra em si mesmo e reconhece que só lhe resta o laço com o Pai que está no
céu, e que lhe é inútil toda ajuda humana. Diz-se-nos que durante esta solidão a alma
está cheia de amarguras; que rara vez se atravessa este abismo do vazio sem exalar
um grito de angústia. É então que a agonia arranca esta exclamação de reprovação:
"Não podeis permanecer uma hora comigo?" Mas nenhuma mão o humana pode
apertar as suas neste Gethsemane de desolação.
Quando se atravessa esta noite de desamparo, e apesar da subjugação da natureza
humana, bebendo do cálice que lhe foi oferecido, sobrevém a mais negra noite nesta hora
sombria; um abismo parece abrir-se entre o Pai e o Filho, entre a vida encarnada e a vida
infinita.
No Gethsemane, privado de toda amizade humana, a divina presença do Pai constituiu
para ele toda uma realidade, mas posteriormente esta presença se vela e o Cristo fica só na
Cruz. Esta é a prova mais amarga do Iniciado; perdeu toda a consciência de sua divindade, e
a hora da tão esperada vitória se converte na hora da mais profunda ignomínia.
Todos os inimigos que o rodeiam, triunfam; abandonam-no os seus amigos e aqueles
que o amavam; sob seus pés desapareceu o auxílio divino; bebe até a última gota o cálice
da solidão e do isolamento; nenhum contato com o homem nem com Deus vem estender
uma ponte no vazio onde está suspensa a impotente alma. Então, deste coração que
sangra, isolado de todos, e ainda do Pai, escapa um grito de angústia: "Deus meu, Deus
meu! Por que me abandonaste?".
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Por que deve ele experimentar esta última prova, este último suplício, esta ilusão, a
mais cruel de todas? Ilusão, em verdade, pois o Cristo moribundo é, de todos os homens, o
que mais próximo está do Coração Divino. Isto acontece porque é preciso que o Filho saiba
que é uno com o Pai a quem busca, porque deve encontrar seu Pai não somente nele, mas
também deve reconhecê-Lo como o seu mais profundo Eu.
Quando sabe que o Eterno é ele mesmo, e que ele mesmo é o Eterno, só então se
elevou para sempre acima da consciência da separação; então, e somente então, pode
efetivamente ajudar a sua raça e converter-se numa parte consciente da energia
elevadora.


Eis aqui, por fim o quarto portal. O Cristo triunfante, o Cristo da ressurreição e da
Ascensão sentiu todas as amarguras da morte, conheceu todos os sofrimentos humanos e
os superou pelo poder de sua própria divindade. Quem poderá agora, no futuro, perturbar
a sua paz? Quem poderá fazer cair suas estendidas mãos para ajudar os homens?
Enquanto palmilhou com seus pés a senda estreita, aprendeu a ser o receptáculo da
corrente das misérias humanas, e a devolve-Ias como correntes de paz e felicidade. Este era
então o seu trabalho; isto fazia então parte do domínio de sua atividade, que consistia em
transmutar as forças discordantes em forças harmônicas.
É preciso que agora empregue estas forças em beneficio do mundo, em beneficio desta
humanidade da qual ele é a florescência. Deste modo o Cristo e os discípulos, cada um em
proporção de seu adiantamento, protegem e ajudam o mundo. Quão mais encarniçadas
seriam as lutas, quão mais desesperados os combates da humanidade, sem a presença aqui
embaixo daqueles cujas mãos sustentam o pesado Karma do mundo!
Mesmo aqueles que começam apenas a pôr os pés na senda estreita, convertem-se nas
forcas que ajudam a evolução, como o são desde logo todos os que trabalham sem egoísmo
em benefício dos demais, se bem que em grau menor que o primeiro, cuja ação é contínua
e deliberada. Ele é o Sábio, e sua sabedoria nos toma todos mais sábios, pois sua vida
circula nas veias dos homens e está em todos o corações. Ele não está ligado a nenhuma
forma, nem tampouco separado de ninguém. Ele é o homem ideal, o homem perfeito; cada
ser humano é uma célula de seu corpo, e cada célula é alimentada por sua vida.
Teria em verdade valido a pena sofrer as angústias da Cruz, depois de sua penosa
marcha na Senda que conduz a árvore da vida, se não houvesse mais que procurado
ganhar sua própria salvação ou seu repouso? Quantos sacrifícios para um ganho
semelhante! Quantos amargos combates por um tal preço! Não, não; em seu triunfo a
humanidade inteira triunfa; a senda se tornou mais curta para todos aqueles que a pisam;
na evolução da raça inteira avançou e a peregrinação de cada homem se tornou mais
curta.
Este é o pensamento que o inspirou no combate mais intenso, o que susteve suas forcas
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e adoçou sua amarga angústia. Todos os seres, dos mais débeis ao mai degradados e mais
ignorantes, estão mais próximos da luz quando um Filho do Altíssimo termina Sua
ascensão. A evolução será tanto mais rápida quanto maior for o número destes Filhos de
Deus que houverem se elevado triunfantes e entrado na vida consciente e eterna. A roda
que eleva o homem até a divindade girará mais depressa quando um número maior destes
homens chegar a ser consciente e divino.


Eis aqui a forca que estimula e deve atuar naqueles entre nós que em suas horas
inspiradas tem sentido o poder de atração da vida divina de difundir-se em todas as
direções por amor aos homens,
Pensemos nos pesares do mundo que sofre sem saber porque; na miséria, rio desespero
daqueles que ignoram porque vivem e morrem, e que dia após dia, ano após ano, veem cair
sobre eles o sofrimento sem que encontrem a razão de ser do mesmo; que lutam com a
energia do desespero, ou se rebelam com furor contra condições que não podem
compreender nem justificar.
Pensemos na agonia que constitui a sua herança engendrada por sua cegueira, e na
obscuridade em que se agitam sem esperança, sem aspirações, sem o conhecimento da
verdadeira vida e da beleza que se oculta atrás do véu, Pensemos nos milhões de nossos
irmãos submersos na noite; nós podemos ajudá-los a dar um passo para a luz, mitigar seus
sofrimentos diminuir sua ignorância, abreviar seu caminho para aquele conhecimento, que
é luz e vida.
Quem é aquele dentre nós que, sabendo tudo isto um pouco não se daria todo,
inteiramente, àqueles que não sabem nada? Pela Lei imutável, pela Verdade invariável,
pela vida infinita de Deus, sabemos que a divindade está em nós, e que mesmo que na hora
atual desconheçamos todo o seu valor, suas possibilidades, no entanto, são infinitas e estão
sempre dispostas para elevar o mundo.
Quem é, pois, dentre nós, capaz de sentir as pulsações da vida divina? Quem não será
atraído pela esperança de ajudar e abençoar? E esta vida não foi sentida senão por um
momento se ainda não nasceu mais que uma só vez no coração, não duvidemos que este
coração encerra o poder que será a vida do Cristo; que talvez esteja próximo dia do
nascimento do Cristo menino; e que este coração que começa a vibrar, talvez assinale a
florescência da futura humanidade perfeita .

51
Capítulo V

A MORTE, UMA ILUSÃO!

Há no drama de Hamlet uma inconsequência notável entre outras coisas


extraordinárias: é quando no começo da peça nos afirma que a morte é a "fronteira
que nenhum viajante volta a transpor". A própria peça nada mais é que um
encaminhamento para a prova definitiva da morte de que um espectro, tendo de
atravessar de novo essa fronteira, fora o primeiro que revelara a sua existência.
Contradições análogas no tocante à crença numa outra vida e à possibilidade de se
comunicar com outros mundos, a dúvida e superficialidade da opinião da maioria das
pessoas sobre essa matéria, tudo isso se encontra em nossa vida moderna. Embora se
pretenda, por vezes, que o Cristianismo, mais do que qualquer outra religião,
contribuiu para tomar certa a existência da vida do além-túmulo, não é menos exato
que entre os cristãos as concepções são, a este respeito, bem mais vagas do que entre
os povos não cristãos de hoje e de outrora.
Na Roma antiga, como muitos de vós hão de saber, consentia-se em emprestar
dinheiro contra garantias válidas no Além, e creio que com isso não se poderia dar
melhor prova da crença absoluta na continuidade da pessoa humana. Muitos povos
alimentam hoje completo desprezo pela morte. Na Índias a viúva se recusa a casar-se
novamente, porque considera que a morte não dissolve o laço conjugal. Do seu ponto
de vista, é bigamia o casamento de uma viúva. Outros povos também nutrem esta
certeza numa vida suprafísica, e creem que no Além as pessoas continuam a ser
exatamente o que foram neste mundo: com as mesmas paixões, as mesmas afeições,
os mesmos laços, as mesma obrigações de uns para com outros.
Por que motivo, então, em nossos dias, entre povos civilizados que se jatam de
que a sua religião lhes dá a certeza da vida post-mortem, se tomou esta crença
praticamente impotente para influenciar suas vidas? Por que motivo se tornou tão
vaga e nebulosa? Por que é que, a julgar pelo que e a melhor pedra de toque de que
uma crença só é viva quando pode influenciar a conduta, por que é que esta crença
se enfraqueceu?
Creio que a principal razão disso é a maneira irracional como, durante séculos, o
Cristianismo nos tem feito encarar essa outra vida. Em minha opinião, a ideia de que
a eternidade nos era determinada por alguns acontecimentos, muitas vezes tão
insignificantes, da curta existência compreendida entre o berço e o túmulo, não
contribuiu para nos fazer alicerçar qualquer concepção de uma vida futura. Todavia,
outrora esta crença foi bem real. Sem dúvida, alguns de vós se recordarão de
pregadores cristãos que, para descrever pormenorizadamente as alegrias do paraíso

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ou os terrores do inferno, se serviam de metáforas que hoje seriam acolhidas com
indignação ou desprezo, conforme fosse o auditório.
Lembrai-vos, por exemplo, daquele escritor Ou antes desse pregador calvinista
dos mais eloquentes que, querendo dar uma ideia da eternidade das penas do
inferno, dizia aos seus ouvintes que imaginassem uma imensa montanha de grãos de
areia amontoados, da qual uma ave de mil em mil anos levasse um grão de areia no
bico, até desaparecer a montanha. Pois bem - acrescentava o pregador - qualquer
que seja o tempo que fosse necessário para isso, sempre seria menor que a duração
das penas do inferno.
Quem poderia admirar-se de uma revolta da consciência humana contra tão
abominável doutrina? E o fato é que ela foi pregada! Mas hoje seria impossível pregar
um tal sermão, pelo menos a um auditório culto, o que prova não serem mais
admissíveis essas velhas crenças. Mas os homens, não sabem como substituir o que
não mais podiam crer, ficaram em dúvida. Essas coisas já não lhes diriam nada;
sentiriam muito bem que não era assim tão maus para permanecer eternamente no
inferno, nem tão bons para uma permanência eterna no paraíso. As concepções
irracionais que se lhes ofereciam, enfraquecera na maioria deles qualquer crença
numa vida futura, e muitos diziam mesmo: "Em suma, nada - se pode saber a esse
respeito. Façamos o melhor que pudermos neste mundo, que tudo se arranjará no
outro".
Eis o que comumente se ouve dizer a pessoas virtuosas, ponderadas, porém, que
se sentem incapazes de substituir uma crença a que se têm sujeitado, por uma
concepção racional da vida futura. Mas é, em verdade, impossível saber-se algo, ou,
bem ao contrário, pode-se desde já conhecer os fatos ante os quais todos se
encontrarão no futuro? Porque se há uma coisa de que possamos estar certos, é que
havemos de morrer todos. É, mesmo, a única coisa de que não podemos escapar, o
único futuro de que estamos absolutamente certos.
Pois bem, hoje, como outrora, afirmam-nos que é em verdade possível adquirir o
conhecimento desses outros mundos, igualmente como se adquire conhecimento dos
países estrangeiros, percorrendo-os e observando o que neles se encontra. E para
isso ao mundo moderno se oferecem dois métodos: um fácil, mas transitório, e o
outro difícil, porém que se toma cada vez mais satisfatório à medida que o
experimentamos. O primeiro é o preconizado por nossos amigos espíritas, e o outro
o é pelos teósofos. Examinemos esses dois métodos, e vejamos um pouco em que
diferem, antes de vos explicar detalhadamente os métodos de investigação
teosóficos e os resultados obtidos por seu intermédio.
Como vos disse, o método dos espíritas é relativamente fácil; não exige dos que o
querem empregar, nenhum modo de vida especial, nenhuma espécie particular de estudo.
É feito para as pessoas, e não por elas. Consiste em tomar por intermediários indivíduos de
certa categoria, os quais, graças a uma constituição física especial, podem servir de ligação
entre este mundo e o outro. Esses intermediários se chamam médiuns, através dos quais se
fazem as comunicações. Estabelece-se essa comunicação quando uma pessoa, o médium,
abandona o seu corpo para permitir que outro o ocupe, ou quando a entidade
53
desencarnada volta ao mundo que abandonou, por meio da materialização,
Para o primeiro caso, que consiste em sair do corpo e deixá-lo ser ocupado por outro,
há numerosos fatos, não apenas espíritas, mas também científicos, que provam que um
mesmo corpo humano pode ser empregado por mais de uma entidade. Os casos de dupla
personalidade, hoje estudados pelos psicólogos, contribuem de maneira notável e
interessante para nos fazer compreender as diferentes maneiras como pode ser habitado;
como um mesmo corpo pode ser ocupado por mais de uma entidade. Mas aceitando esse
fato como comprovado, há tantas provas de que o corpo é por vezes também possuído por
entidades desencarnadas, que nenhum daqueles que cuidadosamente estudaram os fatos
dirá que todos os fenômenos espíritas sejam devidos a fraudes, embora não se ignore que
há os fraudulentos. Todos aqueles que estudaram longa e atentamente esse assunto,
sabem que, mesmo pondo de lado os casos duvidosos, resta um pequeno número de fatos
que absolutamente não se pode negar.
Eu não sou espírita, mas considero ser justo reconhecer o valor do trabalho
empreendido pelos espíritas para demonstrarem a sobrevivência do ser humano no outro
lado da morte, e isto apesar do ridículo, das ameaças, das perseguições da polícia, e de
todas as armas de que a ignorância humana possa servir-se. Continuaram com
perseverança a acumular provas, e levaram assim, em todo o mundo, muitos sábios
célebres e admitir o que haviam negado durante tanto anos. É à coragem dos espíritas que
se devem tais provas. E ainda hoje não há melhor prova do que as investigações psíquicas,
para o materialista endurecido que não possa ser convencido senão pelo testemunho dos
sentidos.
Se faço objeções a essa espécie de investigações, não é porque sejam sempre
enganadoras, mas, sim, porque os desencarnados que assim vêm comunicar, muito
raramente são pessoas capazes de dar indicações claras e completas. São na maioria
desencarnados que ficaram muito próximos da terra que abandonaram. Nem todos, mas
em grande maioria, não dão provas de uma grande inteligência, nem de um vasto
conhecimento das condições da vida no Além. As suas afirmações, ainda que às vezes
interessantes, não são nem completas nem detalhadas, salvo num ou noutro caso, que se
destaca nitidamente do resto dos ensinamentos. Considero, pois, a contribuição do
espiritismo no conhecimento da outra vida, como tendo um caráter muito limitado e não
absolutamente convincente do próprio fato da vida póstuma. Além disso, tenho a objetar a
diminuição de vitalidade que essas práticas acarretam aos médiuns, e o mal que
frequentemente isso lhes faz.
Evidentemente, se não houvesse outro método de informação, não nos poderiam
censurar por servir-nos deste, mas uma vez que existe outro melhor e mais seguro, é este
que quero indicar à vossa atenção. Esse método consiste em utilizar a nossa natureza
espiritual para nos pormos em contato com aqueles que deixaram o corpo físico. Se somos
espíritos no outro lado da morte, também o somos neste lado. Se a nossa natureza
espiritual pode passar deste mundo para aquele, essa mesma natureza espiritual pode
afastar-se temporariamente deste mundo para ir estudar no outro, e ser capaz de voltar a
este mundo. Este é o método que no passado adotaram os grandes Instrutores. É o
método que as religiões antigas e modernas reconhecem ter sido seguido pelos seus
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próprios Instrutores, os grandes Seres que vieram ensinar a religião aos homens de então.
Como esse método se baseia na natureza espiritual, que é a mesma em todos nós, só
depende de cada um de nós empregá-lo nas mesmas investigações. Repousa no fato de
que somos espíritos revestidos de vários corpos; de que esses corpos estão, mesmo neste
momento, em contato com outros mundos, tanto quanto com o físico, e de que é possível
treinarmos os corpos físicos e psíquicos de maneira a poder trabalhar como inteligência
viva no corpo psíquico, tão bem quanto no corpo físico, e estudar pessoalmente os mundos
situados do outro lado da morte.
Foi assim que se empreenderam as investigações teosóficas. Visto sermos inteligências
espirituais, não temos necessidade, para saber o que se passa do outro lado, esperar que a
morte nos liberte de nosso corpo físico. Este deve ser uma morada e não uma prisão; a
chave deve estar em nossas mãos e não apenas nas mãos da morte. Eis o que tantas vezes
se proclamou, tantas vezes se verificou, e em que basearei o que vou dizer-vos sobre essas
investigações. Não tenciono dizer-vos outra coisa senão aquilo cuja exatidão eu possa
certificar-vos ter constatado por mim própria. Temos o hábito de verificar por várias vezes
o que cada um de nós observou, de sorte a termos testemunhos suficientemente
numerosos para poder afirmar aquilo que dizemos desses outros mundos.
Começarei, pois, pela afirmação de que é possível abandonar o corpo e a ele voltar.
Talvez acheis isto extraordinário, e contudo é o que todos fazeis todas as noites. Todas as
vezes que dormis, abandonais o vosso corpo, e no entanto permaneceis uma inteligência
desperta. Este fato está sendo cada vez mais reconhecido pelos sábios que utilizam o
processo chamado transe, e que outra coisa não é senão uma forma de sono, durante o
qual o corpo físico fica em verdade insensível, porém o qual, fundamentalmente, não
deixa de ser um sono. Provou-se de maneira irrefutável que é possível abandonar assim o
corpo e que, nestas condições, a inteligência desperta é muito mais ativa, muito mais
poderosa que nas condições físicas normais. E é deste fato, desta possibilidade de
abandonar o corpo sem perder a inteligência, que partimos para empreender as nossas
investigações.
Todavia, não é do estado de sono de que nos servimos, mas, sim, abandonando
voluntariamente o nosso corpo. Consegue-se fazê-lo mediante um treino, durante o sono
ou durante a vigília, e gradualmente se chega a ligar os dois estados, a abandonar o corpo
sem perda de consciência, e a trazer no regresso, para imprimir no cérebro, a recordação
do que se observou fora dele. Uma vez isto obtido, pode-se dar mais um passo e despertar
os sentidos psíquicos interiores, de sorte que depois de um certo tempo não seja mais
necessário abandonar o corpo para se servir desses sentidos. Aprende-se, assim,
gradualmente, a desenvolvê-los de maneira a ser senhor deles e a poder observar o Além,
permanecendo desperto no mundo físico.
Lembrai-vos de que o outro mundo não está afastado, porém está sempre em volta de
vós. Os amigos vossos que abandonaram o corpo, não partiram para um país longínquo;
eles estão perto daqueles que eles amam, e são visíveis para os olhos abertos que podem
ver a matéria sutil que reveste então a inteligência.
Digo, pois, que todos vós tendes um corpo feito desta matéria sutil, e que, graças a ele,
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possuís os sentidos que permitem ver esses corpos sutis. E se seguirdes o treinamento de
que vos falo, podereis, ficando conscientes das coisas deste mundo, examinar também as
coisas do mundo que chamamos Além, porém que na realidade está sempre perto de nós;
no mundo cujos habitantes estão conosco em toda a parte, e que pode tomar-se para nós
um mundo conhecido, e não mais apenas um mundo onde esperamos existir futuramente
Vejamos agora o que acontece quando uma pessoa abandona o corpo físico no
momento da morte Ai acontece exatamente aquilo que todos os dias acontece quando
adormeceis. Nenhuma dor acompanha esta partida, mesmo que haja sinais de
sofrimento físico. Não existe mais sofrimento ainda quando o corpo físico aparente,
por seus movimentos, um sofrimento que não mais existe. A inteligência que parte já
não sente as últimas convulsões do corpo moribundo; ela está, por assim dizer,
voltada para dentro, para a sua própria existência imortal, consciente do mundo que
se lhe patenteia e inconsciente do mundo que pela última vez abandona. Daqui o
dever, para aqueles que cercam o moribundo, de, na dor que lhes causa a separação,
não perturbarem o amigo que parte, manifestando-lhe a sua pena, porque isso o
impedirá de partir tranquilamente e o chamará por uns instantes aos sofrimentos
deste mundo.
A maioria das religiões prescreveu, sabidamente, orações para os moribundos, e
isto ainda mais para tranquilizar os vivos do que para os que passam para o outro
mundo. É certo que essas orações, como as orações pelos mortos, são mensagens
afetuosas que não se devem omitir. Na realidade não há morte; não é possível nada
que se pareça com cessação da vida, e não há razão para não orar por aqueles que
nos deixaram, assim como oramos por aqueles que estão conosco, porque, se são
invisíveis, não estão por esse fato afastados de nós.
Durante cerca de trinta e seis horas depois da morte, o homem permanece num
estado de consciência feliz, mas vago. Quero dizer com isto que ele não está
consciente do que seria deste mundo ou do outro lado; está antes perdido no que se
poderia chamar sonhos; não sofre e com isso sente alegria e satisfação. É como que
uma pausa entre as duas existências, e isto dura um tempo bastante breve. Após isto,
cada um passa por experiências que variam segundo o tipo da vida que acaba de
terminar.
A maneira mais cômoda de mostrar claramente as coisas, é estabelecendo uma
espécie de classificação daqueles que partem. Tomemos, pois, em primeiro lugar, o
tipo humano menos elevado: o selvagem, o criminoso nato, o homem de paixões
violentas e desregradas, cujos únicos prazeres foram a satisfação dos apetites do
corpo. Tendes aqui uma vasta categoria de seres humanos cujas experiências, é inútil
ocultá-lo, são de natureza dolorosa. Se se quiser refletir bem nisto, compreende-se
que não poderia ser de outro modo, num mundo onde a lei é imutável e o efeito
segue à causa de uma maneira infalível.
Que pode, com efeito, acontecer a um homem cujos prazeres estão ligados ao
mundo físico, quando o corpo lhe foge e cujas paixões subsistem sem que ele as possa
satisfazer? Que lhe pode acontecer a não ser desejar violentamente, e dolorosamente
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tomar a encontrar os prazeres desaparecidos, e ao mesmo tempo sofrer porque os
seus desejos não podem ser já satisfeitos? Que pode sentir um homem tal, senão o
desejo desenfreado de experimentar de novo as sensações que eram na terra o seu
único prazer, e uma viva decepção de se ver privado desses prazeres, que se
encontram agora fora do seu alcance?
Eis o que deu origem às histórias do inferno, que todas as religiões contam porém
cujos exageros o tornaram sem efeito. Lei é lei. O ébrio e o devasso, vitimas dos seus
desejos insaciáveis, não tendo já o corpo para lhes fornecer alimento, devem sofrer
do outro lado até que se extingam tais desejos. Não é um castigo; é uma
consequência inevitável; não é uma penalidade arbitrária infligida por um Deus
encolerizado, mas a aplicação da lei natural, benévola, mas justa, que quer que o
homem colha o que semeou, e que, graças a esta colheita, compreenda se as
sementes eram boas ou más. E vede o que distingue este inferno temporário (permiti-
me a expressão) do inferno eterno,
Num mundo regido por leis, o sofrimento é um remédio; por via dele a natureza
nos mostra o que não devemos fazer. As coisas que nos são nocivas, física, moral ou
mentalmente, são acompanhadas de sofrimentos, neste mundo ou no outro. O
devasso, depois de ter gozado algum tempo, paga os seus prazeres mesmo deste lado do
túmulo, porque arruína a saúde, e o corpo contém os vestígios dessa ruína. No outro lado
também colherá o sofrimento, porque não poderá já satisfazer os desejos que ele ainda
não subjugou. Mas, uma vez desaparecidos esses desejos, avançará, liberto do sofrimento
que era obra sua, porque, uma vez desembaraçado dos seus vícios, que se extinguem por
falta de alimento, cessa de sofrer.
E eis como o homem aprende quanto é mau, quando revestido da forma humana,
continuar a levar a vida passional do selvagem. Eis como ele aprende essas primeiras lições;
como fica sabendo que não vale a pena ser escravo de vícios, de paixões. É necessário que
ele agora os vença, por causa das condições em que se encontra, e os sofrimentos que
inevitavelmente ora suporta, tomá-lo-ão mais prudente no futuro.
Há também as pessoas de caráter brutal e violento; essas também aprendem ali a lição
que não quiseram aprender neste mundo. Notai que as antigas religiões ditavam ao
homem a sua conduta na terra, a fim de lhe evitar sofrimentos no Além. Recomendavam-
lhe, ordenavam-lhe mesmo, que quando chegasse à idade madura, abandonasse os
prazeres mundanos; que passasse mais tempo em refletir do que em divertir-se; que
consagrasse mais tempo ao estudo, meditação e oração, do que aos interesses materiais. O
homem poderia assim obter deliberadamente uma bagagem utilizável no outro lado, e
levar consigo puros sentimentos, nobres pensamentos, e ademais eliminando as paixões.
Além deste período de sofrimentos na vida póstuma, há por vezes outros sofrimentos
oriundos de uma causa facilmente evitável. O pensamento é muito mais poderoso do outro
lado do que deste, e as coisas em que aqui credes, tomam-se lá formas, forcas com que
entrais em contato. E assim é que as prédicas de um certo cristianismo estreito causam no
outro lado um verdadeiro mal, pelo terror que engendram, dando às vezes àqueles que as
escutaram, algumas hora e mesmo dias de sofrimento. Este sofrimento é causado em parte
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pelo medo, mas também em parte pelas coisas horríveis temidas neste mundo, as quais se
tornam ali realidades.
Ao nos ocuparmos dos habitantes do outro mundo, alguns de nós têm encontrado
alguns desses cristãos ignorantes, mas convencidos de que, tendo na terra acreditado no
inferno, estavam absolutamente horrorizados com o pensamento sobre a sorte terrível que
os aguardava na vida póstuma.
Contar-vos-ei um caso que vos mostrará como tudo isso pode ser real. Não se trata de
alguém que cresse no inferno, porém, de uma mulher queimada viva no camarote de um
navio. É fácil imaginar os sofrimentos desta criatura antes de morrer, quando ainda não
sabia que não poderia escapar, e que, vendo-se cercada de chamas neste solitário
camarote, tentava, como depois se pôde verificar ao encontrar-se seu corpo salvar sua
vida. Morrera sem disso se aperceber, num paroxismo de terror e agonia. Dois de nós a
encontraram no outro lado, envolta nas chamas que a sua imaginação havia criado, e por
consequência, sofrendo horrivelmente e aterrorizada pelo pensamento da morte. Tão
grande era o seu pavor, e tão violenta a sua agonia, que necessitamos de várias horas para
acalmá-la e conseguir persuadi-la a que olhasse em volta de si para certificar-se de que não
havia nada que lhe pudesse causar mal ou atormentá-la. Menciono-vos este caso particular
para que de qualquer maneira possais ver o mal que às vezes geram estas sombrias e
aterrorizadoras descrições do Além.
As pessoas que deixam este mundo alimentando pensamentos deste gênero, suportam
realmente, durante algum tempo, os sofrimentos que temem. Felizmente não durante
muito tempo, porque numerosos são aqueles que, no outro lado, trabalham
incessantemente para auxiliar os mortos, e fazê-los compreender que não têm razão em se
deixarem torturar por tal temor, agora que já abandonaram o corpo físico. Suplico, pois, a
todos aqueles que ensinam religião, que não se sirvam de semelhantes meios para Os
pecadores, porque estes criariam para si um inferno que à sua morte poderia fazê-los
sofrer, até que se lhes consiga mostrar não ser isso verdade, mas um efeito da sua
própria imaginação. Tantas inquietações, tantas dores inúteis têm sido causadas por
essas crenças, que não nos deve espantar que os que têm de reparar o mal no Além,
tentem de o impedir aqui, tanto mais que isso está em seu poder.
Os que partem subitamente para o outro mundo, quer por suicídio quer por
morte acidental, têm mais necessidade de que os auxiliemos. As altas inteligências,
que se chamam anjos, têm em parte por missão auxiliar e consolar aqueles que,
passando bruscamente de um mundo para outro, se encontram desterrados no
Além. É precisamente por causa do choque que esta partida repentina produz, que
na litania anglicana se ora: "Da morte súbita livrai-nos, Senhor".
Tenho ouvido alguns dizer que não podiam recitar esta oração com convicção, e
que lhes parecia bem mais preferível partirem repentinamente, sem se aperceberem
da aproximação da morte. Tal não é a opinião daqueles que conhecem as condições
do Além. É infinitamente preferível a doença, que permite que se afrouxem os laços
de prisão à vida, ao choque brusco causado por uma partida repentina. Porque, neste
caso, o ser humano chega no Além tão repentinamente que fica atordoado,
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perturbado, e não estando além disso preparado, sente neste novo mundo um
espanto que o aterroriza. A morte súbita não é, pois, desejável do ponto de vista de
todos aqueles que sabem, e essa antiga oração cristã é baseada num verdadeiro
conhecimento oculto.
Tem-se sido muitas vezes perguntado qual é a sorte do suicida. Não posso
responder esta pergunta de modo geral, porque depende da vida que o suicida
terminou, e não apenas do seu ato repentino, que na terra pôs termo à sua vida.
Quando alguém, que fez mal a outros, tenta, pelo suicídio, escapar às consequências
de seus atos; quando, por exemplo, se suicida para fugir às perseguições que alguns
desvios lhe provocaram, ou outros atos análogos, a sua vida do outro lado não será
certamente feliz, e isto mais por causa do mal que causou do que por causa do seu
ato matando o corpo. Quando um homem, por abuso de confiança, por atos
escândalos, espalha o sofrimento em volta de si e, para escapar às consequências dos
seus atos, suprime o corpo, não escapa absolutamente de nada. Do outro lado ele
assistirá, impotente, ao espetáculo da miséria que espalhou. Incapaz de auxiliar,
atormentado pela visão do mal de que é autor, ele, ao desembaraçar-se de seu
corpo, tornou-se mais infeliz, e vê todos aqueles que reduziu à miséria e que o cercam
com os seus pensamentos de cólera. Suprimindo o seu corpo, cometeu um ato
estúpido, não escapou a nada, e nada mais fez que intensificar o seu sofrimento.
Mas se se trata de um suicida que, em consequência de grande sofrimento ou
desespero, havia perdido o domínio de si próprio; de um homem que agiu
irrefletidamente e não premeditadamente, levado talvez por um acesso de aflição a
que não pôde resistir, então os resultados não serão naturalmente tão terríveis,
porque foi a dor e não o crime o que o levou a esse desatino. No entanto, em todos
os casos em que o corpo foi repentinamente abandonado, quer por suicídio quer por
acidente, o homem não estará morto no sentido usual da palavra, isto é, por ter
completado normalmente a sua vida terrestre, e por isso lhe é necessário continuar
esta mesma vida no outro lado. É a mesma vida terrestre, mas sem o corpo físico; o
homem fica, por assim dizer, ligado à terra, e não pode deixá-la antes de soar a hora
da sua morte natural.
É, pois, evidente que o suicídio é sempre uma loucura, pois ao invés de escapar às
dificuldades e aos sofrimentos, o suicida se coloca em condições ainda mais
desfavoráveis. Os únicos casos em que o suicida adormece tranquilo, são aqueles em
que a dor lhe tenha de fato enfraquecido a razão, e em que ele esteja imune de
responsabilidade moral no motivo do seu ato inconsiderado, pondo termo à vida.
O conhecimento das condições de além-túmulo mostra também quanto é
prejudicial a pena de morte. Não há nada mais absurdo, mais criminoso mesmo, do
que mandar legalmente um assassino para o outro mundo. Não só se lhe tira toda a
oportunidade de se corrigir, de se emendar, e de ser auxiliado, mas faz-se a coisa
mais estúpida e ridícula que se pode imaginar: liberta-se uma inteligência malfeitora
que, se ficasse neste mundo, poderia, pelo menos, ser impedida de ,fazer o mal. O
assassino preso já não pode causar mal, porém, se lhe tiram o corpo, como é que o

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hão de controlar no outro lado, onde continua vivo? São pessoas deste tipo que
deram origem às histórias de demônios que tentam os homens e os incitam a pecar.
Pois essas pessoas, furiosas por terem sido mortas, odiando a sociedade, desejando
ardentemente vingar-se, levam muitas vezes ao crime outras pessoas. Por isso não é
raro ver, após uma execução, surgir uma onda de crimes análogos àqueles que
determinaram a condenação do assassino, e isto no mesmo lugar.
Não é, pois, sem razão que os países que aboliram a pena de morte são
precisamente aqueles que contam menos crimes. A Suíça é um desses países, e os
assassinatos ali são muito raros. Punindo de morte o assassino, suscita-se o crime nas
redondezas do lugar onde o criminoso foi executado. É assim que o estudo das
condições post-mortem nos faz compreender a necessidade de uma reforma no
tratamento dos criminosos neste mundo.
Deixemos agora esta categoria inteiramente inferior, e passemos a examinar o ser
humano médio, homem ou mulher; o individuo que nada tem de elevado, porém que
também não é particularmente mau. São aqueles que encontramos às centenas e aos
milhares em volta de nós; aqueles que, fora do trabalho que é o seu ganha-pão, não
têm outros prazeres senão as corridas e os cafés concerto, cujos únicos gozos são Os
materiais; que nada fazem para estimular a sua inteligência ou satisfazer os mais
nobres sentimentos; que não têm senão divertimentos vulgares ou infantis, e só se
interessam pelo manejo do dinheiro. Ou tomemos essas mulheres cuja vida é tão
insignificante como a dos homens, e que não tem maior distração do que a toilette e a
ociosidade.
Que podem fazer no Além semelhantes pessoas? E em matéria de pensamento,
que lhes resta? Toda a sua vitalidade se passou no seu corpo físico; não se
interessaram senão pelas coisas materiais; não tiveram prazeres intelectuais nem
artísticos, nem nenhum sentimento elevado. A toilette, a moda, os jogos, eis as únicas
coisas por que se interessaram, porém, tais coisas não as acompanham no outro
lado.
No Além, essas pessoas não sofrem propriamente; levam uma vida triste,
monótona, miserável, até que a parte superior de sua natureza se desperte e mostre
um pouco de atividade. Para empregar uma expressão corrente, aborrecem-se. São
vistas vagar descontentes, aborrecidas, mal humoradas, lamentando-se. Na verdade
não sofrem, como há pouco vos dizia, mas acham a vida tão vazia que lhes parece
quase insuportável.
Ora, é útil conhecer antecipadamente estas coisas. Este conhecimento de nada
serve quando já se está no outro lado, mas se desde já se souber destes
inconvenientes, tornar-se-á mais fácil evitá-los. Basta limitar os divertimentos tal
como se limita o trabalho, e adotar alguns divertimentos que sejam de natureza a
não desaparecer com a morte. Não condeno os divertimentos; toda pessoa necessita
divertir-se, e principalmente aquelas cujo trabalho é particularmente duro e penoso;
para estas, os divertimentos dão um pouco de alegria à sua vida. Mas é
absolutamente necessário que os prazeres sejam tão profundamente estúpidos? Eis o
ponto a encarar.
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Tomemos a música para exemplo. A música desperta entre nós emoções que se
podem levar para o outro lado, e que ali podem ser utilizadas sob forma de prazeres
elevados. Por que não ter, nestas condições, música que eleve e não música que
deprima? Não precisa ser música muito difícil, música clássica, como a chamam, que
só ao músico interessa. Pode ser uma bela canção, um canto que exprima um
sentimento elevado, uma emoção pura, alguma coisa mais bela do que esses
estúpidos estribilhos de café concerto, que na verdade não são nem dignos de ser
ouvidos por pessoas dotadas de razão.
Entre aqueles que partiram, encontram-se muitos que ainda estão nas regiões
mais elevadas do mundo intermediário de que até aqui vos tenho falado. Há homens
que se interessavam por grandes coisas, que amavam o seu agrupamento, a sua
cidade, o seu país. Esses homens levaram consigo o poder de se tornarem úteis. O
homem de estado o político honesto que prestou serviços, o que amou o povo e se
esforçou por servi-lo, esse homem não se torna inútil por haver-lhe a morte tirado o
corpo físico. Nesse mundo superior ele pode servir ainda a causa que amava, insuflar
nos outros o entusiasmo que o fazia atuar. Conservou os seus gostos, as suas
faculdades, e pode ainda trabalhar pelos outros.
Organizai, pois, a vossa vida neste mundo, de maneira a fazer entrar nela algumas
preocupações mais vastas, algum cuidado pelo bem público, alguns pensamentos de
interesse geral. Cultivai um eu mais extenso que o do corpo físico, e quando fordes
para o outro mundo, ali vivereis uma vida ampla e não acanhada, enriquecida e não
empobrecida, e a vossa atividade, bem longe de ser afrouxada, será, pelo contrário,
intensificada. É neste mundo que edificais a vossa vida futura; é daqui que levais o
material com que haveis de construí-la.
Deixemos agora o mundo intermediário, e passemos para o mundo celeste, que é
o mundo do crescimento, da evolução acelerada. Todos os indivíduos vão até o
mundo celeste, mesmo os que são mais pobres em virtudes, os menos desenvolvidos
em inteligência. A categoria mais baixa de que vos falei no início, que teve de fazer
primeiramente a experiência do sofrimento, uma vez transposta esta etapa, chega ao
mundo celeste, onde permanecerá, é certo, muito pouco tempo. Não há, quer nos
sentimentos, quer nos pensamentos, a mínima semente de bem que fique perdida
para a alma que acalentou esses sentimentos ou esses pensamentos, e que não
encontre no outro lado da morte um terreno para germinar Ou florescer.
Também neste mundo celeste a vida estará em relação com a vida terrestre que a
precedeu. Ela será mais feliz, ainda que não igualmente feliz para todos, porque a
felicidade é determinada para cada um pela sua capacidade de gozá-la. Cada qual é
tão feliz quanto o possa ser, durante toda a sua vida no céu; cada qual goza sempre
de toda a felicidade de que é capaz, mas nem todos a podem sentir com a mesma
intensidade.
Primeiramente, todas as afeições deste mundo recebem no céu a sua plena
satisfação; nenhum laço de amor é rompido pela morte; nenhum laço de afeição
pode desatar-se no céu. Na terra o amor é muitas vezes contrariado, mas no céu ele
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alcança a vitória que não pôde assegurar-se neste mundo.
Tem-se-me perguntado, às vezes: "Reconhecer-nos-emos no céu? Encontraremos
lá aqueles que amamos?" Que seria o céu se não fosse o lugar onde se poderão
encontrar todos aqueles que se amaram na terra? Não, a cadeia de amor deve ser
completa, e ela o é de fato. A ninguém falta, a ninguém está ausente.
Refletindo por um momento, vereis como tudo isto é racional. Não é apenas o
corpo o que se ama; ama-se a alma imortal daqueles que neste mundo vos são caros.
Uma mãe ama o seu filho, mas esse filho muda continuamente, e do bebê que ela
tinha em seus braços se faz o homem que, na sua velhice, a ampara e consola. O bebê
e o homem feito são muito diferentes, e contudo é sempre o mesmo filho; e é esse
filho, e não o seu corpo, que ela ama com ternura, embora o corpo também lhe seja
caro, porque é o corpo do seu filho. Pois bem, esse filho estará continuamente com
ela no céu.
O mesmo acontece com todos os laços, mesmo aqueles que por vezes parecem romper-
se na terra. Aconteceu alguma vez vos separardes de um amigo, após um mal-entendido?
Afastou-se de vós algum amigo, depois de vos haver prodigalizado a sua afeição? Esqueceu-
vos um amigo, ou, o que é pior, pagou-vos ele com frieza o vosso amor, ou com ingratidão
os vossos benefícios? Tudo isso pouco importa. Continuai a amar aquele que deixou de vos
amar. Prodigalizai-lhe a vossa afeição, mesmo depois dele vos abandonar, porque no
mundo celeste alcançareis o amor daquele que pensavas haver perdido. Não quebreis o
laço, e esse laço vos reunirá no céu.
Todas as nossas emoções mais puras se identificam e desabrocham no mundo celeste. E
não somente o amor que une Os corações dos parentes e dos amigos, mas também o amor
da Humanidade, esse amor mais vasto e mais nobre que Se exprime pelo serviço e se
esforça por auxiliar e socorrer a raça. O amor do homem tantas vezes contrariado neste
mundo pela falta de meios ou de oportunidades, esse amor que aqui nutrimos, reaparece
no céu e ali se transforma em faculdade de servir. Tal é a maravilhosa alquimia celeste,
mediante a qual todas as nossas esperanças, todas as nossas aspirações se tomam os
materiais com que construímos a nossa natureza e evoluímos para a perfeição.
Disse-vos já que o pensamento é criador; ora, é no céu que esse poder criador atinge o
seu apogeu. Não há em nós nenhuma aspiração elevada, nenhum desejo, mesmo que seja
efêmero, de auxiliar e servir, que não encontremos nesse mundo para fazê-los entrar no
tecido da veste que envergaremos para servir na terra em nosso próximo nascimento. O
céu é o lugar onde havemos de colher o que semeamos neste mundo, e a colheita é
proporcional à riqueza e à natureza das sementes que plantamos. Se quisermos, pois, ter
uma vida celeste rica e fecunda; se quisermos progredir ali mais rapidamente do que neste
mundo, pensemos nobremente, e de maneira elevada; amamos puramente e com energia,
e todas essas experiências terrestres se transformarão no céu em faculdades e aptidões
novas.
Eis como o conhecimento da vida no Além nos ajuda a viver neste mundo. Não são
agradáveis ou vãs e inúteis imaginações. Neste mundo se semeia aquilo que se colherá nos

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outros. Quando se compreende isto, ou quando se começa a compreendê-lo, muda-se
também de vida e faz-se mais uma preparação para uma longa vida celeste.
Lembrai-vos de que a vida na terra é como o mergulho da ave que deixa por um
instante o ar livre do céu, em troca do oceano. A ave mergulha no oceano para tomar o
alimento de que necessita; igualmente, cada um de nós, nascido no céu e não na terra,
mergulha na vida terrestre e depois leva para a morada celeste a experiência que adquiriu
neste mundo. É para isto que serve a vida: terrestre: para dar a experiência que no céu
será transmutada em caráter e em faculdades, para semear as sementes da colheita que lá
se há de fazer, para tomar possível uma vida celeste fecunda, longa e gloriosa. Quando se
sabe isto, já não se deixa passar um dia sem semear alguma coisa para a colheita celeste.
A leitura de bons livros, que nos põem em contato com os grandes espíritos da
humanidade, a comunhão com aqueles que nos deixaram essa bela literatura do passado,
eis os laços que encontrareis no céu. Porque neste mundo só mui raramente se encontra
ocasião de conviver com os grandes homens, com os mais nobres pensadores. Mas durante
esta vida podemos escolher a sociedade que queremos encontrar no céu. Ao estudardes na
terra as obras de Platão, os escritos dos grandes pensadores da antiguidade ou dos grandes
autores modernos; os de um Emerson, de um Ruskin, por exemplo, criais laços que no céu
se consolidarão, e então tereis ali por mestres as grandes almas cujas obras tiverdes
estudado neste mundo, com amor.
Eis como.o céu e a terra estão ligados um ao outro. Eis como o conhecimento do futuro
nos permite fazer desse futuro o que quisermos que ele seja. Sendo os obreiros do
nosso próprio destino, nós podemos fazê-lo tal qual o desejamos. Mas lá nada se
pode começar; é aqui que se deve fazer o que do outro lado se há de continuar.
A medida que estes fatos se tornam mais reais, à medida que, mercê de
investigações reiteradas, de um estudo constante, descobrimos que estes mundos
estão todos ligados uns aos outros, não sendo mais que elos de uma única vida, que
continua sem interrupção, esta nossa existência se ilumina com a claridade dessa
outra vida mais bela, como a terra se ilumina com o brilho do céu.
Em realidade estais sempre no céu, graças à vossa natureza superior; somente os
ruídos da terra vos fazem surdos à sutil harmonia dos mundos celestes. Mas tudo isso
vos cerca incessantemente; os habitantes do céu se intrometem em vossa grosseira
vida terrestre, a música do céu vos envolve, a luz celeste brilha ao vosso redor. Sois
cidadãos do céu, que é a vossa pátria, apesar de não a verdes e de ficardes surdos às
mensagens que ela transmite à vossa alma. A vossa vida seria muito mais rica, mais
feliz, se somente quisésseis não mais prender-vos tão apaixonadamente às formas da
terra, mas contemplar as formas exteriores que pertencem à vossa verdadeira pátria,
ao vosso legítimo lar.
Certo instrutor respondeu outrora a seus amigos, que no céu lhe perguntaram o
que ele pensava da terra: "E um país feliz para quem pode esquecer a sua pátria. Mas
é um país ainda mais feliz para aqueles que não se esquecem de sua pátria, pois os
que conhecem mais de uma vida gozam de uma felicidade muito maior, muito mais
elevada".
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Todos os profetas que conheceram o céu e viveram na terra, todos os divinos
Reveladores que levantaram uma pontinha do véu e ensinaram aos seus discípulos as
realidades dessa vida mais vasta, dão testemunho da realidade da vida de além-
túmulo e do fato de ser ela uma continuação da vida deste mundo. Se estudardes a
vossa vida, se atentardes para as vossas faculdades, os vossos prazeres, as vossas
ocupações, podereis prever o que será a vossa vida no outro lado. Fazei-a, pois, o que
ela deve ser: uma vida penetrada da força da evolução, da certeza do progresso, do
esplendor das potencialidades divinas que jazem em vós.
Então a terra se tornará também o céu; os dois se unirão em vossa vida, e aqueles
que, ainda cegos pela terra, não conheçam essa glória, entreverão, graças à beleza de
vossa vida, uma parte das promessas da vida eterna. E fareis ouvir aos ouvidos
ensurdecidos pela terra algumas dessas melodias do céu, que se tomarão para vós a
música de vossa vida.

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