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Publicado em João Reis e Flávio Gomes (ogs.

) Liberdade por um fio (São Paulo:


Companhia das Letras, 1996), pp. 9-25.
INTRODUÇÃO: UMA HISTÓRIA DA LIBERDADE
João José Reis
e
Flávio dos Santos Gomes

A escravidão de africanos nas Américas consumiu cerca de 15 milhões ou mais de


homens e mulheres arrancados de suas terras. O tráfico de escravos através do Atlântico foi
um dos grandes empreendimentos comerciais e culturais que marcaram a formação do
mundo moderno e a criação de um sistema econômico mundial. A participação do Brasil
nessa trágica aventura foi enorme. Para o Brasil estima-se que vieram perto de 40 por
cento dos escravos africanos. Aqui, não obstante o uso intensivo da mão-de-obra cativa
indígena1, foram os africanos e seus descendentes que constituiram a força de trabalho
principal durante os mais de trezentos anos de escravidão. E esta penetrou cada um dos
aspectos da vida brasileira. Além de movimentarem engenhos, fazendas, minas, cidades,
plantações, fábricas, cozinhas e salões, os escravos da África e seus descendentes
imprimiram marcas próprias sobre vários outros aspectos da cultura material e espiritual
deste país, sua agricultura, culinária, religião, língua, música, artes, arquitetura...a lista é
longa e já estamos cansados de ouví-la.
Onde houve escravidão houve resistência. E de vários tipos. Mesmo sob a ameaça
do chicote, o escravo negociava espaços de autonomia com os senhores, ou fazia corpo
mole no trabalho, quebrava ferramentas, incendiava plantações, agredia senhores e feitores,
se rebelava individual e coletivamente. Aqui também a lista é longa e conhecida. Houve no
entanto um tipo de resistência que poderíamos caracterizar como a mais típica da
escravidão -- e de outras formas de trabalho forçado. Trata-se da fuga e formação de grupos
de escravos fugidos. A fuga nem sempre levava à formação desses grupos, é importante
lembrar. Ela podia ser individual ou até grupal, mas os escravos terminavam procurando se
dissolver no anonimato da massa escrava e de negros livres. Nestes casos, o destino podia
ser as cidades, onde não se estranhava a circulação de homens e mulheres de vários matizes

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raciais, que vieram a formar setores consideráveis, em muitas regiões até majoritários, da
população livre.
A fuga que levava à formação de grupos de escravos fugidos, aos quais
freqüentemente se associavam outros personagens sociais, aconteceu em todas as Américas
onde vicejou a escravidão. Tinha nomes diferentes: na América espanhola, palenques,
cumbes etc; na inglesa, maroons; na francesa grand marronage (para diferenciar da petit
marronage, a fuga individual, em geral temporária). No Brasil esses grupos eram chamados
principalmente quilombos e mocambos e seus membros quilombolas, calhambolas ou
mocambeiros.
O fenômeno do aquilombamento tem sido bastante estudado em todo continente
americano, embora a qualidade e a quantidade dos estudos variem de lugar para lugar. Bem
estudados estão os quilombos da Jamaica e do Suriname, por exemplo, que conseguiram
celebrar tratados de paz com os poderes coloniais, adquirindo uma dose de autonomia que
os permitiu sobreviver até nossos dias. Por terem constituidos comunidades relativamente
independentes, esses quilombolas puderam ser estudados a partir de dentro, inclusive por
meio de fontes orais, a memória ainda viva de seus descendentes.2 No Brasil essa memória
não é absolutamente apagada, se consideradas as comunidades chamadas de remanescentes
de quilombos que realmente podem traçar seu passado a agrupamentos constituídos antes da
abolição em 1888.3 É o caso, nesta coletânea, do capítulo escrito por Euripedes Funes, que
em parte se baseia nas lembranças de remanescentes de quilombolas do Pará. Mas
infelizmente, para a maioria dos quilombos nas Américas, e no Brasil em particular,
dependemos exclusivamente de relatos escritos a partir de fora, amiúde escritos pela pena
de membros das forças repressoras. Mas embora a história contada através dessas fontes
seja problemática -- como bem o demonstrou Richard Price ao comparar documentos dos
colonizadores holandeses com a tradição oral saramaca e verificar divergências ao lado de
concordâncias --, nem por isso deve o pesquisador desistir de investigar a história dos
quilombos. O mais sensato é cumprir o beabá do historiador, lendo criticamente os
documentos, as circunstâncias e intenções dos escribas, o que se esconde nas entrelinhas,
explorar pequenos indícios, tentar mesmo ouvir os silêncios. Enfim, é aconselhável não se

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render aos documentos da repressão, mas usá-los como armas que podem abrir o caminho
para a história dos escravos em fuga.
Mas o problema de fontes é apenas um dos obstáculos. Há questões teóricas e
metodológicas talvez ainda mais importantes. Questões ligadas a temas, digamos, clássicos
na abordagem sobre o fenômeno em pauta. Entre esses temas, podemos listar: a) as
condições que estimulavam a fuga e a constituição de quilombos, como a natureza das
relações escravistas e uma geografia facilitadora da instalação e defesa de comunidades de
fugitivos; b) as táticas de defesa e repressão dos quilombos; c) a demografia, a economia, a
sociedade e as estruturas de poder dentro dos quilombos; d) as relações dos quilombos com
a sociedade envolvente; e) combinando vários dos aspectos anteriores, o tipo de sociedade e
cultura criado pelos quilombolas e a questão da continuidade e ruptura com experiências
trazidas da Africa. Quando dizemos que este último aspecto tem a natureza de síntese de
toda a problemática discutida, nos colocamos no âmago de uma discussão que tem
perseguido os estudos sobre quilombos nas Américas e no Brasil em particular.
É longa a lista de autores que estudaram os quilombos brasileiros, especialmente
Palmares. Já no final do século XVII, cronistas coloniais destacavam a resistência
quilombola e as dificuldades para erradicá-la, conforme mostra Silvia Lara nesta coletânea.
Ainda assim, este modo de luta escrava era principalmente ressaltado para enaltecer as
autoridades coloniais que a reprimiam. Palmares e outros quilombos seriam breves
capítulos da história militar do Brasil. Apesar de contribuições importantes, esse tratamento
pouco mudou durante o século XIX.4
Reflexões mais sistemáticas relativas aos quilombos iriam aparecer nos estudos
afrobrasileiros dos anos trinta do século XX. Em geral, seguindo os estudos fundadamentais
de Nina Rodrigues na virada do século, Arthur Ramos e Edison Carneiro adiantaram
interpretações com um viés culturalista dos quilombos brasileiros. Posteriormente a tarefa
foi retomada por Roger Bastide. Segundo essa corrente, a organização social dos
aquilombados era identificada a um esforço “contra-aculturativo”, uma resistência a
“aculturação” européia a que eram submetidos os escravos nas senzalas. R. K. Kent, um
africanista norteamericano, vai seguir pistas claras deixadas por Nina Rodrigues e Edison
Carneiro, procurando descobrir em Palmares um verdadeiro Estado africano no Brasil. É a

3
visão do quilombo como um projeto restauracionista, no sentido de que os fugitivos
almejariam restaurar a África neste lado do Atlântico. Uma interpretação também
restauracionista pode ser encontrada no importante estudo que Eugene Genovese fez da
revolta escrava nas Américas. Muitas vezes esses autores, sem querer, inspiraram uma
concepção popular de quilombo enquanto comunidade isolada e isolacionista que pretendia
recriar a África pura nas Américas. Seria uma espécie de sociedade alternativa à sociedade
escravocrata, onde todos seriam livres e possivelmente iguais, tal como teriam sido na
África, e uma África consideravelmente romantizada.5
Malgrado o esforço de alguns autores por documentar os sincretismos sociais e
culturais desenvolvidos nos próprios quilombos, e isso desde Palmares, subsistia nessas
interpretações um impulso básico de encontrar “africanismos” ou “sobrevivências”
africanas, método consagrado internacionalmente nos estudos das culturas afroamericanas
por Melville Herskovits.6 Em contrapartida, sugerimos que talvez fosse mais frutífero
investigar como os quilombolas continuavam em seus refúgios, com ritmo e meios
diferentes, a formação de uma sociedade afrobrasileira que havia começado nas senzalas.
Para a criação dessa nova sociedade decerto contribuiram fundamentalmente instituições e
sobretudo visões de mundo trazidas pelos africanos, os quais não eram tabula rasa sobre a
qual senhor, governo e Igreja coloniais inscreviam seus desejos de dominação. As trocas
culturais e as alianças sociais foram feitas intensamente entre os próprios africanos,
oriundos que eram de diversas regiões da África, além, é claro, daquelas nascidas das
relações que desenvolveram com os habitantes locais, negros e mestiços aqui nascidos,
brancos e índios. Em toda parte esse processo se deu, seguindo no entanto ritmos e criando
combinações que variavam de lugar para lugar na imensidão territorial que era o Brasil
escravocrata. É sobretudo para este processo de construção de novas instituições, culturas e
relações sociais que se deve voltar o estudioso, até para descobrir porque quilombolas e
escravos em geral escolheram manter certos aspectos de suas origens africanas e não outros,
e, assim, ao mesmo tempo em que africanizavam seu novo mundo renovavam o que da
velha África conseguiram consigo carregar.7 E para melhor entender este processo,
acreditamos ser importante que o historiador da escravidão, e em particular da rebeldia
escrava, investigue sobre a história dos africanos anterior à travessia do Atlântico.

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Desde o final dos anos cinqüenta do século XX, os estudos sobre rebeldia escrava
ganharam popularidade, paralelamente à ascensão dos movimentos de esquerda, num
primeiro momento, e dos movimentos negros, num segundo. Não queremos dizer que em
data anterior militantes de esquerda e da negritude não tivessem tratado ou se inspirado nas
lutas escravas. O próprio Palmares foi lembrado quando se formaram organizações negras
nas décadas de vinte e trinta, uma das quais, o Centro Cívico Palmares, fundado em 1927,
forneceria líderes e idéias para a Frente Negra Brasileira, na década seguinte. Ao mesmo
tempo, intelectuais marxistas da época, como Aderbal Jurema, escreveriam sobre revoltas
escravas como episódios da luta de classes no Brasil. E não devemos esquecer a ligação de
Edison Carneiro, estudioso de Palmares, com o Partido Comunista Brasileiro, razão porque
foi perseguido e encontrou refúgio no candomblé de sua amiga dona Aninha, a famosa
mãe-de-santo do Axé Opô Afonjá. Pode-se na verdade dizer que o socialista mestiço Edison
Carneiro teve dupla militância, na esquerda e no movimento negro, como atesta seu
empenho contra o racismo e a perseguição dos candomblés.8
Com Clóvis Moura, cujo Rebeliões da senzala seria publicado originalmente em
1959 pela editora Zumbi, os quilombos seriam revisitados através de uma perspectiva mais
estritamente marxista. Rico em material empírico reunido de fontes impressas, o livro
surgia num momento em que vários estudiosos, os mais conhecidos ligados à Universidade
de São Paulo, se esforçavam em combater a concepção de que tivemos no Brasil relações
escravistas em geral harmoniosas, uma velha idéia sistematizada por Gilberto Freyre no
início da década de trinta. Mas se nas análises revisionistas da chamada “escola paulista” --
leia-se Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni -- a resistência
escrava foi posta em plano secundário com o intuito enfatizar a coisificação do escravo,
Moura e posteriormente Luis Luna, José Alípio Goulart e Décio Freitas, entre outros, irão
privilegiar essa resistência. Os quilombos e revoltas passam então a figurar como assuntos
de destaque, embora sobrecarregados por uma tendência à discussão das táticas de guerrilha
e a interação entre os quilombos e outros movimentos políticos. A inclinação predominante
dessa historiografia era definir a resistência negra nos quilombos como a negação do regime
de cativeiro através da criação de uma sociedade alternativa livre. Retorna-se, então, por
outros meios, à tese da marginalização e do isolamento do quilombo, geralmente tomando

5
por base o modelo palmarino e apontando ao mesmo tempo a incapacidade dos quilombolas
de propor a destruição do regime escravocrata como um todo. Os rebeldes não teriam
alcançado o “nível” de consciência de classe necessário para dar este passo definitivo da
luta, assim como eram incapazes de decifrar as “leis” que supostamente regem as
transformações sociais. Não se admite um comportamento político e uma lógica de poder
específicos do escravo rebelde, a partir dos quais suas ações fossem analisadas. Em geral
adeptos de um evolucionismo mais ou menos disfarçado, esses autores substituem a
investigação dos sentidos que o próprio escravo emprestava a sua ações por uma
lamentação de que ele não alcançasse o sentido da História tão bem entendido pelo
historiador. Neste ponto, aliás, se encontra uma convergência desses autores com as teses
da “escola paulista”.9
Os poucos estudos mais recentes sobre quilombos e revoltas escravas, escritos nos
anos oitenta e noventa, não abandonaram a problemática cultural, nem a influência
marxista. Na verdade são, em muitos casos, herdeiros desses paradigmas, pois neles
encontramos tanto continuidade como ruptura em relação aos que vieram antes. No entanto,
em geral, renovaram a discussão do fenômeno porque desistiram da busca frenética de
sobrevivências africanas e ao mesmo tempo da rigidez teleológica do marxismo
convencional, atualizando o debate através de novas perspectivas da historiografia recente,
em particular aquela que vem inovando nas últimas três décadas os estudos da escravidão
dentro e fora do país. Estudos que, de resto, muito devem à renovação da historiografia
marxista, que procurou incorporar a seu universo de preocupações, via antropologia social,
os aspectos simbólicos e rituais da vida em sociedade, contextualizando-os historicamente.
Mas, acima de tudo --e ponha-se ênfase nisso --, reflete-se nesses novos estudos a
preocupação pela pesquisa documental, com a descoberta e análise de fontes manuscritas e
orais que ampliam bastante nosso conhecimento sobre quilombos em várias regiões do
Brasil, e apontam para uma complexa relação entre os fugitivos e os diversos grupos da
sociedade em seu torno.
Esta coletânea pretende representar uma amostra de como estão sendo estudados os
quilombos no Brasil. Os autores dos capítulos aqui publicados, felizmente, não fazem parte
de uma “escola” historiográfica única. A idéia que norteou os organizadores foi a de

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apresentar um quadro amplo das várias possibilidades interpretativas. Os leitores terão
oportunidade de detectar diferenças teóricas e metodológicas entre os diversos autores, que
em alguns casos mergulham nos mesmos fatos e até na mesma documentação para
emergirem com interpretações divergentes. Outra preocupação nossa foi tentar cobrir vários
períodos e regiões do Brasil, embora certamente ficaram de fora, por razões que nos
fugiram ao controle, importantes áreas escravistas, como por exemplo São Paulo.
A coletânea começa com o tema clássico dos estudos sobre quilombos brasileiros:
Palmares. Esta comunidade de escravos fugidos, a maior e talvez a que tenha sobrevivido
por mais tempo, é revisitada sob várias perspectivas. Abre a discussão o ensaio de Pedro
Paulo Funari que, após contextualizar histórica e historiograficamente o grande quilombo,
apresenta os primeiros resultados de sua pesquisa arqueológica na Serra da Barriga, onde se
supõe que ficava o mocambo de Macaco, capital dos Palmares. A arqueologia é uma
perspectiva nova de abordagem dos quilombos entre nós e promete revelar aspectos
impossíveis de serem abordados a partir da documentação convencional, manuscrita,
depositada em arquivos.10 Infelizmente, no estágio em que se encontram as escavações
ainda não se tem respostas definitivas para quase nada. Uma das hipóteses mais
interessantes levantadas por Funari em seu texto é que, baseado no tipo de cerâmica
encontrado, a presença indígena pode ter sido mais densa do que se considera. É sabido que
em Palmares viveram brancos, mestiços de vária estirpe e índios, além de negros africanos
e nascidos no Brasil. Mas teriam índios e caboclos representado uma parte substancial --
digamos trinta, quarenta ou mais por cento -- da população palmarina? Ou o que a cerâmica
revela são apenas influências indígenas sobre a cultura material dos negros palmarinos? E
esta cerâmica é palmarina ou pós-palmarina? A depender da resposta, as implicações
históricas podem ser importantes para redimensionar a interpretação africano-cêntrica do
famoso quilombo. Análises mais finas do material escavado, inclusive sua datação mais
precisa, poderão esclarecer mais a respeito de um quilombo sobre o qual, a rigor, sabe-se
verdadeiramente muito pouco.
Foi essa certa ignorância que levou o antropólogo e historiador Richard Price a
imaginar o que Palmares teria se tornado caso tivesse sobrevivido até nossos dias. Questão
ociosa, diriam alguns. Não para aquele autor, que dedicou boa parte de sua vida a estudar os

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Saramaka, um povo quilombola das florestas do Suriname que conseguiu celebrar a paz
com os brancos e chegar a nossos dias com uma língua, estruturas de parentesco e de poder,
enfim, cultura e identidades próprias. O exercício de imaginação do autor nos incita a
colocar outras questões aos documentos conhecidos sobre Palmares, como por exemplo o
processo de formação de uma cultura afrobrasileira no quilombo, ou as implicações do
famoso tratado de paz tentado por Ganga-Zumba em 1678. Foi através de um tratado desse
tipo que os Saramaka garantiram sua liberdade e sobreviveram para desenvolver uma
cultura crioula peculiar, a partir de um sincretismo principalmente pan-africano, com
destaque para sua nova língua e seus novos deuses.
No Brasil Deus estava contra Palmares. O poderoso Deus católico, esclareça-se.
Ronaldo Vainfas vai discutir esta opção divina, que no Brasil colonial entreteve diversos
letrados de batina que se dispuseram a pensar naquela comunidade quilombola. A rigor, os
jesuitas, dos padres os que mais escreveram sobre escravidão, não refletiriam diretamente
sobre Palmares. Exceção feita a Antonio Vieira, que em famoso parecer descartou a
possibilidade de uma missão pacificadora à serra da Barriga, cujos habitantes ele
considerava irredutíveis. Ele e outros jesuitas refletiriam sobre a própria escravidão,
afirmando-a, defendendo-a, inclusive praticando-a, mas recomendando reformá-la para
diminuir as chances de revoltas escravas da grandeza de Palmares.
As autoridades coloniais, entretanto, trataram de desenvolver medidas mais práticas
para evitar uma reedição do santuário palmarino. Silvia Lara faz uma detida análise das
estratégias de repressão a este quilombo e das estratégias posteriormente desenvolvidas para
garantir a paz nas senzalas. Foi neste contexto, de reflexão às vezes pânica sobre o que
ocorrera em Palmares, que surgiu e se desenvolveu a idéia de uma força especializada na
perseguição de escravos fugidos e na destruição de quilombos. Assim foi criada a
personagem nefasta do capitão-do-mato, uma instituição que amadureceu e se expandiu,
com variações e denominações regionais, ao longo do século XVIII. Produto do medo
senhorial da rebelião escrava, o capitão-do-mato se tornou indissociável da escravidão e
sobreviveu até o fim desta. A classe senhorial e as autoridades coloniais haviam aprendido
a lição de Palmares, que reprimido como um caso singular inspiraria a repressão plural,
disseminada, dos milhares de capitães-de-mato espalhados pelo Brasil.

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E como se estes homens de carne e osso não bastassem, os senhores e autoridades
coloniais lançariam mão de forças divinas. Este é o tema do capítulo de Luiz Mott sobre a
figura de Santo Antônio enquanto descobridor de escravos fugidos e aliado espiritual de
destruidores de quilombos. O santo teria inclusive participado da campanha contra
Palmares, alcançando patente militar -- isso mesmo -- por este e outros serviços prestados à
ordem colonial e escravocrata. Santo Antônio, aliás, foi uma figura ambígua em suas
relações com os escravos, pois perseguiu-os mas também protegeu-os. No capítulo de
Eurípedes Funes, quilombolas do Pará consultam uma imagem do santo para saber sobre a
aproximação das tropas de assalto.
Com ou sem capitão-do-mato humano ou divino, os quilombos continuaram a
povoar os pesadelos dos senhores da colônia. Em grande medida porque os escravos
continuariam fugindo e se reunindo em grupos grandes e pequenos, alguns dos quais
chegando a centenas de membros. Os quilombos e mocambos floriram com viço especial na
capitania das Minas Gerais durante o século XVIII, o Século do Ouro. Carlos Magno
Guimarães contou 160 mocambos, mas aí incluídos alguns minúsculos, vez que a definição
colonial de quilombo começava pela reunião de cinco ou mais escravos fugidos.11
Certamente contaram como fatores a facilitar a fuga nas Minas a topografia montanhosa e
relações escravistas mais frouxas, dada a natureza da atividade mineradora, que obrigava os
escravos a circularem por áreas desabitadas na busca e prospecção de ouro. Por outro lado,
a mineração prosseguiria como atividade dos próprios escravos em fuga, que em Minas e
outras áreas do Brasil trocavam metais e pedras preciosas pelo que necessitavam para
sobreviver em liberdade.12 Assim, os quilombolas garimpeiros comparecem em vários
ensaios desta coletânea que tratam, além de Minas Gerais, de Goiás, Mato Grosso e
Maranhão.
Minas Gerais se destaca no capítulo de Silvia Lara sobre a evolução do sistema de
repressão legal e militar aos escravos fugidos, capítulo em grande parte baseado na
correspondência das autoridades da região, as quais, avexadas com a proliferação dos
quilombos, estavam sempre a consultar a metrópole sobre o melhor meio de combatê-los. A
região das Minas retorna em três outros ensaios a ela dedicados, de Carlos Magno
Guimarães, Donald Ramos e Laura de Mello e Souza, além de participar marginalmente do

9
de Mary Karasch sobre Goiás porque, no século XVIII, as duas capitanias disputavam
jurisdição sobre algumas áreas de suas fronteiras. O grande quilombo do Ambrósio, por
exemplo, parece ter-se estabelecido numa dessas áreas de litígio.
Carlos Magno entende o quilombo, por várias razões que expõe, como “uma
contradição estrutural da realidade escravista”. Num outro trabalho ele se refere ao
fenômeno como “negação da ordem escravista”.13 Daí a preocupação das autoridades em
combatê-lo sistematicamente. Este capítulo reforça a discussão de Silvia Lara de que
circulava entre os governantes mineiros um grande medo de que Palmares se repetisse nas
Minas Gerais. Como em outras regiões do Brasil, aqui os quilombolas se dedicavam ao
roubo, ao recrutamento e seqüestro de escravos, à agricultura, caça, coleta, além da
mineração, atividades que variavam em intensidade a depender da época e da área em que
se estabelecessem os fugidos. Todas essas atividades ameaçavam a estabilidade da
escravidão. Maior perigo advinha de serem grupos politicamente estruturados, contando
com lideranças consagradas e uma rede de alianças com diversos setores sociais. O autor
acentua que os quilombolas faziam política e tinham projetos políticos próprios, uma tese
na contramão dos estudiosos que acentuam a reificação da gente escrava e sua incapacidade
para pensar e agir politicamente. A maioria dos líderes quilombolas ganhavam o título de,
ou se intitulavam, reis e rainhas, e menos freqüentemente capitães. Esta mesma
nomenclatura existia entre líderes rebeldes e quilombolas de outras regiões, não se sabendo
ao certo se dizia respeito à reconstituição no Brasil de lideranças feitas na África, ou se foi
inteiramente inventada aqui. É possível que ambas as coisas ocorressem, a depender do
caso.14 O importante, insistimos, é que se pode identificar um modelo organizacional e
político dos quilombolas, impressão reforçada pelas alianças que celebravam com escravos
asenzalados, libertos (ex-escravos) e mesmo gente livre branca, recebendo dessas pessoas
informações sobre movimento de tropas, mantendo com elas relações de troca, em alguns
casos trocas afetivas. Indivíduos oriundos de todos esses grupos, no entanto, também
participaram ativamente da repressão aos quilombos, inclusive os escravos, alguns dos
quais chegaram a ganhar patente de capitão-do-mato, um ângulo pouco conhecido dessa
instituição. Mais comum, em todo Brasil, era a presença dos libertos nestes postos,
chegando a preencher 15 por cento deles em Minas Gerais.

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Donald Ramos trata de questões semelhantes, mas sob uma perspectiva bastante
diferente. Para ele, em lugar de pura ameaça ao sistema, os quilombos mineiros também se
tornaram parte da sociedade colonial, tal a “relação simbiótica” que desenvolveram com
vários setores da população. Seu foco principal de análise é Vila Rica, capital de Minas
colonial, onde foi gerada a política de repressão aos numerosos quilombos que a cercavam,
além de outros em outras áreas da capitania. Para o governo, a tarefa era difícil exatamente
em função do apoio dado aos calhambolas por muitos escravos, libertos e homens livres,
entre estes especialmente comerciantes que lhes davam coito, compravam deles e a eles
vendiam os mais diversos produtos. Essas relações ajudavam a multiplicar os quilombos,
que embora causassem estragos e desgastassem a sociedade mineira, ao mesmo tempo
serviam como uma espécie de válvula de escape às tensões da escravidão, evitando que
estas explodissem numa grande revolta. As autoridades, no entanto, temiam que os
quilombolas pudessem ajudar nessa explosão, fornecendo exemplo e liderança à numerosa
população escrava da região. E realmente os quilombolas parecem ter contribuido para
algumas das conspirações de escravos mineiros que nunca se concretizaram. Foi sob esse
temor que se desenvolveu a repressão -- e Ramos detalha suas várias modalidades, muitas
vezes brutais --, envolvendo a mobilização não apenas de capitães-do-mato, mas também as
milícias locais, ou ainda expedições de maior envergadura.
O cotidiano de uma dessas expedições é discutido por Laura de Mello e Souza. Em
1769, sob o comando do mestre-de-campo Inácio Correia Pamplona, partia para os sertões
de Minas uma entrada com o objetivo de caçar quilombolas, descobrir ouro e ocupar terras.
Um diário anônimo escrito sobre as andanças dessa força permitiu reconstituir aspectos
inusitados do comportamento de seus membros, como sua dedicação cotidiana a devotas
rezas e missas, à música amena e a banquetes concluídos com versos toscos declamados “à
sobremesa”. Ao mesmo tempo em que perseguiam negros fugidos e destruiam seus
quilombos, aqueles homens rudes e violentos tentavam levar para o interior as maneiras
“civilizadas” de vida que haviam se tornado características dos centros urbanos das Minas
Gerais. Como tantas vezes na história, a civilização andava de mãos dadas com a violência
no combate ao que seus propagadores definiam como barbárie.

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A expansão para o Oeste levou a exploração aurífera e a escravidão a Mato Grosso e
Goiás. Ao estudo dos quilombos do Mato Grosso se dedica Luiza Volpato, que os analisa
como parte do fenômeno mais amplo de uma sociedade de fronteira, em território disputado
pelos portuguêses com os espanhóis, de um lado, e do outro com os índios da região. Estes
últimos tentavam barrar o avanço dos coloniais e seus escravos em busca de novos
aluviões, mas como em outras regiões às vezes também se aliavam aos quilombolas, se
miscigenavam e conviviam com eles nos mocambos e -- entre índios e caboclos --
chegaram, em alguns casos, a constituir a liderança e a maioria quilombola. A estratégia de
combate aos quilombos na fronteira era semelhante à de confronto com os espanhóis, uma
combinação entre força militar e povoamento. Pelo menos em uma ocasião, as autoridades,
impressionadas com a capacidade produtiva dos quilombolas derrotados e presos,
devolveram-nos à fronteira como povoadores livres, fato raro na história da escravidão
brasileira. Os quilombos continuaram a crescer quando a economia escravista se
diversificou, com a crise da mineração em meados do século XVIII. Durante a segunda
metade do dezenove se intensificou a diversidade de origem da população dos quilombos,
com a presença entre os escravos fugidos de criminosos e desertores, sobretudo durante a
guerra do Paraguai. Houve até um quilombo liderado por oficial da Guarda Nacional.
Coisas de fronteira. Coisas que problematizam a concepção de quilombo como sendo
apenas reduto de negro fugido.
A relação entre ouro, fronteira e quilombo continua no ensaio de Mary Karasch
sobre Goiás no século XVIII. Ela discute ordenadamente os fatores que facilitavam a fuga,
as razões da fuga, a distribuição geográfica dos quilombos e os protagonistas da repressão
anti-quilombola, além de outros temas. Entre os fatores que levavam à fuga estava a
procura de ouro para compra de alforria, o que fez dos quilombolas, também em Goiás,
desbravadores do interior e descobridores de novos veios auríferos. A fuga era facilitada
pela baixa vigilância dos escravos na mineração, pela presença de uma população livre
esparsa, uma população escrava densa e africana e por ecossistemas -- rios, florestas, serras,
montanhas -- ideais como rotas de fuga e escoderijo de escravo fugido. De Goiás se podia
alcançar as colônias espanholas, atravessando o emaranhado de rios e pântanos que se
estendiam até o Mato-Grosso e a fronteira paraguaia. É verdade, no entanto, que essas

12
mesmas águas libertadoras proporcionavam perigos extraordinários aos que fugiam, como
enchentes intransponíveis, insetos pestilentos e febres letais. E havia os obstáculos
humanos. Os índios da região podiam se aliar aos quilombolas, mas se encontravam com
mais freqüência do lado da repressão, a qual coadjuvavam para obter recompensas e para
vigarem-se dos constantes assaltos dos quilombolas a suas aldeias, de onde levavam suas
mulheres. O fato é que os “gentios” em geral não tratavam com gentileza os negros fugidos
que iam dar em seus territórios. As autoridades coloniais contavam com outros negros,
livres e libertos, para combater os quilombolas, na qualidade de milicianos e capitães-do-
mato, segundo Karasch porque a estabilidade da escravidão lhes interessava por serem eles
próprios proprietários de escravos ou candidatos a tal.
Era sem dúvida complexa a malha de interesses e relações que envolvia o combate
aos quilombos, mas não menos complexa era aquela que promovia seu aparecimento e
sustentação. É este o núcleo da abordagem de Flávio Gomes sobre os quilombos da
província do Rio de Janeiro, em particular os situados na região de Iguaçu, nos vales dos
rios Sarapuí e Iguaçu, próximos a fazendas escravistas de cana, engenhos de açucar e
aguardente, roças de subsistência e olarias. O autor é enfático em afirmar que a relação dos
quilombos com a sociedade envolvente, e não seu isolamento, explica sua formação e
sobrevivência. Como em outras regiões, aqui os quilombolas construiram “um mundo
subterrâneo” do qual faziam parte escravos asenzalados, negros libertos, proprietários rurais
e taberneiros. Todos povoavam o que o autor chama de “campo negro”, um território social
e econômico, além de geográfico, através do qual circulavam diversos tipos sociais, não
necessariamente negros ou apenas escravos.15 Os quilombolas, por exemplo, disputavam ou
negociavam com os barqueiros o controle das vias fluviais da área, que eram fundamentais
para o escoamento dos produtos para a Corte e outros mercados. Através de taberneiros que
serviam de intermediários ou empregadores, os fugitivos extraíam a lenha de mangue que
ia aquecer os fornos da capital. Nesta, também mantinham contatos com ganhadores negros
e provavelmente com os pequenos quilombos que cercavam a cidade.16
Os quilombos suburbanos eram muito comuns, como vimos no caso de Vila Rica, e
os mais dependentes de relações com as populações livres e escravas que viviam nas
cidades e vilas próximas. Assim eram os quilombos vizinhos a Pelotas e Porto Alegre

13
estudados por Mário Maestri. No Rio Grande do Sul, aliás, vão se repetir vários aspectos da
história quilombola encontrados alhures, como a fluidez da fronteira internacional, a
instabilidade e pequenez dos mocambos, suas alianças com pretos e pardos forros e
escravos asenzalados -- além de ex-soldados e desertores, que chegavam a integrá-los --, o
emprego de escravos fugidos por charqueadores, a diversidade das atividades econômicas
dos quilombolas, que extraíam lenha, plantavam alimento, roubavam gado, recrutavam
escravos e sequestravam escravas. Apesar do incentivo estrangeiro para a fuga rumo aos
países vizinhos, os escravos rebeldes preferiram a liberdade em quilombos instalados em
território riograndense, às vezes em ilhotas lacustres, outras vezes na Serra do Tapes, perto
das charqueadas pelotenses. Tal estratégia refletia a opção de se manterem próximos a
fontes conhecidas de abastecimento, mas também para não romper laços formados entre
quilombolas e escravos das fazendas e vilas de onde haviam fugido.
A centenas de quilômetros para o norte, na Bahia e em Pernambuco, os quilombolas
também se instalariam próximos a centros urbanos ou áreas de povoamento. João Reis
estuda um quilombo situado em Barra do Rio de Contas, na região de Ilhéus, sul da Bahia,
onde escravos fugidos se instalaram em 1806 numa pequena comunidade de lavradores de
mandioca. Este capítulo discute detalhadamente as relações entre quilombolas e coiteiros,
inclusive escravos coiteiros que empregavam negros fugidos em suas próprias roças. O
Oitizeiro era um quilombo onde havia senhores e escravos, além de quilombolas, todos
participantes de complexas relações de produção que tranformariam o lugar num próspero
celeiro de mandioca, ali mesmo transformada em farinha e vendida no mercado regional.
Tendo recebido denúncias do que se passava, o recém-empossado governador da Bahia, o
conde da Ponte, famoso pela linha dura que adotou no controle da escravaria, enviou ao
local uma tropa inteiramente formada por índios, que dispersaram os moradores do
Oitizeiro e lá se instalaram durante alguns meses, fazendo incursões contra negros fugidos
da região.
Oito anos depois, em Salvador, os índios se encontrariam do lado dos rebeldes, a
acreditar-se na investigação que revelou uma extensa rede conspiratória dirigida pelos
escravos haussás, em 1814. Stuart Schwartz estuda essa conspiração, que uniu escravos
urbanos a escravos aquilombados nas imediações da capital baiana. Neste aspecto, os

14
conspiradores tentavam repetir o que ocorrera dois meses antes, quando os escravos
pescadores das armações de baleia receberam apoio e liderança de um quilombo próximo,
num levante que causou grande estrago e fez muitas vítimas de ambos os lados, nas
imediações de Itapoã. Outras revoltas baianas, anteriores e posteriores a esta, também
buscariam combinar a ação de rebeldes urbanos e rurais com quilombolas. Mas a
conspiração de maio de 1814 trouxe uma importante novidade: entre os aliados dos
rebeldes, que reuniam africanos de várias nações chefiados pelos haussás, estariam também
índios, aos quais, uma vez vitoriosa a rebelião escrava, seriam devolvidas as terras deles
roubadas pelos brancos. Acompanha o estudo de Schwartz a transcrição da devassa contra
este episódio desconhecido, que amplia o já conhecido ciclo de revoltas baianas.
Também próximo à capital pernambucana e zona canavieira, se instalou o quilombo
-- ou grupo de mocambos -- estudado por Marcus Joaquim de Carvalho. Conhecido como
Catucá ou Malunguinho, o quilombo sobreviveu vários anos, crescendo com as periódicas
revoltas que assolaram a região e diminuindo quando a elite se encontrava unida e a
província pacificada. O autor supõe que o mocambo foi criado, talvez por volta da
revolução de 1817, por escravos africanos que haviam feito juntos a travessia do Atlântico,
sendo portanto malungos, daí sua denominação malunguinho; e foi dissipado em torno de
1835, quando já era liderado por um escravo nascido no Brasil, o crioulo João Batista.
Embora formado principalmente por negros fugidos, também se aquilombaram nas matas
do Catucá, em diferentes datas, índios, pardos e até brancos, entre estes desertores e outros
foras-da-lei -- um outro exemplo de multiplicidade étnica no quilombo. Membros de todos
estes grupos também se encontravam do lado da repressão, ao lado, aqui novamente, de
índios, cuja ação teria sido “fundamentel”, segundo o autor, para a destruição final do
quilombo. Bem estruturado politicamente, com uma “hierarquia de poder mais ou menos
sólida”, os malunguinhos no entanto dependiam, como quase todos os quilombos desta
coletânea, de apoios entre outros setores da população que os acoitavam, informavam sobre
o movimento de tropas e com eles negociavam.
Mais ao norte, no Maranhão, nos encontramos novamente em região de fronteira,
não fronteira política mas agrícola, além da qual o governo e senhores tinham pouco
controle. Mathias Assunção divide os quilombos maranhenses entre aqueles que ficavam

15
próximos a fazendas, em geral pequenos e dedicados à predação, os mais afastados, que
possuíam economia própria e comercializavam algum excedente, e finalmente os que
combinavam agricultura de subsistência com garimpo. Os quilombos existiram na região
deste o início do século XVIII, mas são mais conhecidos os que floresceram no século
seguinte. E eles foram muitos, alguns reunindo centenas de escravos, que se envolveram
nas agitações que abalaram a província após a Independência, em especial a Balaiada
(1838-1841). Neste episódio, sob a liderança do excepcional negro liberto, o cearense Bento
das Chagas, estima-se que as forças quilombolas tivessem chegado a dois mil homens,
derrotados a muito custo e sangue pelas forças legais lideradas pelo futuro duque de Caxias.
À semelhança da Bahia, houve também no Maranhão quilombolas que desceram o morro
para agitar a escravaria das senzalas, como se deu em 1867 em Viana, num movimento que
se destaca por terem os rebeldes exigido a abolição do cativeiro. Outros mocambos,
“quilombos tardios” como os denomina o autor, continuaram a se formar na década
seguinte, num momento de crise crescente da escravidão. Neste período, as autoridades
provinciais chegaram a implementar uma original política de negociação com os fugitivos,
nem sempre com sucesso. Como outros autores, Assunção discute a economia dos
mocambeiros, que aqui também envolvia vários outros setores da população, e informa
sobre sua hierarquia política e cultura religiosa, embora estes dois aspectos, como em
outros casos, só se apresentem na documentação de forma fragmentária.
Encerra este volume o estudo de Eurípedes Funes sobre o oeste do Pará, região
conhecida como Baixo Amazonas. Este capítulo é adequado para encerrar a coletânea, não
apenas por terminar no extremo norte o nosso périplo através do Brasil, mas porque discute
comunidades quilombolas que, formadas sob a escravidão, se projetaram para o futuro até
nossos dias. Uma parte substancial da história dos quilombolas das matas amazônicas nos
chega pela voz de seus descendentes: “Uma memória que é referencial ao mesmo tempo de
ancestralidade e de identidade”, como escreve Funes. Mas ao lado das fontes orais, o autor
usa também fontes escritas, umas apoiando e às vezes corrigindo as outras. Os quilombos
dessa região se destacam pela localização em áreas remotas, acima de corredeiras e
cachoeiras dos afluentes do Amazonas, nos vales do Curuá e do Trombetas, a poucas léguas
da fronteira com o Suriname, mata cerrada, longe de centros urbanos. Desenvolvendo uma

16
economia principalmente extrativista, os mocambeiros procuraram conviver com a floresta,
à qual se adaptaram freqüentemente com a assistência de seus primeiros moradores, os
indígenas locais que, como em outros lugares, se dividiam entre os que eram amigos e os
hostis. “Nossa mãe floresta é vida”, declarou um remanescente desses quilombos. A
proteção verde realmente favoreceu a formação de comunidades duradouras, nas quais
Funes pode identificar grupos familiares, uma população crescente, estruturas de poder
consolidadas. E apesar das longas distâncias, os quilombolas negociavam o que extraíam e
o excedente do pouco que plantavam, seus produtos chegando aos centros urbanos da costa,
ou ainda, alcançando os quilombolas independentes do Suriname através da intermediação
de grupos indígenas. E apesar do isolamento da floresta, tinham notícias dos
acontecimentos nacionais e de além fronteira. Durante a guerra do Paraguai, pediram paz e
liberdade, do contrário emigrariam para a Guiana Holandesa, onde sabiam já não existir a
escravidão. E quando um grupo deles, em 1876, aceitou negociar a paz e foi ludibriado e
reescravizado, protestou junto ao governo; e a justiça, agora parcialmente imersa na maré
abolicionista, foi acionada contra seus supostos senhores. Libertos, retornaram ao antigo
mocambo, reencontraram a floresta, viveram uma fartura hoje relembrada com nostalgia
por descendentes mergulhados na pobreza.
Entre Palmares e os quilombos dos últimos anos da escravidão, os escravos
brasileiros construíram uma empolgante história da liberdade. É isto que é este livro: uma
história da liberdade. Mas uma história cheia de ciladas e surpresas, de avanços e recuos, de
conflito e compromisso, sem um sentido linear, uma história que amplia e torna mais
complexa a perspectiva que temos de nosso passado. “A liberdade”, escreveu a historiadora
Barbara Fields, “não era uma condição fixa, mas um alvo em constante movimento”17--
palavras escritas para um outro contexto, que têm um valor quase universal. Os
quilombolas brasileiros ocuparam sertões e florestas, cercaram e penetraram cidades, vilas,
garimpos, engenhos e fazendas; foram atacados e usados por grupos escravistas, aos quais
também atacaram e usaram em causa própria; fugiram da escravidão e se comprometeram
com a escravidão; combateram e se aliaram a outros negros, a índios e brancos pobres;
criaram economias próprias e muitas vezes prósperas; formaram grupos pequenos, ágeis,
móveis e temporários, ou grupos maiores, sedentários, com gerações que se sucediam,

17
politicamente estruturados; se envolveram com movimentos políticos de outros setores
sociais, desenvolveram seus próprios movimentos, alguns abolicionistas; se aproveitaram
de conjunturas políticas conflitivas nacionais, regionais, até internacionais, para crescer,
ampliar alianças, fazer avançar seus interesses imediatos e projetos de liberdade mais
ambiciosos. Esses lances, e muitos outros, fazem parte da história aqui contada. Dizer que
os quilombolas foram heróis é pouco porque é diminuir a riqueza de sua experiência. Que
sejam celebrados como heróis da liberdade, mas o que celebramos neste volume é a luta de
homens e mulheres que para viverem a liberdade nem sempre puderam se comportar com
as certezas e a coerência normalmente atribuídas aos heróis.

QUILOMBOS: NOVOS ESTUDOS

18
1. A COLETÂNEA
- minha e de Flávio Gomes, da UFPA
2. As VISões QUE PREDOMINAM
a) A interpretação de Palmares
- a visão culturalista e o quilombo como fenômeno restauracionista; a recriação
da Africa no Brasil; a resistência “contra-aculturativa”: Nina Rodrigues, Artur
Ramos, Edson carneiro, Roger Bastide.

Em geral, seguindo os estudos fundadamentais de Nina Rodrigues na virada do século,


Arthur Ramos e Edison Carneiro adiantaram interpretações com um viés culturalista dos
quilombos brasileiros. Posteriormente a tarefa foi retomada por Roger Bastide. Segundo
essa corrente, a organização social dos aquilombados era identificada a um esforço “contra-
aculturativo”, uma resistência a “aculturação” européia a que eram submetidos os escravos
nas senzalas. R. K. Kent, um africanista norteamericano, vai seguir pistas claras deixadas
por Nina Rodrigues e Edison Carneiro, procurando descobrir em Palmares um verdadeiro
Estado africano no Brasil. É a visão do quilombo como um projeto restauracionista, no
sentido de que os fugitivos almejariam restaurar a África neste lado do Atlântico. Uma
interpretação também restauracionista pode ser encontrada no importante estudo que
Eugene Genovese fez da revolta escrava nas Américas. Muitas vezes esses autores, sem
querer, inspiraram uma concepção popular de quilombo enquanto comunidade isolada e
isolacionista que pretendia recriar a África pura nas Américas. Seria uma espécie de
sociedade alternativa à sociedade escravocrata, onde todos seriam livres e possivelmente
iguais, tal como teriam sido na África, e uma África consideravelmente romantizada.18
Malgrado o esforço de alguns autores por documentar os sincretismos sociais e
culturais desenvolvidos nos próprios quilombos, e isso desde Palmares, subsistia nessas
interpretações um impulso básico de encontrar “africanismos” ou “sobrevivências”
africanas, método consagrado internacionalmente nos estudos das culturas afroamericanas
por Melville Herskovits.19 Em contrapartida, sugerimos que talvez fosse mais frutífero
investigar como os quilombolas continuavam em seus refúgios, com ritmo e meios

19
diferentes, a formação de uma sociedade afrobrasileira que havia começado nas senzalas.
Para a criação dessa nova sociedade decerto contribuiram fundamentalmente instituições e
sobretudo visões de mundo trazidas pelos africanos, os quais não eram tabula rasa sobre a
qual senhor, governo e Igreja coloniais inscreviam seus desejos de dominação. As trocas
culturais e as alianças sociais foram feitas intensamente entre os próprios africanos,
oriundos que eram de diversas regiões da África, além, é claro, daquelas nascidas das
relações que desenvolveram com os habitantes locais, negros e mestiços aqui nascidos,
brancos e índios. Em toda parte esse processo se deu, seguindo no entanto ritmos e criando
combinações que variavam de lugar para lugar na imensidão territorial que era o Brasil
escravocrata. É sobretudo para este processo de construção de novas instituições, culturas e
relações sociais que se deve voltar o estudioso, até para descobrir porque quilombolas e
escravos em geral escolheram manter certos aspectos de suas origens africanas e não outros,
e, assim, ao mesmo tempo em que africanizavam seu novo mundo renovavam o que da
velha África conseguiram consigo carregar.20 E para melhor entender este processo,
acreditamos ser importante que o historiador da escravidão, e em particular da rebeldia
escrava, investigue sobre a história dos africanos anterior à travessia do Atlântico.

- a visão marxista e o quilombo como negação da ordem escravista

Desde o final dos anos cinqüenta do século XX, os estudos sobre rebeldia escrava
ganharam popularidade, paralelamente à ascensão dos movimentos de esquerda, num
primeiro momento, e dos movimentos negros, num segundo. Não queremos dizer que em
data anterior militantes de esquerda e da negritude não tivessem tratado ou se inspirado nas
lutas escravas. O próprio Palmares foi lembrado quando se formaram organizações negras
nas décadas de vinte e trinta, uma das quais, o Centro Cívico Palmares, fundado em 1927,
forneceria líderes e idéias para a Frente Negra Brasileira, na década seguinte. Ao mesmo
tempo, intelectuais marxistas da época, como Aderbal Jurema, escreveriam sobre revoltas
escravas como episódios da luta de classes no Brasil. E não devemos esquecer a ligação de
Edison Carneiro, estudioso de Palmares, com o Partido Comunista Brasileiro, razão porque
foi perseguido e encontrou refúgio no candomblé de sua amiga dona Aninha, a famosa

20
mãe-de-santo do Axé Opô Afonjá. Pode-se na verdade dizer que o socialista mestiço Edison
Carneiro teve dupla militância, na esquerda e no movimento negro, como atesta seu
empenho contra o racismo e a perseguição dos candomblés.21
Com Clóvis Moura, cujo Rebeliões da senzala seria publicado originalmente em
1959 pela editora Zumbi, os quilombos seriam revisitados através de uma perspectiva mais
estritamente marxista. Rico em material empírico reunido de fontes impressas, o livro
surgia num momento em que vários estudiosos, os mais conhecidos ligados à Universidade
de São Paulo, se esforçavam em combater a concepção de que tivemos no Brasil relações
escravistas em geral harmoniosas, uma velha idéia sistematizada por Gilberto Freyre no
início da década de trinta. Mas se nas análises revisionistas da chamada “escola paulista” --
leia-se Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni -- a resistência
escrava foi posta em plano secundário com o intuito enfatizar a coisificação do escravo,
Moura e posteriormente Luis Luna, José Alípio Goulart e Décio Freitas, entre outros, irão
privilegiar essa resistência. Os quilombos e revoltas passam então a figurar como assuntos
de destaque, embora sobrecarregados por uma tendência à discussão das táticas de guerrilha
e a interação entre os quilombos e outros movimentos políticos. A inclinação predominante
dessa historiografia era definir a resistência negra nos quilombos como a negação do regime
de cativeiro através da criação de uma sociedade alternativa livre. Retorna-se, então, por
outros meios, à tese da marginalização e do isolamento do quilombo, geralmente tomando
por base o modelo palmarino e apontando ao mesmo tempo a incapacidade dos quilombolas
de propor a destruição do regime escravocrata como um todo. Os rebeldes não teriam
alcançado o “nível” de consciência de classe necessário para dar este passo definitivo da
luta, assim como eram incapazes de decifrar as “leis” que supostamente regem as
transformações sociais. Não se admite um comportamento político e uma lógica de poder
específicos do escravo rebelde, a partir dos quais suas ações fossem analisadas. Em geral
adeptos de um evolucionismo mais ou menos disfarçado, esses autores substituem a
investigação dos sentidos que o próprio escravo emprestava a sua ações por uma
lamentação de que ele não alcançasse o sentido da História tão bem entendido pelo
historiador. Neste ponto, aliás, se encontra uma convergência desses autores com as teses
da “escola paulista”.22

21
Os poucos estudos mais recentes sobre quilombos e revoltas escravas, escritos nos
anos oitenta e noventa, não abandonaram a problemática cultural, nem a influência
marxista. Na verdade são, em muitos casos, herdeiros desses paradigmas, pois neles
encontramos tanto continuidade como ruptura em relação aos que vieram antes. No entanto,
em geral, renovaram a discussão do fenômeno porque desistiram da busca frenética de
sobrevivências africanas e ao mesmo tempo da rigidez teleológica do marxismo
convencional, atualizando o debate através de novas perspectivas da historiografia recente,
em particular aquela que vem inovando nas últimas três décadas os estudos da escravidão
dentro e fora do país. Estudos que, de resto, muito devem à renovação da historiografia
marxista, que procurou incorporar a seu universo de preocupações, via antropologia social,
os aspectos simbólicos e rituais da vida em sociedade, contextualizando-os historicamente.
Mas, acima de tudo --e ponha-se ênfase nisso --, reflete-se nesses novos estudos a
preocupação pela pesquisa documental, com a descoberta e análise de fontes manuscritas e
orais que ampliam bastante nosso conhecimento sobre quilombos em várias regiões do
Brasil, e apontam para uma complexa relação entre os fugitivos e os diversos grupos da
sociedade em seu torno.
Nesta coletânea, por exemplo, os autores, felizmente, não fazem parte de uma
“escola” historiográfica única. A idéia que norteou os organizadores foi a de apresentar um
quadro amplo das várias possibilidades interpretativas. Os leitores terão oportunidade de
detectar diferenças teóricas e metodológicas entre os diversos autores, que em alguns casos
mergulham nos mesmos fatos e até na mesma documentação para emergirem com
interpretações divergentes. Os ensaios, por outro lado, cobrem vários períodos e regiões do
Brasil, embora certamente ficaram de fora, por razões que nos fugiram ao controle,
importantes áreas escravistas, como por exemplo São Paulo. Há estudos sobre Rio de
Janerio, Minas gerais, mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco,
Maranhão, Pará. Além de capítulos temáticos sobre Palmares, capitao-do-mato etc

3. Alguns achados em torno de temas clássicos dos estudos quilombistas.

a) A definição contemporanea de quilombo.

22
Há quilombos de muitos tipos e de várias grandezas. Em primeiro lugar, segundo
definições oficiais quilombo era, no século XVIII, um grupo de quatro ou mais escravos
arranchados em lugar ermo. No século XIX, no maranhão, encontramos uma definição que
começa com apenas dois escravos. Então aquela idéia palmarina de milhares de
quilombolas, ou mesmo a de quilombos como o do Ambrósio em Minas Gerais, cujos
membros se contavam às centenas. Raros eram os quilombos com dezenas de fugitivos. A
idéia que se tem é que, em muitos casos, temos apenas bandos de quilombolas salteadores
que mais se assemelham a bandidos sociais, segundo a definição de Hobsbawm.
Quilombo também não era sempre definido como agrupamento rural ou suburbano.
Numa definiçào estreita mas muito usada no século XIX o quilombo era o lugar onde se
escondia negro fugido, o que se distancia daquela definiçào setecentista de esconderijo em
lugar ermo. Durante o inquérito contra um quilombo nas cercanias de Barra do Rio de
Contas, atual Itacaré, cidade do sul da Bahia, em 1806, as autoridades definiram como
quilombos “moradas de negros fugidos”. Resultado: entào contaram cinco quilombos onde
o historiador só veria um. Alguns historiadores optariam por ver nenhum quilombo, dadas
as caracteristicas que adiante descreverei. Outro exemplo: Em 1835, durante as
investigações que se seguiram ao levante dos malês em Salvador, as casas dos suspeitos
foram, pelo menos em um documento, definidas como quilombos. Teríamos então dezenas,
talvez centenas de quilombos no coração de Salvador.
Se confundiam também com quilombos na Bahia do século XIX as muitas casas nas
cercanias de SSA onde se realizavam cerimônias religiosas para os deuses da Africa, os
terreiros de candomblé.
O termo quilombo então operava num campo semântico largo em suas significações
contemporâneas, o que corrige uma certa estreiteza com que os historiadores têm tratado do
fenômeno.

b) Composição social do quilombo.


Essas definições, de qualquer modo, sempre apontam para o quilombo enquanto
refúgio de escravo fugido. É no entanto sabido, por notícias que acompanham esses
agrupamentos desde palmares, que não apenas negros fugidos constituíam a população dos

23
quilombos: lá viveriam índios, soldados desertores brancos, talvez gente perseguida pela
justiça civil e eclesiàstica, como judeus por exemplo. Há registro de que um dos
estrategistas militares de Zumbi seria um “mouro”.
Ao longo do tempo, e sobretudo do século XIX, os quilombos parecem ter aberto
ainda mais largamente seus braços a gente a uma multiplicidade de grupos étnicos. Um
pequeno quilombo dissolvido em 1795 em Mato Grosso, e que deu muito trabalho às
autoridades, era composto por 54 pessoas, sendo 27 índios, 21 caborés (mestiço de negro e
índio) e apenas 6 negros. Temos aqui um quilombo predominantemente índio-mestiço.
Mais tarde, no mesmo Mato Grosso, durante a Guerra do Paraguai que se desenvolvia em
suas fronteiras, diversos quilombos foram formados por negros fugidos que se aproveitaram
da confusão reinante e por desertores militares. Um deles chegou a ser liderado por um
oficial da Guarda Nacional. Também no Rio Grande do Sul, nesse mesmo período, ex-
soldados, desertores e muita gente sem qualquer problema aparente com a lei chegaram a
integrar os quilombos gaúchos. Num deles, de 17 membros, 9 eram homens livres. Havia
negros, mestiços e brancos pobres.
O quilombo do Oitizeiro que mencionei acima, na bahia de 1806, era sui generis:
tratava-se de uma comunidade de lavradores forros, lavradores livres e seus escravos, que
empregavam escravos fugidos na cultura da mandioca e produção de farinha. Temos então
um quilombo, segundo a significação contemporânea, que não só acolhia homens livres e
escravos libertos, mas onde estes mandavam. Eram coiteiros. Os escravos desses homens
livres também eram coiteiros, tinham roças e usavam nelas a mão-de-obra quilombola.
Em Recife, segundo Marcus de Carvalho, o quilombo do Malunguinho abrigava
índios, pardos e até brancos, entre estes desertores e outros foras-da-lei -- um outro exemplo
de multiplicidade étnica e social no quilombo.
É claro que isso nos obriga a refletir sobre o fenômeno do quilombo como uma
coisa mais ampla do que simplesmente refúgio de negro fugido. Podia ser principalmente
isso, mas era outras coisas também.

c) A questão do isolamento.

24
Apesar de ocuparem locais de dificil acesso, os quilombos em grande número se
instalavam vizinhos a engenhos, fazendas e núcleos urbanos. Esse fenômeno se intensifica
no século XIX, mas já é visível nas áreas mais dinâmicas da economia escravista do século
XVII. Cidades como Salvador, Rio de Janeiro, Vila Rica (Ouro Preto), Mariana, Cuiabá,
São Paulo, Campinas, Pelotas, Porto Alegre eram cercadas de quilombos, alguns cujos
membros se contavam às dezenas. Eram quilombos, digamos, suburbanos -- mas grave-se
que a noçào de suburbio não existia na época. Arredores, se dizia, quer dizer, em volta em
redor.
A essa próximidade geográfica equivalia uma maior interação entre os quilombolas
e a sociedade envolvente, que funcionava também como uma sociedade absorvente. Os
quilombolas faziam ações de desapropriação nos sitios, fazendas, armazens, comboios,
viajantes; mas também se relacionavam positivamente tanto com os escravos asenzalados,
como com elementos da sociedade livre: negociavam com taberneiros, vendiam sua força
de trabalho a lavradores, os quilombolas mineradores de Minas e Goiás compravam de seus
senhores alforrias a peso de ouro, mantinham relações de afetivas com escravos e libertos --
e indivíduos de todos esses grupos davam proteção e forneciam informações sobre
mobilização de tropas e outras informações úteis ao quilombola. Mesmo quilombos
enterrados nas profundezas das matas, como os do Baixo Amazonas estudados por
Eurípedes Funes, faziam seus produtos chegar a mercados distantes, a centros urbanos.
Esses daí mesmo chegavam a comercializar com os quilombolas livres do Suriname, um
dado novissimo da pesquisa histórica recente e que coloca nossos quilombolas no plano das
trocas internacionais.
Não é que tais relações fossem inteiramente desconhecidas e não mencionadas em
estudos anteriores, como por exemplo os de Clóvis Moura. O que esses novos estudos
indicam é que eram generalizadas, intensas e multifacetadas. Os quilombolas transitavam
com mais ou menos desenvoltura nos espaços da escravidão e da sociedade livre.

d) O quilombo visto por dentro.


Pouco, muito pouco se tem revelado sobre a dinâmica interna dos quilombos em
seus vários aspectos, exceto talvez suas atividades de subsistência. Mesmo aí sabe-se o que

25
produziam -- e produziam muito, sobretudo mandioca que parece ter sido a cultura básica
dos qulombolas por todo o Brasil -- mas não como produziam. Já falamos de suas
atividades de troca, que eram intensas.
Em quase todos os casos estudados, a presença feminina e infantil nos quilombos
era pouca, exceto naqueles que haviam conseguido sobreviver por longos períodos, como
os do Pará e alguns do mato Grosso, levando-os a ter uma demografia mais equilibrada.
Assim, pouca novidade aparece neste particular, bem como de questões daí decorrentes
como estruturas de parentesco, organizaçào doméstica, tipos de família etc. Temos casos
detectados por Flávio Gomes, Mario maestri e Joao reis próprio sobre relações afetivas
mantidas entre quilombolas e negras ainda asenzaladas, como falamos há pouco.
O que se aprende sobre organização política é também escasso em termos da
qualidade da informação. Os achados mais importantes eu já me referi e diz respeito à
participação de homens forros, livres e até homens brancos na liderança de alguns
agrupamentos. Havia também mulheres, nossas Nanny, como uma certa Ana no Ambrósio,
Zeferina no quilombo do Urubú da Bahia (1826) ou a rainha que acompanhou manoel
Congo em 1836 quando em Pati do Alferes, no RJ, os escravos de uma fazenda tentaram
estabelecer um quilombo.
Os líderes era com grande frequência denominados reis e suas mulheres rainhas.
Discuti o que isso pudesse significar em um artigo recem-publicado. Talvez formas de
autoridade africanas aqui reinventadas, talvez a concepçào de que num país governado por
monarcas só essa denominação representasse poder político consagrado, talvez até
inspiração nas congadas. Em nenhuma das pesquisas se detecta formas digamos
republicanas de distribuição e delegação de poder. O título de “capitão” também muito
usado pelos chefes quilombolas de Minas Gerais pode expressar a importância do
desempenho militar na formação de lideranças. Ou o reflexo invertido do especlho: Se
havia capitão-do-mato o certo seria haver capitão de quilombo.
Mas são todos dados ainda fragmentários para possibilitar especulações mais
profundas sobre a questão da liderança e das estruturas de poder entre os quilombolas.
Há também pouca informação sobre a cultura espiritual dos quilombolas. Mas o
pouco que dispomos indica ter havido um certo sincretismo, que combinava o uso de ervas

26
medicinais, rezas e imagens católicas, ao lado do que a fala dos repressores definia como
culto a fetiches. Na Bahia há evidência de formas mais densamente africanas, inclusive
líderes religiosos no comando de quilombolas. Dentro do quilombo do Urubu perto de
Salvador funcionava um candomblé em 1826; os líderes da revolta de fevereiro de 1814
(seguida de uma conspiração em maio) eram malams muçulmanos, nesses movimentos que
combinaram levante urbano com mobilização quilombola, também nas cercanias de
Salvador. No RJ, é capaz do líder Manoel Congo possuir alguma posição ritual, já que fora
chamado de Pai Manoel apesar de não parecer assim tão velho.

e) A repressão
Desde o livro de Décio Freitas, do início dos anos setenta, que levantou nova
documentação (embora não se exatamente em que séries documentais específicas porque o
autor não usa notas de rodapé), os estudos palmarinos não avançaram muito. O livro mais
recente sobre o assunto, salvo engano, é o de Ivan Alves, que apenas acrescenta alguns
poucos documentos relativos às campanhas militares contra o grande quilombo. As
escavações aqueológicas lideradas por Pedro Paulo Funari, da UNICAMP, ainda
engatinham: falta intensificá-las e analizar mais detidamente o material já coletado em
apenas dois meses de escavaçào durante duas campanhas arqueológicas. Foram encontradas
até agora muita cerâmica tupinambá, mas não se pode estabelecer se são da fase palmarina
ou posterior, ou se indicam uma maior densidade da população indígena no quilombo ou
apenas influências indígenas na cultura material dos quilombolas.
Estudos de Carlos Magno, Flavio Gomes e sobretudo de Silvia Lara no
entanto estabeleceram a força da memória de Palmares sobre a consciência de autoridades,
letrados e senhores da Colônia. Silvia Lara em particular determina com muita precisão, a
partir de documentaçào original, de como o medo de que novos palmares viessem a
acontecer levou as autoridades coloniais a criar forças especializadas na perseguiçào de
escravos fugidos e na destruiçào de quilombos. Foi assim que surgiram os capitães-do-mato
e os oficiais de entrada e assaltos. Estes e outros autores também estudaram a extrema
violência dos meios concebidos pelas autoridades para reprimir os quilombolas, com a

27
tortura, o aleijamento, a pena de morte por enforcamento e esquartejamento, como eram
punidos os criminosos de lesa-majestade.
Porque a documentação produzida sobre os quilombos foi escrita por aqueles que
lhes deram combate diretamente, os novos estudos puderam detalhar as campanhas
lançadas contra eles. Um aspecto já conhecido, mas que agora ganha outros
desdobramentos, é o do engajamento de indivíduos oriundos de praticamente todos os
grupos sociais nessas campanhas. Não só brancos, mas negros libertos, índios e até escravos
foram mobilizados. Carlos Magno descobriu que em Minas Gerais chegou a emitir patente
de capitão-do-mato para escravos. Que os libertos fossem usados sistematicamente nesse
ofício já sabíamos, mas escravos é novidade.
Mas dos chamados grupos subalternos, aquele que mais coajuvou na caça aos
quilombolas foi sem dúvida os indígenas. Isto desde Palmares. De norte a sul, de leste a
oeste do Brasil esses conhecedores dos segredos das matas caçaram negros fugidos. Muitas
vezes nào pelo soldo, mas por vingança. Em Goiás, por exemplo, vingavam-se de
quilombolas que com frequencia atacavam suas aldeias para sequestrar suas mulheres. Na
Bahia, o quilombo do Oitizeiro foi dispersado por uma força de 50 cariris cuja tropa tinha o
nome oficial de “Tropa da Conquista do gentio Bárbaro de Pedra Branca”.
Entre Palmares e os quilombos dos últimos anos da escravidão, os escravos
brasileiros construíram uma empolgante história da liberdade. É isto que é este livro: uma
história da liberdade. Mas uma história cheia de ciladas e surpresas, de avanços e recuos, de
conflito e compromisso, sem um sentido linear, uma história que amplia e torna mais
complexa a perspectiva que temos de nosso passado. “A liberdade”, escreveu a historiadora
Barbara Fields, “não era uma condição fixa, mas um alvo em constante movimento”23--
palavras escritas para um outro contexto, que têm um valor quase universal. Os
quilombolas brasileiros ocuparam sertões e florestas, cercaram e penetraram cidades, vilas,
garimpos, engenhos e fazendas; foram atacados e usados por grupos escravistas, aos quais
também atacaram e usaram em causa própria; fugiram da escravidão e se comprometeram
com a escravidão; combateram e se aliaram a outros negros, a índios e brancos pobres;
criaram economias próprias e muitas vezes prósperas; formaram grupos pequenos, ágeis,
móveis e temporários, ou grupos maiores, sedentários, com gerações que se sucediam,

28
politicamente estruturados; se envolveram com movimentos políticos de outros setores
sociais, desenvolveram seus próprios movimentos, alguns abolicionistas; se aproveitaram
de conjunturas políticas conflitivas nacionais, regionais, até internacionais, para crescer,
ampliar alianças, fazer avançar seus interesses imediatos e projetos de liberdade mais
ambiciosos. Esses lances, e muitos outros, fazem parte da história aqui contada. Dizer que
os quilombolas foram heróis é pouco porque é diminuir a riqueza de sua experiência. Que
sejam celebrados como heróis da liberdade, mas o que celebramos neste volume é a luta de
homens e mulheres que para viverem a liberdade nem sempre puderam se comportar com
as certezas e a coerência normalmente atribuídas aos heróis.

NOTAS
1
Ver John Monteiro, Negros da terra, São Paulo, Companhia das Letras, 1994.
2
Sobre o Suriname, ver várias obras de Richard Price, entre as quais se destacam First-
Time, Baltimore, Johns Hopkins U. Press, 1983 e Alabi’s World, Baltimore, Johns Hopkins
U. Press, 1990; sobre a Jamaica Mavis Campbell, The Maroons of Jamaica, 1655-1796,
Trenton, Africa World Press, 1990 e vários artigos de Barbara Kopytoff: “The Early
Political Development of Jamaican Maroon Societies”, The William & Mary Quarterly, 35:
2 (1978), pp. 287-307; “The Development of Jamaican Maroon Ethnicity”, Caribbean
Quarterly, 22 (1976), pp. 33-50; “Colonial Treaty as Sacred Chart”, Ethnohistory, 26
(1979), pp. 45-64; “Jamaican Maroon Political Organization: The Effects of the Treaties”,
Social and Economic Studies, 25 (1976), pp. 87-105. Sobre quilombos em várias regiões
das Américas, ver a coletânea, algo defasada mas ainda útil, de Richard Price (org.),
Maroon Societies, Baltimore, Johns Hopkins U. Press, 1979. O mesmo autor atualizou a
discussão historiográfica em “Resistance to Slavery in the Americas: Maroon and Their
Communities”, The Indian Historical Review, 15: 1-2 (1988-89), pp. 71-95.
3
Nem sempre é possível traçar a origem desses agrupamentos ao período da escravidão.
Ver sobre essas comunidades Eliane Cantarino O’Dwyer (org.), Terra de quilombos, Rio e
Janeiro, Associação Brasileira de Antropologia, 1995 e José Jorge de Carvalho (org.), O
quilombo do Rio da Rãs, Salvador, EDUFBa/CEAO, 1996.
4
Ver balanço da historiografia da escravidão no período em Luis carlos Lopes, O espelho e
a imagem: o escravo na historiografia brasileira (1808-1920), Rio de Janeiro, Achiamé,
1987, passim.
5
Raimundo Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, 5a ed., São Paulo, Editora Nacional,
1977, cap. 3; Arthur Ramos, O negro brasileiro, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1935 e A aculturação negra no Brasil, São Paulo, Nacional, 1942; Edison Carneiro, O
quilombo de Palmares, 4a ed., São Paulo, Nacional, 1988 (esta edição, no entanto, inclui

29
um artigo, “Singularidades dos quilombos”, pp. 13-25, publicado primeiramente em 1953,
onde Carneiro enfatiza a relação entre os quilombos e a sociedade envolvente. Ainda na
“Apresentação” a esta edição, Waldir Freitas Oliveira discute a evolução dos estudos
palmarinos); Roger Bastide, As Américas negras, São Paulo, DIFEL/EDUSP, 1974, esp.
cap. 3; R. K. Kent, “Palmares: An African State in Brazil”, Journal of African History, 6: 2
(1965), pp. 161-175; Eugene Genovese, From Rebellion to Revolution, New York, Vintage,
1979, cap. 2.
6
Ver especialmente a obra clássica de Melville J. Herskovits, The Myth of the Negro Past,
Boston, Beacon, Press, 1958 (orig. 1941), que continua fonte de inspiração, como na obra
coletiva de Joseph E. Holloway (org.), Africanisms in American Culture, Bloomington,
Indiana U. Press, 1990.
7
Há aqui inspiração no ensaio já clássico de Sidney Mintz e Richard Price, An
Anthropological Approach to the Afro-American Culture, Philadelphia, Institute for the
Study of Human Issues, 1976, que no entanto definem um processo rápido de formação das
culturas afroamericano que não pode ser generalizado. Num artigo recente, analisando a
instituição africana do kilombo, na qual se inspiraram os palmarinos para se organizarem,
Kabengele Munanga sugere que o quilombo brasileiro seria uma “cópia” do africano, mas
na sequência esclarece veementemente sobre as adaptações que possivelmente aconteceram
no Brasil -- do que se conclui que não houve uma cópia. Ver K. Munanga, “Origem e
histórico do quilombo na África”, Revista USP, 28 (1995-96), p. 63.
8
Sobre Palmares e movimento negro nos anos vinte e trinta, George Reid Andrews, Blacks
in São Paulo, Brazil, 1888-1988, Madison, Wisconsin U. Press, 1991, pp. 145-148. Aderbal
Jurema escreveu Insurreições negras no Brasil, Recife, Editora Mozart, 1935. Sobre as
conexões comunistas de Edison Carneiro, inclusive sua perseguição depois do movimento
de 1935, ver Waldir F. Oliveira e Vivaldo da C. Lima, Cartas de Edison carneiro a Artur
Ramos, São Paulo, Corrupio, 1987, pp. 79, 83, 91-93 et passim; e Deoscoredes M. dos
Santos, Axé Opô Afonjá, Rio e Janeiro, Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos,
1962, p. 23 (esta referência me foi lembrada por Vivaldo da Costa Lima).
9
Clóvis Moura, Rebeliões da senzala, São Paulo, Edições Zumbi, 1959 (há edição mais
recente, revista e ampliada, desta obra pela editora Mercado Aberto, de Porto Alegre,
1988); do mesmo autor Quilombos. Resistência ao escravismo, Série Princípios, 3a ed.,
São Paulo, Ática, 1993. Ver também Luiz Luna, O negro na luta contra a escravidão, Rio
de Janeiro, Leitura, 1968; Décio Freitas, Palmares, a guerra dos escravos, 5a ed., Porto
Alegre, Mercado Aberto, 1984 (edição revista e ampliada da original em espanhol de 1971
e em português de 1973). Entre as leituras “de esquerda” sobre Palmares, está o trabalho
publicado na revista Anhembi em 1956, e reeditado recentemente, do surrealista e trotskista
Benjamin Péret, O quilombo dos Palmares: crônica da ‘República dos escravos’, Brasil
1640-1695, Lisboa, Fenda, 1988. Em livro, a interpretação marxista mais recente de
Palmares é de Ivan Alves Filho, Memorial dos Palmares, Rio de Janeiro, Xenon, 1988. Não
cabe aqui uma análise da chamada “escola paulista”. Sobre o assunto ver, entre outros,
Richard Graham, Escravidão, reforma e imperialismo, São Paulo, Perpspectiva, 1979, cap.
1. Dessa “escola”, deve-se fazer excessão ao trabalho da historiadora Emília Viotti da
Costa, Da senzala à colônia, São Paulo, DIFEL, 1966, que tem uma visão mais complexa
das relações escravistas e se detém mais pausadamente na discussão da rebeldia escrava.

30
Uma crítica certeira da “coisificação” dos escravos é Sidney Chalhoub, Visões da
Liberdade, São Paulo, Companhia das Letras, 1990, pp. 35-43 e passim.
10
Ver por exemplo Carlos Magno Guimarães e Ana Lúcia Lanna, “Arqueologia de
quilombos em Minas Gerais”, Pesquisas: Antropologia, 31 (1980), pp. 147-164.
11
No Maranhão oitocentista quilombo começava com apenas dois fugidos arranchados no
mato, aprendemos no capítulo de Mathias Röhrig Assunção adiante.
12
Ver por exemplo, entre os estudos já disponíveis, Julio Pinto Vallejos, “Slave Control and
Slave Resistance in Colonial Minas Gerais, 1700-1750”, Journal of Latin American
Studies, 17 (1985), pp. 1-34 e Katheleen Higgins, “Masters and Slaves in a Mining society:
A Study of Eighteenth-Centuy Sabará, Minas Gerais”, Slavery and Abolition, 11: 1 (1990),
pp. 58-73; Carlos Magno Guimarães, Uma negação da ordem escravista: quilombos em
Minas Gerais no século XVIII, São Paulo, Ícone, 1988, pp. 46-53. E sobre quilombos
mineradores no Maranhão, Mundinha Araújo, Insurreição de escravos em Viana, 1867, São
Luis, SIOGE, 1994, p. 71.
13
Guimarães, Uma negação da ordem escravista.
14
Ver João J. Reis, “‘Nos achamos em campo a tratar da Liberdade’: quilombos e revoltas
escravas no Brasil”, Revista USP, 28 (1995-96), pp. 32-33.
15
Para mais detalhes pode também ser consultado Flávio Gomes, Histórias de quilombolas,
Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995.
16
Sobre esses quilombos, ver Mary Karasch, Slave Life in Rio de Janeiro, 1808-1850,
Princeton, Princeton, University Press, 1988, pp. 311-315.
17
Barbara J. Fields, Slavery and Freedom on the Middle Ground: Maryland During the
Nineteenth Century, New Haven, Yale U. Press, 1985, p. 193.
18
Raimundo Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, 5a ed., São Paulo, Editora Nacional,
1977, cap. 3; Arthur Ramos, O negro brasileiro, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1935 e A aculturação negra no Brasil, São Paulo, Nacional, 1942; Edison Carneiro, O
quilombo de Palmares, 4a ed., São Paulo, Nacional, 1988 (esta edição, no entanto, inclui
um artigo, “Singularidades dos quilombos”, pp. 13-25, publicado primeiramente em 1953,
onde Carneiro enfatiza a relação entre os quilombos e a sociedade envolvente. Ainda na
“Apresentação” a esta edição, Waldir Freitas Oliveira discute a evolução dos estudos
palmarinos); Roger Bastide, As Américas negras, São Paulo, DIFEL/EDUSP, 1974, esp.
cap. 3; R. K. Kent, “Palmares: An African State in Brazil”, Journal of African History, 6: 2
(1965), pp. 161-175; Eugene Genovese, From Rebellion to Revolution, New York, Vintage,
1979, cap. 2.
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Ver especialmente a obra clássica de Melville J. Herskovits, The Myth of the Negro Past,
Boston, Beacon, Press, 1958 (orig. 1941), que continua fonte de inspiração, como na obra
coletiva de Joseph E. Holloway (org.), Africanisms in American Culture, Bloomington,
Indiana U. Press, 1990.
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Há aqui inspiração no ensaio já clássico de Sidney Mintz e Richard Price, An
Anthropological Approach to the Afro-American Culture, Philadelphia, Institute for the
Study of Human Issues, 1976, que no entanto definem um processo rápido de formação das
culturas afroamericano que não pode ser generalizado. Num artigo recente, analisando a
instituição africana do kilombo, na qual se inspiraram os palmarinos para se organizarem,
Kabengele Munanga sugere que o quilombo brasileiro seria uma “cópia” do africano, mas
na sequência esclarece veementemente sobre as adaptações que possivelmente aconteceram

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no Brasil -- do que se conclui que não houve uma cópia. Ver K. Munanga, “Origem e
histórico do quilombo na África”, Revista USP, 28 (1995-96), p. 63.
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Sobre Palmares e movimento negro nos anos vinte e trinta, George Reid Andrews, Blacks
in São Paulo, Brazil, 1888-1988, Madison, Wisconsin U. Press, 1991, pp. 145-148. Aderbal
Jurema escreveu Insurreições negras no Brasil, Recife, Editora Mozart, 1935. Sobre as
conexões comunistas de Edison Carneiro, inclusive sua perseguição depois do movimento
de 1935, ver Waldir F. Oliveira e Vivaldo da C. Lima, Cartas de Edison carneiro a Artur
Ramos, São Paulo, Corrupio, 1987, pp. 79, 83, 91-93 et passim; e Deoscoredes M. dos
Santos, Axé Opô Afonjá, Rio e Janeiro, Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos,
1962, p. 23 (esta referência me foi lembrada por Vivaldo da Costa Lima).
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Clóvis Moura, Rebeliões da senzala, São Paulo, Edições Zumbi, 1959 (há edição mais
recente, revista e ampliada, desta obra pela editora Mercado Aberto, de Porto Alegre,
1988); do mesmo autor Quilombos. Resistência ao escravismo, Série Princípios, 3a ed.,
São Paulo, Ática, 1993. Ver também Luiz Luna, O negro na luta contra a escravidão, Rio
de Janeiro, Leitura, 1968; Décio Freitas, Palmares, a guerra dos escravos, 5a ed., Porto
Alegre, Mercado Aberto, 1984 (edição revista e ampliada da original em espanhol de 1971
e em português de 1973). Entre as leituras “de esquerda” sobre Palmares, está o trabalho
publicado na revista Anhembi em 1956, e reeditado recentemente, do surrealista e trotskista
Benjamin Péret, O quilombo dos Palmares: crônica da ‘República dos escravos’, Brasil
1640-1695, Lisboa, Fenda, 1988. Em livro, a interpretação marxista mais recente de
Palmares é de Ivan Alves Filho, Memorial dos Palmares, Rio de Janeiro, Xenon, 1988. Não
cabe aqui uma análise da chamada “escola paulista”. Sobre o assunto ver, entre outros,
Richard Graham, Escravidão, reforma e imperialismo, São Paulo, Perpspectiva, 1979, cap.
1. Dessa “escola”, deve-se fazer excessão ao trabalho da historiadora Emília Viotti da
Costa, Da senzala à colônia, São Paulo, DIFEL, 1966, que tem uma visão mais complexa
das relações escravistas e se detém mais pausadamente na discussão da rebeldia escrava.
Uma crítica certeira da “coisificação” dos escravos é Sidney Chalhoub, Visões da
Liberdade, São Paulo, Companhia das Letras, 1990, pp. 35-43 e passim.
23
Barbara J. Fields, Slavery and Freedom on the Middle Ground: Maryland During the
Nineteenth Century, New Haven, Yale U. Press, 1985, p. 193.

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