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ARTIGOS

FABRICO INDUSTRIAL DO CARBONATO DE SÓDIO NO SÉCULO XIX:


EXEMPLOS PRECOCES DE QUÍMICA VERDE E ECOLOGIA INDUSTRIAL
ADÉLIO A. S. C. MACHADO *

Num artigo anterior [1], discutiu-se a coexistiram durante dezenas de anos, dem de Luís XVI, para um prémio de
biografia de Alfred Nobel como um isto é, porque a substituição do Pro- 2400 libras a ser atribuído a quem de-
praticante precursor da Química Ver- cesso Leblanc pelo Processo Solvay senvolvesse um processo de fabrico
de (QV) – mostrou-se que ele tinha foi lenta – o primeiro resistiu ao des- da soda (carbonato de sódio) a partir
adoptado precocemente posturas que mantelamento, apesar do segundo do sal (cloreto de sódio). Até então, o
se integram perfeitamente nas pre- ser tecnologicamente superior [4,5]. A composto era obtido por queima de
conizadas agora pelos Doze Princí- discussão mostra que isso se deveu, matérias-primas vegetais, portanto re-
pios da QV [2,3]. No presente artigo, em parte, à utilização do Processo nováveis: era extraído das cinzas de
apresenta-se outro exemplo temporão Leblanc como o cerne de um sistema certas madeiras e plantas marinhas –
de QV: revê-se a história da produ- de Ecologia Industrial [6-8] – o que barrilha (por exemplo, o arbusto Sal-
ção industrial do carbonato de sódio constitui um exemplo de emergência sola soda, cujas cinzas chegavam a
(“soda”) com o objectivo de mostrar temporã desta, que formalmente só atingir 30% em carbonato de sódio),
que a mudança, ocorrida predomi- surgiu nos finais do século XX. O pro- na Espanha Mediterrânica e nas Ilhas
nantemente ainda no século XIX, do blema da substituição de produtos e Canárias, e “kelp” (espécie Focus),
Processo Leblanc, um processo muito processos tem presentemente grande na Escócia [12].2 Com o aumento de
poluente de síntese do composto, para actualidade no âmbito da QV, já que procura do composto, que era utiliza-
o Processo Solvay, mais inócuo para esta prescreve, como objectivo glo- do no fabrico do sabão, vidro, papel,
o ambiente, constituiu um primeiro bal decorrente dos Doze Princípios, na nascente indústria têxtil, etc., em
exemplo da substituição de uma sín- a substituição dos perigosos por al- consequência do avanço da Revolu-
tese tradicional por uma síntese verde ternativas benignas – por exemplo, ção Industrial, as quantidades obtidas
(na nomenclatura actual) – revelando a substituição vai ser pressionada no pela via natural começaram a mostrar-
que, afinal, certas atitudes hoje con- futuro próximo pelo REACH [9]. No -se insuficientes, além de que o aces-
sideradas inovatórias no âmbito da entanto, há barreiras de índole não so ao seu fornecimento, em França e
nova abordagem da química que é a tecnológica a vencer na realização da Inglaterra, era problemático devido a
QV começaram a manifestar-se na In- substituição, que também são exem- guerras. Após estudar o assunto no la-
dústria Química logo aquando da sua plificadas quando se analisa a história boratório, Leblanc divisou o processo
formatação inicial, mais de um século da competição entre os Processos Le- descrito pelas equações no Quadro 1
antes da emergência da QV. blanc e Solvay. e, em 1791, com o apoio do Duque de
Orléans,3 montou uma fábrica em St.
Além do objectivo anterior, este artigo PROCESSO LEBLANC Denis, nos arredores de Paris, com
tem um segundo objectivo: analisar capacidade para fabricar uma quanti-
as razões porque os dois processos O processo de Leblanc (ver Quadro 1) dade de soda da ordem de 300 kg/dia
[10-14]1 foi implementado pelo médico (ou 100 ton/ano, o que no dealbar da
* Departamento de Química da Faculd
Faculdade de Ciências
francês Nicolas Leblanc (1742-1806) Indústria Química era uma escala ele-
da Universidade do Porto, R. Campo Alegre, 687
4169-007 Porto
na esteira de um concurso aberto em vada!). O lançamento do empreendi-
amachado@fc.up.pp 1783 pela Academia Francesa, por or- mento sofreu as vicissitudes da Revo-

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lução Francesa – o Duque de Orléans metálicos, tecidos, etc., para já não produtos químicos têm de suportar
foi guilhotinado em 1793 e Leblanc foi falar da vegetação. Uma das primei- se não praticam QV!). Independen-
obrigado a tornar públicos os detalhes ras leis ambientais inglesas (o “Alkali temente do destino dos resíduos só-
da sua invenção a favor de quem os Act”, 1863) impôs um corte de 95% lidos, a incorporação neles do enxofre
quisesse usar, tendo abandonado a nas respectivas emissões. Por isso, usado na preparação do ácido sulfú-
fábrica, que só conseguiu recuperar os gases começaram a ser absorvi- rico significava a sua perda (também
em 1801. O abandono foi fatal para as dos em água em torres de absorção um primeiro exemplo de custos acres-
instalações, que ficaram tão delapi- cheias com carvão ou coque (um pri- cidos quando não se pratica uma boa
dadas que Leblanc, após a sua devo- meiro exemplo da instalação de equi- economia atómica – Segundo Princí-
lução, em situação económica difícil, pamento antipoluição em fim-de-linha, pio da QV!).5
não as conseguiu recuperar, também vulgarizada nas últimas décadas do
porque entretanto tinham surgido século XX, após a emergência do am- As perdas de materiais em resíduos
competidores com fábricas tecnologi- bientalismo!) – mas como o efluente pressionaram, mais tarde, o desen-
camente mais evoluídas – e Leblanc líquido era lançado nos rios, matava a volvimento de processos para os
suicidou-se em 1806 (e, claro, como respectiva fauna e flora (um primeiro aproveitar (ver adiante). Por outro
Luís XVI tinha sido guilhotinado na exemplo de transferência de poluição lado, o processo de fabrico era tec-
Revolução, nunca chegou a receber industrial entre compartimentos am- nologicamente complicado, o que li-
o prémio!). bientais!). mitava o aumento de escala. O pico
de produção de soda pelo Processo
Quadro 1 Processo Leblanc Leblanc, no Reino Unido, foi da ordem
(1) Sal + Ácido sulfúrico → “Bolo de sal” (Sulfato de sódio) + Ácido clorídrico de 280.000 toneladas por ano, à volta
de 1880, decrescendo depois, quando
2 NaCl + H2SO4 → Na2SO4 + 2 HCl
surgiu o Processo Solvay, mas houve
(2) “Bolo de sal” (Sulfato de sódio) + Carvão + Calcite → “Cinza negra” fábricas em funcionamento até aos
Na2SO4 + 4 C + CaCO3 → Na2CO3 + CaS + 4 CO anos vinte do século XX. O processo
nunca foi usado nos EUA, onde a in-
(3) Extracção da “cinza negra” com água → Carbonato de sódio + Resíduo alcalino
dustrialização foi mais tardia e se usou
o Processo Solvay desde o início [12].
O Processo Leblanc, conjuntamen- Por outro lado, a deposição no am- No entanto, o Processo Leblanc foi
te com o processo das câmaras de biente da “cinza negra” residual, pro- um grande pilar da Indústria Química
chumbo para o fabrico do ácido sul- duzida após extracção da soda na europeia durante o século XIX, muito
fúrico, constituíram a fundação da terceira etapa (Quadro 1), constituía contribuindo para a consolidação defi-
Química Industrial – foram os dois pri- também um problema: este material, nitiva da sua emergência.
meiros processos quimico-industriais formado por sulfureto de cálcio e ex-
montados em grande escala.4 Nas cesso de carvão não reagido, co-pro- PROCESSO SOLVAY
primeiras décadas do século XIX fo- duzido em grande quantidade (duas
ram construídas diversas fábricas de toneladas de resíduos por tonelada As limitações do Processo Leblanc le-
soda em França, que preparavam já de soda) e sem utilidade, era deixa- varam à investigação de processos al-
10.000-15.000 toneladas do compos- do em volta das fábricas em grandes ternativos, o que conduziu à invenção
to por ano [12]. Os ingleses também montões. Quando chovia, a chuva do Processo Solvay. Este processo
adoptaram o processo – a primeira fá- ácida proveniente da “lavagem” do (ver Quadro 2) [11,15-18]6 foi inven-
brica inglesa foi construída em 1823, ácido clorídrico no ar, por absorção tado pelo belga Ernest Solvay (1838-
em Liverpool, por James Muspratt deste gás nas gotas de água, reagia 1922) e seu irmão Alfred, no início
(1793-1886), um grande industrialista com o sulfureto de cálcio e libertava dos anos sessenta do século XIX – a
a quem a Indústria Química deve um sulfureto de hidrogénio, provocando primeira fábrica foi instalada em 1863,
primeiro grande avanço para a sua um cheiro terrível (este problema era em Couillet, Bélgica. O processo de-
consolidação. Em meados do século mais grave quando a chuva era pouco pressa se começou a espalhar por
XIX, a Inglaterra produzia já 70.000 intensa e não diluía muito o ácido que toda a Europa, nomeadamente para
toneladas por ano de soda [12] – e absorvia – com ácido mais concentra- Inglaterra, em 1872, introduzido por
dominava a incipiente Indústria Quí- do, o ataque era mais eficaz). Além Ludwig Mond (1839-1909), um imi-
mica mundial. disso, com o tempo, acabava por grante alemão, que foi um inventor de
ocorrer também oxidação do sulfureto destaque e um notório empreende-
Com o aumento de escala de produ- a dióxido de enxofre, que se libertava dor no domínio da Indústria Química.
ção do composto, tornou-se óbvio que para o ar e contribuía para a poluição A vantagem do Processo Solvay na
o Processo Leblanc causava grandes atmosférica e respectivos danos. Por competição com o Processo Leblanc
danos no ambiente em redor das ins- isso, acabou por se ter de remover os resultou de ser tecnologicamente me-
talações. Por um lado, os fumos de resíduos para o mar ou para minas nos complicado e mais económico –
ácido clorídrico que se libertavam na abandonadas, mas o transporte acar- e, também, de ser mais verde: o amo-
primeira etapa (Quadro 1) eram muito retava custos adicionais (um primeiro níaco era recuperado, não havendo
destrutivos para os materiais nos arre- exemplo dos custos da poluição que emissão de poluentes em quantidade
dores da fábrica – edifícios, objectos as empresas industriais que fabricam significativa, e não produzia resídu-

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os tão inconvenientes (um primeiro posteriormente a respectiva produção cluído que não. O Processo Leblanc
exemplo da vantagem da verdura na estabilizou – e, não obstante as vanta- foi sustentado em competição com
prática da Química Industrial). gens do Processo Solvay, o Processo um competidor mais eficiente porque
foram encontradas aplicações para os
Quadro 2 Processo Solvay respectivos resíduos (ver Quadro 3):
(1) Borbulhamento de dióxido de carbono numa solução de sal saturada com amoníaco:
por um lado, o ácido clorídrico passou
separação de hidrogenocarbonato de sódio a ser usado na produção de cloro e, a
partir deste, de “pó de branqueação”
Sal + Amoníaco + Dióxido de carbono →
Hidrogenocarbonato de sódio + Cloreto de Amónio (CaClOCl);8 por outro, o enxofre do
sulfureto de cálcio podia ser recupe-
NaCl + NH3 + CO2 + H2O → NaHCO3 + NH4Cl
rado pelo processo de Claus (1888),
(2) Aquecimento do hidrogenocarbonato de sódio após libertação de sulfureto de hidro-
2 NaHCO3 → Na2CO3 + CO2 + H2O génio obtida por borbulhamento de di-
(3) Recuperação do amoníaco óxido de carbono, para ser reutilizado
2 NH4Cl + CaO → 2 NH3 + CaCl2 + H2O no fabrico do ácido sulfúrico usado na
primeira reacção do processo.
Deve referir-se, no entanto, que pre-
Quadro 3 Aproveitamento dos resíduos do Processo Leblanc
sentemente, em termos dos padrões
ambientais actuais, a deposição do (1) Aproveitamento do HCl – Fabrico de “pó de branqueação” (CaClOCl)
cloreto de cálcio residual levanta pro- 4 HCl + MnO2 → Cl2 + MnCl2 + 2 H2O
blemas [16, 19, 20], o que tem levado Cl2 + Ca(OH)2 → CaClOCl + H2O
a que continue ainda hoje a ser feita Com recuperação do Mn
investigação para alterar e melhorar MnCl2 + Ca(OH)2 → Mn(OH)2 + CaCl2 (Processo de Weldon, 1869)
o Processo Solvay [19, 20]. Por ou- Mn(OH)2 + ½ O2 → MnO2+ H2O
tro lado, a descoberta de volumosos
Alternativamente (fase gasosa, catalisador: CuCl2)
depósitos minerais de trona (sesqui- 2 HCl + ½ O2 → Cl2 + H2O (Processo Deacon, 1868)
carbonato de sódio, Na2CO3.NaHCO3.
(2) Recuperação do Enxofre (processo de Clauss-Chance)
H2O) e de salmouras de carbonato de
sódio, em certas regiões dos EUA, CaS + CO2 + H2O → CaCO3 + H2S (Processo Chance, 1882)
levou à descontinuação do processo H2S + ½ O2 → S + H2O (Processo Claus, 1988)
naquele continente [16, 17, 21], por Leblanc manteve-se em funciona- Por outro lado, os utilizadores do Pro-
razões técnico-económicas: é tecni- mento até aos fins da Primeira Guerra cesso Leblanc passaram a realizar a
camente mais fácil extrair os minerais Mundial [12], tendo portanto os dois segunda reacção de outro modo, na
e recristalizar o carbonato de sódio processos coexistido durante mais de presença de hidróxido de cálcio (“cal
(ou cristalizá-lo a partir de salmoura) quarenta anos. apagada”), para preparar hidróxido de
do que sintetizá-lo e o produto fica sódio (“soda cáustica”), cuja procura
mais barato (redução do custo da or- era crescente, em vez de soda – aco-
dem de metade). O Processo Solvay plando-lhe a reacção:
continua, porém, a ser usado no res-
Na2CO3 + Ca(OH)2 → 2 NaOH + CaCO3
to do mundo, já que o preço baixo da
soda não permite acomodar o custo
Como a soda cáustica obtida a partir do
de transporte a longa distância.
Processo Solvay era mais cara, as em-
presas que usavam o Processo Leblanc
SUBSTITUIÇÃO DO PROCESSO LEBLANC
conseguiram uma vantagem competiti-
PELO PROCESSO SOLVAY
va quando transferiram a sua produção
da soda para a soda cáustica.
Após a sua introdução, o Processo
Solvay, mais eficaz e barato, foi substi- Em suma, os praticantes do Proces-
Figura 1 Substituição do Processo Leblanc pelo
tuindo o Processo Leblanc, mas não o Processo Solvay após introdução deste no Reino so Leblanc ao montarem um sistema
eliminou imediatamente do mercado. Unido. Os dados para o traçado da figura foram
obtidos em [4,5], presumindo-se, em face da sua eco-industrial centrado naquele pro-
Na Fig. 1 apresentam-se dados sobre origem, que os valores são expressos em ton
cesso (ver a Fig. 2), que lhes permitia
imperiais (Reino Unido)
a competição entre os dois processos aproveitar resíduos e ampliar a gama
no Reino Unido, desde a introdução Embora as fontes históricas analisem de produtos fabricados, deram um
do Processo Solvay até ao início do a substituição [10,11], informação mais passo importante para se manterem
século XX (produção anual por cada completa sobre esta foi proporcionada em competição com as empresas do
processo) [4,5]. A figura mostra que por um estudo recente do processo Processo Solvay. A actividade indus-
na década de oitenta do século XIX de substituição no âmbito da gestão trial desenvolvida em torno do Proces-
o novo Processo Solvay ganhou ra- da inovação da tecnologia [4,5]; este so Leblanc, à volta de 1880, constitui
pidamente quota de mercado ao pro- estudo analisou a substituição com um exemplo precoce da emergência
cesso vigente, cuja produção diminui vista a determinar se teria ocorrido o da Ecologia Industrial – com mais de
(ocorreu “destruição criativa” [4]), mas “efeito de barco à vela”,7 tendo con- um século de avanço sobre a sua

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criação recente, que data dos anos adversário. Por isso, apesar de a sua QV – demonstra a sua emergência,
noventa do século XX.9 tecnologia Solvay ser mais eficaz que por via heurística (auto-aprendizagem
pela prática, sem formulação delibe-
rada de qualquer intenção, tal como
no caso de Alfred Nobel [1]), mais de
um século antes de se ter começado a
falar em QV, nos fins do século XX, e
a procurar definir princípios básicos e
gerais para a sua implementação.

Além de ser curioso, o caso contém


uma lição pertinente para a actua-
lidade: a substituição inexorável do
Processo Leblanc pelo Processo
Solvay, após algumas décadas de
competição,10 evidencia a força natu-
ral da QV como modo de implementar
a Química Industrial. No entanto, os
acontecimentos em torno da substitui-
ção mostram que esta não é apenas
determinada pela “competitividade da
verdura” dos processos – a substitui-
ção é um processo complexo, que en-
volve factores de outra natureza que
não os da química e respectiva tec-
nologia. A substituição é um assunto
com muito interesse actual, sendo
Figura 2 O sistema eco-industrial com cerne no Processo Leblanc preconizada pela QV – por exemplo,
como exemplo de Ecologia Industrial (Adaptado de [14]) o REACH prevê a substituição de pro-
dutos perigosos, o que pode implicar
No entanto, outros dois movimentos a da UAC, Mond preferiu entrar em substituição de processos, embora
realizados pelas empresas do Pro- acordo com esta, o que, embora pos- não avance com explicitações do
cesso Leblanc tiveram também impor- sa parecer estranho, teve uma base modo como deve ser feita [9].11
tância para adiar a sua obsolescência. racional [4].
Primeiro, em 1891, as mais de quaren- A montagem de um sistema eco-in-
ta empresas em actividade no Reino Nos fins do século XIX, com o desen- dustrial com âmago no Processo Le-
Unido aglomeraram-se numa única, a volvimento da produção de electricida- blanc, fez diminuir o Factor E [22,23],
United Alkali Co (UAC), consolidando de e do processo electrolítico de fabri- que avalia a perda de átomos dos re-
a sua actividade nas unidades mais co do cloro e soda cáustica a partir do agentes em resíduos de um processo,
eficientes. cloreto de sódio, mais eficiente do que de cerca de 5,3 para cerca de 2 (ver
o baseado no Processo de Leblanc, a Notas 5 e 9, valores aproximados em
Por outro lado, a UAC chegou a um obsolescência deste acabou por vir à face da imprecisão dos dados histó-
acordo com o competidor (Mond), tona e o Processo Solvay acabou por ricos sobre as quantidades de mate-
quanto a preços e quotas de mercado se impor – as últimas fábricas do Pro- riais envolvidos no processo).
da soda, o que pode parecer irracional cesso Leblanc encerraram à volta de
da parte deste último, já que dispunha 1920. A inclusão do Processo Leblanc num
de um processo tecnologicamente su- sistema industrial que mimetizava os
perior. A razão de ser do acordo tem ecológicos aportou-lhe robustez sis-
por base factores não tecnológicos: a CONCLUSÕES témica, que foi determinante para o
patente do Processo Solvay termina- manter no mercado em competição
va em 1886, data em que este ficava Embora os aspectos ambientais da com um processo tecnologicamente
acessível a todas as empresas, o que incipiente Indústria Química fossem melhor – esteve na base do acordo
era uma vulnerabilidade dos seus utili- pouco valorizados na altura, os pro- sobre preços e quotas de mercado en-
zadores – a concorrente UAC poderia blemas do processo de Leblanc para o tre a UAC e o seu competidor, já que
passar a usar o processo; outra vulne- fabrico da soda eram tão nocivos que lhe trouxe vantagens competitivas.
rabilidade resultava dos monopólios pressionaram a procura de processos Este caso mostra desde logo, preco-
da produção do pó de branqueamento alternativos menos inconvenientes. A cemente, a importância da Ecologia
e da soda cáustica de que a UAC dis- mudança do Processo Leblanc para o Industrial quando se pretende montar
punha – que, em situação de “guer- Processo Solvay, ocorrida na segun- a Indústria Química como um sistema
ra comercial”, lhe permitiria baixar os da metade do século XIX, constitui industrial que metabolize resíduos em
preços da soda para retaliar sobre o assim mais um exemplo temporão de produtos vendáveis.

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NOTAS ções detalhadas do processo tal como século de prática da Indústria Química,
é praticado actualmente, informação so- o respectivo progresso tecnológico ter
1
Sobre a bibliografia do Processo Leblanc: bre as aplicações actuais da soda, etc.; acelerado. Tanto quanto o autor deste
as Refs. [10] e [11] incluem análises his- em [18] são incluídos detalhes técnicos artigo tem conhecimento, esta substi-
tóricas do desenvolvimento do processo, do processo quando realizado segundo tuição nunca foi analisada sob o ponto
a segunda das quais detalhada e incluin- as melhores tenologias disponíveis. de vista da gestão da inovação tecno-
7
do as vertentes humana e societária; o O chamado “efeito do barco à vela” (in- lógica.
11
artigo [12] apresenta uma versão mais troduzido por Gilfillan, 1935) consiste na Em face da complexidade da Indústria
sumária (adequada para o ensino se- aceleração da inovação numa tecnologia Química, provavelmente o processo de
cundário); os artigos [13] e [14] contêm quando ameaçada pelo aparecimento substituição variará muito de caso para
biografias de Leblanc, descrevendo as de outra que aporta inovação radical; o caso.
12
vicissitudes da implementação inicial do nome provém de a construção de barcos BREF é abreviatura de “Best available
processo que tem o seu nome e da sua à vela ter progredido muito quando sur- tecnique REFerence document”.
vida no âmbito da Revolução Francesa giu o barco a vapor, segundo Gilfillan –
(o primeiro, mais breve, parece adequa- estudos recentes, porém, colocam esta REFERÊNCIAS
do para o ensino secundário). conclusão em xeque [24].
8
2
É interessante notar que presentemente A fórmula é empírica e aproximada; a [1] A. A. S. C. Machado, “Alfred Nobel – O
o Sétimo Princípio da QV [2,3] preconi- substância é uma mistura do hipoclori- Primeiro Químico Verde?”, Química –
za o uso de matérias-primas renováveis to Ca(ClO)2 e do hidroxicloreto CaCl2.- Boletim da SPQ 103 (2006) 45-55.
para o fabrico de produtos químicos. O Ca(OH)2, contendo também Ca(OH)2. [2] P. T. Anastas e J. C. Warner, Green
9
caso presente mostra que esta prescri- Após a montagem do sistema eco-in- Chemistry – Theory and Practice, Ox-
ção tem limitações severas – desde o dustrial, o aproveitamento das matérias- ford UP, 1998, p. 30.
século XIX que o percurso histórico foi -primas melhorou: a partir de 9.000 uni- [3] A. A. S. C. Machado, “Química e Desen-
das matérias-primas renováveis para as dades de matérias-primas obtinham-se volvimento Sustentável – QV, QUIVES,
minerais, porque as primeiras se mostra- 3.000 de produtos vendáveis ([10], p. QUISUS”, Química – Boletim da SPQ
ram insuficientes para satisfazer os re- 288), o que corresponde a um valor de 95 (2004) 59-67.
quisitos intensos de produtos químicos Factor E = 2 (comparar com a Nota 5). [4] J. Hoewells, “The Response of Old
da Civilização Industrial. Em consequên- Este valor é apenas ligeiramente su- Technology Incumbents to Techno-
cia, provavelmente, o referido princípio perior ao valor teórico ideal do Factor logical Competition – Does the Sailing
só poderá ser cumprido em casos favo- E =1,98, calculado a partir das equações Ship Effect Exist?”, J. Manag. Studies
ráveis e terá uma aplicação limitada. estequiométricas do Processo Leblanc 39 (2002) 887-906.
3
Leblanc era funcionário do Duque de Or- admitindo que o cloro e o enxofre são [5] J. Hoewells, The Management of Inno-
léans, mas não muito ocupado – era mé- totalmente recuperados e que não há vation and Technology – The Shaping
dico, o que lhe deixava tempo livre para outras perdas, pelo que parece dema- of Technology and Institutions of the
praticar química! De notar que, naquela siado optimista. Market Economy, SAGE Publications,
10
altura, muitos dos praticantes da quími- É interessante notar que no século XX, 2005, p. 88-96.
ca eram médicos. quando a Indústria Química já envolvia [6] D. T. Allen, “Industrial Ecology”, em D.
4
Como mostra a primeira equação quí- uma tecnologia muito mais evoluída, T. Allen e D. R. Shonnard, Green En-
mica do Processo Leblanc, o ácido sul- houve outro caso de substituição lenta gineering –Environmentally Conscious
fúrico é um dos reagentes do mesmo com dois processos em competição para Design of Chemical Processes, Pren-
e, por isso, o desenvolvimento daquele o fabrico do óxido de etileno [25]: tice-Hall, 2002, p. 461-473.
processo pressionou o desenvolvimento Processo da cloro-hidrina: [7] R. U. Ayres e L. W. Ayres, Handbook of
do processo das câmaras de chumbo CH2=CH2 + Cl2 + H2O → ClCH2CH2OH + HCl Industrial Ecology, Elgar, 2002
para o fabrico do ácido. ClCH2CH2OH → (CH2)2>O + HCl [8] T. E. Graedel e B. R. Allenby, Industrial
5
Genericamente, o aproveitamento das Processo da oxidação directa: Ecology, 2ª ed, Prentice-Hall, 2003
matérias-primas no processo de Leblanc CH2=CH2 + O2 → (CH2)2>O [9] Royal Society of Chemistry, A Brief
era baixo: estimou-se que, em 1863, o O processo da cloro-hidrina surgiu nos Guide to Reach, RSC, 2008
consumo destas foi de 1.760.000 tone- anos trinta, o da oxidação directa nos [10] W. H. Brock, The Fontana History of
ladas, para produzir 280.000 toneladas anos quarenta. Este último, como mos- Chemistry, Fontana, 1992, p. 276-293.
de soda ([10], p. 283) – destes valores tram as equações, apresentava eco- [11] W. A. Campbell, “The Alkali Industry”,
pode-se calcular um valor do Factor E (= nomia atómica superior (idealmente, em C. A. Russell (ed.), Chemistry, So-
5,3), que, sendo elevado, evidencia que 100%) e não requeria reagentes proble- ciety and Environment – A New History
uma fracção elevada dos átomos apor- máticos (cloro), pelo que era mais verde. of the British Chemical Industry, RSC,
tados nos reagentes eram perdidos nos Além disso, era tecnologicamente mais 2000, p. 75-106.
resíduos. simples – e acabou por eliminar o pro- [12] D. F. Kiefer, “It Was All About Alkali”,
6
Sobre a bibliografia do Processo Solvay: cesso da cloro-hidrina do mercado (este TCAW 11(1) (2002) 45-49.
as Refs [11] e [15] incluem análises his- caso constituiu assim um outro exemplo [13] M. Sutton, “A Revolutionary Casuality”,
tóricas do desenvolvimento do proces- de QV antes do tempo). No entanto, a Chem. World 5(11) (2006) 54-57.
so, a última em versão mais sumária eliminação só ocorreu nos anos oitenta, [14] R. P. Oesper, “Nicolas Leblanc (1742-
(adequada para o ensino secundário); isto é, demorou também cerca de quatro 1806)”, J. Chem. Ed. 19 (1942) 567-
as Refs. [16] e [17] apresentam descri- décadas a ocorrer, apesar de, após um -572; 20 (1943) 11-20.

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[15] D. F. Kiefer, “Soda Ash, Solvay Style”, [19] G. Steinhauser, “Cleaner Production – Past, Present and Future”, Chem.
TCAW 11(2) (2002) 87-90. in the Solvay Process: General Strat- Ind. (London) (1992) 903-906.
[16] R. D. A. Woode, “Sodium Carbonate”, egies and Recent Developments”, J. [23] A. A. S. C. Machado, “Métricas da
em R. Thompson (ed.), Industrial Inor- Clean Prod. 16 (2008) 833-841. Química Verde – A Produtividade Ató-
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1995, p. 123-148. manowska, “Clean Production in the (2007) 47-55.
[17] J. A. Kent, Kent and Riegels’s Hand- Ammonia-Soda Industry: An Ecological [24] N. De Liso e G. Filatrella, “On Techno-
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[18] ESAPA – European Soda Ash Pro- rals Yearbook, USGS (2006), p.70.1- [25] G. H. Vogel, Process Development –
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Soda Ash, CEFIC (2004).12 [22] R. A. Sheldon, “Organic Synthesis – duction Plant, Wiley-VCH, 2005, p. 6-7.

ACTUALIDADE CIENTÍFICA

A ESTREIA DO PALÁDIO (III) COMO e Pd(IV), onde cada centro activo me- Canty demonstrou recentemente que
ACTOR NO PALCO DA CATÁLISE tálico de Pd podia fornecer até dois os complexos análogos de Pt(III) tam-
electrões para formar a nova ligação. bém podem actuar como intermediá-
rios de reacção (Journal of the Ame-
Uma equipa de Químicos da Univer- Tendo por base experiências cinéti- rican Chemical Society 131 (2009)
sidade de Harvard demonstrou pela cas, os investigadores propuseram 7236).
primeira vez a participação de com- um mecanismo alternativo envol-
plexos de paládio no estado de oxi- vendo complexos contendo dois
dação +3 em processos catalíticos de centros activos metálicos de Pd(III)
formação de ligações. como intermediários nas reacções, (adaptado de Chemical & Enginee-
contribuindo cada Pd com um elec- ring News 87 (23) (2009) 10)
Esta descoberta vem fornecer um trão para a formação de uma ligação
novo entusiasmo à química do paládio C-heteroátomo (Nature Chemistry, Helder Gomes
que poderá permitir o desenvolvimen- DOI: 10.1038/nchem.246).
to de novas reacções.
Não é garantido que o novo mecanis-
mo possa ser aplicado de uma forma
O paládio é utilizado como catalisador generalizada, mas a equipa pretende
numa grande variedade de reacções explorar o potencial do catalisador
e a química dos seus estados de oxi- bimetálico Pd(III) numa variedade de
dação 0, +1, +2 e +4 é bem conheci- reacções.
da. O estudante de graduação David
C. Powers e o Professor Assistente de De acordo com Allan J. Canty da Uni-
Química Tobias Ritter fizeram a nova versidade da Tasmânia, a equipa de
descoberta enquanto investigavam o investigadores da Universidade de
mecanismo de uma série de reacções Harvard “forneceu uma contribuição
de formação de ligações entre carbo- oportuna e fascinante para o actual
no e heteroátomos catalisadas por rápido desenvolvimento da química
paládio. orgânica envolvendo paládio nos seus
estados de oxidação mais elevados e
Sempre se pensou que este tipo de uma avaliação estimulante do poten-
reacções seguia por um ciclo catalíti- cial de envolvimento desses estados
co envolvendo alternadamente Pd(II) em síntese orgânica”.

QUÍMICA 113

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