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Um Conjunto Urbanístico para

a Belém Pombalina*

Dra. Yara Felicidade de Souza Reis 


Universidade de São Paulo

I. Introdução
Em “Notas sobre o Urbanismo Barroco no Brasil”, foram analisadas pioneira-
mente algumas particularidades do urbanismo praticado no Brasil a partir da se-
gunda metade do século XVIII e que, segundo seu autor, aparecem como resultado
de uma produção, cuja principal expressão foram os sobrados padronizados volta-
dos para o porto da cidade, que tinham dupla função, de residência e comércio.
Esse padrão que encontrou similaridades em cidades como Belém, Rio de Janeiro,
São Luis e Salvador, cujos conjuntos antecederam aos da Lisboa Pombalina, situa-
va-se no âmbito de uma nova tipologia para a “casa comum”: casas de particulares
relativamente simples, mas que adquirem um caráter monumental quando obser-
vadas em conjunto, dando a impressão para o observador de se tratar de um único
prédio em cada quadra. Essas edificações obedeciam a um projeto comum e desti-
navam-se a um segmento social cuja atividade principal era o comércio.
No ano de 1751, a cidade de Belém passa a ser a sede do governo do Grão
Pará e Maranhão, tornando-se parte de um projeto político, que gerou um tipo de

* Este artigo é resultado de pesquisa para minha tese de doutorado, defendida em 2005, na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, intitulada Urbanismo
em Belém na segunda metade do século XVIII, que contou com apoio financeiro da Capes
– Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP, com pesquisa financiada pela CAPES - Co-
ordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Pós doutoranda pela FAUSP, com
pesquisa financiada pela FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

REIS, Nestor Goulart. Notas sobre o Urbanismo Barroco no Brasil in: ÁVILA, Affonso (org.).
Revista Barroco. Barroco: Teoria e Análise. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1997. Este trabalho
foi apresentado no II Congresso do Barroco, realizado na Cidade de Ouro Preto, em 1989.

Idem, Ibidem, p. 221.

A Capitania do Pará esteve subordinada ao Governo Geral desde a sua fundação, em 1616.
Esse quadro mudará em 1621, quando ocorre uma nova divisão do Brasil. Com adminis-
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investimento urbanístico com características inovadoras, apresentando um amadu-


recimento no universo do conhecimento técnico, colocado em prática através
de novos conceitos e formas. Esse investimento foi capaz de direcionar projetos
de grande envergadura, possibilitando assim a criação de um cenário urbanísti-
co que englobava a cidade como um todo. Seu caráter transformador manifes-
tou-se entre outros aspectos através da articulação do “conjunto urbanístico”,
formado pela “casa-comum”, as edificações públicas e religiosas; as praças, hor-
tos, jardins e os eixos viários.
Nossa abordagem focaliza às edificações com características de padroniza-
ção, que começaram a ser erguidas na cidade em princípios da segunda metade do
século XVIII formando à frente do porto, uma espécie de fachada para a cidade.
Tanto quanto a arquitetura de igrejas e palácios, tinha monumentalidade, embora
esta não correspondesse a obras isoladas mas a um conjunto de obras.
Verificaremos em parte a amplitude dessa ação em Belém, ou seja, como essa
política urbanizadora se aplicou na cidade e o modo concreto como foi constituído
o cenário urbano pelos engenheiros militares presentes na cidade.

II. Desdobramentos da política pombalina na Amazônia


A cidade de Belém, fundada em 1616, foi transformada, na segunda metade
de setecentos, em sede do governo do norte e referência urbana para o empreendi-
mento orquestrado pelo Ministro de D. José I, o futuro Marquês de Pombal (1750
– 1777) na Amazônia. Tornou-se o mais importante centro regional e cabeça do
comércio com as minas do centro-oeste. Como portadora da prática urbanística
pombalina, foi palco de uma experiência sem precedentes, obedecendo a um pla-

tração separada do Governo Geral, sediado em Salvador, criou-se o Estado do Maranhão (com
sede em São Luis), compreendendo essa capitania também o Ceará e o Pará, que ficariam desli-
gados de qualquer subordinação ao Brasil. A Amazônia integrava esse Estado. Em 1652 dividiu-
se o norte brasileiro em duas capitanias distintas, a do Grão Pará e do Maranhão, permanecendo
assim até 1654, quando se torna o Estado do Maranhão e Grão Pará, com sede em São Luis. O
Grão Pará fica independente do maranhão pela decisão régia de 19 de abril de 1751.

O conceito de “conjuntos urbanísticos” foi utilizado por Nestor Goulart Reis, que o entende
como “conjuntos urbanos com planos urbanísticos que englobavam os projetos arquitetônicos.
Esses conjuntos urbanísticos envolvem construções diversas (arquitetura religiosa, edifícios pú-
blicos e privados) que juntos formam um todo monumental e servem de cenário urbano que
confere identidade à cidade”. REIS, Nestor Goulart. Texto inédito em obra a ser publicada.Ver
referência sobre “conjuntos urbanos” em REIS, Nestor Goulart. Notas Sobre o Urbanismo Barro-
co no Brasil. In: ÁVILA, Affonso (org). Revista Barroco. Barroco: Teoria e Análise.. Op. cit.

REIS, Yara Felicidade de Souza. Urbanismo em Belém na segunda metade do século XVIII.
Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo. São Paulo: 2005.
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nejamento detalhado, cumprido por engenheiros militares que, com seus planos
urbanísticos, vinham comprovar a excelente formação profissional que possuíam.
A importância que a cidade de Belém passa a ter após a ascensão de D. José I pode
ser entendida como um desdobramento de acontecimentos ligados a questões de or-
dem diversa. No âmbito político e estratégico, estes acontecimentos relacionavam-se
ao Tratado de Madri, prioridade inconteste da administração pombalina; no âmbito
econômico, à decadência da produção aurífera nas regiões mineradoras e a conse-
qüente criação da Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão. Aliada a estas
questões estava a ação urbanizadora pombalina, geralmente identificada com planos
que se materializavam indo do geral ao particular: um projeto em larga escala. Plane-
java-se desde a montagem de uma estrutura comercial abrangente, passando pela
construção de núcleos inteiros ou regulamentando-os seguindo critérios precisos, fun-
damentados nos ensinamentos difundidos pela “escola de urbanismo português”. Era
uma ação onde vigoravam valores de uma tradição urbanística que vinha sendo apri-
morada desde os primeiros tempos da expansão ultramarina.
A ação urbanizadora protagonizada pelo Marques de Pombal na Amazônia é
reconhecida como resultado da utilização dos métodos difundidos pela “escola de
urbanismo português”, que deu origem ao “urbanismo pombalino”. A aplicação e
divulgação desse urbanismo foram executadas pelos técnicos da Comissão Demarca-
dora, que imprimiram sua marca nas vilas e cidades da Amazônia do século XVIII.
Renata Araújo quando utilizou em sua obra os conceitos de “escola de engenharia
militar portuguesa” ou “escola de urbanismo português”, fez a seguinte advertência:

(...) estas expressões não pretendem significar uma vertente necessariamente


original e exportável da engenharia ou do urbanismo português, com relação
ao dos outros povos. A noção de ‘escola‘ é usada tão somente no sentido de
esclarecer um processo, que tem as suas características específicas e que,


São delineadas preliminarmente as divisórias entre possessões das coras portuguesa e espanhola,
no Tratado de Madri de 1750, e fixadas, mais tarde, pelo Tratado de Santo Ildefonso em 1777.

Especificamente sobre a Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão, ver o traba-
lho de DIAS, Manuel Nunes. A Companhia Geral do Grão Pará, Belém: Ed. UFPa., 1970.
V. I, p.3/ V. II, p. 55. Para este autor, foi durante a administração pombalina que teve início
o cultivo racional de plantas. Plantou-se, de acordo com o incentivo oficial, cravo canela,
castanha, cacau. O estabelecimento da Companhia de Comércio do Gão Pará e Maranhão,
em 1755, geraria a ocupação e utilização econômica das capitanias do Norte do Brasil. Sua
montagem permitiu ao Estado do Grão Pará uma integração com a economia mundial da
segunda metade do século XVIII. A navegação entre Belém, São Luiz e Lisboa se desenvolve-
ria no bojo da necessidade de ligar a Europa às regiões coloniais, fornecedoras de produtos
tropicais mercantilizáveis.

ARAÚJO, Renata Malcher de. As cidades da Amazónia no século XVIII. Belém, Macapá e Maza-
gão. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Univer-
sidade Nova de Lisboa. Lisboa: 1992, pp. 427-428. Esta dissertação foi publicada no ano de 1998
pela FAUP Publicações -Faculdade de Arquitetura do Porto da Universidade do Porto – Portugal.
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acima de tudo, se serve de um método de divulgação ‘escolar’, no sentido


que se fundamenta em ‘aulas‘ e que implica numa passagem do conhecimen-
to de mestres a discípulos, que se multiplicam no tempo e no espaço.10

A fixação das fronteiras entre Espanha e Portugal ficou diplomaticamente acor-


dada no Tratado de Madri de 1750. As negociações luso-espanholas estabeleceram,
de antemão, duas comissões conjuntas para reconhecimento territorial. Para coorde-
nar a Comissão do Sul, Portugal nomeou Gomes Freire de Andrade, então governa-
dor do Rio de Janeiro e das capitanias do Sul. Para a Comissão do Norte e da bacia
amazônica, Pombal enviou seu irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que
acumulava a função de governador do Estado do Grão Pará e Maranhão.
Sob determinação da coroa portuguesa, foi enviada à Amazônia a Comissão
Demarcadora dos Limites, composta por técnicos portugueses e estrangeiros, que
lá chegaram em 1753 para defender os interesses da metrópole. Nesse quadro de
profissionais estavam incluídos astrônomos, naturalistas, geógrafos e capitães enge-
nheiros.

III. Belém, a sede do poder


Em 24 de setembro de 1751, Belém se torna a capital do Estado do Grão Pará
e Maranhão - anteriormente denominado de Maranhão e Grão Pará, com capital
em São Luis. O marco que inaugura essa passagem para a nova fase admistrativa,
foi a chegada do novo governador do Estado, Francisco Xavier de Mendonça Fur-
tado, irmão de Pombal.
Renata Araújo analisou a situação da evolução urbana de Belém no contexto da
estrutura de poder que lhe conferiu a posição de capital do Estado. O poder, que se
faria representar no espaço da cidade, foi identificado pela autora como aquele que se
formara a partir do “quadro das disputas entre o Estado e os missionários”. O conjunto
de reformas proposto pela administração pombalina, que incluía a criação da Compa-
nhia do Comércio e a Lei da Liberdade dos índios (1755), vinha anular as “forças de
oposição“ ao seu governo11. Essa disputa foi gerada pela posse de terrenos situados
atrás do colégio dos Jesuítas, zona principal do núcleo urbano e, portanto, de localiza-
ção privilegiada e carregada de predicados simbólicos ligados ao poder. Era o espaço
urbano servindo de “palco de representação das tensões sociopolíticas da cidade”.
Ainda no entender de Araújo, esse conflito - que existia “para além do campo espa-
cial“- ao contestar espaços (terrenos), num espaço de representação de poder, traduz
uma disputa de poder (ou ao menos de representação de poder)12.

10
Idem, ibdem, p.12 e 427.
11
Idem, Ibidem, p. 327.
12
Idem, ibidem, p. 329. Ver sobre esta questão, Parte II, capítulo IV dessa Obra.
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Com as novas responsabilidades do governo e o crescente peso político das


questões referentes ao controle do território, instala-se em Belém uma “Aula de
Arquitetura Militar”. Sob a responsabilidade dos engenheiros Custódio Pereira e
José Velho de Azevedo havia sido instalada no ano de 1699 uma Aula no Mara-
nhão, contemporaneamente à da Bahia (1696), à do Rio de Janeiro (1698) e à de
Recife (1701). Mais tarde, já com a nova divisão administrativa da região - no Esta-
do do Grão Pará e Maranhão - ocorre a sua “recriação”, em Belém, no ano de
1758, reativada pelo empenho de Mendonça Furtado no quadro das mudanças
pombalinas. Como um braço do conjunto formativo da engenharia portuguesa, a
Aula na Amazônia é responsável pela formação teórica e prática dos engenheiros
na condução das ações de conhecimento e defesa do espaço colonizado13.
Trabalhavam no Pará, entre 1667 e 1706, durante o reinado de D. Pedro II, incluin-
do Custódio Pereira e José Velho de Azevedo, 04 engenheiros. À época de D. João V
(1706 - 1750) eram apenas dois. O quadro de engenheiros militares que atuou na região
norte durante o reinado de D. José I é extenso. Somente no Pará, trabalharam em torno
de 12 engenheiros, a maioria originária de Portugal e da Itália. Esse número cai para 09
durante o reinado de D. Maria I entre 1777 e 1816, sendo que entre 1816 e 1822, apenas
Hugo Fournier de la Clair, engenheiro de origem francesa, esteve sediado no Pará14.
As intervenções urbanísticas realizadas na cidade comprovam o elevado estágio
de capacitação técnica do quadro de engenheiros militares que foi posto a serviço da
montagem de um cenário urbano, como representação do poder da metrópole. Des-
ses profissionais o mais notável foi o arquiteto bolonhês Antônio Landi, que chegou
ao Pará como membro da expedição para Demarcação dos Limites. Entre as obras
públicas que desenhou estão a Planta do Armazém de Armas no Colégio dos Jesuítas
(1761), o Palácio dos Governadores (1767-1771) ( ver fig. 1 ) e as Frontarias da Casa
da Administração da Companhia Geral do Grão Pará (1773). Entretanto, sua contri-
buição profissional não parou aí, estendendo-se também aos edifícios religiosos e
residências particulares. Landi foi responsável pela maioria dos projetos realizados
em Belém, desde sua chegada até sua morte em 1791.

IV. O Conjunto Urbanístico Pombalino


A definição da imagem da cidade, identificada com o poder, contou com solu-
ções que vieram também das “casas comuns”- sobrados com dupla função de residên-
cia e comércio -, a partir das relações que esta arquitetura e sua interação com os espa-

13
Idem, ibidem, p. 141 e pp. 195-197.
14
BUENO, Beatriz S. Desenho e Desígnio: O Brasil dos Engenheiros Militares. op. cit, v. I.
Ver Anexo I - Tabela dos Engenheiros Militares Atuantes no Brasil entre 1500-1822, páginas
s/ numeração. A autora contabilizou por estado o número de engenheiros militares presentes
no Brasil Colônia. A referência que fazemos ao local onde cada engenheiro ficou sediado
corresponde às informações contidas nessa tabela.
1280 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano

ços em seu entorno, assumiram com o espaço urbano como um todo, ou seja, com as
praças, ruas, jardins, eixos viários, construções particulares, públicas e religiosas.15
No período colonial, sobrados e casas térreas eram os principais tipos de ha-
bitação. A diferença entre ambos ia além de aspectos técnicos, definindo também
as relações entre o habitar e os estratos sociais. Os mais ricos, habitavam os sobra-
dos, assoalhados; as casas térreas, feitas de ‘chão batido’, essas, destinavam-se às
camadas mais pobres. Os pavimentos térreos dos sobrados não eram ocupados
pelas famílias dos proprietários. Quando não eram utilizados como lojas, serviam
para acomodar escravos e animais, ou então ficavam vazios.16
Com a criação da Companhia do Comércio do Grão Pará e Maranhão e a cons-
trução de um estaleiro em Belém no ano de 1764 se torna mais intenso o tráfico de
embarcações na cidade. Com pontes e ancoradouros, ainda que modestos, o porto
vinha se estabelecendo para dar vazão ao fluxo comercial mantido com regiões próxi-
mas e com a metrópole. Pode-se inferir que a operação comercial, gerada pela Com-
panhia, acabou favorecendo o aparecimento de uma classe de comerciantes, que
preferencialmente se instalou ao longo do litoral, para exercer seu comércio, cons-
truindo um cenário urbano que assumiu característica de monumentalidade.
Através da interpretação e análise das plantas e gravuras da segunda metade
do século XVIII e início do século XIX foi possível esclarecer algumas questões
sobre os conjuntos de sobrados erguidos na rua cujo nome primitivo foi Rua da
Praia e como o próprio nome indica, ficava de frente para o porto da cidade.
Acreditamos que esta rua foi, ao menos em fins do século XVIII e início do sécu-
lo XIX, a mais importante da cidade. Sua localização privilegiada – de frente para
a Baía do Guajará –, as construções que nela foram levantadas e o número de
desenhos e gravuras executados nesse período, focalizando esse trecho da cida-
de, são indicativos de sua importância.
O comércio exercido tradicionalmente na Rua dos Mercadores – situada atrás
da Rua da Praia e um dos principais eixos viários da cidade nos primeiros séculos
- foi mantido durante o século XVI e XVII e nos séculos seguintes, mas a rua deixou
de ocupar o lugar de único eixo comercial importante da cidade, cedendo espaço
para a rua situada a sua frente.
A Rua da Praia, situada entre a Travessa das Mercês e a Travessa que já se
chamou da Companhia, e que atualmente é a Avenida Portugal, vai se tornando, a
partir da primeira metade do século XVIII, um eixo viário de fluxo e movimento,
dada sua localização à beira do porto e sua condição de um novo local para o
exercício comercial. As construções que vão sendo erguidas na rua passam a ocu-
par a dupla função de residência e local de trabalho e começam a ganhar seus

15
REIS, Yara Felicidade de Souza. Urbanismo em Belém na segunda metade do século XVIII.
Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo. São Paulo: 2005.
16
REIS, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva,
1987, p.28.
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espaços enquanto expressão de poder de um crescente segmento social identifica-


do com o comércio. A instalação destas edificações procede deste poder, e a ar-
quitetura é organizada para formar, perante os espaços públicos, um cenário urba-
no; um cenário de frente para o porto. Essa era a forma de lhe dar visibilidade.
A atual Rua 15 de Novembro era chamada Rua da Praia e, até 1820, só tinha
edificações ao lado oriental17. Nela foi construído um conjunto de prédios padro-
nizados: sobrados de dois pavimentos, seguindo a mesma altura, mesmos tipos de
janelas, portas e telhados. As janelas possuíam a mesma altura e balcões semelhan-
tes, o que reforça a imagem de que estamos diante de um conjunto homogêneo
construído como se tratasse de uma fachada única e contínua. As janelas estavam
situadas quase todas no andar superior; no andar térreo ficavam as portas. A partir
da segunda metade do século XIX tem início o aterramento da área situada à sua
frente18, erguendo-se na nova faixa de terra conquistada ao litoral edificações que
vão deixando para trás os antigos sobrados do século XVIII.
Numa gravura, feita aproximadamente em 1800 (ver fig. 2), (observando da
esquerda para a direita) pode-se ver o trecho do porto situado entre o Convento e
a Igreja das Mercês, no Bairro da Campina, até as imediações do Forte do Presépio
ou Santo Cristo, situado no núcleo mais antigo da cidade, o Bairro da Cidade. A
esquerda, o Convento e Igreja das Mercês, com o Forte de São Pedro Nolasco à
frente. Em posição mediana, entre o convento e Forte do Presépio, encontra-se a
Praça do Pelourinho fazendo parte do conjunto, numa construção semi circular
abrindo-se para os sobrados padronizados e com acesso ao rio pela parte posterior.
A abertura para o rio é a continuação do eixo da Rua do Pelourinho, atual 7 de
setembro. À direita, ao fundo, a Praça e o Palacio dos Governadores.
A Rua da Praia aparece em toda sua extensão, com suas cinco quadras, cujas
dimensões dos lotes deviam ser maiores na largura (frente para a Rua da Praia) do
que em profundidade.
Este cenário que começou a ser constituído em fins da primeira metade do
século XVIII teria provavelmente, ao término da fase pombalina, quatro quadras de
sobrados padronizados, com o mesmo número de andares, telhados iguais e bal-
cões na janelas. A exceção à uniformidade ocorria por conta de alguns detalhes
construtivos.
Muito provavelmente já estaria concluído em fins da fase pombalina todo o
conjunto de prédios de frente para o rio, composto de dois pavimentos com facha-
das uniformes e que, nos últimos anos do século XVIII e princípios do século XIX,
começaria a ser articulado com eixos viários, praças, jardins e igrejas. As praças

17
PENTEADO. Antonio da Rocha. Belém – Estudo de Geografia Urbana. V.I, Belém: U. F.
Pa, p.106.
18
Existiu em Porto Alegre uma Rua da Praia, atual Rua dos Andradas. À sua frente, como em
Belém, foram feitos aterros e construídos outros prédios. Sobre o assunto ver a publicação:
Instrução para tombamento dos conjuntos urbanos da Praça da Matriz e da Alfândega. Porto
Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2000.
1282 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano

recém construídas, como a dos Quartéis, do Palácio e do Pelourinho, cumpririam


papéis relevantes na malha urbana, criando articulações entre si e com a linha viá-
ria, referenciando eixos de expansão da cidade. A Praça do Pelourinho (ver fig. 3)
situava-se às margens do rio, abrindo-se na sua forma semicircular para os sobra-
dos com características de monumentalidade a sua frente. Lembremos que esta
mesma praça ligava-se à Praça dos Quartéis, através da Rua do Pelourinho. Todo
este conjunto estabelecia relações com o espaço ao seu entorno.
A Praça do Palácio e sua edificação (ver fig. 4), embora recuadas da linha do lito-
ral, estavam voltadas para ele e formavam, juntamente com os sobrados da Rua da
Praia e outras construções estabelecidas neste eixo, um cenário para ser visto por quem
chegava à cidade. Numa clara alusão aos poderes militar, eclesiástico e de uma classe
social que se voltava para o comércio encontravam-se o Forte do Presépio e o Forte de
São Pedro Nolasco, a Igreja e Convento das Mercês, a Praça do Pelourinho, o Palácio
dos Governadores e as construções dos sobrados erguidos na Rua da Praia.

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Figura 1: Prospectos: frontal


(abaixo) e posterior (acima) do
Palácio dos Governadores. Au-
tor: J. J. Codina. Fonte: “Viagem
Filosófica” est. 18 e 19. Apud.
ARAÚJO, Renata Malcher de. As
Cidades da Amazónia no Século
XVIII: Belém, Macapá e Maza-
gão. Porto: FAUP, 1998, p.242.

Figura 2: “Prospectiva da Cidade de S. ta. Maria de Belém do Grão Pará”. Fonte: Original
manuscrito, de Ignácio Antonio da Silva, do Serviço Geográfico do Exército. Rio de Janeiro.
(ca. 1800). Apud. REIS. Nestor Goulart. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São
Paulo: Imprensa Oficial. 2000, p. 272,273,274.
1286 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano

Figura 3: “Prospecto da nova Praça do Pelourinho mandado fazer pelo gov. e cap. general
D. Francisco de Souza Coutinho”. autor: J.J. Codina. Fonte: FERREIRA, Alexandre Rodrigues.
“Viagem Filosófica... 1783 - 1792”. Op. cit. Original do arquivo Público do Pará.

Figura 4: Antigo Largo do Palácio. Ao fundo, à direita, o Palácio do Governo. Cartão Postal
do início do século XX. Fonte: Álbum Belém da Saudade. Op. cit. p. 124.

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