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E ü 6 E N E EE N E R R I E E
£ D ú í N £ H. M [ R R I L L
0 reino
de sacerdotes
entre as nações
Tradução
Romell S. Carneiro
CB4D
Todos os direitos reservados. Copyright © 2001 para a língua portuguesa
da Casa Publicadora das Assembléias de Deus. Aprovado pelo Conselho
de Doutrina.
T’ edição/2001 ■, ■
3- Edição 2002 , ...
Prefácio
1. Origens............................................... :............................................................... 7
Israel em Moabe 7
O propósito da Torá 8
A história dos patriarcas 11
Bibliografia 551
índice das Escrituras 555
índice de temas 563
Ilustrações
Tabelas cronológicas
1. A seqüência da Era do Bronze 17
2. Os Patriarcas 18
3. XII Dinastia do Egito 42
4. 18a e 19a Dinastia do Egito 50
5. A vida de Davi 257
6. Os reis da monarquia dividida 340
7. Os reis neo-assírios 357
8. Os reis neo-babilônicos 476
9. Os reis da Pérsia 507
Mapas
1. O Oriente Médio nos tempos do Pentateuco 14
2. Canaã nos tempos dos patriarcas 21
3. O êxodo 53
4. A chegada na Transjordânia 80
5. O Oriente Médio nos tempos de Josué e dos juízes 91
6. A conquista de Canaã 100
7. Os territórios das tribos 130-131
8. Israel durante a era dos juízes 146
9. O reino de Saul 199
10. O Oriente Médio durante a monarquia unida 207
11. O reino de Davi 236
12. Jerusalém nos dias de Davi e Salomão 247
13. Os doze distritos do reino de Salomão 325
14. A monarquia dividida 337
15. O Império Assírio 385
16. O Império Babilónico 461
17. O Império Persa 500
Abreviaturas
C o n s id e ra ç õ e s P re lim in a re s
A questão da inerrância
Seletividade histórica
A p re s e n te a b o rd a g e m d a h is tó ria d e Isra e l
De acordo com o que foi dito acima, esta presente obra reconhece o
processo de seletividade no texto canônico e, portanto, não espera que o
Antigo Testamento diga mais ou menos do que aquilo que se propõe a
falar com respeito à história. Esse processo de seletividade não deveria
nos surpreender, pois ocorreu em vários outros registros escritos da mes
ma época. Por exemplo, alguns acontecimentos marcantes do Antigo Tes
tamento não foram registrados na história secular quando, na verdade,
qualquer um poderia esperar que eles tivessem sido.
Do mesmo modo, muitos eventos cruciais no mundo também não são
mencionados no Antigo Testamento. É realmente estranho que os textos
egípcios (ou ainda mais surpreendente, hititas) sequer façam menção do
êxodo de Israel, e também que o Antigo Testamento permaneça em abso
luto silêncio com respeito ao poderoso Hamurabi. A única explicação para
tais omissões repousa na idéia de que houve grande seletividade e (se
IsTRODUÇÃO 5
Isra e l e m M o a b e
Os princípios que fundamentam a estrutura cronológica adotada nessa obra estão con
tidos nas pp. 59-73.
8 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O p ro p ó s ito d a T orá
Gênesis
Êxodo
Levltico
Números
Deuteronômio
5 Meredith G. Kline, The Structure ofBM ical Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1972),
pp. 9-14.
O rigens II
A h is tó ria d o s p a tria rc a s
6 Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy, New International Commentary on the Old
Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1976), pp. 28,30-32.
~Para um apanhado historiográfico um pouco diferenciado sobre as histórias dos patriar
cas, ver inter alia, John T. Luke, "Abraham and the Iron Age: Reflections on the New
Patriarchal Studies", JSOT 4 (1977): 35-47, esp. p. 47.
12 H istória de I srael no A ntigo T estamento
As origens de Abrão
A história de Israel tem início com a chamada de Abrão para ser o pai
da nação escolhida. No final da lista genealógica que começa com Sem,
filho de Noé (Gn 11.10-26), aparece o nome de Terá, pai de Abrão, Naor e
Arã. Terá viveu em Ur dos Caldeus (v. 28), a famosa cidade sumeriana
localizada às margens do Rio Eufrates, cerca de 241 quilômetros a nordes
te da costa atual do Golfo Pérsico.8 A mais satisfatória reconstrução da
cronologia bíblica localiza o nascimento de Abrão em 2166 a.C.,9 uma época
em que a cidade de Ur caiu nas mãos de um povo bárbaro e montanhês
conhecido por Guti.10
Conforme já foi constatado, Ur era uma cidade da Suméria - a mais
importante dentre um complexo de cidades-estados - povoada pela civili
zação altamente culta dos sumários pelo menos desde a metade do quarto
milênio. A Ur de Terá e Abrão era, por assim dizer, uma cidade altamente
cosmopolita, já que não-sumérios como o próprio Abrão e seus antepassa
dos - de origem semítica - lá viveram e fundiram seus conhecimentos
intelectuais e sua cultura com o lastro cultural dos sumários.11
Visto que por aqueles tempos Sargão (2371-2316)12 estabeleceu em
Agade o Império Acadiano, de dominação semita, aproximadamente 321
quilômetros a noroeste de Ur, é quase certo que Abrão era bilíngüe, domi-
13 Cyrus H. Gordon lançou a teoria que Abrão não tinha ligações com a Ur dos Caldeus
mas com uma Ura' na Síria, um local muitíssimo mais próximo de Arã e, segundo seu
ponto de vista, muito mais compatível com as narrativas de Isaque e Jacó, cujas esposas
procederam da parentela de Abrão em Arã ou da parte mais alta da Síria. Ver detalhes
em "Abraham of Ur", em Hébrew and Semitic Studies, editado por D. Winton Thomas e
W.D. McHardy (Oxford: Clarendon, 1963), pp. 77-84. Mais recentemente foi ventilada a
confirmação de uma outra Ur mais ao norte, que está registrada nos textos de Ebla.
Mas, conforme Paul C. Maloney, os sinais cuneiformes usados por aquela Ur são dife
rentes dos utilizados para soletrar o mesmo nome da Ur dos Sumérios ("The Raw Mate
rial", BAR 6.3 [1980]: 59). Para uma veemente defesa do ponto de vista que a Ur dos
Caldeus deve ser entendida como aquela cidade localizada no sul, ver H.W.F. Saggs,
"Ur of the Chaldees", Iraq 22 (1960): 200-9. A frase identificadora "dos Caldeus" é sem
dúvida uma glosa explicativa surgida tempos depois, já que os caldeus e os kaldu-(i.e.
caldea) não eram conhecidos até o século nove a.C. O propósito, é claro, era distinguir a
Ur que se localizava no sul daquelas outras cidades que tinham o mesmo nome.
14 William G. Dever e W. Malcolm Clark, "The Patriarchal Tradition", em lsraelite and Judaean
History, editado por John H. Hayes e J. Maxwell Miller (Philadelphia: Westminster, 1977),
p. 127. O nome mais provavelmente deve ser buscado no acadiano tarhu ("ibex"). Ver
Claus Westermann, Genesis 1-11: A Commentary, traduzido por John J. Scullion
(Minneapolis: Augsburg, 1984), p. 564.
O*:-jess 15
cem são talvez os representantes de muitos outros que, por motivos a nós
desconhecidos e que não podem ser determinados, não foram inseridos
no registro.15 Caso Sem e Abrão tenham sido contemporâneos, conforme
uma interpretação estrita da genealogia nos forçaria a reconhecer, então
torna-se extremamente difícil entender como os ancestrais mais imediatos
de Abrão tornaram-se pagãos e, mais ainda, por que Abrão teria sido cha
mado exclusivamente para essa sagrada missão, já que havia crentes dis
poníveis para cumprir o propósito que Deus tinha em vista.16 E mais: caso
Sem e Abrão tenham sido contemporâneos, torna-se difícil conciliar o fato
de Abrão haver morrido aos 175 anos, "... em ditosa velhice, avançado em
anos..." (Gn 25.8), pois o registro bíblico diz que Sem morreu aos 600 anos,
uma idade consideravelmente mais jovem do que seu pai Noé (950 anos).
Claramente, podemos ver que Sem precedeu Abrão por muito mais anos
do que uma estrita leitura do texto permite enxergar. Portanto, houve tempo
suficiente para permitir o fato de Jeová ter desaparecido da linhagem de
Sem, tornando-se necessária a sua revelação ao pagão Abrão.
ram com suas esposas seguindo Terá em direção à grande cidade de Arã,
cerca de 965 quilômetros a noroeste de Ur. Por que Terá e sua família dei
xaram a cidade de Ur é algo que não pode ser determinado, embora pos
samos supor que os levantes políticos e culturais que estavam acontecen
do na Sumária, em razão das conquistas impostas pelos Guti, devam ter
contribuído diretamente para tal decisão. Terá não tinha como descobrir
que os bárbaros Guti seriam expulsos em 2115, e que a gloriosa 3aDinastia
de Ur seria estabelecida sob Ur-Nammu. Nessa ocasião, Terá e sua família
já estavam vivendo em Arã, e dentro de vinte e cinco anos Abrão estaria
partindo dali para Canaã (Gn 12.4; cf. At 7.4).
Nos anos de sua estada em Arã - que na época era um centro comercial
e de negócios habitado principalmente por uma raça conhecida pelos
sumerianos por MAR.TU e pelos acadianos por Amurru (os amoritas bí
blicos) - , Abrão sem dúvida tornou-se fluente no dialeto semítico amorita
que lá era falado e adquiriu um estilo de vida nômade, com o qual ele
viria mais tarde a se familiarizar em Canaã.18 Os amoritas nesse tempo
não apenas ocupavam as principais cidades a noroeste da Mesopotâmia,
mas também, por necessidade de expansão comercial, atingiram o sudes
te e o sudoeste.19
Por fim, pelo fato de haver população suficiente na Mesopotâmia cen
tral, surgiram as cidades-estados amoritas, tais como Isin, Larsa, e a mais
importante de todas: Babilônia. O próprio Hamurabi (1792-1750), o mais
Ninguém deve a priori rejeitar o grande número de anos que os patriarcas viveram
simplesmente por não encontrarem paralelos nos dias de hoje. Uma análise objetiva dos
únicos dados que temos disponíveis exigem que esses números sejam tomados do jeito
que nos foram apresentados, a não ser que exista evidência histórica que nos prove o
contrário. Será útil observar que é dito que Sargão de Acade reinou por cinqüenta e
cinco anos, Rim-Sin de Larsa durante sessenta, Ramsés II do Egito por sessenta e seis
anos e, Phiops II do Egito por noventa e quatro anos! Para mais informações, ver em
William W. Hallo e William K. Simpson, The Ancient Near East (New York: Harcourt
Brace Jovanovich, 1971), p. 55; CAH 1.2, p. 64; 2.2, p. 232; 1.2, p. 195. Todos esses, com
exceção de Ramsés, foram contemporâneos com o período dos patriarcas. Além disso,
mesmo sendo grandemente exagerada, a lista dos reis sumérios fala de reis muito anti
gos que reinaram por séculos e até mesmo por milênios. Sem dúvida que essa
longevidade deve estar baseada nalguma fonte genuinamente histórica. Ver em Thorkild
Jacobsen, The Sumerian King List, Assyriological Studies 11 (Chicago: University of Chi
cago Press, 1939).
18 Para informações sobre MAR.TU ou amurru, da Alta Mesopotâmia no início do segun
do milênio, ver em Jean Bottéro, "Syria During the Third Dynasty of Ur", em CAH 1.2,
pp. 562-64.
19 Ignace J. Gelb, "Na Old Babylonian List of Amorites", JAOS 88 (1968): 39-46.
O rigens 17
20 Para um apanhado do estilo de vida "dimórfico" dos amoritas, ver Michael B. Rowton,
"Urban Autonomy in a Nomadic Environment", JNES 32 (1973): 201-15; M. Liverani,
"The Amorites", em Peoples o f Old Testament Times, editado por D.J. Wiseman (Oxford:
Clarendon, 1973), p. 114.
21 A assim chamada hipótese amorita foi popularizada e encontrou um maior defensor no
trabalho de Kathlen Kenyon, Amorites and Cananítes (London: Oxford University Press,
1966), esp. pp. 76,77. Mais tarde surgiu forte oposição contra esta teoria, representada
especialmente por C.H.J. de Geus, "the amorites in the Archaeology of Palestine", UF 3
(1971): 41-60. É seguro afirmar que muitos estudiosos ainda acreditam a hipótese e que
ela é a que supre-nos com a melhor explicação sobre a liberdade que os patriarcas ti
nham de seu movimentar em Canaã nesse período, além de ser a melhor forma de se
elucidar o padrão dos assentamentos descritos no Antigo Testamento. Maiores infor
mações, ver Eugene H. Merril, "Ebla and Biblical Historical Inerrancy", Bib Sac 140 (1983):
302-21, esp. pp. 306-8; Benjamim Mazar, "Canaan in the Patriarchal Age", em World
History of the Jewish People, vol. 2. Patriarchs, editado por Benjamim Mazar (Tel Aviv:
Massada, 1970), pp. 169-87, 276-78.
IS H istória de I srael ko A ntigo T estamento
O historiador bíblico relata que Jeová disse a Abrão para deixar seu
país (na ocasião era Arã), indo para um lugar que Ele progressivamente
lhe revelaria. É tentador supormos que Abrão não tenha se movido da
quele local sozinho, mas que tivesse participado das grandes migrações
de amoritas que estavam em voga naqueles dias.22 E verdade que Abrão
Tabela 2 Os Patriarcas
O estabelecimento em Canaã
Quando Abrão chegou em Canaã, achava-se numa terra que in
dubitavelmente tinha passado por algumas modificações culturais devi
do às novas condições descritas anteriormente. Por um período de mais
de mil anos o elemento étnico predominante na terra tinha sido o cananita.24
Quem eram os cananeus na época de Abrão continua obscuro, embora o
Antigo Testamento ligue Canaã originalmente a Cão, filho de Noé. Se eles
eram ou não semíticos em sua etnia, o fato é que falavam uma língua
semítica que se comparava substancialmente à que Abrão deve ter apren
dido em Arã.25 As escavações feitas recentemente em Tel Mardikh (a anti
ga Ebla), situada a menos que 240 quilômetros a sudoeste de Arã, têm
revelado diversas tabuinhas escritas numa linguagem tão parecida com o
cananeu, que muitos estudiosos a têm classificado de protocananéia.26 O3
3 William F. Albright defende a idéia que Abrão não deva ser visto como um pastor de
rebanhos que levava o estilo nômade de vida, mas como um mercador ou caravaneiro,
ou seja, substancialmente um semi-nômade. ("From the Patriarchs to Moses: I. From
Abrahan to Joseph", BA 36 [1973]: 11-15). Quanto à definição de hebreu, ver pp. 100-2.
:J Embora não fosse possível até bem pouco tempo encontrar referências aos termos Canaã
ou cananeus nos textos literários extrabíblicos mais antigos do que a metade do segun
do milênio (ver Sidney Smith, The Statue of ldri-Mi [London: British Institute of
Archaeology in Ankara, 1949], p. 15; Michael C. Astour, "the Origins of the Terms
'Canaan', 'Phoenician' and 'Purple'," JNES 24 [1965]: 346-47), não existe razão para du
vidar de que as populações nativas da Palestina nos primórdios da Idade do Bronze
tivessem sido cananéias. Conforme diz Roland de Vaux, "Visto que não houve alteração
da raça ou da cultura no decurso do terceiro milênio, os 'cananeus' bem podem ser
considerados os fundadores da primitiva Idade do Bronze." ("Palestine in the Early
Bronze Age," em CAH 1.2, p. 234). Além disso, existe uma informação contida num
texto de Ebla, e que antecede em mil anos à referência de Idri-Mi (Alalakh), citando um
tal "senhor de Canaã" (be ka-na-na-im). Ver Giovanni Pettinato, The Archives o f Ebla
(Garden City, N.Y.: Doubleday, 1981), p. 253.
:= Sabatino Moscati, Na Introduction to the Comparative Grammar of the Semitic Language
(Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1984), pp. 3-8; William L. Moran, "The Hebrew Language
in Its Northwest Semitic Background", em The Bible and the Ancient Near East, editado
por G. Ernest Wright (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1965), pp. 59-64.
Pettinato, Archives, p. 56; quanto as escavações e dados arqueológicos, ver em Paolo
Mathiae, Ebla: An Empire Rediscovered, traduzido por Christopher Holme (Garden city,
X.Y: Doubleday, 1981).
20 H istória de I srael no A ntigo Testamento
27 Para uma posição cautelosa e ao mesmo tempo bem informativa quanto à relevância
dos textos de Ebla com respeito a história, vida social, religião e linguagem da antiga
Síria, ver em Lorenzo Vigano e Dennis Pardee, "Literary Sources fo the History of
Palestine and Syria: The Ebla Tablets," BA 47 (1984): 6-16.
2S Kenyon, Amorites, pp. 76-77; William F. Albright, "The Jordan Valley in the Bronze Age",
AASOR 6 (1926): 68; Norman K. Gottwald, The Tribes ofYahweh (Mary-knoll, N.Y.: Orbis,
1979), p. 452. O que não significa necessariamente nomadismo ou vida em cabanas,
conforme D. J. Wiseman nos mostra com respeito aos patriarcas ("They Lived in Tents",
em Biblical and Near Eastern Studies, editado por Gary A. Tuttle [Grand Rapids: Eerdmans,
1978], pp. 195-200).
29 William G. Dever, "Palestine in the Second Millenium BCE: The Archaeological Picture,"
em Hayes e Miller, History, p. 99; Joe D. Seger, "The Middle Bronze II C Date of the East
Gate of Shechem," Levant 6 (1974): 117. Em 1900 Siquém desenvolveu-se num centro
urbano, quase duzentos anos após a chegada de Abrão em Canaã (aprox. 2100). Na
narrativa não existe sequer uma pista que nos indique que ali existiu uma cidade nos
dias de Abrão. Pelo contrário, parece que ele construiu um altar num local desocupado,
o qual mais tarde se tornou a cidade de Siquém.
22 H istória de I srael no A ntigo T estamento
(ou seja, viviam em cidades-estados), nos dias de Abrão, eles tinham sido
desapossados e estavam "na terra" no sentido de serem forçados a uma
forma de vida mais agrária.30
Mudando-se para uma outra colina entre Betei e Ai, cidades que rece
beram esses nomes tempos depois,31 Abrão e seu clã novamente não en
contraram nenhuma resistência. Esse padrão foi mantido por todo um
percurso na direção sul, através de toda a extensão da região montanhosa.
Com os cananeus efetivamente habitando nas planícies e vales, e os
amoritas (entre os quais Abrão viveu) levando um estilo nômade de vida,
este patriarca moveu-se e se estabeleceu conforme sua vontade e livre esco
lha, sem qualquer impedimento ou ameaça por parte daqueles que forma
vam a população nativa da região.
30 Esse particularmente parece ser o caso de Gênesis 13.7, que fala de uma tensão entre
Abrão e Ló por causa de pastos para seus rebanhos. Justamente porque os cananeus
estavam "na terra", o espaço para Abrão e Ló era pequeno.
31 Confira em Gênesis 28.19 e Josué 8.28 (visto que o nome Ai significa "ruína", subenten
de-se que esta cidade passou a se chamar assim somente após a conquista israelita do
local). O nome anterior para o sítio de Betei, que chamava-se Luz, continua sem com
provação, embora esteja claro que tal local se estabeleceu tão cedo quanto a primitiva
Idade do Bronze. Ver em J.L. Kelso, The Excavation ofBethel 1934-1960, AASOR 39 (1968).
Não há como localizar a cidade de Ai com precisão hoje em dia. Para termos uma visão
completa do assunto, ver em John J. Bimson, Redating the Exodus and Conquest (Sheffield:
JSOT, 1978), pp. 215-25.
32 Cyril Aldred, The Egyptians (New York: Praeger, 1961), pp. 103-4. Este estado de coisas
continuou por todo o Primeiro Reino Intermediário e Reino Médio, conforme nos é
demonstrado por O. Tufnell e W. A. Ward, "Relations Between Byblos, Egypt and
Mesopotamis at the End of the Thrid Millennium B.C., Syria 43 (1966): 165-241, especial
mente páginas 221-23.
O rigens 23
Ver o texto interessante "The Instmction for King Meri-ka-Re," em James B. Prithcard,
Ancient Near Eastern to the Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton University Press,
1955), pp. 414-18, esp. 11.91ff: "Vede o maldito asiático... ele não consegue viver num
único lugar, (mas) suas pernas foram feitas para perambular".
’ William C. Hayes, "The Middle Kingdom in Egypt," em CAH 1.2, pp. 466-68. Ver tam
bém nota 33.
24 H istória de I srael no A ntigo T estamento
35 Yohanan Aharoni, The Land ofihe Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), pp. 133-4.
36 Jerico, a principal cidade da área, segundo a opinião de Kenyon (Amorites p. 9), tinha
sido destruída por volta de 2300 e reconstruída por uma "população numerosa, embora
fossem nômades" (p. 33). Esses primitivos anos do Médio Bronze sobreviveram até cer
ca de 1900 (p. 35). A natureza não-urbana da área explicaria o porquê de Ló (cerca de
2090 a.C.) ter decidido escolher a "planície do Jordão" como sua porção.
37 Willem C. Van Hatten, "Once Again: Sodom and Gomorrah", BA 44 (1981): 87.
38 Ver particularmente a obra em andamento de Walter Rast e Thomas Schaub, "Survey of
the Southeastern Plain of the Dead Sea," ADAJ 19 (1974): 5-53; "Bab edh-Dhra' 1975,"
AASOR 43 (1978): 1-60; "Preliminary Report of the 1979 Expedition Bab edh-Dhra' and
Numeira: May 24-July 10,1981," ASOR Newsletter 4 (1982): 4-12.
39 A divina promessa da terra e as outras bênçãos (Gn 12.1-3; 15.18-21; 17.1-8) estão
registradas numa forma de aliança tecnicamente conhecida nos estudos do antigo Ori
ente Médio como sendo um "concerto da graça". É uma iniciativa que parte daquele
que concede o favor, e quase sempre sem que para isso exista quaisquer prerequisitos
ou qualificações. Ver em Moshe Weinfeld, "The Covenant of Grant in the Old Testament
and in the Ancient Near East", JAOS 90 (1970): 184-203: Samuel E. Loewenstamm, "The
Divine Grants of Land to the Patriarchs," JAOS 91 (1971): 509-10.
O rigens 25
mada em homenagem ao seu líder amorreu (Gn 14.13), e que seria um dia
a cidade de Hebrom (Gn 13.18). Sabemos que a referência a Hebrom, por
parte de Moisés, não passa de anotações explicativas feitas por ele, já que,
de acordo com Números 13.22, a cidade não havia sido ainda construída
até sete anos antes da construção de Zoan, a cidade mais importante
construída pelos hicsos bem ao oriente do Delta do Egito. Esses dados
colocariam a fundação da cidade de Hebrom a cerca de 1727, ou seja, tre
zentos anos depois de Abrão.40
Os reis do Oriente
A essa altura, a narrativa patriarcal envereda por um caminho comple
tamente diferente. Até agora tudo tem girado em torno de uma atmosfera
estritamente pessoal, com caráter muito mais biográfico do que qualquer
outra coisa, o que resulta numa dificuldade quase intransponível quando
tentamos associar essas narrativas ao contexto histórico internacional mais
abrangente.41 Por outro lado, vemos em Gênesis 14 que Abrão se encon
trou com reis e líderes de algumas tribos da região, cujos nomes não ape
nas são mencionados, mas também seus territórios e alianças militares são
descritos em detalhes. Praticamente todos os estudiosos admitem a natu
reza historiográfica da narrativa, embora reconheçam a grande dificulda
de existente em identificar os protagonistas e encaixá-los numa série de
acontecimentos conhecidos nas fontes extrabíblicas.42
40 Zoan é identificada com Avaris ou (mais provavelmente) com a Tanis dos hicsos, situa
da a cerca de 32 quilômetros de Avaris. Alguns estudiosos identificam Zoan e Tanis com
a Per-Ramesse. Ver Jacquetta Hawkes, The First Great Civilizations (New York: Knopf,
1973), p. 315. Se Zoan é Avaris ou Tanis, em nada irá afetar a cronologia em questão, já
que os sítios onde os hicsos viveram foram construídos por volta do mesmo período
(ca. 1720). Ver William C. Hayes, "Egypt: From the Death of Ammenemes III to Seqenenre
II," em CAH 2.1, pp. 57-58.
41 Não queremos com isso sugerir que as narrativas patriarcais, apenas por serem relatos
biográficos, não devam ser consideradas históricas em seu gênero literário. Cada vez
mais se tem reconhecido que o estilo literário em forma de biografia é uma forma extre
mamente positiva e produtiva de se contar uma história. Ver em Luke, "Abraham and
the Iron Age," fSO T4 (1977): 37; Lawrence Stone, "The Revival of Narrative: Reflections
on a New Old History," Past and Present 85 (1979): 3-24; " 'Disilusioned' with Numbers
and Counting, Historians Are Telling Stories Again," The Chronicle of Higher Education,
13 June 1984, pp. 5-6.
4: Da mesma forma, por exemplo, Ephraim A. Speiser, Genesis, Anchor Bible (Garden City,
N.Y.: Doubleday, 1964), pp. 108-9; Niels-Erik A. Andreason, "Genesis 14 in Its Near
Eastern Context,", em Scripture in Context, editado por Cari D. Evans et al. (Pittisburgh:
Pickwick, 1980), pp. 60,62-65.
26 H istória de I srael no A ntigo T estamento
43 Ver a discussão bastante elucidativa de Keneth A. Kitchen, Ancient Orient and Old
Testament (London: Tyndale; Chicago: Inter-Varsity, 1966), pp. 43-44. Kitchen dá a en
tender que embora as pessoas listadas em Gênesis 14 não possam por enquanto ser
ligadas a indivíduos em histórias extrabíblicas, os nomes são por outro lado muito fa
miliares no período do Bronze Médio. S.Yeivin vai até mais além: datando o período
patriarcal como tendo existido do décimo oitavo ao décimo sexto séculos - trezentos
anos mais tarde do que a nossa cronologia - ele identifica os reis com alguns governantes
bem conhecidos ("The Patriarchs in the Land of Canaan," em World History ofthe Jezvish
People, vol. 2, pp. 215-17).
44 David Noel Freedman, "The Real Story of the Ebla Tablets," BA 41 (1978): 143-64.
Giovanni Pettinato, que foi o primeiro a fazer tal afirmativa, tempos depois recuou de
sua posição por motivos até agora inteiramente desconhecidos. Ver em seu Archives, p.
387, para se achar evidências pelo menos acerca das cidades de Sodoma e Gomorra nos
textos de Ebla. Precisamos, porém, adotar uma posição bastante cautelosa a fim de não
atribuirmos tanta importância aos achados em Ebla, e não darmos ao Antigo Testamen
to uma importância quase nula. Ver alguns avisos importantes em Robert Biggs, "The
Ebla Tablets: An ínterim Perspective," BA 43 (1980): 82-83,85.
O rigens 27
45 Uma discussão mais aprofundada acerca dos 'apiru e seu relacionamento com os israe
litas terá que esperar até que tratemos da questão da conquista de Canaã (pp. 100-8).
Por enquanto, sugerimos pesquisar em Moshe Greenberg, The Hab/piru (New Haven:
American Oriental Society, 1955); Michael B. Rowton, "Dimorphic Structure and the
Problem of the 'Apiru-'Ibrim," Jnes 35 (1976): 17-20.
28 H istória de I srael no A ntigo T estamento
46 Para informações que descrevem como foram as escavações e publicação dos textos, ver
em Ephraim A. Speiser, New Kírkbuk Documents Relating to Family Laws, AASOR10 (1928
1929): 1-73.
O rigens 29
47 Para esse e outros paralelos, ver em Cyrus H. Gordon, "Biblical Customs and the Nuzi
Tablets," BA 3 (1940): 1-12; Speiser, Genesis, esp. pp. Xl-xliii; Samuel Greengus, "Sisterhood
Adoption at Nuzi and the 'Wife-Sister' in Genesis," HUCA 46 (1975): 5-31.
48 Thomas L. Thompson, The Historicity of the Patriarchal Narratives (Berlin: de Gruyter,
1974); John Van Seters, Abraham in History and Tradition (New Haven: Yale University
Press, 1975); Thomas L. Thompson, "The Background of the Patriarchs: A Reply to
William Dever and Malcolm Clark,"/SOT 9 (1978): 2-43.
49 Cyrus H. Gordon, "Hebrew Origins in the Light of Recent Discovery/'em Biblical and
Other Studies, editado por Alexander Altmann (Cambridge: Harvard University Press,
1963), pp. 5-6.
57 Ver em M.J. Selman, "Comparative Customs and the Patriarchal Age," em Essays on the
Patriarchal Narratives, editado por A.R. Millard e D.J. Wiseman (Winona Lake, Ind.:
Eisenbrauns, 1983), pp. 91-139; Tikva Frymer-Kensky, "Patriarchal Family Relationships
and Near Eastern Law,"BA 44 (1981): 209-14.
30 H istória de I srael no A ntigo T estamento
51 Abrão = "pai exaltado" e Abraão = "pai de multidões". Para saber sobre a proveniência
e significação teológicas desses nomes, ver em D. J. Wiseman, "Abraham Reassessed,"
em Essays on the Patriarchal Narratives, pp. 158-60.
52 Os escavadores da região atribuem a destruição dos sítios urbanos a um terremoto. Ver
em Michael D. Coogan, "Numeira 1981," BASOR 255 (1984): 81.
53 Para uma linha de argumento que apoia essas datas, ver Eugene H. Merrill, "Fixed
Dates in Patriarchal Chronology," Bib Sac 137 (1980): 242-43.
54 Rast e Schaub, "Bab adh-Dhra' 1975," AASOR 43 (1978): 2; van Hatten, "Sodom and
Gomorrah," BA 44 (1981): 89.
55 Albright, "Jordan Valley," AASOR 6 (1926): 62, chega mesmo a dizer que "É muito difí
cil separar o abandono de Bab ed-Dra' da destruição das Cidades da Planície."
O rigens 31
Abraão e os filisteus
56 John Skinner, A Criticai and Exegetical Commentary on Genesis (New York: Scribner, 1910)
p. 315.
57 Ibid., pp. 364-65.
58 Gleason L. Archer, Jr., A Survey ofOld Testament Introduction (Chicago: Moody, 1964), pp.
120- 21 .
89 Van Seters, Abraham, p. 52.
Roland de Vaux, The Early History of Israel, traduzido por David Smith (Philadelphia:
Westminster, 1978), pp. 503-4.
Kitchen, Ancient Orient, p. 81; idem, "The Philistines," em Peoples ofOld Testament Times,
editado por D.J. Wiseman, pp. 56-57; D.J. Wiseman, "Abraham in History and Tradition.
II: Abraham the Prince," Bib Sac 134 (1977): 232-33.
32 H istória de I srael no A ntigo T estamento
tou a jabim, de Hazor, um rei cananeu; e muitos anos depois disso Débora
e Baraque subjugaram um rei de Hazor também conhecido por Jabim.
Embora aqui tenhamos um nome próprio, podemos ver que esses são exem
plos que nos mostram que diferentes reis ou governantes de um mesmo
local podem ter nomes semelhantes.
Mais relevante talvez seja o uso de títulos como Faraó ou Czar, usados
de maneira que se tornaram praticamente nomes próprios em vez de pu
ramente títulos. Sendo assim, não há como alguém determinar o caráter
étnico do nome de Abimeleque, ou seja, se ele, mesmo sendo filisteu, pôde
ter se utilizado de um título semítico ou se, por ter assimilado profunda
mente a cultura semítica, adotou para si um nome semítico.
O problema da presença de filisteus em Canaã quase um milênio antes
da chegada dos povos do mar é mais complicado, embora não insolúvel.
Uma série de textos oriundos de Mari, Ras Shamra e de outras partes,
refere-se aos povos de Caftara, cujo local de origem pode ter sido a ilha de
Creta ou um outro local em alguma região do mundo Egeu.62 E a Bíblia
associa os primitivos filisteus aos caftorim, cujo lar era em Caftor ou Creta
(Dt 2.23; Jr 47.4; Am 9.7; ver Gn 10.14). Os caftara ou caftorim eram clara
mente o mesmo povo, e suas extensas viagens, conforme está registrado
em documentos extrabíblicos, poderiam bem explicar sua existência em
Canaã durante a era do Bronze Médio.63
A chegada dos povos do mar tempos depois teria apenas aumentado o
número dos filisteus presentes na região. Essa hipótese, além de dar base à
historicidade dos encontros dos patriarcas com os primitivos filisteus, tam
bém explicaria a decisão de Israel quanto a não seguir o caminho do mar em
direção reta do Egito para Canaã, "embora fosse mais curto" (Ex 13.17), pois
isto significaria destruição certa por parte dos filisteus. Uma das mais fortes
evidências em favor de uma data mais recente para o êxodo (aprox. 1250) e
uma outra correspondente para a conquista da terra (após 1200) é justa
mente a referência aos filisteus. Porém, se os filisteus já estavam habitando
na terra desde os tempos patriarcais, então deduz-se que a data tradicional
para o êxodo (1446) pode muito bem ser mantida em vigor.
Seguindo a data de 2066 para o nascimento de Isaque, Abraão e
Abimeleque viram-se às voltas com problemas relativos aos pastos e di
reitos à água potável; daí concluíram que deveriam entrar num acordo
pelo qual passariam a respeitar os limites e poços. Um contrato de igual
teor foi feito entre Isaque e um outro Abimeleque (Gn 26.26-33). Em ambas
as situações, o local do tratado foi em Berseba, que deriva seu nome ("poço
do juramento") do pacto que ali outrora foi realizado.
As evidências arqueológicas nos dizem que Berseba não fora encontra
da até bem depois do período Médio Bronze, sendo bem provável que
Abraão e sua família não tivessem ocupado a área de forma permanente,
mas apenas como um local para peregrinação religiosa ou como uma es
pécie de acampamento para as migrações sazonais.64 De fato, não há nada
nas narrativas bíblicas que explicitamente relacionem Berseba com um
centro urbano até a época da conquista (Gn 21.14,31-33; 22.19; 26.23,33;
28.10; 46.1; cf. Js 15.28). Este local foi uma importante estalagem para os
patriarcas, mas não era desenvolvido a ponto de produzir restos que pu
dessem ser arqueologicamente reconhecíveis.
rências fazem parte de uma época bem posterior à vida de Naor, deduz-se
que tal cidade provavelmente não foi aquela visitada pelo servo de
Abraão.67 De qualquer maneira, Betuel e Labão concordaram que a moça
Rebeca fosse entregue para Isaque, de forma que, após serem acertadas as
obrigações costumeiras da época, ela voltou com o servo de Isaque para
sua casa no Negueve cananeu.
Abraão casa-se novamente e, através de sua esposa Quetura, torna-se o
ancestral dos clãs de Joscan, Midiã e Dedã (Gn 25.2-4; 1 Cr 1.32,33). Os
midianitas participariam de forma especial na história subseqüente do povo
de Israel. Da mesma forma que os demais povos, eles também assumiram
um estilo de vida nômade e, por fim, alcançaram toda a vasta península
sírio-árabe. Abraão morreu na idade de 175 anos (1991 a.C.), deixando
seus dois principais filhos, Isaque e Ismael, como seus herdeiros. A des
cendência de Ismael se estabeleceu nos desertos a leste e ao sul de Edom e,
seguindo os mesmos passos de Israel, desenvolveu-se numa federação de
doze tribos. O relacionamento deles com os midianitas é incerto, embora
os termos ismaelitas e midianitas pareçam por muitas vezes intercambiáveis
(Gn 37.25,27-28,36).
A bênção e o exílio
Isaque, é claro, era o filho da aliança de Abraão, aquele através do
qual Deus mediou as promessas redentoras concernentes à nação e à
terra (Gn 12.1-3; 15; 17.1-14; 25.21-24). Embora Isaque tivesse quarenta
anos quando se casou, seus filhos gêmeos nascidos de Rebeca somente
vieram ao mundo vinte anos após seu enlace, em cumprimento da pro
messa (Gn 25.20,26). Abraão estava então com 160 anos, e dentro de quin
ze anos seus olhos já não mais poderiam contemplar a fidelidade de
Deus.68 Esaú, o herdeiro aguardado da aliança, perdeu seu direito de
primogenitura e os demais privilégios da aliança, e assim teve de se con
formar em tornar-se o pai das tribos edomitas. Embora Jacó tenha se
67 William F. Albright, From the Stone Age to Christianity (Garden City, N.Y.: Doubleday,
1957), pp. 236-37. Nahur(u) não parece ser confirmado antes de 1750 a.C., ao passo que
Naor, irmão de Abraão, teria se estabelecido em sua cidade por volta de 2100 ou algo
semelhante. E claro que é possível que o nome da cidade por fim tenha refletido o de
seu fundador.
68 Acerca de informações relativas a essas estimativas, ver Merrill, "Fixed Dates," Bib Sac
137 (1980): 243-44.
O rigens 35
69 O termo deriva do acadiano paddanu ("estrada") + Aram, ou seja, "a estrada de Aram".
Visto que este local é identificado com o Arã-ATaharaim ("Aram dos dois rios") em Gênesis
24.10 (cf. 28.2) e, mais tarde, com o Aram em 27.43 e 28.10, pode até ser que o nome
signifique nada mais que Aram. E interessante observar que o termo acadiano harrãnu
também significa "estrada". Ver em CAD,H, pp. 107-13.
70 Essa estimativa é deduzida dos fatos que tomam por base que o nascimento de José
ocorreu 14 anos após a chegada de Jacó em Padã-Arã e que, quando Jacó desceu ao
Egito, ele tinha cerca de 130 anos e seu filho José apenas 40.
71 O ponto de vista que propõe a teoria que o acordo feito entre Jacó e Labão é puro reflexo
de práticas hurrianas de pseudo-adoções é corretamente rejeitada pela maioria dos es
tudiosos hoje em dia. Os paralelos percebidos com os contratos firmados com criadores
de gado da antiga Babilônia já foram claramente demonstrados. Ver, por exemplo, Martha
A. Morrison, "The Jacob and Laban Narrative in Light of Near Eastern Sources," BA 46
(1983): 156-60.
36 H istória d e I srael no A ntigo T estamento
possuir, para si mesma e para seu marido, o direito legal à sua parte na
propriedade de seu pai (Gn 31.19).72
Seja como for, o fato é que infelizmente Jacó descobriu que Labão era
muito mais astuto do que ele. Após sete longos e penosos anos de traba
lho, ele recebeu como esposa a filha mais velha Léia, e não Raquel. Para
que ele pudesse ter esta última como esposa, teria de se comprometer a
trabalhar para Labão por mais sete anos. Ao final dos catorze anos, Labão
insistiu com Jacó que este permanecesse por mais seis anos, perfazendo
um total de 20 anos (aprox. 1930-1910 a.C.), pois era bem evidente que a
presença de Jacó trazia benefícios econômicos para Labão.
No decorrer desses anos, Jacó teve onze filhos e pelo menos uma filha
de suas duas mulheres e de suas duas concubinas. Esses filhos, juntamen
te com Benjamim, que nasceu em Canaã, foram os ancestrais das doze
tribos de Israel. Segundo a maioria dos críticos (incrédulos) da tradição, a
história de Jacó e seus filhos foi uma lenda que servia apenas para firmar
uma origem comum e um conjunto de tradições para as doze tribos que
perfaziam o contingente e a confederação daqueles que haviam conquis
tado a terra, conhecidos agora por Israel.73 Contudo, uma leitura respon
sável da narrativa não ocasiona problemas históricos insuperáveis. Há
milagres descritos na história que nos mostram a intervenção do Senhor
em favor de Jacó e suas esposas. A integridade do relato só poderá ser
rejeitada mediante uma leitura da história com olhos positivistas. Ora, se
Deus tem de estar ausente dessa história, então não há como ver sua mão
em outra parte, e o Antigo Testamento se torna uma mera obra de ficção,
não importando o quão piedoso seja o seu intento.
O nascimento de onze filhos em apenas sete anos já não mais é visto
como um problema tão sério, como antes costumava se considerar. Os
quatro primeiros, nascidos de Léia, podem ter vindo nos primeiros quatro
anos (Gn 29.31-35). Nesse ínterim, Raquel, movida de intensa inveja para
com sua irmã, instou veementemente com Jacó para que possuísse sua
serva Bila, semelhante ao que Sara havia feito anteriormente com Abraão
para obter o filho Ismael da escrava Hagar. Os dois primeiros filhos de
Bila, Dã e Naftali, podem ter nascido também nos primeiros quatro anos
(Gn 30.1-8).
Após o nascimento dos dois filhos de Bila, Léia, crendo que já não mais
poderia ter filhos, insiste com Jacó para que possua sua serva Zilpa em
seu lugar. Zilpa tem dois filhos no quinto e sexto ano (Gn 30.9-13). Léia
mais uma vez engravida, provavelmente no quinto ano, e dá à luz dois
filhos chamados Issacar e Zebulom, no sexto e sétimo ano (Gn 30.17-20). ■
Por fim, Raquel tem seu próprio filho, chamado José, no sétimo ano (Gn
30.22-24). Mesmo sendo todo esse cálculo hipotético, não é impossível que
as coisas tenham acontecido assim, o que nos mostra inclusive como os
problemas bíblicos podem ser resolvidos, desde que tenhamos a mente
aberta para as soluções.
74 Esta aparece nos textos de execração egípcios como Skmimi por volta de 1850 a.C. Ver
em Walter Harrelson, "Sechem in Extra-biblical References", BA 20 (1957): 2. O historia
dor Dever argumenta que a ocupação de Siquém ocorreu no início do período do Bron
ze Médio II A, que data de 2000-1800. Uma data a meio caminho em 1900 se encaixa
bem com a cronologia bíblica ("The Patriarchal Traditions," em Israelite and Judaean
History, p. 99; cf. pág 84).
75 Isso também já foi sugerido pela Septuaginta, pelas versões siríacas, Eusébio e Jerônimo.
Citado por Franz Delitzch, A New Commentary on Genesis (Minneapolis: Klock and Klock,
1978 reedição), vol. 2,p p. 215. O hebraico salém no texto massorético pode ser um adje
tivo significando "seguro" (Francis Brown, S.R. Driver e Charles A. Briggs, A Hebrew
and English Lexicon o f the Old Testament [Oxford: Clarendom, 1962], p. 1024), mas a forma
natural de se traduzir essa idéia seria besalom.
38 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O casamento de Judá
O quarto filho de Léia, chamado Judá, casou-se com uma cananéia
que lhe deu três filhos. Essa união com pessoas que não pertenciam ao
clã, especialmente com uma cananéia, era vista muito negativamente
pelos patriarcas e considerada repreensível, pois vemos nos relatos que
tanto Abraão quanto Isaque foram bem esforçados na tarefa de assegu
rar que seus filhos se casassem com mulheres da mesma parentela (Gn
24.3; 27.46). Vemos esse mesmo princípio quando Diná, mesmo tendo
sido violada por Siquém, foi radicalmente proibida por Jacó e seus ir
mãos de se casar com ele (Gn 34.14). Havia uma tendência em andamen
to que conduziria os filhos de Jacó a uma assimilação da cultura e reli
gião cananéias, um processo que seria consideravelmente acelerado pela
união matrimonial. Tudo isso deve ter alarmado o espírito de Jacó, parti
cularmente porque um pouco do estilo de vida cananeu já tinha se apo
Ú ?: ge \s 39
derado de seu filho mais velho, Rúben, que violou um dos mais severos
tabus patriarcais - o incesto - coabitando com Bila, a concubina de seu
pai (Gn 35.22).76
Mas a preocupação de Jacó nem podia se comparar à de Jeová, que
tinha chamado o patriarca e seus pais para serem um povo separado de
todas as demais nações. Essa exclusividade de Israel agora estava sendo
ameaçada pelas tendências sincretistas em voga, através do casamento de
Judá. Fica claro, então, que José não foi enviado ao Egito por causa de
alguma punição, mas primordialmente para ser o canal da bênção da pro
vidência divina, pois Jeová o estaria usando a fim de preparar o caminho
para um período de incubação, no qual o povo de Israel iria crescer e ama
durecer no Egito, tornando-se então uma nação apropriada (Gn 50.19-21).
Logo, a venda de José como escravo poderia ser vista como uma reação
divina ao casamento de Judá.77
A descida ao Egito
A essa altura torna-se oportuno discutir um pouco acerca da cronolo
gia referente à venda de José como escravo, o casamento de Judá, e a des
cida de Jacó e sua família ao Egito, examinando os detalhes na ótica da
história egípcia, cuja parte principal pode pelo menos ser reconstruída de
forma razoavelmente correta. Baseando-nos na data de 1876 a.C. como o
início da peregrinação no Egito, deduzimos que o nascimento de José ocor
reu em 1916 a.C.78 José foi vendido aos egípcios quando tinha 17 anos (Gn
37.2), chegando ao Egito em 1899 a.C. Judá, o quarto filho de Léia, que não
poderia ser muito mais velho que José, no máximo três anos (veja as pp.
36,37), não deve ter se casado muito antes de 1900, quando estaria com 19
anos. Caso esse casamento tenha de fato causado o ímpeto de Jeová em
permitir que José fosse vendido ao Egito, como parece bem plausível, en
tão esse casamento pode ser datado por volta de 1901 ou 1900, ou seja,
pouco depois de Jacó e sua família terem se mudado de Siquém para
Hebrom.
' Stanley Gevirtz diz que Rúben usurpou os direitos de concubinato do pai ("The
Reprimand of Reuben", JNES 30 [1971]: 98). A atitude de Rúben foi típica do estilo de
vida dos cananeus, e especialmente do estilo de vida dos supostos deuses da região. Ver
em Charles F. Pfeiffer, Ras Shamra and the Bible (Grand Rapids: Baker, 1962); pp. 31-32.
- Para outras razões sobre a localização desse capítulo 38 de Gênesis, ver Judah Goldin,
"The Youngest Son or Where Does Genesis 38 Belong?" JBL 96 (1977): 27-44.
' Para uma discussão mais detalhada sobre essas datas e o devido apoio a elas, veja em
Merrill, "Fixed Dates", Bib Sac 137 (1980): 241-51.
40 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Em 1876, quando Jacó estava com 130 anos de idade (Gn 47.9), José já
vivia no Egito há 23 anos. Ele havia trabalhado cerca de dez anos na casa
de Potifar e depois, provavelmente por mais três anos, sofreu na prisão
de Faraó, vítima de acusações forjadas acerca de um possível assédio à
esposa de seu senhor (Gn 40.1,4; 41.1). Por fim, aos 30 anos (1886 a.C.),
ele foi libertado e passou a servir como o Ministro da Agricultura de
Faraó ou alguma coisa semelhante (Gn 41.46). Foi nessa época que os
sete anos de fartura principiaram (1886-1879), seguidos por tristes sete
anos de fome (1879-1872). A primeira visita dos filhos de Jacó ao Egito
para comprar grãos pode ter ocorrido no segundo ano da fome (1878). A
segunda visita deve ter acontecido em 1877 (Gn 43.1; 45.6,11). Partiu Jacó
e toda a sua família para o Egito em 1876, bem na metade do período da
fome (Gn 46.6). José estava então com 40 anos de idade, e seu irmão
Judá, com 43.
Entre os que acompanharam Jacó ao Egito estavam Perez e Zerá, os
filhos de Judá, frutos de sua união ilícita com a nora Tamar, e também
seus netos Hezrom e Elamul (Gn 46.12). Os gêmeos Perez e Zerá nasce
ram somente depois que o terceiro filho de Judá, chamado Selá, já estava
completamente crescido (Gn 38.14). Devido à tenra idade na qual os va
rões se casavam no antigo Israel, é totalmente possível que Judá tenha se
casado aos dezoito anos, que seus dois primeiros filhos tenham nascido
nos dois primeiros anos de seu casamento, e que Selá tenha vindo ao
mundo dois ou três anos mais tarde. Isto fixaria o casamento de Judá em
1901, o nascimento de Er em 1900, e o de Onã em 1899. Talvez Selá tenha
nascido não muito depois de 1896. Ao perceber que não poderia ter Selá
como seu marido, Tamar se disfarçou de prostituta e engravidou, em
uma data que não passa de 1880 (ou provavelmente mais tarde), e deu à
luz Perez e Zerá nove meses depois. Mesmo espremendo as datas, ve
mos que é impossível que Perez pudesse ter levado consigo descenden
tes ao Egito em 1876, ou seja, dois ou três anos depois. Talvez a intenção
da lista de Gênesis 46 seja simplesmente catalogar aqueles que entraram
no Egito, inclusive aqueles como Hezron e Hamul que assim o fizeram
potencialm ente.79 A inclusão do nome dos filhos de José, Manassés e
Efraim, na lista das 70 pessoas que entraram no Egito, mesmo tendo eles
nascido nesse país, nos mostra que essa lista não deve ser encarada lite
ralmente ao extremo.
A história de José
O cenário
A história de José tem sido interpretada como uma composição de sa
bedoria com pouca ou nenhuma base histórica.80 Entretanto, o Antigo Tes
tamento apresenta sua carreira e os eventos que cercaram sua vida como
história genuína. Podemos notar, entre aqueles que aceitam a historicidade
das narrativas acerca de José, a existência de uma divisão profunda a res
peito dos detalhes e do ambiente nela contidos. Alguns, baseados na teo
ria de uma peregrinação no Egito de no máximo 215 anos, insistem que
José serviu na corte dos reis hicsos que estavam no poder no período de
aproximadamente 1661 a 1570.81 Os proponentes desse ponto de vista apon
tam para o fato de que era muito mais provável que um rei hicso (em vez
de um egípcio nativo) estabelecesse em seu governo um homem de ori
gem semita, como foi o caso de José. Contra tal possibilidade precisamos
levar em conta o fato de que não há qualquer chance de se provar uma
peregrinação de 215 anos (ver pp. 69-73). Além disso, toda a narrativa
sugere que o rei seja um governante egípcio, e não um hicso.
Segundo a cronologia adotada nesta obra, José nasceu no ano 1916,
entrou no Egito em 1899, subiu ao poder em 1886, e morreu em 1806 (Gn
50.22) na idade de 110 anos. Toda a duração de sua vida foi contemporâ
nea à magnífica e deslumbrante 12a Dinastia do Médio Império Egípcio,
uma dinastia que teve seu início em 1991 e findou-se em 1786. Embora
saibamos que seja muitíssimo difícil a reconstrução da cronologia desse
período, é certo também que as datas citadas pelo Cambridge Ancient History
não podem estar muito distantes. Seguindo esse sistema de datação, apren
demos que José foi vendido ao Egito já no final dos anos do reinado de
Ammenemes II (1929-1895).82 Seu reinado foi conhecido como um gover
no pacífico, caracterizado pelo alto desenvolvimento da agricultura e da
situação econômica do país, e pelo incremento das relações internacionais
que o aproximaram do ocidente da Ásia. Nesse caso, José não seria mal
recebido nessa corte, por causa de seus ancestrais étnicos. Ao que tudo
' Gerhard von Rad, "The Joseph Narrative and Ancient Wisdom", em The Problem of the
Hexateuch and Other Essays (Edinburgh: Oliver and Boyd; New York: McGraw-Hill, 1966),
pp. 292-300.
' ■ G. Ernest Wright, Biblical Archaeology, edição abreviada (Philadelphia: Westminster, I960),
pp. 35-37; Pierre Montet, Egypt and the Bible (Philadelphia: Fortress, 1968), pp. 7-15.
Quanto à sua vida e época, ver em G. Posener, "The Middle Kingdom in Egypt," em
ZAH 1.2, pp. 502-4.
42 H istória de I srael no A ntigo T estamento
indica, foi durante o reinado de Sesostris II (1897-1878) que ele ficou apri
sionado, cerca de dez anos após a sua chegada ao Egito (i.e., em 1889).
Foram os sonhos de Sesostris que ele interpretou e sob quem ele serviu
como um alto oficial do governo.
83 Ibid., pp. 541-42. Posener ainda observa: "A história bíblica de José faz-nos lembrar o
comércio escravagista" (p. 542). Ver também Posener, "Les Asiatiques en Egypte sous
les xii et xiii dynasties,"Sj/rw 34 (1975): 145-63.
84 Posener, "Middle Kingdom", em CAR 1.2, pp. 505, 510-11.
43
Ibid., pp. 505-6; para uma indicação adicional de que Sesostris III é o faraó em vista, ver
em James R. Battenfield, "A Consideration of the Identity of the Pharaoh of Genesis 47,"
JETS 15 (1972): 77-85.
44 H istória de I srael no A ntigo T estamento
A atmosfera cultural
Está bastante evidente que o fundo histórico e cronológico da vida de
José encontra-se totalmente enquadrado no período do Médio Império
egípcio. O que falta ainda ser demonstrado é que o arcabouço cultural
visto em Gênesis 37-50 se adapta melhor a um governo de origem egípcia
do que com uma dominação de reis hicsos.88 Caso tal afirmativa possa ser
comprovada, todos os argumentos em favor de uma peregrinação de ape
nas 215 anos perderão praticamente toda sua força.
Qualquer um perceberá logo de início que todos os nomes próprios
descritos em Gênesis são de origem egípcia, e não de hicsos.89 Precisamos,
é claro, reconhecer que, embora poucas inscrições do período hicso te
nham sobrevivido, está comprovado nesses registros um número consi
derável de nomes próprios. Baseados nos dados obtidos através desses
nomes próprios, alguns estudiosos, tais como John Van Seters, identifi
cam os hicsos como semitas, especificamente os amoritas.90 Manetho su
geriu que o termo hicso em si significa "reis pastores", porém estudos mais
recentes indicam que seu significado quer dizer "dominadores de terras
estrangeiras" ou algo parecido.91 De qualquer forma, os hicsos certamen
te não eram egípcios, e suas tradições, costumes e estilo de vida eram tão
diferentes dos egípcios quanto o eram seus nomes.
Para uma boa e produtiva discussão sobre esses nomes, ver em Montet, Egypt, pp. 14
15. '
Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 18-22. De acoi-do com Alan Gardner, Egypt of
the Pharaohs (London: Oxford University Press, 1961), p. 130, este conto deve ser enqua
drado durante os dias do rei Sesostris I (1971-1928).
46 H istória de I srael no A ntigo T estamento
De José ao êxodo
94 John Ruffle, The Egyptians (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1977), pp. 197-210;
Van Seters, Hycsos, pp. 45-48.
:-ess 47
na esteia que foi encontrada por August Mariette em 1863 e conhecida por
"esteia dos quatrocentos anos".95 Esse monumento foi construído em 1320
a.C. por Seti, vizir do rei egípcio Horemheb, para marcar o quadrigentésimo
aniversário da (re)construção da cidade, um fato cuja autenticidade não
tem porquê de ser questionado. A dominação dos hicsos teve início du
rante a 13a Dinastia egípcia que, devido à pressão exercida por esses inva
sores, retirou-se para o sul e se estabeleceu em Mênfis. Quando por fim
essa cidade caiu sob o poder dos hicsos, a dinastia moveu-se ainda mais
para o sul, e finalmente chegou ao fim por volta de 1633.96
Enquanto isso, a 14a Dinastia egípcia permaneceu no controle da re
gião oeste do Delta até cerca de 1603. Centralizados em seu Sais (Xois),
essa linhagem de reis resistiu aos hicsos quase até o fim. As dinastias 15a
e 16a foram representadas por reis hicsos; seu início ocorreu com a toma
da de Mênfis (1674) e continuou até sua expulsão do Egito em 1567.97
Mesmo sendo culturalmente inferiores, os hicsos aprenderam e adota
ram as artes egípcias e sua ciência.98 Eles também identificaram suas di
vindades com as dos egípcios, igualando-as especialmente com Baal,
Resheph ou Teshub.99 Um aspecto ainda mais positivo dessa dominação
estrangeira foi a introdução e a popularização no Egito dos cavalos, car
roças e carruagens,100 bem como do arco feito por diversos materiais.101
Alguns dos mais proeminentes reis hicsos da 15a Dinastia foram Salitis
(Sharek); Khyan, que se auto-intitulava "filho de Re" (Rameses?); e
Apophis I, cuja filha casou-se com um príncipe de Tebas que também se
intitulava "filho de R e".102 Foi ele o primeiro a sofrer a maior resistência
por parte dos egípcios de Tebas, e que por fim foi expulso do Alto Egito
de volta para o Delta. Esse avivamento egípcio aconteceu durante a lide
rança de Seqenenre II da 17a Dinastia (1650-1567), cujo filho Kamose deu
início à expulsão dos odiados hicsos não apenas do Alto Egito, mas tam
bém do próprio Delta.
io3para um estudo acerca de todo esse período, ver em T. G. H. James, "Egypt: From the
Expulsion of the Hycsos to Amenophis l," em CAH 2.1, pp. 289-96.
0 Ê X 0 D 0: N A S t I N E 0 I 0
D E U HA N A ( Ã 0
O sig n ific a d o do êxodo
A localização histórica do êxodo
O novo reino egípcio
O Faraó do êxodo
As dez pragas
A rota do êxodo
A data do êxodo
Evidência bíblica interna
As evidências a favor de uma data recente
Ausência de acampamentos sedentários na Transjordânia
Os israelitas e a construção da cidade de Ramsés
Evidências da conquista ocorrida no século XIII
A data e a duração do cativeiro egípcio
O problema
A revelação dada a Abraão
Evidências a favor de um longo cativeiro no Egito
Evidências a favor de uma curta peregrinação no Egito
Cronologia dos patriarcas
A jornada no deserto
Do mar de Juncos até o Sinai
A aliança do Sinai
Do Sinai até Cades-Barnéia
De Cades-Barnéia às planícies de Moabe
O encontro com Edom
O encontro com os amoritas
O encontro com Moabe
O s ig n ific a d o d o ê x o d o
como um tipo do êxodo promovido por Jesus Cristo, de forma que ele se
torna um evento significativo tanto para a Igreja quanto para Israel.1
A lo c a liz a ç ã o h is tó ric a d o ê x o d o
Segundo 1 Reis 6.1, o êxodo aconteceu cerca de 480 anos antes da fun
dação do templo de Salomão. De fato, Salomão deu início à construção em
seu quarto ano, ou seja, em 966 a.C , de forma que, de acordo com uma
hermenêutica normal e uma aproximação séria dos dados cronológicos
bíblicos, o êxodo ocorreu em 1446 a.C. Antes de apresentarmos argumen
tos detalhados em favor de tal data, vamos por enquanto nos deter na
décima oitava dinastia do Egito que, de acordo com a data tradicional,
forma o quadro da época em que o êxodo aconteceu.
Como apontado no capítulo 1, a décima oitava dinastia foi fundada
por Amósis, o responsável pela expulsão dos hicsos. E bem provável ter
sido ele o que está descrito em Êxodo como o novo rei que não conhecia
18a Dinastia
Amósis 1570-1546
Amenotepe I 1546-1526
Tutmose I 1526-1512
Tutmose II 1512-1504
Hatchepsute 1503-1483
Tutmose III 1504-1450
Amenotepe II 1450-1425
Tutmose IV 1425-1417
Amenotepe III 1417-1379
Amenotepe IV (Akhenaten) 1379-1362
Semenca 1364-1361
Tutankamon 1361-1352
Ai 1352-1348
Horembeb 1348-1320
11Dinastia
Ramsès I 1320-1318
Setos I 1318-1304
Ramsès II 1304-1236
Merneptá 1236-1223
1 Ver, e.g., Claus Westermann, Elements of OM Testament Theology (Atlanta: John Knox,
1982), pp. 217 a 218; Eimer Martens, God's Design (Grand Rapids: Baker, 1981), p. 256.
j: ■j Do: N ascimento de uma N ação 5/
José (Êx 1.8).2 Isto não sugere que ele não tenha conhecido José pessoal
mente, mas apenas que sua benevolência não mais se estendia aos descen
dentes de José - os hebreus. Ele havia, afinal, expulsado os hicsos, um
povo bastante aparentado aos hebreus, e pode ter ficado receoso de que a
rápida multiplicação destes pudesse se constituir numa séria ameaça ao
seu recente governo e autoridade.
Ele ou seu sucessor, Amenotepe I (1546 - 1526), foi o responsável pela
política repressiva que se seguiu naqueles dias. Isto incluía a redução dos
hebreus à escravidão com trabalhos forçados em projetos de construções
públicas (Êx 1.11-14),3 um plano que foi igualmente implementado por
Amósis. Quando tal projeto fracassou, seguiu-se um decreto promulgan
do o genocídio de todos os machos hebreus que nascessem (Êx 1.15,16).
Esse decreto pode ter sido emitido por Amenotepe ou, o que é mais prová
vel, por Tutmose I, de acordo com a reconstrução histórica promovida neste
trabalho.
Admitindo a data de 1446 a.C. para o êxodo, podemos determinar a
data do nascimento de Moisés, um fato de elevada importância nesta
conjuntura. O Antigo Testamento informa que Moisés tinha a idade de
80 anos pouco antes do êxodo (Êx 7.7), e 120 anos na sua morte (Dt
34.7).4 Visto que sua morte ocorreu bem no fim do período do deserto,
podemos datá-la em 1406. Um simples cálculo então fornece o ano 1526
- Wiiliam F. Albright, "From the Patriarchs to Moses: II Moses Out of Egypt", BA 36 (1973): 54.
- Embora Kenneth A. Kitchen aceite a data mais recente para o êxodo, ele cita evidência
abundante sobre trabalhos forçados como escravos, incluindo semitas, na manufatura
de tijolos no período da 18° Dinastia. Veja seu livro: "From the Brickfields of Egypt",
Tyn Buli 27 (1976): 139-140.
4 A divisão da vida de Moisés em períodos de 40 anos - com 40 anos matou um egípcio,
aos 80 retornou do exílio entre os midianitas, e aos 120 morreu - sugere para alguns
estudiosos uma certa artificialidade. Argumenta-se que 40 anos é a representação de
uma geração ideal, de forma que Moisés deve ter tido uma vida três vezes mais longa
que uma geração normal. Veja, por exemplo, a obra de J. Alberto Soggin, A History of
Anciente Israel (Filadélfia: Westminster, 1984), p. 383. Essa mesma idéia também se apli
caria aos reinados de 40 anos de Saul, Davi e Salomão; aos 40 (ou ocasionalmente 20)
anos de governo e períodos de descanso na época dos juízes; e a muitas outras utiliza
ções deste número. E possível que esses períodos devam ser tomados em sentido literal,
e que não reflitam qualquer artificialidade ou coincidências, mas sejam uma deliberada
organização da história de acordo com o padrão estabelecido pelo próprio Deus. O nú
mero 40, em outras palavras, também pode ter um significado teológico e tipológico em
si mesmo, e o próprio Deus pode ter distribuído os acontecimentos dessa forma. Ver
Tohn J. Davis, Bihlical Numerology (Grand Rapids: Baker, 1968), pp. 52-54. Davi, porém,
vê apenas o número sete com valor simbólico (p. 124).
52 H istória de I srael no A ntigo T estamento
5 Com respeito às datas para o rei Amenotepe (Amenophis)I, ver T.G.H. James, "Egypt:
From the Expulsion of the Hyksos to Amenophis I", no Cambridge Ancient History, 3. ed.
por I.E.S. Edwards e associados (Cambridge: Cambridge University Press, 1973), v. 2,
parte 1, p. 308. Acerca de Tutmose (Tuthmosis)I, Tutmose II, Hatchepsute, Tutmose III e
Amenotepe II, ver William C. Hayes, "Egypt: Internai Affairs from Thutmosis I to the
Death of Amenophis III", em CAH 2.1, pp. 315-21. Para datas alternativas da 18a Dinas
tia (cerca de 1533-1303) ver William W. Hallo e William K. Simpson, The Ancient Near
East (New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1971), pp. 330-301. As datas do CAH (1546
1319) foram adotadas por George Steindorff e Keith C. Seele em When Egypt Ruled the
East (Chicago University Press, 1957), pp. 274-275.
54 H istória de I srael no A ntigo T estamento
egípcia.6 Sem dúvida, nos primeiros anos de Tutmose III, foi Hatchepsute
quem ditou as resoluções, um relacionamento que decerto ele detestava,
mas encontrava-se impotente para se opor. Somente após a morte da ma
drasta, Tutmose III demonstrou toda repugnância que sentia por ela, man
dando extinguir toda e quaisquer inscrições ou monumentos em sua ho
menagem.
O quadro geral de Hatchepsute leva-nos a identificá-la como a ousada
filha do Faraó que resgatou Moisés. Somente ela dentre todas as demais
mulheres de sua época seria capaz de ir contra uma ordem do Faraó, bem
diante dele. Embora a data de seu nascimento seja desconhecida, ela pro
vavelmente era vários anos mais velha do que seu marido, Tutmose II,
que morrera em 1504, bem próximo de seus 30 anos.7 Ela devia estar no
início de sua adolescência, por volta de 1526, data do nascimento de Moisés
e, portanto, com condições de agir em favor de sua libertação.
Tutmose III era menor de idade quando assumiu o poder em 1504 e
m ais novo que M oisés.8 Se, de fato, Moisés foi filho de criação de
Hatchepsute, há probabilidade de haver ele sido uma forte ameaça ao
jovem Tutmose III, visto que Hatchepsute não tinha filhos naturais. Isso
significa que Moisés era um candidato a ser faraó, tendo apenas como
obstáculo sua origem semítica. Parece-nos que houve uma real animosi
dade entre Moisés e o faraó. Isto fica claro em virtude de Moisés, após
matar um egípcio, ter sido forçado a fugir para salvar a vida. O fato de
ter o próprio faraó considerado a questão - que, em outra situação, seria
pouco relevante - sugere que este faraó especificamente tinha interesses
pessoais em se livrar de Moisés. O exílio auto-imposto por Moisés ocor
reu em 1486, quando ele tinha 40 anos de idade (At 7.23). Tutmose III já
estava no poder havia 18 anos; e a idosa Hatchepsute, que faleceria três
anos mais tarde, não tinha mais condições de interditar a vontade de seu
enteado/sobrinho.9
Durante longos quarenta anos, Moisés permaneceu fugitivo do Egito,
tendo se abrigado entre os midianitàs do Sinai e da Arábia. Uma das ra
6 Uma visão fascinante e um pouco imaginativa acerca de sua vida e reinado pode ser
vista na obra de Evelyn Wells, Hatshepsut (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1969).
7 Steidorff e Seele, When Egypt Ruled the East, pp. 39-40.
8Tutmose III foi designado vice-regente na última parte do reinado de Tutmose II, provavel
mente não menos que em 1508. Ver Hayes, "Internai Affairs," do C4H 2.1, pp. 316-317.
9 Tutmose III sucedeu Hatchepsute em 1483. Para tentar apagar a memória dela dentre os
egípcios, ele não apenas mandou destruir todos os monumentos construídos em sua
homenagem, como também matou em público todos os oficiais que a serviram. Ver
Hayes, "Internai Affairs," no CAH 2.1, p. 319.
O Ê xodo : N ascimento de uma N ação 55
zões para tão longo exílio foi justamente o fato de continuar a viver e rei
nar o Faraó de quem Moisés havia escapado. Somente após sua morte,
Moisés sentiu-se livre para retornar ao Egito (Êx 2.23; 4.19). Tutmose II I '
morreu em 1450 e foi sucedido por seu filho Amenotepe II (1450-1425).
Segundo os padrões cronológicos aceitáveis nesta discussão, era este
Amenotepe quem reinava na ocasião do êxodo.
Antes de deixarmos Tutmose III, é essencial notarmos que o relato bíbli
co requer um reinado de quase 40 anos para o Faraó que perseguiu a vida
de Moisés, porquanto o rei que morreu no fim dos anos do exílio de Moisés
em Midiã era claramente o mesmo que o havia ameaçado quase 40 anos
antes. Dentre todos os reis da 18a Dinastia, somente Tutmose III teve um
reino tão longo. De fato, ele é o único governante que, em todo período
durante o qual o êxodo poderia ter ocorrido, reinou tanto tempo - com ex
ceção de Ramsés II (1304-1236). Mas Ramsés, o faraó preferido pela maioria
dos estudiosos, é geralmente associado ao faraó do êxodo, não ao faraó cuja
morte possibilitou o retorno de Moisés ao Egito. Caso a morte de Ramsés
houvesse trazido Moisés de volta ao Egito, o êxodo deveria ter ocorrido
após 1236, uma data muito tarde para ser satisfatória.10
O Faraó do êxodo
Quando finalmente Moisés retornou ao Egito, ele e seu irmão Arão co
meçaram a negociar com o novo rei, Amenotepe II, a respeito de uma per
missão para Israel deixar o Egito com o propósito de adorar a Jeová e,
enfim, deixar o país definitivamente. Este poderoso rei conduziu uma cam
panha em Canaã em seu terceiro ano (aprox. 1450) e uma outra em seu
sétimo ano, provavelmente em 1446,11 coincidindo com a tradicional data
do êxodo. Não é difícil imaginar que a dizimação do exército de Faraó no
mar de Juncos pode ter ocorrido após essa sétima campanha e que, após
10 As implicações dessa linha de raciocínio são devastadoras para a teoria de uma data
mais recente para o êxodo; ver pp. 68-69.
11 Alan Gardiner, Egypt of the Pharaohs (London: Oxford University Press, 1961), pp. 200
202. Muitos historiadores defendem a idéia de uma co-regência entre Tutmose III e
Amenotepe II, de cerca de três a seis anos. Seguindo a opinião de que sua morte ocorreu
em 1450, seu filho deve ter governado com ele de 1453 (ou 1456) até 1450. Esta interpre
tação se encaixa melhor quando se pensa em uma primeira campanha em parceria com
uma segunda, onde ele já assumia o governo sozinho, portanto, em 1450 e 1446 respec
tivamente. Veja Donald B. Redford, "The Coregency of Thutmosis III and Amenophis II,
JEA 51 (1965): 107-22; William J. Murnane, "Once Again the Dates for Tuthmosis III and
Amenothep II,"JANES 3 (1970-1971); 5.
56 H istória de I srael no A ntigo T estamento
As dez pragas
12 Gardiner, Egypt, p. 202, descreve uma campanha no nono ano (aprox. 1444) que foi "em
menor escala" do que a ocorrida no ano sétimo. É tentador ver esta redução como um
efeito colateral da experiência do êxodo.
13 Hayes, "Internai Affairs,", em CAH 2.1, pp. 333-34. Era comum aos reis da 18a Dinastia
entregar o governo da cidade de Mênfis ao príncipe coroado. Veja Donald B. Redford,
"A Gate Inscription from Karnak and Egyptian Involvemente in Western Asia During
the Early 18thDynasty," JAOS 99 (1979); 277.
13 Quanto ao texto, procurar James B. Pritchard, Ancient Near Eastern Texts Relating to the
Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton University Press, 1955), p. 449.
15 Hayes, "Internai Affairs", em CAH 2.1, p. 321.
5 Ê xodo: N ascimexto de uma N ação 57
!6 Para uma discussão adicional acerca da identidade e localização dos midianitas, veja
Roland de Vaux, The Early History of Israel (Philadelphia: Westminster, 1978), pp. 330-338.
Mesmo que o relato (Êx 18.1-12) não apresente Jetro como um homem completamente
convertido a Jeová, não há dúvida de que ele o reconheceu como o Deus supremo entre
os deuses. Veja Umberto Cassuto, A Commentary on the BookofExodus (Jerusalém: Magnes,
1967), pp. 216-217. Para uma análise tradicional e histórica das supostas fontes acerca
do casamento e do comissionamento de Moisés em Midiã, ver George W. Coats, "Moses
in Midian", JBL 92 (1973); 3-10.
58 H istória de I srael no A ntigo T estamento
A rota do êxodo
O ponto exato onde Israel cruzou o mar de Juncos não pode ser deter
minado, mas certamente não era o mar Vermelho, o que chamamos hoje
18 Para uma história de interpretação das pragas, ver Brevard S. Childs, The Book ofExodus
(Philadelphia: Westminster, 1974), pp. 164-168. Para um estudo que considera as pragas
do Egito como apenas "fenômenos naturais" e eventos históricos, veja Greta Hort, "The
Plagues of Egypt", ZAW 69 (1957); 84-103; 70 (1958); 48-59, especialmente pp. 58-59.
19 As informações a respeito do enorme contingente que saiu no êxodo serão consideradas
nas pp. 72-73.
20 Talvez t-k-w (ou seja, Tel el-Maskhütah), bem ao ocidente dos Lagos Amargos. Veja
Yohanan Aharoni, The Land ofthe Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 196.
O Ê xodo : N ascimento de uma N ação 59
de Golfo de Suez. Este local estava muito ao sul para se encaixar no iti
nerário bíblico. Além disso, o termo hebraico para descrever a passagem
pelas águas, yam süp ("mar de juncos"), é totalmente impróprio para o
mar Vermelho. A tradução da palavra "mar Vermelho", vista em muitas
versões inglesas, está baseada na Septuaginta, que por certo assumiu ser
o mar de Juncos um nome antigo para mar Vermelho.21 O registro de
Moisés declara que Israel estava em um local próximo a Pi-Hairote (lo
calização desconhecida), entre Migdol (também desconhecido) e o mar.
Mais especificamente, Israel encontrava-se "diante de Baal-Zefom" (Êx
14.2), local hoje identificado como Tel Dafanneh, ao ocidente do Lago
Menzalé, uma bacia a sudeste do mar Mediterrâneo.22 As evidências hoje
sugerem que esse é o mar de Juncos pelo qual Israel passou.
Embora saibamos que o local tenha sofrido muitas dragagens para a
construção e manutenção do Canal de Suez, o lago Menzalé sempre foi
fundo o suficiente para impedir a passagem a pé sob quaisquer cir
cunstâncias. A passagem de Israel pelo mar, que antecedeu o afoga
mento dos exércitos e carruagens egípcias, não pode ser explicada como
uma "travessia de um pântano". Foi preciso a poderosa ação de Deus,
uma ação tão expressiva em sua extensão e significado que, a partir
daquele m omento, na história de Israel, ela seria para sempre um
paradigma por meio do qual os atos salvíficos e redentores de Deus
seriam evocados. Se não existiu um milagre real nas proporções aqui
descritas, todas as demais referências ao êxodo como o arquétipo do
poder soberano e salvífico da graça de Deus tornam-se vazias e sem
significação real.23
A d a ta d o ê x o d o
21 Para um ponto de vista que sugere que yam süp significa "mar distante" ou "mar da
extinção", mesmo referindo-se ao mar Vermelho de uma forma mito-poética, veja Bernard
F. Batto, "The Reed Sea: Requiescat in Face" JBL 102 (1983): 27-35.
22 Tel Dafanneh pode ser o mesmo local conhecido por Tahpanhes (Jr 2.16; 43.7,8; 44.1).
Ver também Oxford Bible Atlas, editado por Herbert G. May, 2a edição (London: Oxford
University Press, 1974), p. 58. Porém, na terceira edição de 1984, já não se identifica Baal
Zefon como Tel Dafanneh.
22 Como um exemplo de uma aproximação que visa manter a integridade histórica do
acontecimento, ainda que negue os detalhes registrados na Bíblia, ver Brevard S. Childs,
"A Traditio-Historical Study of the Reed Sea Tradition", VT 20 (1970); 406-18.
60 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O ano de 1446 já foi proposto como a data do êxodo. Sobre esta base
cronológica desenvolvemos nossa discussão a respeito dos reis hicsos, do
Novo Império, e das narrativas de José. Visto que a integridade de nossa
posição depende exclusivamente de uma data mais anterior, em vez de
uma outra mais recente que tem sido defendida pela maioria dos estudio
sos, torna-se então vital que apresentemos uma defesa contundente em
favor da data mais antiga.
Há duas datas bíblicas principais que tocam diretamente a questão do
êxodo. A primeira delas se encontra em 1 Reis 6.1, onde está escrito que o
êxodo precedeu a fundação do Templo de Salomão em 480 anos. Levando
em consideração por enquanto que Salomão deu início à construção do
templo em 966,24 podemos concluir que o êxodo aconteceu em 1446. Mas,
por uma série de razões, essa data é quase universalmente rejeitada em
favor de uma data mais recente, mais ou menos por volta do século XIII
(1260).25 Para conciliar o fato a uma data mais recente, a cifra 480 não deve
ser considerada literalmente, mas deve ser vista como uma forma misteri
osa de descrever 12 gerações (sendo quarenta anos, como dizem, uma ge
ração ideal). Entretanto, visto que uma geração na verdade está mais per
to dos 25 anos, o período entre o êxodo e as obras iniciais do templo é
estimado em 300 (25 X 12) anos, o que sugere aproximadamente o ano
126626 para o êxodo. Se fosse possível comprovar que a antiga cronologia
israelita (ou qualquer outra) assim fazia os cálculos, e que 1 Reis 6.1 é um
exemplo da aplicação de tal método, o caso pareceria estar solucionado.27
Infelizmente não há provas. A inevitável conclusão é que uma redução de
24 Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers ofthe Hebrew Kings (Grand Rapids: Eerdmans,
1965), p. 28; ver também pp. 22,55. Nós aqui aceitamos como ponto de partida a reco
nhecida e autorizada reconstrução da cronologia da monarquia dividida feita por Thiele.
25 John Bright, A History of Israel, 3a edição. (Philadelphia: Westminster, 1970), pp. 123-24.
26 Ibid., p. 123; John Gray, I & II Kings (Philadelphia: Westminster, 1970), pp. 159-60.
27 Kenneth A. Kitchen compara a cifra de 480 anos como um hábito dos escribas do Orien
te Médio de chegar a determinados números, após extraí-los de números inteiros. Os
480 anos, então, seriam um total que na verdade deveria representar apenas cerca de
300 anos. Infelizmente, Kitchen não fornece evidências sólidas que provem que tais
O Ê xodo: N ascimento de uma N ação 61
480 para 300 anos, a fim de satisfazer algumas conclusões subjetivas, tor
na-se um exemplo de apelação indigno de qualquer historiador ou estudi
oso da Bíblia. Certamente o ônus da prova recairá sobre os críticos que
preferirem considerar os dados dos historiadores bíblicos de forma não
literal.
A segunda prova em defesa do ano 1446 aparece em uma mensagem
do juiz Jefté aos seus inimigos amonitas. Jefté afirmou não ter eles razão
para qualquer hostilidade contra Israel, uma vez que durante os 300 anos
após a vitória de Israel sobre Seom, os amonitas nunca haviam contestado
os direitos de Israel sobre a Transjordânia. Uma simples leitura desse lon
go memorando (Jz 11.15-27) deixa claro que Jefté se referia ao período da
história de Israel pouco antes da conquista, que ocorreu cerca de 40 anos
após o êxodo. A vitória de Israel sobre os amonitas ocorreu por volta de
1100 a.C., uma data largamente reconhecida. Neste caso, Jefté se referia a
acontecimentos que haviam ocorrido perto de 1400 a.C.
Está claro que o número 300 não pode representar gerações ideais, com
resultados satisfatórios (i.e., 300 não é divisível por 40). Logo, os propo
nentes de uma data mais recente para o êxodo são forçados a utilizar no
vos métodos de cálculo. Tipicamente eles postulam a conquista em duas
etapas, afirmando que Jefté não se referia à conquista israelita como uma
confederação das 12 tribos, mas a uma anterior, uma ocupação "pré-êxodo"
da Transjordânia por uma tribo, ou tribos, que somente mais tarde asso
ciou-se àquelas poucas tribos de Israel que possuíam a tradição do êxodo.28
A conquista da Transjordânia, segundo esta recriação da história do Anti
go Testamento, precedeu a conquista de Canaã por mais ou menos um
século. Além disso, Jefté inequivocamente referia-se aos conquistadores
de Seom como os israelitas que tinham saído do Egito (Jz 11.13,16). Por
tanto, a menos que se desconsidere a própria evidência interna, a data de
1446 para o êxodo permanece de pé.
Além dos dados cronológicos bastante específicos, o Antigo Testa
mento fornece uma descrição suficiente do êxodo e seu período antece
dente, confirmando uma data mais antiga para o evento. Já foi exposto
que a história de Moisés melhor se adapta às datas e circunstâncias da
18a Dinastia do Egito. Se aceitarmos a data mais recente para o êxodo, a
qual sempre está associada a Ramsés II, será preciso desconsiderar todo
o testemunho bíblico. Moisés não voltou ao Egito até que aquele faraó
costumes estavam em vigor em 1 Rs 6.1 (Ancient Orient and Old Testament [London:
Tyndale, 1966], pp. 74-75).
T.J. Meek, Hebreia Origins (New York: Harper and Row, 1960), pp. 30-31, 34-35
62 H istória de I srael no A ntigo T estamento
29 Para obter maiores informações sobre o texto da chamada "esteia de Israel", consulte
Pritchard Ancient Near Eastern Texts, pp. 376-78.
30Isso é exatamente o que os críticos estudiosos fazem. Para uma aproximação mais deta
lhada desse caso, ver H.H.Rowley, From Joseph to Joshua (London: Oxford University
Press, 1950), esp. pp. 129-44.
0 Ê xodo: N ascimento de uma N ação 63
?1Nelson Glueck, "Explorations in Eastern Palestine and the Negev", BASOR 55 (1934): 3
21; BASOR 86 (1942): 14-24.
John J. Bimson, Redating the Exodus and Conquest (Shefield: JSOT, 1978), pp.67-74; James
R. Kautz, "Tracking the Ancient Moabites", BA 44 (1981): 27-35; Gerald L. Mattingly,
"The Exodus-conquest and the Archaeology of Transjordan: New Light on an Old
Problem,", GTJ 4 (1983): 245-62.
Veja E.P. Uphill, "Pithom and Raamses: Their Location and Significance", JNES 27 (1968):
291-316; JNES 28 (1969): 15-39.
Para ver o texto (Leiden 348), consulte Moshe Greenberg, The Hab/piru (New Haven:
American Oriental Society, 1955), p. 56, numero 162.
64 H istória de I srael no A ntigo T estamento
35 William F. Albright, From the Stone Age to Christianity (Garden City, N.Y.: Doubleday,
1957), pp. 223-24. Gleason L. Archer Jr. faz uma citação acerca de uma pintura numa
parede que data da época de Amenotepe III (1417-1379), na qual aparece o nome de um
famoso vizir conhecido por Ramose. Conforme Archer tem procurado indicar, isso signi
fica que nomes como o de Rameses têm datas anteriores a 19a Dinastia e que, por conse
guinte, o nome da cidade de Êxodo 1.11 não necessariamente precisa ser datada tão
recente quanto a época de Rameses II ("An eighteenth-Dynasty Rameses," JETS17 [1974]:
49-50). Mas Archer está errado ao dizer que a pintura jamais foi citada na literatura, já que
a mesma está registrada em Hayes, "Internai Affairs", em CAH 2.1, pp. 342,405.
0 Ê xodo: N ascimento de uma N ação 65
esse nome por causa de Ramsés II. (Sobre o nome Ramsés, Charles Ailing
tem outras informações.)36
* Para mais exemplos, ver Charles F. Ailing, "The Biblical City of R a m s é s JETS 25 (1982):
136-37. Contudo, o próprio Ailing demonstra que o nome Ramsés, ou uma de suas vari
antes, já foi coiivpfovado e achado em épocas tão remotas quanto a 12aDinastia (p. 133).
Sendo assim,-, assumir que o nome da cidade descrita em Êxodo 1.11 deve conduzir a
Rárftsés II é totalmente sem fundamento, embora a cidade deva sem dúvida ter sido
assim chamada em homenagem a alguma personalidade dentre a realeza da época. Tentar
achar nessa referência qualquer anacronismo também forçará na mesma direção em
Gênesis 47.11, onde o texto mostra a fixação de Jacó e sua família na "terra de Ramsés"
como seu no'' lar. _ x er teori; i e conduza a uma d ± l dal s o deve ser tida
como fraca.
37 Esta é a visão tanto de estudiosos liberais quanto de conservadores. Maiores informa
ções, ver Harry T. Frank, Bible, Archaeology, anã Faith (Nashville: Abingdon, 1971), p. 95;
Kitchen, Ancient Orient, pp. 61-69; Roland K. Harrison, Old Testament Times (Grand
Rapids: Eerdmans, 1970), pp. 175-76.
3' Kathleen Kenyon, Archaeology in the Holy Land (New York: Praeger, 1960), pp. 208-10.
3" Para consulta das principais cartas, ver Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 483-90.
66 H istória de I srael no A ntigo Testamento
40 Meek, Hebrew Origins, pp. 23-25. Meek estabelece a data do êxodo e da conquista de
Canaã bem próximo de 1200 a.C.
41 Para uma discussão mais abrangente, ver Eugene H. Merril, "Palestinian Archaeology
and the Date of the Conquest: Do Tells Tell Tales?" GTJ 3 (1982): 107-21.
42 Kenyon, Archaeology, pp. 209-12; George E. Mendenhall, "The Hebrew Conquest of
Palestine", BA 25 (1962): 72-73. Shemuel Ahituv cita alguns casos de destruição causa
das pelos egípcios, mas não apresenta nenhum exemplo oriundo do interior de Canaã
que possa ser datado depois de Tutmose III (1504-1450) e antes de Seti I (1318-1304).
Além disso, nenhuma cidade ou vilarejo conquistado por Josué foi citado por Ahituv
como tendo sido conseqüência de conflitos internos com os 'apiru ou devido a qualquer
campanha egípcia na região. Sendo assim, as regiões montanhosas de Canaã permane
ceram virtualmente ilesas durante o período de Amarna, o mesmo período da conquis
ta descrita na Bíblia. ("Economic Factors in the Egyptian Conquest of Canaan", IEJ 28
[1978]: 93-96,104-5). Thutmose IV, que foi o faraó que reinou durante os anos da pere
grinação no deserto (1425-1417), fez apenas uma campanha em Canaã, na qual conquis
tou Gezer. Nem mesmo Amenotepe III (1417-1379) ou Amenotepe IV (1379-1362) - os
governantes que reinaram durante os anos da conquista - se lançaram em qualquer
ataque a Canaã. Ver James M. Weinstein, "The Egyptian Empire in Palestine: A
Reassessment," BASOR 241 (1981): 13-16. Michael W. Several vai muito mais além, de
monstrando que o período de Amarna foi caracterizado como uma era de paz jamais
vista antes ou depois, uma condição que ele associa diretamente ao sólido controle egípcio
O Ê xodo : N ascimento de uma N ação 67
sobre a região ("Reconsidering the Egyptian empire in Palestine During the Amarna
Period," PEQ 104 [1972]: 128-129). As Cartas de Amarna falam de várias coisas, menos
de paz.
43Roger Moorey, Excavation in Palestine (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), pp. 116-17.
44 Bimson, Redating, pp. 215-25.
45 Yigael Yadin, "The Raise and Fali of Hazor", em Archaeological Discoveries in the Holy
Land, Archaeological Institute of America (New York: Crowell, 1967), pp. 62-63;
"Excavations at Hazor, 1955-1958", em The Biblical Archaeologist Reader, editado por
Edward F. Campbell, Jr., e David Noel Freedman (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1964),
vol. 2, p. 224; "The Fifth Season of Excavations at Hazor, 1968-69," BA 32 (1969): 55.
46 Bimson, Redating, p. 194.
68 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O problema
4° William E Albright defende a idéia de que a palavra hebraica dôr ("geração") significa
"duração da vida" no hebraico primitivo, de sorte que a passagem de Gn 15.16 está se
referindo a quatro "durações da vida", de cem anos cada (The Biblical Periodfrom Abraham
70 H istória de Israel no A ntigo T estamento
to Ezra [ New York: Harper, 1963], p. 9). O acadiano cognato é dãru e também significa
"duração da vida". Maiores informações em Harold Hoehner, "The Duration of the
Egyptian Bondage," Bib Sac 126 (1969): 306-16.
50 Aí está a razão de Leon J. Wood afirmar que o "novo rei, que não conhecia a José" sem
dúvida era um hicso, e não um governador egípcio. A subida dos hicsos ao poder por
volta de 1720 deixaria um período de aproximadamente 280 anos de opressão até o
momento do êxodo, em 1446 (A Survey of Israel's History [Grand Rapids: Zondervan,
1970], p. 37). Contudo, duzentos e oitenta anos não é o mesmo que quatrocentos anos.
Logo, o problema dos quatrocentos anos não está ainda solucionado.
0 Ê xodo: N ascimento de uma N ação 71
vez então as quatro gerações de Levi a Moisés foram selecionadas porque o total de
anos nelas envolvido aproximava-se de 430 anos.
54 Kitchen, Ancient Orient, pp. 54.5.
55 Quanto a uma evidência matemática, ver Cari R Keil e Franz Delitzsch, Biblical
Commentary on the Old Testament, vol. 2, The Pentateuch (Grand Rapids: Eerdmans, 1951),
pp. 28-29.
0 E xodo: N ascimento de uma N ação 73
Concluímos que a idéia de uma peregrinação mais longa deve ser pre
ferida, pois melhor acomoda os requisitos da cronologia bíblica, e ajusta-
se à história egípcia de uma maneira bem mais satisfatória.
C ro n o lo g ia d o s p a tria rc a s
A jo rn a d a n o d e se rto
56 Os nomes desses cinco primeiros locais - Shur, Marah, Elim, Sin e Refidim - são exclu
sivamente mencionados no Antigo Testamento, não havendo como associá-los aos mo
dernos sítios arqueológicos. Sur era um deserto que se estendia por todo o ocidente
central do Negueve (Gn 16.7; 20.1;25.18; ISm 15.7; 27.8). Mara é mencionada apenas nos
acontecimentos ocorridos no itinerário do deserto (Êx 15.23; Nm 33.8,9), da mesma for
ma que Elim (Êx 15.27; 16.1; Nm 33.9,10). Sin é o deserto que fica situado entre Elim e
Refidim (Êx 16.1; 17.1; Nm 33.11,12). Refidim situa-se entre Alush (Nm 33.14) e o monte
Sinai (Êx 17.1,8; 19.2). Para as possíveis localizações desses sítios, ver o mapa da p. 53.
57 O termo hebraico herem refere-se ao ato de consagrar alguém ou alguma coisa para o
serviço exclusivo de Deus. Pode ser que (conforme nesse ocorrido) haja a possibilidade
do objeto consagrado vir a ser aniquilado. Ver Leon J. Wood, herem, em R. Laird Elarris,
Gleason L. Archer, Jr., e Bruce K. Waltke, editores de Theological Wordbook of the Olá
Testament (Chicago: Moody, 1980) vol. 1, pp. 324-25.
58 Para um apanhado sobre os vários pontos de vista, ver Siegfried Elermann, A History of
Israel in Olá Testament Times, traduzido por John Bowden (Philadelphia: Fortress, 1975),
pp. 71-73.
5 n '.odo: N ascimento de uma N ação 75
A aliança do Sinai
Walther Eichrodt, Theology ofthe Old Testament (Philadelphia: Westminster, 1961), vol. 1,
pp. 36-45,481-85.
' Martin Noth, History of Pentateuchal Traditions, traduzido por Bernhard W. Anderson
(Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1972).
George E. Mendenhall, "Covenant Forms in Israelit Tradition", em Biblical Archaeology
Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr., e David Nowl Freedman (Garden City,
X.Y.: Doubleday, 1970), vol. 3, pp. 38-42; Klaus Baltzer, The Covenant Tormulary in OJd
Testament, Jewish, and Early Christian Writings (Philadelphia: Fortress, 1970).
J.A. Thompson, Deuteronomy: An Introduction and Commentary (Leicester: Inter-Varsity,
1974), pp. 14-21.
76 H istória de I srael no A ntigo T estamento
63 Moshe Weinfeld, Deuteronomy and the Deuteronomic School (Oxford: Clarendon, 1972),
pp. 59-157; R. Frankena, "The Vassal Treaties of Esarhaddon and the Dating of
Deuteronomy,", OTS 14 (1965): 122-54.
64 Moshe Weinfeld, "The Loyalty Oath in the Ancient Near East," ( if 8 (1976): 397.
65 Kenneth A. Kitchen, "Ancient Orient, 'Deuteronism,' and the Old Testament," em
New Perspectives on the Old Testament, editado por J. Barton Payne (Waco: Word, 1970),
pp. 1-24.
O Ê xodo : N ascimento de uma N ação 77
- Não será por isso que devemos considerar o relato coaio não-histórico, conforme muitos
têm pensado, tais como G.I. Davies, que identifica os tinerários de Deuteronômio como
um embelezamento dos instantes de mudanças nas aitigas fontes narrativas e em P (a
suposta fonte sacerdotal da legislação contida no Pentateuco), fazendo-as oarecer como
verdadeiras, o que serviria apenas para trazer esperança à comunidade do exílio ("The
Wilderness Itineraries and the Composition of the Pentateuch", VT 33 [1983]: 12-13).
Para uma visão que identifica o sítio tão antigo quanio a Era do Bronze Médio I, ver
H istoric de I srael no A ntigo T estamento
Berseba. Esta lição parece ter sido suficiente, pois não houve mais qual
quer outra tentativa de entrar em Canaã prematuramente.
’ Para uma visão panorâmica da identidade e história dos edomitas e moabitas, ver John
R. Bartlett, "The Moabites and Edomites," em Peoples ofOld Testament Times, editado por
D.J. Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), pp. 229-58.
Aharoni, Land ofthe Bible, pp. 201-2.
O Ê xodo : Nascimento de uma N ação 81
Milh em vez de Tel Arade, já que esta não existia em tempos pré-
salom ônicos.72 Tel el-Milh situa-se cerca de 19 quilômetros a oeste de
Berseba e 96 quilômetros a nordeste de Cades. O rei de Arade estava
temeroso porque os exércitos de Israel aproximavam-se de sua cidade
"ao longo da estrada para Atarin", um vale que ligava Arade a Cades.
Isso parece sugerir que Moisés, apesar de forçado a abandonar os planos
de passar pela Estrada dos Reis, estava uma vez mais determinado a
penetrar em Canaã pelo sul. Em todo o caso, Jeová concedeu a vitória
sobre Arade em Hormá, o mesmo local onde Israel havia sofrido terrível
derrota trinta e oito anos antes.
permaneceu até os dias de Moisés, como deixa claro o relato dos doze
espias (Nm 13.29). Mesmo os mais distantes planaltos haviam sucumbido
aos amorreus, e, como resultado, os moabitas e amonitas tiveram de
entrincheirar-se e satisfazer-se com uma considerável redução de seus ter
ritórios (Nm 21.26-30).78 Mesmo percebendo o iminente conflito, Moisés
decidiu seguir a rota pelas terras amoritas até Beer (localização desconhe
cida), Matana (desconhecida), Naaliel (desconhecida), Bamote (desconhe
cida), e finalmente até Pisga, situada na margem de um alto planalto que
possibilita a visão do mar Morto. Essa estrada passava bem próximo à
capital dos amorreus, chamada Hesbon, o que sem dúvida provocaria a
sua intervenção.
Logo, Moisés solicitou a Siom, rei dos amorreus, permissão para conti
nuar naquele caminho. Esse pedido - feito enquanto Israel achava-se no
deserto de Quedemote (Dt 2.26) - foi negado; e Siom lançou-se para atacar
Israel em Jaaz (Khirbet el-Medeiyineh?), situada cerca de 32 quilômetros
ao sul de Hesbon. Israel prevaleceu e, em pouco tempo, tomou a cidade
de Hesbon, matou a Siom, e ocupou todas as terras dos amorreus - desde
Arnom até Jazer, a nordeste de Jerico.
A ordem dos acontecimentos e o caminho percorrido são bastante obs
curos, já que os diferentes relatos alistam diferentes lugares.79 A narrativa
fundamental - Números 21.13-32 - parece descrever o itinerário de ma
neira resumida (vv. 16-20), registrando a comunicação com Siom, sua per-
50William F. Albright, Yahiueh and the Gods of Canaan (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1969),
p. 15, n. 38.
11 Herbert B. Huffmon, "Prophecy in the Mari Letters," BA 31 (1968): 101-24; John F.
Craghan, "The ARM X 'Prophetic' Texts: Their Media, Style and Structure," JANES 6
(1974): 39-58.
52 Para um maior conhecimento do profetismo e adivinhação na Mesopotâmia, ver A.
Leo Oppenheim, Ancient Mesopotamia (Chicago: University of Chicago Press, 1964),
pp. 206-27. Balaão praticava uma forma de encantamento em que combinava algumas
palavras ritualísticas com ações, o que supostamente ocasionava uma mudança no
curso dos eventos divinos. Ver H.W.F. Saggs, The Greatness That Was Babylon (New
York: New American Library, 1968), pp. 311-14; Frederick L. Moriarty, "Word as Power
in the Ancient Near East," em A Light unto My Path, editado por Howard N. Bream,
Ralph D. Heim e Carey A. Moore (Philadelphia: Temple University Press, 1974), pp.
345-62. Para uma confirmação sobre as funções de advinhador e amaldiçoador de
Balaão, ver Jacob Hoftijzer, "The Prophet Balaam in a 6thCentury Aramaic Inscription,"
BA 39 (1976): 12-13.
86 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Peter C. Craigie, The Book of Deuteronomy, New International Commentary on the Old
Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1976), pp. 30-32.
0N P I ST A E A
P A ( Ã 0 DE C A N A Ã
A terra como o cumprim ento da promessa
O mundo antigo do Oriente Médio
Mesopotâmia.
. Mitani
Os hititas
0$ estados sírios
Egito
Os 'apiru
Os 'apiru e a conquista
A estratégia de Josué
A campanha de Jerico
A campanha central
Siquém e a renovação da aliança
A campanha em direção sul
A campanha em direção norte
A data da conquista de Josué
A campanha contra os enaquins
M odelos alternativos da conquista e ocupação
O modelo histórico-tradicional
O modelo sociológico
A terra repartida entre as tribos
A distribuição em larga escala
A distribuição da terra para cada tribo
As cidades de refugio
As cidades dos levitas
A segunda renovação da aliança em Siquém
A te rra co m o o c u m p rim e n to d a p ro m e s s a
gente, que não admitia reconhecer os direitos de Jeová sobre o seu pró
prio povo. Por conseguinte, em uma demonstração de poder e amor, Jeová
sacudiu o jugo de seu povo, derrotando o opressor e libertando os hebreus
através da passagem pelo mar de Juncos, até que chegaram ao local de
terminado para a aliança - o Sinai. Foi lá que Ele afirmou sua soberania
sobre os descendentes de Abraão, e ofereceu-lhes o grande privilégio de
se tornarem seus servos na grandiosa missão de reconciliar a humanida
de consigo mesmo. A aceitação por parte de Israel gerou uma aliança,
um contrato mediante o qual Israel e Jeová ligavam-se e obrigavam-se
mutuamente, e era garantido a Israel a apropriação de todas as promes
sas feitas aos patriarcas. Os hebreus haviam se tornado uma nação, e
como tal passaram a ter um rei, o próprio Jeová, e uma constituição, o
livro da aliança ou concerto (Êx 20-23), e, mais tarde, o Deuteronômio.
Tudo o que eles precisavam agora era de uma terra onde pudessem go
zar tanto a nacionalidade quanto a estabilidade. Até mesmo a terra ain
da era uma promessa a ser cumprida. O que Israel precisava fazer era
tomar posse da ordem divina e partir para a ocupação da terra.
Israel permaneceu nas planícies de Moabe bem às vésperas da ocupa
ção e conquista da terra. Moisés era morto e o manto de mediador da ali
ança agora repousava sobre os ombros de Josué. Animado e encorajado
pela promessa de Jeová de que estaria sempre com ele - como havia esta
do com Moisés - , Josué começa a planejar a estratégia que resultaria na
conquista e ocupação da terra da promessa.
O m u n d o a n tig o d o O rie n te M é d io
Mesopotâmia
1 Para uma descrição dessa era tão obscura da história da Babilônia, ver em C.J. Gadd,
"Hammurabi and the End of His Dynasty," no Cambridge Ancient History, 3a Edição,
editado por I.E.S. Edwards et al. (Cambridge: University Press, 1973), vol. 2, parte 1, pp.
224-27; Margareth S. Drower, "Syria c. 1550 - 1500 B.C.," CAH 2.1, pp. 437-44; D. J.
Wiseman, "Assyria and Babylonia c. 1200-1000 B.C.," no CAH 2.1, pp. 443-47.
2 Jorgen Alexander Knudtzon, Die El-Amarna Tafeln, 2 vols. (Aalen: Otto Zeller, 1964
reedição),# 9.
3 Ibid., # 8
4 Ibid., # 16; Albert Kirk Grayson, Assyrian Royal Inscriptions: (Wiesbaden: Otto
Harrassowitz, 1972), vol. 1, pp. 47-49, # 10-11.
A C onquista e a O cupação de C anaã 93
Mitani
Os hititas
Anatólia, agora a porção central da Turquia, era o lar dos hititas. Esse
povo indo-europeu de origem ainda incerta, tendo assumido o controle
de Hatti, a população original, já havia criado um reino de estabilidade e
alto poder político-cultural em cerca de 1800 a.C.6 Após muitos anos de
declínio, o Médio Reinado Hitita surgiu e não só reafirmou o poder hitita
em Anatólia, como também iniciou um programa imperialístico de ex
pansão territorial em várias direções. De grande importância para a histó
ria de Israel foi o movimento em direção sul e sudeste promovido por
Tudalias II que, por volta de 1440, atacou e capturou Halab (Aleppo), de
Mitani, como também a maior parte da Síria dominada por Amenotepe II,
rei do Egito.7 Porém, esse domínio foi de curta duração, uma vez que os
monarcas egípcios e de Mitani fecharam acordos militares para reaverem
as terras ocupadas. Além disso, os vários levantes e inquietações internas
5 J.R. Kupper, "Northern Mesopotamia and Syria," em CAH 2.1, pp. 36-41; Drawer, "Syria,"
em CAH 2.1, pp. 417-36; A. Goetze, "The Sruggle for the Domination of Syria (1400-1300
B.C.)", em CAH 2.2, pp. 1-8.
- O.R. Gurney, The Hitites (Baltimore: Penguin, 1964); Seton Lloyd, Early Highland Peoples
of Anatolia (New York: McGraw-Hill, 1967).
~ O. R. Gurney, "Anatolia c. 1600-1380 B. C.," em CAH 2.1, p. 676.
94 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Os estados sírios
Egito
Os 'apiru
14 Para um relato que procura relacionar a história de Israel como sendo a dos 'apiru,
ver Moshe Greenberg, The Hab/píru (New Haven: American Oriental Society, 1955),
pp. 3-12.
15 Para explicar a exceção, William L. Moran propõe a idéia que o escriba era de origem
síria, da mesma forma que seu senhor ("The Syrian Scribe of the Jerusalem Amarna
Letters," em Unity and Diversíty, editado por Hans Goedicke e J.J.M. Roberts [Baltimore:
Johns Hopkins University Press, 1975], p. 156).
16Assyrian Dictionary, editado por Ignace J. Gelb et al. (Chicago: Oriental Institute, 1956),
vol. H, pp. 13-14.
17William F. Albright, "Abraham the Hebrew," BASOR 163 (1961): 36-54.
18 Greenberg, Hab/píru, pp. 70-76.
98 H istória de I srael .wo A ntigo T estamento
O s 'a p iru e a co n q u is ta
22 Essa posição tem sido não apenas exposta, mas forçosamente defendida por Norman K.
Gottwald, The Tribes ofYahweh (Mary-knoll, N.Y.: Orbis, 1979), pp. 417-25. Para uma
excelente discussão acerca da evolução dos termos que se referem aos hebreus, ver em
Nadav Na'aman, "Habiru and Hebrews: The Transfer of a Social Term to the Literary
Sphere," JNES 45 (1986): 271-88.
23 Por exemplo, T.J. Meek, Hebrew Origins (New York: Harper and Row, 1960), pp. 21-23.
o
<5 Monte
^ Hermom
MA R
MEDITERRÂNEO
A
Monte
Halaque
A CONQUISTA
DE C A N A Ã
Cades-Barnéia
A C onquista e a O cupação de C anaã 101
24 Greenberg (Habi/piru, p. 74, n. 62) data as cartas da Palestina como que pertencendo aos
primórdios do reinado de Amenotepe IV. Edward F. Campbell, Jr., diz que todas as
cartas datam do trigésimo ano de Amenotepe III até o final do reinado de Akhenaten
("The Amarna Letters and the Amarna Period," BA 23 [I960]: 10).
102 H istória de I srael no A ntigo T estamento
guns textos de origem palestina, existem apenas dezesseis deles que men
cionam os 'apiru:25
25 Os textos estão publicados por Knudtzon, El-Amarna (EA). William F. Albright identifi
ca o autor de AO 7096 como sendo Shuwardata (ver em James B. Pritchard, Ancient Near
Eastern Texts Relating to the Old Testament, 2a edição [Princeton: Princeton University
Press, 1955], p. 486, n. 13). E claro que existem muitos outros textos que, da mesma
forma, são oriundos da Palestina e que jamais mencionam os SA.GAZ / 'apiru. O qua
dro que surge desses relatos em nada é diferente. São mencionadas as mesmas escara
muças entre as cidades, as mesmas mesquinharias e a mesma subserviência aos reis
egípcios, além de registrarem o mesmo ambiente chafurdado num caos e ilegalidade
que foram o resultado das invasões promovidas por inimigos externos. Ver esta descri
ção em Campbell, "Amarna Letters," BA (1960): 2-22.
A CosQJiSTA EA O cupação de C anaã 103
11. EA 289. ER-Heba indica que Milkilu tomara Rubutu para si mes
mo, que o povo de Gath-Carmelo tinha estabelecido uma guarni
ção em Beth Shan e que Lab'ayu tinha entregado Siquém para os
'apiru.
12. EA 290. Er-Heba reclama que Milkilu e Shuwardata se apoderaram
de Rubutu e que uma cidade próxima a Jerusalém tinha caído nas
mãos do povo de Queila - portanto a terra do rei estava agora no
controle dos 'apiru.
13. EA 298. Yapahi de Gezer diz que seu irmão rendeu-se aos SA.GAZ
em Muhhazi.
14. EA 299. Yapahi diz que os SA.GAZ eram fortes contra ele.
15. EA 305. Shubandu das regiões ao sul da Palestina observa que os
SA.GAZ eram fortes contra ele.
16. EA 318. Dagantakala das regiões ao sul da Palestina descreve a se
vera imposição que sofrera nas mãos dos SA.GAZ/habbati.
26 Edward E Campbell, Jr. E James F. Ross, "The Excavation of Shechem and the Biblical
Tradition," BA 26 (1963): 9-11. Campbell e Ross afirmam que a cidade de Siquém foi
conquistada por Israel "sem o uso de qualquer armamento" e também da "pacífica
simbiose refletida nas narrativas de Jacó". A última observação chega ser estranha por
que a estória de Jacó e Siquém (Gn 33.18-34.31) pode refletir qualquer coisa, menos
uma relação pacífica. Um forte contraste é visto nos textos de Amarna que, sem sombra
de dúvida, apontam para uma assimilação pacífica de Siquém.
27 H.H. Rowley, Fróm Joseph to Joshua (London: Oxford University Press, 1950), pp. 110-11.
104 H istória de I srael no A ntigo T estamento
de Gezer perdeu sua vida e seu exército28 quando se lançou num ataque
surpresa contra Israel, pois vinha em auxílio de Laquis. Horão muito pro
vavelmente foi o predecessor de Milkilu, quem primeiro se mostrou hostil
aos SA.GAZ, mas acabou unindo-se a eles. Um fato muito interessante é
Josué 16.10, onde está escrito que os israelitas não expulsaram os cananeus
de Gezer, mas que seus habitantes tornaram-se escravos dos efraimitas.
Isto está perfeitamente de acordo com a reclamação de ER-Heba contra
Milkilu, a qual diz ter este "dado a terra ao rei dos 'apiru" (EA 287).
Ba'lat-UR.MAHMESde Sapuna, um local por outro lado desconhecido,29
fala acerca do perigo iminente vindo dos SA.GAZ, como fazem Shubandu
e Dagan-takala, igualmente de locais desconhecidos. Yapahi30 de Gezer
diz que seu irmão caiu diante dos SA.GAZ em Muhhazi (Tel Mahoz, a
oeste de Gezer).31 Já que este local não é mencionado na narrativa da con
quista, torna-se pouco relevante para nós.
As cartas provenientes de Jerusalém, entretanto, são de valor inestimá
vel. O remetente, um homem chamado ER-Heba (Abdi-Hepa), descreve
uma deserção completa diante dos 'apiru. Ele mostra-se particularmente
perturbado diante da grande deslealdade de Gezer, Ascalom e Laquis. Sob
o domínio de Milkilu, a cidade de Gezer, conforme vimos, aparentemente
rendeu-se a Josué sem necessidade de haver uma batalha. Ascalom não
aparece em Josué, mas está presente em Juízes 1.18 como a cidade tomada
pelos filhos de Judá como parte de sua herança. Visto que Ascalom é asso
ciada a Gezer nos textos de Amarna, e Gezer foi a princípio hostil aos
israelitas antes de submeter-se ao domínio de Josué, não está fora de ques
tão a hipótese de que Ascalom, como Gezer, após uma hostilidade inicial,
tenha se tornado aliado de Israel (EA 287).
Laquis aparece em Josué 10 como uma das confederadas de Jerusalém
na oposição entre amoritas e israelitas. Depois de Josué haver matado o
28 Rowley (ibid., p. 100) engana-se quando afirma que existe uma inconsistência entre
Josué 10.33 e 16.10, já que a última referência indica que Gezer tinha sido aniquilado e a
primeira diz que ele estava sob a dominação dos Israelitas. Josué 10.33 diz que Horam,
rei de Gezer, morreu em batalha juntamente com os demais reis que se uniram a ele em
guerra contra Josué em Laquis. Isso em hipótese alguma quer dizer que a cidade de
Gezer foi destruída.
29 Campbell, "Amarna Letters," BA 23 (1960): 20, identifica esse Sapuna com Zafon da
região inferior do vale do Jordão, um ponto de vista que não tem sido geralmente acei
to.
30Ou Yapa'u segundo Shlomo Izre'el, "Two Notes on the Gezer-Amarna Tablets," Tel Aviv
4 (1977): 163. Izre'el oferece aqui um novo estudo de EA 299.
31 Yohanan Aharoni, The Land of the Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 440.
A Co.xQuiSTA EA O cupação de C anaã 10 5
rei de Laquis (v. 26), tomou para si a cidade (vv. 31,32), mesmo tendo o rei
de Gezer corrido para auxiliá-la (v. 33).32 Não há razão por que Laquis não
ter se tornado, conforme Gezer, uma colaboradora dos israelitas, como
mencionou ER-Heba (EA 287). Zimrida de Laquis (EA 288) claramente
deve ser distinguido de Jáfia, rei de Laquis (Js 10.3). Contudo, pode ser
que Zimrida tenha sucedido Jáfia após a morte deste em Maquedá.
Em outra carta (EA 289), o rei de Jerusalém diz que Milkilu de Gezer
tomou para si Rubutu (Rabá, próximo à moderna Latrun).33 Josué nada
fala acerca desta captura; assim é possível que Milkilu tenha salvado Isra
el desse problema. A mesma carta descreve uma guarnição que o rei de
Gate (Shuwardata?) estabelecera em Bete-Seã, bem ao norte. Gate perma
neceu intocada por Josué (Js 11.22), e Manassés não foi capaz de expulsar
os cananeus de Bete-Seã (Js 17.16; Jz 1.27).
Os textos de Amarna deixam a impressão de que os SA.GAZ/'apiru
lutaram primeiramente contra cidades e povoados que estavam fora da
área de conquista israelita, conforme descrito nas fontes bíblicas. Essas
cartas, que também mencionam locais relacionados com a conquista, não
estão de forma alguma em desacordo com o relato bíblico. De fato, elas o
complementam de forma bastante significativa. É possível distinguir os ~
SA.GAZ/'apiru que operavam fora da região central da Palestina da
queles que agiam na parte interior, provavelmente os israelitas. Yohanan
Aharoni ficou perplexo ao perceber que apenas quatro das cidades que
existiam naquela região montanhosa, durante a era de Amarna, são men
cionadas nos documentos de Amarna. Ele atribui isto à completa domi
nação daquela região pelos habitantes de Siquém e de Jerusalém.34 Não
seria mais sensato admitir que a razão para este silêncio seria o fato de
que todo o interior de Canaã estava nas mãos dos israelitas durante esse
período, com exceção de Siquém e Jerusalém, exatamente segundo a
descrição bíblica?35
52 E verdade que o relato bíblico descreve a população da cidade de Laquis sendo total
mente destruída. Mas isso em nada impediria que a cidade viesse novamente a ser ha
bitada, se tornando amigável para com os 'apiru (Israel), conforme está sugerido em EA
287, para que mais tarde viesse novamente a cair em desgraça, como diz em EA 288.
Deve-se dedicar especial atenção ao fato que o texto não diz absolutamente nada com res
peito à destruição das estruturas físicas da cidade. Ver Eugene H. Merril, "Palestinian
Archaeology and the Date of the Conquest: Do Tels Tel Tales?" GTJ 3 (1982): 114.
22Aharoni, Land ofthe Bible, p. 174.
34 Ibid., p. 175.
" E importante que se saiba que, ao expressarmos nossa própria reconstrução do ambien
te histórico que permeou os anos da conquista, não descartamos absolutamente os proble-
106 H istória de I srael no A ntigo Testamento
A e s tra té g ia de Jo s u é
A campanha de Jerico
mas que nosso ponto de vista precisa enfrentar, especialmente no que diz respeito a
falta de correspondência entre os nomes próprios vistos nos textos de Amarna e aqueles
registrados nos livros de Josué e Juízes. Porém, quando nos lembramos de que a con
quista de Josué já estava há muito tempo terminada na época em que os documentos de
Amarna descrevem o tumulto causado pelos 'apiru, então fica até fácil de se entender
por que alguns nomes são diferentes.
A C O S Q U IS T A E A O C U P A Ç Ã O D E CA NA Ã 107
^ Frank M. Cross, Ccmaanite Myth and Hebrew Epic (Cambridge: Harvard University Press,
1973), pp. 103-5.
108 H istória de Israel no A ntigo T estamento
apenas porque ela guardava a rota que ele intentava tomar, mas também
porque se ele a deixasse intacta, ela se transformaria num bastião da resis
tência cananéia contra Israel, o que se tornaria uma fonte de problemas ou
mesmo perigo para os exércitos de retaguarda do povo de Deus. Além disso
e por razões não muito bem nítidas, Jeová havia escolhido especialmente
aquela cidade para manifestar o seu julgamento. Quando isso acontecia a
um local ou a um povo, eles eram designados como "consagrados para
Jeová", ou seja, seriam levados ao extermínio. O verbo técnico em hebraico
é haram ("consagrar para destruição"). Objetos debaixo da maldição deveri
am ser aniquilados (caso estivessem vivos) ou dados a Jeová para seu pró
prio uso. Em hipótese alguma tal coisa poderia ser guardada sem que para
isso houvesse a expressa permissão de Jeová.37
O primeiro exemplo dessa política foi a destruição dos cananeus e de
suas cidades próximas a Horma (Nm 21.3). De fato, o nome Hormá reflete
a raiz subjacente herem. Essa política foi aplicada de forma semelhante
após a derrota de Seom e dos amoritas na Transjordânia (Dt 3.6). Moisés
também tinha exortado Israel a colocar algumas das cidades cananéias
sob herem, explicando que isso significava que eles não poderiam fazer
acordo nem se unirem em casamento com eles (Dt 7.1-3). Pelo contrário,
Israel deveria destruir seus altares, pedras sagradas, os postes de Aserá e
as imagens (v. 5). A razão era que Israel, mesmo sendo um povo separado
por Deus, poderia retornar ao paganismo através da influência dos
cananeus (Dt 20.17,18).
É óbvio que herem às vezes limitava-se à destruição completa do povo,
não se aplicando às cidades propriamente ditas. E exatamente este o sig
nificado.das palavras de Moisés quando disse que Jeová entregaria a Isra
el cidades que eles não haviam edificado, casas cheias de bens e cisternas
que eles não haviam construído (Dt 6.10,11; 19.1). Quando por fim concre
tizou-se a vitória, Josué relembrou ao povo que Jeová fizera conforme ha
via prometido - Ele lhes dera cidades que eles não haviam edificado, e
vinhas e olivais que não haviam plantado (Js 24.13).
Um estudo mais cuidadoso revela que durante a conquista, apenas três
cidades cananéias, na realidade, sofreram a totalidade do herem, ou seja, fo
ram fisicamente destruídas justamente com suas populações. Estas foram
Jerico, Ai e Hazor. Quanto às outras, é dito apenas que foram "tomadas" (lakad)
por Israel e seus habitantes passados ao fio da espada. Por enquanto, pode-se
apenas especular o porquê de Jerico haver sido selecionada para estar sob a
totalidade do herem. É provável que, por ser a primeira cidade cananéia situ
37 Roland de Vaux, Ancient Israel (New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 1, pp. 260-63.
A COXQUISTA E .4 OCUPAÇÃO DE C a NAA 109
ada ao ocidente do Jordão, seu destino servisse como um alerta para todas as
demais cidades, para que levassem em conta que a santidade e o poder de
Jeová é que trabalhavam em favor de seu povo conquistador.
O vilarejo de Jericó vinha sendo ocupado possivelmente desde 7500
a.C.38 Infelizmente a ação deletéria do tempo e das condições climáticas,
combinadas ao trabalho amador e às escavações profissionais, somaram-
se para praticamente impedir a utilização arqueológica e histórica da ci
dade de Jericó. Baseado em alguns escaravelhos de Amenotepe III, o ar
queólogo britânico John Garstang datou o nível D em aproximadamente
1400 a.C., e postulou que esta era a cidade destruída por Josué.39 Sendo
assim, Garstand sustentou a data de 1400 para a conquista, e uma mais
antiga correspondente para o êxodo. Suas conclusões foram ainda mais
confirmadas com a descoberta de muralhas que, ao contrário do resultado
normal de um cerco, caíram para o lado de fora, morro abaixo. A isto ele
associou a referência bíblica que descreve a ruína das muralhas de Jericó
como caindo "sob a cidade" (taheta), ou seja, caindo morro abaixo (Js 6.20).40
Contudo, mais recentemente Kathleen Kenyon, outra respeitada arque
óloga britânica, passou várias estações em Jericó e concluiu, entre outras
coisas, que Garstand havia interpretado as evidências erroneamente, e que
os escaravelhos de Amenotepe pertenciam a um depósito posterior. Seu
nível D, então, tinha de ser remarcado próximo a 1300.41 Se tal reavaliação
já tem trazido problemas para as datas mais primitivas propostas para o
êxodo e a conquista, torna-se ainda pior para uma data mais recente, uma
vez que a conquista de Jericó em 1300 fixaria o êxodo em 1340. Sem dúvi
da esta reavaliação não beneficia a nenhuma posição. O melhor que se
pode dizer, então, é que a evidência de Jericó é inconclusiva e que, neste
ponto, é de pouco ou nenhum valor para se estabelecer um esboço históri
co ou cronológico em que se possa visualizar a conquista.
A campanha central
:’s Kathleen Kenyon, Archaeology in the Holy Land (New York: Praeger, 1960), p. 42.
39 John Garstang e J.B.E. Garstang, The Story of Jericho (London: Marshall, Morgan and
Scott, 1940), p. 120.
40 Ibid., p. 136.
41 Kathleen Kenyon, Digging Up Jericho (New York: Praeger, 1957), p. 260; idem, "Palestine
in the Time of the Einghteenth Dynasty", em CAH 2.1, p. 545.
no H istória de I srael no A ntigo T estamento
estrada sinuosa até a próxima fortificação cananéia em Ai. Visto que a cida
de já não mais existia (seu próprio nome significa "ruína"), foi necessário ao
historiador localizá-la como a cidade "que está junto a Bete-Aven, ao orien
te de Betei" (Js 7.2). Embora Ai seja identificada por muitos estudiosos com
um sítio conhecido simplesmente por et-Tel ("monte de pedras"),42 a me
nos de quatro quilômetros a leste de Betei (Beitin), esta visão não mais des
fruta de consenso. De fato, há muitos argumentos convincentes contra ela,
conforme David Livingston e outros estudiosos têm demonstrado.43 É irô
nico que o segundo dentre os três locais que sofreram o herem seja, como no
caso de Jerico, de valor insignificante para a data da conquista. É preciso
reconhecer que a própria natureza violenta do herem pode ser a própria ra
zão para que nem Jerico nem a cidade de Ai tivessem condições de produzir
quaisquer evidências arqueológicas significativas.
Depois de uma derrota inicial em sua tentativa de tomar a cidade de Ai
(Js 7.4,5), Josué compreendeu que os termos do herem haviam sido violados
na destruição de Jericó. Um cidadão particular, Acã, tinha se apoderado de
objetos que pertenciam exclusivamente a Jeová; Acã e sua família foram
destruídos como resultado da desobediência (Js 7.22-26). Somente assim
Josué pôde, com um contingente de trinta mil homens, atacar e destruir a
cidade de Ai, por meio de uma estratégia que incluíam emboscadas e arma
dilhas. Os habitantes de Betei uniram-se aos de Ai na peleja, mas ambos
foram clamorosamente derrotados. Josué então mandou matar os homens e
mulheres da cidade - doze mil ao todo - até que não houve mais nem um
sobrevivente. A própria cidade foi queimada até que tudo se consumiu,
permanecendo apenas uma coluna de fumaça, uma ruína ('ay) no exato sen
tido da palavra. Somente o gado e alguns tesouros da cidade foram poupa
dos, e isso segundo as ordens específicas de Jeová (Js 8.27). Ai representa o
exemplo de um herem com especificações bem claras.
Nada mais é dito acerca do encontro de Israel com Betei. A evidência
arqueológica é ambígua, embora pareça ter existido alguns sinais de acam
pamentos tribais durante o século catorze.44 Pode-se concluir que os
42 Ver especialmente Joseph A. Callaway, "The 1964 'Ai (Et-Tel) Excavations," BASOR 178
(1965): 13-40; "New Evidence on the Conquest of Ai," JBL (1968): 312-20; "The 19688-69
'Ai (Et-Tel) Excavations," BASOR 198 (1970): 7-31.
43David Livingston, "The Location of Biblical Bethel and Ai Reconsidered," WTf 33 (1970):
20-44. Livingston faz a opção por el-Bireh como o sítio de Betei (p. 40) e localiza a cidade
de Ai num pequeno tel localizado nas imediações.
44 Aharoni, Lanei of the Bible, p. 210. Há sinais de habitações na cidade de Beitin no século
catorze mas, conforme a sugestão de Livingston, se Beitin não é a cidade de Betei, esses
sinais são irrelevantes para nossa discussão.
A COXQUISTA EA OCUPAÇÃO DE C a NAÃ 111
betelitas foram destruídos, mas que a sua cidade, como a maioria das ci
dades cananéias, foi poupada a fim de prover residência para Israel. Em
bora o livro dos Juízes indique que os efraimitas de fato tomaram Betei,
isto parece ter ocorrido após a morte de Josué.45
45 A passagem de Juízes 1.22-26 é o único relato acerca de uma guerra contra a cidade de
Betei. Um betelita permitiu a entrada de Israel dentro da cidade, resultando com isso
que toda sua população, com exceção desse colaborador, foi destruída. A cidade, contu
do, foi poupada. Quanto a expressão técnica, "passaram a cidade ao fio da espada", ver
em Merrill, "Palestinian Archaeology", GTJ 3 (1982): 113-14.
46Esse fato ocorreu logo no início da conquista, ou cerca de 1406 a.C. A segunda convoca
ção em Siquém ocorreu quarenta anos depois (ver pp. 139-140)'. O acesso irrestrito até
Siquém conduz-nos, imediatamente, a duas conclusões: ou os habitantes de Siquém
deram as boas-vindas a Josué, ou já não havia habitantes naquela cidade. Parece que a
primeira hipótese é a mais segura, pois os cananeus de Siquém cooperaram espontane
amente com os 'apiru dos textos de Amarna (ver p. 102). Mesmo que a assembléia de
Josué 8 tenha ocorrido em cerca de trinta anos antes da mais antiga carta de Amarna, é
totalmente possível que a cordialidade dos siquemitas em relação aos 'apiru / israelitas
tenha sido apenas o resultado de uma política de anos de existência.
47 Muitos estudiosos, é claro, vêem Josué 8 e 24 como sendo tradições variantes de um
mesmo acontecimento. Para uma recente e, ao mesmo tempo, profunda apresentação
dessa posição, ver em J. Alberto Soggin, Joshua: A Commentary (Philadelphia: Westminster,
1972), pp. 220-44. O que essa posição falha em não observar é que havia a necessidade
de que todas as gerações viessem a afirmar seu compromisso com Yahweh. Era mais
apropriado que a assembléia se reunisse no início da conquista e que, de forma seme
lhante, voltasse a se reunir por mais uma vez na véspera da morte de Josué. Ver em
Marten H. Woudstra, The Book of Joshua, New International Commentary on the Old
Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1981), pp. 148-49; Meredith G. Kline, The Structure
ofBiblical Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 172), pp. 54-56.
I ll H istória de I srael no A ntigo T estamento
A o ficar claro que Josué havia ferido o norte de Canaã a partir do sul, e
que efetivamente instalara a nação de Israel na região montanhosa cen
tral, os cananeus e outras populações decidiram pôr de lado as diferenças
e formar uma só defesa contra Israel. Os heveus (horitas ou hurrianos?) de
Gibeão (el-Jib),50 situados apenas a onze quilômetros ao sul de Betei, fica
=1 O ser ou não um tratado entre suserano e vassalo é questionado por F. Charles Fensham,
"The Treaty Between Israel and the Gibeonites", BA 27 (1964): 96-100. Jehoshua M. Grintz,
por outro lado, mantém a posição que estamos diante de um tratado de "proteção". A
diferença encontra-se no nível de servidão, já que o "protégé" tinha muito mais inde
pendência do que um vassalo comum ("The Treaty of Joshua with the Gibeonites", JAOS
86 [1966]: 114-16,124-26).
:: O fato desse nome não constar das cartas de Amarna como sendo rei de Jerusalém não
deveria em nada nos surpreender, já que esse Adoni-Zedeque teria precedido em cerca
de trinta anos a mais antiga dessas cartas. Portanto, a observação feita por Rowley, que
afirma estarem os nomes pessoais registrados nas duas fontes em total desacordo, é
imprópria para o momento, pelo menos nessa situação (From Joseph to Joshua, pp. 4,42).
1 14 H istória de I srael no A ntigo T estamento
53 A erudição crítica nega que haja qualquer historicidade ho milagre descrito nessa estó
ria, é claro, embora a maioria dos intérpretes concedam, pelo menos, um substrato de
verdade histórica envolvendo tal situação, que foi construída através de uma lingua
gem poética relatando uma guerra santa. Ver, por exemplo, Trent C. Butler, Joshua, Word
Biblical Commentary (Waco: Word, 1983), pp. 113,115-17. John S. Holladay, Jr., defende
a idéia que a referência à momentânea parada do sol e a lua deve ser relacionada a uma
espécie de consulta astrológica à procura de "bons sinais" vindos dos céus, de forma
que por meio deles Josué teria mais confiança em sua vitória ("The Day(s) the Moon
Stood Still", JBL 87 [1968]: 170,176).
.ACOSQUISTA EA OCUPAÇÃO DE CANAÂ 1 15
54 Oxford Bible Atlas, editado por Herbert G. May, 3a edição (New York: Oxford University
Press, 1984), p. 134.
?a Merril, "Palestinian Archaeology," GTJ 3 (1982): 113.
Francis Brown, S.R. Driver and Charles A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the Old
Testament (Oxford: Clarendon, 1962), pp. 352-53.
116 H istória de I srael no A ntigo T estamento
57 Num estudo revelador, Rivka Gonen nos diz que a maioria das cidades da Era do Bron
ze Recente eram cidades não-fortificadas - não havia muralhas para defendê-las e criar
uma barreira contra os que tentassem tomá-las. Ao mesmo tempo houve um rápido
crescimento no número de acampamentos nos séculos décimo quarto e décimo terceiro.
Essas estatísticas batem com o montante da população durante os anos da conquista
("Urban Canaan in the Late Bronze Period", BASOR 253 [1984]: 61-73).
58 Wilhelm Gesenius, Gesenius'Hebrew Grammar, editado por E. Kautzch e A.E. Cowley
(Oxford: Clarendon, 1957), 154a.
59 A vitória contra a liga dos amorreus certamente não ocorreu antes de 1405 e Calebe,
segundo seu próprio testemunho, estava com oitenta e cinco anos quando tomou a ci
dade de Hebrom como sendo sua herança (Js 14.10, 13,14). Já que ele estava com qua
renta anos depois que se passaram dois anos do êxodo (v.7), a data da sua aquisição da
cidade de Hebrom deve ter sido por volta de 1399.
60 Até mesmo Manfred Weippert, que interpreta a ocupação de Canaã por Israel como
tendo sido uma espécie de penetração gradual das tribos e que seguiu de perto um
padrão estabelecido de fixação na terra, não acontecendo como que através de uma
operação militar, deve reconhecer que a evidência arqueológica é totalmente silenciosa
a esse respeito (The Settlement ofthe Israelite Tribes in Palestine, traduzido por James Martin
[Naperville, 111.: Allenson, 1971], pp. 128,129). J. Maxwell Miller, que interpreta a ocupa
ção como tendo sido uma violenta operação militar, deve reconhecer que "os dados
arqueológicos disponíveis simplesmente não se enquadram muito bem com o relato
bíblico da conquista, apesar das datas propostas por algumas pessoas" ("Archaeology
and the Israelite Conquest of Canaan: Some Methodological Observations," PEQ 109
[1977]: 88). É claro que não devemos esperar que as evidências concordem entre si quando
a interpretação dada à conquista é defeituosa.
A COSQUISTA E A OCUPAÇÃO DE C a NAÃ 117
61Quanto a Gilgal ser considerado como um centro logístico e estratégico, ver em Abraham
Malamat, "How Inferior Israelite Forces Conquered Fortified Canaanite Cities," BAR 8
(1982): 31.
Quanto a escavação e história desse sítio, ver em Avraham Negev, ed., Archaeological
Encyclopedia ofthe Holy Land (Englewood, N.J.: SBS, 1980), pp. 138-41.
118 H istória d l I srael no A ntigo T estamento
A d a ta d a c o n q u is ta de Jo s u é
A razão por que tem-se enfatizado, e até certo ponto trazido cansaço ao
leitor, que a maioria das cidades cananéias não foram destruídas material
mente por Josué é que, dentre todos os argumentos utilizados em favor de
uma data apropriada para a'conquista, aquele argumento arqueológico
que atesta uma violenta conflagração das cidades cananéias tem sido vis
to como o mais importante.64 De fato, sem o argumento arqueológico, pouca
a base resta para uma data mais recente (décimo terceiro século). A destrui
ção maciça ocorrida no século XIII documentada pela pesquisa arqueoló
A c a m p a n h a c o n tra os e n a q u in s
66Yigael Yadim, "Further Light on Biblical Hazor," BA 20 (1957)-. 44; "The Third Season of
Excavation at Hazor, 1957", BA 21 (1958); 30-47.
67 Bimson, Redating, pp. 185-200.
\ C onquista e a O cupação de C anaà 121
M o d e lo s a lte rn a tiv o s d a c o n q u is ta e o c u p a ç ã o
Josué 12-19 relata essencialmente as alocações das tribos. Uma vez que
a conquista inicial estava completa, uma tarefa que levou aproximada
mente sete anos (cerca de 1406 a 1399), era necessário iniciar o processo de
ocupação, pois as cidades abandonadas seriam repovoadas rapidamente
pelos habitantes da terra, caso Israel permanecesse por muito tempo fora
delas. Pode-se deduzir que já alguma ocupação estava em andamento
durante aquele tempo, mas está claro que a maioria de Israel ainda se
achava concentrada em Gilgal e sua periferia. De fato, antes que a distri
buição da terra conquistada fosse feita em lotes e possessões, nenhuma
residência oficial ou permanente poderia ser fixada. Antes de o padrão de
distribuição adotado ser descrito, é importante considerar brevemente duas
formas alternativas de ver a conquista e o estabelecimento de Israel: à vi
são da tradição crítica e a sociológica. Visto que as duas visões produzi
122 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O modelo histórico-tradicional
“ Martin Noth, Das system der zw ölf Stämme Israels (Darmstadt: Wissenchaftliche
Buchgesellschaft, 1966): History of Pentateuchal Traditions, traduzido por Bernhard W.
Anderson (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1972); The History of Israel 2a edição
(New York: Harper and Row, 1960), especialmente as pp. 53-163. Para uma apresenta
ção e crítica ao trabalho de Noth, bem como uma reconstrução alternativa, ver em J.
Liver, "The Israelite Tribes", em World History of the Jewish People, vol. 3, Judges, editado
por Benjamim Mazar (Tel Aviv: Massada, 1971), pp. 193-208.
l. C o S Q U S T A E A OCUPAÇÃO DE C a NAÃ 123
eles, mas que até então não era conhecido por esse nome. Moisés, portan
to, tornou-se um missionário de Jeová, e quando ele e sua tribo Levi en
contraram-se com Judá em Cades-Barnéia, esta então converteu-se ao
Jeovismo. Movendo-se para o norte de Canaã, Judá fez o mesmo a Simeão,
e passou a ser o centro de culto a Jeová. O documento J, a suposta fonte do
pentateuco que enfatiza o nome de Yahweh (Jahve em alemão), por fim foi
criado em Judá e disseminado para todo o Israel, provavelmente nos dias
de Salomão. Quando Moisés chegou a Transjordânia, encontrou-se com
Rúben e Gade. Estas preferiram lá permanecer, mas as duas abraçaram a
fé jeovista e, ao mesmo tempo, passaram para Moisés suas próprias tradi
ções, que vieram a se transformar na tradição de todo Israel. Então Moisés
morreu. Segundo a opinião de que as tribos de José participaram do êxodo
de Moisés, estas e Levi foram conduzidas por Josué através do Jordão por
volta de 1250. Lá ele estabeleceu suas tribos Efraim e Manassés na região
montanhosa que havia entre as tribos do sul (Judá e Benjamim) e do norte
(Aser, Naftali, Zebulom, Gade e Issacar). Portanto, toda a terra desde Dã
até Berseba veio a ser ocupada por tribos não-cananéias que, por fim, con
sideravam-se possuidores de uma origem e história comuns.71
A teoria então continua a explicar como ocorreu a fusão das tradi
ções. E provável que as tribos desde cedo reconhecessem (se com segu
rança ou não) uma origem araméia comum, bem como divindades e
ancestrais epônimos comuns. Moisés introduziu o Jeovismo em Levi,
José, Judá, Rúben e Gade. Josué, então, o encorajou entre as tribos indí
genas, e o resultado foi que os costumes tradicionais que distinguiam
as tribos submergiram-se nos interesses de uma comum fé e história
pan-israelita. A criação formal desta ligação pode ser vista na convoca
ção de Siquém em Josué 24. Entretanto, a questão se foi a "conversão"
que produziu unidade política ou a unidade política que trouxe a con
versão ainda permanece.
A Voltando a Martin Noth e sua construção de uma liga anfictiônica,72
observamos que ele e muitos críticos da tradição insistem que a confede
ração baseava-se em uma aceitação comum de várias tradições originais e
independentes:
n Para uma apreciação diferente desse cenário, ver a obra de Benjamim Mazar "The Exodus
and the Conquest", em World History of the Jewish People, vol. 3, pp. 79-93.
Uma definição de "anfictiônico" e um forte protesto contra essa visão de que a união
entre as tribos de Israel era de tal natureza pode ser vista em N. P. Lemche, "The Greek
'Amphictyony' - Could It Be a Prototype for the Israelite Society in the Period of the
Judges?" JSOT 4 (1977): 48-59.
126 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O modelo sociológico
74 Uma revisão excelente das posições sociológicas mais recentes com respeito a história
de Israel e sua literatura encontra-se em Walter Brueggemann, "Trajectories in O.T.
Literature and the Sociology of Ancient Israel," JBL 98 (1979): 161-85.
75 George E. Mendenhall, The Tenth Generation: The Origins of the Biblical Tradition (Baltimore:
Johns Hopkins University Press, 1973).
76 W. Robertson Smith, Lectures on the Religion o f the Semites (Edinburgh: Adam and Charles
Black, 1889); Kinship and Marriage in Early Arabia (London: Adam and Charles Black,
1903).
77 Max Weber, The Sociology of Religion, traduzido por Ephraim Fischoff (Boston: Beacon,
1963).
78 Gottwald, Tribes of Yahweh, pp. 210-19.
79 Ibid., p. 497. Essa hipótese pressupõe uma conversão religiosa maciça, um fato que
não pode em nada ser comprovado por não haver evidências. Ver Jacob Milgrom,
Religious Conversion and the Revolt Model for the Formation of Israel," ]BL 101 (1982):
169,175-76.
128 H istória de I srael no A ntigo T estamento
80 Marvin L. Chaney, JBL 103 (1984): 89-93; Walter R. Wifall, "The Tribes of Yahweh: A
Synchronic Study with a Diachronic Title," ZAW 95 (1983): 197-209; Eugene H. Merril,
Bib Sac 138 (1981): 81-82; Frederic R. Brandfon, "Norman Gottwald on the Tribes of
Yahweh", JSOT 21 (1981): 101-10.
81 J. Maxwell Miller, "The Israelite Occupation of Canaan," em Israelite and Judaean
History, editado por John H. Hayes e J. Maxwell Miller (Philadelphia: Westminster,
1977), p. 279.
A COSQVISTA E A OCUPAÇÃO DE C a NAÃ 129
52 Para uma visão moderadamente crítica e que leva seriamente em conta o relato bíblico,
ver Yohanan Aharoni, "The Settlement of Canaan", em World History of the Jewish People,
editado por Benjamim Mazar, vol. 3, pp. 94-128.
M A R
M E D I TERRÂN
Siquém.
Tanate-Siló
Micmeta
Tapua<
Timnate-Sera•
E F R A I M
Bete-Horom Inferior »Betel
Bete-Horom Superior •Atarote-Adar , . •! a.
. Gibeao Jencb
Geser Aijalom» * Gibeá
Quinate-Jearim* Anatote B E vi
Jerusalém* Én.Semes
Bete-Semes
Hebrom
Debir
Ziclague
OS T E R R I T O R I O S
DAS T R I B O S Horma
13 2 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Josué na ocasião (Js 13.1-7). Isto incluía todo o território dos filisteus, des
de o vadi el-Arish, ao sul, até o Ecrom, ao norte, ou seja, toda a planície
* costeira da Sefelá. Os filisteus viviam sobretudo em suas cinco principais
cidades, mas outros povos como os gesuritas83 e avvim habitavam entre
eles, particularmente nas regiões desérticas ao sul (Js 13.1-4). No norte de
Canaã as regiões não conquistadas estendiam-se desde Mearah (localiza
ção desconhecida), uma dependência dos sidônios, até o Afeque situado
na fronteira com os amorreus. Este é provavelmente Afeca, um pouco a
sudeste de Biblos, na Fenícia.84 Os "amorreus" aqui não se referem àque
les de Canaã, mas ao reino de Amurru, que controlava a região central da
Síria. Esta era aparentemente a fronteira do norte da Terra Prometida.85 A
fronteira oriental dos territórios ao norte, ainda fora do controle de Israel,
estendia-se desde Baal-Gade, um pouco ao ocidente do monte Hermon,
até Lebo-Hamate (ou "a entrada de Hamate"), no Beca, pouco ao oriente
de Gebal (Biblos). Naquela época, a fronteira ao noroeste da terra se esten
dia desde Misrefote-Maim, na costa do Mediterrâneo, cerca de 28 quilô
metros ao sul de Tiro, até Baal-Gade86. A área envolvida nesses limites
incluía os reinos de Tiro, Sidom e provavelmente parte de Gebal. Geogra
ficamente, ela cobria toda a cadeia montanhosa do Líbano, desde o vale
do rio Orontes até o sul das montanhas da Galiléia, e tudo desde o Medi
terrâneo até o vale de Beca. Os acontecimentos subseqüentes mostrarão
que essa fronteira ao norte praticamente nunca esteve sob o domínio dos
israelitas.
A terra que estava de fato sob o poder dos israelitas foi repartida da
seguinte maneira: Rúben recebeu a área ao leste do mar Morto, entre o rio
Arnon, ao sul, e uma linha de aproximadamente 24 quilômetros ao norte
do mar Morto, em algum ponto bem ao sul de Jazer. Gade reivindicou
83 Esses gesuritas, que viviam num local ainda não definido, próximo ao Neguebe, não
deve ser confundido com aqueles do reino de Gesur, situado a leste do mar da Galiléia.
Ver em Soggin, Joshua, p. 132.
84 Aharoni, Land o f the Bible, p. 238.
85M. Liverani, "The Amorites," em Peoples of Old Testament Times, editado por D.J. Wiseman,
pp. 123-26.
86 Yohanan Aharoni e Michael Avi-Yonah, Macmillan Bible Atlas (New York: Macmillan,
1968), mapa 62, que equipara Misrefote-Maim ao rio Litani, que não é mencionado no
Antigo Testamento.
A C onquista e 4 O cupação d e C an aã 13 3
50 Embora Siló "tenha sido muito desabitada durante a Era do Bronze Recente" (Boling,
Joshua, p. 422), houve ocasiões em que esse fator não era o caso, o que abre a perspectiva
para que ela tenha servido como uma espécie de centro cultural de Israel desde o déci
mo quarto século em diante.
13 6 H istória de I srael no A ntigo T estamento
des, inclusive Dor, que na verdade estavam dentro das fronteiras de Aser
(Js 17.11).93
A sexta herança distribuída em Siló foi para Naftali. A fronteira ao sul,
começando em Helefe (Khirbet Trbâdeh?), seguia em direção a Jabneel
(Tel en-Na'am) terminando no Jordão. De Helefe, estendia-se para o oeste
e para o norte, passando através de Hukkok (Yakuk), próximo à curva
nordeste de Quinerete. Embora o restante da fronteira a oeste e ao norte
não seja especificada, a soma de toda a extensão das possessões de Naftali
- até Zebulom ao sul, Aser a oeste e o Jordão ao oriente - pressupõe que
esta tribo estendeu seus limites para o norte o máximo que pôde, chegan
do até Tiro, ao ocidente, e ao Jordão, a oriente. Esse fato é confirmado pela
lista das cidades fortificadas dessa tribo: En-Hazor (Hazzur), Cades (Tel
Qades) e Hazor (Tel el-Qedah), todas elas situadas no norte da Galiléia.
A herança da tribo de Dã caiu para o oeste de Benjamim, entre as tribos
de Judá e Efraim. Mas em conseqüência de Dã ter-se mostrado inapto para
ocupar as terras ao oeste, no Sefelá, e nas planícies costeiras, a tribo imi
grou para o norte e apoderou-se do pequeno reino de Lessem (Lais), que
ficava ao norte do lago Hulé. Juízes 18 fornece detalhes a respeito dessa
mudança.
A última distribuição de terra coube ao próprio Josué (Js 19.49,50). Como
Calebe, ele havia afirmado a soberania de Jeová sobre a terra da promessa,
e agora herdava a sua possessão. A cidade que ele havia solicitado e rece
beu chamava-se Timnate-Heres (Khirbet Tibnah), na região montanhosa
ao oeste de Efraim.
As cidades de refúgio
Outra solução possível é sugerida na nota 92: se Shihor Libnath deve ser identificada
com a Quisom, então Dor deve ser localizada fora de Aser.
138 H istória de I srael no A ntigo T estamento
94 Roland de Vaux, Ancient Israel (New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 2, pp. 358-71.
A C onquista e a O cupação de C anaã 139
A s e g u n d a re n o v a ç ã o d a a lia n ç a e m S iq u é m
Muitos anos após este episódio, Josué, ciente de que a sua morte estava
próxima, reuniu em Siquém os líderes das tribos para admoestá-los a serem
fiéis à aliança, conduzindo-os em uma cerimônia de reafirmação do pacto.
Em obediência às ordens expressas de Moisés, Josué havia conduzido tal
cerimônia na época em que Israel entrou na terra (Dt 27.1-8; Js 8.30-35). Agora,
ele repetia a ocasião a fim de prevenir qualquer tipo de abandono da alian
ça, conforme a sua suspeita sobre o altar erguido pelas tribos orientais pró
14 0 H istória de I srael no A ntigo T estamento
ximo ao Jordão. Além disso, ele agora dirigia-se a uma nova geração de
israelitas, uma geração que, em sua maioria, não havia participado pessoal
mente da renovação da aliança. Portanto, depois de um período de mais de
trinta anos, a comunidade reafirmou o seu compromisso.95
Josué primeiramente relatou todos os poderosos feitos de Deus em fa
vor de Israel (Js 23). Ele havia pelejado por eles e lhes dera uma herança na
terra. Ainda que no momento não tivessem possuído toda a terra, Ele as
segurava o sucesso final. Porém, isto dependeria da obediência do povo e
de uma firme adesão aos princípios da aliança. Qualquer falha a esse res
peito ocasionaria o juízo de Yahweh, que os removeria da terra.
Assim, em Josué 24 aparece a descrição da renovação da aliança. Era
comum no antigo Oriente Médio que cada nova geração de vassalos ou
visse e respondesse aos termos da aliança que fora inicialmente firmada
entre seus antepassados e o suserano. Moisés havia inicialmente recebido
a revelação da aliança com Yahweh no Sinai, escrevendo ele mesmo o tex
to da aliança (essencialmente Êx 20-23) e o contexto histórico no qual ela
foi oferecida (Êx 19) e aceita (Êx 24). Aproximadamente quarenta anos
depois, ele reiterou os termos da aliança nas planícies de Moabe, desta vez
com adornos e emendas apropriados para a nova geração, que estava para
sair do deserto e lançar-se à conquista e à vida sedentária. Josué reafirma
ra a aliança no início da conquista (Js 8.30-35); agora, vendo que uma nova
geração havia nascido e enfrentado condições completamente novas, mais
uma vez ele reunia o povo para uma renovação da aliança. :
O cerimonial de renovação seguiu o procedimento padrão.96 Josué reu
niu o povo diante de Yahweh (Js 24.1); então passou a descrever os feitos
95 O cálculo para essa datação reside no fato de Josué, que morreu aos 110 anos de idade
(Js 24.29), haver pronunciado esse discurso bem no fim de sua vida (Js 23.1,2,14). Visto
que ele, sem dúvida alguma, tinha cerca da mesma idade de Calebe (ou talvez um pou
co mais novo que ele), que estava com oitenta e cinco anos em 1399 a.C. (Js 14.6-12), sua
morte deve ter ocorrido no mínimo por volta de 1375 ou então trinta anos depois da
renovação da aliança descrita em Josué 8. Ver p. 149 para uma argumentação que defen
de a idéia de que Josué, na verdade, morreu aproximadamente em 1366.
96 Para um comentário de Josué 24 como um texto específico da aliança e registro da ceri
mônia de renovação, ver Delbert R. Hillers, Covenant: The History o f a Biblical Idea
(Baltimore: Johns Hopkins Press, 1969), pp. 58-66. Hillers com muita precisão indica o
fato de que essa passagem não contém o texto da aliança propriamente dito, mas uma
descrição de como tal aliança foi cumprida (p. 61). Não havia razão para termos áqui
um texto volumoso da aliança, já que é bem provável que Josué estivesse chamando a
atenção do povo para os aspectos essenciais da aliança, conforme vemos delineados em
Deuteronômio.
A C onquista e a O cupação de C akaã 141
de Deus para com Israel, repetindo toda a história sagrada até aquele
momento (vv. 2-13), e os exortou a repudiarem todos os monarcas adver
sários (outros deuses), sendo fiéis somente a Yahweh (vv. 14,15). O povo
concordou com a interpretação de Josué sobre a história e prometeu total
obediência (vv. 16-18). Josué lembrou-lhes que a guarda da aliança seria
difícil, e que a falha dispararia a ira de um Deus santo (vv. 19,20). Eles, por
sua vez, prometeram servi-lo, rejeitando outros deuses (vv. 21-24).
Após a cerimônia ter-se realizado, deu-se um ritual que incluía o regis
tro do compromisso e o levantamento de uma esteia comemorativa, que
para sempre serviria de testemunha das promessas feitas (vv. 25-28). Foi
muito apropriado que a cerimônia tivesse ocorrido em Siquém, pois lá o
próprio Abraão, pai de Israel, chamado para uma aliança com Yahweh,
ergueu um altar em celebração da presença teofânica de Deus. O Deus dos
pais era o mesmo Deus de Josué e de sua geração.
Logo em seguida, Josué morreu e foi sepultado em sua cidade, Timnate-
Heres. E assim, como sugerindo o final de uma era - a era patriarcal atra
vés do cumprimento da promessa patriarcal da terra - o historiador regis
tra que os ossos de José, miraculosamente preservados por mais de qua
trocentos anos, foram trazidos e enterrados em Siquém. Assim como essa
região de Siquém (atualmente a cidade de Dotã) marcou o ponto da desci
da de José ao Egito, em preparação para a salvação do povo de Israel,
agora rrfãrcava o ponto de sua subida em celebração do livramento dado
por Yahweh e o cumprimento de sua promessa. Por último, Eleazar mor
reu e foi da mesma forma enterrado em Efraim. Era muito evidente que
Israel estava para penetrar em uma nova era de sua experiência histórica.
A ERA D 0 S J UÍ Z E S : A V I O L A Ç Ã O
DA A L I A N Ç A , A N A R Q U I A
E A AUTORIDADE HUMANA
O problem a crítico-literário no livro de Juízes
A cronologia de Juízes
A duração do período
A data inicial
A data de encerramento
Comprimindo a cronologia
O mundo do antigo Oriente Médio
O silêncio do Antigo Testamento
Mesopotâmia
Os hititas
Egito
Os estados siro-cananeus
Os juízes de Israel
O padrão cíclico que caracteriza o período
A natureza da idolatria em Canaã
Otniel
Eúde
Sangar
Débora
Gideão
O reinado malogrado de Abimeleque
Juízes menores
Jefté
Sansão
Samuel
A trilogia de Belém
Mica e o levita
O levita e sua concubina
A história de Rute: ligações patriarcais
Judá e Tamar
Os patriarcas e a monarquia
O papel da donzela moabita
O procedimento comum dos críticos tem sido, pelo menos, comparar tradi
ções diferentes que não conseguiram alcançar uma redação satisfatória.1
A solução m ais satisfatória para esta aparente contradição ou
sobreposição de fontes é entender Juízes 1.1-2.9 como uma ponte literária
que conecta o final do relato de Josué ao início das narrativas dos Juízes. O
livro de Josué registra que "Josué, filho de Num, o servo do Senhor, fale
ceu, sendo da idade de cento e dez anos" (Js 24.29). Exatamente com as
mesmas palavras o autor de Juízes registra a morte de Josué. Para evitar
que o livro iniciasse com a apostasia de Israel e mostrar que esta apostasia
não seguia imediatamente a morte de Josué, o historiador começa com o
relato da campanha de Judá e Simeão contra os cananeus que esporadica
mente ainda permaneciam na região montanhosa ao sul. E importante notar
que os inimigos não mais são os amorreus, como foi o caso na campanha
inicial liderada por Josué, pois imagina-se que os amorreus tenham sido
expulsos de Judá de uma só vez.2 O rei cananeu especificamente é Adoni-
Bezeque, rei de Bezeque (Khirbet Bezqa), cerca de cinco quilômetros a
nordeste de Gezer.3 Tomando-o como prisioneiro, os homens de Judá le
varam-no até Jerusalém, onde veio a morrer.
1 Otto Eissfeldt, The Old Testament: An lntroduction, traduzido por Peter R. Ackroyd (New
York: Harper and Row, 1965), pp. 253-55, 257-58; J. Alberto Soggin, lntroduction to the
Old Testament, traduzido por John Bowden (Philadelphia: Westminster, 1980), pp. 166
70. Uma atitude de cepticismo típica com respeito à historicidade do livro é a que se vê
em Sean Warner: "Parece ser opinião comum entre os historiadores que os dados conti
dos na primeira parte do livro são historicamente problemáticos, que a estrutura
redacional da segunda parte, a principal deste livro, é definitivamente secundária e de
fato traz pouca ligação entre as histórias contidas no livro, e que a terceira parte tam
bém é problemática, tornando-se difícil, se não impossível, decidir a favor da autentici
dade de seus dados" (The Dating ofthe Period ofthe Judges, VT 28 [1978]: 455-56). Devido
a tais suposições infundadas, não é de admirar que o livro-de Juízes tenha se constituí
do em um problema para a erudição crítica.
2 A campanha na região montanhosa em Judá, sob a liderança de Josué, envolveu os
amorreus (Js 10.6) e, é claro, não estava restrita às tribos de Judá e Simeão. Portanto, esta
não deve ser a batalha em questão. Além disso, Josué estava morto nessa ocasião (Jz
1.1), Judá e Simeão já tinham recebido seus territórios em comum (Jz 15.1; 19.1), e existe
especialmente uma distância entre esse acontecimento e qualquer outro descrito no li
vro de Josué. Conforme as palavras de Robert G. Boling, Juízes 1 "é uma retrospectiva
do desempenho da geração que sobreviveu a Josué." (Judges, Anchor Bible [Garden City,
N.Y.: Doubleday, 1975], p. 66).
3 Não há qualquer base, textual ou não, para assumir que Adoni-Bezeque seja uma cor
rupção do nome Adoni-Zedeque (Js 10.1), como sugerido, por exemplo, por George F.
Moore, A Criticai and Exgetical Commentary on Judges (New York: Scribner, 1895), p. 16.
A £>.a dos J uízes : A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 145
A esta altura, o leitor cuidadoso pode perguntar como foi possível aos
homens de Judá obter acesso a Jerusalém, visto que a cidade permaneceu
sob o domínio dos jebuseus até o período de Davi. Antecedendo à ques
tão, o historiador continua relatando como Jerusalém, pelo menos tempo
rariamente, veio a ser dominada por Israel. Para isto, o autor utiliza o re
curso literário deflashback, voltando ao período remoto em que Josué ain
da era vivo. Portanto, em Juízes 1.8 está contida a descrição da queda de
Jerusalém, um acontecimento explicitamente não relatado em Josué, em
bora sugerido sem dúvida pela morte do rei de Jerusalém durante a cam
panha de Josué para o sul (Js 10.22-27). Naqueles dias Jerusalém havia
sido capturada e queimada pelos homens de Judá, mas a população não
foi destruída. De fato, pouco tempo depois, os jebuseus retomaram o con
trole, e nem Judá (Js 15.63) nem Benjamim (Jz 1.21) puderam desalojá-los
novamente.
O resumo retrospectivo continua com a conquista realizada por Judá
da região montanhosa, o Negueve e a Sefelá, focalizando a tomada de
Hebrom. Provavelmente isto se refere a uma expedição particular contra
Hebrom, em atenção ao pedido de Calebe por sua herança (Js 11.21-23;
14.13-15; 15.13-19), em vez de uma derrota anterior dos reis amorreus
conseguida por Josué e todo o Israel (Js 10.36,37).4 Semelhantemente, a
captura de Debir (Jz 1.11-15; cf. Js 10.38,39) enquadra-se na história da
campanha de Calebe, e não na conquista israelita do sul. E especialmente
apropriado que o historiador repita a história de Calebe e Otniel, uma vez
que Otniel será introduzido como o primeiro dos juízes. Então, vê-se aqui
outra ponte literária e histórica entre os livros de Josué e Juízes.
Essa retrospectiva parentética até o tempo de Josué aparentemente ter
mina repetindo o relato da entrega de Hebrom e Debir a Calebe. Agora, o
autor retorna à narrativa dos versos 1-7, que diz respeito à conquista efe
tuada por Judá e Simeão. O autor fala primeiro acerca da assimilação dos
quenitas5 por Judá, e os ataques combinados contra a fortaleza cananéia
4 É mais uma vez importante notar que os inimigos nas campanhas remotas (Js 10) foram
os amorreus, enquanto que na conquista da cidade de Hebrom, com a participação dire
ta de Calebe, os inimigos foram os enaquins (Js 11) e os cananeus (Jz 1). Parece claro que
os enaquins eram um povo cananeu, e não os amorreus, embora ambos possam ter
coexistido (Nm 13.22; Js 15.13,14).
" O Antigo Testamento identifica os quenitas como midianitas (Jz 1.16), e diz que seu
ancestral foi Hobabe, cunhado de Moisés, que acompanhou o povo de Israel, pelo
menos em parte, do Sinai até Canaã (Nm 10.29-32). Para estudar sobre tal ligação, ver
em H. H. Rowley, From Joseph to Joshua (London: Oxford University Press, 1950), pp.
152-55.
DA
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MEDITERRÂNEO Cades ^ ,
Bete-Semes K
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Gezer • * Ramá Jerico Abel-Keramim
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1____ l_____l
ISRAEL DURANTE
A ERA DÖS J U Í Z E S
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 147
6 Israel destruiu certas cidades cananéias quando estava a caminho de Canaã, sendo tais
cidades chamadas coletivamente de Hormá (de herem, "banido; proibido"), em conse-
qüência da sua punição (Nm 21.1-3). Zefate deve ter sido uma cidade reconstruída so
bre essas ruínas. Ver Yohanan Aharoni, The Land of the Bible (Philadelphia: Westminster,
1979), p. 216.
7 Visto que a Idade do Ferro na Palestina deve ter-se iniciado por volta de 1200 a.C., o uso
do ferro pelos cananeus constituiria um problema para a cronologia adotada neste vo
lume, que fixaria as campanhas de Judá e Simeão descritas em Juízes 1 em cerca de
1350. Contudo, pelo menos os hititas já dominavam essa tecnologia e usavam o ferro
aproximadamente em 1400; logo, não há razão por que Canaã não poderia ter importa
do ferragens por volta do século XIV. Ver em Jacquetta Hawkes, The First Great
Civilizations (New York: Knopf, 1973), p. 113; Leonard Cottrell, The Anvil of Civilization
(New York: New American Library, 1957), p. 157; V. Gordon Childe, New Light on the
Most Ancient East (New York: Norton, 1969), p. 157.
14 8 H istória de I srael no A ntigo T estamento
s A movimentação de Dã para localizar-se mais ao norte (Lais) deve ter ocorrido no perí
odo remoto dos juízes. Não poderia ter acontecido antes do esforço para estabelecer-se
na terra, descrito em Juízes 1.34-36, visto que foi exatamente a pressão dos amorreus
que iniciara a relocação. Também claramente precedeu a chegada dos Povos do Mar/
filisteus, aproximadamente em 1200 a.C. Conforme indica Roland de Vaux, este é o úni
co texto em que os amorreus se encontram nas planícies, um fato que poderia confirmar
a opinião de que a conquista da região montanhosa, sob a liderança de Josué, foi um fait
accompli (The Early History of Israel [Philadelphia: Westminster, 1978], p. 133, n. 28).
4 E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 149
A c ro n o lo g ia de Ju íz e s
A duração do período
A data inicial
Antes de iniciar o tópico acerca da apostasia de Israel, é necessário que
uma base cronológica e hj^tórica seja instituída para toda a era dos juízes.
Nossa proposta será prinielro considerar a evidência bíblica interna, e em
seguida, pelo menos resumidamente, o mundo do antigo Oriente Médio
naquela época.
Ao determinar a estrutura cronológica do período^ps juízes, o passo
inicial será o estabelecimento de tcrmini a quo e ad quem.^O segundo baseia-
se em dados precisos que serão considerados mais à frente, mas o primeiro
requer uma reconstrução fundamentada em princípios mais subjetivosTEm
primeiro lugar, está claro que jqsué morreu na idade de 110 anos, alguns
anos após o início da conquista1' A data da conquista fixa-se aproximada
mente entre 1406 e 1399, já que iniciou-se exatamente quarenta anos depois
do êxodo em 1446 (Dt 1.3),% terminou sete anos mais tarde. Isto conforme o
testemunho de Calebe, que informou estar com quarenta anos no momento
em que ele e Josué espiaram a terra, e com oitenta e cinco ao término da
conquista (Js 14.7-10). Os espias foram enviados dois anos após o êxodo;
nessa época Calebe estava com quarenta anos em 1444, e oitenta e cinco em
1399. Pode-se concluir que Josué era da mesma idade. Ele foi um excelente
guerreiro contra os amalequitas em 1446 (Ex 17.10), e foi chamado de "jo
vem" pouco tempo depois (Ex 33.11). Embora seja um risco especular, uma
idade de trinta anos para Josué na época do êxodo certamente não é
exorbita n tcCTóesta forma, a data de seu nascimento seria por volta de 1476,
e a data de sua morte, 1366. Otniel, o primeiro juiz, iniciou o seu governo
após esta data.
" O período dos juízes foi um tempo em que quase não houve autoridade central, e tam
bém se caracterizou como um período em que não havia qualquer senso de patriotismo
ou coesão religiosa, um ponto bem discutido por Alan J. Hauser, Unity and Diversity in
Early Israel Befor Samuel, JETS 22 (1979): 289-303.
; Para uma pesquisa sobre as várias abordagens, ver J.H. John Peet, "The Chronology of
the Judges - Some Thoughts", Journal of Christian Reconstruction 9 (1982-1983): 161-81.
150 H istória de I srael no A ntigo T estamento
■ í)
N A segunda consideração é ainda mais notável. Tanto Josué 24.31 quan
to Juízes 2.7 enfatizam que Israel serviu a Yahweh fielmente não apenas
nos dias de Josué, mas também durante os anos dos anciãos que lhe suce-
[deramJnsto não pode se referir aos anciãos contemporâneos de Josué na
- época do êxodo e da p eregrin ação no d eserto, visto que estes
presumivelmente foram incluídos na geração rebelde de Israel, e que fora
sentenciad a à m orte no deserto (Nm 1 4 .2 6 -3 5 ).iS o m e n te uma
desconsideração total do texto permitirá crer que houve um número sig
nificativo de homens acima de vinte anos que sobreviveram ao deserto.
Mas, ainda que tenha existido um pequeno número, houve anciãos desig
nados posteriormente ao julgamento em Cades-Barnéia, e todos deviam
estar com menos de vinte anos na ocasião. Alguns, sem dúvida, deviam
ser consideravelmente jovens. Mesmo na visão mais conservadora, um
ancião elegível para entrar em Canaã não poderia ter nascido antes de
1464, vinte anos antes da rebelião em Cades-Barnéia. Se ele viveu para ser
tão velho quanto Josué, teria vivido até 1354. Se, porém, ele tivesse nasci
do pouco antes da rebelião, poderia ter vivido até cerca de 1340. A data de
1340 não é improvável para o início da adoração a Baal. De fato, pode até
ser um pouco antes, visto que Juízes 2.10 indica que toda geração de anciãos
havia morrido, e outra geração, que não conhecia nada sobre Yahweh e
seus atos salvíficos, tinha se estabelecido. E, é claro, Otniel, o primeiro
juiz, não exerceu seu ofício até oito anos após o início do julgamento de
Yahweh (Jz 3.8,9).
Contra essas datas mais recentes, porém, temos a propria introdução
feita por Otniel. Depois que Calebe conquistou' as>cidades de Hebrom e
Debir, seu sobrinho Otniel tomou-lhe a filha, chamada Acsa, para ser sua
esposa. Caso isto tenha ocorrido em 1399 ou pouco tempo depois, então
por volta de 1340 Otniel devia estar em idade bastante avançada, mesmo
que na época de seu casamento estivesse ainda muito jovem. Isto é intei
ramente possível, embora improvável, pois parece que ele morreu qua
renta anos após ter libertado o povo de Israel (Jz 3.11). Também pode-se
argumentar que os anciãos da idade de Josué tiveram permissão para en
trar em Canaã; Eleazar, filho de Arão, claramente tinha mais de vinte anos
na época em que a antiga geração foi proibida de entrar em Canaã (Êx
6.23,25). Pode ser que a apostasia e a subseqüente era dos juízes tenha
vindo após a morte desses anciãos.11 Parece que 1360-1350 é uma data
razoável para a transição entre Josué e os juízes.
11 Warner, de fato, está disposto a admitir o ano de 1373 a.C. para o início da era dos juízes
(.Period of the Judges, VT 28 [1978]: 463).
\ E pa dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 151
A data de encerramento
Como indicado anteriormente, as datas para o final do período dos
juízes podem ser mais precisamente definidas. O argumento, contudo, é
extremamente complexp, e a cada ponto assume a exatidão e a integrida
de do texto bíblico. Emprimeiro lugar, a data de Juízes 11.26 é de impor
tância crucial. O juiz Jefté está informando ao rei hostil de Amom que sua
reclamação de que Israel está ilegalmente em território dos amonitas é
inválida: Israel já estava lá por trezentos anos e, na verdade, a terra no
tempo da conquista da Transjordânia não pertencia de forma alguma a
Amom, mas sim aos amorreus. Se, diz Jefté, Amom tem algum legítimo
direito, por que esperaram os amonitas trezentos anos para fazer a recla
mação?
'V' O ponto que precisa ser enfatizado aqui é o fato de que Jefté comunicou-
se com os amonitas trezentos anos depois da conquista de Siom, um episó
dio ocorrido em 1406, e dezoito anos após a opressão amonita haver inicia
do (Jz 10.8). Essa opressão então Começou em 1124 e terminou somente quan
do Jefté derrotou Amom em 1106, o mesmo ano de sua comunicação com o
rei (Jz 11.33). Deve ser ligada a essas datas a história do governo de Sansão.
Uma leitura cuidadosa de Juízes 10.7,8 mostrará que a opressão amonita
iniciada em 1124 coincidiu com o começo da opressão dos filisteus.12 Po
rém, o historiador traça apenas um curso de acontecimentos por vez; pri
meiro escreve sobre a ameaça amonita e seu desfecho (Jz 10.8b - 12.7), e
então trata da opressão dos filisteus e sua resolução (Jz 13.1 - 16.31).
Os filisteus atormentaram Israel popquarenta anos (Jz 13.1), ou desde
1124 até 1084. Sansão nasceu logo no início deste período e julgou Israel
"nos dias dos filisteus, vinte anos" (Jz 15.20). Ou seja, os anos de seu go
verno caíram exatamente dentro dos quarenta anos de duração da opres
são dos filisteus (Jz 14.4), mas aparentemente não ultrapassou este tempo,
porque os filisteus parecem ter sido uma ameaça por pouco tempo após
Sansão ter destruído o templo de Dagon (Samuel os subjugou em Mispa).
Muito provavelmente os feitos heróicos de Sansão tenham se iniciado na
metade do período da opressão, quando ele estava com cerca de vinte
anos de idade, e morreu após vinte anos de governo, pouco antes do fim
da opressão.
Procedendo por um outro ângulo, é interessante notar que o golpe fi
nal contra a opressão filistéia aconteceu sob a liderança de Samuel em
Moore, Judges, p. 277; Abraham Malamat, "The Period of the Judges," em World History
ofthe Jewísh People, vol. 3, Judges, editado por Benjamim Mazar (Tel Aviv: Massada, 1971),
p. 157.
15 2 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Mispa (1 Sm 7.11,13), vinte anos após a arca da aliança ter sido levada
pelos filisteus (v. 2).13 O fim da opressão, conforme observado acima, ocor
reu em 1084, e essa data marca também a batalha de Mispa. A batalha de
Afeque, que resultou na captura da arca, deve ter ocorrido em 1104, ou
seja, na metade do período de quarenta anos de opressão filistéia. Tende-
se a especular que o ataque dos filisteus possa ter sido uma espécie de
retaliação aos feitos heróicos de Sansão contra os adversários. Seja como
for, a cronologia proposta neste trabalho encaixa-se em tudo o que é co
nhecido acerca da vida e carreira de Samuel, como também de Sansão.
Sem dúvida, o grande profeta ainda era muito jovem na época da batalha
de Afeque, mas "velho" quando Israel exigiu um rei, e ele ungiu Saul (1
Sm 8.1,5; 10.1). Admita-se que "velho" é um termo extremamente subjeti
vo, mas é a mesma palavra usada para descrever Davi em seus setenta
anos (1 Rs 1.1,15; cf. 2 Sm 5.4).
Saul foi ungido em 1051 a.C., uma data que será defendida no devido
momento (p. 200); logo, se Samuel estava com setenta anos, seu nascimen
to deve ter sido em 1121. Isto faria concluir que ele estava com dezessete
anos de idade em 1104, quando a arca foi capturada. Sabemos que Samuel
viveu no mínimo vinte e cinco anos após a ascensão de Saul, porque o
juiz-profeta ungiu Davi como rei quando este tinha provavelmente doze
anos. Davi nasceu em 1041, então uma data por volta do ano 1020 para a
sua unção não pode estar distante da realidade. Samuel viveu até Davi
fugir de Saul para o deserto de Parã (1 Sm 25.1), provavelmente no fim
dos anos 20. O profeta então estava próximo dos cem anos, caso tenha
nascido em 1121. É claro que, se a data parece extremamente avançada
(mas compare com Eli, que morrera aos noventa e oito anos), pode-se
mudar em alguns anos a data do nascimento de Samuel. Se, por exemplo,
ele nasceu em 1116, então tinha apenas doze anos quando a arca foi captu
rada, e cerca de noventa e cinco anos quando veio a falecer.
Comprimindo a cronologia
13 Ralph W. Klein, 1 Samuel, World Biblical Commentary (Waco: Word, 1983). Pp. 65,66.
A E fa dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e ,4 A utoridade H umana 153
4.18), o juiz que precedeu Samuel, deve também ser incluído, perfazendo
um total de 450 anos.14 Embora este método de reconstrução cronológica
possa não satisfazer ao moderno homem ocidental, Paulo bem pode tê-lo
usado. Ele não era um especialista em cálculos, mas alguém que se baseou
nos dados dos livros de Juízes e de Samuel, organizando-os de forma a
satisfazer melhor as necessidades. O fato de Paulo incorporar sua inter
pretação desses dados em um discurso público significa que seus ouvin
tes entenderam e compartilharam com ele seu modo peculiar de compu
tar a cronologia.
Não há motivo para rejeitar os dados bíblicos referentes à cronologia
dos juízes pois, conforme já visto, os números são capazes de trazer solu
ção, uma vez que se veja com seriedade os dados cronológicos fornecidos
pelo Antigo Testamento. É somente quando os estudiosos sentem necessi
dade, sobre bases puramente subjetivas, de rejeitar ou reinterpretar as in
formações contidas no texto canônico que surgem dificuldades pratica
mente insuperáveis, requerendo soluções muito mais criativas (e talvez
até mesmo niilistas).
O m u n d o d o a n tig o O rie n te M é d io
14 Ver em Eugene H. Merril, "Paul's Use of 'About 450 Years' in Acts 13.20," Bib Sac 138
(1981): 246-57.
15 Abraham Malamat, "The Egyptian Decline in Canaan and the Sea Peoples," em World
History of the Jewish People, vol. 3, p. 23.
A E ra dos J uízes : A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 755
Mesopotâmia
16 J.M. Munn-Rankin, "Assyrian Military Power 1300 - 1200 a.C.," em Cambridge Ancient
History, 3a edição, editado por I.E.S. Edwards et al. (Cambridge: Cambridge University
Press, 1975), vol. 2, parte 2, pp. 276-79.
15 6 H istória de I srael no A ntigo T estamento
o Egito. Por fim, Hattusilis, rei dos hititas, fez um acordo com Ramsés II
do Egito (em 1284) e, com seu moral restabelecido, tomou novamente
Habigalbat das mãos dos assírios.
Tukulti-Ninurta I (1244-1208), mesmo conseguindo resultados sur
preendentes ao norte, oriente e sul através de suas campanhas militares,
falhou terrivelmente no ocidente quando tentou subjugar os hititas.17
Esse fracasso abalou tão sensivelmente os assírios que acabaram tornan
do-se fracos e incapazes de controlar até mesmo os cassitas da Babilônia.
De fato, Assur-nirari III (1203 - 1198), neto de Tukulti-Ninurta, tornou-
se subserviente a Adad-suma-usur, rei de Babilônia (que agora não era
cassita). Essas ocorrências persistiram até o reinado de Assur-resi-isi I
(1133 -1116), que derrotou a Babilônia, na ocasião governada pelo ilustre
Nabucodonosor I (1124 - 1103).18 O fato deu início a um período de
ressurgência temporária dos assírios, abrilhantado fundamentalmente
por Tiglate-pileser I (1115-1077).19 Rapidamente ele voltou-se para o oes
te e derrotou Musri, Tadmor e outros territórios arameus, alcançando
finalmente o Mediterrâneo, onde exigiria e receberia as devidas deferên
cias do Egito, Fenícia e também dos hititas (que agora situavam-se ao
norte da Síria). Contudo, ele não intentou marchar para o sul, em dire
ção ao próprio Israel. Note que o final de seu reinado deve ser calculado
por volta de sete anos depois de 1084 que, conforme proposto, seria o
término da era dos juízes.
Os hititas
Egito
Durante o período dos juízes, o Egito foi governado pela 18a, 19a e 20a
Dinastia. A era de Amarna (cerca de 1379-1350), período em que a con
quista chegou ao fim, já foi examinada em parte (pp. 95-106). Está claro
que, embora Canaã fosse tecnicamente uma província egípcia, os reis do
Egito não dispensavam qualquer interesse na região, mesmo em face dos
constantes apelos enviados pelos reis vassalos de Canaã.
Porém, somente nos anos do reinado de Seti I (1318-1304), membro da
19a Dinastia, realizou-se uma expedição (muito bem comprovada) até
Canaã.24 Ele descreve em uma esteia em Bete-Seã uma campanha a Jezreel,
21 A. Goetze, "The Hitites and Syria (1300 -1200 B.C.)," em CAH 2.2, pp. 252-56.
22 Ibid., pp. 258,59
23 Para um relato sobre os últimos e desesperadores anos da independência dos hititas,
ver em Itamar Singer, "Western Anatolia in the Thirteenth Century B.C. According to
the Hitite Sources," AS 33 (1983): 205-17, especialmente 216,17.
24 R.O. Faulkner, "Egypt: From the Inception of the Nineteenth Dynasty to the Death of
Ramesses III," em CAH 2.2, pp. 218-21. Há alguma possibilidade de que Horemheb, um
comandante que servia sob as ordens de Tutankhamon, tenha conduzido uma campa
nha em alguma parte de Canaã no princípio do reino desse monarca (aprox. 1360). Ver
em Cyril Aldred, "Egypt: The Amarna Period and the End of the Eighteenth Dynasty,"
em CAH 2.2, p. 72. Caso seja verdadeiro, não produziu qualquer mudança significativa
no curso dos acontecimentos no interior de Canaã.
158 H istória de I srael no A ntigo T estamento
25 Benjamim Mazar, "The Historical Development," em World History ofthe Jezvish People,
vol. 3, p. 15, descreve essas tribos semíticas como "etnicamente próximas aos israeli
tas". Na verdade, é muito provável que eles realmente fossem os israelitas.
26 Yohanan Aharoni, "The Settlement of Canaan," em World History of the Jeiuish People,
vol. 3, pp. 94,95.
27 A perda de Cades é explicada pelo fato de Ramsés II ter empreendido grande esforço
para reconquistá-la em seu quarto ano de reinado. Ver em Faulkner, "Nineteenth
Dynasty," em CAH 2.2, p. 221. Quanto ao texto do tratado, ver em James B. Pritchard,
Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton
University Press, 1955), pp. 476-79.
28 Faulkner, "Nineteenth Dynasty," em CAH 2.2, pp. 225-32; Anthony J. Spalinger, "Traces
of the Early Career of Rameses II," JNES 38 (1979): 271-86.
29 Uma exceção é a referência feita aos "Asar", um povo costeiro que tem sido identificado
pelos estudiosos como a tribo de Aser. Essa menção situaria a tribo no norte de Canaã,
pelo menos nos primórdios do décimo terceiro século. Ver em Mazar, "Historical
Development", p. 19.
A £>_a do5 J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 159
Dinastia (até cerca de 1085), sabe-se que o Egito não teve participação
alguma nos negócios de Israel.34
Os estados siro-cananeus
34 James M. Weinstein tenta defender a idéia de que, durante os séculos 12 e 13, percebeu-
se um envolvimento egípcio sem precedentes em Canaã. Porém, dentre todos os luga
res por ele citados como fortalezas dominadas pelos egípcios, nenhum estava situado
nas regiões montanhosas do interior de Canaã, precisamente onde Israel dominava ("The
Egyptian Empire in Palestine: A Reassessment," BASOR 241 [1981]: 17,18).
35 A. Goetze, "The Strugle for the Domination of Syria (1400 - 1300 B.C.)," em CAH 2.2,
pp. 2-16; para uma discussão quanto a maneira como Ugarit via estas coisas, ver em
Anson F. Rainey, "The Kingdom of Ugarit," BA 28 (1965): 107-12.
36 Faulkner, "Nineteenth Dynasty," em CAH 2.2, pp. 220-21.
r
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 161
37 Para ganhar mais base sobre esse assunto, consultar em Trude Dothan, The Philistines
and Their Material Culture (New Haven: Yale University Press, 1982), pp. 1-23.
38 Trude Dothan, "What We Know About the Philistines," BAR 8.4 (1982): 25.
39 Ver em Benjamim Mazar, "The Philistines and Their Wars with Israel," em World Hístory
of the Jewish People, vol. 3, pp. 172,324-25, n. 16.
40 Quiton situa-se na ilha de Chipre, que já produziu abundante material que comprova a
conquista dos Povos do Mar. Ver em Vassos Karageorghis, "Exploring Phiistine Origin
on the Island of Cyprus," BAR 10 (1984): 16-28.
41 Para se consultar uma boa e plausível hipótese que afirma terem os filisteus se origina
do em Canaã, migrado para o Egeu e, mais tarde, voltado como parte dos Povos do Mar,
ver em T.D. Proffit, "Philistines: Aegeanized Semites," NEASB 12 (1978): 5-30.
16 2 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O s ju íz e s d e Isra e l
42 Malamat, "Egyptian Decline," World Historyof the Jewish Peolple, vol 3, p. 34.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 163
Otniel
* Merril F. Unger, Israel and the Aramaeans of Damascus (Grand Rapids: Baker, reedição de
1980), pp. 40,41,134 e 135. '
166 H istória de I srael no A ntigo T estamento
quer parte do nome que rejeite uma data próxima a 1340, visto que
"Naharin" e "Nahrima", pelo menos, consta nos textos egípcios e acadianos
do século quinze.47 É verdade que alguns estudiosos negam o elemento-
prova "Aram", mas Merril Unger tem demonstrado sua existência conti
da num texto de Naram-Sin, que remonta aos primórdios de 2300 a.C.48
Conforme argumentado (p. 150), o mandato de Otniel deve ser datado
por volta de 1350, que situa a invasão de Cusan-Risatain em 1358, oito anos
antes. Isto é muito possível, visto que naqueles dias Assur-uballit, o podero
so rei da Assíria, vinha sendo incessantemente atacado por uma tribo araméia
conhecida por Sutu. O rei hitita Suppiluliumas encontrou-se em apuros com
os homens de Mitani e com os assírios; e embora tivesse obtido o controle
do norte da Síria por volta de 1360, os estados-vassalos, incluindo Naharema
(Arã-Naharaim), gozavam de muita liberdade, podendo sem dúvida ter
empreendido conquistas militares independentes, ou simplesmente segui
do as ordens do próprio rei hitita.49 O Egito naquela época encontrava-se
sem qualquer condição de interferir nesses negócios.
Não é possível saber que tipo de prejuízo Cusan-Risatain causou a Is
rael, mas certamente os oito anos de ocupação não foram impostos sem
resistência. A expulsão dos arameus pelo juiz Otniel também deve ter cau
sado algum tipo de destruição, cuja evidência pode ser constatada por
diversas investigações arqueológicas.5051Especular além deste ponto não é
aconselhável.
O que é de mais interessante e importante é a natureza e a função de
um juiz. Está claro que esses indivíduos foram escolhidos e dotados de
poder por Yahweh, a fim de atender a certas emergências, e que este ofício
não era hereditário. Também é aparente que o termo juiz não sugere uma
função jurídica, já que esta responsabilidade recaía sobre os anciãos, mas
significa um ofício de um líder militar e protetor.01 Alguns paralelos nos
textos de Ebla têm sido recentemente apresentados, em que juízes (di-ku),
47 Abraham Malamat, "The Aramaeans," em Peoples of Old Testament Times, editado por
D.J. Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), p. 140.
48 Unger, Israel and the Aramaeans, p. 39.
49 Goetze, "Domination of Syria," em CAH 2.2, p. 16.
50 William E Albright diz que a Palestina no décimo quarto século encontrava-se com
baixo número de habitantes, uma conclusão mantida com base no pequeno número
de cidades fortificadas durante aquele período ("The Amarna Letters From Palestine,"
em CAH 2.2, p. 108). Essa evidência de poucos centros urbanos poderia refletir a des
truição causada pelos arameus e outros povos predadores durante os dias dos primei
ros juízes.
51 Malamat, "Period of the Judges," em World History ofthe Jeiuish People, vol. 3, p. 131.
,
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança A narquia e a A utoridade H umana J6 7
coexistentes com reis e anciãos, também parecem não ter tido nenhuma
função jurídica.52 Em Israel, no período entre os grandes mediadores
(Moisés e Josué) e os reis, os juízes serviram como uma espécie de gover
nadores ad hoc e generais encarregados de libertar o povo das mãos de
----- —
Eúde
- Giovanni Pettinato, "Ebla and the Bible - Observations of the New Epigrapher's
Analysis," BAR 6 (1980): 40.
- Numa disputa contra Norman Glueck, o estudioso Sean Warner diz que os moabitas,
edomitas e amonitas ocuparam a Transjordânia entre 1400 e 1375, e que já estavam no
local na época de Eúde ("Period of the Judges," VT 28 [1978]: 459).
- Malamat, "Period of the Judges," em World Histoty of the Jeiuish People, vol. 3, p. 155.
16 8 H istória de I srael a 'o A ntigo T estamento
Sangar
Débora
55 Ygael Yadin sugere 1230 ("Excavatíons at Hazor, 1955-58," em Biblícal Archaeologíst Reader,
editado por Edward F. Campbell, Jr., e David Noel Freedman [Garden City, N.Y.:
Doubleday,1964], vol. 2, p. 223). Estudiosos que insistem em uma data mais recente
para a conquista têm dificuldades aqui, pois não conseguem explicar a existência de
Hazor no final do décimo terceiro século, já que tal cidade havia sido destruída por
Josué. Se, porém, Hazor só foi destruída por volta de 1400, haveria tempo suficiente
para ser reedificada e então mais tarde ser novamente destruída por Débora em 1230.
Ver em Malamat, "Period of the Judges," em World History ofthe Jewish People, vol. 3, p.
135 que, contrariando a Yadin, data a queda de Hazor entre 1150 e 1125.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 169
prosseguir sem Débora, porque entendia que a juíza ungida de Israel sim
bolizava a própria presença de Deus.56 Débora, portanto, juntou-se a ele
no monte Tabor, e Baraque, encorajado por tê-la ali, investiu contra as car
ruagens de Sísera, que aparentemente ficou imobilizado por uma rápida e
inesperada cheia do Quisom (Jz 5.21).57
Sísera conseguiu escapar para Zaananin, uma cidade próxima de Cades,
na região de Issacar,58 refugiando-se na tenda de Heber, o quenita. Os
quenitas eram aparentados com os midianitas, conforme se deduz pelo
fato de ser o sogro de Moisés chamado de midianita e de quenita (Ex 18.1;
Jz 1.16). Esses nomes refletem uma raiz hebraica com significado de "que
trabalha com metais", indicando que o fato de habitarem em tendas pode
não significar um estilo de vida pastoral e nômade, mas um grupo de pes
soas que, à medida que empreende suas viagens, muda de trabalho cons
tantemente.59 A mudança de Heber para o norte e sua afiliação com Jabim
podem de fato ter relação direta com o desenvolvimento da indústria do
ferro pelos filisteus e cananeus. De qualquer modo, a mulher de Heber
(Jael) permitiu que seu senso de lealdade aos israelitas sobrepujasse a hos
pitalidade dos semitas, pois ela mesma matou Sísera dentro de sua tenda.
A derrota de Sísera e o término da opressão de Jabim (Jz 4.24) foram
celebrados no cântico de Débora e Baraque.60 Com uma referência especi
al ao encontro decisivo no Quisom, eles recitaram os feitos de Yahweh
desde a conquista da Transjordânia até aquele momento (Jz 5.1-5; cf. Dt
33.2,3; SI 68.7-9; Hc 3.3). Nos dias de Sangar e Jael, ocorridos pouco antes,
as estradas eram inseguras para viagem, pois havia muitos bandidos e
Gideão
61 Por exemplo, A.D.H. Mayes, "The Period of the Judges and the Rise of the Monarchy,"
em Israelite and Judaean History, editado por John H. Hayes e J. Maxwell Miller
(Philadelphia: Westminster, 1977), p. 310; Freedman, "Early Israelite History," em Unity
and Diversity, p. 15.
62 Aharoni, "Settlement of Canaan," em World History ofthe Jewish People, vol. 3, p. 109; ver
também em Carol L. Meyers, "Of Seasons and Soldiers: A Topological Apprisal of the
Premonarchic Tribes of Galilee," BASOR 252 (1983): 56,57.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 171
Malamat, "Period of the Judges," em World History ofthe Jewish People, vol. 3, p. 143.
~4 Aharoni, Land ofthe Bible, p. 263.
172 H istória de I srael no A ntigo T estamento
65 Oxford Bible Atlas, editado por Herbert G. May, 3a edição (New York: Oxford University
Press, 1984), p. 143.
66 Aharoni, Land ofthe Bible, p. 284, n. 222.
67 Oxford Bible Atlas, p. 137.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 173
mulher que lançou do telhado uma pedra de moinho sobre sua cabeça. Por
tanto, a mais remota experiência monárquica de Israel foi abortada.
A lista de lugares na história de Abimeleque deixa claro que seu reina
do foi limitado não somente nos anos, mas também na extensão geográfi
ca. Toda sua atividade esteve confinada à região de Manassés; não há qual
quer sinal de que ele tenha atraído a atenção das demais tribos. Precisa
mente, Israel como um todo não estava preparado para a monarquia, ou
pelo menos não a que Abimeleque estava disposto a oferecer.
Juízes menores
Jefté
74 Parece que, de fato, a reivindicação dos amonitas era verdadeira e que eles já tinham
sido senhores daquela terra antes do tempo de Seon (Nm 21.26). Ver em Eugene H.
Merrill, "Numbers," em The Bible Knowledge Commentary, editado por John F. Walvoord
e Roy B. Zuck (Wheaton, 111.: Victor, 1985), vol. 1, pp. 240-41.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e .4A utoridade H umana 177
Sansão
77 Ver Ephraim A. Speiser, "The Shibboleth Incident," BASOR 85 (1942): 10-13. Eduard Y.
Kutscher, A History o f the Hebrew Language (Jerusalem: Magnes, 1982), pp. 14-15.
78 Para outras evidências a respeito dessa divisão, ver Malamat, "Period of the Judges,"
em World History of the Jewish People, vol. 3, pp. 160-61, onde o autor declara que Efraim
sempre foi o principal instigador. Ver também Daniel I. Block, "The Role of Language in
Ancient Israelite Perceptions of National Identity," JBL 103 (1984): 339, n. 75.
79 Boling, Judges, p. 85. /
A E m dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 179
Para discussão acerca da natureza e função dos nazireus, ver Roland de Vaux, Ancient
Israel (New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 2 pp. 466-67.
180 H istória üe I srael no A ntigo T estamento
contra Judá, cujos habitantes ficaram aterrorizados, visto que por seu pró
prio consentimento viviam sob a dominação dos filisteus (Jz 15.11). Entre
garam, portanto, Sansão aos filisteus, mas lá, em Ramate-Leí (local desco
nhecido), Sansão feriu mil de seus inimigos.
J A segunda mulher na vida de Sansão foi uma prostituta de Gaza. En
quanto a visitava, Sansão foi descoberto por alguns filisteus que decidi
ram vigiá-lo toda a noite, armando-lhe uma emboscada ao amanhecer.
Porém, à meia-noite, ele levantou-se, tomou o portão da cidade, e o carre
gou até Hebrom, a quarenta milhas de distância.
Finalmente, Sansão cedeu aos encantos de Dalila, que o traiu revelan
do aos filisteus que a força de Sansão residia nos cabelos não cortados.
Ironicamente, ele foi levado a Gaza e forçado a mover um grande moinho.
A cidade de onde ele, em toda a sua força, retirara o portão, agora havia se
constituído em sua própria prisão. No devido tempo Sansão foi trazido ao
templo de Dagom, a principal divindade dos filisteus. Seus cabelos - a
marca de seu nazireado e o poder de Deus sobre sua vida - já haviam
crescido novamente e, em uma última tentativa poderosa, derrubou o tem
plo de Dagon sobre si e os filisteus, matando em sua morte mais inimigos
do que havia matado em vida.
Os críticos recusam-se a ver a narrativa de Sansão como história real
em virtude dos feitos sobrenaturais do herói. Preferem descrevê-las como
lenda ou saga, cujo propósito era enfatizar a idéia de que Yahweh vence
ra seus inimigos através de um homem revestido de seu Espírito, e não
mediante o uso de um exército de soldados.81 O problema com esse
cepticismo é que ele interpreta erroneamente a natureza das sagas como
um gênero literário82 e, além disso, baseia-se em uma afirmação não crí
tica de que tais feitos heróicos por si só não poderiam acontecer, e que de
fato não ocorreram. Mas esse tipo de apelação não encontra lugar de
importância na história escrita. Se alguém admite não existir nada afora
o registro bíblico que o contradiga, e que a história bíblica é sui generis,
ou seja, uma história especial e única, então não há um bom motivo para
se rejeitar as histórias de Sansão. Uniformitarismo histórico não deve
pôr uma camisa de força nos fatos ou predeterminar o que aconteceu no
passado.
81 Para conhecer mais este ponto de vista, ver James L. Crenshaw, Samson (Atlanta: John
Knox, 1978), pp. 19-26.
82 Para uma excelente discussão a respeito de saga, especialmente da imprecisão do termo
como uma tradução do alemão Sage, ver John J. Scullion, "Marchen, Sage, Legende: Towards
a Clarification of Some Literary Terms Used by Old Testament Scholars," VT 34 (1984):
324-31.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e a A utoridade H umana 181
Samuel
83 Essa data é aproximadamente cinqüenta anos mais antiga do que a usualmente aceita
para a destruição da cidade de Siló; ver, por exemplo, o que diz John Bright em A History
of Israel, 3a edição (Philadelphia: Westminster, 1981), pp. 185-86. Note que o relato bíbli
co não diz expressamente que Siló fora destruída na época em que a arca foi levada
pelos filisteus. A destruição pode ter ocorrido cinqüenta anos depois de a cidade ter
deixado de ser um centro religioso para Israel. O Salmo 78.60 fala que Jeová abandonou
Siló, um fato confirmado em 1 Samuel 4.11, ao passo que o profeta Jeremias refere-se a
esta destruição (7.12,14; cf. 26.6,9) como conseqüência de sua rejeição como um centro
de adoração a Deus. ,
84 Oxford Bible Atlas, p. 127.
85 Para um excelente gráfico da batalha, ver Aharoni e Avi-Yonah, Macmillian Bible Atlas,
mapa 83, p. 58.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança , A narquia e 4 A utoridade H umana 183
inimigo, expulsando-o de volta a Bete-Car. Este local não pode ser identi
ficado, mas visto que está associado a Sem (Jeshanah ou el-Burj)86, situada
logo ao sul de Siló, devia localizar-se para o norte. Em todo caso, a batalha
pôs fim à ocupação filistéia em Israel. A opressão de quarenta anos havia
finalmente chegado ao fim. A referência à paz com os amorreus (1 Sm
7.14) significa que a vitória de Samuel sobre os filisteus ocasionou um
período de paz e tranqüilidade entre as populações nativas da região mon
tanhosa.87
Este feito de Samuel o marcou como juiz, o último de uma longa
sucessão de líderes carismáticos que começara com Otniel. Porém,
mesmo a jurisdição de Samuel era limitada, pois seu circuito ia de Betei
a Gilgal, e desta para Mispa, uma área que não ultrapassava 32 quilô
metros de extensão. Agora ele estava em constante movimento, mas
periodicamente voltava a Ramá (i.e, Ramataim Zofim), local de sua re
sidência. A era dos juízes estava abrindo caminho para a monarquia;
dentro de trinta e cinco anos Samuel presidiria a coroação do primeiro
rei em Israel.
A trilo g ia d e B e lé m
86 O texto massorético de 1 Samuel 7.12 diz hassen, mas a leitura preferida, baseada na
Septuaginta, é haysanâ, Jeshanah.
87 R Kyle McCarter, Jr., I Samuel, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1980),
p. 147.
88 Ver Eugene H. Merrill, "The Book of Ruth: Narration and Shared Themes," Bib Sac 142
(1985): 130-41.
A E fu dos J uízes : A Violação da A liança , A narquia e 4 A utoridade H umana 185
Mica e o levita
“ Frank Anthony Spina, "The Dan Story Historically Reconsidered," JSOT 4 (1977): 60-71.
O nun suspensum do Texto Massorético de Juízes 18.30 reflete apenas considerações
apologéticas, e não pode derrubar a forte evidência de manuscritos que lêem "Moisés"
em vez de "Manassés". Ver Moore, Judges, pp. 401-2. —■
Que Jônatas era muito mais novo é sugerido pela evidência de que Gérson nascera de
Moisés e Zípora depois que estes tinham muitos anos de casados: ele fora circuncidado
por sua mãe quando estavam a caminho do Egito, antes do êxodo (Ex 4.24-26). Não
seria impróprio datar o seu nascimento em 1450. Neste caso, ele estaria entre aqueles
18 6 H istória de I srael no A ntigo T estamento
que obtiveram a graça de entrar em Canaã, já que devia ter menos de vinte anos (1444).
Além disso, em 1399 ele estaria com cerca de cinqüenta anos, e seu filho Jônatas poderia
ser facilmente descrito como um homem jovem. Embora o hebraico na'ar ("homem jo
vem") possa também referir-se a um assistente ou ministro, em ambos os casos nunca
dá o sentido de um velho ou ancião. Ver Aharoni, "Settlement of Canaan", em World
History ofthe Jezvish People, vol. 3, p. 308, n. 15.
92 A historicidade desse relato é defendido por Malamat, "Period of the Judges," em World
History ofthe Jezvish People, vol. 3, p. 161, que situa o ocorrido entre o juizado de Jefté e o
ataque amonita contra Jabes-Gileade (1 Sm 11). Mesmo que essa data tão recente seja
impossível (ver n. 95), Malamat corretamente chama a atenção para a ligação existente
entre Benjamim e Jabes-Gileade.
\ E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 187
levita então expôs sua triste experiência aos anciãos de todo o Israel, pois
haviam se reunido em Mispa. Então foram à cidade de Betei (Jz 20.18)93,
onde buscaram a direção divina para agir.94
Visto que a concubina era oriunda de Belém, estabeleceu-se que os ho
mens de Judá seriam os primeiros a atacar Benjamim. Depois de dois dias
de atraso, os israelitas decidiram retirar-se para buscar o favor e a bênção
de Deus através do sumo sacerdote Finéias, neto de Arão.95 No terceiro
dia Israel prevaleceu sobre Benjamim, que quase foi aniquilada. Israel reu
niu-se outra vez para discutir acerca da quase extinção da tribo. A resolu
ção foi trazer muitas donzelas de Siló e Jabes Gileade, para servirem como
esposas para cerca de seiscentos benjamitas sobreviventes, preservando
assim a tribo.
A referência a Jabes-Gileade não é sem propósito por parte do historia
dor. A cidade era de certo modo o lar ancestral de Saul. Também está claro
na narrativa que a mulher do benjamita sobrevivente, ancestral de Saul,
veio ou de Siló ou de Jabes-Gileade. O interesse expressado por Saul na
cidade de Jabes-Gileade parece demonstrar que suas origens remontam
àquele lugar. Saul somente tornou-se rei depois que Jabes-Gileade foi cer
cada pelos amonitas, e não a destruíram justamente por causa de sua in
tervenção (1 Sm l l . l - l l ) . 96 Além disso, após a morte de Saul e a vergonha
Tem sido sugerido que bêt-el aqui significa "local de Deus" (i.e., Mispa), e não aquela
cidade com esse nome. Essa sugestão põe em evidência a necessidade de explicar o
surgimento de Betei como um centro de culto, coisa que não tem comprovação neste
período de Israel, exceto nessa narrativa. Portanto, as referências a Betei (Jz 20.18,26;
21.2) devem ser entendidas não como o nome de um lugar, mas como um "lugar santo",
isto é, Mispa (ver Boling, Judges, p. 285). Embora Siló tenha sido o local escolhido para
guardar o tabernáculo e a arca da aliança desde tempos antigos (Js 18.1), já não devia
mais desfrutar do mesmo status pelo tempo da rebelião da tribo de Benjamim, um fato
que está bastante claro tanto pela presença da arca em Mispa (Jz 20.18,23,26-28; 21.1-7)
quanto pelo fato de que, aparentemente, a cidade de Siló já tinha caído em desfavor por
essa época (Jz 21.12,19-23). Porém, alguns anos mais tarde, Siló readquiriu seu status de
honra como o centro de culto da nação, conforme 1 Samuel 3-4.
°4 Para um estudo que discorre acerca da função dessas reuniões, ver Hanoch Reviv, "The
Pattern of the Pan-Tribal Assembly in the Old Testament," JNSL 8 (1980): 85-94.
45 Os eventos dessa narrativa, como aqueles da primeira, devem ser posicionados bem
nos primórdios da era dos juízes. O neto de Moisés e um neto de Arão seriam contem
' porâneos de uma geração depois da conquista.
* A dissecação dos bois feita por Saul é uma reminiscência do tratamento dado à concubina
do levita, que fora brutalmente estuprada até a morte. Esse relato claramente liga o
início do reinado de Saul com suas origens em Jabes-Gileade, e o acontecimento históri
co referente à situação.
188 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O Senhor faça a esta mulher, que entra na tua casa, como a Raquel e como
a Léia, que ambas edificaram a casa de Israel; e há-te já valorosam ente em
Efrata, e faze-te nom e afamado em Belém. E seja a tua casa como a casa de
Perez (que Tamá teve de Judá), da sem ente que o Senhor te der desta moça
(Rt 4.11b-12).
Judá e Tamar
Uma parte da bênção proferida a Boaz e a Rute era que esta família
seria como "a casa de Perez (que Tamar teve de Judá)" (Rt 4.12). Deve-se
lembrar que Tamar, como Rute, era uma estrangeira que havia se casado
com alguém do povo da aliança (Gn 38.6). Quando seu marido Er (irmão
mais velho de Judá) morreu, a lei do levirato passava a ser válida, e de fato
o foi, e ela casou-se com o segundo filho, Onã. Mas esta alternativa legal
não produziu qualquer fruto verdadeiramente útil. O resultado, é claro,
foi a relação incestuosa entre Judá e Tamar, que culminou no nascimento
dos gêmeos Perez e Zerá (Gn 38.24-30). A lei do levirato também está des
crita na história de Rute (Rt 4.5), mas desta vez houve resultados bastante
produtivos - Boaz suscitou descendência ao nome do falecido marido de
190 H istória de I srael a 'o A ntigo T estamento
Fica bem claro, através de muitas passagens, que esta promessa foi re
alizada em Davi, mas não é tão preciso quanto na história de Rute, parti
cularmente na questão da genealogia. Seu primeiro nome é Perez, o filho
ilegítimo de Judá e Tamar que afirmou seus direitos reais criando um ca
minho (peres) para si mesmo (Gn 38.29). Ou seja, contrário a todas as ex-9
Os patriarcas e a monarquia
O segundo propósito da história de Rute é servir de elo entre as eras
patriarcais e a monarquia. O uso das genealogias no Antigo Testamento
tem sido çuidadosamente estudado, e muitos resultados importantes têm
brotado dessas pesquisas.101 Não menos significativo é o reconhecimento
de que os patriarcas, representados por Perez, estão diretamente relacio
nados com a verdadeira dinastia real de Israel, dinastia representada por
100A imagem é a de uma interdição violenta de seu irmão. Ver em John Skinner, A Criticai
and Exegetical Commentary on Genesis (New York: Scribner,1910), pp. 455-56.
101Robert R. wilson, “The Old Testament Genealogies in Recent Research," JBL 94 (1975):
169-89; idem, Genealogy and History in the Biblical World (New Haven: Yale University
Press, 1977); Marshal D. Johnson, The Purpose of Biblical Genealogies (Cambridge:
Cambridge University Press, 1969).
192 H istória de I srael no A ntigo T estamento
102A literatura nessa área é vasta, porém, quanto a esse assunto sugerimos especialmente
Moshe Weinfeld, "The Covenant of Grant in the Old Testament and in the Ancient Near
East," JAOS 90 (1970): 184-203; Delbert R. Hillers, Covenant: The History of a Biblical Idea
(Baltimore: Johns Hopkins Press, 1969); e George E. Mendenhall, "Covenant Forms in
Israelite Tradition," em The Biblical Archaeologist Reader, editado por Edward E Campbell
Jr. e David Noel Freedman (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1970), vol. 3, pp. 25-53.
A E r. í dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e a A utoridade H umana 193
trar sua posição como filho de Deus.103 O salmo 110 igualmente fala do
reinado de Davi de maneira que transcende o mero ofício político, embora
não seja a sua filiação o fator de maior ênfase aqui, mas seu sacerdócio.104
Digno de nota é sua ligação com Melquisedeque, um contemporâneo dos
patriarcas que, mais uma vez, passa por cima de toda a instituição de cul
to contida na aliança de Moisés. Davi funciona como rei e sacerdote, não
em razão de qualquer relação com a nação israelita ou por virtude pró
pria, mas porque ele permanece como um elo entre a promessa feita a
Abraão e seu cumprimento.
A ligação com os patriarcas é claramente vista na iniciação da aliança
davídica (1 Cr 15-17). Depois de Davi preparar todas as estruturas para a
acomodação da arca, e designar o pessoal especializado para cuidar do
culto e de seu serviço como ministros, ele mesmo vestiu um éfode sacer
dotal e trouxe a arca para seu novo local (lC r 15.25-28). Ele oficiou uma
cerimônia de sacrifício (1 Cr 16.1-3), uma atitude que, da perspectiva
aarónica, constituía-se numa verdadeira agressão, uma vez que o sacer
dócio era vetado à tribo de Judá.105 Então, em meio à celebração do estabe
lecimento da arca e trono, Davi canta um cântico de ações de graças (1 Cr
16.8-36), no qual faz uma referência direta à aliança abraâmica (vv. 15-17),
mas com sabedoria evitou qualquer menção à aliança mosaica. Mesmo no
relato da revelação da aliança com a dinastia de Davi e sua contrita res
posta ao propósito, não há qualquer declaração explícita acerca da aliança
mosaica, embora o tema de Israel como "o povo de Deus" e "a nação de
Davi" permaneça em posição de destaque (1 Cr 17.7,9,22,24).
Outra fato que chama a atenção é a associação que o evangelista, no
Novo Testamento, faz entre os patriarcas e Davi, em que existe a dimen
são extra do cumprimento da dinastia davídica na pessoa de Jesus Cristo.
Mateus começa sua genealogia dizendo o seguinte: "Livro da genealogia
de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão" (1.1). O objetivo é afirmar
103Ver Artur Weiser, The Psalms: A Commentary (Philadelphia: Westminster, 1962), pp. 110
14.
1[I4J.W. Bowker, "Psalm CX," VT 17 (1967): 36.
105Essa mesma questão é tratada pelo autor da epístola aos Hebreus, mostrando que o
sacerdócio de Cristo é não-arônico (e, portanto, sem qualquer relação com a aliança
mosaica), visto que Ele veio da tribo de Judá, embora seja assim mesmo superior aos
sacerdotes da linhagem de Arão, já que seu sacerdócio provém da ordem de Melquise
deque (Hb 7.11-17). Quanto ao sacerdócio Davi-Melquisedeque, ver Aubrey Johnson,
Sacral Kíngship in Ancient Israel (Cardiff: University of Wales Press, 1955), pp. 27-46., que
sem dúvida é uma apresentação bastante equilibrada e sadia, com exceção do que diz
respeito aos aspectos de causas e origens.
194 H istória de I srael no A ntigo T estamento
que o Messias tem suas raízes históricas em Abraão, e que veio como um
rei da dinastia de Davi em resposta às promessas feitas aos patriarcas.
Que essa era a esperança messiânica de Israel fica fácil provar, pois as
multidões aclamaram a Jesus como seu Messias, quando este entrou triun
fante em Jerusalém: "Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em
nome do Senhor!" (Mt 21.9). O próprio Jesus confirmou este sentimento
quando, em resposta direta aos fariseus ali presentes, afirmou que ao iden
tificar o Messias como o Filho de Davi, as multidões também confirma
vam a anterioridade deste em relação ao próprio Davi, um ponto clara
mente registrado no Salmo 110 (Mt 22.41-46). O mesmo salmo messiânico
descreve o rei como um sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque. O
autor de Hebreus trata bastante deste ponto e, embora em parte alguma
mencione o rei Davi nessa conexão, fala do Senhor Jesus Cristo como sen
do este sacerdote, exatamente como faz o salmo com respeito a Davi. Davi
e Jesus Cristo, como sacerdotes da ordem de Melquisedeque, funciona
vam fora da ordem estabelecida no sacerdócio mosaico, além de terem o
escopo de seus sacerdócios numa perspectiva universal e muito mais
abrangente, visto que em Hebreus 7.9,10 é dito que até mesmo Levi, que
na ocasião ainda estava "nos lombos" de Abraão, pagou o dízimo a Mel
quisedeque. Logo, a cadeia que liga Melquisedeque-Davi-Cristo não é de
forma alguma interrompida pelo sacerdócio mosaico, assim como a ca
deia real Abraão-Davi-Cristo também não é quebrada. O principal propó
sito de Rute é estabelecer essa mesma continuidade, pelo menos entre
Abraão e Davi.
106Harold Fisch, "Ruth and the Structure of Covenant History," VT 32 (1982): 429-32.
A E ra dos J uízes: A Violação da A liança, A narquia e .4 A utoridade H umana 195
A e x ig ê n c ia p o r u m re in a d o
O refrão do livro dos Juízes: "Naqueles dias não havia rei em Israel"
(17.6; 18.1; 19.1; 21.25) foi finalmente traduzido pelo povo israelita em um
forte clamor a Samuel: "...constitui-nos, pois, agora, um rei sobre nós, para
que ele nos julgue, como o têm todas as nações" (1 Sm 8.5). Embora a
reação esboçada por Samuel tenha sido negativa (v. 6), o problema não
estava no desejo de possuir um rei, mas sim no espírito antiteocrático com
que o pedido foi feito, e em sua prematuridade.
Um reinado, longe de ser considerado antiético para o propósito de
Deus para Israel,C^ra fundamental para se cumprir o plano da salva-
19 8 H istória de I srael ao A ntigo T estamento
ção.1 O homem foi criado segundo a imagem de Deus para que tivesse
domínio "sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o
gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a
terra". (Gn 1.26-28). Com este fim, o homem foi introduzido no jardim
do Éden para exercer a autoridade sobre a criação e sobre todas as ou
tras coisas. Abraão e Sara foram informados de que deles surgiriam
reis (Gn 17.6,16), sendo a mesma promessa e aliança reafirmada a Jacó
(Gn 35.11). No momento da bênção patriarcal, Jacó anunciou: "O cetro
não se arredará de Judá, / nem o legislador dentre seus pés, / até que
venha Siló; / e a ele se congregarão os povos" (Gn 49.10). Finalmente,
em Deuteronômio 17.14-20 estão lançadas as regras para a monarquia
que seria instaurada em Israel no tempo de Deus, seguindo os critérios
divinos-^O rei devia ser um homem escolhido por Yahweh (v. 15), e
í) deveria governar o povo de acordo com os princípios contidos na Torá
(vv. 18-20).
Então, a aparente tensão entre a atitude negativa de Samuel (1 Sm 8;
10.17-27) e seu apoio a Saul na época de sua escolha (1 Sm 9.1-10.16) não
tem fundamento histórico.2 De fato, a contenda de Samuel não é por ad
mitir um reinado em Israel, mas, como já dito, pelo caráter e espírito que
norteavam a decisão do povo - "como o têm as nações" - e pela recusa em
esperar que o próprio Deus fizesse a escolha.
1 A razão para a insistência do povo em possuir um rei é bastante óbvia.
Samuel naquele tempo já era um homem velho, e seus dois filhos, a quem
ele havia designado como juízes para sucedê-lo, eram venais e corruptos.
Além disso, surgiam muitos perigos externos, vindos particularmente das
1 Walter C. Kaiser, Jr. Toward an Old Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1978),
pp. 144-49; Claus Westermann, Elements o f Old Testament Theology (Atlanta: John Knox,
1982), pp. 108-9; Shemaryahu Talmon, "The Biblical Idea of Statehood," em The Bible
World, editado por Gary Rendsburg et al. (New York: Ktav, 1980), p. 239.
2 Muitos críticos afirmam que a suposta tensão é resultado de narrativas paralelas
conflitantes; ver, por exemplo, Siegfried Herrmann, A History of Israel in Old Testament
Times, traduzido por John Bowden (Philadelphia: Fortress, 1975), pp. 131-37. Para ler
um tratamento que rebate de forma convincente esses ataques que dizem haver tradi
ções conflitantes no texto, ver J. Robert Vannoy, Covenant Renewal at Gilgal (Cherry Hill.
N.J.: Mack, 1978), especialmente as páginas 197-239; também em Lyle Eslinger,
"Viewpoints and Point of View in 1 Samuel 8-12," JSOT 26 (1983): 61-76. Um ponto de
vista moderado, segundo o qual o "deuteronomista" integrou e harmonizou as tradi
ções primitivas com o intuito de prover uma justificação para que a monarquia fosse
introduzida em Israel, é proposto por Dennis J. McCarthy, "The Inauguration of
Monarchy in Israel: A Form-critical Study of 1 Sam. 8-12," Interp. TJ (1973): 401-22.
200 H istória de I srael no A ntigo T estamento
bandas dos arameus ao norte e dos amonitas ao oriente. Aquela época cla
mava por um líder forte, que não fosse apenas um líder local, mas nacional,
uma função que somente um rei poderia exercer. Por isso, Yahweh atendeu
o pedido do povo; porém afirmou a Samuel que tal pedido era, na verdade,
uma rejeição ao governo teocrático ideal, e que não era Samuel a pessoa que
estava sendo desprezada. Uma vez que desejavam um rei como o tinham as
demais nações, e não podiam mais esperar pelo escolhido de Yahweh, o
pedido seria concedido para futuros sofrimentos.3 O rei escolhido criaria
uma estrutura de autoridade que exigiria que seus jovens fossem alistados
no exército à força, além de sobrecarregar o povo com um excessivo núme
ro de impostos que os levariam a chorar e protestar em vão (1 Sm 8.11-18).
Não obstante os alertas, o povo confirmou seu pedido, e iniciou toda a mo
vimentação para o estabelecimento de Saul como rei.
A c ro n o lo g ia d o s é c u lo o n ze
3 Quanto a vontade permissiva de Deus, ver J. Barton Payne, "Saul and the Changing
Will of God," Bib Sac 129 (1972): 321-25.
4 Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers of the Hebreu) Kings (Grand Rapids: Eerdmans,
1965), pp. 51-52. O conflito entre marcar a coroação de Salomão no ano 971 e seu traba
lho inicial no templo, o qual se sabe ter ocorrido em seu quarto ano, até 966, é mais
aparente do que real. O assunto é muito complicado e fora de nosso objetivo para ser
tratado aqui nesta obra. Basta dizer que existem vários métodos de registrar os anos de
um reinado, e nem todos estão baseados estritamente no ano da ascensão.
S*.í l : A A liança M al C ompreendida 201
5Isso é sugerido por J. Alberto Soggin, A History of Ancient Israel (Philadelphia: Westminster,
1984), p. 50.
’ Wilhelm Gesenius, Gesenius' Hebrew Grammar, editado por E. Kautzsch e A.E. Cowley
(Oxford: Clarendon, 1957), parág. 134e.
~Para um argumento adicional em apoio a essa tradução, ver Eugene H. Merrill, "Paul's
Use of 'About 450 Years' em Acts 13.20," Bib Sac 138 (1981): 256, n.19. Uma sugestão
interessante, que não envolve qualquer emenda é a que Robert Althann propôs, basea
do na preposição ugarítica b(n), que na tradução de: "Saul já reinava a mais de um ano"
202 H istória de I srael no A ntigo T estamento
diz assim: "já por dois anos ele estava reinando sobre Israel..". Não diz nada acerca da
idade de Saul, mas talvez a passagem nunca tenha tido a intenção de dizer ("1 Sam.
13.1: APoetic Couplet," Biblica 62 [1981]: 241-46).
8 Eugene H. Merrill, "1 Samuel," em The Bible Knowledge Commentary, editado por John E
Walvoord e Roy B. Zuck (Wheaton, 111.: Victor, 1985), vol. 1, p. 446.
9 E.g., Hans W. Hertzberg, I & 11 Samuel (Philadelphia: Westminster, 1964), p. 120.
i i . i : .A A liança M al C ompreendida 203
(ver pp. 151,184), e seu encontro com os anciãos de Israel, quando estes
lhe rogaram por um rei. O profeta já estava velho, conforme a própria
narrativa atesta (1 Sm 8.1,5), talvez com a idade de setenta anos. Não é de
admirar que o povo estivesse preocupado acerca da iminente crise de li
derança.
A e s c o lh a d e S au l
ênfase do que a qualquer outra coisa. Até mesmo Abraão foi chamado de
profeta (nãbi - Gn 20.7), como também o foram Arão (Êx 7.1) e Moisés (Dt
34.10). De fato, Moisés foi chamado o maior dentre todos os profetas. Po
rém, a função mais importante no ministério desses profetas da fase re
mota do profetismo em Israel não era a de constituir-se num pregador.
Eles profetizavam por ter algo a dizer, e não por terem em sua vida essa
mensagem em primeiro lugar.
O desenvolvimento mais significativo que se pode perceber no Antigo
Testamento é visto na vida de Samuel, que foi o primeiro profeta profissi
onal de tempo integral, digamos assim (1 Sm 3.20). O significado dessa
situação está descrito da seguinte maneira: "E continuou o Senhor a apa
recer em Siló, porquanto o Senhor se manifestava a Samuel, em Siló, pela
palavra do Senhor. E veio a palavra de Samuel a todo o Israel" (1 Sm 3.21 —
4.1a). Além disso, Samuel fundou uma escola de profetas que ele mesmo
treinava em todos os aspectos do profetismo, os quais poderiam ser repar
tidos pelos homens. Obviamente ninguém poderia ser ensinado sobre como
ser um veículo da revelação divina, senão mediante o recebimento desse
dom de Deus. Já nos dias de Elias e Eliseu, existiam companhias organiza
das de profetas (2 Rs 2.3). No entanto, pode-se verificar a existência de
videntes e profetas que apareciam esporadicamente, até que se origina
ram os grandes profetas do nono século, homens que estiveram direta
mente envolvidos com o processo de escrita dos livros sagrados. Com os
grandes profetas, declinava cada vez mais o profetismo organizado que,
com a formação do cânon israelita do Antigo Testamento, chegou ao com
pleto desaparecimento.
A unção de Saul
15 Já que Davi, Salomão e outros reis também são chamados de nãgid, e Saul por sua vez é
chamado de melek ("rei") em uma ocasião, deve-se evitar a maximização do fato de Saul
ter como seu principal epíteto o termo nãgid. Este termo significa apenas "alguém pro
eminente" ou "o chefe". Ver Francis Brown, S.R. Driver e Charles A. Briggs, A Hebrew
and Englísh Lexicon ofthe Old Testament (Oxford: Clarendon, 1962), pp. 617-18. Albrecht
Alt propõe que o termo nãgid foi aplicado a Saul significando que ele era o escolhido de
Yahweh, e que a nação é que foi a responsável por chamá-lo de melek ("The Formation
206 H istória d e I srael no A ntigo T estamento
el, o homem escolhido que iria deter a nova ameaça trazida pelos filisteus.
Ao chegar no lugar alto, Samuel agradou a Saul oferecendo-lhe um farto
banquete. No outro dia Samuel revelou-lhe que ele seria ungido príncipe de
IsraeJLDe acordo com Samuel, a confirmação viria a seguir mediante três
sinaiSfrrimeiro, Saul encontraria dois homens próximos ao sepulcro de Ra
quel, em Zelzá (localização desconhecida, embora esteja provavelmente entre
Jerusalém e Belém), assegurando-lhe que suas jumentas perdidas haviam
sido encontradas.16 Em seguida encontraria três homens no carvalho de
Tabor (localização desconhecida, mas certamente não era a montanha em
Jezreel). Estes estariam a caminho de Betei para adorarem, e repartiriam
com ele dois pedaços de pão.
Q Finalmente, ele viria para Gibeá-Eloim (Gibeão; i.e., el-Jib),17 local de uma
fortaleza dos filisteus, onde se juntaria a uma caravana de profetas em pro
cissão. Surpreendentemente, participaria de canções sem nunca tê-las apren
dido antes. Isso seria um sinal da bênção do Espírito de Deus que estaria
transformando Saul, o homem comum, no príncipe de seu povo. Mais tar
de, Samuel afirmou que Saul o encontraria em Gilgal. Como um teste de
obediência, teria de pacientemente esperar por Samuel, que viria para ofici
ar a cerimônia e oferecer o sacrifício.
Quando os três sinais preditos se cumpriram, Samuel juntou todo o
Israel em Mispa para uma cerimônia pública de coroação e investidura (1
Sm 10.17-27). Sem qualquer pretensão ao cargo, Saul tratou de esconder-
se naquele momento; somente após ser encontrado permitiu que fosse
apresentado à assembléia do povo. Logo, Samuel deu início à cerimônia
tratando dos aspectos formais (v. 24). Depois seguiu-se a aceitação do povo
e a aclamação de "Vida longa ao Rei!". Por fim, Saul aceitou os protocolos
do cargo; ele e Israel ouviram o que Samuel explicara a respeito das regras
da monarquia, que provavelmente refletiam as convenções de Moisés, em
of the Israelite State," em Essays oh Old Testament History and Religion [Garden City, N.Y.:
Dtiubleday, 1968], p. 254). Ver também as observações de Roland de Vaux, Ancient Israel
(New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 1, pp. 70, 94. J.J. Glück resolve a tensão existente
entre melek/nãgid ao sugerir que nãgtd é o equivalente de nõcjed ("pastor") e, portanto,
significa o título de realeza ao invés de um sinônimo de rei ("Nagid-Shepherd," VT 13
[1963]: 144-50).
16 Para uma interpretação proposta para o circuito, ver em Yohanan Aharoni e Michael
Avi-Yonah, Macmillan Bible Atlas (New York: Macmillan, 1968), mapa 86.
17 Assim é o pensamento de Aaron Demsky, "Geba, Gibeah, and Gibeon - An Historico-
Geographic Riddle," BASOR 212 (1973): 27. Demsky defende a idéia de que Gibeom era
a cidade natal de Saul e que Gibeá (Tel el-Fül) foi a cidade que ele escolheu mais tarde
como sua capital (p. 28).
208 H istória de I srael no A ntigo T estamento
18 Gibeá foi escavada por William E Albright que, baseado nos escombros culturais da
cidade capital de Saul, descreve-o como um "líder de espírito rústico" (From the Stone
Age to Christianity [Garden City, N.Y., 1957], p. 292). O sítio está tão descaracterizado
que outro estudioso, Joseph Blenkinsopp, defende a idéia de que a capital do reino de
Saul, na maior parte de seu governo, não foi Gibeá mas Gibeon ("Did Saul Make Gibeon
His Capital?" VT 24 [1974]: 1-7).
i r . l: .4A liança M al C ompreendida 209
Frank M. Cross, baseado em seus estudos do texto 4Q Sama de Qunram diz que os
rubenitas e gaditas, que estavam sujeitos a Naás, e que tinha sido da mesma forma
mutilados por sua traição ao rei amonita, conseguiram escapar de Amom, encontrando
refúgio em Jabes-Gileade. Como os que se rebelaram contra o rei mereceram punição,
da mesma forma os que os acolheram também seriam punidos. Então, como Cross ob
servou, o fragmento de Qumram clarificou o que, de outra forma, continuaria obscuro
caso dependêssemos apenas do Textus Recepticus de Samuel. Ver Cross, "Original
Biblical Text Reconstructed from Newly Found Fragments," Bible Review 1 (1985): 26-33;
idem, "The Ammonite Oppression of the Tribes of Gad and Reuben: Missing Verses
from 1 Samuel 11 Found in 4Q Samuel," em Histonj, Historiography anã Interpretation,
editado por Hayin Tadmor e Moshe Weinfeld (Jerusalem: Magnes, 1984), pp. 148-58;
Terry L. Eves, "One Ammonite Invasion or Two? 1 Sam. 10:27-11:2 in the Light of 4Q
Sama," WTJ 44 (1982): 308-26.
:o Com base em 2 Samuel 2.4b-7, Diana Edelman afirmou felizmente que Jabes-Gileade
não era parte constituinte de Israel, mas um estado vassalo ("SauFs Rescue of Jabesh-
Gilead [1 Sam. 11:1 - 11]: Sorting Story from History," ZAW 96 [1984]: 195-209). Mas
chegou à conclusão errada de que o resgate feito por Samuel daquela cidade não pode
ria ser considerado um teste para o seu reinado recentemente estabelecido (embora 1
Sm 11.12-14 claramente sugira isto), uma vez que este estado vassalo não poderia existir
e não poderia esperar ajuda, porque Saul ainda não havia se tornado o monarca de um
Reino da Cisjordânia de enormes proporções. O erro de Edelman consiste em passar
por cima da possibilidade de Jabes-Gileade ter-se tornado um estado vassalo devido ao
fato de Saul ter derrotado os amonitas, e, por último, em não aceitar a historicidade da
ligação ancestral entre Saul e Jabes-Gileade, uma ligação que certamente explicaria o
intenso e grande interesse deste pelo local, além da própria convicção que os habitantes
de Jabes-Gileade possuíam de que ele viria em seu socorro.
210 H istória du I srael no A ntigo T estamento
O d e c lín io d e S au l
Desobediência em Gilgal
21 Para uma atitude semelhante em Mari, ver Archives royales de Mari, editado por Charles-
F. Jean (Paris: Geuthner, 1950), vol. 2, #48,citada por J. Maxwell Miller, "Saul's Rise to
Power: Some Observations Concerning 1 Sam. 9:1-10:16; 10:26-11:15 and 13:2114:4b,"
CBQ 36 (1974): 168.
22 Para um estudo detalhado acerca da assembléia feita em Gilgal como uma espécie de
convocação para a aliança, ver Vannoy, Covenant Renewal at Gilgal, especialmente as
páginas 132-91.
i-»: l : A A liança M al C ompreendida 2 11
ria. A mensagem era bem clara: Israel, mesmo debaixo da monarquia, ti
nha de submeter-se a Yahweh.
Encorajado pela campanha defensiva contra os amonitas e pelo espíri
to de solidariedade e aliança expressado pelos israelitas em Gilgal, Saul
deu início ao processo de ofensas contra seu próprio mandato. Os filisteus
já haviam sido expulsos de Israel havia mais de trinta anos por Samuel,
mas continuaram a ameaçar as fronteiras israelitas, chegando mesmo a
penetrá-la consideravelmente em uma ocasião.23 Saul sentiu que havia
necessidade de dar um basta nessas atividades de uma vez por todas. Seu
primeiro assalto às guarnições dos filisteus foi em Geba (Jeba),24 situada a
menos de oito quilômetros da capital (1 Sm 13.3). Jônatas, filho de Saul,
estava no comando de mil homens em Gibeá enquanto Saul tinha dois mil
em Micmás (Mukhmâs), três quilômetros além de Geba. Jônatas deu iní
cio ao ataque a Geba dos filisteus, mas isso provocou uma forte reação.
Com um vasto número de homens, os filisteus chegaram a Micmás, for
çando os habitantes da região a evacuar a cidade, enquanto as tropas isra
elitas fugiam para o oriente, cerca de 19 quilômetros, chegando mesmo a
cruzar o Jordão em direção a Gileade.
Enquanto estava em Gilgal, Saul lembrou-se das palavras de Samuel,
dois anos antes, segundo as quais chegaria um momento em que teria de
esperar pela chegada do profeta, neste mesmo local, por sete dias.25 Teme
23 Benjamim Mazar, "The Philistines and Their Wars with Israel," em World History of the
Jeivísh People, vol. 3, Judges, editado por Benjamim Mazar (Tel Aviv: Massada, 1971), pp.
175-76.
24 Porém Demsky sugere em "Geba, Gibeah and Gibeon," BASOR 212 (1973): 29-30, que
Geba foi nomeada depois da Geba original (i.e. Gibeá de Benjamim [Jz 20], conhecida
depois como Gibeá de Saul), e não era outra senão a Gibeão (el-Jib). A "Geba de
Benjamim" na maioria dos manuscritos hebraicos de 1 Samuel 13.16 é a mesma Gibeá
de Benjamim.
2- Muitos estudiosos (e.g. P. Kyle McCarter, Jr., I Samuel, Anchor Bible [Garden City, N.Y.:
Doubleday, 1980), p. 228) assumem uma reconstrução desesperadamente confusa quanto
a estes acontecimentos (1 Sm 13.7b-8). Crêem que o historiador bíblico (ou redator) está
sugerindo em 1 Samuel 10.8 que Saul apareceu em Gilgal uma semana antes de sua
eleição como rei quando, de fato, deveria ter comparecido dois anos depois (ver 1 Sm
13.1). Mas, como Cari F. Keil e Franz Delitzsch mostraram há mais de um século, não
existe nenhuma confusão, uma vez que o estudante admita a natureza da sintaxe hebraica
de 1 Samuel 10.8. O que o profeta está dizendo é que se Saul tivesse de ir a Gilgal,
Samuel precisaria fazer o mesmo. Sempre que isto ocorresse, Saul teria de esperar pelo
menos sete dias até que Samuel chegasse. É secundário o fato de Saul não ter ido a
Gilgal até que se passassem dois anos. Ver Keil e Delitzsch, Biblical Commentary on the
Books of Samuel (Grand Rapids: Eerdmans, 1960 reedição), pp. 101-2.
212 H istória de I srael no A ntigo T estamento
roso do ataque iminente que poderia ser desferido pelos filisteus, o pró
prio Saul ofereceu sacrifícios a Yahweh, violando, dessa forma, não ape
nas as expressas ordens dadas por Samuel, mas também todas as prescri
ções que envolviam o próprio ritual do culto. Quando Samuel chegou ao
local, repreendeu o rei e o informou de que sua dinastia, que poderia sub
sistir para sempre (1 Sm 13.13), estava com seus dias contados. Também
foi o rei informado de que Deus entregaria o governo a um homem segun
do o seu coração.
29 Assim está registrado no texto massorético de 1 Samuel 14.18. Contudo, parece melhor,
segundo o registro da Septuaginta e outras testemunhas, ler "éfode" em vez de "arca",
pois a arca aparentemente estava ainda em Quireate-Jearim por todo o reinado de Saul.
Além do mais, o contexto técnico indica atividade puramente sacerdotal, pois a narrati
va sugere que está se recorrendo a um éfode e não à arca (v. 19; cf. vv. 40-42; 23.9; 30.7).
Ver Ralph W. Klein, 1 Samuel, Word Biblical Commentary (Waco: Word, 1983), p. 132,
n.18. G.W. Ahlstrõm, mesmo preferindo adotar o texto massorético nessa passagem,
informa que o éfode aparece nas narrativas de Samuel por todo o período em que a arca
esteve localizada, segundo a tradição, em Quireate-Jearim ("The Traveis of the Ark: A
Religio-Political Composition," JNES 43 [1984]: 145; da mesma forma Antony E Campbell,
"Yahweh and the Ark: A Case Study in Narrative," JBL 98 [1979]: 42-43, n. 32).
30 A visão mais antiga, ou seja, que estes eram os hebreus, é difícil de conciliar com a
mudança de coligação, isto é, com o fato de deixarem os filisteus para aliar-se aos isra
elitas. É melhor identificá-los, como o faz Norman K. Gottwald, com os 'apiru docu
mentados nas correspondências de Amarna (The Tribes of Yahweh [Maryknoll, N.Y.: Orbis,
1979), pp. 422-25; ver também o que foi dito acima nas pp. 101-2).
214 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Os inimigos de Saul
Os estados arameus
Virtualmente nada é conhecido acerca de Moabe e Edom do século onze,
tanto no Antigo Testamento quanto na literatura extrabíblica, de modo que é
infrutífero especular qualquer coisa que não seja a civilização material.31 Quan
to aos estados arameus, o quadro torna-se substancialmente mais claro gra
ças ao volumoso material cuneiforme, oriundo primariamente da Assíria. O
nome dado aos arameus, considerado o mais antigo, era Ahlamú.32 Não foi
senão depois de 1100 que o termo 'armaya (Arameus) surgiu, quando no caso
era usado para descrever as populações seminômades que, por aqueles anos,
haviam ocupado toda a Síria superior e o noroeste da Mesopotâmia. Tiglate-
Pileser I (1115-1077) cita-os como um dos inimigos da Assíria, que ele tentava
controlar. Mas eles não apenas resistiram às pressões dos assírios, como tam
bém começaram a ocupar e controlar vastas áreas centrais e baixas da Meso
potâmia. Durante os anos de Saul, eles dominaram todo o norte de Damasco,
atingindo o Eufrates, chegando mesmo a ir além desse rio.33
31 John R. Bartlett, "The Moabites and Edomites," em Peoples of Old Testament Times, edita
do por D.J. Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), pp. 229-34; B. Oded, "Neighbors on the
East," em World History of the Jewish People, vol. 4, parte I, The Age of the Monarchies:
Political History, editado por Abraham Malamat (Jerusalem: Massada, 1979), pp. 252-61.
Dennis Pardee alistou todas as poucas inscrições que restaram de Moabe, Amom e Edom
conhecidas atualmente, nenhuma delas com data inferior a 850 a.C. (a inscrição de Mesha)
("Literary Sources for the History of Palestine and Syria II: Hebrew, Moabite, Ammonite,
and Edomite Inscriptions," AUSS 17 [1979]: 65-69).
32 Albert Kirk Grayson, Assyrian Royal Inscriptions (Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1976),
vol. 2, p. 13 # 1.
33Merril F. Unger, Israel and the Aramaeans of Damascus (Grand Rapids: Baker, 1980 reedição),
pp. 38-44. Abraham Malamat, mesmo negando que os Ahlamú fossem os arameus, con
corda com o julgamento de Unger com respeito ao domínio dos arameus na Síria e nas
5 »: i : A A liança M al C ompreendida 215
Os filisteus
Era com a Filístia, entretanto, que Saul estava constantemente envolvi
do, do início ao fim de seu reinado. Esses sobreviventes dos Povos do
Mar, de origem não-semítica, vieram para Canaã como parte de uma mi
gração maciça de povos que se dirigiam para a Anatólia, Egito, Síria e
outras áreas ocidentais do Mediterrâneo. Eles destruíram o Império Hitita,
inclusive a destruição de cidades sírias como Ugarite. Após uma tentativa
frustrada de conquistar também o Egito, alguns desses Povos do Mar, par
ticularmente os Peleset e os Tjekker, estabeleceram-se ao longo da porção
central e mais baixa da costa mediterrânea de Canaã. Os Peleset são os
conhecidos filisteus, tão familiares ao leitor da Bíblia (ver p. 161).
Embora tenha havido filisteus em Canaã por muitos anos antes da che
gada dos patriarcas (ver p. 31), esse grupo também tinha sido "semitizado"
ou, em outra hipótese, absorvido pela nova leva de invasores. Os "novos"
filisteus estabeleceram uma cabeça-de-ponte no sudoeste de Canaã em
cerca de 1200, estabelecendo-se nas principais cidades da região (ou pró
ximo a elas): Gaza (Ghazzeh), Ascalom ('Askalon) e Asdode (Esdüd), ao
longo da costa; Ecrom (Khirbet el-Muqanna') e Gate (provavelmente Tel
es-Sâfi), no Sefelá.
Tem sido muito comum descrever a forma de governo dos filisteus como
um tipo de pentápole, em que cada governante (Heb. Serem, "senhor")
partes mais altas da Mesopotâmia na época do rei Saul. ("The Aramaeans/' em Peoples
of Old Testament Times, editado por D.J. Wiseman, pp. 135-38; ver também em Yutaka
Ikeda, "Assyrian Kings and the Mediterranean Sea: The Twelfth to Ninth Centuries
B.C.," Abr-Nahrain 23 [1984-1985]: 29, n.lO).
34 Benjamim Mazar, "The Aramaean Empire and Its Relations with Israel/' em Biblical
Archaeologist Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr., e David Noel Freedman (Garden
City,N.Y.: Doubleday, 1964), vol. 2, pp. 131-32.
216 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Os amalequitas
Outro inimigo de Saul com características e em circunstâncias total
mente diferentes eram os amalequitas. Esses nômades do deserto esta
vam sempre surgindo na história de Israel, quase sempre no papel de
55 Dothan, Philistines, pp. 20-21; Kitchen, "The Philistines", em Peoples of Old Testament
Times, editado por D.J. Wiseman, p. 68.
218 H istória de I srael no A ntigo T estamento
39 Yohanan Aharoni, "The Negeb and the Southern Borders," em World History ofthe Jewish
People, vol. 4, parte 1, pp. 292-93.
S a íl : A A liança M al C ompreendida 219
do por ele. Foi lá que Samuel condenou severamente sua atitude de de
sobediência. Mesmo os argumentos de Saul quanto aos animais, que ti
nham sido trazidos a Gilgal para serem sacrificados a Yahweh, não fo
ram suficientes para evitar as censuras do profeta, que naquele momen
to aproveitou para informar ao rei que seu trono tinha sido rejeitado,
pois já havia um outro homem melhor do que ele preparado para assu
mira a posição.
C o n s id e ra ç õ e s te o ló g ic a s
43 Edmond Jacob, Theology of the Old Testament (New York: Harper and Row, 1958), pp.
234-39; Frankfort, Kingship and the Gods, p. 339. Em nossa opinião, Frankfort foi longe
demais em sua tentativa de negar a centralidade do reinado na ideologia israelita (ver
em seu trabalho nas pp. 337-44).
44 Assim pensa, por exemplo, Engnell, em Studies in Divine Kingship, pp. 174-77, na seção
em que ele antevê seu próximo trabalho acerca da monarquia no Antigo Testamento.
Esse é o ponto de vista da chamada escola do Mito e Ritual, que floresceu uma geração
atrás, e quem tem suas idéias expressadas em algumas publicações, como a que foi
editada por Hooke, intitulada Myth, Ritual and Kingship.
45 Dennis J. McCarthy, "Compact and Kingship: Stimuli for Hebrew Covenant Thinking,"
em Studies in the Period of David and Solomon and Other Essays, editado por Tomoo Ishida
(Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns, 1983), p. 82; Talmon, "The Biblical Idea of Statehood,"
em The Bible World, editado por Gary Rendsburg, pp. 247-48.
S a i l : A A liança M al C ompreendida 22 1
O s u rg im e n to de D a v i
A unção de Davi
Depois que o Espírito de Yahweh veio sobre Davi, foi permitido que
um espírito demoníaco atormentasse Saul até o dia de sua morte (1 Sm
16.14). Para amenizar seus ímpetos de mau humor e fúria, seus servos
decidiram buscar um músico, cujas melodias pudessem ser um bálsamo
sobre o rei. Providencialmente, Davi foi selecionado, um fato que não ape
nas beneficiou Saul, mas também permitiu que Davi se familiarizasse com
a vida na corte, preparando-o para o papel público que viria a exercer
mais tarde. Saul gostou muito do jovem e logo fez dele seu armeiro e mú
sico. Por um breve espaço de tempo esteve Davi com Saul, embora no
próximo acontecimento ele já esteja em Belém.49
Davi e Golias
começou a reinar. Certamente era muito jovem quando recebeu a unção de rei, mas não
tão jovem ao ponto de não ser capaz de olhar e cuidar do rebanho de seu pai sozinho.
Não seria absurdo afirmar que ele tinha doze anos na ocasião. Isto fixa uma data no
princípio dos anos 1020 para o tempo em que Saul foi rejeitado e Davi foi ungido como
o novo rei, uma data que se encaixa bem com a idade de Samuel, que nessa ocasião já
estava com cerca de noventa anos.
49Aperícope da unção de Davi (1 Sm 16.1-13), freqüentemente considerada tardia e histo
ricamente não confiável, recebe brilhante defesa e análise por Martin Kessler, que a vê
como parte integral da narrativa ("Narrative Technique in 1 Sm 16.1-13," CBQ 32 [1970]:
552-53).
50 Para uma identificação destes sítios, ver Yohanan Aharoni, The Land o f the Bible
(Philadelphia: Westminster, 1979), pp. 442,431.
51 Sobre os lutadores guerreiros, ver Roland de Vaux, Ancient Israel (New York: McGraw
Hill, 1965), vol. 1, p. 218.
224 H istória de I srael no A ntigo T estamento
já que estes fixaram residência nas cidades dos filisteus após serem expul
sos de Hebrom por Josué (Js 11.21,22). Israel, contudo, não achava alguém
que representasse a nação e também Yahweh.
Finalmente Davi entrou em cena. Havia estado em Belém para ajudar o
pai idoso e servir-lhe de emissário em tempos oportunos (1 Sm 17.15).
Não é necessário concluir, como muitos estudiosos o fazem, que a presen
te história e aquela sobre a seleção de Davi como músico da corte são rela
tos conflitantes, somente por Saul não ter reconhecido Davi na ocasião.52
Primeiro, é impossível saber quanto tempo transcorreu desde que Davi
esteve com Saul. E bem conhecido o fato de os adolescentes sofrerem rápi
das mudanças no aspecto físico dentro de um ou dois anos, sendo perfei
tamente possível que Davi (aqui ainda muito jovem) tivesse amadurecido
consideravelmente desde que servira a Saul pela última vez. Além disso,
o estado de saúde mental e emocional de Saul, freqüentemente irregular,
certamente agravou-se durante esse forte período de estresse, talvez a ponto
de sequer reconhecer um velho amigo.
Embora Davi tenha sido enviado para a frente de batalha a fim de levar
suprimento aos seus irmãos, ficou tão ofendido com as maldições proferi
das pelo filisteu que ele mesmo fez-se voluntário para duelar com Golias.
Tomou consigo uma funda e feriu o gigante em nome e pela honra de
Yahweh (1 Sm 17.45-50). Davi, portanto, mostrou desde o início que seu
zelo era santo, como devia ser o zelo do ungido do Senhor. Ele era o rei-
guerreiro que se juntou a Deus contra todos que desafiassem a soberania
de Yahweh.
Davi e Jônatas
52 Ver Otto Eissfeldt em The Old Testament: An Introduction, traduzido por Peter R. Ackroyd
(New York: Harper and Row, 1965), p. 274.
S ' : l : A A liança M ai. C ompreendida 225
considerar a amizade como de pai para filho, em vez de apenas uma ami
zade comum. A diferença na idade é claramente provada pelo fato de Davi,
como já estudado, ter nascido não antes de 1041, enquanto Jônatas já era
líder de vários homens no princípio do reinado de seu pai, por volta de
1050. Talvez Jônatas fosse uns trinta anos mais velho que Davi. Somente
por especulação pode-se dizer que Jônatas não tinha filhos quando conhe
ceu Davi, ou que ficara tão persuadido acerca da eleição de Davi como rei,
que o abraçou como o ungido de Yahweh, mesmo antes de Davi ter assu
mido a função de governante.
Em apoio à última hipótese está a própria renúncia de Jônatas. Ele era
o filho mais velho de Saul e certamente sucederia ao pai no reino. Por isso
Saul advertiu ao filho que enquanto Davi estivesse vivo, Jônatas não teria
como assentar-se no trono, dando continuidade à dinastia de Saul (1 Sm
20.31). Mas Jônatas sabia no íntimo o que na verdade seu pai tentava ne
gar - Davi era um homem segundo o coração de Deus.53 Sendo assim, ele
se despojou de toda ambição política e ascensão social e juntou-se a Davi,
formando um laço de amizade e lealdade indissolúvel. Os dados esclare
cem melhor a natureza da aliança estabelecida entre Davi e Jônatas. Men
cionada pela primeira vez em 1 Samuel 18.1-3, a aliança expressava muito
mais do que amizade. Era um contrato formal pelo qual Jônatas não ape
nas demonstrava amor humano em mais alto nível, mas também pleitea
va para si mesmo o favor de Davi como seu senhor e ungido de Yahweh.54
Há várias outras indicações de que Jônatas acatou a escolha de Davi por
Yahweh. Primeiro, a aliança foi feita mutuamente, mas foi uma iniciativa de
Jônatas, e não vice-versa (1 Sm 18.1, 3b; 20.8,16,17). Segundo, Jônatas sub
meteu-se às mais altas reivindicações de um reinado davídico quando ves
tiu Davi com seu próprio manto (1 Sm 18.4). Depois, reconheceu que Davi
viveria mais do que ele e, como rei, estaria em posição de mostrar favor aos
seus descendentes (1 Sm 20.14,15,42). Também afirmou de maneira clara
que Davi seria o rei, e Jônatas, seu servo (1 Sm 23.17,18). Terceiro, a aliança
foi feita não apenas com Davi pessoalmente, mas também com toda a di-
53 David Jobling defende a idéia de que a seleção de Jônatas como sucessor de Saul já
estava determinada no relato da batalha, em 1 Samuel 14.1-46, onde ele diz que a narra
tiva é pró-Jônatas, identificando este como o homem segundo o coração de Deus ("Saul's
Fall and Jonathan's Rise: Tradition and Redaction in 1 Sam. 14-1-46," JBL 95 [1976]: 371).
Essa idéia pode ser sustentada somente se for descartada a evidência em 1 Samuel 13.13,
onde está registrado que toda a dinastia de Saul (incluindo Jônatas) seria substituída
por outra.
34 Ver Tryggve N.D. Mettinger, King and Messiah: The Cível and Sacral Legitimation of the
Israelite Kings (Lund: C.W.K. Gleerup, 1976), p. 39.
226 H istória de I srael mo A ntigo Testamento
A fuga de Davi
A conspiração de Saul
A ascensão de Davi ao poder promovida por Saul foi uma atitude polí
tica astuta, embora provasse mais a fragilidade psicológica do rei contur
bado. Com grande coragem temperada pela circunspeção e humildade,
Davi saía às guerras, e voltava tão bem-sucedido que não demorou para a
multidão passar a cantar a respeito de seus feitos, quase de forma lendá
ria. O rei Saul achou-se eclipsado e, a partir daquele momento, traçou al
gumas estratégias para livrar-se de seu rival.
Em primeiro lugar, sob influência demoníaca, Saul tentou encravar Davi
com uma lança na parede, pelo menos por duas vezes (1 Sm 18.11; 19.10),
mas Yahweh o livrou de suas mãos. Bastante frustrado, Saul dispensou
Davi da corte, deixando-o apenas dedicado ao serviço militar. Depois, o
rei maquinou um plano pelo qual se veria livre de Davi: obrigou-o a pagar
o preço (mõhar) de cem filisteus mortos, em troca da mão de sua filha Mical.
Isto seria o equivalente a uma alta quantia em prata e ouro (1 Sm 18.25).
Davi não se intimidou e buscou a ocasião, ferindo duzentos filisteus. Quan
do Saul recebeu os relatórios constatando que a tarefa havia sido cumpri
da, tratou imediatamente de fazer os preparativos para o casamento. Saul
passou a ter como genro o inimigo que tentava destruir.
A partir de então Saul passou a manifestar abertamente a intenção de
destruir Davi, fazendo com que o próprio Jônatas soubesse de seus pla
nos. Este, consciente sobre a eleição divina de Davi, buscou fazer seu pai
entender que seria tolice derramar sangue inocente (1 Sm 19.4,5). Tais pa
lavras até ocasionaram uma reconciliação momentânea, mas Saul logo
estava à procura de Davi para o matar; desta vez, enviou alguns assassi
nos para o atacar enquanto estivesse dormindo. Porém Mical, ao tomar
conhecimento do plano, avisou o marido, dando-lhe tempo para escapar e
refugiar-se em Ramá junto ao profeta Samuel (1 Sm 19.18).
Permanecendo lá por pouco tempo, Davi procurou Jônatas mais uma
vez, e juntos planejaram um meio de Davi saber se teria ou não um futuro
na corte de Saul. Na ocasião, a intercessão de Jônatas por Davi era total
mente em vão, porque Saul havia posto no coração que Davi precisava ser
S ‘ \l : A A liança M al C ompreendida 2 2 7
Davi, o fora-da-lei
Davi foi primeiramente para Nobe,55 uma vila no monte das Oliveiras,
onde o sumo sacerdote presidia sobre o tabernáculo. Visto que Aimeleque
(em outra passagem conhecido como Aías; cf. 1 Sm 14.3; 22.9) era bisneto
de Eli, é razoável admitir que ele ou seu pai Aitube removeram o
tabernáculo de Siló e o instalaram em Nobe. Alguns até hoje questionam o
porquê de tal lugar haver sido escolhido. A arca, é claro, ainda estava em
Quireate-Jearim, sob a custódia da família de Abinadabe.
Tendo escapado de Saul apenas com as roupas do corpo, Davi e seus
companheiros estavam famintos e pediram alimento ao sacerdote.
Aimeleque não sabia acerca do desentendimento entre Saul e Davi, de
sorte que lhes providenciou o único alimento disponível: os pães da pro
posição do tabernáculo. Tomando a espada de Golias - que tinha sido
guardada debaixo do éfode, talvez como símbolo da superioridade de
Yahweh sobre os filisteus - Davi partiu em direção a Gate, a terra natal
de Golias.56 Este ato de loucura, acentuado pelas representações teatrais
de Davi, acabou convencendo Áquis, rei de Gate, de que Davi estava de
fato insano. Os profetas extáticos do mundo pagão agiam da mesma ma
neira e, tidos como homens santos, eram isentos de punição, como foi
Davi. O herói hebreu que ferira de morte Golias, obteve o direito de aguar
dar em Gate.57 De fato, Davi procurava um refúgio em Gate, mas o rei
Áquis, por alguma razão, não achou por bem que Davi permanecesse
em seu meio.
Pelos próximos dez anos, Davi viveu uma vida de fugitivo, movendo-
se de um lado para outro, sem nenhuma ajuda visível. Encontrou refúgio
75 Nobe deve ser identificada com a el-'Isãwiyeh (Aharoni e Avi-Yonah, Macmillan Bible
Atlas, p. 181). Entretanto, Denis Baly a identifica com a et-Tor (The Geography of the Bible
[New York: Harper, 1957], p. 162).
56Mazar, "The Philistines and Their Wars with Israel," em World History of the Jewish People,
vol. 3, p. 178, sugere que Gate tenha se tornado um importante centro político dos filisteus,
já que as guerras com os israelitas forçaram os filisteus a proteger muito mais as frontei
ras orientais com Benjamim.
57 Hertzberg, I & II Samuel, p. 183.
22S H istória de I srael no A ntigo T estamento
Davi podia estar fugindo de Saul, mas permanecia sempre bem infor
mado das necessidades de sua parentela. Os filisteus, talvez testando as
intenções de Davi, fizeram uma incursão na cidade de Queila (Khirbet
Qilã), um vilarejo de Judá ao sul de Adulão. Buscando cuidadosamente o
Senhor através do éfode que Abiatar havia trazido de Nobe (1 Sm 23.6),
Davi convenceu-se da vitória e partiu para Queila a fim de libertar seus
conterrâneos. Ciente, Saul marchou rapidamente para o sul com intenção
de emboscar Davi e seus homens dentro da cidade. Davi soube da chega
da de Saul a tempo de escapar, buscando refúgio no deserto de Zife que
ficava pouca coisa ao sul de Hebrom. Ele estava certo de que o povo de
Queila, que ele acabara de salvar dos filisteus, não o defenderia contra
Saul. Uma evidência de que Davi não desfrutava de apoio total nem mes
mo em Judá.
Também os habitantes de Zife provaram ser traiçoeiros, pois não per
deram tempo em informar ao rei de que Davi escondia-se no meio deles.
Sempre um passo à frente, Davi partiu depressa para o deserto de Maom.
Saul também chegou ao local, e por pouco não capturou o exército de Davi.
Mas antes de prosseguir, teve de voltar para o norte, a fim de impedir uma
invasão dos filisteus em seu território. Davi partiu para o oriente, até En-
Gedi (Tel ej-Jurn), às margens do mar Morto.
Incansavelmente, depois de resolver o problema filisteu, Saul voltou à
perseguição. Seguiu Davi até En-Gedi, mas desta vez quase perdeu sua
própria vida, pois Davi estava em uma posição que poderia matá-lo, caso
realmente o quisesse. Sem dúvida o instinto humano requeria que Davi se
livrasse do rei e buscasse o trono. Porém, a percepção divina prevaleceu,
porque Davi sabia que até que o próprio Jeová o removesse, Saul perma
neceria o ungido do Senhor. Ele também reconhecia sua unção divina, mas
isso não significava muito no momento. Tudo o que ele sabia era que Deus,
que o tinha escolhido, o colocaria na posição de poder no tempo dEle.
Temporariamente atraído pela bondade e respeito manifestos por Davi,
Saul decidiu retornar para casa. Davi também partiu de En-Gedi e foi para
o deserto de Parã até o Carmelo (Kirmil), dois ou três quilômetros de Maom
(Khirbet MaTn).
Davi ouvira falar de um homem muito rico chamado Nabal, que vi
via em Maom e era dono de muito gado e vastos territórios no Carmelo.
De novo à beira da fome, Davi pediu àquele homem alimento para si e
para seus homens, o que não era um pedido injusto se considerado o
hábito da apropriação indevida comum aos indivíduos fora-da-lei. Além
disso, com consentimento dos homens de Nabal, Davi protegeu os reba
nhos deste sem qualquer remuneração (1 Sm 25.15). Apesar disso, Nabal
230 H istória de Israel no A ntigo T estamento
Estava claro para Davi que seria apenas uma questão de tempo para
que Saul o alcançasse, de forma que decidiu uma medida drástica - bus
cou asilo junto a Aquis, rei de Gate. Decerto alguns fatores contribuíram
para um clima de mútua confiança entre Davi e o rei dos filisteus. Pri
meiro, não havia coisa melhor para Aquis do que a brecha irreparável
entre Davi e Saul. Sem a presença de Davi, Saul ficava sem um comando
militar forte o suficiente para eliminar os filisteus; sem Saul, Davi ficava
sem uma base local para operar. Segundo, Davi se conduziu entre os
filisteus de modo que m ostrava não haver qualquer interesse em
prejudicá-los. Somente uma vez em seus anos de exílio, em Queila, lutou
contra os filisteus, e assim mesmo foi uma medida defensiva. Terceiro,
A morte de Saul
A fa lta d e n a c io n a lid a d e an te s d e D av i
1 Quanto à terra ("espaço") ser uma necessidade fundamental para a nacionalidade, ver
Walter Brueggemann, The Land (Philadelphia: Fortress, 1977), esp. pp. 28-44.
D avi: O R einado da A liança 237
2 A ligação entre geografia e história é evidente. Para uma importante discussão acerca
da Síria-Palestina, ver o trabalho de George Adam Smith, The Historical Geography of
the Holy Land (London: Hodder and Stoughton, 1900), pp. 43-59.
3 Sobre esse desenvolvimento surpreendente, ver Eduard Y. Kutscher, A History of the
Hebrew Language (Jerusalem: Magnes, 1982), pp. 14-15.
D avi: O R einado da A liança 239
4 Por causa dessa referência Ralph W. Klein conclui, de forma correta, que "é muito difícil
afirmar que Judá foi, nalguma ocasião, completamente incorporado ao reino de Saul".
(1 Samuel, Word Biblical Commentary [Waco: Word, 1983], p. 149).
240 H istória de I srael no A ntigo T estamento
D a v i em H e b ro m
Diplomacia inicial
Que o reino de Davi teria de iniciar em Hebrom não devia causar sur
presa. Ele era da tribo de Judá, e construíra o caminho para o trono através
de seu exílio em Judá, mostrando beneficência para com essa tribo naque
les dias. Reconhecia daramente que Judá era de facto um organismo políti
co, se não étnico em seu próprio direito. Além disso, ainda não havia che
gado o tempo para firmar sua autoridade em Israel, pois Saul tinha deixa
do um filho sobrevivente que, segundo os princípios da dinastia, o suce
deria. E ainda: Abner, primo de Saul, que no momento era a pessoa mais
poderosa em Israel, opunha-se intensamente a Davi, assim como fazia todo
o reino ao norte. Davi preferiu permanecer em Hebrom, onde esperaria
pela direção divina a respeito de sua liderança em todo o Israel.
O que se seguiu durante sete anos em Hebrom foi uma verdadeira obra
de arte de diplomacia governamental. Davi sabia que estava sendo visto
por Israel e Judá como o inimigo de Saul, mas, logo que soube da morte do
rei, compôs uma canção exaltando-o. Neste chamado Hino do Arco (2 Sm
1.19-27),5 o rei é descrito como "a glória" e "o poder". Segundo a canção
de Davi, o rei foi aquele que tinha vestido Israel de roupas finas e vestidos
caríssimos, e Israel tinha de lamentar a sua morte. Tal atitude, sem dúvida
sincera, demonstrou aos outros que Davi considerava Saul em seu interi
or. Qualquer hostilidade que tenha existido vinha somente de um lado e
estava fora do controle de Davi.
A seguir, Davi procurou ganhar o favor do povo de Jabes-Gileade, agra
decendo-lhe pelo gesto de bravura que manifestara ao resgatar os corpos
5 Acerca da autoridade do texto como da autoria de Davi, ver Masao Sekine, "Lyric
Literature in the Davidic-Solomonic Period in the Light of the History of Israelite
Literature," que faz uma análise da forma e conteúdo desses hinos. Em Studies in the
Period of David and Solomon and Other Essays, editado por Tomoo Ishida (Winona
Lake, Ind.: Eiserbrauns, 1983), pp. 2-4. Ver também David Noel Freedman, Pottery, Poetry
and Prophecy (Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns, 1980), pp. 263-74.
D av /: O R einado da A liança 241
Davi e Abner
6 Conforme Oxford Bible Atlas, editado por Herbert G. May, 3a edição (New York: Oxford
University Press, 1984), p. 143.
~ P. Kyle McCarter, Jr., II Samuel, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1984), p.
86, sugere que o 'is registrado no texto massorético de Samuel é preferível ao 'es em 1
Crônicas 8.33 e 9.39. Araiz em todo caso deve ter sido 'is ("homem"). Os rolos de Qumran
claramente apoiam essa posição.
5 Avraham Negev, ed., Archaeological Encyclopedia of the Holy Land (Englewood, N.J.:
SBS, 1980), pp. 191-92.
242 H istória de I srael \ o A ntigo T estamento
e seus homens foram para Gibeão, onde negociaram com Joabe, um repre
sentante de Davi, possivelmente para tratar da unificação dos dois reinos
(2 Sm 2.12,13). Sem um acordo pacífico, Abner sugeriu que a questão fosse
decidida em um confronto armado: cada lado escolheria doze homens para
um combate corpo-a-corpo, o vencedor do qual assumiria a soberania de
todo o povo. Os homens de Davi saíram vencedores e Abner teve de fugir
com os inimigos em seu encalço. Infelizmente, Asael, irmão mais novo de
Joabe, escolheu perseguir Abner, o guerreiro experiente que, em defesa
própria, matou o jovem. Joabe e seu irmão Absai continuaram na perse
guição, mas Abner encontrou refúgio entre seus irmãos benjamitas, fican
do a salvo. Sua pergunta a Joabe na ocasião é bastante interessante: "Até
quando te demorarás em ordenar ao povo que deixe de perseguir a seus
irmãos?" (2 Sm 2.26). Não há talvez uma tentativa de paz aqui? Não esta
ria Abner à procura de reconciliação, já que era inevitável a tendência que
conduzia Davi ao trono?
O historiador responde a estas perguntas enfatizando que, durante os sete
anos que reinou em Hebrom, Davi fortalecia-se continuamente, ao passo que
a dinastia saulida enfraquecia-se cada vez mais (2 Sm 3.1). Evidências do for
talecimento de Davi podem ser vistas na multiplicação de suas esposas e fi
lhos, uma prática comum aos monarcas do Oriente Médio, embora não san
cionada pela Lei bíblica. Além dos filhos de Abigail e Ainoã, Davi gerou
Absalão de Maaca, Adonias de Hagite, Sefatias de Abital, e Itreão de Eglá. E
importante observar Maaca, pois ela é identificada como filha de Talmai, rei
de Gesur. É uma sugestão de que alguns casamentos de Davi foram realiza
dos com fins diplomáticos internacionais.9 Gesur aqui é provavelmente um
reino que ficava ao leste do mar de Quinerete.10 Uma aliança com um reino
desse tipo era extremamente importante para Davi, servindo-lhe de "esta
do tampão" entre Israel e os crescentes estados arameus do norte.
Proporcional à influência de Davi era a percepção de Abner de que
somente ao lado de Davi poderia esperar algum futuro. Havia feito tudo
para apoderar-se do trono - inclusive apossar-se da concubina de Saul - e
mesmo assim fracassou. Passou a explorar os meios pelos quais usaria sua
influência a fim de entregar Israel a Davi, assegurando pelo menos uma
posição como a que tinha com Saul. O próprio envolvimento com Rispá,
9 Jon D. Levenson e Baruch Halpern, "The Political Import of David's Marriages," JBL 99
(1980): 507-18.
10 Yohanan Aharoni, The Land of the Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 38. De
pois que Absalão matou Amnon, fugiu para Gesur, a terra natal de sua mãe (2 Sm
13.37,38).
D avi: O R einado da A liança 243
i: James C. Vanderkam tenta mostrar que os assassinatos de Abner e Is-Bosete foram uma
conspiração armada pelo próprio Davi ("Davidic Complicity in the Deaths of Abner
and Eshbaal: A Historical and Redactional Study," JBL 99 [1980]: 521-39). Essa tese ba-
244 H istória de I srael no A ntigo T estamento
C rô n ic a s e h is tó ria te o ló g ic a
seia-se em uma alegação sem fundamento de que a narrativa original incriminava o rei
Davi, mas posteriormente foi profundamente modificada para beneficiar o partido pró-
davídico, de forma que sua cumplicidade é praticamente impossível de ser detectada.
12 Os assassinos são identificados como benjamitas, habitantes de Beerote, situada na fron
teira do território dos filisteus. Visto que os beerotitas aparentemente tiveram de fugir
de sua tribo natal num determinado tempo passado (2 Sm 4.2b-3), pode ser que Saul os
tivesse perseguido (cf. 2 Sm 21.1,2). O assassinato de Is-Bosete pode ter sido um ato de
vingança. Por outro lado, Hans W. Hertzberg conjectura que a expulsão dos beerotitas
seguiu o assassinato de Is-Bosete (I & II Samuel [Philadelphia: Westminster, 1964], pp.
263-64).
D avi: O R einado da A liança 245
J e ru s a lé m , a ca p ita l
15 G.W. Ahlstrõm oferece uma sugestão interessante, mas biblicamente indefensável. Ele
afirma que Davi era um jebuseu para quem Jerusalém não era uma cidade neutra. Isto
supostamente explicaria a facilidade com que ocupou a cidade, além de alistar como
seu sacerdote o jebuseu Zadoque ("Was David a Jebusite Subject?" ZAW 92 [1980]: 285
87). George E. Mendenhall não vai tão longe, mas sugere que Davi se apoderou de Jeru
salém e de outras cidades cananéias a fim de que pudessem prover uma infra-estrutura
urbana necessária para conduzir Israel de seu estágio tribal para um estado monárquico
digno. Porém, ao fazer isso, o rei Davi acabou levando o povo a uma paganização de
seus ideais teocráticos ("The Monarchy," Interp. 29 [1975]: 161-66).
248 H istória de I srael no A ntigo T estamento
mado pelos textos de Ebla16 e, sem dúvida, pela referência a Salem, a cida
de do rei-sacerdote Melquisedeque (Gn 14.18).17 As Cartas de Amarna
reconhecem Jerusalém como a principal de todas as cidades de Canaã da
quele período.18 Josué e os israelitas guerrearam contra Adoni Zedeque,
de Jerusalém, durante a campanha para o sul (Js 10). Se naquele tempo a
cidade não conseguiu ser tomada por Josué, é certo que veio a ser con
quistada após a sua morte (Jz 1.8); apesar de a população de jebuseus ter
recebido permissão para permanecer na cidade, realmente a conquista
ram pouco tempo depois (Jz 1.21). A cidade viveu praticamente sem se
importar com a dominação israelita, até que Davi finalmente a reconquis
tou e fez dela sua capital.
A longa história da independência de Jerusalém, como uma ilha no
mar de israelitas, pode ser praticamente atribuída à sua situação geo
gráfica, que lhe dava grandes condições de defesa. Esta vantagem e as
citadas anteriormente chamaram a atenção de Davi. Mas também in
cluía um problema real. Como tomariam a cidade sem um longo e cus
toso cerco?
Como era característico de todas as cidades muradas de Canaã, Jerusa
lém tinha uma passagem vertical de águas conectada a um túnel ligado a
uma fonte subterrânea fora das muralhas.19 Sendo o sistema necessário
para a sobrevivência de uma cidade cercada, também apresentava o mai
or perigo, já que providenciava acesso para qualquer um que achasse a
entrada. De alguma forma Joabe encontrou o túnel pelo lado de fora e,
através dele, atacou a cidade. Embora em descrédito por causa da morte
de Abner, ele foi honrado como herói por ter aberto Jerusalém para Davi
efetuar a conquista. Israel possuiu o pequeno monte de Ofel, que veio a
ser conhecido como Sião ou Cidade de Davi. Davi construiu (ou recons
truiu) as fortalezas para o oriente (i.e., o Milo), expandiu as cidades, mul
tiplicando dessa forma seu poder defensivo.20
16Jan Jozef Simons, Jerusalem in the Old Testament (Leiden: E.J. Brill, 1952).
17 Gordon J. Wenham, "The Religion of the Patriarchs," em Essays on the Patriarchal
Narratives, editado por A.R. Millard e D.J. Wiseman (Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns,
1983), p. 195.
18 Charles F. Pfeiffer, Tel El Amarna and the Bible (Grand Rapids: Baker, 1963), pp. 50-51;
Roland de Vaux, The Early History of Israel (Philadelphia: Westminster, 1978), pp.
103-4.
19 Kathleen Kenyon, Jerusalem (New York: McGraw-Hill, 1967), pp. 19-31. Quanto à natu
reza e ao curso desse sistema, ver Arie Issar, "The Evolution of the Ancient Water Supply
System in the Region of Jerusalem," IEJ 26 (1976): 131-33.
20 Kenyon, Jerusalem, pp. 49-51.
D avi: O R einado da A liança 249
O e s ta b e le c im e n to d o p o d e r d e D a v i
O problema filisteu
castigo dos filisteus, como um aliado potencial em sua guerra contra Isra
el. E verdade que Davi não tomou uma atitude ofensiva contra Saul, mas
ele próprio era politicamente um fator divisor que drenava as forças de
Saul, as quais estariam, de outra maneira, direcionadas contra os filisteus.
E provável que os filisteus tenham conseguido maior controle da região
de Jezreel enquanto Saul estava ocupado com Davi no sul.
Em todo caso, Davi não fez nada para desestimular as esperanças dos
filisteus. Deu provas de que estava interessado em aproximar-se deles e
afastar-se de Saul. Isto se expressou na forma da aliança feita com Aquis,
de Gate, na qual se fez de vassalo dos filisteus (1 Sm 27.5-7).22 Assim Davi
garantiu um território inalienável (Ziclague) e segurança contra Saul. O
pacto também o obrigava a combater as guerras dos filisteus, um requisi
to que quase o levou a lutar contra seu próprio povo.
Parece quase certo que, na ocasião da morte de Saul, Davi retomou a Judá
ainda na condição de servo de Aquis, embora também estivesse na condição
de rei de Judá em potencial. Estava claro para os filisteus que Davi gozava de
uma enorme popularidade entre os habitantes de Judá e, semelhantemente,
que os moradores de Israel ainda o tinham como um inimigo. Seria extrema
mente vantajoso para os filisteus que as desavenças entre Judá e Israel conti
nuassem a existir, ficando assim divididos, de forma que Davi se tornasse o
cabeça de um estado que, nominalmente, estaria sob o domínio dos filisteus.
Davi, é claro, queria manter a aliança fictícia com os filisteus, já que tinha o
problema da sucessão real no norte. Pode-se imaginar que Davi tenha se es
forçado para manter as negociações com Abner em total sigilo.
Não é possível provar se tal hipótese do relacionamento entre Davi e os
filisteus é correta ou não, mas o fato é que os filisteus não perturbaram
Davi até o momento em que souberam da sua coroação em todo o Israel.
Somente então, e tarde demais, descobriram que seu amigo tinha sido um
truque para alcançar o objetivo final - a unificação de Israel. Lançaram-se
então em um ataque contra Davi em Refaim (el-BuqePa), um vale situado
pouco ao sul de Jerusalém. A batalha está descrita em 2 Samuel 23, onde o
narrador informa que Davi fez da caverna de Adulão sua base, enquanto
os filisteus estavam entrincheirados em Belém, 24 quilômetros acima do
vale em direção nordeste.23 Na ocasião, três dos heróis de Davi arriscaram
22 P. Kyle McCarter, Jr., I Samuel, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1980), pp.
414-15.
23 Isso é o que dá base para a teoria de que o ataque dos filisteus aconteceu antes que Davi
cercasse a cidade de Jerusalém, pois, por que ele estaria em Adulão se já estava moran
do em Jerusalém? 2 Samuel 5.17 diz que os filisteus "subiram... a procura dele", ou seja,
na caverna de Adulão (cf. 2 Sm 23.13,14).
D avi: O R einado da A liança 251
suas vidas para roubar água para o rei tirada da fonte próxima ao portão.
Como os filisteus chegaram a Belém e como foram desalojados, não está
especificado. Contudo, somos informados de que Davi conseguiu vencê-
los em Baal-Perazim (talvez Sheikh Bedr).24
Audaciosos, os filisteus partiram novamente para lutar no vale de
Refaim, mas outra vez foram derrotados. Davi agora perseverou em ex
pulsar os filisteus não apenas da região sul e sudoeste de Jerusalém, mas
também do norte e do oeste. Portanto, conseguiu isolar Jerusalém da ame
aça filistéia de invasão, e isto facilitou em seguida a tomada da cidade do
domínio dos jebuseus.
A construção do tabernáculo
Israel [Philadelphia: Westminster, 1984], p. 56). Porém, visto que todos os estudiosos
concordam que Hirão foi contemporâneo de Davi apenas em seus últimos dez anos,
então por que o tratado e o programa de construções não podem ser encaixados nesse
período (ca. 980)? É preciso ter em mente que Hirão não podia estar reinando durante
os primeiros anos do reinado de Davi em Jerusalém (ca. 1004-1000), pois, uma vez que
seu reinado durou trinta e três anos, não haveria como ainda estar vivo durante os anos
do rei Salomão (971-931); no máximo já teria morrido por volta de 970. O templo de
Salomão foi construído pelos engenheiros de Hirão em 966 (1 Rs 6.1) e, segundo os
registros, este rei ainda estava reinando no décimo segundo ano de Salomão (ca. 951; 1
Rs 9.10-14). E possível sugerir que a data mais remota para o início do reinado de Hirão
foi 984, segundo essa linha de raciocínio. O ano 980, então, parece ser uma opinião
bastante sensata. Herbert Donner desfaz o problema de Davi e Hirão dizendo que a
referência de 2 Samuel 5.11 não é histórica, pois fala de um relacionamento que na ver
dade existiu entre Hirão e Salomão ("Israel und Tyrus in Zeitalter Davids und Salomos,"
JNSL 10 [1982]; 43-52).
27 Cogan, "Chronicler's Use of Chronology," em Empirical Modles, editado por Jeffrey H.
Tigay, pp. 197-209. Hayim Tadmor tem demonstrado que era muito comum nas inscri
ções reais dos assírios encontrar registros indicando que as construções nos templos e
restaurações eram feitas no primeiro ano daquele reinado, quando, na realidade, as obras
tinham acontecido muitos anos depois que o rei havia assumido o trono ("History and
Ideology in the Assyrian Royal Inscriptions," em Assyrian Royal Inscriptions: New
Horizons in Literary, Ideological, and Histocial Analysis, editado por F.M. Fales [Roma:
Instituto per L'Oriente, 1981], pp. 21-23).
D a v i: O R einado da A liança 253
:s Samuel estava particularmente ligado com Mispa (1 Sm 7.5; 10.17), Gilgal (1 Sm 10.8;
11.14) e Ramá (1 Sm 8.4; 15.34; 16.13), embora não haja evidências de atividade religiosa
e de culto em Ramá.
29 A linguagem da passagem "Saul... foi escolhido" é uma reminiscência da descrição do
processo pelo qual o culpado Acã "foi descoberto" (Js 7.16-19), um processo que estava
ligado ao método de seleção divina (Js 7.14) e da presença de Yahweh (Js 7.23). Que o
254 H istória dt ] srael no. A ntigo T estamento
éfode estava envolvido nas duas situações é confirmado por 1 Samuel 14.40-42 onde,
pelo mesmo processo, Jônatas foi descoberto, por causa da violação do mandamento
dado por seu pai. Ver Klein, 1 Samuel, pp. 96-97,140.
D w i: O R einado da A liança 255
apóia a nossa teoria de que a arca não foi trazida a Jerusalém senão nos
últimos dias do reinado de Davi.
U m a in tro d u ç ã o à c ro n o lo g ia d a v íd ic a
Neste ponto será válido atentar para a cronologia dos principais aconte
cimentos na vida de Davi.30 Não há dúvidas quanto à data da conquista de
Jerusalém (ca. 1004) e de sua morte (971). As demais datas não são tão cla
ras, mas algumas sugestões podem ser feitas. Primeiramente, embora a ida
de de Salomão quando assumiu o trono não possa ser datada com precisão,
não resta dúvida de que era ainda muito jovem. Em sua oração feita em
Gibeão, ele se diz "uma criança" e, mesmo considerando aqui a presença de
uma hipérbole, seria um embaraço uma idade além de vinte anos (1 Rs 3.7).31
Além disso, quando Davi estava fazendo planos para construir um templo,
referiu-se a seu filho como "moço e inexperiente" (1 Cr 22.5; 29.1). Se Salomão
não tinha mais de vinte anos quando subiu ao trono, provavelmente então
não passava de dezoito quando Davi tratou com ele acerca da construção
do templo (1 Cr 22.6-16; cf. 23.1). Salomão então deve ter nascido em 991,
treze anos após Davi ter tomado a cidade de Jerusalém.32
O nascimento de Salomão ocorreu um ou dois anos depois que seu pai
envolveu-se num relacionamento adúltero com Bate-Seba. Provavelmente
Salomão nasceu durante a época em que Joabe conduzira Israel na peleja
contra os amonitas em Rabá. Uma data apropriada para essa guerra é 993.
Essa é a última batalha de Davi antes de fugir de Absalão, e há boas razões
para acreditar que também foi cronologicamente a última. Com exceção de
2 Samuel 8, que é um catálogo das conquistas no estrangeiro e não propria
mente parte da narrativa, os outros episódios militares parecem estar des
critos exatamente na ordem em que os acontecimentos ocorreram.
30 O que segue é uma breve panorâmica do problema que envolve a cronologia da vida de
Davi e sua resolução. Esse assunto é discutido exaustivamente em Eugene H. Merrill,
"O Ano da Ascensão e a Cronologia de Davi," JANES 19 (1987). A ser publicado.
31 A frase na ar qãtõn foi usada, em outras ocasiões, para descrever o moço que apanhava
as flechas de Jônatas (1 Sm 20.35), a pele de Naamã após sua cura miraculosa (2 Rs 5.14),
a criança escatológica que guiará animais selvagens (Is 11.6), o príncipe edomita Hadade
(1 Rs 11.17) e os rapazinhos que zombaram de Eliseu (2 Rs 2.23). Sem qualquer uma
exceção, o que temos aqui são crianças ou adolescentes. Ver Francis Brown, S.R. Driver
e Charles A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament (Oxford:
Clarendon, 1962), pp. 654-55.
32 Isso está baseado nas datas acerca do reinado de Salomão (971-931) que são universal
mente aceitas.
D ■!: O R einado da A liança 257
33 Caso tenha nascido nos primeiros dias do reinado de Davi em Hebrom (1008), Absalão
devia estar com dezessete anos quando Salomão nasceu (991).
34 O texto massorético aqui diz "quarenta" ao invés de "quatro". Embora seja uma leitura
mais difícil de aceitar, o hebraico deve ser descartado em favor da tradução da
Septuaginta, o Siríaco, a Vulgata e Josefo. Ver McCarter, II Samuel, p. 355.
D kyi: O R einado da A liança 259
35 Se Absalão tinha nascido em cerca de 1008, como foi proposto acima, ele devia estar no
princípio de seus trinta anos em 976.
36 David F. Payne, I & II Samuel (Philadelphia: Westminster, 1982), p. 185.
260 H istória de I srael no A ntigo T estamento
37 Ver 1 Reis 1.32-40 para uma descrição da unção de Salomão. A narrativa de 1 Reis 1
indica que a conspiração de Adonias para impedir a ascensão de Salomão ao trono (vv.
5-10) chegou ao clímax exatamente antes da cerimônia de coroação. Isso foi cerca de
dois anos depois que Salomão tinha sido nomeado co-regente (1 Cr 23.1). Existem vári-
262 H istória de I srael no A ntigo T estamento
os fatores que corroboram nossa teoria dos acontecimentos, que incluem um período de
co-regência e uma clara ligação entre 1 Crônicas 29.22b com 1 Reis 1.32-40: (1) quando
Salomão foi ungido, foi reconhecido como rei "pela segunda vez" (1 Cr 29.22b); (2) A
unção de Salomão é mencionada apenas em 1 Crônicas 29.22b e 1 Reis 1.39, uma refe
rência que surge exatamente depois da rebelião de Adonias; (3) ambos os relatos da
coroação mencionam Zadoque. Embora não estivesse ligado a qualquer uma das ceri
mônias de unção, o próprio sacerdote Zadoque é ungido na ocasião quando Salomão
foi ungido (1 Cr 29.22b). De fato, 1 Reis descreve que Zadoque se torna o chefe dos
sacerdotes segundo o mandato de Salomão, depois da morte de Davi (2.35). Para os
problemas que surgem quando alguém deixa de admitir a existência de um intervalo de
tempo entre 1 Crônicas 29.22a e b, ver H. G. M. Williamson, 1 and 2 Chronicles, New
Century Bible Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), pp. 186-87.
0 5 A 0 S
T A
O Egito e a independência de Israel
As guerras contra os amonitas
A fon te histórica: a narrativa da sucessão
Considerações cronológicas
Davi e Mefibosete
A grande fome
A causa do conflito
Os aliados dos amonitas
Os arameus
Moabe e Edom
A derrota dos amonitas
A derrota de Edom
O início dos problem as fam iliares de Davi
A violação de Tamar
A vingança de Absalão
Jerusalém como centro do culto
Mélquiseãeque, Jerusalém e o sacerdócio real
Davi como sacerdote
A rebelião de Absalão
A ocasião
O exílio de Davi
A morte de Absalão
Os esforços de Davi para reconciliação
Proposta a Judá
Apelos feitos a Benjamim
M ais problem as para Davi
A rebelião de Seba
O infeliz recenseamento
O plano de Davi para construir um templo
Os motivos de Davi
A resposta de Yahzveh: a aliança davídica
A singularidade do reinado de Davi
Preparativos para o templo
A sucessão salomônica
A burocracia davídica
Militar
Civil
Religiosa
264 H istória de I srael s o A ntigo T estamento
0 E g ito e a in d e p e n d ê n c ia de Isra e l
1 Para uma discussão mais detalhada acerca do tema, ver Kenneth A. Kitchen, The Third
Intermediate Períod in Egypt (1100-650 B.C.) (Warminster: Aris and Phillips, 1973).
2 Donald B. Redford, "Studies in Relations Between Palestine and Egypt During the First
Millennium B.C. II. The Twenty-second Dynasty," JAOS 93 (1973): 4
3 A cronologia desse período no Egito é extremamente complicada, visto que as fontes
são bastante contraditórias e incompletas. De qualquer forma, é pouco relevante aqui se
o faraó em vista era Amenemope ou Siamum. Ver J. Cerny, "Egypt: From the Death of
Ramesses III to the End of the Twenty-first Dynasty," em Cambridge Ancient History, 3a
ed., editado por I.E.S. Edwards et al. (Cambridge: Cambridge University Press, 1975),
vol. 2, parrte 2, pp. 644-49.
4 Pierre Montet, Egypt and the Bible (Philadephia: Fortress, 1968), pp. 38-39.
0 * . t: O s A nos de L uta 265
; Ronald J. Williams, "The Egyptians," em Peoples of Old Testament Times, editado por D.J.
Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), pp. 94-95. Quanto às dificuldades cronológicas
referentes à identidade desse faraó, ver Redford, "Studies in Relations," JAOS 93 (1973):
5. Quanto à possibilidade do faraó ter sido Psusennes II, ver Abraham Malamat, "The
Kingdom of David and Solomon in Its Contact with Egypt and Aram Naharaim," em
Biblical Archaeologist Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr. e David Noel Freedman
(Garden City, N.Y.: Doubleday, 1964), vol. 2, p. 93.
' Ver especialmente J.R Fokkelman, Narrative Art and Poetry in the Books of Samuel, vol. 1,
King David (Assen: Van Gorcum, 1981), e a literatura nele citada. A visão com um acerca
da natureza e da extensão da narrativa da sucessão originou-se com Leonhard Rost, Die
Überlieferung von der Thronnachfolge Davids, BWANT 3.6 (Stuttgart: W. Kohlhammer, 1926).
Outros tratamentos bem interessantes do assunto estão em R. A. Carlson, David, the Chosen
266 H istória de I srael no A ntigo T estamento
King (Uppsala: Almquist & Wiksells, 1964); David M. Gunn, The Story of King David:
Genre and Interpretation, JSOT suplemento 6 (Sheffield: University of Sheffield, 1978);
Roger N. Whybray, The Succession Narrative: A Study of II Samuel 9-20 and 1 Kings 1 and 2,
Studies in Biblical Theology, 2a série, vol. 9 (Naperville, 111.: Alec R. Allenson, 1968);
Ernst Würthwein, Die Erzählung von derThronfolge Davis, Theologische Studien (B) 15
(Zurich: Theologischer Verlag, 1974). Nem todos os estudiosos concordam com as teses
e limites traçados por esses pesquisadores. De fato, alguns duvidam que tal unidade
independente sequer realmente existiu. Ver o alerta consciente de Peter R. Ackroyd,
"The Succession Narrative (so-called)," Interp. 35 (1981): 383-96. Tais debates, entretan
to, em nada afetam o valor do material histórico e da narrativa apresentada nesse traba
lho. Para uma análise positiva da narrativa como verdadeiramente histórica, ver Moshe
Weinfeld, "Literary Creativity," em World History of the Jewish People, vol. 5, The Age of
the Monarchies: Culture and Society, editado por Abraham Malamat (Jerusalém: Massada,
1979), pp. 41-43.
7 Quanto a um estudo interessante de algumas variedades de gênero dentro do corpus
maior, ver George W. Coats, "Parable, Fable and Anedocte: Storytelling in the
Succession Narrative," Interp. 35 (1981): 368-82. Coats presta uma atenção especial à
parábola de Natã (2 Sm 12.1-4), a qual ele prefere chamar de fábula, e à anedota
contada pela sábia mulher de Tecoa (2 Sm 14.5-7). David M. Gunn afirma que a real
existência de tais gêneros implica em uma base de transmissão oral para toda a com
posição e, portanto, determina a falta de confiabilidade histórica ("Traditional
Composition in the Succession Narrative," VT 26 [1976]:214-19). Quanto à uma res
posta convincente a esse argumento, embora bastante cético com respeito aos deta
lhes, ver John Van Seters, "Problems in the Literary Analysis of the Court History of
David," JSOT 1 (1976):22-29.
8 Whybray, Succession Narrative, pp. 19-21; J. Alberto Soggin, A History of Ancient Israel
(Philadelphia: Westminster, 1984), p. 43; Tomoo Ishida, "Solomon's Succession to the
Throne of David - A Political Analysis," em Studies in the Period of David and Solomon
and Other Essays (Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns, 1983), pp. 175-76; P. Kyle McCarter,
Jr. "Plots, True or False: The Succession Narratives as Court Apologetic," Interp. 35
(1981): 355-67. Quanto a pontos de vista contrários, ver Ishida, "Solomon's Succession,"
p. 175, n.2.
0v.;; Os A nos de L uta 267
Considerações cronológicas
Davi e Mefíbosete
O cenário cronológico da luta contra os amonitas, descrito em 2 Samuel
10, já foi tratado abreviadamente. Foi sugerido que o acontecimento deve
ter ocorrido logo assim que Davi tomou posse da cidade de Jerusalém
(1004), porque Hanum, filho de Naás, havia recentemente assumido o
poder em Amom. Outra pista cronológica é encontrada em 2 Samuel 9,
que muitos estudiosos consideram ser parte integral na ordem da narrati
va. O capítulo, que precede imediatamente o relato da guerra diz respeito
ao pedido de Davi quanto à possibilidade de haver algum sobrevivente
da casa de Saul, a fim de que pudesse exercer misericórdia em seu favor
por causa de Jônatas. Tal pedido poderia soar como um cinismo, já que era
do interesse de Davi cultivar uma boa política com os que apoiavam o rei
Saul, os quais ainda perfaziam um grande número em Israel. Mas qual
quer que tenha sido a intenção de Davi, um servo de Saul chamado Ziba
informou a Davi que o filho de Jônatas, Mefibosete, ainda estava vivo e
morando em Lo-Debar (Umm ed-Dabar?), cerca de dezesseis quilômetros
a sudeste do mar de Quinerete.10 Davi mandou buscá-lo, estabeleceu-lhe
uma pensão pública e instruiu o servo Ziba e sua família que o atendes
sem em todas as suas necessidades.11
Essa história, além de fundamentar a subseqüente aceitação de Davi
por parte dos benjamitas, auxilia a determinar alguns limites cronológi
cos. Um texto anterior, quase parentético, mostra que Mefibosete era da
idade de cinco anos quando Jônatas morreu em Gilboa. Naquela ocasião,
A grande fom e
A metade dos anos 990 parece o cenário perfeito para a terrível fome
que assolou a Palestina da época, e que se encontra registrada em 2 Samuel
21.1- 14. A razão por que tal episódio aparece nesse local do texto, ou seja,
fora da ordem cronológica, é que a história da fome encaixa-se melhor em
um outro acontecimento de natureza semelhante, e que está registrado no
capítulo 24. Tudo o que separa as duas histórias são resumos das guerras
filistinas (21.15-22), o cântico de louvor de Davi (22.1-51), o discurso de
despedida (23.1-7), e a lista de seus heróis (23.8-39). O plano do historia
dor, mais uma vez, é determinado por tópicos, e não por uma ordem cro
nológica.
Há várias razões para acreditar que o relato mencionado em 2 Samuel
21.1- 14 encaixa-se melhor entre a chegada de Mefibosete a Jerusalém e o
início das guerras contra os amonitas. Em primeiro lugar, a fome devas
tou a terra porque Saul feriu terrivelmente os gibeonitas (um evento não
mencionado de outra forma), o que representou uma brecha na aliança
estabelecida entre Josué e aquela cidade séculos antes (Js 9.15-20). Parece
pouco provável que a retribuição tivesse sido adiada até os últimos anos
de Davi. Além disso, o preço que os gibeonitas exigiram de Davi para que
a fome viesse a cessar, seria a morte de sete filhos de Saul ou netos. O
preço incluiria dois filhos de Rizpá, concubina de Saul, e cinco filhos de
sua filha Merabe.12 Os sete foram enforcados pelos gibeonitas no início da
colheita da cevada. Rizpá manteve-se junto aos cadáveres dia e noite até
que voltou a chover e a seca foi quebrada. A não ser que seja aceito aqui
12 O texto massorético aqui está escrito "Mical" em vez de "Merabe" (2 Sm 21.8), talvez,
como S. R. Driver sugere, um lapsus calami (cf. 1 Sm 18.19) (Notes on the Hebrew Text and
the Topography ofthe Books o f Samuel, 2a ed. [Winona Lake, Ind.: Alpha, 1984 reedição] p.
352). ,
D avi: O s A nos de L uta 269
A causa do conflito
Nesse tempo Naás, rei de Amom, morreu e foi sucedido por seu filho
Hanum. Infelizmente nenhum dos dois indivíduos foi registrado em fontes
extrabíblicas, de forma que não se pode conhecer mais nada acerca deles,
senão o que está escrito em Samuel e Crônicas. De fato, a história antiga dos
270 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Os arameus
Estava mais do que evidente a Hanum que havia ele cometido um gra
ve erro e que, a partir de agora, teria de buscar ajuda, caso ainda quisesse
13 Quanto a uma síntese geral, ver George M. Landes, "The Material Civilization of the
Ammonites," em Biblical Archaeologist Reader, vol. 2, pp. 69-88. Com respeito aos poucos
textos amonitas que restaram, nenhum é mais antigo do que a época da monarquia no
Israel unificado. Ver Dennis Pardee, "Literary Sources for the History of Palestine and
Syria II: Hebrew, Moabite, Ammonite, and Edomite Inscriptions," AUSS 17 (1979): 66
69. Ver também B. Oded, "Neighbors on the East," em World History ofthe Jewísh People,
vol. 4, parte 1, pp. 258-62.
D avi: O s A nos de L uta 27]
14 Para um relato sucinto sobre o relacionamento de Israel com seus vizinhos ao norte no
período de Davi, ver Benjamim Mazar, "The Aramaean Empire and Its Relations with
Israel," em Biblical Archaeologist Reader, vol. 2, pp. 131-33.
15 Merrill F. Unger, Israel and the Aramaeans of Damascus (Grand Rapids: Baker, 1980,
reedição), p. 42.
16 Albet Kirk Grayson, Assyrian Royal Inscriptions (Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1976),
vol. 2, #4, pp. 89-97.
17 D.J. Wiseman, "Assyria and Babylonia c. 1200-1000 B.C.," em CAH 2.2, pp. 466-67.
18 Yutaka Ikeda, "Assyrian Kings and the Mediterranean Sea: The Twelfth to Ninth
Centuries B.C.," Abr-Nahrain 23 (1984-85): 23.
H istória df. I srael no A ntigo T estamento
Moabe e Edom
Moabe, cuja opressão acabou culminando no surgimento do juiz Eúde,
no início do décimo terceiro século (Jz 3.12-30), aparentemente deslocou
ou viveu entre os israelitas da tribo de Rúben e Gade, ao leste do Jordão,
desde aquela época em diante. O território moabita era muito flutuante,
mas geralmente se localizava ao leste do Jordão, ao norte do rio Zerede e
ao sul do Arnom.22 E impossível saber qualquer coisa acerca da força e
estabilidade de Moabe nos anos que antecederam o rei Davi, mas é certo
que Gideão evitou a área sul do Jaboque, imediatamente a leste do Jordão,
quando perseguia os príncipes midianitas, o que talvez possa significar
que ele reconhecia no lugar um território dos moabitas. Davi, no início de
seu exílio (ca. 1020), enviou sua família para encontrar refúgio junto ao rei
de Moabe em Mispa, um local que infelizmente não pode mais ser identi
ficado (1 Sm 22.3,4). Sem as referências bíblicas, o reino dos moabitas des
se período permanece um mistério.23
Pouca coisa se sabe acerca de Edom.24 Esse reino, localizado nos pla
naltos relativamente isolados do leste e do sul do mar Morto, tinha sido
governado pela dinastia de reis desde Esaú. Moisés tinha passado pelo
lado de Edom; seus territórios foram postos de lado e não foram conquis
tados pelos israelitas na ocupação da Terra Prometida. A única referência
a Edom entre o período mosaico e o de Davi é 1 Samuel 14.47 que diz que
Saul lutou com Edom. Saul obteve alguma vantagem sobre os edomitas
porque alugou um assassino edomita chamado Doegue. Não é possível
determinar se isso implica em que Edom tenha sido um estado vassalo de
Israel.
24John R. Bartlett, "The Moabites and Edomites," em Peoples of Old Testament Times, edita
do por D.J. Wiseman, pp. 229-58.
25 Quanto ao problema de harmonizar as cifras em 2 Samuel 8 e 10 com o registro em 1
Crônicas 18, ver o trabalho de Eugene H. Merrill, "2 Samuel" em The Bible Knowledge
274 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Commentary, editado por John F. Walvoord e Roy B.Zuck (Wheaton, 111.: Victor, 1985),
vol. 1, pp. 465,467; Gleason L. Archer, Jr., Encyclopedia ofBíble Difficulties (Grand Rapids:
Zondervan, 1982), p. 184.
£)*«:: Os A nos de L uta 275
A derrota de Edom
sionar a queda, partiu para Edom com Joabe a fim de completar a con
quista iniciada por Abisai. Então os edomitas tornaram-se um estado tri
butário de Israel, mas antes a família real edomita conseguira escapar para
o Egito.
O in ício d o s p ro b le m a s fa m ilia re s d e D a v i
A violação de Támar
A vingança de Absalão
Je ru s a lé m co m o ce n tro d o cu lto
É quase certo que durante esse período (980-976) Davi tenha dado iní
cio ao seu programa de construções (2 Sm 5.9-12), o que incluiria, depois
de tudo pronto, os planos para a edificação do templo. É óbvio que no
reino de Davi houve construções, palácios e edifícios públicos; porém, os
envolvimentos com a expansão do império e os acontecimentos que asso
lavam sua família impediram a infra-estrutura impressiva característica
de um monarca de sua estatura. A reconciliação com Absalão deu-lhe a
oportunidade esperada, que era transformar a cidade de Jerusalém no cen
tro religioso e político.
Davi incumbiu Hirão, que tinha acabado de assumir o trono de Tiro,
uma cidade-estado na Fenícia, de prover os materiais e o pessoal especi-
278 H istória de I srael no A ntigo T estamento
31Ver, por exemplo, Artur Weiser, Psalms: A Commentary (Philadelphia: Westminster, 1962),
pp. 524-26. Isso em nada pretende significar um consenso. John G. Gammie defende a
idéia de que Salém não poderia ser Jerusalém, e que a tradição que envolve a pessoa de
Melquisedeque precisa encontrar suas raízes em outro local, quem sabe em Siquém, de
onde a tradição migrou para Siló, Nobe e, finalmente, Jerusalém ("Loci of the
Melchizedeck Tradition," JBL 90 [1971]: 385-96). Tal idéia vai radicalmente contra o que
está escrito no Salmo 76.2 e em outras passagens.
32Para vários pontos de vista, ver Leopold Sabourin, The Psalms: Their Origin and Meaning
(Staten Island, N.Y.: Alba House, 1974), pp. 360-62
33 Gerhard von Rad, Genesis: A Commentary, traduzido por John H. Marks (London: SCM;
Philadelphia: Westminster, 1961), pp. 173-76.
34 Georg Fohrer, History of Israelite Religion, traduzido por David E. Green (Nashville:
Abingdon, 1972), pp. 104-5.
35 Citado e convincentemente rejeitado por James A. Borland, Christ in the Old Testament
(Chicago: Moody, 1978), pp. 164-74.
D avi: O s A nos de L uta 28 1
36 Patrick Fairbairn, The Typology of Scripture (Grand Rapids: Baker, 1975 reedição), vol.l,
pp. 302-5.
37 Leslie C. Allen, Psalms 101-50, World Biblical Commentary (Waco: Word, 1983), pp. 78
87.
38 Sidney Smith, "The Practice of Kingship in Early Semitic Kingdoms," em Myth, Ritual
and Kingship, editado por Samuel H. Hooke (Oxford: Clarendon, 1958), pp. 22-73.
39 Roland de Vaux, Ancient Israel (New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 1, pp. 113-14.
40 Helmer Ringgren, The Faith of Qumran (Philadelphia: Fortress, 1963), p. 182.
282 H istória de I srael no A ntigo T estamento
41 Walter Zimmerli, Old Testament Theology in Outline, traduzido por David E. Green
(Atlanta: John Knox, 1978), pp. 88-93; Walter Eichrodt, Theology of the Old Testament
(Philadelphia: Westminster, 1961), vol. 1, pp. 446-47; Dennis J. McCarthy, "Compact and
Kingship: Stimuli for Hebrew Covenant Thinking/' em Studies in the Period of David and
Solomon and Other Essays, editado por Tomoo Ishida (Winona Lake, Ind.: Eisenbrauns,
1983), pp. 82-85.
42 A referência mais antiga a Zadoque o descreve ocupando um ministério sacerdotal em
Gibeão, e não em Jerusalém, pois há uma teoria que supõe que ele descendia de uma
linhagem sacerdotal cananéia, com origem provavelmente em Melquisedeque, que na
D w i: Os A nos de L uta 283
A re b e liã o de A b s a lã o
A ocasião
O exílio de Davi
pública das concubinas de seu pai, um ato que no antigo Oriente Médio
geralmente indicava a transferência de poder de um rei para outro.44 Ele
também formulou um plano para perseguir seu pai, a fim de remover qual
quer ameaça. O plano foi totalmente delineado por Aitofel, que aconselhou
Absalão a perseguir imediatamente Davi, enquanto este ainda estivesse fra
co e confuso. Mas, estando Absalão pronto para realizar o plano, Usai, que
já havia conquistado sua confiança, aconselhou-o de outra forma. Ele o per
suadiu de que seria tolice enfrentar o guerreiro experiente Davi com apenas
doze mil homens. Seria melhor esperar e juntar um exército forte o suficien
te para destruí-lo no campo de guerra ou retirá-lo de alguma fortaleza.
Este conselho pareceu melhor a Absalão, de forma que adiou a persegui
ção por um tempo. Então Usai enviou Jônatas e Aimaás, filhos de Abiatar e
Zadoque, ao acampamento de Davi, recomendando-lhe que cruzasse o
Jordão imediatamente, e buscasse refúgio em outro local. Aitofel, o conse
lheiro que ficou ao lado de Absalão, voltou para casa e enforcou-se.
Davi partiu para o leste de Maanaim (Tel edh-Dhahab el-Gharbi),45 no
Jaboque superior. Esta havia sido a capital de Is-Bosete, quando este ainda
reinava, mas é provável que Davi tenha sido bem recebido na cidade, em
conseqüência de sua misericórdia para com Mefibosete, o neto de Saul. Os
amigos da Transjordânia vieram em seu auxílio - inclusive Shobi, filho de
Naás, o rei dos amonitas (2 Sm 17.27). Sem dúvida, ele era irmão de Hanum,
o rei que havia tratado os embaixadores de Davi de forma vergonhosa. Shobi
provavelmente tentava desfazer o mal causado por seu irmão. Também é
claro que os amonitas eram um estado tributário de Israel, de forma que
não havia outra escolha.46 Maquir, de Lo-Debar, também chegou com mui
tos suprimentos. Uma vez que Mefibosete tinha vivido com este bom ho
mem antes de Davi o tomar, a generosidade de Maquir é mesmo compreen
sível. O último benfeitor foi Barzilai, de Rogelim (Bersinya),47 um vilarejo
19 quilômetros a sudoeste de Lo-Debar, local desconhecido. Ele mostrou
favor ao rei, e foi convidado a voltar com Davi para Jerusalém.
A morte de Absalão
O s e s fo rço s de D a v i p a ra re c o n c ilia çã o
Proposta a Judá
48 Uma interpretação fascinante do processo que envolveu o retorno de Davi, ver Hayim
Tadmor, "Traditional Institutions and the Monarchy: Social and Political Tensions in the
288 H istória de I srael no A ntigo T estamento
Quando ficou claro para toda a nação que Judá se associara novamente
a Davi, Simei e Ziba, líderes de Benjamim, conduziram uma caravana de
sua tribo para reconciliar-se com o rei. Embora Abisai estivesse ansioso
por matar Simei em razão de ter este amaldiçoado abertamente o rei, Davi
viu na ocasião uma oportunidade para curar a ferida entre Benjamim e
Judá, e todo o restante de Israel, de forma que o deixou viver.
Agora surge no cenário o jovem Mefibosete. Ziba, em ocasião anterior,
acusou-o de traição ao rei. Quando Davi dirigia-se para Jerusalém,
Mefibosete rapidamente foi explicar ao rei que havia sido mal interpreta
do. Tinha a intenção de unir-se ao rei, mas não podia fazê-lo devido à
incapacidade física. Mais uma vez Davi mostrou sua habilidade diplomá
tica, e não apenas restaurou o jovem Mefibosete à sua corte, mas também
perdoou o servo mentiroso Ziba.
Tão bem-sucedidos foram os esforços de Davi em favor da reconci
liação que Judá e as outras tribos passaram a discutir acerca de quem
era, de fato, a tribo mais fiel, e quem mais tinha se pronunciado a favor
do rei. Judá argumentava que tinha maior ligação com Davi por causa
do mesmo sangue, mas Israel protestou afirmando que eram dez tri
bos, enquanto Judá era somente uma e, além disso, eles haviam toma
do a iniciativa de devolver ao rei o trono. Assim, Davi conseguiu har-
Time of David and Solomon," em Studies in the Period ofDavid and Solomon, editado por
Tomoo Ishida, pp. 247-50.
49 Embora Gilgal fosse considerada um local estratégico de reuniões, visto que estava muito
próxima do Jordão, deve-se observar o fato de que a monarquia de Davi está sendo
reafirmada no mesmo local em que Saul tinha feito, pela primeira vez, a aliança real
com a nação (1 Sm 11.14,15).
D avi: O s A nos de L uta 289
M ais p ro b le m a s p a ra D a v i
A rebelião de Seba
O infeliz recenseamento
O p la n o de D a v i p a ra c o n s tru ir u m te m p lo
Os motivos de Davi
50 Quanto ao problema destes e outros números altos, ver J. W. Wenham, "Large Numbers
in the Old Testament," Tyn Bull 18 (1967): 19-53, esp. 33-34.
£)v. /: Os A nos de L uta 29 1
da até que tivesse construído uma apropriada habitação.51 Se isto era ver
dade sobre os reis humanos, quanto mais o seria sobre os deuses, que,
afinal, eram os verdadeiros reis sob os quais os governadores serviam! De
fato, estudos etimológicos indicam que a palavra hebraica "templo" está
relacionada com palácio. Os sumerianos chamavam seu templo de E.GAL
("grande casa"), que foi trazida para o hebraico (hêkal) por meio do acadiano
(ekallu). Até mesmo o templo de Yahweh era considerado não apenas um
lugar para se oficiar cerimônias religiosas, mas também o palácio no qual
Ele, o Soberano do céu e da terra, vivia entre seu povo.52
Além disso, embora parecesse prático para Yahweh habitar em uma
tenda durante os dias da peregrinação no deserto, o fato é que por cerca
de quatrocentos anos a nação já estivera estabelecida na terra. Por que,
perguntava Davi, Yahweh precisaria ainda morar em uma tenda, refletin
do um período de transição já ultrapassado pela nação? Assim como seu
povo, Yahweh entrou em Canaã para morar e, sendo assim, poderia habi
tar em um palácio majestoso o suficiente para expressar sua grandeza,
manifestando sua autoridade e soberania sobre todos os outros deuses.
53 Walter C. Kaiser, Jr., Toiuard an OU Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1978),
pp. 149-64; Talmon, "Biblical Idea," em The Bible World, pp. 247-48.
54 Moshe Weinfeld, "The Covenant of Grant in the Old Testament and in the Ancient Near
East," JAOS 90 (1970): 184-203, esp. 185-86. E. Theodore Mullen, Jr., diz que entre os
hititas tais concessões tinham de ser feitas diante de uma testemunha divina. Mullen
sugere que, embora esse detalhe esteja faltando em 2 Samuel 7 e em 1 Crônicas 17, o
mesmo não ocorre no Salmo 89.37 (v. 38 no texto hebraico), um oráculo real cujo propó
sito, diz ele, é interpretar o oráculo de Natã ("The Divine Witness and the Davidic Royal
Grant: Ps 89.37-38," JBL 102 [1983]: 207-18).
55 Kaiser, Toward an Old Testament, pp. 152,16(1-62.
D \ ' í : O s A nos d l L uta 293
No Salmo 2 Davi descreve-se como o "ungido" (v. 2), que foi gerado como
seu filho (v. 7), e que reinará sobre todas as nações da terra (vv. 8-9). Tal
descrição dificilmente se encaixaria com um rei puramente humano, mas
apenas com aquEle que, como Davi, havia sido especialmente separado
n n r Y a h w p h 56 D p f o r m a s e m e l h a n t e n o S a l m o 1 8 D a v i fala dp rp in a r «n-
bre um povo que não o conheceu pessoalmente (v. 43), e de ser o recipien
te da hesed de Yahweh ("bondade") para todo o sempre (v. 50). O Salmo 45
celebra o casamento do rei e assegura que Deus o ungiu, de forma que ele
permanece exaltado sobre os demais (v. 7). No Salmo 72 o rei Salomão fala
do reinado eterno e universal do rei (vv. 8-11); o nome do rei permanecerá
para sempre e nele serão abençoadas todas as nações (v. 17). Davi, no Sal
mo 101, assume o papel que pertence ao próprio Yahweh na função de
juiz moral e espiritual. Ele reivindica as prerrogativas que, de outra ma
neira, são reservadas exclusivamente a Deus (vv. ^
E no Salmo 110 que os dois ofícios de Davi - rei e sacerdote - são vistos
justapostos.5657 Sua adoção por Yahweh é clarahrente expressa nos versículos
1 e 2, e lhe são feitas promessas de vitória sobre todos os inimigos em
virtude desta ligação. Então, ele passa à ser descrito como um sacerdote
eterno segundo a ordem de Melquisedeque (v. 4). Finalmente, Davi (i.e.,
Cristo) julgará todas as nações e levantará sua cabeça em um último triun
fo (vv. 5-7).
A resposta de Davi à promessa incondicional de Deus para ele e Isra
el nesta concessão real é muito importante. Ele estava espantado por
Yahweh tê-lo escolhido dentre todo o povo, tratando-o como se fosse o
mais exaltado de todos (1 Cr 17.17). Sentia-se perplexo porque a escolha
feita por Deus seria,perpétua, ou seja, pertenceria aos seus descendentes
(2 Sm 7.19). Tudo isso, ele diz, tem sido feito pelo único Deus, que graci
osamente escólheu e redimiu o seu povo Israel como sua propriedade
peculiah Finalmente, ele ora para que Deus se lembre dele e de sua casa
para1sempre, uma oração na qual Davi se mostra confiante da resposta
de Deus (1 Cr 17.27). O mesmo sentimento ecoa nas últimas palavras (2
Sm 23.1-7) de Davi:
X XXX LXXLX X| 11 . .. X X I , 1 1 , LIA '_XI . 1L.l XLXLXX .11_J XI L1X1 LXX LX \_XXXXL LA X. X . ._>,
56 Peter C. Craigie, Psalms 1-50, Word Biblical Commentary (Waco: Word, 1983), pp.
65-69. '
57 Samuel Terrien, The Elusive Presence (New York: Harper and Row, 1978), pp. 295-98.
294 H istória de I srael no A ntigo T estament>:
Fora de questão, Davi sabia que Deus o tinha escolhido por sua exclu
siva soberania, como um instrumento através do qual Ele traria as bên
çãos temporais e eternas sobre o mundo.
58 Que aqui temos, sem dúvida, uma solenidade de co-regênda, fica claro pelo fato que
Davi, noutra ocasião mais à frente, refere-se a Salomão como sendo o escolhido de Deus
(1 Cr 29.1) e que Salomão foi feito rei "pela segunda vez" (v. 22). Ver em Leon J. Wood,
Israel’s United Monarchy (Grand Rapids: Baker, 1979), pp. 276-77; E. Ball, "The Co-Regency
of David and Solomon (1 Kings 1)" VT 27 (1977): 268-79.
59 Tryggye N.D. Mettinger chega mesmo a dizer que o templo era "céu sobre a terra."
Embora seus paralelos extraídos da antiga mitologia do Oriente Médio possam ser ques
tionados, sua posição ao referir-se ao templo como a localização terrena de uma habita
ção divina celestial não estaria longe da verdade ("YHWH SABAOTH - The Heavenly
King of the Cherubim Throne," em Studies in the Period of David and Solomon, editado
por Tomoo Ishida, pp. 119-23).
296 H istória de I srael no A ntigo Testamento
A s u c e ss ã o s a lo m ô n ic a
Cerca de dois anos mais tarde, o jovem Salomão foi trazido diante do
povo para a cerimônia pública de coroação. Salomão já havia sido desig
nado como o sucessor pelo próprio Davi, mas era necessário que sua pos
se fosse solenizada e ratificada. Um procedimento semelhante havia ocor
rido com Saul e Davi. Haviam sido escolhidos particularmente em uma
ocasião, e investidos da autoridade diante do povo em outra. O cronista
diz que Salomão estava sendo reconhecido como rei pela segunda vez, e
agora era ungido diante de Yahweh (1 Cr 29.22b). Foi ordenado que todos,
o povo e os oficiais, prometessem obediência e submissão ao novo rei,
incluindo os próprios filhos de Davi (1 Cr 29.23,24).
A impressão comunicada pelo cronista é que a transferência de poder
de Davi para Salomão ocorreu tranqüilamente e sem qualquer oposição.
Mas este não foi o caso, como o escritor de 1 Reis esclarece. O cronista
normalmente estava interessado em resultados básicos, não nas circuns
tâncias ou ações pelos quais se concretizavam. Isto é verdadeiro especial
mente em relação à área política, pois o cronista preocupava-se primaria
mente com as questões do templo e do culto.
Segundo alguns estudiosos, os primeiros dois capítulos de 1 Reis estão
ligados à sucessão da narrativa de 2 Samuel 9-20, porque a ordem da nar
rativa fica sem sentido sem essa conexão.60 O cenário inicial de 1 Reis 1-2
são os últimos dias do rei Davi, com ênfase nos dias entre a co-regência de
Salomão como sucessor (1 Cr 23.1) e a formalização de seu reinado, na
cerimônia de coroação (1 Cr 29.22b-24). Agora, Davi estava velho e sem
condições para conduzir os negócios do reino. Ele havia iniciado os pre
parativos da construção do templo, adquirindo a mão-de-obra e os mate
riais necessários. Também todos estavam cientes de que seu filho Salomão
o substituiria no trono e concretizaria a obra de construção do templo.
A notícia da escolha oficial de Salomão não agradou a todos, particu
larmente a seu irmão Adonias, que pensava ter maior direito ao trono.
Salomão, afinal, não era o filho mais velho, e pelo costume não poderia
esperar suceder a seu pai. O mais velho, Amnom, havia sido assassinado
por seu irmão Absalão. E este, o próximo herdeiro (Quileabe, o segundo
mais velho, desapareceu de cena), morreu em uma rebelião fracassada.
Adonias era o quarto filho de Davi e o mais velho sobrevivente. Salomão
era quinze anos mais novo do que Adonias; além disso, era fruto de uma
união no mínimo escandalosa. Apesar disso, Salomão foi amado por
Yahweh desde seu nascimento (2 Sm 12.24), e ficou claro para Davi desde
aquele tempo que Salomão reinaria em seu lugar (1 Cr 22.9-10).
Quando se tornou óbvio para Adonias e os seus seguidores que Davi
tornaria pública a escolha oficial de Salomão, imediatamente tomou me
didas preventivas. Ajuntou um contingente militar, sem fazer evidente
mente qualquer alarme, e alistou como conspiradores Joabe e Abiatar. Es
tes, juntamente com os demais irmãos e outros oficiais, reuniram-se em
En-Rogel (Bir Ayyub), próximo à junção dos vales do Quidrom e Hinom.
Lá aclamaram Adonias como o novo rei (1 Rs 1.9,11,18).
O profeta Natã descobriu a conspiração e, por meio de Bate-Seba, in
formou a Davi o que estava acontecendo. Natã entrou na câmara real e
confirmou todas as palavras de Bate-Seba, asseverando a Davi que qual
quer hesitação em tomar uma atitude significaria que seus planos de fazer
Salomão o rei seriam em vão, pois Adonias usurparia o trono. Assim, Davi
convocou o sacerdote Zadoque e outros homens que ainda lhe eram leais,
e imediatamente ordenou-lhes que tomassem providências para coroar
Salomão em Giom, que ficava no vale do Quidrom, pouco ao norte de En-
Rogel.
De acordo com as ordens de Davi, Zadoque, Natã e os outros oficiais
escoltaram Salomão, que foi carregado na mula oficial do rei Davi até
Giom, onde Zadoque formalmente o ungiu rei. O povo, embora reunido
às pressas e talvez em pequeno número, reconheceu com alegria e sole
nidade a liderança de Salomão, prometendo servi-lo (1 Rs 1.39,40; 1 Cr
29.22). Os sons da festividade e aclamação do rei Salomão chegaram aos
ouvidos de Adonias e seus conspiradores, que ainda celebravam a coro
ação de Adonias não muito distante daquele local. Naquele momento,
um mensageiro foi até Adonias dizer-lhe que a conspiração havia fracas
sado, pois Salomão tinha sido coroado com a sanção de Davi e da maio
ria do povo. Os seguidores de Adonias fugiram enquanto ele próprio
apegou-se ao altar no monte Sião em busca de refúgio contra a ira de
Salomão. Porém o rei Salomão perdoou-lhe a terrível ofensa, e o convi
dou para as festividades da sucessão. De acordo com o cronista, "todos
os príncipes, os grandes e até todos os filhos do rei Davi prestaram ho
menagens ao rei Salomão" (1 Cr 29.24).
298 H istória de I srael no A ntigo T estamento
A b u ro c ra c ia d a v íd ic a
Militar
61 Para uma visão mais abrangente, ver S. Yievin, "Administration," World History of tbe
]ewish People, vol. 5, pp. 147-71.
D w i: O s A nos de L uta 299
Civil
Religiosa
62 P. Kyle McCarter, Jr., II Samuel, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1984), pp.
253-54, juntamente com outros estudiodos, sugere que 2 Samuel 8.17 está corrompido,
devendo ser lido "Abiatar, filho de Aimeleque." Isto é pouco provável, já que em outra
passagem Zadoque e Aimeleque são alistados como co-sacerdotes (1 Cr 24.3,31), e
Aimeleque é identificado como um filho de Abiatar (1 Cr 24.6). Para uma forte defesa
em favor de nosso ponto de vista, o de que Abiatar foi substituído por seu filho por um
tempo e depois reapareceu em cena, ver Cari F. Keil e Franz Delitzch, Biblical Commentary
on the Books of Samuel (Grand Rapids: Eerdmans, 1960 reedição), pp. 355-67.
63 Quanto a função dos sacerdotes, levitas e pessoal especializado do templo, no período
de Davi, ver de Vaux, Ancient Israel, vol. 2, pp. 372-86.
D w i : O s A nos de L uta 301
O s p ro b le m a s d a tra n siç ã o
ceu Jerusalém como o centro político e religioso da nação. Esta última con
tribuição foi a mais importante de todas, pois simbolizava a fusão entre as
tradições patriarcais e sinaíticas e a noção de monarquia humana divina
mente estabelecida. Davi chegou ao entendimento de que era como um
filho adotivo de Yahweh, que não apenas reinava sobre seu povo, mas
também o representava. Ele conseguiu persuadir a nação desta verdade, e
assim a preparou para assumir seu papel histórico e escatológico como a
nação serva, por meio da qual os povos da terra buscariam a salvação.
A deslealdade de Joabe
A deslealdade de Abiatar •
1 Quanto à defesa dessa genealogia, ver Eugene H. Merrill, "1 Chronicles," em The Bible
Knowledge Commentary, editado por John E Walvoord e Roy B. Zuck (Wheaton, 111.: Victor,
1985), vol. 1, p. 613; Carl F. Keil e Franz Delitzsch, Biblical Commentary on the Books of
Samuel (Grand Rapids: Eerdmans, 1960 reedição), pp. 39-40. Até mesmo Frank M. Cross
admite que "o cronista traça a descendência de Zadoque ao sacerdote aronida Eleazar, e
Abiatar ao sacerdote aronida It&max"(Canaanite Myth anã Hebrew Epic [Cambridge:
Harvard University Press, 1973], p. 196).
306 H istória de I srael no A m ig o T estamextg
2 Roland de Vaux argumenta que este é o significado tencionado pelo cronista (Ancient
Israel [New York: McGraw-Hill, 1965], vol. 2, pp. 373-74).
Salomão: D o P i .x áculo ao P erigo 307
O c o n c la v e e m G ib e ã o
4 Em acréscimo, conforme Jacob M. Myers observa, Zadoque ainda estava associado com
Gibeão, e pode ter insistido com Salomão para buscar Yahweh naquele local (II Chronicles,
Anchor Bible [Garden City, N.Y.: Doubleday, 1965], p. 6).
5 Roddy L. Braun observa que o cronista começa todo seu relato de Salomão afirmando
que ele tinha sido eleito por Deus para construir o templo (1 Cr 22. 28,29), como que esta
tivesse sido a função mais importante em toda sua vida ("Solomon, the Chosen Temple
Builder: The Significance of 1 Chronicler 22, 28 and 29 for the Theology of Chronicles,"
JBL 95 [1976]: 581-90). ”
Salomão: D o P ináculo ao P erigo 309
R e la çõ e s in te rn a c io n a is
Israel e Tiro
Israel e o Egito
Egito. Este era Siamum, da 21a Dinastia, que reinou de 978 a 959. Embora
Siamum estivesse basicamente preocupado com negócios internos, sabe-
se que nutria algum interesse pela Palestina, conforme visto em alguns
relevos que o ilustram em uma pose de vencedor sobre um grupo de pri
sioneiros. Estes podem ser identificados como os filisteus, em razão de
segurarem um machado duplo típico do Egeu e do oeste da Anatólia.9
Talvez estes filisteus tenham sido subjugados quando, segundo o registro
em 1 Reis 9.16, faraó atacou e capturou a cidade de Gezer, incendiando-a e
matando seus habitantes cananeus. A data dessa campanha anti-filisteus
não é revelada. Já foi sugerido (pág.265) que, se Davi colaborou nessa cam
panha, uma data pouco depois de 978 não seria improvável. Se, por outro
lado, Davi não participou, a destruição de Gezer provavelmente ocorreu
nos últimos anos de seu reinado, quando ele estava ocupado com outros
problemas internos, como a praga que devastou milhares em conseqüên-
cia de ter ele levantado um censo.10
De qualquer forma, Siamum logo percebeu que Salomão estava se tor
nando o monarca de um reino que lhe seria rival ou mesmo mais forte em
poder e influência. Portanto, decidiu por uma política de bom relaciona
mento e diplomacia com o jovem monarca, ainda que tivesse de reconhe
cer que Salomão lhe era igual em poder.11 Isto se confirma pelo fato de
entregar a sua própria filha como esposa a Salomão, uma concessão quase
que sem paralelo em toda história egípcia, visto que representava o reco
nhecimento da fraqueza do Egito e sua conciliação. Normalmente os reis
do Egito tomavam princesas estrangeiras, mas jamais davam suas própri
as filhas a outros reis.12
9 Pierre Montet, Egypt and the Bible (Philadelphia: Fortress, 1968), pp. 36-39. Contra essa
interpretação do relevo de Tanis, ver Alberto R. Green, "Solomon and Siamum: A
Synchronismo Between Dynastic Israel and the Twenty-first Dynasty of Egypt/' JBL 97
(1978): 363-64. Contudo, Green ainda considera Siamum como sogro de Salomão.
10 Abraham Malamat aceita que a conquista de Gezer possa ter precedido a total regência
de Salomão ("A Political Look at the Kingdom of David and Solomon and Its Relations
with Egypt," em Studies in the Period of David and Solomon, editado por Tomoo Ishida, p.
198).
11 O prestígio de Salomão era tão grande que as práticas de administração egípcias passa
ram a ser feitas nos moldes das que eram praticadas em Israel. Ver Alberto R. Green,
"Israelite Influence at Shishak's Court?" BASOR 233 (1979): 59-62.
12 Alan R. Schulman/'Dilomatic Marriage in the Egyptian New Kingdom,"/NES 38 (1979):
190-91. H. Darrell Lance sugere que Gezer pertencia ao Egito no início do reinado de
Salomão e que um ataque malsucedido de Siamum contra Salomão permitiu com que a
cidade ficasse sob a autoridade do monarca israelita. A "dádiva" da cidade como um
S alomão: D o P ináculo ao P erigo 3 11
A razão para este acordo pode estar baseada no medo que Siamum
sentia quanto ao tratado existente entre Israel e Tiro, o que podia fazer
Salomão voltar-se contra o Egito. Também há possibilidade de que o rei
do Egito estivesse interessado em usar Salom ão como uma força
neutralizadora contra os filisteus, pois eram inimigos do Egito e amea
çavam-nos devido à posição fronteiriça que ocupavam ao nordeste. Po
rém, o mais próximo da verdade é que Siamum conhecia muito bem as
transformações militares que aconteciam na Assíria, e que tais modifica
ções estavam criando um império ao oriente. Uma aliança com Salomão
faria de Israel um estado tampão entre o Egito e a Assíria, e que se esten
deria até o rio Eufrates.
As preocupações com o poderio da Assíria eram bem fundadas. Cem
anos antes, o rei assírio Tiglate-pileser I havia intimidado a Síria e a Fenícia
o suficiente para fazer duras exigências ao Egito.13 E verdade que a Assíria
havia entrado em um período de declínio, principalmente por causa das
dificuldades com os arameus. Mas estava evidente que a Assíria se consti
tuiria em uma séria ameaça para todo o mundo mediterrâneo oriental.
Isto não se cumpriria nos anos de Salomão e Siamum, mas a possibilidade
fez Israel e Egito entrarem em um acordo, pelo menos enquanto Salomão
reinou sobre Israel.
Como parte dos procedimentos legais do casamento, Faraó cedeu a
cidade de Gezer como dote por sua filha. Gezer situava-se no caminho
entre o porto de Jope e Jerusalém. Visto que os materiais enviados de
Hirão para Salomão tinham de desembarcar naquele local, e que transi
tavam sem qualquer obstáculo, conclui-se que Gezer estava sob o domí
nio de Salomão na época da construção do templo. Duas considerações
cronológicas precisam ser observadas a fim de datarmos o acordo entre
Siamum e Salomão e o casamento envolvido. A construção do templo
teve início em 966, no quarto ano de Salomão; este evento deve ter segui
do a aquisição de Gezer por Salomão. Sabe-se também que a morte de
Simei aconteceu em 967, o terceiro ano do reinado de Salomão (1 Rs 2.39).
Esses e outros fatos testificaram a autoridade e controle de Salomão so
bre seu reino (1 Rs 2.46), e provavelmente fizeram Siamum perceber o
poderio do monarca de Israel.
dote foi, na verdade, um presente sobre o qual Siamum não tinha controle ("Gezer in
the Land and in History," BA 30 [1967]: 34-47).
13 D.J. Wiseman, "Assyria and Babylonia c. 1200-1000 B.C.," em Cambridge Ancient History,
3a edição, editado por I.E.S. Edwards et al. (Cambridge: Cambridge University Press,
1975), vol. 2, parte 2, p. 461.
312 H istória de I srael ko A ntigo T estamento
O s p ro je to s d e c o n s tru ç ã o de S a lo m ã o
O templo
Construção e desenho
Uma vez que Salomão obtinha um firme controle do reino, voltou-se
para o extenso programa de construções, iniciando com a construção do
templo. Davi já havia comprado a eira de Araúna — o local separado por
Deus — e o rei ordenara que o terreno fosse totalmente limpo a fim de
começar a obra. Ele também preparou os materiais da construção, particu
larmente blocos de pedras trabalhadas e metais preciosos, e fez acordos
com os fenícios para o fornecimento de madeira para construção. Tudo o
que Salomão precisava fazer era reunir os materiais e construtores no mes
mo local, e dar início à obra.
Hirão foi informado de que tudo estava pronto, então começou o envio
de madeiras para a construção, conforme havia prometido. Salomão en
viou-lhe os gêneros alimentícios acordados e outros bens como forma de
pagamento. Também foram convocados trinta mil cortadores de lenha para
que mensalmente, em turnos de dez mil homens, fossem auxiliar os traba
lhadores de Hirão no Líbano. Setenta mil carregadores foram destacados
para o serviço, mais oito mil cortadores de pedras. Todos os trabalhadores
foram supervisionados por três mil e trezentos homens que respondiam
diretamente a Adonirão, o oficial encarregado dos trabalhadores forçados
(1 Rs 5.13-18).14
Infelizmente, apesar da grande quantidade de informações nas fontes
em relação às especificações e aparência do templo, é impossível reprodu
zi-lo em detalhes.15 O estilo da construção se assemelha ao tabernáculo
construído por Moisés e aos antigos templos do Oriente Médio em ge
ral,16 mas além disso suas características têm de ser, em grande parte, fru
to da imaginação estrutural, artística e arquitetônica, baseada nos dados
esparsos e ininteligíveis do texto. Apesar disso, o templo era sem dúvida
A aparição áo Senhor
Quando o prédio estava terminado e sua mobília já instalada, manufa
turada sob a supervisão de Huram-Abi, Salomão providenciou para que a
arca da aliança fosse trazida do tabernáculo de Davi, no monte Sião, para
seu novo local de habitação no monte Moriá (1 Rs 8.1-11).17 Com reverên
cia, os anciãos, sacerdotes e o rei uniram-se em procissão com a arca da
aliança, oferecendo muitos sacrifícios pelo caminho. Uma vez que a arca
foi depositada no Santo dos Santos, atrás do véu, e os sacerdotes se retira
ram do local, todo o prédio foi preenchido com a nuvem da presença de
Yahweh. Este era um sinal de que Deus aprovara a obra de Davi e Salomão;
este templo era o símbolo visível de sua residência entre o seu povo.
Salomão respondeu a essa evidência da presença localizada de Deus
comparando a forte passagem da nuvem com a divina possessão do tem
plo. Naquele momento, sendo ele o mediador real e sacerdotal do povo,
voltou-se para a multidão e a abençoou como havia feito seu pai, na oca
sião em que a arca foi trazida para o tabernáculo em Sião. A bênção con
sistia em reconhecer que a promessa de que o filho de Davi construiria o
templo havia sido cumprida. Salomão demonstrou que nele se cumpria
a expressão dinástica da aliança que Yahweh havia feito com seu pai (1
Rs 8.20). Agora sentava-se no trono de Davi, e como rei providenciara
um local para que a arca da aliança, o símbolo do trabalho redentor de
Deus para com seu povo, pudesse descansar. Assim ele liga a aliança
mosaica, na qual um povo escravizado havia sido escolhido e libertado,
à aliança davídica, em que um rei messiânico havia sido chamado para
estabelecer uma linhagem que um dia reinaria sobre toda a terra.18
17 Richard E. Friedman argumentou com firmeza que o próprio tabernáculo foi removido
e colocado dentro do templo ("The Tabernacle in the Temple," BA 43 [1980]: 241-48).
18 Gray, I & II Kings, p. 213.
314 H istória nF. I srael no A ntigo T estamento
O palácio real
19 A real função de Salomão nos sacrifícios não está claramente definida, como foi no caso
de Davi quando comandou a procissão trazendo a arca para Jerusalém (2 Sm 6), mas
está claro, apesar disso, que Salomão está incumbido de alguns aspectos do culto. Ver
Dennis J. McCarthy, "Compact and Kingship: Stimuli for Hebrew Covenant Thinking,"
em Studies in the Period of David and Solomon, editado por Tomoo Ishida, p. 81-82.
S momão : D o P íkácvi.o ao P erigo 315
Outros projetos
20 David Ussishkin identifica pelo menos seis estruturas separadas, algumas das quais
foram unidas em complexos ("King Solomon's Palaces," BA 36 [1973]:78-105).
21H. G. M. Williamson, I and 2 Chronicles, New Century Bible Commentary (Grand Rapids:
Eerdmans, 1982), p. 231.
22 Kathleen Kenyon, Jerusalem (New York: McGraw-Hill, 1967), pp. 56-58.
316 H istória de I srael .wo A wtigo T estamento
R u p tu ra s n o im p é rio de S a lo m ã o
23 Ibid., pp. 50-51. Para uma visão contrária — que os terraços devem ser identificados
com os "campos do vale do Quidron" (sadmôt qidrôn — 2 Rs 23.4) e não com Milo — ver
Lawrence E. Stager, "The Archaeology of the East Slope of Jerusalem and the Terraces of
the Kidron," JNES 41 (1982): 111-21.
24 Ver, respectivamente, Yigael Yadin, "Excavations at Hazor (1955-1958)," em The Biblical
Archaeologist Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr., e David Noel Freedman (Garden
City, N.Y.: Doubleday, 1964), vol. 2, p. 199; Yadin, "New Light on Solomon's Megiddo,"
em The Biblical Archaeologist Reader, vol. 2, pp. 240-43; Yohanan Aharoni, "The Stratification
of Israelite Megiddo," JNES 31 (1972): 302-11; William G. Dever, "Gezer Revisited," BA
47 (1984): 206-18.
25 Quanto às evidências arqueológicas das fortificações de Salomão no Negueve, ver Rudolph
Cohen, "The Iron Age Fortresses in the Central Negev," BASOR 236 (199): 77-78.
Salomão: D o P ináculo ao P erigo 317
estavam localizadas.26 Isto não surpreende, uma vez que nas guerras con
tra os amonitas Davi reduziu boa parte dos reinos da Síria e Transjordânia
à condição de vassalos ou de província. E não há indicação de alguma
mudança durante a fase depressiva do reinado de Davi. Certamente o im
pério foi passado para Salomão intacto. Além disso, as alianças feitas por
Davi com os estados amigos de seu reino, tais como Tiro, não só foram
preservadas por Salomão como também fortalecidas. Além disso, é claro,
ele cultivou importantes relacionamentos, como aquele com o Egito.
O princípio do declínio
A independência de Edom
Rezim de Damasco
A rebelião de feroboão
A fo rm a d e g o v e rn o de S a lo m ã o
A pátria
Surge então a pergunta: pode o termo império ser aplicado à hegemonia
israelita do décimo século?31 Se por "império" entende-se uma vasta exten
são territorial, não. Mas, se o significado for uma relativa expansão territorial
que impõe um domínio sobre países e povos, incorporando-os ao estado
dominante, então os reinos de Davi e Salomão enquadram-se perfeitamen
te na descrição.32 Porém, uma linha de raciocínio frutífera poderia conside
rar as várias esferas de influência política que Davi e Salomão exerceram. A
primeira é a própria terra. Israel, sob o domínio de Davi, conseguiu fazer a
transição política de um agrupamento desunido e, muitas vezes, isolado
uns dos outros, para uma nação definida, caracterizada por um forte gover
no central, e uma presença diplomática e militar unificada entre as nações
31 Quanto aos termos descritivos para as várias fases do estado israelita e suas ramifica
ções sócio-políticas, ver a obra de Malamat, "A Political Look," em Studies in the Period
of David and Solomon, editado por Tomoo Ishida, pp. 192-97.
32 Um estudo que trata da profundidade do termo "império" foi feito por Carol L. Meyers,
"The Israelite Empire: In Defense of King Solomon," Michigan Quarterly Review, 22 (1983):
415-16.
H istória de I srael no A ntigo T estamento
As províncias
Sob o domínio de Salomão, Israel não incorporou formalmente, sob
sua jurisdição, as terras que estavam fora de suas fronteiras tradicionais.
Salomão herdou de Davi um complexo de províncias consistindo em rei
nos e estados imediatamente contíguos a Israel. Esses incluíam Damasco,
Amom, Moabe, Edom e outros principados menores. Como províncias,
tais áreas não eram consideradas partes integrais da terra, mas, apesar
disso, perdiam sua soberania nacional e ficavam sob o controle de Salomão,
por meio de governadores ou outros subordinados. As províncias eram
obrigadas a pagar tributos e taxas, e esperava-se delas que defendessem
Israel contra as hostilidades externas. Em troca, podiam esperar a prote
ção e os benefícios do governo central.33
Estados vassalos
A terceira esfera de influência política, e a que melhor define o termo
império, tornando-o aplicável ao Israel de Salomão, foi o complexo de esta
dos vassalos mais distante e menos rígido. Essas nações clientes — inclu
indo Zobá, Hamate, Arábia e possivelmente a Filístia — foram trazidas
para debaixo do domínio de Israel por meio da diplomacia internacional
ou mediante a força militar. Contudo, seja por um ou outro meio, tais esta
dos vassalos possuíam certo grau de autonomia, incluindo governantes
nativos e política fiscal interna. Eram obrigados a reconhecer a suserania
do rei de Israel, providenciar os pagamentos das taxas de bens e serviços
ao rei em datas definidas em um calendário e, acima de tudo, manter a
lealdade ao governo central em quaisquer circunstâncias, especialmente
em tempos de guerra. Salomão, o Grande Rei, responsabilizava-se por
defender as áreas do seu império e fornecer apoio quando necessitassem.34
33 Albrecht Alt, Essays on Old TestamentHistory and Religion (Garden City, N.Y.: Doubleday,
1968), pp. 284-97.
34 Detalhes sobre Salomão como o Grande Rei que exercia autoridade sobre um amplo
sistema de estados vassalos são, na realidade, muito esparsos no registro bíblico, mas
S.-.lomão: D o P ináculo ao P erigo 32 1
Estados aliados
Finalmente, a política imperial de Salomão também incluía uma rede de
tratados de mútuo benefício com potências próximas e mesmo distantes de
seu reino, com quem ele se ligaria em termos de amizade e cooperativismo.
Esses tratados reconheciam a igualdade das partes contratantes e normal
mente continham provisões para mútua defesa, comércio, tráfego livre, ex
tradição ou semelhantes. O melhor exemplo conhecido nas Escrituras é o re
lacionamento entre Salomão e Hirão, rei de Tiro.35 Nenhum dos governantes
estava subordinado ao outro, e as provisões acordadas beneficiariam ambas
as partes. Tiro providenciou homens e materiais para os vultuosos projetos
de construção de Salomão, ao passo que Israel enviou a Hirão navios cheios
de alimentos. Mais tarde Salomão cedeu vinte cidades da Galiléia a Hirão.
Embora Hirão não houvesse ficado satisfeito, pagou ainda assim 120 talentos
de ouro por elas (1 Rs 9.10-14). Os fenícios — sem dúvida como uma expres
são da validade de seu tratado — também supriram Israel com marinheiros
para a marinha mercante israelita (1 Rs 9.26-28).36
No início de seu reinado Salomão também fez tal acordo com o Egito. O
pacto foi ratificado pelo casamento de Salomão com a filha de Siamum e
por seu dote: a cidade de Gezer. Não se sabe o que Salomão deu em retorno,
embora possa ter sido não mais do que proteção à fronteira nordeste do
Egito. O documento também continha cláusulas relativas ao comércio, pois
Salomão comprou carruagens do Egito, as quais em seguida exportou para
os hititas e reis arameus ao norte. Contudo, o tratado não devia ter uma
cláusula a respeito de extradição, pois Jeroboão fugiu para o Egito e lá per
maneceu em segurança até a morte de Salomão (1 Rs 11.40). Mas também é
possível que naquele tempo as relações pacíficas entre Israel e Egito já tives
sem sido rompidas. Certamente estavam nos últimos dias de Shoshenq, pois
foi desferida uma forte invasão nos territórios de Judá e Israel.
Administração interna
tal relacionamento pode ser admitido sobre as bases de estruturas semelhantes no anti
go Oriente Médio. Ver George E. Mendenhall, "Covenant Forms in Israelite Tradition,"
em The Biblícal Archaeologist Reader, editado por Edward F. Campbell, Jr. e David Noel
Freedman (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1970), vol. 3, pp. 28-32.
35 Dennis J. McCarthy, Old Testament Covenant (Atlanta: John Knox, 1972), p. 43.
36 Jack M. Sasson, "Canaanite Maritime Involvement in the Second Millenium B.C.," fAOS
86 (1966): 126-37.
322 H istória de I srael no A ntigo T estamento
37 S. Yeivin, "Administration," em World History of the Jewish People, vol. 5, pp. 147-71.
38John Bright, "The Organization and Administration of the Israelite Empire," em Magnalia
Dei, the Mighty Acts of God: Essays on the Bible and Archaeology in Memory of G. Ernest
Wright, editado por Frank M. Cross et at. (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1976), pp. 193
208; de Vaux, Ancient Israel, vol. 1, pp. 133-36.
S lomão: D o P ináculo ao P erigo 323
das nações autóctones da terra de Canaã. Sem estarem sob o pacto da lei,
não desfrutavam dos direitos de livres cidadãos do reino, e eram os pri
meiros candidatos a todo tipo de trabalho requerido pelo rei. Os israelitas,
por outro lado, serviam permanentemente apenas no serviço militar —
talvez na reserva ou como profissionais — e como supervisores dos traba
lhadores engajados nos projetos de construções civis.39
Os distritos administrativos
39 Soggin, "Compulsory Labor Under David and Solomon," em Studies in the Period of
David and Solomon, editado por Tomoo Ishida, p. 266.
40 Ver o interessante gráfico feito por de Vaux, Ancient Israel, vol. 1, p. 134.
324 H istória de I srael no A ntigo T estamento
41 Quanto ao problema da fronteira geral entre Fenícia e Israel, assim como a transferência
das cidades em particular, ver B. Oded, "Neighbors on the West," em World History of
the Jeioish People, vol. 4, parte 1, pp. 234-35.
42 Oded, "Neighbors on the West," p. 239, é de opinião que a Filístia era, pelo menos, um
estado tributário quando Salomão reinava em Israel.
43 Herbert Donner, "The Interdependence of Internai Affairs and Foreign Policy during
the Davidic-Solomonic Period (with Special Regard to the Phoenician Coast)," em Studies
in the Period ofDavid and Solomon, editado por Tomoo Ishida, pp. 207-8.
326 H istória de I srael no A ntigo T estamento
44 Roland de Vaux, Ancient Israel, vol. 1, p. 136, sugere que Judá provavelmente está sendo
mencionada em 1 Reis 4.19b ("o distrito"; cf. RSV: "E havia um oficial na terra de Judá").
Contudo, não há base para esta opinião, pois a designação de Judá, mencionada pelo
historiador na época de Salomão pode perfeitamente estar associada às divisões feitas
por Josué 15.21-62 muitos anos antes.
45 Simon J. De Vries sugere que havia um sistema, não registrado, de taxação e de alista
mento para Judá — de outra forma teria havido, inevitavelmente, algum tipo de relato
mencionando a insatisfação, inquietação e revolta (1 Kíngs, Word Biblical Commentary
[Waco: Word, 1985], pp. 71-72). Mas este é precisamente o ponto! O tratamento
discriminatório foi o principal motivo para a ruptura e divisão do reino. Ver J. Alberto
Soggin, A History of Ancient Israel (Philadelphia: Westminster, 1984), pp. 82-83.
5U_<;a m o : D o P ináculo ao P erigo 327
A política fiscal
Comércio internacional
48 Oded, "Neighbors on the West," em World History of the Jewish People, vol. 4, parte 1, p. 233.
49 Os fenícios eram, é claro, marinheiros reconhecidos. Ver Oded, "Neighbors of the West,"
pp. 228-30.
S klúmão: D o P ináculo ao P erigo 329
A p o s ta s ia m o ra l e e s p iritu a l
Gus Van Beck, "Frankincense and Myrrh," em The Biblical Archaeologist Reader, vol. 2,
p. 125. '
S alomão: D o P ináculo ao P erigo 331
S a lo m ã o e a n a tu re z a d a sa b e d o ria
57 Para um estudo produtivo, ver James L. Crenshaw, Old Testament Wisdom: An Introduction
(Atlanta: John Knox, 1981).
58 Ibid., pp. 24, 31.
59 Ibid., pp. 50-52.
60 Delbert R. Hillers, "The Effective Simile in Biblical Literature," JAOS 103 (1983): 185-85.
S ‘ L o .u  o : D o P ináculo ao P eriqo 333
A s ra íz e s d a d iv isã o n a c io n a l
1 Denis Baly, The Geography of the Bible (New York: Harper, 1957), p. 190.
2 Eugene H. Merrill, "The Book of Ruth: Narration and Shared Themes," Bib Sac 142
(1985): 130-41. '
338 H istória de I srael no A ntigo T estament:
A o c a s iã o im e d ia ta d a d iv isã o n a c io n a l
A sucessão de Roboão
3 Esse é o principal argumento da chamada visão deuteronomista do livro dos Reis, que
afirma ser a preocupação fundamental dessas histórias examinar cada rei baseado na
sua conformidade ou fracasso para com a aliança e Yahweh. Ver John Van Seters, In
Search of History (New Haven: Yale University Press, 1983), pp. 311-14, 359-61.
4 Como resultado, Benjamim juntou-se a Judá, e ambas formaram uma única tribo, co
nhecida por Judá (ver 1 Reis 12.21; 2 Cr 11.1,10; 15.2,9; Ed 4.1). É bastante significativo
que Benjamim tenha se unido à Judá para saudar Davi, que retornava do exílio na
Transjordânia (2 Sm 19.16-17). Portanto, a deserção de Benjamim para a família de Davi
pode ter ocorrido ainda nos tempos pré-Salomônicos. Quanto ao problema das dez tri
bos deixadas ao norte e somente uma ao sul, ver Cari E Keil, The Books of the Kings
(Grand Rapids: Eerdmans, 1950), pp. 179-81; Z. Kallai, "Judah and Israel — A Study in
Israelite Historiography," IEJ 28 (1978): 256-57.
340 H istória d e I srae /, eo A ntigo T e s t â m e s
Israel Judá
5 Quanto às datas da monarquia dividida, ver Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers
of the Hebrew Kings (Grand Rapids: Eerdmans, 1965). Para um estudo elucidativo que
examina as dificuldades envolvidas na reconstrução de uma cronologia baseada nos
dados bíblicos, ver a obra de Hayim Tadmor, "The Chronology of the First Temple
Period," em World History of the Jewish People, vol. 4, parte 1, The Age of the
Monarchies: Political History, editado por Abraham Malamat (Jerusalem: Massada, 1979),
pp. 44-60; Alberto R. Green, "Regnal Formulas in the Hebrew and Greek Texts of the
Books of Kings," JNES 42 (1983): 167-80; J. Maxwell Miller, "Another Look at the
Chronology of the Early Divided Monarchy," JBL 86 (1967): 276-88.
A M onarquia D ividida 34 1
A rebelião de Israel
6 Há várias indicações de que este Absalão não era o mesmo filho de Davi: (a) a neta de Davi,
filha de Absalão, chamava-se Tamar (2 Sm 14.27); (b) em 1 Reis 15.2,10 está escrito Abishalom
em vez de Absalão; (c) o pai de Maaca, em outro local, é chamado de "Uriel de Gibeá" (2 Cr
13.2). Ver também Eugene H. Merril, "2 Chronicles," em The Bible Knowledge Commentary,
editado por John F. Walvoord e Roy B. Zuck (Wheaton, 111.: Victor, 1985), vol. 1, p. 629.
7 Assim pensa Jacob M. Myers, II Chronicles, Anchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday,
1965), p. 65.
8 Abraham Malamat tem proposto que os anciãos (zeqenim) e os jovens (yeladim) não
representam grupos de idades diferentes, como se fossem sistemas políticos com duas
câmaras de votação, compostos por delegados do povo e representantes dos príncipes
("Kingship and Council in Israel and Sumer: A Parallel," JNES 22 [1963]: 247-53).
342 H istória de I sraël no A ntigo T estament :
A ascensão de Jeroboão
9 Logo depois de tomar ciência de sua escolha como o futuro rei das dez tribos do norte,
Jeroboão fugiu de Salomão e encontrou refúgio com Sisaque, fundador da 22a Dinastia (1
Rs 11.40). Ver Pierre Montet, Egypt and the Bible (Philadelphia: Fortress, 1968), p. 40.
10 J.P.J. Oliver, baseando-se sobre a idéia que Jeroboão foi rei sobre uma nação, ao invés de
apenas um espaço territorial, tenta argumentar que não houve uma capital no norte
antes que Onri construísse a cidade de Samaria ("In Search oí a Capital for the Northern
Kingdom," JN SL11 [1983]: 117-32). Esse argumento baseia-se em teorias sócio-antropo
lógicas que não possuem nem um pouco de suporte no texto bíblico.
A M onarquia D ividida 343
O re in o d e R o b o ã o
11 Ver nota 4.
12 Quanto à distribuição dessas cidades, ver Yohanan Aharoni e Michael Avi-Yonah,
Macmillan Bible Atlas (New York: Macmillan, 1968), mapa 119.
13 Contudo, não há evidência de co-regência aqui, conforme S. Yedin mostrou ("The Divided
Kingdom: Rehoboam-Ahaz/Jeroboam-Pekah," em World History of the Jewish People,
vol. 4, parte 1, p. 130).
344 H istória de I srael no A ntigo T estamente
em seu quinto ano, Judá sofreu uma forte invasão dos exércitos egípci
os comandados por Shoshenq. Este Faraó, o fundador da 22a Dinastia
egípcia, foi o primeiro líder egípcio que, depois de muitos anos, recon
quistou a grandeza do antigo Egito.14 Durante o seu vigésimo primei
ro ano de reinado (945-924),15 conseguiu reunificar o Alto e o Baixo Egito,
restabeleceu o comércio internacional com Biblos e outros estados
fenícios e arameus e, por último, esperou pacientemente por uma oca
sião apropriada para atacar Israel. Ele já havia, inclusive, concedido
asilo político a Jeroboão, inimigo de Salomão e futuro rei de Israel, um
indício não apenas de simples misericórdia, mas também de ambições
políticas.
Quando Salomão morreu, em 931 a.C , Shoshenq não tardou a desferir
0 golpe contra Judá. Usando um incidente nas fronteiras com alguns
semitas da região,1617 Shoshenq fez o primeiro movimento para o norte de
Judá. Tomando as cidades fortificadas e chegando às portas dos muros de
Jerusalém, por volta da primavera de 926/925, o rei egípcio partiu para o
norte de Israel com seu exército e muitos mercenários a seu serviço. Todo
este acontecimento deve ter assustado Jeroboão, que provavelmente sen
tia-se seguro com respeito ao Egito. Mas, em um movimento característico
da inconstância tradicional dos egípcios, Shoshenq tentou conquistar Is
rael, uma vez que percebera a facilidade com que Judá havia se rendido.-
Não se sabe por que Shoshenq não deu continuidade à campanha.
Talvez estivesse satisfeito com os tributos que exigira de Judá e Israel,
particularmente os ricos tesouros do templo. De qualquer forma, sua
morte impediu qualquer outra atitude mais drástica. Seu filho Osorkon
1 (924-889) evitou outras conquistas, pelo menos por um tempo, interes
sando-se mais por esbanjar riqueza no templo de Atom. A vultosa quan
O re in o d e Je ro b o ã o
18 Segundo James H. Breasted, não menos que 560.000 libras (A History of Egypt [New
York: Bantam, 1967], p. 444).
18 Quanto aos equipamentos e práticas dessas pseudo-religiões, ver Helmer Ringgren,
Religions of the Ancient Near East (Philadelphia: Westminster, 1973), pp. 158-69.
20 Róbèít L. Cohn presenteou-nos com uma excelente análise literária da estrutura quiástica
da narrativa de Jeroboão (1 Rs 11.26—14.20). Esse estudo ilustra, mais uma vez, o fato de
qpe as seções históricas da Bíblia, embora decididamente verdadeiras em conteúdo, po
deriam estar (e freqüentemente estiveram) agrupadas em blocos literários que, compara-
estão completamente fora da ordem. Mas, no caso em questão, não parece ser esse o pro
blema ("Literary Techinique in the Jeroboam Narrative," ZAW 97 [1985]: 23-35).
21 Essa promessa é análoga àquela dada a Saul (ver 1 Sm 13.13). Visto que nos dois casos o
rei falhou em cumprir as condições estabelecidas por Yahweh e, conseqüentemente,
não houve uma dinastia que continuasse para todo sempre, fica totalmente infrutífero
especular acerca do "porque não" do cumprimento dessas promessas da aliança davídica.
Ver em Cohn, "Literary Technique," ZAW 97 (1985): 27.
346 H istória de I srael no A ntigo T estamente
22 Yohanan Aharoni, The Land of the Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 440.
23 Baruch Halpern, "Levitic Participation in the Reform Cult of Jeroboam I," JBL95 (1976):
31-32.
A M onarquia D ividida 347
com Yahweh. Deve-se supor que Jeroboão, com seu espírito pragmático,
buscou um local que desfrutasse de uma forte tradição e uma localização
apropriada. Betei era eminentemente qualificada.24 Em Betei Jacó encon
trou-se com Yahweh — pelo menos em duas ocasiões — e poderia se dizer
que ali está a formação da fé de Israel. Além disso — e este era o fator mais
importante para Jeroboão — Betei situava-se na fronteira com Judá e, ao
mesmo tempo, na estrada principal que ligava o norte ao sul. O povo de
Israel, vindo de todos os lados do reino, poderia chegar ao local com mui
ta facilidade. Além disso, eles precisariam passar por Betei, caso insistis
sem na peregrinação até Jerusalém, o que seria seriamente desmotivador.
A escolha de Dã, por outro lado, é muito mais difícil de explicar. A
cidade situava-se na fronteira norte de Israel, como ficava Betei na frontei
ra sul. Era razoavelmente acessível aos habitantes de Jezreel e a todos os
demais pontos do norte. Contudo, era identificada por todos como um
local de intensa idolatria, que excedia até mesmo a tolerância de Jeroboão.
E preciso lembrar que quando os danitas mataram o povo de Laís e ocu
param seu território, trouxeram consigo Jônatas, neto de Moisés, e o cons
tituíram sacerdote da cidade; também montaram imagens de prata que
haviam roubado de Mica (Jz 18.30-31). Assim Dã se estabeleceu como cen
tro de adoração pagã. Como Jeroboão poderia esperar que o povo de Isra
el peregrinasse para um local tão comprometimento com a idolatria?
Talvez a resposta se encontre na forma e natureza do culto criado por
Jeroboão. Ele criou deuses em forma de bezerros de ouro em seus dois cen
tros religiosos, descrevendo-os como os deuses que haviam libertado Israel
do Egito. Também constituiu sacerdotes fora da linhagem levítica e, em Betei
pelo menos, designou o décimo quinto dia do oitavo mês para ser um dia
especial de festas. Os estudiosos dividem-se a respeito do completo significa
do das inovações de Jeroboão, mas uma coisa está clara — ele estava identifi
cando Betei e Dã com o êxodo.25 Os dois bezerros, fossem ídolos de verdade
ou apenas pedestais em que se presumia estar o Yahweh invisível,26 são remi
niscências do bezerro de ouro produzido por Arão quando Moisés estava
ausente, no monte Sinai. As palavras de apresentação são praticamente as
24 Ibid., p. 32.
25 Ibid., pp. 39-40.
26 William F. Albright, Yahweh and the Gods of Canaan (Garden City, N.Y.: Doubleday,
1969), pp. 197-98. John N. Oswalt argumenta de forma bastante persuasiva que os be
zerros eram, na verdade, ídolos; se fossem apenas pedestais para o invisível Yahweh,
não teriam despertado tanta indignação contra Aarão, no passado, e contra Jeroboão no
presente ("The Golden Calves and the Egyptian Concept of Deity," EQ 45 [1973]: 13-20).
348 H istória d e I srael no A ntigo Testamento
mesmas em ambas as ocasiões: "Vês aqui teus deuses, ó Israel, que te fizeram
subir da terra do Egito!" (Ex 32.4; cf. 1 Rs 12.28). Os dois relatos mostram que
a criação desses deuses e seu reconhecimento foram seguidos por festivais.
Além disso, Arão funcionou como sacerdote e, na ausência de Moisés, como
o mediador da aliança. Agora Jeroboão, além de sua função de rei, instalou-se
como o cabeça do culto, comparecendo no altar em Betei para oferecer sacri
fícios. Ou seja, ele via-se como um segundo Arão, que possuía o direito de
estabelecer e supervisionar um novo sistema religioso à parte o que acontecia
em Jerusalém. Ele arrogava-se a prerrogativa da monarquia davídica, ou seja,
o direito do rei com eleito e filho adotivo de Deus, não apenas para servir
como líder político de Israel, mas também como o sacerdote mediador.2
Jeroboão percebia a si mesmo como o equivalente à dinastia messiânica em
Israel, um sacerdote real segundo a ordem de Melquisedeque.
Essa interpretação da ótica de Jeroboão a respeito de seu papel no reino
explica o motivo de sua intrepidez em assumir o sacerdócio, e empossar
outros sacerdotes que não fossem da linhagem de Arão. Também isto ex
plica a sua coragem de estabelecer locais de adoração em Betei e Dã; pois
se Davi, um sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, moveu o
tabernáculo e a arca para Jerusalém — um local até o momento sem qual
quer significação ou tradição religiosa para Israel — , por que Jeroboão
não poderia arbitrariamente criar o seu próprio culto em Betei e Dã, espe
cialmente pelo fato de a primeira cidade possuir grande tradição?
E notável que Jeroboão tenha conseguido inserir os bezerros de ouro
em seu culto, especialmente considerando o destino do bezerro de Arão
(aquele ídolo foi consumido até as cinzas e, misturado em água, foi bebi
do pelos apóstatas que o adoraram). O motivo por trás da ação de Jeroboão
pode ter sido uma intensa animosidade contra os levitas,2728 pois estes to
maram as espadas e feriram os adoradores do bezerro de Arão. Jeroboão
desprezou os levitas e escolheu os seus próprios sacerdotes. Em uma ati
tude irônica, construiu os bezerros como símbolo de seu desdém para com
o sacerdócio levítico. Não teria o próprio neto de Moisés, Jônatas, se ante
cipado a Jeroboão, ao servir como primeiro sacerdote de um centro religi
oso competitivo em Dã? Além desta história conceder credibilidade à ci
dade de Dã, também revela que mesmo na própria família de Moisés ha
via espaço para divergências religiosas. Como poderia Jeroboão ser acu
sado de irreligiosidade por seus bezerros de ouro, se o próprio neto de
Moisés havia oficiado sacrifícios em um culto idólatra em Dã?
E preciso admitir que muitos dos argumentos nas linhas anteriores são
especulativos. Em uma análise final, não é possível conhecer os motivos
ou considerações de Jeroboão. Mas está claro que ele se via como um sa
cerdote e rei de um novo sistema religioso para ele totalmente legítimo.
Debate-se ainda como ele ligou tudo isso com o passado, especialmente
com o incidente do bezerro de ouro após o êxodo. Mas é unanimemente
aceito que as atitudes de Jeroboão foram pecaminosas e, de fato, a própria
epítome da apostasia aos olhos de Yahweh.
A insatisfação de Yahweh era tão óbvia que Ele enviou um profeta de
Judá para falar contra Jeroboão e seu recente sistema religioso (1 Rs 13).
Quando ele chegou a Betei, este homem sem nome na Bíblia profetizou
contra o altar ali erigido, pois simbolizava o próprio coração da apostasia.
Viria um tempo, disse ele, quando um filho de Davi, chamado Josias, des
truiria em pedaços o altar, e nele seriam oferecidos os corpos dos sacerdo
tes iníquos que ali serviam. O profeta então voltou-se para Jeroboão. Quan
do o pseudo-sacerdote estendeu sua mão para prender o homem de Deus,
esta tornou-se ressequida e sem força. Ainda assim a misericórdia de
Yahweh restaurou a mão do rei. Era evidente que ele e sua religião cor
rompida estavam debaixo do juízo de Deus.
No curso da história, Abias, o herdeiro do trono de Israel, adoeceu terri
velmente. Apesar dos apelos de sua mãe ao profeta Aías, o jovem príncipe
falecera (1 Rs 14.17). A razão, Aías apontou, estava clara. Jeroboão, embora
abençoado com a maior parte do reino de Davi, não possuía os padrões
davídicos. Violou os mandamentos e a aliança com Yahweh, seguindo ou
tros deuses e rejeitando o Deus de Israel. Portanto, Yahweh findaria a dinas
tia de Jeroboão rapidamente, e transportaria Israel para além do rio Eufrates,
em conseqüência de seus pecados em seguir Jeroboão (1 Rs 14.6-16).
Os detalhes acerca dos últimos anos do reinado de Jeroboão estão in
completos. Ele transferiu a capital para Tirza (Tel el-Fár'ah), cerca de doze
quilômetros a nordeste de Siquém, pois foi para lá que sua esposa retornou
depois de encontrar-se com o profeta Aías. Não se sabe ao certo o motivo
da transferência, embora a invasão de Sisaque contra Judá e Israel em 926 /
925 possa ter resultado na destruição de Siquém ou, pelo menos, precipi
tado a transferência de Jeroboão para um local mais seguro.29 Sabe-se que,
por outro lado, Jeroboão esteve em constante guerra com Roboão e, após a
morte do rei de Judá, continuou o conflito com o herdeiro do trono, Abias,
o filho de Roboão que reinou apenas por três anos. Infelizmente, não há
informações concretas a respeito desses conflitos. A teoria mais plausível
é que os reis de Davi tentaram reconquistar os territórios de Israel, e assim
restaurar todo o reino de Davi.
A p re s s ã o d as n a ç õ e s ao re d o r
A b ia s de Ju d á
33 Unger, Israel and the Aramaeans, p. 56. Essa interpretação da esteia de Ben-Hadade
(conhecida de outra forma por esteia de Melqart) de forma alguma é aceita universal
mente. Quanto a uma análise alternativa, ver J. Andrew Dearman e J. Maxwell Miller,
"The Melqart Stele and the Ben Hadads of Damascus: Two Studies," PEQ 115 (1983): 95
101. Dearman é de opinião que não houve nenhum rei com o nome de Ben-Hadade
entre 865 e 806 (portanto, ele nega a historicidade de 1 Reis 20 e 21-1-38), enquanto
Miller identifica o Ben-Hadade da esteia como o filho de Hazael (depois de 806), por
tanto, também deixando de acreditar na historicidade dos relatos acerca de Acabe. Ver
também Shea, "The Kings of the Melqart Stela," p. 170; B. Oded, "Neighbors on the
East," em World History of the Jewish People, vol. 4, parte 1, p. 267.
34 Por várias razões — a falta de um paralelo em 1 Reis, o número enorme de soldados, a
idéia de que o cronista está teologizando em vez de descrevendo — muitos estudiosos
não aceitam a historicidade do registro da batalha de Zemaraim. Ver os argumentos de
Ralph W. Klein, " Abijah's Campaign Against the North (2 Chron. 13) — What Were the
352 H istória de I srael no A ntigo T estament :
A sa de Ju d á
Considerações cronológicas
Jeroboão viveu dois ou três anos a mais que Abias, de forma que foi
contemporâneo de Asa por um breve tempo. Asa foi o próximo rei da
linhagem de Davi, e o autor do primeiro livro dos Reis o identifica como
filho de Maaca (1 Reis 15.10), mas visto que decerto é filho de Abias, o
texto na verdade refere-se ao neto de Maaca. O motivo para a indicação
genealógica é que Maaca havia autorizado a construção de um poste ídolo
de Aserá em Jerusalém, mas o rei Asa mandou derrubá-lo, além de várias
outras reformas promovidas. Pode-se concluir que Asa era muito novo
quando começou a reinar, porque seu pai havia reinado apenas três anos e
era também muito jovem quando morreu. Asa governou por quarenta anos
(911-870), um governo longo, mas cujo fim é considerado prematuro, pois
o historiador tem o cuidado de informar que Asa ficou enfermo dos pés
nos últimos três anos de sua vida (1 Rs 15.23). Não é possível saber se o
motivo de sua morte está associado à doença, mas certamente este mal o
impediu de exercer as funções reais. Então seu filho Josafá serviu como
co-regente nos últimos três anos de reinado.36
A estrutura cronológica do reinado de Asa é um pouco complexa e jus
tifica uma discussão detalhada. O cronista inicia declarando que, com a
sucessão de Asa, estabeleceu-se um período de dez anos de paz (911 —
901). Exatamente neste período (ou pouco depois dele) Asa deu início às
grandes reformas religiosas que culminaram na deposição de sua própria
avó e na destruição do poste ídolo de Aserá. Caso a teoria de que ele assu
miu o trono ainda menor de idade esteja correta, as reformas não começa
ram imediatamente. Pode ser que dez anos tenham se passado para Asa
alcançar a maioridade e a independência tornar-se possível.
Durante esse tempo Asa também melhorou as posições de defesa do rei
no de Judá reformando os fortes construídos por Roboão, e talvez tenha
construído outros. Por todos esses anos, o cronista enfatiza, Judá esteve em
paz (2 Cr 14.6), e as reformas chegaram ao seu ápice em uma festa em Jeru
salém, onde não apenas os habitantes de Judá foram convidados, mas todos
os fiéis de Efraim, Manassés e Simeão (2 Cr 15.8-15). Este grande aconteci
mento ocorreu no décimo quinto ano do reinado de Asa (c. 896).
Por fim, Asa envolveu-se em uma guerra no trigésimo quinto ano de
seu reinado (2 Cr 15.19); esta informação cria um problema para a crono
logia. Enquanto o trigésimo quinto ano de Asa corresponderia ao ano 876,
o versículo seguinte (2 Cr 16.1) indica que Asa foi à guerra em seu trigési
mo sexto ano, presumivelmente 875, contra Baasa, de Israel, que morrera
em 886 — onze anos antes! A guerra mencionada no ano trinta e cinco do
rei Asa foi provavelmente contra Zerá, o etíope, uma batalha geralmente
datada pouco depois de 900.37
36 Thiele, Mysterious Numbers, p. 70. Quanto à co-regência ser uma característica da mo
narquia em Israel e Judá, ver Thiele, "Coregencies and Overlapping Reigns Among the
Hebrew Kings," JBL 93 (1974): 174-200.
37 Edwards, "Egypt," em CAH 3.1, p. 52, fixa a guerra em 897, encaixando-se com nossa
data da grande assembléia (896), para a qual foram trazidos os despojos (2 Cr 15.11)
presumivelmente dos inimigos etíopes. Ver também Yeivin, "Divided Kingdom," em
354 H istória de I srael no A ntigo T estament:
Várias resoluções têm sido propostas para este dilema. Alguns estudiosos
simplesmente corrigem "trigésimo quinto" e "trigésimo sexto" para "décimo
quinto" e "décimo sexto", mas não há evidência textual para isto.38 Outros
drasticamente alteram os anos de Baasa, tornando-o contemporâneo de Asa
em seus últimos anos.39 Esse método de ajuste cronológico não apenas retira
a autoridade do testemunho bíblico, mas também força um ajuste na cronolo
gia de praticamente todos os outros reis de Judá e Israel. Além disso, atrapa
lha completamente a data da campanha militar contra Zerá.
A melhor solução parece ser a que foi proposta por Edwin Thiele. Para
ele o "trigésimo quinto" e o "trigésimo sexto" não se referem aos anos do
reinado de Asa, mas aos anos que correspondem à diferença entre a data em
questão e a divisão do reino.40 Visto que a divisão do reino normalmente é
datada em 931, o trigésimo quinto ano seria 897 e o trigésimo sexto, 896.
Embora esta seja uma maneira incomum de mencionar os acontecimentos
do governo de um rei, não é inerentemente impossível ou improvável. Além
disso, se os anos de Roboão (17) e Abias (3) forem acrescidos dos 15 anos de
Asa que precederam a sua primeira campanha militar em guerra (cf. 2 Cr
15.10 e 19), somará um total de 35, exatamente conforme sugere o narrador.
Se o conflito entre Asa e Baasa aconteceu no trigésimo sexto ano (2 Cr
16.1), a guerra no trigésimo quinto (15.19) deve ter sido aquela em que
Asa encontrou-se com Zerá em Mareshah, uma vez que não há registro de
outro acontecimento. A data dessa batalha teria sido no décimo quinto
ano do reinado de Asa — 897. Nenhuma fonte extrabíblica trata a respeito
de Zerá; a descrição do Antigo Testamento parece indicar que ele era da
Núbia, ou um mercenário da Arábia a serviço de Osorkon I.43
World History of the Jewish People, vol. 4, parte 1, p. 136; Kenneth A. Kitchen, The
Third Intermediate Period in Egypt (1100-650 B.C.((Warminster: Arts and Philips, 1973),
p. 309.
38 Esta solução foi citada, mas não considerada válida por Edward L. Curtis, A Criticai
and Exegetical Commentary on the Books of Chronicles (Edinburgh: T. & T. Clark, 1910),
p. 387. Raymond B. Dillard afirma que o cronista está trabalhando com uma tradição
textual diferente e que o leitor moderno deve conviver com a possibilidade de que aquela
tradição foi um erro, ou pelo menos uma variante com Samuel/Reis ("The Reign of Asa
[2 Chronicles 14-16]: An Example of the Chronicler's Theological Method," JETS 23 [1980]:
217).
39 William F. Albright, The Biblical Period from Abraham to Ezra (New York: Harper, 1963),
p. 116-17.
40 Thiele, Mysterious Numbers, p. 60.
41 T.C. Mitchell, "Israel and Judah Until the Revolt of Jehu (931-841 B.C.)," em CAH 3.1,
pp. 462-63; Kitchen, Third Intermediate Period, p. 309.
A M onarquia D ividida 355
As guerras de Asa
42Aharoni, Land of the Bible, p. 439; aharoni e Avi-Yonah, Macmillan Bible Atlas.
43 Quanto a rota, ver Aharoni e Avi-Yonah, Macmillan Bible Atlas, mapa 124.
356 H istória de I srael no A ntigo T estamento
O n o v o s u rg im e n to d a A s s íria
47 Ver Albert Kirk Grayson, Assyrian Royal Inscriptions (Wiesbaden: Otto Harrassowitz,
1976), vol. 2, pp. 86-87, #2,11, 30-41.
48 Grayson, "Assyria," em CAH 3.1, p. 252; Assyrian Royal Inscriptions,vol. 2, p. 104, #1,
11.33-45.
358 H istória de I srael no A ntigo T estamento
N a d a b e de Isra e l
Logo depois que Asa passou a reinar em Judá, Jeroboão morreu e seu
filho Nadabe assentou-se em seu trono em Israel (1 Rs 14.20). O reinado
durou dois anos (910-909), e caracterizou-se pela repetição dos atos peca
minosos de seu pai. Então a palavra profética do profeta Aías cumpriu-se:
Nadade foi cortado violentamente, terminando assim a dinastia de
Jeroboão sobre a casa de Israel, a qual durou apenas duas gerações (1 Rs
14.14). Para assegurar-se de que a casa de Jeroboão nunca mais se assen
taria no trono de Israel, Baasa, o assassino de Nadabe, exterminou toda a
família real. Tudo isso aconteceu, diz o historiador teólogo, "por causa
dos pecados de Jeroboão, o qual pecou, e fez pecar a Israel, por causa da
provocação com que provocara ao Senhor Deus de Israel" (1 Rs 15.30).
Caracterizações semelhantes de vários outros reis de Israel se repetirão
com esse mesmo refrão.50
A d in a s tia de B a a s a de Isra e l
O reino de Baasa
49 Grayson, "Assyria," em CAH 3.1, pp. 2o3-59; Yutaka Ikeda, "Assyrian Kings and the
Mediterranean Sea: The Twelfth to Ninth Centuries B.C.," Abr-Nahrain 23 (1984-1985):
23-26.
50 Esse é apenas um dentre os vários temas encontrados em 1 e 2 Reis que reflete a conde
nação profética na história de Israel por causa da violação da aliança. Ver Ziony Zevit,
"Deuteronomistic Historiography in 1 Kings 1 2 - 2 Kings 17 and the Reinvestiture of
the Israelian Cult," JSOT 32 (1985): 57-73.
A M onarquia D ividida 359
O reino de Elá
Como Jeroboão, Baasa fundou uma dinastia que durou apenas duas
gerações — ele e seu filho Elá. E, conforme Nadabe, Elá também reinou
apenas dois anos (886-885). Surpreendentemente, a semelhança continua,
pois Elá, como Nadabe, também foi assassinado por um oficial confiden
te. Quando em uma ocasião encontrava-se embriagado com seus oficiais
na casa de Arsa, seu mordomo chefe, foi atacado por Zimri, comandante
da divisão de carruagens, e lá mesmo morreu (1 Rs 16.8-14). Zimri, em um
ato de justiça- poética, passou a exterminar toda a família de Baasa, da
mesma forma que este havia tratado a parentela de Jeroboão. Mas Zimri
360 H istória de I srael no A ntigo T esta i /e n t t
era um intruso, sem qualquer aprovação divina para o cargo de rei. Por
tanto, não originou nenhuma dinastia e, de fato, sobreviveu apenas por
sete dias. A festa na casa de Arsa aconteceu enquanto os exércitos de Isra
el, sob o comando de Omri, mais uma vez cercavam a cidade de Gibetom.
Quando receberam a notícia nos campos de batalha, as tropas ali presen
tes aclamaram o seu general, Omri, como rei, colocando-o em evidente
oposição a Zimri (1 Rs 16.16). Omri e seus seguidores partiram em direção
a Tirza. Quando Zimri percebeu que não tinha apoio e estava prestes a ser
capturado por Omri, incendiou seu próprio palácio e morreu nas chamas.51
O caminho para o reino agora parecia abrir-se diante de Omri.
O m ri de Israel
mento sob o domínio dos assírios e dos persas. Herodes, o Grande, a re
construiu e deu-lhe o nome de Sebaste, em homenagem a Augusto César,
seu patrono (Sebastos é a palavra grega para "Augustus").
A mudança da capital, de Tirzá para Samaria, cerca de 19 quilômetros a
oeste, não foi bem recebida por todos em Israel. Anos depois, uma comu
nidade rebelde fez de Tirza seu quartel general, e até a metade do século
oito continuou a competir com Samaria. Não está claro o motivo por que a
mudança foi realizada, já que o rei estava ciente da falta de apoio que isso
lhe causaria. Talvez ele entendesse sua dinastia como a representante de
Deus que construiria uma nova realidade, bem diferente de Jeroboão e
seus sucessores. E um claro sinal disso seria a rejeição da capital escolhida
por Jeroboão, em favor de uma cidade não contaminada pelo passado.53
Embora haja pouca informação bíblica a este respeito, Omri foi de fato
um dos mais influentes reis nos primórdios de Israel. Ele era tão conceitu
ado pelas grandes potências do mundo que seu nome tornou-se um sinô
nimo para seu reino. Por exemplo, nos textos assírios escritos mais de cem
anos depois de sua morte, Israel é chamado de Bit Humri ("casa de
Omri").54 Os reis israelitas posteriores eram às vezes chamados de filhos
de Omri, mesmo sendo de dinastias diferentes.
A razão do prestígio de Omri não é clara para os estudiosos, embora o
relativamente próspero e poderoso reino de seu filho Acabe sugira que
Omri tenha lançado um firme fundamento. Sem dúvida ele seguiu uma
política fiscal severa, e por meio da diplomacia conseguiu antecipar-se
aos ataques inimigos. Ao mesmo tempo, construiu para seu reino uma
penetração comercial e política em outras nações que muito lhe favorece
ram. Um importante exemplo foi seu relacionamento com Etbaal, rei de
Tiro e Sidom (887-856). Como resultado, houve o casamento de seu filho
Acabe com a princesa de Tiro, a conhecida Jezabel.55 Este casamento mos
trou-se desastroso para a vida espiritual de Israel (e Judá). Em outros as
pectos, a relação de Omri e Etbaal foi obviamente vantajosa para ambas as
partes. Tiro sem dúvida sentia-se ameaçada pelo crescimento de Damasco
ao leste, e recebeu com alegria o novo aliado.56 Israel, desde os tempos de
53 Para outras sugestões, ver Herbert Donner, "The Separate States of Israel and Judah,"
em Israelite and Judaean History, editado por John H. Hayes e J. Maxwell Miller
(Philadelphia: Westminster, 1977), pp. 402-3.
54 Mitchell, "Israel and Judah," em CAH 3.1, p. 467.
55 Katzenstein, History of Tyre, p. 144.
56 B. Oded, "Neighbors on the West," em World History of the Jewish People, vol. 4, parte
1, p. 234.
362 H istória df. I srael no A ntigo T estasíl * ^
Davi possuía uma ligação com Tiro, o que significava uma abertura maior
para o mundo comercial. Tal ligação havia sido aparentemente quebrada
ou tornou-se sensivelmente enfraquecida nos tempos pós-salomônicos de
Israel, de modo que Omri, ávido por restaurar os benefícios de um comér
cio crescente em seu reino, firmou a aliança com Tiro com muita satisfação.
Ao mesmo tempo, as relações mais próximas entre os fenícios e israelitas
devem ter sido vistas com suspeita por Damasco. Assim, não causa surpre
sa que Ben-Hadade logo entrasse em guerra contra o reino de Israel.57
J o s a f á d e Ju d á
57 Quanto às razões das hostilidades, ver Unger, Israel and the Aramaeans, p. 66.
58 Thiele, Mysterious Numbers, p. 70.
A M onarquia D ividida 363
problema. E para agravar mais o seu erro, Asa mandou prender o homem
de Deus que trouxera a palavra de repreensão, e frustrado aplicou medi
das de repressão e opressão sobre seu povo. Mesmo ao contrair a enfermi
dade nos pés, buscou tratamento médico ao invés de Yahweh, pois a do
ença lhe foi permitida para que voltasse novamente para Deus.
Há uma diferença significativa entre a natureza da desobediência de Asa e
a de seus contemporâneos israelitas. A desobediência destes envolvia um afas
tamento total de Yahweh e dos padrões da aliança. Asa, a despeito de seus
erros, ainda conservava um coração sensível para Deus. Seu pecado não con
sistiu em insubmissão à vontade soberana do Senhor, mas em sua confiança
na sabedoria e recursos humanos. Deus, que conhece o coração, pode ler os
impulsos e motivações que permanecem ininteligíveis aos homens.
As realizações de Josafá
Josafá, filho de Asa, subiu ao trono de Judá com trinta e cinco anos de
idade, e reinou por vinte e cinco anos (873-848), incluindo os três anos de
co-regência com seu pai. Por esse tempo, Acabe reinava em Samaria; foi
sucessor de Omri em 874. Portanto, Josafá começou seu governo no quar
to ano de Acabe (1 Rs 22.41). Visto que Acabe reinou por vinte e dois anos
(até 853), os dois foram contemporâneos durante a maior parte de seus
respectivos reinados.
O veredicto da história é brando com Josafá — ele andou com Yahweh,
especialmente em seus primeiros anos, e removeu todos os vestígio de idola
tria, com exceção dos lugares altos (1 Rs 22.43; 2 Cr 17.3-6). Percebe-se que no
início não confiava em Acabe, pois seus primeiros projetos incluíram melhorias
nas fortificações, bem como o aumento do número de homens das guarnições
que faziam fronteira com Israel (2 Cr 17.1,2). Contudo, a suspeita não durou
por muito tempo, e por fim Josafá já havia criado um vínculo com Acabe,
chegando mesmo a casar-se com uma israelita da família real. A aliança com
Acabe ainda redundaria em uma severa repreensão do profeta: "...Devias tu
ajudar ao ímpio, e amar aqueles que ao Senhor aborrecem? Por isso virá sobre
ti grande ira de diante do Senhor" (2 Cr 19.2).
Em razão das bênçãos divinas e de um rigoroso programa de controle
fiscal, Josafá estabeleceu o reino de Judá com sabedoria e prosperidade que
não se viam desde os tempos de Salomão. O governo evocou tal estima entre
seus vizinhos que alguns deles, especificamente os filisteus e os árabes, sub
meteram-se ao seu domínio voluntariamente e pagaram-lhe o devido tributo
(2 Cr 17.10,11). As razões não eram totalmente devidas ao respeito, pois havia
sem dúvida algum interesse, uma vez que precisavam do apoio militar de
364 H istória de I srael no A ntigo T estamento
59 O meha'ammônîm ("dos amonitas") no Texto Massorético deve ser lido (junto com a
Septuaginta) mehamme'ûnîm ("dos meunitas"). Os meunitas eram uma tribo de arameus
que viviam em Edom e em outras regiões ao leste e sul do mar Morto (cf. 1 Cr 4.41; 2 Cr
26.7). Ver Merrill, "2 Chronicles," em Bible Knowledge Commentary, vol. 1, p. 634; H.G.M.
Williamson, 1 and 2 Chronicles, New Century Bible Commentary (Grand Rapids:
Eerdmans, 1982), pp. 293-94.
A M onarquia D ividida 365
60 A maioria dos estudiosos identifica Hazazom-Tamar como Tamar ('Ain Husb) no Arabá,
ao sul do mar Morto. Ver Aharoni, Land of the Bible, p. 140. Deve-se observar a seme
lhança entre Hazazon-Tamar com En-Gedi, visto que a narrativa diz que o inimigo vie
ra "do outro lado do mar" (i.e., o mar Morto). Consulte a rota sugerida por Aharoni e
Avi-Yonah, Macmillan Bible Atlas, mapa 13.
61 Frank M. Cross, Canaanite Myth and Hebrew Epic (Cambridge: Harvard University
Press, 1973), pp. 105-6.
366 H istória de I srael no A ntigo T esta m ent
anos de Josafá, os edomitas não tinham rei sobre si, mas estavam sob a admi
nistração de um oficial superior que, sem dúvida, era o representante do rd
de Judá no local (1 Rs 22.47). Mas a situação não permaneceu assim por muito
tempo. No ano seguinte, Edom, nos anos de reinado de Jorão, o segundo filho
de Acabe, já possuía um rei da própria nação (2 Rs 3.9).
A independência de Edom foi alcançada sem lutas, conforme mostram
os registros. Quando o rei de Israel conseguiu convencer Josafá, rei de
Judá, a guerrear contra a província revoltosa de Moabe, também contou
com o apoio do rei de Edom. Pode ser que o desastroso episódio da perda
das esquadras em Eziom-Geber tenha sido a causa da libertação de Edom.62
Porém, essa independência não duraria muito tempo, pois na época de
Jeorão, filho de Josafá, Edom seria mais uma vez reconquistada para o
reino de Judá (2 Rs 8.20).
O aspecto mais significativo da rebelião ocorrida em Moabe é o fato de
que Josafá, pela terceira vez, fez uma outra aliança com a dinastia de Aca
be. A sua persistência em envolver-se com os infiéis colegas do norte é
inexplicável, uma vez que Josafá não precisava de seu auxílio e nem mes
mo lucrava com tal aliança, obtendo desta apenas muitas tristezas.
A ca b e de Is ra e l
A maldade de Acabe
62 De fato, John R. Bartlett é da opinião que a destruição dos navios não foi ocasionada por
um desastre natural mas por causa de conflitos militares com os edomitas ou israelitas
("The Moabites and Edomites," em Peoples of Old Testament Times, editado por D.J.
Wiseman [Oxford: Clarendon, 1973], p. 236).
63 Quanto à natureza do culto fenício, ver Donald Harden, The Phoenicians (New York:
Praeger, 1962), pp. 82-114.
A M onarquia D ividida 367
O ministério de Elias
64 A respeito desta história como polêmica anti-cananéia, ver Leah Bronner em The Stories
of Elijah and Elisha (Leiden: E.J. Brill, 1968); George E. Saint-Laurent, "Light from Ras
Shamra on Elijah's Ordeal upon Mount Carmel," em Scripture in Context, editado por
Carl D. Evans et al. (Pittsburgh: Pickwick, 1980), pp. 123-39. Frank E. Eakin, Jr. indica
que a vitória de Elias declarou publicamente que o culto a Yahweh era de uma natureza
completamente distinta, evitando assim que o javismo fosse absorvido pelo baalismo
("Yahwism and Baalism Before the Exile," JBL 84 [1965]: 413).
65 A cronologia das histórias era algo de pouco interesse para o historiador, pois sua maior
preocupação e concentração estavam no desenvolvimento e associações por temas. Ver
Robert L. Cohn, "The Literary Logic of 1 Kings 17-19," JBL 101 (1982): 333-50.
368 H istória de I srael no A ntigo T estamento
então que o ministério de Elias teve início nos últimos anos de Acabe, no
mínimo quatro anos antes de sua morte. A base para esta afirmação é que
o chamado ocorreu antes de Ben-Hadade cercar Samaria, aproximadamen
te quatro anos antes da morte de Acabe na campanha de Ramote-Gileade,
em 853 (1 Rs 20.1,26; 22.1). A data de 857 seria bastante apropriada para a
caminhada de Elias ao monte Horebe. Visto que tal viagem ocorreu de
pois dos três anos de seca, Elias deve ter-se encontrado com Acabe pela
primeira vez em cerca de 860, catorze anos após o início de seu reinado.
Esse tempo seria suficiente para que toda as condições de apostasia des
critas na Bíblia pudessem firmar-se.
As invasões de Ben-Hadade
A razão para Ben-Hadade atacar Samaria não está declarada, mas pode-
se deduzir que este rei não se agradava da amizade crescente entre Israel e
Sidom, cuja evidência achava-se na união matrimonial entre Acabe e Jezabel.
Ben-Hadade certamente viu a aliança entre as duas nações como um obstá
culo ao seu livre acesso ao mar e às principais rotas comerciais da costa.66
Além disso, caso a cronologia aqui defendida esteja correta, Salmaneser III
da Assíria já estaria, por esse tempo, em seu programa de expansão interna
cional para o oeste, atingindo a Aram e a Palestina, forçando conseqüente-
mente o rei Ben-Hadade a colocar-se em posição defensiva. O historiador
bíblico indica que Ben-Hadade estava acompanhado de outros trinta e dois
reis, um indício de que ele também havia feito outras alianças para tratar
com a futura ameaça assíria. Pode ser, é claro, que ele tenha pedido ajuda a
Acabe, cujo recuo fez Ben-Hadade tentar a coalizão à força.
Seja como for, Ben-Hadade cercou a cidade de Samaria, exigindo o pa
gamento de um exorbitante resgate por sua liberdade (1 Rs 20.3). Acabe,
provavelmente sem opção, aceitou os termos; mas Ben-Hadade continuou
a sua demanda, exigindo desta vez todos, os bens de Acabe. Ao recusar a
66 Unger também sugere que Ben-Hadade, aproveitando-se do fato de Israel estar enfra
quecido por causa da grande fome, tentava evitar uma possível aliança entre Israel e
Assíria (Israel and the Aramaeans, p. 66). Pela linguagem de 1 Reis 20.3,4, Burke O.
Long concluiu que Acabe era um vassalo de Ben-Hadade e que este cobrava o tributo
proporcional ao relacionamento. Quando a carga de tributos chegou a um nível insu
portável, o rei de Israel decidiu partir para guerra e recuperou sua independência. Em
um segundo encontro (vv. 26-34) os dois protagonistas são vistos em nível de igualda
de ("Historical Narrative and the Fictionalizing Imagination," VT 35 [1985]: 407-12).
Embora nada mais no registro sugira esse relacionamento, a hipótese não deve ser
descartada.
A M onarquia D ividida 369
A morte de Acabe
67 Aharoni, Land of the Bible, p. 381, n. 45, associa esse local a 'En Gev, um "Afeque infe
rior" situado abaixo e poucos quilômetros a noroeste de Fiq, "Afeque superior."
370 H istória nF. I srael no A ntigo T esta .u f \~:
A a m e a ç a d a A ss íria
O s s u c e ss o re s d e A ca b e
Acazias de Israel
72 Quanto ao texto, ver James B. Pritchard, Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old
Testament, 2a edição (Princeton: Princeton University Press, 1955), pp. 278-79.
73 J.A. Brinkman, "Additional Texts from the Reigns of Shalmanaser III and Shamshi-Adad
V," JNES 32 (1973): 43-44.
74 Esse fato está registrado no famoso Obelisco Negro. A fotografia e a tradução estão
presentes no trabalho de D. Winton Thomas, editor, Documents from Old Testament
Times (London: Thomas Nelson, 1958), pp. 54-55. P. Kyle McCarter, Jr. afirma que o ia-
ú-a (ou ia-a-ú) na esteia deve ser identificado com Jorão, e não Jeú. Se houver preferên
cia para uma leitura que identifique "Yaw" como "Jorão" é possível solucionar dois
problemas: (a) o rei em questão é chamado "filho de Omri", que seria uma designação
imprópria para Jeú, já que este rei eliminou toda a família de Omri e fundou sua própria
dinastia; e (b) é pouco provável que um rei viesse a pagar tributos em seu primeiro ano
de reinado ("Yaw, son of 'Omri': a Philological Note on Israelite Chronology," BASOR
216 [1974]: 5-7). Para uma solução, ver Edwin R. Thiele, "An Aditional Chronological
Note on 'Yaw, Son of 'Omri'," BASOR 222 (1976): 25-28.
372 H istória de I srael no A ntigo T estament*
Jorão de Israel
O segundo filho de Acabe também era perverso, mas não tanto quanto
seu pai ou sua mãe, pois decidiu extinguir o culto e a adoração a Baal em
favor do quase-jeovístico culto de Jeroboão. Isto pode parecer um bom
sinal, mas dificilmente qualifica Jorão como um reformador. Josafá, é cla
75 Gary Rendsburg sugere que Moabe havia se libertado de Israel durante os tempos
turbulentos que caracterizaram o cisma de Jeroboão, e que ficaram nessa condição
até o reinado de Omri ("A Reconstruction of Moabite-Israelite History," JANES 13
[1981]: 67).
76 A documentação extrabíblica é encontrada na chamada inscrição de Mesha. Temos o
texto no livro de Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 320-21. Se quiser buscar um
material que faz uma brilhante ligação entre os dados contidos nessa inscrição com os
detalhes do Antigo Testamento, ver em Oded, "Neighbors on the East," em World History
of the Jewish People, vol. 4, parte 1, pp. 256-57; Bayla Bonder, "Mesha's Rebellion Against
Israel," JANES 3 (1970-71): 82-88. Rendsburg, "Reconstruction," p. 68, diz que a revolta
aconteceu nos últimos dias de Acabe, mas essa é uma maneira errada de interpretar o
que diz no texto de Mesha.
.4 M onarquia D ividida 373
77 James D. Shenkel afirma que o rei de Judá aqui descrito é Acazias, e não Josafá. Ele
constrói sua teoria baseado na Septuaginta, especialmente na revisão de Luciano do
texto grego, cujas cronologias ele considera superior às que estão registradas no texto
massorético (Chronology and Recensional Development in the Greek Text of Kings
[Cambridge: Harvard University Press, 1968], pp. 92-108). Caso ele esteja certo, todo o
período da história bíblica precisará ser reescrito. Thiele, "Coregencies," JBL 93 (1974):
184-88 demonstrou, por outro lado, que Shenkel chegou à sua teoria "ajustando" o texto
das versões gregas que ele utilizou para corroborar suas conclusões.
78 O aparecimento de Eliseu neste momento (2 Rs 3.11) pode ser interpretado como um
indício de que Elias já havia sido arrebatado para o céu. Mesmo assim, Elias escreveu
uma carta para Jeorão de Judá (2 Cr 21.12-15), que reinou depois de Josafá. Green, em
"Regnal Formulas," JNES 42 (1983): 176, afirma que Eliseu foi o autor dessa carta, mas
parece ser melhor a opinião de Green quanto à existência de uma co-regência entre
Josafá e Jeorão, o que claramente resolveria a tensão (cf. 2 Reis 1.17).
79 Quanto ao itinerário percorrido pelos reis de Judá e Edom, ver Aharoni e Avi-Yonah,
Macmillan Bible Atlas, mapa 132. J. Liver lançou a teoria de que os reis tomaram essa
rota um tanto circular, ao invés de uma que fosse pelo norte do mar Morto, em virtude
das grandes fortalezas, conforme escrito no texto de Mesha. Esse rei tinha construções
ao norte de Moabe ("The Wars of Mesha, King of Moab," PEQ 99 [1966]: 27).
374 H istória dl I srael no A ntigo T estaue —
Esse deve ser o significado de 2 Reis 6.23, pois por algum tempo depois disso Aram
voltou com um grande exército (6.24). Ver T.R. Hobbs, 2 Kings, Word Biblical
Commentary (Waco: Word, 1985), p. 78
A M onarquia D ividida 375
durante todo o reinado de Jorão (852-841), deve ter se estendido até 845. A
cura de Naamã e as duas invasões de Ben-Hadade devem ser datadas pró
ximo ao final do mandato de Jorão.81
A u n ç ã o de H a z a e l d e D a m a s c o
Je o rã o de Ju d á
81 Green, "Regnal Formulas," JNES 42 (1983): 178, prefere pensar que o cerco à cidade de
Samaria (2 Reis 6.24 - 7.20) aconteceu entre 845 e 841. Essa é uma data bastante razoá
vel, pois é tardia o suficiente para englobar o período de sete anos de fome e o cerco de
Dotã (2 Rs 6.8-23). Ele também sugere que o contato inicial de Eliseu com a mulher
sunamita (2 Rs 4.8) aconteceu dez anos antes do final dos sete anos de fome — seu filho
nasceu, pelo menos, um ano depois daquele primeiro contato e estava com, no mínimo,
dois anos quando faleceu, e a fome durou outros sete anos. Além disso, Green concluiu
que o primeiro contato de Eliseu e a sunamita deve ter ocorrido no reinado de Josafá,
visto que Jeorão reinou menos de dez anos. Logo, a presença de Josafá na campanha
militar contra os moabitas é totalmente histórica (2 Reis 3).
376 H istória de I srael no A ntigo T estament:
Um dos resultados das alianças feitas por Josafá com a dinastia de Omri
agora ficava evidente. Jeorão, diz o historiador, era tão mau quanto Acabe
e os reis de Israel, pois sua mulher era Atália, filha de Acabe. Josafá apa
rentemente arranjou o casamento, pois havia se juntado aos que despre
zavam o Senhor. Porém, mesmo sendo Jeorão pecador, Yahweh não des
truiu Judá, pois prometera a Davi que a lâmpada de sua dinastia não se
apagaria (2 Cr 21.5-7).
Desde o início de seu reinado, Jeorão mostrou grande inclinação para
derramar sangue, e esta foi uma característica de toda a sua administra
ção. Temendo a possibilidade de um golpe de estado por parte de seus
irmãos, ordenou que todos fossem assassinados (2 Cr 21.4). Porém ele tam
bém começou a sofrer reveses. Primeiramente, Edom rebelou-se e estabe
leceu sobre si seu próprio rei. Esta nação vivera um relacionamento flutu
ante com Judá durante muitos anos.82 Nos últimos anos de Josafá, Edom
obteve uma independência temporária (1 Rs 22.47; 2 Rs 3.9), mas no início
do reinado de Jeorão, tornou a ficar sob o controle de Judá. Agora, mais
uma vez Edom rebelava-se. Embora Jeorão enviasse um grande contin
gente militar para pôr fim à insurreição, Edom permaneceu livre da auto
ridade de Judá (2 Rs 8.20-22).
Libná (Tel es-Sâfi?),83 uma importante cidade na Sefelá, também se
rebelou, provavelmente pela influência dos filisteus próximos à região,
pois, juntamente com os árabes que moravam próximo aos cuxitas, lan
çaram um ataque contra Jerusalém. O palácio real foi pilhado e despoja
do, e toda a família real, com exceção do filho mais novo, Acazias, foi
morta à espada (2 Cr 21.16,17).84 Tudo isso aconteceu porque Jeorão cons
truiu lugares altos e induziu Judá a desviar-se. Além disso, esses aconte
cimentos já haviam sido preditos pelo profeta Elias em uma carta escrita
ao rei Jeorão (2 Cr 21.12-15), o único escrito que restou daquele ilustre
homem de Deus.
82 Para uma boa análise dos períodos alternados de independência dos edomitas e sua
subserviência a Judá, ver Green, "Regnal Formulas," JNES 42 (1983): 176-77.
83 Essa identificação é um tanto questionável. Ver em Avraham Negev, editor,
Archaeological Encyclopedia of the Holy Land (Englewood, N.J.: SBS, 1980), p. 188;
Yeivin, "Divided Kingdom," em World History of the Jewish People, vol. 4, parte 1,
p. 150.
84 O fato de não existir nenhuma evidência na narrativa, ou na arqueologia, de que a cida
de foi destruída, levou muitos estudiosos a interpretar a campanha aqui discutida como
um ataque contra as cidades situadas bem próximas a Jerusalém. Ver, por exemplo,
Myers, II Chronicles, p. 122.
A M onarquia D ividida 377
A u n ç ã o d e Je ú
85 Green, "Regnal Formulas," JNES 42 (1983): 176, n. 31, propõe que a doença tenha sido
uma intussuscepção causada por hipermotilidade intestinal associada à inflamação
no cólon.
86 Esse cenário relativo a Acazias é uma reconstrução baseada em 2 Reis 9.27 e 2 Crônicas
22.7-9. Para maiores detalhes, ver Merrill, "2 Chronicles," em Bible Knowledge
Commentary, vol. 1, p. 636.
378 H istória de Israel no A ntigo T estament.
0 re in a d o d e Je ú em Israel
1 Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings (Grand Rapids: Eerdmans,
1965), pp. 50-52.
380 H istória de I srael no A ntigo Testament:
A tá lia de Ju d á
3 Ver T.R. Hobbs, 2 Reis, Word Biblical Commentary (Waco: Word, 1985), p. 130.
4 Jeoseba era filha de Jeorão (2 Rs 11.2), mas não de Atália. O cronista aponta o fato de
Jeoseba ser a mulher do sumo sacerdote Jeoiada (2 Cr 22.11).
382 H istóríá d l I srael s o A\ ligo Tlo; ■.*;
O p a p e l d as o u tra s n a çõ e s
As incursões da Assíria
3 A ilegalidade do reinado de Atália pode ser visto no fato que o historiador interrompe
seu padrão de narrativa não incluindo o período dessa rainha em sua contagem crono
lógica. Só podemos admitir a existência desses seis anos através de dedução. Ver em
Walter R. Winfall, "The Chronology of the Divided Monarchy of Israel," ZAW 80 (1968):
328-29; Thiele, Mysterious Numbers, p. 71.
6 A linguagem do texto reflete a cerimônia e o ritual de coroação; ver John Cray, l & ll
Kings (Philadelphia: Westminster, 1970), pp. 575-75.
A D inastia de J eú e o J edá C ontemporâneo 383
anais assírios, porém, são muito úteis para adquirir informações acerca
deste período. Depois da batalha de Carcar, em que uma coalizão de reis
do ocidente uniu-se para deter o programa de expansão territorial assírio
no oeste, o rei assírio Salmaneser III retirou-se de volta para sua terra natal
a fim de resolver alguns problemas pelos próximos quatro anos. Retornou
para o oeste em 849, 848, 845 e 841, e em todas as data exceto na última
obteve resistência. Contudo, em 841 ele tentou derrotar Hazael, de Da
masco, e forçou o rei de Israel (Jeú) a pagar-lhe elevado tributo, conforme
está registrado no famoso Obelisco Negro .7 O fato de Jeú estar em seu
primeiro ano pode ser uma coincidência, mas é inteiramente possível que
a instabilidade causada pela sua violência tenha favorecido um ataque
estrangeiro .8 De qualquer maneira, o fato de Salmaneser ter praticamente
destruído Damasco e estabelecido seu senhorio sobre Israel permitiu-lhe
liberdade para tratar de outros assuntos. Logo, depois de 838 ele se ocu
pou com o norte da Síria e com a Média e Armênia, ao leste a ao norte.
Como conseqüência, Israel tornou-se vulnerável aos ataques depredató-
rios de Hazael. Agindo como instrumento de Yahweh, ele marchou contra a
Transjordânia e arrancou de Israel tudo o que estivesse ao sul do Arnom (2
Rs 10.32,33). A razão política para isso é bem aparente. Jeú, ao invés de jun
tar-se a Hazael para fazer resistência aos assírios, submeteu-se a Salmaneser
como um de seus vassalos. Portanto, a invasão de Hazael nos territórios de
Israel era uma medida contra o reino do norte e também contra os assírios.
Parece que uma data razoável para a invasão de Hazael seja 837- 836, pois
não poderia ter ocorrido enquanto Salmaneser estivesse presente na região
(ele partiu depois de uma campanha malsucedida contra Damasco em 838).
Por outro lado, era óbvio que Hazael desejava vingar-se de Salmaneser, e
não poderia perder a chance que tão rapidamente lhe apareceu.9
A fraqueza do Egito
7 Quanto ao texto, ver James B. Pritchard, Ancient Near Eastern Texts Relating to the Olá
Testament, 2a ed. (Princeton: Princeton University Press, 1955), p. 280.
8 Michael C. Astour sugere de forma desafiadora que o massacre promovido por Jeú foi
feito na intenção de destruir qualquer elemento anti-assírio em Israel e Judá, de forma a
poder apaziguar a Assíria ("841 B.C.: The First Assyrian Invasion of Israel,"/AOS 91
[1971]: 388-89).
9 Herbert Donner, "The Separate States of Israel and Judah," em lsraelite and Judaean History,
editado por John H. Hayes e J. Maxwell Miller (Philadelphia: Westminster, 1977), p. 413.
384 H istória de I srael xo A m ig o T e >t -.
Jo á s , rei d e Ju d á
Os anos de justiça
10 Kenneth A. Kitchen, The Third Intermediate Period in Egypt (1100-650 B.C), (Warminster:
Aris and Phillips, 1973), p. 324.
11 Ibid., p. 235.
386 H istória d l I srall no A ntigo T esta o.- ■-
havia qualquer indício da obra .1213 O rei Joás então ordenou ao sumo sa
cerdote Jeoiada que providenciasse a construção de um gazofilácio ao
lado do grande altar, onde os sacerdotes depositariam as ofertas do povo.1'
Um apelo foi feito por todo o reino para que trouxessem suas ofertas ao
templo; e com alegria o povo ofertou. Joás assalariou trabalhadores para
iniciar a restauração. Tão honestos e fiéis eram os que contabilizavam o
dinheiro que o povo não lhes exigia um relatório. A quantia empregada
pelos supervisores para o pagamento dos trabalhadores servia apenas
para este propósito. Nem mesmo para os utensílios do templo se empre
gou esse dinheiro. Finalmente, quando toda a obra de reparação e res
tauração já estava terminada, os vasos da casa de Yahweh foram feitos
do que sobrou da prata e ouro trazidos pelo povo em sua generosidade e
espontaneidade.
Os anos de apostasia
12 Quanto a uma análise da coincidência do vigésimo terceiro ano de Joás e o último de Jeú
em 814, ver Thiele, Mysteríous Numbers, p. 74. Quanto ao argumento de que o ano da
ascensão de Joás foi 835 e que em 814 temos seu vigésimo terceiro ano, ver pp. 71-72.
13 Essa prática de repartir a custódia financeira do templo tem sido grandemente
esclarecida por um texto assírio citado por Victor Hrowitz, "Another Fiscal Practice
in the Ancient Near East: 2 Kings 12.5-17 and a Letter to Esarhaddon (LAS 277),"
JNES 45 (1986): 289-94.
A D i \astia de J e O e o J i/ da C ontemporâneo 387
A situação externa
Hazael de Damasco
A invasão dos arameus que culminou na morte de Joás não pode ter sido
a mesma campanha de 2 Reis 12.17,18, pois Hazael já havia morrido em 801,
e Joás ainda viveu até 796. Além disso, os dois relatos nada têm em comum,
exceto o inimigo.14 Por exemplo, somente em 2 Reis está escrito que a cidade
de Jerusalém teria caído nas mãos do inimigo, não fosse o rei Joás ter saído ao
encontro do rei arameu com muito ouro, que retirara do tesouro do templo.
Conforme já se observou, o rei Hazael aproveitou-se da ausência de
Salmaneser III, da Assíria, para investir um ataque sem tréguas contra Isra
el, seu constante e inveterado inimigo ao sul. A invasão resultou na perda
de grande extensão territorial de Israel, especialmente na Transjordânia. Após
a morte de Jeú de Israel, os conflitos apenas aumentaram, pois o filho de
Jeú, Jeoacaz (814-798), foi constantemente afligido por Hazael. O autor do
livro dos Reis indica que as hostilidades dos arameus continuaram agora
sob o herdeiro Ben-Hadade II (2 Rs 13.3,22-25). Não fosse a intervenção de
Adade-Nirari III da Assíria nos conflitos da região siro-palestinense, os
arameus teriam subjugado Israel e Judá completamente.
O retorno da Assíria
A imunidade de Hazael com respeito à interferência da Assíria durou
não apenas pelo restante dos anos de Salmaneser III, mas também por
todo o reinado de seu filho e sucessor Shamshi-Adad V (823-811).15
Shamshi-Adad chegou ao poder por meio de uma grave rebelião e pelo
apoio do rei dos Povos do Mar, Marduk-zakir-sumi I. Com exceção de
Damasco, os estados clientes ao oeste permaneceram subservientes e bem
administrados, de forma que não houve pressão alguma da Assíria na re
gião. De fato, tal envolvimento tornou-se um ponto de discussão, pois
desde 818 até sua morte, Shamshi-Adad esteve totalmente ocupado em
muitas guerras com seus antigos aliados na Babilônia. Portanto, é fácil
entender como Hazael sentiu-se verdadeiramente livre, entre 837 e 805,
para empreender qualquer política entre seus vizinhos.
J e o a c a z , rei de Israel
16 William W. Hallo e William K. Simpson, The Ancíent Near East (New York: Harcourt
Brace Jovanovich, 1971), p. 129. Grayson, "Assyria," em CAH 3.1, pp. 271-72, não está
de acordo com essa afirmação, argumentando que a noção de uma co-regência está ba
seada em uma má interpretação do texto relevante.
17 Baseado na esteia de Rimah, que menciona Jeoás de Samaria (798-782), a maioria dos estu
diosos situa a última campanha de Adade-Nirari contra Mansuate em 796. William H. Shea,
contudo, sugere que a esteia de Rimah, como a esteia de Sabá, refere-se a uma campanha
mais anterior (805) naquela mesma região. Isso, evidentemente, exige que o reinado de
Jeoás seja situado da mesma forma ("Adade-Nirare III and Jehoash of Israel," fCS 30(1978]:
101-13). Shea não leva em conta o fato de as inscrições reais serem compostas de forma
bastante estereotipada, e desconsidera que lugares diferentes possam ter sido conquistados
em campanhas com intervalo de dez anos entre uma e outra. Ver também Hayim Tadmor,
"The Historical Inscriptions of Adade-Nirari III," Iraq 35 (1973): 141-50.
18 S. Yeivin situa a invasão de Hazael em 813 ("The Divided Kingdom: Rehoboam-
Ahaz/Jeroboam-Pekah," em World History o f the ]ewish People, vol. 4, parte 1, The
Age of the Monarchies: Polítical History, editado por Abraham Malamat (Jerusalem:
Massada, 1979), p. 152.
A D inastia de J eú e o J udá C ontemporâneo 389
maneira ainda mais intensa (13.3).19 É possível que a morte de Jeú, em 814,
tenha servido de estímulo para Hazael lançar seu ataque contra Israel e, ao
mesmo tempo, contra as cidades de Gate e Jerusalém. Shamshi-Adad da
Assíria estava completamente ocupado em suas guerras contra a Babilônia
nesses anos, de forma que não pôde evitar as conquistas de Hazael.
Mesmo sendo um rei injusto e mau perante os olhos do Senhor, o rei
Jeoacaz clamou a Deus durante os dias em que Hazael castigava seu rei
no, de sorte que Yahweh enviou um "libertador" que livrou Israel das
mãos dos arameus (2 Rs 13.5). Para a maioria dos estudiosos, esse "liber
tador" foi Adade-Nirari III que, conforme visto, lançou-se em uma inten
sa campanha ao oeste em 805, que resultou na subjugação de Hazael e,
portanto, na libertação da nação de Israel.20 Enquanto isso, Israel estava
reduzido a um miserável e insignificante estado, pois o historiador sagra
do diz que o exército contava com apenas cinqüenta cavaleiros, dez carru
agens e dez mil homens de infantaria!
A segunda campanha de Damasco contra Jerusalém, que resultou no
ferimento quase mortal de Joás e, por fim, em sua própria morte, não pode
ter sido dirigida por Hazael, pois este morrera em 801,21 embora Joás te
nha vivido até 796.22 O rei arameu que surge no cenário (não há registro
de seu nome) deve ter sido o filho de Hazael, Ben-Hadade II, que conti
nuou a política de intervenção de seu pai nos negócios de Israel e Judá.
Em suas mãos Yahweh entregou o reino do norte continuamente durante
os dias de Jeoacaz (2 Rs 13.3), mas Jeoás, filho de Jeoacaz, foi forte o sufici
ente para reaver as cidades israelitas que estavam sob o controle de Ben-
Hadade (13.25). E, por fim, Jeroboão II conseguiu recuperar todo o territó
rio que pertencera ao reino de Salomão, e que estava por muito tempo no
poder dos arameus (2 Rs 14.25-27).
19 A redução do território israelita pode ser vista nos Óstracos de Samaria, que registram
o pagamento de taxas de algumas poucas cidades próximas da capital (Yeivin, "Divided
Kingdom," p. 153).
20 Quanto ao que está escrito na "Placa de Nimrud", ver Pritchard, Ancient Near Eastern
Texts, pp. 281-82. Aqui Hazael é identificado como Mari' ("Senhor"), embora aquele fosse
seu nome, ao invés de título. Ver Merril F. Unger, Israel and the Aramaeans of Damascus
(Grand Rapids: Baker, 1980 reedição), p. 83. Adade-Nirari também derrotou Damasco e
seu rei Ben-Hadade em 796, de sorte que ele também pode ter atuado como "libertador"
de Israel, que naquela ocasião estava sob o governo de Jeoás (Hayim Tadmor, "Assyria
and the West: The Ninth Century and Its Aftermath," em Unity and Diversity, editado por
Hans Goedicke e J. J. M. Roberts [Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1975], p. 40).
21 Unger, Israel and the Aramaeans, p. 82.
22 Thiele, Mysterious Numbers, pp. 72-73.
390 H istória de I srael no A ntigo T est -.'-'.L'~:
O ce n á rio in te rn a c io n a l
Assíria
Egito
Damasco
Mais uma vez, Damasco estava livre para molestar seus inimigos ao
sul. Mas agora a situação era diferente, pois tanto Israel quanto Judá esta
vam sendo governados por reis criativos e corajosos, que não apenas re
sistiram a invasão dos arameus, mas também tomaram medidas decisivas
para expandir seu território, à custa do inimigo.
Je o á s , rei d e Israel
dos de Jeroboão, "os quais ele ensinou a Israel". Mas ainda assim Deus lhe
foi gracioso e o capacitou para prevalecer não apenas contra os arameus,
mas também contra Amazias, rei de Judá. O fato de ter consolado Eliseu
próximo de sua morte e de ter recebido deste muitos conselhos (2 Rs 13.14
19) contribuiu para que Jeoás não fosse visto como mais um rei israelita na
tradição de seus antecessores.
A visita de Jeoás ao profeta Eliseu deve ter ocorrido bem no princípio de
seu reinado, talvez em cerca de 796. Esta sugestão tem base no fato de Ben-
Hadade II ter acabado de subir ao trono de Damasco, sucedendo Hazael, que
morrera em 801. Hazael foi um problema constante para Jeú e seu filho Jeoacaz;
agora que estava morto, parecia ter chegado o momento certo para Israel vin
gar-se contra aquele reino e readquirir seus territórios perdidos. Sem dúvida
este fator motivou Jeoás a buscar os conselhos do antigo profeta. Ele desejava
saber se os arameus, liderados por Ben-Hadade, seriam entregues nas mãos
de Israel. Após receber uma resposta positiva, partiu contra Ben-Hadade e,
conforme predisse o profeta Eliseu, obteve três grandes vitórias, e todas pro
porcionaram a recuperação de territórios perdidos. Se nele houvesse mais fé
em Yahweh, teria destruído completamente os arameus.
Não há especificação das cidades recuperadas, exceto que haviam sido
conquistadas por Ben-Hadade na época de Jeoacaz, pai de Jeoás (2 Rs 13.25).
Este é um dado importante, porque Ben-Hadade, que iniciou seu reinado
em 801, decidiu continuar a política de agressão contra Israel. Embora
Yahweh tivesse suscitado um libertador, nos anos entre 805 e 796, o rei
assírio Adade-Nirari teve de retornar para sua terra a fim de resolver al
guns problemas internos, o que deixou Israel novamente indefeso. Ben-
Hadade aproveitou o afastamento do rei assírio para tomar alguns territó
rios israelitas. Por isso não é de espantar que o rei Jeoás buscasse a orien
tação de Deus.
A m a z ia s , rei d e Ju d á
máquina militar de Judá, com objetivo de não apenas proteger o reino das
ameaças ao redor — Israel, que na ocasião estava melhor equipado e pre
parado — mas também readquirir os territórios perdidos nos cinqüenta
anos anteriores.
As relações com Israel ainda não haviam se deteriorado ao ponto de haver
uma guerra aberta, pois Amazias empregou em seu exército cem mil merce
nários israelitas. Segundo o cronista, esta atitude não foi sábia, pois Israel já
havia sido rejeitado por Yahweh e não poderia ajudar o seu povo. Judá teria
de confiar no Senhor, não na força humana. Ironicamente, quando o próprio
Amazias decidiu não levar consigo os homens de Israel, sua atitude disparou
um conflito de grandes proporções entre os dois reinos (2 Cr 25.5-13).
O primeiro objetivo de Amazias, quando saiu com um imenso exército,
era recuperar a província de Edom, pertencente a Judá. Nenhuma menção
de Edom é feita desde o reinado de Jeorão, cinqüenta anos antes, quando
se rebelou contra Judá, tornando-se uma nação independente .27 Sem dú
vida permaneceu nessa condição até os anos de Amazias, de maneira que
o empreendimento de Amazias não era tanto uma reação à recente seces
são edomita quanto era uma tentativa de recuperar a antiga glória de Judá.
De qualquer forma, os exércitos de Judá encontraram as forças defensi
vas de Edom no vale do Sal (Vadi el-Milh), entre Berseba e Arade, e vence
ram sobejamente os edomitas. Com indescritível brutalidade, Amazias
matou dez mil homens de Edom na peleja, e outros dez mil jogou de um
despenhadeiro para que morressem nas rochas embaixo. Então foi a Sela,
a cidade-capital dos edomitas e a colocou sob o domínio de Judá nova
mente (2 Rs 14.7; 2 Cr 25.11-12).
O encontro triunfante com os edomitas pode ter concedido ao rei
Amazias um certo prestígio, mas em nada contribuiu para estabelecer uma
posição espiritual como líder do povo, pois dentre os espólios da guerra
estavam os ídolos dos edomitas, que ele adorou em Jerusalém. Apesar do
apelo de um homem de Deus, Amazias continuou a sua desenfreada de
sobediência, de forma que um profeta anônimo predisse a trágica e vio
lenta morte do rei (2 Cr 25.14-16).
Enquanto isso, os mercenários israelitas que haviam sido dispensa
dos do serviço, voltaram para sua terra enfurecidos, matando, ferindo e
saqueando por onde passavam. O alvo principal de sua fúria, segundo o
cronista, foram as "cidades de Judá, desde Samaria, até Bete-Horom"(2
A cronologia do período \
30 Qutra possibilidade a ser considerada é que Uzias foi convocado a suceder Amazias
porque este foi levado em cativeiro pelo rei Jeoás. Nesse caso, aquela batalha (Bete-
jc i i L o j ic iia ut.: sei pu?"-1U.,«U« U11. um, u u L1V..U.
Thiele sugere que os "quinze anos" a mais referem-se ao período entre o final do cati
veiro de Amazias (que terminou quando Jeoás morreu, em 782) e sua própria morte em
767 (Mysterious Numbers, pp. 86-87). Uzias teria então servido sozinho como rei durante
dez anos, enquanto Amazias estava em cativeiro.
31 Myers, II Chronkles, p. 146.
33 Edwin R. Thiele, "Coregencies and Overlapping Reigns Among the Hebrew Kings,"
JBL 93 (1974): 192-93.
396 H i s t ó r i a d e I s r a e l n o A n t ic , o T e s t a n£.*-~n
A glória de Israel
33 Ibid., p. 193.
34Esse é o significado de 2 Reis 14.21. Ver Thiele, Mysterious Numbers, pp. 83-84. Pela maior
parte de seu reinado, então, Amazias foi co-regente com seu filho.
35 Roland de Vaux, Ancient Israel (New York: McGraw-Hill, 1965), vol. 1, p. 29.
À D i n a s t i a d e J e ú e o J l id á C o n t e m p o r â n e o 397
existentes em seu governo. O julgamento proferido é que ele foi mau peran
te os olhos do Senhor. Entretanto, estabeleceu uma liderança política abso
luta. Seguindo os passos de seu pai Jeoás, a quem presumivelmente ajudou
em suas campanhas militares, Jeroboão foi capaz não apenas de recuperar
os territórios de Israel sob o domínio de Damasco por muitos anos, mas
também de trazer todo o sul de Aram e a Transjordânia de volta ao poderio
de Israel (2 Rs 14.25-28). Não houve outro reino que, desde os tempos de
Salomão, tenha conseguido dominar sobre tamanha extensão territorial.
Mas isso não aconteceu em razão da piedade de Jeroboão; pelo contrá
rio, foi apesar de sua iniqüidade. Na verdade, como o profeta Jonas pro
clamou, a razão da libertação de Israel era que Yahweh permanecia mise
ricordioso com o seu povo e lembrava-se de seu pedido para não os des
truir (2 Rs 14.25-27). Viria ainda o dia do julgamento de Israel, mas esse
não era o tempo. Agora, era momento de alívio e até de favor. Talvez a
recuperação do reino conduzisse a nação ao zelo pela aliança.
As incursões de Jeroboão só foram possíveis porque a Assíria encontra
va-se em más condições no momento. O poderoso império chegara ao pon
to mais baixo, de forma que não podia intervir em assuntos internacionais.
Quanto a Ben-Hadade II de Damasco, este foi gravemente derrotado e hu
milhado por Zaquir de Amate, em cerca de 773 .36 De fato, é possível que
tenha morrido nessa batalha. Ele já havia perdido algumas cidades para
Jeoás, de Israel, e, na ocasião de sua morte, deixou a cidade de Damasco
praticamente em falência. Jeroboão empreendeu seu programa de restaura
ção do império de Israel ou no intervalo entre a morte de Jeoás (782) e Ben-
Hadade II (ca. 773) ou pouco tempo depois. A cidade de Damasco foi inclu
ída em suas conquistas, embora sua derrota para Israel não esteja registrada
em nenhuma fonte extra-bíblica; por isso é menos considerada pela maioria
dos estudiosos.37 Muito provavelmente Damasco foi tomada por Jeroboão
durante o reinado do sucessor de Ben-Hadade, cujo nome infelizmente não
está registrado na história. O próximo monarca de Damasco conhecido cha
mava-se Rezim, que chegou ao poder em cerca de 750 e que, como aconte
ceu ao rei anterior, morreu junto com sua cidade em 732.38 Uma outra pos
36 Maiores informações quanto às datas sugeridas, ver Unger, Israel and the Aramaeans, pp.
85-89. Uma tradução e comentário da esteia de Zakir podem ser achados em D. Winton
Thomas, editor, Documents from Old Testament Times (London: Thomas Nelson, 1958),
pp. 242-50.
37 Oded, "Neighbors on the East," em World History of the Jeioish People, vol. 4, parte 1, p.
268, deixa aberta essa possibilidade, citando a escavação de 'En Gev e o tratado de Sfire
como evidência.
38 Unger, Israel and the Aramaeans, p. 95.
398 H is t ó r ia d e I s r a e l n o A n t ig o T e s t a o t
U z ia s , rei de Ju d á
39 T.C. Mitchel faz referência a um certo Hadianu (= Hezion) do período que está registra
do apenas em uma inscrição de Salmanaser IV, mas que não foi publicada ("Israel and
Judah from Jehu Until the Period of Assyrian Domination [841-c. 750 B.C.]," em CAH
3.1, p. 510). Essa é a conhecida esteia de Pazarcik. A identificação de Hadianu como um
rei de Damasco, porém, é incerta.
40 Yeivin ("Divided Kingdom," em World History of the Jewish People, vol. 4, parte 1, p. 161)
sugere que Amazias foi verdadeiramente deposto em favor de Uzias, mas não há razão
para se pensar que o caso chegou a esse extremo, pois o tempo de duração do reinado
de Amazias vai até 767, ao passo que a co-regência de Uzias começou em 792.
A D in a s t ia de J eú e o J vdá C o n tem po rân eo 399
41 Oxford Bible Atlas, editado por Herbert G. May, 3a ed. (New York: Oxford University
Press, 1984), pp. 69,130.
4: Oded, "Neighbors on the East," em World History of the Jewish People, vol. 4, parte 1, p.
262.
400 H i s t ó r i a d e I s r a e l n o A n t i g o T e s t w e *—:
O m in is té rio d o s p ro fe ta s
O ofício de profeta
45 Veja, por exemplo, Willis J. Beecher, The Prophets and the Promise (Grand Rapids: Baker,
1963 reedição); Joseph Blenkinsopp, A History of Prophecy in Israel (Philadelphia:
Westminster, 1983); C. Hassel Bullock, An Introduction to the Old Testament Prophetic Books
(Chicago: Moody, 1986).
402 H i s t ó r i a d e I s r a e l n o A n t i g o T i .' ~ -
era de origem mais divina e importante do que o rei e o sacerdote; não era.
entretanto, "oficializado" no sentido em que eram os outros. De fato, ao
invés de transitar nos círculos da política e da religião estabelecida, os
profetas agiam por fora, como instrumentos de correção ou conselheiros.’ 7
Mesmo assim não eram vistos como adversários do templo ou do Estado,
mas como porta-vozes de Deus, chamados para falar palavras de bênçãos,
encorajamento, conselho, repreensão ou juízo para o povo, sacerdote e rei,
conforme a necessidade. Em nenhuma lugar do Antigo Testamento os pro
fetas olharam com desrespeito ou desaprovação para o ofício dos reis e
dos sacerdotes.4647 Ao contrário, eles sabiam diferenciar bem os ofícios ins
tituídos por Deus e as pessoas que ocupavam esses cargos. Houve sacer
dotes e reis justos e perversos que receberam o devido tratamento dos
profetas. Do mesmo modo havia profetas justos e injustos. Os ofícios nun
ca eram desprezados em razão do mau testemunho de alguns.
Todas as sociedades do mundo antigo tinham os seus profetas, mas os
de Israel destacavam-se em vários sentidos .48 Em primeiro lugar, eles ti
nham a total consciência de que eram chamados por Deus e, se de fato
eram servos de Yahweh, adaptavam-se aos estritos critérios necessários à
função, a fim de provar a sua credibilidade e genuinidade. Agiam em nome
de Yahweh, e todas as palavras proféticas cumpriam-se totalmente no tem
po e momento histórico preditos.
Além disso, os verdadeiros profetas foram instrumentos de Deus, e não
agiam como os adivinhadores pagãos, que praticavam as artes mágicas
em busca de satisfazer suas divindades, manipulando-as indiretamente
em favor de seus planos e propósitos. Os profetas de Yahweh não conheci
am a mente de seu Deus, a menos que Ele decidisse revelar-se mediante
sonhos, visão ou outra maneira. Nem podiam mudar os propósitos de
Deus através de encantamentos ou outros meios mecânicos. Entretanto,
podiam orar com perseverança e induzir outros a fazer o mesmo; e em res
posta poderia acontecer de Deus mudar as suas intenções. Mas tal resposta
nunca estava baseava em qualquer habilidade ou simpatia do profeta. Pelo
contrário, ela procedia da misericórdia e graça de Deus, e era concedida
exclusivamente para a glória de seu santo nome e para o bem de seu povo.
46 G. Ernest Wright e Reginald H. Fuller, The Book of the Acts of God (Garden City, N.Y.:
Doubleday, 1960), pp. 149-51.
47 Walther Eichrodt, Theology of the Old Testament (Philadelphia: Westminster, 1961), vol. 1,
pp. 364-69.
48 Walther Zimmerli, Old Testament Theology in Outline, traduzido por David E. Green
(Atlanta: John Knox, 1978), pp. 99-107.
A D ix a s t ia d e J e O e o J u d á C o n t e m p o r â n e o 403
História do profetismo
levado para o céu, eles já existiam como uma comunidade de número con
siderável, cuja base de ação eram as cidades de Betei e Jericó. Não há dú
vida de que esses homens viviam em um regime de internato, bem próxi
mo ao sistema monástico. Isto é evidente pelo fato de se multiplicarem em
Jericó a ponto de o lugar tornar-se pequeno. Então Eliseu os encorajou a
construir alojamentos apropriados (2 Rs 6.1,2).
Antes de Elias ser transladado para o céu, foi considerado em sua co
munidade como o grande mestre. A transferência de seu manto para o
discípulo Eliseu significava indubitavelmente que este agora substituía o
mestre; e prontamente foi reconhecido pelos jovens profetas. O termo que
utilizavam para referir-se aos seus mentores era "pai", o que esclarece não
apenas a forma como se sentiam a respeito de seus líderes, mas também a
significação da frase "filhos dos profetas". Embora esta frase e até mesmo
a existência de uma comunidade não possam ser provadas em outra parte
(mesmo imediatamente após a morte de Eliseu ),50 o profeta Amós, vinte e
cinco anos depois da morte de Eliseu, negou qualquer vínculo com o
profetismo formal, afirmando ao rei Jeroboão II que não fora treinado para
ser profeta e nem era "filho de profeta" (Am 7.14). Esta não era uma crítica
à ordem profética, mas simplesmente uma declaração de que não era afi
liado ao grupo.
Geralmente se faz uma distinção entre os profetas canônicos que escre
veram suas profecias e aqueles que, como Elias e Eliseu, não deixaram
nenhum registro (com exceção da breve carta de Elias em 2 Cr 21.12-15).
Algumas vezes conclui-se, baseado nos escritos preservados, que os pro
fetas canônicos foram de alguma forma superiores ou mais teológicos que
os demais .51 Mas isso é uma proposição sem base, pois dois dos maiores
profetas — Moisés e Samuel — não são contados entre os canônicos, e
mesmo assim criaram obras literárias quase incomparáveis tanto pelo es
tilo de composição quanto pelos aspectos teológicos envolvidos.
A diferença reside no fato de que Deus, para sua própria glória, es
colheu preservar os escritos dos profetas que vieram depois de Elias e,
por razões que somente Ele conhece, não incluiu em seu cânon Natã,
Gade e todos os demais profetas dos primórdios de Israel. Além disso,
30 J.R. Porter, de fato, vê os "filhos dos profetas" como uma comunidade ad hoc, que surgiu
como uma reação à dinastia de Omri, especialmente sob Eliseu, ficando restrita apenas
àquele período. (Q, N, 330~'',32, JTS 32 [1981]: 423-29). Não há evidência de que essas
comunidades de profetas tivessem sido tão restritas a esse ponto.
51 W. O. E. Oesterley e Theodore H. Robinson, Hebrew Religion: Its Origin and Development,
2a ed. (New York: Macmillan, 1937), pp. 222-23.
A D in a s t ia d e J e ú e o J u d ã C o n t e m p o r â n e o 405
Obadias
Os quatro primeiros profetas canônicos — Obadias, Joel, Amós e Jonas
— escreveram suas profecias durante o período que estamos tratando (840
740). A melhor análise crítica desse pequenino livro de Obadias permite
estabelecer a data de sua composição na metade do século nove ou quase
em seu final, de forma que (juntamente com o profeta Joel) ele se torna a
mais antiga produção dos escritos proféticos .52 Infelizmente, nada é co
nhecido acerca do autor, nem ele menciona eventos ou pessoas específicas
que conduzam a datas seguras. Sua mensagem trata de Edom, que em sua
arrogância e auto-suficiência recusou auxílio a Judá quando Jerusalém es
tava sob ataque. Embora alguns acontecimentos históricos até possam en
caixar-se na descrição, também é possível concluir que o profeta viveu
nos dias de Jeorão, rei de Judá, quando os filisteus e árabes atacaram Jeru
salém e saquearam o palácio. Na ocasião, levaram a família real, exceto
Acazias, o filho mais novo de Jeorão (2 Cr 21.16,17). A razão por que este é
um período plausível para Obadias é que Jeorão anteriormente invadira
Edom, na tentativa de reprimir uma rebelião em andamento contra Judá.
Os esforços de Jeorão fracassaram, de forma que toda a arrogância descri
ta por Obadias é fruto da independência conquistada por Edom (2 Rs
8 .20, 21).
Quando Jerusalém foi sitiada e atacada por seus inimigos, os edomitas
tornaram-se não apenas indiferentes aos sofrimentos da cidade, como tam
bém uniram-se aos exércitos que passaram a pilhar seus tesouros, regozi
jando-se juntamente com os adversários da humilhação de Judá e Jerusa
lém. Mas o pecado maior, diz Obadias, era que Judá e Edom eram irmãos;
os edomitas tinham de ajudá-los nessa hora. O trágico resultado pelo or
gulho de Edom é que ele seria destruído no dia do Senhor, e seu povo se
tornaria cativo.
52 Gleason L. Archer, Jr., A survey of Old Testament Introduction (Chicago: Moody, 1964), p. 288.
406 H i s t ó r i a d e I s r a e l n o A n t i g o T e s t -a. ' E ^
Joel
A profecia de Joel fala de um tempo em que houve uma severa praga e
fome quase que sem precedentes na terra santa (1 .2 -2 0 ), seguidas de uma
terrível invasão a Judá por numerosos exércitos do norte (2.1-10). Deus
teria misericórdia de seu povo e desviaria os seus inimigos, fazendo-os
cair em ruína (2.12-20). Então a fome também terminaria e a terra voltaria
a produzir e ter prosperidade (2.21-27).
Tanto as conquistas militares quanto a fome foram, por algumas vezes,
a fonte de desastre e sofrimento para Israel e Judá, mas essa justaposição
descrita por Joel não poderia ser comum. Tal seqüência também foi vista
nos dias de Eliseu. Deve ser lembrado que o profeta intercedeu diante do
rei Jorão em favor de uma mulher que fugira para a Filístia, a fim de esca
par da fome que durou sete anos. Ao retornar, a mulher constatou que sua
casa e propriedades haviam sido invadidas, então buscou o auxílio do
profeta. O rei exigiu que todos os seus bens lhe fossem devolvidos (2 Rs
8.1-6). Parece claro que a fome ocorreu próximo ao início do reinado de
Jorão, ou seja, em cerca de 852 a 845.
Também é preciso lembrar que Salmaneser III teve de enfrentar uma
coalizão de reis arameus e palestinos em Carcar, em 853. Os assírios foram
forçados a retirar-se por muitos anos, pois tiveram de resolver questões
em seu país. Porém, em 841, ele conquistou a cidade de Damasco, gover
nada então por Hazael, e cobrou de Jeú um altíssimo tributo logo no pri
meiro ano de reinado em Israel. Não havia motivo para Salmaneser não
continuar sua conquista até atingir a cidade de Samaria, culminando por
fim em Jerusalém. Jeorão reinava na época em Judá. Em razão dos proble
mas enfrentados, tal como a rebelião dos edomitas, Jeorão não podia ofe
recer uma séria resistência à superioridade dos exércitos assírios.
Por que Salmaneser não continuou sua campanha, uma vez que o suces
so estava aparentemente garantido? Para qualquer um que atenta para o
fato de que a história em análise final cumpre o divino propósito, a resposta
é clara. O Senhor Deus de Judá graciosamente interferiu na ocasião, fazen
do o poderoso exército do norte voltar, além de pôr um fim à calamidade da
praga (2 Cr 21.7). Em nossa opinião, o profeta Joel descreve precisamente
esses acontecimentos, e escreve acerca deles em algum ponto entre o início
da fome (ca. 852) e a invasão dos assírios (841). Portanto, Joel teria sido um
profeta contemporâneo de Obadias e de Eliseu, e todos os três teriam exer
cido ministérios importantes durante o reinado de Jeorão de Judá .53
Amós
Amós de Tecoa, o profeta ousado e independente da corte de Jeroboão
II, exerceu seu ministério nos dias de Uzias e Jeroboão (Am 1.1). Visto que
nenhum outro rei é mencionado, pode-se então admitir que Amós tencio
nava dizer que seu ministério público desenvolveu-se por completo en
quanto esses dois reis reinavam, entre 767 e 753. Mais precisamente, Amós
revela que a mensagem de Deus veio sobre ele "dois anos antes do terre
moto" (1 .1 ), mas tal acontecimento não pode ser datado dogmaticamente.54
A profecia de Amós está repleta de alusões históricas, especialmente nos
oráculos referentes às nações (caps. 1—2). Ele faz menção, em primeiro lu
gar, às calamidades infligidas por Hazael de Damasco contra Gileade, que
ocorreram nos dias de Jeú (1.3-5). A abominável atitude de Hazael resulta
ria em sua própria destruição e na deportação de seu povo. Isso ocorreu em
732, quando Tiglate-Pileser III, da Assíria, capturou a cidade de Damasco e
encerrou a sua participação na história do Antigo Testamento.
Os filisteus são julgados em conseqüência de sua colaboração com Edom
contra o povo de Deus em Judá (1.6-8). Essa informação encaixa-se perfei
tamente no registro histórico até certo ponto, pois, conforme visto em co
nexão com a profecia de Obadias, Edom rebelou-se contra Judá, e os filisteus
aproveitaram-se da ocasião para conquistar Jerusalém, levando cativos os
membros da família real. O relato em 2 Crônicas 21 deixa assim o proble
ma, mas o profeta Amós indica que os prisioneiros foram subseqüente-
mente entregues aos edomitas. Nem é preciso dizer que eles passaram
maus momentos ali. Em razão desta atitude, o profeta declara que as cida
des dos filisteus sofreriam a ira de Yahweh. Sob Sargão II, da Assíria, a ira
desceu sobre eles em 712.55
Amós procede indicando que a cidade de Tiro, do mesmo modo que os
filisteus, entregou os prisioneiros israelitas aos edomitas (1.9,10). Essa foi
uma violação direta do acordo entre Israel e Tiro, que vigorava desde os
dias de Davi e Hirão. Infelizmente não é possível ligar a referência de Amós
Rapids: Eerdmans, 1976), pp. 19-25. A data mais antiga que defendemos nesta obra, é
brilhantemente defendida por A. R Kirkpatrick, The Doctrine of the Prophets (London:
Macmillan, 1892), pp. 57-72.
54 Hans Walter Wolff chama a atenção para as evidências do estrato VI em Hazor de um
grande terremoto que ali se verificou em 760 a.C. Essa data localiza-se exatamente na
metade dos reinados de Jeroboão e Uzias, quando reinavam sozinhos. (Joel and Amos
[Philadelphia: Fortress, 1977], p. 124).
William W. Hallo e William K. Simpson, The Ancient Near East (New York: Harcourt
Brace Jovanovich, 1971), p. 140.
408 H is t ó r ia d f. I s r a e l n o A n t ig o T e s t a m e t t
à Tiro ao relato descrito em Reis e Crônicas, mas isso não significa que
Amós não esteja sendo histórico nesse ponto. Ele simplesmente incluiu
um fato histórico que, por alguma razão, não foi registrado tanto por uma
quanto pela outra fonte. Como Damasco e Filístia, Tiro também seria
destruída por seu pecado contra Israel. Os registros assírios estão repletos
de referências à destruição ali ocorrida.
Edom é o próximo objeto da mensagem profética de juízo (1.11,12).
Aqui está uma declaração geral a respeito da hostilidade de Edom contra
Israel e Judá, desde os dias da travessia no deserto até o presente momen
to. Ecoando o radical alerta emitido por Obadias, Amós predisse o dia em
que Edom seria reduzido a cinzas, uma calamidade que sobreveio ao rei
no nos dias de Esaradom e Assusbanipal da Assíria .56
O próximo seria Amom, ainda outra nação que compartilhou da mes
ma origem de Israel (1.13-15). A ocasião específica para a dura palavra do
profeta contra Amom ocorreu quando esta nação vivia seus momentos de
expansão territorial e maltratava os habitantes de Gileade. A área, situada
ao ocidente de Amom, já havia sido reivindicada por eles desde os dias do
juiz Jefté, ao fim do décimo segundo século. Podem ter ocorrido outras
tentativas não registradas nos séculos subseqüentes para obter o território
à força, de forma que a ocasião particular citada pelo profeta não pode ser
determinada. Talvez ele esteja se referindo à coalizão criada entre os
amonitas, moabitas e meunitas contra o rei Josafá no final de seu reino.
Embora a aliança tenha sido um fracasso, poderia refletir as reais inten
ções dos amonitas de penetrar no território de Judá .57 De qualquer forma,
o pronunciamento do profeta foi o mesmo: Amom sofreria uma terrível
derrota. A conquista desse reino efetuou-se por Senaqueribe em 70158 ou,
caso seja preferível uma data posterior, por Nabucodonosor em 582.59
Finalmente, Amós volta-se para a última das nações vizinhas, Moabe,
e pronuncia as acusações e as sentenças contra o povo. A razão para a ira
divina desta vez, ironicamente, foi o desrespeito de Moabe para com os
ossos do rei de Edom, que foram queimados até serem reduzidos a pó.
56 John R. Bartlett, "The Moabites and Edomites," em Peoples of Old Testament Times, edita
do por D.J. Wiseman (Oxford: Clarendon, 1971), p. 140.
57 Oded, "Neighbors on the East," em World History of the Jewish People, vol. 4, parte 1, p.
262, identifica a ocasião como uma forma dos amonitas tomarem vantagem sobre a
pressão dos arameus sobre Israel e Judá no tempo de Ben-Hadade I e Hazael.
58 A. T. Olmstead, History of Assyria (Chicago: University of Chicago Press, 1975, reedição),
p. 300.
59 John Bright, A History of Israel, 3a ed. (Philadelphia: Westminster, 1981), p. 352.
A D in a s t ia d e J e ü e o J u d á C o n t e m p o r â n e o 409
Jonas
Amós não estava só em seu testemunho contra Jeroboão II. Jonas, filho
de Amitai, de Gate-Hefer (Khirbet ez-Zurra', cerca de oito quilômetros a
noroeste do monte Tabor),64 o único profeta oriundo da Galiléia, também
proclamou a palavra de Yahweh para este rei de Israel, mas sua palavra
foi de encorajamento. Jeroboão obteria de volta Damasco e Hamate e, por
tanto, restauraria o reino de Israel e sua extensão territorial, conforme fora
nos dias de sua grandeza (2 Rs 14.25). Já foi proposto que essa bem-suce
dida campanha não ocorreu antes de 773, de modo que a profecia desse
acontecimento, descrito por Jonas, deve ter ocorrido pelo menos uns pou
cos anos antes dessa data. A referência a Jonas em 2 Reis 14 deveria ser
62 Martin Noth, The Olá Testament World (Philadelphia: Fortress, 1966), p. 261.
63 J.D. Hawkins, "The Neo-Hitite States in Syria and Anatolia," em CAH 3.1, pp. 390-94.
64 Yohanan Aharoni, The Land ofthe Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 257.
A D inastia de J eú f. o J udá C ontemporâneo 41 1
65 Allen, foel, Obadiah, Jonah and Micah, p. 175-81. George M. Landes, baseado em premissas
lingüísticas, diz que a melhor data para esse livro seria o sexto século ("Linguistic Criteria
and the Date of the Book of Jonah," Eretz-Israel 16 [1982]: 162-63). Mas, mesmo que suas
conclusões estejam corretas, o que se pode provar é que o livro, em sua presente forma,
deriva exatamente daquele período. Para uma réplica da visão de Allen de que Jonas é
uma parábola, ver D.J. Wiseman, "Jonah's Nineveh," Tyn Ball 30 (1979): 32-34.
n6 Eugene H. Merrill, "The Sign of Jonah," JETS 23 (1980): 23-30.
412 H istória de I srael no A ntigo T e s t w e s t :
0 C A S T I G O D E Y A H W E H:
ASSÍRIA E O JUÍZO DIVINO
Fatores responsáveis pela queda de Israel
O fim da dinastia de Jeú
A A ssíria e Tiglate-Pileser III
M enaém de Israel
Os últim os dias de Israel
A rebelião de Peca
A volta de Tiglate-Pileser
A cronologia do reinado de Peca
Oséias de Israel
O papel do Egito
O impacto da queda de Samaria
hnplicações teológicas
Deportação
A origem dos samaritanos
Judá e a queda de Samaria
O problema da cronologia
jotão de Judá
Acaz deJudá
Sargão II da Assíria
Ezequias de Judá
Os anos de co-regência
A reforma de Ezequias
A rebelião contra a Assíria
Senaqueribe e o cerco de Jerusalém
O envolvimento do Egito
A morte de Senaqueribe
Os últimos anos de Ezequias
A doença de Ezequias
A campanha de Senaqueribe
Os últimos quinze anos
O ponto de vista dos profetas
Oséias
Isaías
Miquéias
F a to re s r e s p o n s á v e is p e la q u e d a de Isra e l
quina de guerra. Por mais de 130 anos os assírios aterrorizariam não ape
nas os habitantes de Judá, mas todo o Oriente Médio até que, anos depois,
surgiria Nabopolassar e seu ilustre e famoso filho, Nabucodonosor, que
finalmente eliminaria essa ameaça para sempre.
A tarefa deste capítulo é traçar os vários e intricados fatores que culmi
naram na destruição de Israel e na quase eliminação de Judá. São fatos de
natureza profundamente teológicas, como todos os demais acontecimen
tos na Bíblia. Os historiadores e os profetas deixam bastante claro que Is
rael e Judá semearam vento, e por isso colheram tempestade. Afastaram-
se dos compromissos estabelecidos com a lei, passando a sofrer as maldi
ções que ali estão registradas.
Havia, é claro, outras razões mundanas nesse contexto. Houve tira
nia e inaptidão no governo dessas nações, irresponsabilidade na política
fiscal, falta de sabedoria nas relações internacionais e nas alianças várias
vezes estabelecidas, lutas de classes, crimes, violência e uma série de
outras enfermidades que adoeceram Israel e Judá em todos os seus seg
mentos. É um milagre que estas nações tenham durado todo aquele tem
po. Pode-se concluir com os profetas que isto só foi possível pela miseri
córdia e amor de Deus, que lembrava-se de seu pacto, apesar do esqueci
mento do povo.
O fim da d in a s tia de Je ú
Indícios da violência nos últimos trinta anos de Israel podem ser vistos
no fim sangrento da dinastia de Jeú. Por causa de sua obediência em re
mover a família de Omri e o baalismo implantado na terra, Jeú recebeu a
promessa de um longo reinado e de prosperidade (2 Rs 10.30). Seus des
cendentes ainda ocupariam o trono por mais quatro gerações, um recorde
de longevidade na tumultuada sucessão real no reino do norte. Finalmen
te, depois de quase noventa anos, o último descendente da casa real de
Jeú, cujo nome era Zacarias, foi assassinado quando estava em seu sexto
mês de reinado (753).1 O autor da tragédia foi Salum, filho de Jabes, o qual
não pôde ver os frutos de seu ato violento, pois também seria assassinado
dentro de um mês (2 Rs 15.8-15).
O líder da conspiração contra Salum foi Menaém, filho de Gadi, de
Tirza. As repetidas referências a Samaria e Tirza no registro bíblico (2 Rs
A não ser nos casos indicados, as datas apresentadas neste capítulo quanto aos reis de
Israel e de Judá estão baseadas em Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers of the Hebrew
Kings (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), p. 81.
0 C astigo de Yahweh : A ssíria e o J uízo D ivino 415
15.13-16) são muito mais do que simples menções. O que estava envolvi
do era mais do que apoderar-se do governo de outrem; na verdade, era
uma tentativa de buscar o restabelecimento do domínio da base política
em Tirza.2 Deve-se lembrar que Jeroboão I, após ter morado temporaria
mente em Siquém, estabeleceu a capital de Israel em Tirza, a qual lá per
maneceu até que Omri comprou a colina de Semer e ali construiu sua nova
capital, chamada Samaria, em cerca de 880 a.C. Certamente a transferên
cia de capital não foi bem recebida pela maioria das pessoas. Alguns reti
veram um sentimento ruim, procurando exaltar novamente a cidade de
Tirza. E possível que Menaém fosse um dos representantes desta facção
política anti-Samaria, mas no interesse de ganhar o apoio do povo, deci
diu lá manter a capital de seu reino.
Menaém reinou por dez anos (752-742), e foi contemporâneo de Uzias
em sua última década. Este, como seus predecessores, é descrito como
um rei mau que não se apartou dos caminhos de Jeroboão, filho de
Nebate. Não há detalhes sobre seu reinado, exceto que na época da
invasão assíria ele pagou um pesado tributo ao rei Tiglate-Pileser (2 Rs
15.19,20).
2 John Bright diz que Tirza era a "capital de quondam" (A History of Israel, 3a ed. [Philadelphia:
Westminster, 1981], p. 271). Mas, como outros estudiosos, ele deixa de observar que a
cidade de Tirza ganha uma atenção incomum por parte do historiador bíblico.
3 A.T. Olmstead, History of Assyria (Chicago: University of Chicago Press, 1975 reedição),
p. 181; Bright, History, p. 270.
4 Quanto a mais informações sobre o reinado de Tiglate-Pileser, ver J.D. Hawkins, "The
Neo-Hitite States in Syria and Anatolia," em Cambridge Ancient History, 3a ed., editado
por John Boardman et al. (Cambridge: Cambridge University Press, 1982), vol. 3, parte
1, pp. 409-15.
416 H istória de I srael no A ntigo T estami
política conhecida por Kaldu (= Caldeus).5 Por fim, todo o processo cul
minaria no surgimento do Império Neo-Babilônico. A solução de Tiglate
para o problema babilónico foi instalar um governante nativo, Nabonassar.
Urartur foi posto sob controle através de uma série de campanhas milita
res que o reduziram ao status de província.
O maior interesse de Tiglate estava no oeste, de maneira que, depois
de ficar a situação estabilizada em todos os lugares, voltou-se para outra
direção. Em sua primeira campanha para a Síria, em 743, venceu Arpade
(Tel Erfad), ao norte de Aleppo, e aterrorizou os pequenos estados rema
nescentes — Síria e Palestina —, pois alguns capitularam sem oferecer
qualquer resistência, ao passo que outras nações tentaram mediante as
armas escapar da destruição.6 Menaém de Israel estava entre os que não
resistiram.7 Tanto os anais de Tiglate-Pileser como o Antigo Testamento
comprovam que o rei de Israel buscou rapidamente pagar tributo ao rei
da Assíria, a fim de manter sua posição em Samaria.8 Embora o Antigo
Testamento não relate, é provável que Tiglate-Pileser tenha feito conta
tos com Uzias (=Azarias) de Judá. Há um texto assírio em que tal hipóte
se pode encontrar algum apoio, embora seja bastante ambíguo e não to
talmente confiável.9
Uma segunda série de campanhas começou em 734 e continuou até
732. Estas resultaram na captura de Gaza e no desesperado apelo do rei
Acaz, de Judá, a Tiglate, para juntos combaterem contra Peca, rei de Israel,
e Rezim, de Damasco (2 Rs 16.5-7; Is 7.1,2). O rei da Assíria concordou, e
em 732 forçou Damasco a uma rendição. Israel também teria sofrido o
mesmo se Peca não fosse assassinado e substituído por Oséias,10 um fan
toche nas mãos do rei assírio. Enquanto isso, Acaz já tinha se vendido ao
seu novo senhor assírio por um amargo e doloroso preço.
Os anos finais de Tiglate-Pileser ocuparam-se mais uma vez com a
Babilônia. De fato, sua necessidade de tratar o problema crônico forçou-o
a interromper suas campanhas ao oeste, concedendo a Israel e a Judá um
p o u co m ais d e tem po. M esm o d ep o is d e a Babilônia, agora sob a a u d acio
sa e persistente liderança de Marduk-apla-iddina (Merodaque-Baladan no
Antigo Testamento),11 ter sido forçada a submeter-se, Tiglate-Pileser nun
ca voltou para o oeste.
Quando Tiglate-Pileser morreu em 727, foi sucedido por seu filho
Salmaneser V, que reinou por apenas cinco anos (727-722).12 Por dois anos
ele esteve ocupado com as rebeliões internas na Babilônia que consumiram
os últimos anos de seu pai. Então, em 725, partiu para o oeste, visando re
conquistar o domínio da Fenícia e da Filístia. Daí seguiu-se um cerco de três
anos à cidade de Samaria, cujo resultado culminou em seu colapso em 722 e
na deportação de sua população. A cidade de Tiro continuava cercada na
quele meio tempo, e foi tomada pelo seguinte rei dos assírios, chamado
Sargão II. Este também reivindicou ter conquistado Samaria,13 mas a maio
9 Hallo, "From Qarqar to Carchemish," em Biblicol Archaeologist Reader, vol. 2, p. 170, in
terpreta " Az-ri-a-u de Ia-ú-da-a-a" como uma referência a Azarias, divergindo de estu
diosos tais como Siegfired Herrmann, que alega ser essa uma referência a um rei do
nordeste da Síria chamado Ya'udi (A History of Israel in Old Testament Times, traduzido
por John Bowden [Philadelphia: Fortress, 1975], p. 246). Em favor da posição de
Herrmann há a completa ausência de referências bíblicas a respeito de uma incursão
assíria até o sul, chegando mesmo no reino de Judá na época de Azarias.
10 Quanto ao texto assírio, a "tabuleta de Nimrud", ver D. Winton Thomas, editor,
Documents from Old Testament Times (London: Thomas Nelson, 1958), p. 55.
11 Quanto a um relato completo de sua vida e carreira, ver J.A. Brinkman, "Merodach-
Baladan II," em Studies Presented to A. Leo Oppenheim, editado por Robert M. Adams
(Chicago: University of Chicago Press, 1964), pp. 6-53.
12 Hawkins, "Neo-Hittite States," em CAH 3.1, pp. 415-16.
13 Essa reivindicação é feita nos anais de seu primeiro ano d e reinado. Ver Pritchard, Ancient
Near Eastern Texts, p. 284b.
418 H istória d l I srael no A ntigo T e s t -, h í ■■c
ria dos estudiosos está de acordo que ele estava apenas ganhando crédito
por um empreendimento atribuído a Salmaneser.14
M e n a é m de Isra e l
O s ú ltim o s d ia s de Israel
A rebelião de Peca
A volta de Tiglate-Pileser
20 A negação desse número vinte está claramente mencionado por T.R. Hobbs, 2 Kings,
Word Biblical Commentary (Waco: Word, 1985), p. 201. Quanto a emendas propostas,
ver Cook, "Pekah", VT 14 (1964): 121-22.
21 Muitos estudiosos têm o costume de incluir no período de governo de um rei os anos
quando ainda era apoiado por algumas minorias. John Gray, por exemplo, vê o terminus
a quo para o rei Peca quando este se levantou contra Menaém, que foi uma aberta decla
ração de que era contra os assírios (I & II Kings [Philadelphia: Westminster, 1970], pp.
64-65).
22 Apoio quanto a esse papel pré-monárquico de Peca pode agora ser encontrado num
selo e é comentado por Pierre Bordreuil, "A Note on the Seal of Pekah the Armor-Bearer,
Future King of Israel," BA 49 (1986): 54-55. Ver também Cook, "Pekah," VT 14 (1964):
124-26.
23 Cook, "Pekah," VT 14 (1964): 127, diz que as inscrições assírias (Pritchard, Ancient Near
Eastern Inscriptions, pp. 283-84) chamam Menaém de "Menaém de Samaria", ao passo
que Peca é conhecido como o governador de Bit Humria, a designação normal que os
assírios davam ao reino de Israel. Isso claramente sugere um Israel dividido; "Menaém
O C astigo de Yahweh : A ssíria e o J uízo D ivino 421
Oséias de Israel
O pwpel do Egito
Uma das razões que motivaram o rei Oséias a proclamar sua indepen
dência dos assírios foi que este percebeu o grande crescimento do Egito.24
Na época da sucessão de Salmaneser, um nobre da casa real em Sais, cha
mado Tefnakht I (727-720), fundara a 24a Dinastia do Egito, no norte do
Delta. Os príncipes das dinastias 22ae 23alogo reconheceram sua soberania.
Com todo esse apoio, Tefnakht I sentiu-se forte suficiente para empreender
um programa de unificação de todo o Egito, o que também incluía uma
campanha militar contra o sul, para assim submeter a dinastia núbia dos
Piankhy (737-716). Estes, conhecidos como a 25a Dinastia, resistiram a
Tefnakht com bravura e, em um conflito final em Mênfis, não apenas saí
ram-se vencedores, como também assumiram o controle de todo o Egito.
Piankhy então retornou para o sul sem que tivesse estabelecido algum
tipo de administração no Delta. Isto permitiu que Tefnakht e outros prín
cipes do Delta se restabelecessem. Um desses príncipes, Osorkon IV (730-
de Samaria" pode indicar apenas um reconhecimento formal como sendo o rei do local.
William H. Shea, ao discutir um conjunto de ostracas da região de Samaria, nota que os
anos nove e dez referem-se a Menaém e que o ano quinze refere-se a Peca. A conclusão
de Shea é que o reinado de Peca cobriu um período completo de vinte anos, período
esse parcialmente contemporâneo a Menaém e que continuou depois da morte desse.
("The Date and Significance of the Samaria Ostraca," IEJ 27 [1977]: 21-23).
24 Keneth A. Kitchen, The Third Intermediate Period in Egypt ( It 00-650 B.C.) (Warminster:
Aris and Phillips, 1973), pp. 362-68.
422 H istória de I srael xo A ntigo T fat -, ol
O im p a cto d a q u e d a de S a m a ria
Implicações teológicas
Deportação
25 IbicL, p. 374.
O C astigo de Yahw eii: A ssíria e o J uízo D ivino 423
26 Eph'al, " Assyrian Dominion in Palestine," em World History of the Jewish People, vol. 4,
parte 1, p. 283.
27 Muitos nomes hebreus têm sido encontrados em Calá; ver William F. Albright, "An
Ostracon from Calah and the North-Israelite Diaspora," BASOR 149 (1958): 33-36; I.
Eph'al, "Israel: Fali and Exile," em World History of the jewish People, vol. 4, parte 1, pp.
190-91.
28 Eph'al, porém, iguala-a com Halahlu, uma cidade e distrito a noroeste de Nínive ("Isra
el: Fali and Exile," em World History of the jewish People, vol. 4, parte 1, pp. 189-90).
29 Martin Noth, The Old Testament World (Philadelphia: Fortress, 1966), p. 261.
30 Isso é dado a conhecer por H.G.M. Williamson, 1 and 2 Chronicles, New Century Bible
Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p. 67.
424 H istória de I srael no A ntigo T estamente
Ju d á e a q u e d a de S a m a ria
O problema da cronologia
38 Merrill F. Unger, Israel and the Aramaeans o f Damascus (Grand Rapids: Baker, 1980
reedição), p. 95.
39 Cook, "Pekah," VT 14 (1964): 121, sugere que 2 Reis 15.30 "retém uma tradição que diz
que Jotão viveu por quatro anos depois que oficialmente seu reinado chegara ao fim."
O C a s t i g o d e Ya h w e h : A s s í r i a e o J u í z o D i v i n o 427
Jotão de Judá
Acaz de Judá
44 Eph'al, "Israel: Fali and Exile," em World History of the Jewish People, vol. 4, parte 1, pp.
184-85.
45 Hallo, "From Qarqar to Carchemish," em Biblical Archaeologist Reader, vol. 2, pp. 173-74.
Quanto aos textos assírios, ver a obra de Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 283
84. Baseado numa recente observação de um sincronismo entre a Assíria e Israel, Na'aman
O C a s t i g o d e Ya / i w e h : A s s í r i a e o J u í z o D i v i n o 431
Sargão II da Assíria
propõe que Oséias depôs ao rei Peca depois que Tiglate se retirou do oeste, em 732. O
coup d'état e a sucessão de Oséias devem ser datados em 731, aliviando assim o proble
ma de um reinado de nove anos para Oséias, encerrado em 722 ("Historical and
Chronological Notes," VT 36 [1986]: 71-74).
4n Hawkins, "Neo-Hitite States," em CAH 3.1, pp. 416-17.
432 H is t ó r ia d e I s r a e l n o A n t ig o T e s t a m e
47 William W. Hallo e William K. Simpson, The Ancient Near East (New York: Harcourt
Brace Jovanovich, 1971), p. 138.
4S Albert Kirk Grayson, Assyrian and Babylonian Chronicles (Locust Valley, N.Y.: J.J. Augustin,
1975), pp. 73-74, Chronicle 1.1. 33-37
49 Brinkman, "Merodach-Baladan II," em Studies Presente to A. Leo Oppenheim, editado por
Robert M. Adams, p. 13.
50 Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, p. 285.
21 Portanto, Samaria foi tomada duas vezes. Ver Eph'al, "Israel: Fall and Exile," em World
History of the Jewish People, vol. 4, parte 1, p. 187.
52 Kitchen, Third Intermediate Period, p. 373, interpreta o nome como Re'e e não Sib'e, iden
tificando-o como o comandante do exército que estava sob o domínio de Osorkon IV (n.
743). Moshe Elat sugere que o intenso interesse da Assíria pelos negócios egípcios, des
de os tempos de Tiglate-Pileser em diante, era fundamentalmente econômico. Sua con
quista do bloco siro-palestinense foi feita para que as rotas comerciais que levavam ao
Egito permanecessem acessíveis ("The Economic Relations of the Neo-Assyrian Empire
with Egypt," JAOS 98 [1978]: 20-34).
53 Katzenstein, History of Tyre, pp. 229-30.
54 Kitchen, Third Intermediate Period, pp. 375-76; Pritchard, Ancient Near Eastern Texts,
p. 286c.
O C a s t i g o d e Ya h w e h : A s s í r i a e o J u í z o D i v i n o 433
com o reino de Judá; portanto, conclui-se que Acaz, agora em seu penúlti
mo ano de reinado, permanecia leal e submisso ao rei da Assíria.55
E z e q u ia s d e Ju d á
Os anos de co-regência
55 Evans diz de fato que "não há evidências... de que Judá em qualquer ocasião tenha
sofrido ações militares feitas por Sargão II" ("Judah's Foreign Policy," em Scripture in
Context, p. 161).
56 Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 286-87. Para uma excelente visão de toda a
campanha, ver Gerald L. Mattingly, "An Archaeological Analysis of Sargon's 712
Campaign Against Ashdod," NEASB 17 (1981): 47-64.
57 Isso ocorreu no décimo segundo ano de Merodaque-Baladan ou 710 a.C. Ver Grayson,
Assyrian and Babylonian Chronicles, p. 75, Chronicle 1.21-5; Brinkman, "Merodach-Baladan
II," em Studies Presented to A. Leo Oppenheim, editado por Robert M. Adams, pp. 18-19.
?s Hawkins, "Neo-Hitite States," em CAH 3.1, p. 421.
57 Olmstead, History of Assyria, p. 267.
"J Os "vinte e cinco anos" em 2 Reis 18.2 obviamente referem-se à idade de Ezequias em
715, quando ele começou sua regência única.
434 H is t ó r ia d e I s r a e l n o A n t ig o T e s t -
vida do jovem monarca. Logo que assumiu o reino, aos vinte e cinco anos
de idade, ele já estava tão frustrado com os longos anos de falência espiri
tual que imediatamente iniciou um grande movimento de reforma que
permeou todos os aspectos de Judá.
A reforma de Ezeqnias
61 Evans diz que não havia qualquer indicação de uma rebelião anti-assíria na época da
reforma ("Judah's Foreign Policy," em Scripture in Context, p. 162).
62 Mordechai Cogan descreve com bastante percepção que essa foi uma "pseudo-data"
que marcou apenas o interesse de Ezequias pelos negócios do templo, mas não necessa
riamente de sua reforma ("The Chronicler's Use of Chronology as Illuminated by Neo
Assyrian Royal Inscriptions," em Empirical Models for Biblical Criticism, editado por Jeffrev
H. Tigay [Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1985], pp. 202-3). Quanto ao
porquê do cronista cobrir com mais detalhes os acontecimentos que envolveram a refor
ma do rei Ezequias, quando se compara o relato com 2 Reis, ver Jonathan Rosenbaum,
"Hezekiah's Reform and the Deuteronomistic Tradition," HTR 72 (1979): 23-43.
O C a s t i g o d e Ya h w e h : A s s í r i a e o J u í z o D i v i n o 435
O próprio fato de Ezequias sentir-se à vontade para enviar mensageiros por todo o
Israel, na expectativa de obter uma resposta favorável, é uma prova indiscutível, segun
do o estudioso Hanoch Reviv, de que a Assíria comandada por Sargão tinha pouco con
trole da região ("The History of Judah from Hezekiah to Josiah," em World History ofthe
Jewish People, vol. 4, parte 1, pp. 194-95).
436 H is t ó r ia d e I s r a e l n o A n t ig o T e s t a u e ' - :
Senaqueribe reinou de 705 a 681. Embora fosse filho de Sargão, ele deu
início a algumas das maiores mudanças na política dos assírios, incluindo
a transferência da capital do reino de Dur-Sharrukin para Nínive.69
Senaqueribe mal assumira o governo e estourou uma rebelião na Babilônia,
70 H.W.F. Saggs, "The Assyrians," em Peoples o f Old Testament Times, editado por D.J.
Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), p. 163; Louis D. Levine, "Sennacherib's Southern
Front: 704-669 B . C JCS 34 (1982): 29-34. Quanto ao texto, ver Luckenbill, Sennacherib,
1.1-64.
71 Olmstead, History of Assyria, pp. 289-90; Levine, "Sennacherib's Southern Front," JCS 34
(1982): 41; Brinkman, "Merodach-Baladan II," em Studies Presented to A. Leo Oppenheim,
pp. 26-27.
72 Quanto ao texto, ver Luckenbill, Sennacherib, 2.37-3.49.
73 É interessante notar, como já o fez A.R. Millard, que o tributo não foi entregue imediata
mente, mas depois enviado a Nínive. Isto dá a entender que Ezequias apenas fez uma
promessa de pagamento, o que deixou Senaqueribe insatisfeito. Então ele ordenou um
segundo cerco, mas Ezequias honrou seu compromisso mesmo depois que os assírios
foram forçados a se retirar ("Sennacherib's Attack on Hezekiah," Tyn Bull 36 [1985]: 71).
74 A tese proposta pelo famoso estudioso John Bright (History of Israel, p. 300), de que
Senaqueribe empreendeu duas campanhas militares contra Jerusalém, e que foram in
tercaladas por um espaço de quinze anos, não tem como ser aceita. Abase que sustenta
O C a s t i g o d e Ya h w f . h : A s s í r i a e o J u í z o D i v i n o 439
O envolvimento do Egito
tal idéia é o argumento de que Tiraca, da Núbia (2 Reis 19.9), que conduziu um exército
egípcio para a Palestina na época do cerco de Jerusalém imposto por Senaqueribe, esta
va com apenas catorze a dezoito anos de idade em 701. Isso, obviamente, o desqualificaria
como o comandante daquela campanha, de forma que a sugestão proposta é que ele
conduziu uma outra campanha quinze anos mais tarde, em 686. A idéia de que Tiraca
era um adolescente em 701 está baseada em uma má interpretação da cronologia da 25a
Dinastia e das esteias 4 e 5 de Kawa. Como o próprio Kitchen demonstra, Tiraca estava
com vinte ou vinte e um anos de idade em 701 e, portanto, bem hábil para ser pelo
menos "o responsável pela expedição." O fato de ele ser chamado de "rei cusita" em 2
Reis 19.9 pode ser apenas uma antecipação proléptica de seu reinado, que realmente
começou em 690 (Third Intermediate Period, pp. 157-61). Além disso, não existe referência
nos anais de Senaqueribe ou mesmo no Antigo Testamento de uma campanha contra
Jerusalém depois de 701, embora Bright e outros estudiosos proclamem ter descoberto
uma quando isolam o texto de 2 Reis 18.14-16 de seu contexto (dessa forma vendo-a
como o registro de uma campanha em 701), deixando 2 Reis 18.17-19.37 e Isaías 36 — 37
como registro dessa tal segunda campanha.
Danna Fewell demonstrou que a passagem de Reis, sobre a qual as duas campanhas
costumam se basear, é uma "unidade coesiva" que tem uma estrutura concêntrica e
perfeitamente perceptível. Enquanto não chegam ao acordo acerca do número de cam
panhas, a análise que Fewell faz do texto pode conduzir a apenas uma conclusão — a de
que o historiador descrevia um episódio maior ("Sennacherib's Defeat: Words at War in
2 Kings 18.13 - 19.37," JSOT 34 [1986]: 79-90). Ver também Anson F. Rainey, "Taharqa
and Syntax," Tel Aviv 3 (1976): 40.
Contudo, a pouco tempo um estudioso chamado William H. Shea comparou alguns dos
recentemente publicados textos assírios (K 6205 + BM 82-3-23,131), palestinos (o Papiro
Adon) e egípcios (uma inscrição no templo em Karnak), e concluiu que eles indicavam
decisivamente que realmente houve uma segunda campanha de Senaqueribe, que ele
data em 688/687 ("Sennacherib's Second Palestine Campaign," JBL 104 [1985]: 401-18).
Shea baseia boa parte de seu argumento nos estudos dos textos assírios de Hayim Tawil,
que falam dos projetos de construção do rei Senaqueribe de sistemas de irrigação em
Musur (monte Musri próximo de Nínive), em 694. Tawil associa o acádio Musri com o
hebraico masôr de 2 Reis 19.24 (=Is 37.25), e diz que os mensageiros assírios não poderi
am estar se gabando, em 701, de um acontecimento que só iria ocorrer em 694. Sendo
assim, Tawil sugere que a palavra hebraica que designa Musri pode ter sido posta no
vernáculo por um editor posterior ("The Historicity of 2 Kings 19.24 [=Isaiah 37.25]: O
problema de Ye'orê Masôr," JNES 41 [1982]: 195-206).
75 Ver especialmente Kitchen, Third Intermediate Period, pp. 356-87.
440 H is t ó r ia d e I s r a e l n o A n t ig o T e s t a t e
vivida pelo Egito durante o último terço do século oito. Duas dinastias, a
22a e 23a, reinaram sobre uma parte bastante limitada na região do Delta,
ao passo que a 24a Dinastia crescia e se localizava em Sais, no norte, e a 25a
dinastia também se desenvolvia muito no extremo sul. Por volta de 737,
Piankhy, o rei núbio da 25a Dinastia, assumiu o controle de todo o sul do
Egito. Coagindo o norte, através da batalha crucial de Mênfis, ele também
conseguiu submeter o Baixo Egito.
Mas quando Piankhy voltou para o sul, Tefnakht, da 24a Dinastia, rei
vindicou ser o líder do Baixo Egito. Osorkon IV, da 22a Dinastia (o rei So
da Bíblia), aparentemente parecia ser seu servo. Depois que Piankhy mor
reu, Shabako, o próximo rei da 25a Dinastia, moveu-se para o norte a fim
de unificar o Egito contra a ameaça de invasão de Sargão. Com dificulda
de, ele conseguiu a unificação desejada, mas somente pela extradição de
um príncipe filisteu para Sargão é que foi poupado do que certamente
seria uma devastação para seu reino. A partir de então, Shabako só reinou
porque obteve permissão dos assírios, até que morreu em 702.
Shebitku, um dos filhos de Piankhy, seguiu Shabako. Com espírito re
volucionário, logo após a morte de Sargão, em 705, Shebitku com seu exér
cito armado moveu-se para o norte em 701 para juntar-se aos estados pa
lestinos, que incluíam Judá, no esforço de deter o avanço do novo rei da
Assíria, Senaqueribe.76 Quando Shebitku chegou, é possível que o rei
Ezequias já houvesse prometido seu tributo ao rei assírio. De qualquer
forma, Senaqueribe suspendeu suas hostilidades contra Jerusalém quan
do soube que Shebitku estava a caminho. Então confrontou o Egito e
Judá em Eltec.77 Vitorioso, Senaqueribe repartiu seu exército, deixando
parte para manter a defesa contra os egípcios e a outra para retomar
contra Jerusalém, aparentemente para punir Ezequias por sua colabora
ção com os rebeldes.
Mas agora, um novo contingente militar, maior e mais poderoso, co
mandado pelo príncipe egípcio Tiraca estava a caminho. Senaqueribe foi
informado de tal movimento egípcio, mas advertiu Ezequias de que seu
auxílio em nada seria proveitoso, uma vez que os assírios já haviam
destruído esses mesmos inimigos uma vez (2 Rs 19.9-13). De fato, o Egito
A morte de Senaqueribe
Depois que Senaqueribe voltou para a Assíria, ele descobriu que esta
va com um duplo problema: a primeira dinastia dos Povos do Mar e tam
bém os elamitas.78 Ele tentou uma invasão naval em Elam, mas foi repeli
do, e os elamitas, por sua vez, atacaram Babilônia. Assur-nadin-sumi, o
filho de Senaqueribe, que lá era o governador, foi levado cativo. Três anos
depois, em 692, ocorreu uma batalha árdua entre os elamitas e assírios no
vale Diyala, um conflito que terminou em um empate. A Babilônia, que na
ocasião estava sob o domínio do nativo Musezib-Marduk, foi atacada e
saqueada por Senaqueribe em 689,79 e permaneceu sem rei pelos últimos
oito anos de Senaqueribe, que morreu vítima de uma conspiração armada
por dois de seus filhos.80 O tumulto permitiu que um outro filho de
Senaqueribe, o conhecido Esaradon, ocupasse o lugar de seu pai, manten
do o controle da situação que ameaçava explodir.81
Com esse cenário em vista, será mais fácil reconstruir de alguma forma
o confuso registro cronológico da última parte do reinado de Ezequias,
conforme 2 Reis, 2 Crônicas e Isaías. A confusão surge porque o relato não
se apresenta em ordem cronológica, especialmente em Isaías, e porque os
historiadores sagrados, como é freqüentemente o caso, preferem ordenar
suas discussões por temas, tópicos, ou assuntos teológicos, diferentemen-
78 Olmstead, History of Assyria, pp. 283-86; Levine, "Sennacherib's Southern Front," JCS 34
(1982): 41. '
79 J.A. Brinkman, "Sennacherib's Babylonian Problem: An Interpretation," JCS 25 (1973):
94-95.
80 Grayson, Assyrian and Babylonian Chronicles, p. 81, Chronicle 1.3. 34-38. Simo Parpola
demonstrou que o assassino foi o filho de Senaqueribe chamado Arad-Ninlil, um nome
equivalente ao Adrameleque da Bíblia ("The Murderer of Sennacherib," em Death in
Mesopotamia, editado por Bendt Alster, Rencontre assyriologique internationale 26
[Copenhagen: Akademisk Forlag, 1980], pp. 171-82).
'• Ver o chamado Prisma B em Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 289-90.
442 H is t ó r ia d e I s r a e l n o A n t ig o T e s t a m e n t
A doença de Ezequias
A história começa com a doença de Ezequias, um episódio registrado
em todas as três fontes (2 Rs 20.1-19; 2 Cr 32.24-26; Is 38,39). Ela deve ter
ocorrido antes da invasão de Senaqueribe, uma vez que o acontecimento
é antecipado. O papel de Merodaque-Baladan é bastante significativo
aqui, pois ele enviou mensageiros para ostensivamente se congratula
rem pela recuperação de Ezequias, mas na realidade buscava apoio para
a independência do reino dos Povos do Mar. Aquela rebelião começara
em 703; então é quase certo que a doença de Ezequias tenha se manifes
tado após esta data.83 Em acréscimo, a oração de Ezequias por recupera
ção ocasionou a prolongação de sua vida em quinze anos. Ele morreu
em 686 (depois de um reinado de vinte e nove anos, que começou em
715); logo, a oração deve ter sido feita em 701. A doença propriamente
pode ser datada em 702 ou 701.
A campanha de Senaqueribe
Bem pouco tempo após Ezequias recuperar-se de sua enfermidade, e
após a partida dos embaixadores de Merodaque-Baladan, Senaqueribe par
tiu para o oeste e pressionou terrivelmente Jerusalém, uma campanha re
gistrada em Reis e Isaías. Apenas se especula o motivo da campanha, embo
ra a maioria dos estudiosos assuma que Ezequias associou-se à coalizão
siro-palestinense contra os assírios. Se esta visão de que Merodaque-Baladan
enviou seus mensageiros a Jerusalém primeiro e em seguida Ezequias fez
87 Os céticos, é claro, consideram o relato como uma "narrativa teológica," segundo as palavras
de Ronald E. Clements, Isaiah and the Déliverance ofjerusalem, suplemento 13 do JSOT (Sheffield:
0 C astigo de Yahweh : A ssíria e o J uízo D ivino 445
donou seus planos de conquistar Jerusalém, e retornou com o que lhe res
tou de seus exércitos para a capital em Nínive. Os anais de Senaqueribe
registram em termos triunfais seu sucesso no cerco imposto ao rei Ezequias,
em Jerusalém — "como um pássaro engaiolado," 88 mas, de acordo com a
n r á t i r a tr a r li r in n a l nrnnaravam-«p a« v itriria e p n m i t i a m - ç p nç tpvpqpç
O p o n to d e v is ta d o s p ro fe ta s
de uma inscrição encontrada num túnel e seu significado histórico, ver Victor Sasson,
"The Siloam Tunnel Inscription," PEQ 114 (1982): 111-17.
90 O surpreendente crescimento populacional que se verificou em Jerusalém e suas vizi
nhanças, depois de 700 a.C. e que, segundo M. Broshi, foi o resultado de uma migração
em massa que vinha de Israel, tem sua confirmação convincentemente provada e docu
mentada pela evidência arqueológica ("The Expansion of Jerusalem in the Reigns of
Hezekiah and Manasseh," IEJ 24 [1974]: 21-26).
446 H i s t ó r i a de I srael no A n t ig o T e s t a m e n - :
Oséias
91 Francis I. Andersen e David Noel Freedman oferecem uma sugestão bastante plausível,
de que Oséias via em Jeroboão o último e real descendente no trono de Israel, tanto
porque ele era o último (com exceção de Zacarias) da linhagem de Jeú, quanto porque,
após sua morte, iniciou-se uma era sem paralelos de uma política catastrófica naquele
reino (Hosea, Anchor Bible [Garden City, N.Y.: Doubleday, 1980], pp. 147-48).
92 Conforme as palavras de E.B. Pusey, Oséias "marca sua profecia com os nomes dos reis
de Judá, porque o reino de Judá era considerado o reino da teocracia" (The Minor Prophets
[Grand Rapids: Baker, 1967 reedição], vol. 1, p. 19).
93 Quanto aos vários pontos de vista, ver em C. Hassel Bullock, An Introduction to the Old
Testament Prohphetic Books (Chicago: Moody, 1986), pp. 88-92.
O C a s t ig o d e Y a h w e h : A s s ír ia e o J u íz o D iv in o 447
cia deve ter sido dita enquanto Jeroboão ainda estava vivo. E uma vez que
a estrutura de toda a composição é tal que a "metáfora do casamento" é
claramente sua parte mais antiga, uma data pouco antes de 753 parece
mais conveniente como um terminus a quo para o ministério público de
Oséias.
O comando de Yahweh para que Oséias se casasse com a adúltera Gomer
tinha o propósito de simbolizar o caráter adúltero de Israel, com quem
Yahweh, através do pacto no Sinai, tinha se "casado". Certamente Gomer,
que era uma ilustração da infidelidade na aliança, estava incontaminada
na ocasião de sua união com o profeta; apenas mais tarde tornou-se uma
prostituta, alugando-se a qualquer amante que a desejasse. Assim, disse o
profeta, a nação de Israel havia feito, e por causa deste comportamento
iníquo, precisava ser despejada mediante o divórcio. Apesar de Israel ter
se desviado do amor divino, indo após os baalins daquela geração, Yahweh
se mostraria benigno e traria de volta para si o seu povo, curando definiti
vamente suas feridas.
As referências aos amantes de Israel (e.g., Os 2.5,7) é uma forma inci
siva de descrever a incrível apostasia que Oséias testemunhou por toda
parte durante os anos de Jeroboão. Por causa de seu próprio nome o
Senhor tolerou os centros de culto pagão localizados em Dã e Betei, que
eram a total negligência da aliança mosaica. Essa apostasia produziu toda
sorte de violência e crimes, passando a existir uma insensibilidade uni
versal para com a vontade de Deus e sua santidade. O povo procurava
os lugares altos e as cavernas para envolver-se em todo tipo de ritual
que incluía a prostituição. Tão perversa e caótica tornara-se a situação
que o profeta entendeu não haver mais esperança para a intercessão.
Efraim estava firmemente unida aos seus ídolos; até certo ponto Judá
permaneceu livre de todo o embaraço, então Oséias intercedeu para que
o reino do sul mantivesse distância de Gilgal e Bete-Aven (4.15).9495
Com esta palavra, Oséias pode ter de fato começado a residir em Judá,
pois a partir daquele momento ele parece ver o reino de Israel quase que a
distância. Por exemplo, ao referir-se ao "rei Jarebe" (KJV) da Assíria —
provavelmente uma cifra para Tiglate-Pileser IIP3 — o profeta informa
94 Muitos estudiosos vêem aqui a referência a Judá como uma interpolação editorial feita
por um redator posterior; ver, por exemplo, Hans Walter Wolff, Hosea (Philadelphia:
Fortress, 1974), p. 89. James L. Mays, porém, mostra que esse não é o caso em hipótese
alguma: o profeta está avisando a Judá para não cair na mesma armadilha que sua irmã
do norte caíra (Hosea [Philadelphia: Westminster, 1969], p. 77).
95 Wolff, Hosea, pp. 104,115.
448 H is t ó r ia d e I s r a e l n o A n t ig o T e s t a m e n t s
que Efraim “subiu à Assíria" (5.13). Essa é sua forma de descrever a sub
missão do rei Oséias aos assírios em 732. Além disso, as referências à Judá
tornam-se ainda mais proeminentes, ainda que Efraim permanecesse a
razão principal da profecia de Oséias.
De acordo com seu chamado profético, Oséias continua a apelar para
que Israel se arrependa. Realisticamente, entretanto, ele parece sentir a
impossibilidade. O povo de Deus não tem nenhum desejo de voltar-se
para Ele. Ao contrário, seus olhos voltam-se para os assírios e para os
egípcios, uma estratégia que só os levará à destruição. O apelo ao Egito,
que o profeta Oséias cita em 7.11, pode ter sido aquele que o rei Oséias
fez (2 Rs 17.4). Na ocasião, o Egito era comandado por Osorkon IV, exa
tamente nos dias tumultuosos da transição de Tiglate-Pileser III para
Salmaneser V (727 — este número corresponde com a referência à conti
nuidade do ministério do profeta até os dias de Ezequias). Mas Oséias
seria cortado, diz o profeta, da mesma maneira que "Salmã destruiu Bete-
Arbel" (Os 10.14-15).96 Salmã, sem dúvida, não é outro senão Salmaneser
V (727-722), o rei assírio que finalmente conquistou Samaria e levou ca
tivos seus habitantes.
A situação histórica de Israel é sem esperança, diz Oséias, mas a histó
ria n ão é o fim d o p roblem a. Chegaria o dia em que Deus traria de volta o
seu povo, agora curado para sempre de sua idolatria, e os laços da aliança
de amor, que uma vez unira ambos, seriam mais uma vez vistos no casa
mento entre Deus e o seu povo.
lsaías
96 Aharoni, Land ofthe Bible, p. 431, identifica a cidade de Bete-Arbel como Irbid or Arbela,
uma cidade em Gileade, ao sudeste do mar de Quinerete.
O C a s t i g o d e Ya h w e h : A s s í r i a £ o J u í z o D i v i n o 449
97 Edward J. Young, The Book oflsaiah (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), vol. 1, pp. 28-29.
98 Quanto a esse importante gênero profético literário, ver Berend Gemser, "The Rib- or
Controversy Pattern in Hebrew Mentality," VT suplemento 3 (Leiden: E.J. Brill, 1955),pp.
450 H is t ó r ia d e I s r a e l n o A n t ig o T e s t a u e v - ;
ruína que se abateu sobre outras cidades de Judá como uma cidade sob
um cerco (1.2-9)." Claramente, Israel já havia caído e Jerusalém estava em
grande apuro. Imediatamente, pensa-se na campanha de Senaqueribe em
701, quando os assírios subiram contra todas as cidades fortificadas de
Judá e as tomaram, segundo registrado em 2 Reis 18.13. O próximo orácu
lo, porém, descreve um período bem mais anterior, talvez aquele de Jotão,
pois é feita uma declaração de que crianças governariam sobre Judá (3.4
— Acaz?) e que Yahweh entraria em juízo contra todos os juízes iníquos
que oprimiram seu povo (3.13-15).100 As mulheres de Jerusalém pareciam-
se com as mulheres de Samaria, todas arrumadas com ornatos materialis
tas. Ostentavam-se orgulhosamente e eram indiferentes para com o Se
nhor. Este período encaixa-se perfeitamente no intervalo entre Uzias e
Ezequias. E não há nenhuma evidência interna para se datar os capítulos
4 e 5 de outra maneira.
O capítulo 6, é claro, relata o chamado do profeta em 740, "o ano da
morte do rei Uzias" (6.1). O cenário de Isaías 7.1— 10.4 ocorre muitos
anos depois desse episódio, equivalente ao tempo da coalizão Rezim-
Peca contra Judá. Este pacto foi feito entre nações que por séculos eram
hostis uma contra a outra, mas que, em face da ameaça de invasão de
Tiglate-Pileser III em 734, esqueceram momentaneamente as suas dife
renças. Embora Jotão ainda fosse tecnicamente o rei de Judá (até que
morreu em 731), está claro que o real poder estava nas mãos de seu filho
Acaz, que preferira colocar-se ao lado da Assíria a apoiar a coalizão en
tre Damasco e Israel, atraindo para si a ira destes reis.
A narrativa de Isaías refere-se aparentemente aos esforços de Rezim e
Peca para capturar Jerusalém, e não às campanhas independentes feitas
em tempo anterior (2 Cr 28.5-8). Acaz, então, já havia sofrido nas mãos de
seus vizinhos do norte e aterrorizava-se ao pensar em ser alvo de uma
120-37; Herbert B. Huffmon, "The Covenant Lawsuit in the Prophets," JBL 78 (1959):
285-95; James Limburg, "The Root and the Prophetc Lawsuit Speeches," JBL 88 (1969):
291-304; Kirsten Nielsen, Yahweh as Prosecutor and Judge: An Investigation of the Prophetc
Lawsuit (Rib-Pattern), JSOT suplemento 9 (Sheffield: University of Sheffield, 1978).
99 Peter Machinist presta atenção à fraseologia aqui e noutras passagens em Isaías que
fazem referência aos assírios e compara-a com as inscrições reais desse povo que foram
escritas durante aqueles anos ("Assyria and Its Image in the First Isaiah," JAOS 103
[1983]: 724-29). Não há dúvida de que Isaías testemunhou tudo o que escreveu e que
estava também familiarizado com a linguagem e literatura assírias.
““Thomas K. Cheyne, The Prophecies of Isaiah (New York: Thomas Whittaker, 1886), vol. 1,
p. 22; Franz Delitzsch, Biblical Commentary on the Prophecies o f Isaiah (Grand Rapids:
Eerdmans, 1954 reedição), vol. 1, p. 139.
O C a s t ig o d e Ya h w e h : A s s ír ia e o J u íz o D iv in o 451
101A maioria dos estudiosos vê os acontecimentos de 2 Crônicas 28.5-8 e Isaías 7.1-2 como
idênticos, porém uma leitura cuidadosa sugere que Rezim e Peca primeiro conduziram
ataques separados contra Acaz e, depois, juntaram-se em uma outra campanha pouco
tempo depois. Quanto a uma apresentação bastante convincente desta interpretação,
ver Young, Book of Isaiah, vol. 1, pp. 267-69.
102Para esse e outros pontos de vista que tratam dessa importante passagem messiânica,
ver Herbert M. Wolf, "A Solution to the Immanuel Prophecy in Isaiah 7.14 - 8.22," JBL
91 (1972): 449-56; Walter C. Kaiser, Jr., Toward an Old Testament Theology (Grand Rapids:
Zondervan, 1978), pp. 207-20. Kaiser afirma que o filho da promessa era Ezequias, filho
de Acaz, mas já se discutiu anteriormente que Ezequias nasceu em 740. Somente conje
turando que houve erros textuais por todo o relato (algo que o próprio Kaiser não faz)
pode-se admitir esse tipo de identificação. Um defensor desta visão é John McHugh,
"the Date of Hezekiah's Birth," V T 14 (1964): 446-53.
452 H i s t ó r i a d e I s r a e l n o A n t i g o T e s t -m í --
cidades indica que a marcha vinha apenas do norte. Ver Otto Kaiser, Isaiah 1-12
(Philadelphia: Westminster, 1972), p. 152.
111Ver p. 215, n. 55; p. 289, n. 3.
112Baseado nos conhecidos selos de Imlk, Nadav Na'aman identifica as cidades fortificadas
com a lista de quinze cidades encontradas em 2 Crônicas 11.6-10, uma passagem que ele
data no período de Ezequias. Ele afirma que Ezequias reforçou as fortalezas e os postos
avançados de defesa que haviam sido construídos muitos anos antes, durante o reinado de
Roboão ("Hezekiah's Fortified Cities and the LMLK Stamps," BASOR 261 [1986]: 10-11).
454 H is t ó r ia d e I s r a e l n o A n t ig o T e s t a m e n t :
vivido por um longo período de tempo (765-680). Assim, qualquer luz que o
livro lance sobre assuntos históricos, sociológicos, econômicos e políticos não
pode ser prontamente conciliada com algum evento histórico específico. E o
problema se intensifica com a impossibilidade de datar a maior parte dos
oráculos, senão de maneira extremamente subjetiva. Esta insegurança impe
de o historiador de querer usá-los. Por outro lado, onde o profeta estava cons
cientemente engajado em narrar os acontecimentos, ele proveu informação
tanto da situação histórica quanto do significado teológico.
Miquéias
O le g a d o d e E z e q u ia s
Uma falha específica no caráter de Ezequias pode ser vista no seu com
portamento para com os embaixadores de Merodaque-Baladã, de Babilônia.
O cronista refere-se a esse incidente de forma bastante sucinta: a cura de
458 H is t ó r ia d e Israel no A n t ig o T estâm e sd:
Ezequias realizada por Yahweh tornou o rei orgulhoso, de sorte que o Se
nhor usou os embaixadores da Babilônia para testar o seu coração (2 Cr
32.25,31). O autor de Reis e o profeta Isaías declaram que o rei Ezequias
expôs os tesouros do reino à embaixada babilónica (2 Rs 20.12-15; Is 39.1
4). Esses visitantes chegaram para solicitar o apoio de Ezequias, um anti-
assírio, à causa de Merodaque-Baladã, que por muitos anos tentava criar
um estado caldeu soberano e independente da Assíria. O fato de Ezequias
ter aberto seus tesouros para os embaixadores de Babilônia pode ser a
expressão de um suposto apoio à causa dos caldeus, de forma que queria
impressioná-los mostrando-lhes sua força e seu poder. Tal atitude foi má
aos olhos do Senhor, ocasionando a ira de Yahweh contra Judá e Jerusa
lém. Ezequias arrependeu-se, mas Isaías o informou de que chegaria o
tempo em que os descendentes políticos desses m esm os caldeus
retornariam para Jerusalém. Eles despojariam todo o tesouro de Judá e
levariam seus filhos e filhas para a corte real da Babilônia.
M a n a s s é s d e Ju d á
1 Exceto com indicação em contrário, as datas reais utilizadas neste capítulo baseiam-se
em Edwin R.Thiele, The Mysterious Numbers ofthe Hebreiv Kings (Grand Rapids: Eerdmans,
1965), p. 61. A cronologia dos últimos anos de Judá também apresenta problemas em
seus detalhes — um assunto que não pode ser tratado nesta obra — mas foi bem traba
lhada em Alberto R. Green, "The Chronology of the Last Days of Judah; Two Apparent
Discrepancies," JBL
1 Thiele, Mysterious Numbers, pp. 157-58.
460 H is t ó r ia d e Israel no A n t ig o T e s t -m i ---.
O cronista relata que a tolice de Manassés em não dar ouvidos aos pro
fetas ocasionou sua deportação para a Babilônia pelas mãos dos assírios (2
Cr 33.10-13). O monarca assírio responsável certamente era Assurbanipal
(668-627), filho e sucessor de Esaradon.3 A referência a Babilônia, como
tendo sido o local para onde o rei Manassés fora deportado, serve como
importante instrumento de datação cronológica, uma vez que Assurbanipal
não se tornou senhor de Babilônia antes de 648.4 Manassés não pôde ter
ido para lá antes disso. Maiores informações podem ser extraídas dos anais
de Assurbanipal, que registram a invasão ao Egito em 667 que, por fim,
resultou na tomada de Tebas e que contou, inclusive, com a ajuda material
de Manassés.5 O texto assírio revela claramente que Manassés era um dos
vassalos de Assurbanipal desde 667.6 A ida para a Babilônia em 648 ou
pouco depois pressupõe que Manassés violara seu pacto de submissão a
Assurbanipal de alguma forma.
Não se sabe quanto tempo o rei de Judá esteve na Babilônia, mas prova
velmente ele foi conduzido ao arrependimento e à fé bem no princípio de
seu cativeiro. O Senhor ouviu suas orações e clamor e, pela sua grande mi
sericórdia, trouxe-o de volta para Jerusalém e restaurou-lhe o trono de Davi.
Manassés então demoliu todas as imagens e altares pagãos que ele próprio
mandara erguer e restaurou a adoração ao verdadeiro Deus. O povo conti
nuou a reunir-se nos altos, observa o cronista, mas tão-somente para servir
a Yahweh (2 Cr 33.17). Manassés também fortificou ainda mais Jerusalém e
os postos avançados, uma tarefa necessária em vista da possibilidade de
mais interferências assírias pelo oeste ou, quem sabe, da exigência de mais
tributos ao rei de Judá. Para os assírios, Manassés ainda era seu vassalo.7
3 John Bright lança a teoria de que Manassés pode ter sido conduzido ao cativeiro porque
apoiou ou incentivou a rebelião promovida por Samas-sum-ukin (652-648), que era o
irmão de Assurbanipal e vice-rei da província de Babilônia (A Hist ory of Israel, 3'1edição
[Philadelphia: Westminster, 1981], p. 311). Porém, muitos estudiosos negam a historici
dade dessa deportação e de qualquer relato a ela relacionado, atribuindo tudo a uma
linguagem poética ou a alguma tentativa de produzir edificação. Ver, por exemplo, J.
Alberto Soggin, A History of Ancient Israel (Philadelphia: Westminster, 1984), p. 239.
4 B. Oded, "Judah and the Exile," em Israelite and Judaean History, editado por John H.
Hayes and J. Maxwell Miller (Philadelphia: Westminster, 1984), p. 294.
5 James B. Pritchard, Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament, 2a edição
(Princeton: Princeton University Press, 1955), p. 294.
6 Hanoch Reviv, "The History of Judah from Hezekiah to Josiah," em World History o f the
Jewish People, vol. 4, parte 1, The Age of the Monarchies: Political History, editado por
Abraham Malamat (Jerusalém: Massada, 1979), p. 200.
7 Ibid.
462 H is t ó r ia d e Isr a e l no A n t ig o T estam est:
A m o m de Ju d á
Amom, filho de Manassés, parece não ter aprendido a lição, pois anu
lou o padrão estabelecido por seu pai e restaurou o paganismo que carac
terizara os primeiros anos do reinado de Manassés (2 Rs 21.19-24; 2 Cr
33.21-25). Este deve ter sido o resultado dos vários anos em que Amom
viveu na corte de seu pai enquanto imperava o paganismo, pois ele nas
ceu pelo menos dezesseis anos antes de Manassés arrepender-se e retomar
para Jerusalém (ver 2 Rs 21.19). Também é provável que ainda existisse no
reino alguns focos de resistência contra a reforma religiosa promovida, os
quais buscavam o retorno ao antigo status quo. Parte da estratégia foi in
duzir o jovem rei a abandonar a política de seu pai e lançar um outro
programa de governo.
Também é razoável assumir que a volta de Manassés para casa foi com
prada pelo alto preço da lealdade ao governo assírio e que Amom, sempre
cauteloso com Assurbanipal, tentava manter boas relações. Por isso as au
toridades acreditam que o assassinato do filho de Manassés só pode ter
sido conseqüência dessa política pró-assíria, e que seus algozes foram ho
mens de um suposto partido anti-assírio (2 Rs 21.23). Estes rebeldes foram
exterminados por um movimento contra-revOlucionário que instalou o fi
lho de Amom, Josias, no trono (2 Rs 21.24).8 Se os detalhes deste cenário
estão corretos ou não, o certo é que Josias rebelou-se contra a Assíria, en
contrando a morte em uma tentativa de apoiar a aliança medo-caldaica,
cujo propósito era a destruição do reino assírio.
9 Para a seguinte discussão, ver especialmente os textos de Esaradon que foram publica
dos por Rykle Borger, Die Inschriften Asarhaddons, Kõnigs von Assyrien, AFO supplement
9 (1956): Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 289-91.
10 Quanto à política conciliatória de Esaradon a respeito da Babilônia, ver J.A. Brinkman,
"Through a Glass Darkly: Esarhaddon's Retrospects on the Downfall of Babylon," JAOS
103 (1983): 35-42.
" H. Jacob Katzenstein, The History o f Tyre (Jerusalem: Schocken Institute for Jewísh
Research, 1973), p. 259.
:2 D.J. Wiseman, The Vassal Treatíes of Esarhaddon (London: British School of Archaeology
in Iraq, 1958).
464 H is t ó r ia d e I s r a e l n o A n t ig o Te s t a u it :
13 A.T. Olmstead, History of Assyria (Chicago: University of Chigado Press, 1975 reedição),
pp. 350-52.
14 Ibid., pp. 396-97.
15 Kenneth A. Kitchen, Third Intermediate Period in Egypt (1100-650 B.C.) (Warminster: Aris
and Phillips, 1973), pp. 391-92.
16 Quanto aos textos assírios que documentam a conquista, ver Albert Kirk Grayson,
Assyrian and Babylonian Chronides (Locust Valley, N.Y.: J.J. Augustin, 1975), p. 85, Chronicle
1.4. 23-27.
17 Ibid., 11. 30-33.
E speran ç a D e s v a n e c f .n t e : A D e s i n t e g r a ç ã o d e J udá 465
assírios.32 Mais uma vez os egípcios enviaram reforços, mas também fo
ram rechaçados e retirados da Síria e da Palestina. Assim, os assírios desa
pareceram do cenário como uma potência mundial, depois de mais de mil
e duzentos anos de existência nacional. A vara de Yahweh cumprira o seu
propósito e agora tinha sido posta de lado.
Jo s ia s de Ju d á
anos de idade.33 Visto que toda a informação acerca da política de Josias indi
ca que ele era contrário aos assírios, é seguro admitir que sua posição inicial
mudou em poucos anos, e ele tornou-se um veemente antagonista da Assíria.
No passado, os profetas alertaram sobre o perigo de se afiliar aos assírios,
mas aqueles que ministraram nos dias de Josias — Jeremias, Habacuque e
Sofonias — são relativamente silenciosos acerca dos assírios. Naum é uma ex
ceção; de fato, todo seu livro é uma descrição da destruição que se abateria
sobre a cidade de Nínive. Mesmo assim não existe qualquer menção no livro de
Naum que descreva uma aliança entre Judá e os assírios. A atenção dos profe
tas, nos dias de Josias, voltam-se para os babilónicos, pois lá pelo início do rei
nado de Josias, em 640, já ficava claro que o julgamento que se abatería sobre a
nação de Judá não viria pelas mãos dos assírios, mas dos babilónicos. Diferen
temente da Assíria, Babilônia não era para ser resistida. Conforme as próprias
palavras do profeta Jeremias, o que Judá teria de fazer era submeter-se à
Babilônia, não como um estado vassalo, mas em reconhecimento do inexorável
fato de que a Babilônia era um agente de Yahweh para disciplinar o seu povo.
O ponto aqui é que as fontes informam pouco sobre o relacionamento
de Josias com a Assíria. De fato, durante seu reinado, os assírios não fo
ram considerados como dignos de menção, senão em seus últimos dias,
quando os exércitos de Judá interceptaram as forças egípcias em Megido,
pois Josias cooperava com a coalizão Medo-Babilônica em Arã, que culmi
nou na destruição final dos assírios.
Reformas religiosas
33 Não se deve desconsiderar as motivações religiosas daqueles que apoiavam Josias, pois,
segundo a opinião de Cari D. Evans, o "povo da terra" foi quem estabeleceu o jovem
monarca no trono "a fim de guardar a sucessão davídica" ("Judah's Foreign Policy from
Hezekiah to Josiah," em Scripture in Context, editado por Carl D. Evans et al. [Pittsburgh:
Pickwick, 1980], pág.170).
34 A sugestão cínica de alguns estudiosos (por exemplo, W. Eugene Claburn, "The Fiscal
Basis of Josiah's Reforms," JBL 92 [1973]: 11-22) de que os motivos ou métodos de Josias
iam além de religiosos, não encontra fundamentação alguma no texto.
35 O autor do livro dos Reis não faz qualquer referência a uma data anterior ao décimo
oitavo ano do reinado de Ezequias (622), o ano da descoberta do manuscrito da Torá, da
470 H is t ó r ia o r Isr a e l no A n t ig o T e s t -,
retornou de seu exílio na Assíria, chegou a dar início a uma série de refor
mas, mas seu filho Amom desfez todas as boas obras de seu pai e, dentro
de dois anos, tempo de duração de seu reinado, reinstalou todas as divin
dades cananéias e sua adoração. Josias não apenas mandou retirar todas
essas abominações, como também incluiu as regiões longínquas do norte
até Naftali em sua reforma.36 É de particular interesse a destruição do al
tar e dos lugares altos de Betei, como a ocasião em que mandou queimar
os ossos dos sacerdotes que haviam servido por muitos anos como ofici
antes dessas abominações durante os anos de Jeroboão I (2 Rs 23.15-20).
Sem dúvida a antiga profecia de que chegaria o dia em que todos os altos
e altares de Betei, dedicados às divindades pagãs, seriam completamente
destruídos e expurgados da terra referia-se a Josias (1 Rs 13.1,2).
Entretanto, a remoção da idolatria de Judá se constituía apenas em um
lado das reformas daqueles dias. Havia a premente necessidade de se res
tabelecer o culto oferecido a Yahweh, baseado nos preceitos estabelecidos
pela lei de Moisés, restaurando inclusive as estruturas da adoração no tem
plo. Essa obra maravilhosa iniciou no décimo oitavo ano do rei (622), quan
do foram decretadas as reformas no prédio já bastante castigado, pois desde
os dias de Ezequias (havia sessenta anos) não se faziam quaisquer reparos
(2 Rs 22.5,6). Depois de uma alta soma de dinheiro ser levantada junto ao
reforma e da grande celebração da Páscoa (2 Rs 22.3; 23.23). Embora seu relato pareça
comprimir uma série de acontecimentos em um espaço de um ano, na verdade, deve
ter-se desenrolado por vários anos, começando no oitavo ano de Josias, segundo a pró
pria descrição do cronista. John Gray sugere que o homem que compilou o livro dos
Reis provavelmente encaixou os três estágios da reforma em um só (I & II Kings
[Philadelphia: Westminster, 1970], p. 275). Mordechai Cogan, por outro lado, contempla
o relato no livro das Crônicas como um exemplo de como se datava as principais reali
zações de um monarca em seu primeiro ano ou nos seus primeiros anos de reinado,
nesse caso para mostrar "logo de início sua profunda preocupação e motivação interna
para as coisas santas" ("The Chronicler's Use of Chronology as Illuminated by Neo
Assyrian Royal Inscriptions," em Empirical Models for Biblical Criticism, editado por Jeffrev
H. Tigav [Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1985], pp. 204-5). Embora se
deva reconhecer a admirável teoria, ainda continua sendo difícil de acreditar. Frank M.
Cross e David Noel Freedman têm feito tentativas de estabelecer uma ligação entre os
acontecimentos do oitavo, décimo segundo e décimo oitavo ano do rei Josias e as prin
cipais crises com a história assíria. Porém, tais tentativas mostram-se deficientes e pou
co prováveis. Ver "Josiah's Revolt Against Assyria," JNES 12 (1953): 56-58 e a resposta
de Evans, "Judah's Foreign Policy," em Scripture in Context, p. 171.
36 Conforme indica o estudioso Reviv em "History of Judah", em World History of the Jewish
People, vol. 4, parte 1, pp. 203-4, a influência política do rei Josias se estabelecia muito
além das fronteiras da nação de Judá.
E sp e r a n ç a D esvan ec en te: A D e s in t e g r a ç ã o d e J uda 471
Ver especialmente a obra de Oswald T. Allis, The Five Books of Moses (Philadelphia:
Presbyterian and Reformed, 1949), pp. 178-84.
Essa visão está convenientemente resumida, embora não completamente aceita por Ernest
W. Nicholson, Deuteronomy and Tradition (Philadelphia: Fortress, 1967), pp. 1-17.
472 H is t ó r ia d e Isr a e l vo A n t ig o
A q u e d a de J e ru s a lé m
As fontes nada revelam acerca dos próximos treze anos, mas em 609, o
faraó Neco II, do Egito, respondeu um apelo urgente de Assur-uballit, da
Assíria, e marchou para Arã, através da Palestina, a fim de ajudar o amigo
a livrar-se do poderio militar babilónico. Josias, porém, era fiel à Babilônia
e, ciente dos planos de Neco, providenciou rapidamente a interceptação
dos exércitos egípcios, esperando derrotá-los ou, no mínimo, dificultar
sua chegada a Arã (2 Rs 23.29). Apesar de Judá, sem dúvida, haver recupe
rado muito de sua força e território, ainda não era capaz de enfrentar o
exército egípcio. Mas Josias corajosamente encontrou-se com Neco em
Megido, embora o cronista relate que esta decisão do rei não foi segundo o
coração de Deus (2 Cr 35.22).34*39 O resultado foi uma vergonhosa derrota de
Judá e a morte do rei fora do tempo, com apenas trinta e nove anos de
idade. Não é possível definir a motivação do pecado de Josias,40 mas, para
34 Stanley Brice Frost descreve as omissões dos "deuteronomistas" desse detalhe como
uma "conspiração do silêncio", pois se tornou extremamente difícil para ele conciliá-las
com seu quadro do reinado de Josias. O cronista, porém, não se intimidou ao atribuir a
morte de Josias ao seu próprio pecado ("The Death of Josiah: A Conspiracy of Silence,"
JBL 87 [1968]: 369-82). Mas se houve uma tentativa de "cobrir" o caso ou amenizar a
situação, por que a narrativa da morte do rei acabou registrada no livro dos Reis?
40 Quanto a possíveis explicações, ver Abraham Malamat,"The Last Kings of Judah and
the Fali of Jerusalém," IEJ 18 (1968): 137, n. 1.
474 H is t ó r ia d e Israel no A n t ig o T esta wí ".
Jeoacaz de fndá
Jeoiaquim de Judá
41 Malamat assume que a aclamação de Jeoacaz como rei, por parte do "povo da terra" (2
Rs 23.30), mesmo não sendo o filho mais velho, não passou de um golpe para colocar no
trono de Judá um monarca anti-egípcio ("Last Kings," p. 140).
E s p e r a n ç a D e s v a n e c e n t e : A D e s in t e g r a ç ã o d e J udá 475
O Império Neo-Babilônico
O contexto histórico
O Império Neo-Babilônico exerceu um papel crucial na vida de Judá
de 609 a 539 a.C. Para este período há disponível um bom número de do
cumentos históricos de valor e objetividade inestimáveis, que suplementa
o Antigo Testamento, além de prover uma visão incomum dos fatores com
plexos que, combinados, conduziram Judá à queda e restauração.42 Po
rém, agora é preciso uma descrição dos acontecimentos históricos da épo
ca para melhor compreensão.43
Logo após o colapso da dominação cassita na metade do século doze, o
norte da Mesopotâmia caiu nas mãos dos assírios e o sul foi destinado à
Segunda Dinastia Isin, que se manteve no poder até 1027. Depois, houve
uma série de dinastias menores (1026—980), a primeira das quais foi a
Segunda Dinastia dos Povos do Mar, assim chamada porque seus domíni
os estendiam-se até as costeiras pantanosas do Golfo Pérsico. Então, um
nativo da Babilônia, Nabu-mukin-apli (979-944), conseguiu assenhorar-se
da área dos Povos do Mar. Por volta de 890, os assírios haviam derrotado
os babilónicos. Até sua derrota final, cujo início foi em 626, os assírios man
tiveram o controle da Mesopotâmia central e sul, embora tenham havido
algumas rebeliões esporádicas. Chegaria o tempo em que eles perderiam
o domínio daquela região.
Durante esse tempo, os migrantes arameus moveram-se gradualmente
para a bacia do Tigre-Eufrates. Eles começaram a coexistir com outros gru
pos étnicos, como os Kaldu (ou Caldeus), que são referidos pela primeira
vez nos anais de Assur-nasirpal II, da Assíria (ca. 878).44 As três maiores e
principais tribos dos Caldeus — Bit-Yakin, Bit-Dakkuri e Bit-Amukani —
surgem pela primeira vez nos textos da era de Salmaneser III (ca. 850). Por
fim, eles constituíram o principal elemento político do sul, os verdadeiros
precursores do Império Neo-Babilônico que seria fundado por Nabopo-
Nabopolassar
O movimento final em direção a tão esperada independência babilónica
dos assírios começou, ironicamente, sob o governo de Samas-sum-ukin
(668-648), filho de Esaradon da Assíria e vice-rei da Babilônia. Seu irmão,
Assurbanipal (668-627), opôs-se-lhe radicalmente, suspeitando de inten
ções separatistas. Depois de uma rebelião malsucedida promovida por
Samas-sum-ukin, Assurbanipal reinou sobre uma Assíria e Babilônia
unificadas. E possível que os registros que atestam um governante
babilónico chamado Kandalanu estejam se referindo a Assurbanipal por
seu pseudônimo.45 O sucessor de Assurbanipal foi Assur-etil-ilani (627
623). Havia outro filho, chamado Sin-sum-lisir, que por pouco tempo apo
derou-se do governo de Babilônia (623). Sin-sar-iskun, então, dominou na
Assíria (623-612) e tentou submeter Sin-sum-lisir no sul. Porém foi impe
dido por Nabopolassar, um caldeu que ironicamente havia sido designa
do governador dos Povos do Mar três anos antes pelo próprio Sin-sar-
iskun, que na ocasião era o general dos exércitos assírios incumbidos de
rechaçar as forças de Babilônia.46
Segundo uma crônica babilónica, Nabopolassar se engajou em batalha
contra Sin-sar-iskun em Uruque, e prevaleceu definitivamente.47 A partir
45 Oates, "Assyrian Chronology," Iraq TJ (1965): 159; ver também Julian Reade, "The
Accession of Sinsharishkun," JCS 23 (1970): 1.
46 Oates, "Assyrian Chronology," Iraq TJ (1965): 143.
47 Wiseman, Chronicles, p. 51 (B.M. 25127).
E spera n ça D esva n ecen te: A D e s in t e g r a ç ã o d e J udá 477
A sucessão de Nabucodonosor
Quando Nabopolassar morreu inesperadamente, Nabucodonosor aban
donou seu projeto de perseguir o faraó Neco e retornou para a Babilônia,
a fim de garantir sua sucessão. E assim ele o fez, em 7 de Setembro de 605,
permanecendo na cidade até a passagem do ano, quando novamente vol
tou os olhos para o oeste, pois intentava implementar um programa de
extensão territorial naquela direção.
Deve-se lembrar que Jeoiaquim de Judá foi o homem designado por Neco
do Egito para ocupar o trono da Palestina e do sul da Síria, entre os anos 609
e 605. Como seu irmão Jeoacaz, Jeoiaquim também foi mau perante os olhos
de Yahweh e, por isso, alvo do juízo de Deus. Antes de Nabucodonosor
expulsar definitivamente os egípcios da Palestina, o estado de Judá era
vassalo do rei do Egito, sendo forçado a pagar um pesado tributo a faraó.
Nabucodonosor expeliu os egípcios da região, mas imediatamente incorpo
rou Judá ao Império Babilónico, exigindo o tributo que era pago aos egícios.
Uma observação cuidadosa das fontes revela que Nabucodonosor pene
trou profundamente no território Siro-Palestinense após a queda de
Carquemis, e que algumas de suas tropas chegaram a se movimentar até bem
próximo à cidade de Jerusalém. Em uma rápida ação, ele invadiu o Egito, fez
o rei Jeoiaquim lhe prestar juramento de lealdade, e enviou um número de
judeus cativos para sua própria capital, Babilônia. Tudo isto aconteceu em
poucas semanas, pois em cerca de 15 de Agosto de 605, Nabopolassar morreu
e Nabucodonosor teve de voltar imediatamente para a Babilônia.
Conforme indica o autor do livro dos Reis, o rei Jeoiaquim permane
ceu leal aos babilónicos pelos três anos seguintes (605-602). Por alguma
razão não específica, ele rebelou-se,36 e a resposta foi certa (2 Rs 24.1,2).
Nabucodonosor enviou tropas da Babilônia e de alguns estados vassalos
do oeste, tais como Arã, Moabe e Amom, forçando Jeoiaquim a subme
ter-se.57 O cronista diz que Nabucodonosor chegou mesmo a prender
Jeoiaquim "com cadeias" a fim de levá-lo para Babilônia como prisionei-56
56 Malamat, "Last Kings," IEJ 18 (1968): 142-43, associa a rebelião de Jeoiaquim ao conflito
entre os babilónicos e os egípcios, que se deu no inverno de 601 /600 a.C, que é confirmado
por uma carta escrita em aramaico da cidade de Saqqarah. Quanto ao teor dessa carta, ver
William H. Shea, "Adon's Letter and the Babylonian Chronicle," BASOR 223 (1976): 61-64.
37 Wiseman, Chronicles, p. 31, indica que a campanha contra o rei Jeoiaquim não é men
cionada nos registros da Babilônia (B.M. 21946, invertido 5-7) porque o principal obje
tivo de Nabucodonosor concentrava-se no Egito, e não em Judá. Ver também John R.
Bartlett, "Edom and the Fall of Jerusalem, 587 B.C.," PEQ 114 (1982): 16, acerca da
opinião de que "arameu" deve ser mantido em 2 Reis 24.2 e não substituído por
E s p e r a n ç a D e s v a n e c f . n t f : A D e s in t e g r a ç ã o d e J u d á 479
60 Albright, "Seal of Eliakim," JBL 51 (1932): 91-92. Quanto à ambivalência criada pela
existência de dois reis em Judá em sua última década, ver Martin Noth, "The Jerusalem
Catastrophe of 587 B.C. and Its Significance for Israel," em The Laws in the Pentateuch and
Other Essays (Edinburgh: Oliver and Boyd, 1966), pp. 266-80.
61 Jon D. Levenson sugere que o historiador ergue uma esperança mesmo em face do apa
rente desespero ("The Last Four Verses in Kings," JBL 103 [1084]: 361).
62 Malamat, "Last Kings", IEJ 18 (1968): 151, associa essa rebelião à ascensão de Hofra do
Egito, em 589, um acontecimento que estimulou Zedequias a quebrar suas relações e
obrigações políticas com o governo central de Babilônia.
63 Abraham Malamat, "The Lst Years of the Kingdom of Judah", em World History of the
Jewish People, vol. 4, part 1, pp. 218-20.
E s p e r a n ç a D f. s v a n e c e n t e : A D e s i n t e g r a ç ã o d e J u d á 481
As conseqüências
O te s te m u n h o d o s p ro fe ta s
Naum
64 Quanto a uma breve discussão introdutória desses assuntos, ver Roland K. Harrison.
Introductíon to the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1969), pp. 926-30.
63 Ralph L. Smith, Micah-Malachi, Word Biblical Commentary (Waco: Word, 1984), pp. 72
73. Outros estudiosos, baseados em um suposto padrão acróstico, veem o hino esten
der-se através de 2.3. Ver, por exemplo, George Buchanan Gray, The Form ofHebrew Poetry
(London: Hodder and Stoughton, 1915), pp. 243-63. Isso, porém, requer uma emenda
muito imaginativa para ser tomada em consideração.
E s p e r a n ç a D e s v a n e c e s t e : A D e s in t e g r a ç ã o d e J u d á 483
Habacuque
Sofonias
demonstrado todo seu ódio para com a nação de Deus, também sofreriam
sua queda (2.8-11). Embora não haja evidência explícita nas fontes que
confirme estes dados, não há razão para acreditar em contrário.73
O oráculo referente aos etíopes (2.12) tem a ver com a derrota da dinas
tia núbia, que reinou sobre o Alto Egito em Tebas. O cumprimento preciso
desta profecia é de difícil interpretação; mas, muito embora os oráculos
referentes às outras nações tratem de julgamento e punição que seriam
infligidos pela Babilônia, é provável que a tentativa de conquista do Egito
em 567 por Nabucodonosor é que esteja em vista nessa passagem.74
A queda da Assíria por meio dos babilónicos é a última da lista das
nações estrangeiras que incorreriam na ira do Deus de Judá, em vista dos
maus tratos aplicados ao povo de Yahweh (2.13-15). Na ocasião do pro
nunciamento, Nínive ainda permanecia intocada, uma indicação de que o
ministério de Sofonias precedeu à queda em 612. Isso também confirma a
impressão de que o ministério do profeta floresceu durante os primeiros
anos do reinado de Josias, e também sugere que os outros oráculos da
série antedatam a destruição de Nínive. Esta grande cidade, proclama o
profeta Sofonias, seria completamente devastada e deixada sem habitan
tes. De fato, a própria localização de Nínive foi esquecida pelo mundo, até
que as escavações em Kuyunjik revelaram o antigo sítio onde estava loca
lizada a antiga cidade.75
Finalmente, Sofonias falou mais uma vez para sua própria cidade e nação,
castigando juízes, profetas e sacerdotes por sua infame desconsideração com
a lei de Yahweh (3.1-7). A despeito de seus freqüentes e dramáticos livramen
tos concedidos a Judá, quando era afligido por seus inimigos, o povo sempre
se recusava a temer a Deus e se desviar de seus maus caminhos. Yahweh,
portanto, reuniria as nações para o julgamento, e Judá também sentiria a sua
fúria. Mas, tanto do meio dos pagãos quanto de Judá, emergiria um remanes
cente fiel que agradaria ao Senhor e que serviria como testemunha para os
povos da terra. Mesmo os dispersos pelos cantos mais longínquos retornariam
e seriam restaurados pelo favor do Senhor Deus (3.14-20).
A linha entre o cumprimento histórico e escatológico é sempre muito
fina e difícil de discernir. Aqui em Sofonias, como em todos os profetas,
73 John R. Bartlett, "The Moabites and Edomites," em Peoples ofOld Testament Times, edita
do D.J. Wiseman (Oxford: Clarendon, 1973), pp. 242-43.
74 Quanto ao texto, ver Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, p. 308; ver também Alan
Gardiner, Egxjpt ofthe Pharaohs (London: Oxford University Press, 1961), pp. 361-62.
75 André Parrot, Nineveh and the Old Testament (New York: Philosophical Library, 1955),
pp. 16-17.
486 H is t ó r ia d e I s r a e l x o A n t ig o Testam ent.
Jeremias
76 Para uma apreciação de Jeremias como fonte histórica, ver F. Charles Fensham,
"Nebukadrezzar in the Book of Jeremiah," JNLS 10 (1982): 53-65.
77 George Fohrer, History of Israelite Religion, traduzido por David E. Green (Nashville:
Abingdon, 1972), pp. 261-62.
E spera n ça D esv a n ec en te: A D e s in t e g r a ç ã o d e J udá 487
que estavam em Israel. Esta palavra pode ter estimulado o rei Josias a
convidar os moradores de Israel para comparecer à comemoração da Pás
coa, em 622. Mas Jeremias via uma contradição entre a mensagem de oti
mismo e a evidente ameaça que despontava no horizonte.78 Logo Jerusa
lém estaria cercada, e embora os profetas e sacerdotes pregassem a paz,
esta não era pressentida na realidade (8.11). Ao contrário, o que se ouvia
era o resfolegar dos cavalos inimigos (8.16).
Porém, isso não significava necessariamente uma completa aniqui
lação, pois o Senhor graciosamente perdoaria a seu povo e manteria
suas promessas para aqueles que se arrependessem e renovassem o
pacto. Este remanescente ainda seria restaurado à sua terra em um dia
futuro, à terra que lhes fora entregue por causa da promessa que Yahweh
havia feito aos seus pais no passado (16.14,15). O cativeiro era um re
sultado esperado, e certamente haveria muitos desastres e destruição
de todo tipo. Como um sinal daqueles tempos incertos, Jeremias foi
prevenido pelo Senhor de que permanecesse solteiro, pois qualquer fi
lho nascido ao profeta certamente pereceria na catástrofe que aguarda
va a nação (16.1-4). Mesmo assim, havia esperança para aquele que
confiasse no Senhor. Este sobreviveria e permaneceria de pé no dia da
vingança e da ira do Senhor Deus (17.7,8).
A maior parte dos capítulos 1 a 17 do livro de Jeremias ocorre durante
o reinado de Josias, provavelmente antes da restauração do templo e da
descoberta do rolo da Torá, em cerca de 622.79 A mensagem é quase toda
de condenação e julgamento, sugerindo que não houvera qualquer tipo
de arrependimento nacional. É justo admitir que a mensagem de juízo
iminente sobre Judá causou forte impacto sobre Josias que, aconselhado
pelo profeta, empregou as medidas necessárias para a reforma, conforme
registrado nas fontes históricas. Embora a reforma não houvesse sido pro
funda nem seus resultados permanentes, como parecem indicar as cele
brações públicas, de forma alguma o ministério de Jeremias foi em vão em
seus primeiros anos.
Uma vez que não há marcos cronológicos específicos, não há meio de
determinar se as palavras de Jeremias, entre 622 e a sucessão de Jeoiaquim,
80 Bright, Jeremiah, p. 182, indica que esse foi o mesmo mês em que os exércitos babilónicos
saquearam a cidade de Ascalom. O jejum promulgado em Judá pode ter sido feito exa
tamente por causa do ataque.
E sperança D esv a n eceste: A D esintegração de J udá 491
Logo no início do reinado de Zedequias, no ano 593 (27.1; cf. 28.1), Jere
mias reiterou a mensagem de julgamento sobre a nação de Judá e seus
vizinhos (caps. 27—28), dizendo que Nabucodonosor viria, e que seria
completamente inútil resistir-lhe de qualquer forma. A única prudência
seria submeter-se às suas ordens. Porém, havia outras vozes proféticas em
conflito com a de Jeremias, as quais diziam que o exílio logo terminaria e
Joaquim retornaria para Jerusalém, trazendo os artigos do templo que fo
ram roubados e levados para a Babilônia em 605 e em 597. Uma dessas
vozes, um profeta chamado Hananias, filho de Azur, declarava nitidamente
que o retorno ocorreria em um prazo máximo de dois anos (28.3,4). Antes
deste tempo, Hananias já estava morto e, após cumprir-se o período, pôde-
se comprovar que suas palavras eram mentirosas e as de Jeremias, verda
deiras. O cativeiro duraria setenta anos.
Por esse tempo, Jeremias escreveu duas cartas, uma endereçada aos
que estavam no cativeiro (29.4-23), e outra composta em forma de oráculo
profético contra a Babilônia (caps. 50-51). A primeira foi enviada aos cati
vos por uma delegação que fora despachada pelo rei Zedequias a fim de
ter uma audiência com Nabucodonosor. A segunda, por meio de uma de
legação que incluía o próprio Zedequias. O motivo de tais viagens não é
esclarecido, embora seja possível que estivessem relacionadas com a apre
sentação anual dos tributos ao rei de Babilônia.82
De qualquer forma, a carta continha instruções para que os cativos se
estabelecessem na terra de seus dominadores e, pacientemente, esperas
sem pelo momento do retorno, que se cumpriria somente após os setenta
anos indicados na profecia. As condições de existência favoráveis são evi
dentes, pois o profeta instrui o povo a casar-se, ter filhos, constituir casas
e negócios, submetendo-se às autoridades babilónicas. Dificilmente ele fa
lava a prisioneiros de guerra perecendo em campos de concentração. O
profeta menciona que Zedequias, o atual ocupante do trono, em pouco
tempo não mais ali estaria, e qualquer vestígio do antigo reino do sul sim
plesmente iria desaparecer. Para eles, o futuro consistia em viver na
Babilônia, não mais em Jerusalém, embora a situação não fosse definitiva,
pois Deus, em seu próprio tempo, os traria de volta para a terra.
O julgamento da Babilônia (caps. 50—51) é descrito em termos grá
ficos como um colapso meteórico de um império magnífico, infligido
pelos inimigos que se levantaram do norte. A queda seria o fator fun
damental para o retorno dos filhos de Israel, e também uma lição, para
que pudessem perceber, como a Assíria, que a Babilônia servira aos
83 Malamat, "Last Kings," IEJ 18 (1968): 152, data esse episódio na primavera de 587.
494 H istória df I srael no A ntigo T estamen t :'
ocasião ele foi acusado de estar fugindo para os caldeus, sendo por isso
lançado no calabouço (37.15). O mal se tornaria ainda pior: os rumores de
que Jeremias era um adido dos caldeus em Jerusalém resultou em seu
encarceramento num poço de lamaçal onde certamente pereceria, não fos
se a intercessão do etíope Ebede-Meleque (38.7-13).
Ainda na prisão, Jeremias ofereceu seu último conselho a Zedequias: ren
der-se, para que ele, a família, e toda a cidade fossem poupados da morte e
devastação (38.17-23). Zedequias quase foi persuadido. Mas o orgulho de
sua posição e a necessidade de manter a coragem em face de certa calami
dade impediu que acedesse às palavras do homem de Deus. Tal pertinácia
contra a verdade causou a destruição do rei e de todo o povo.
Em 587, um ano antes da queda de Jerusalém, Hananeel insistiu com
Jeremias (seu primo) para que comprasse dele um campo em Anatote (32.6
15). Certamente porque se fosse levado para o cativeiro, Jeremias poderia
guardar aquele pedaço de terra. Conforme a direção de Deus, Jeremias
concordou em comprar o campo, e chamou o escrivão Baruque para subs
crever a escritura da compra. Depois guardou-a em um jarro de barro, a
fim de que fosse preservada por muitos dias, até o final do cativeiro, e
seus herdeiros pudessem requerê-la em dias vindouros.
A atitude de Jeremias era um testemunho da promessa de Yahweh de
trazer de volta seu povo e instaurar uma nova aliança (32.37-41). Yahweh
mesmo tomaria a iniciativa de suscitar dentre seu povo um remanescente
com um novo coração, uma nova disposição para amá-lo e obedecer-lhe.
Certamente a terra ainda desfrutaria de abundância e bênção. Do meio da
devastação, surgiria uma nova cidade e um novo país, cheios de vida e
esperança. A antiga promessa feita por Deus de que sempre haveria des
cendente que se assentasse no trono de Davi iria vigorar para sempre (33.14
18). Na verdade, a situação presente não podia ser comparada com o glo
rioso futuro já preparado. Seriam dias de restauração, em que Yahweh
cumpriria o seu plano redentor para Israel e todas as nações da terra.
Finalmente chegara o dia do julgamento predito por Jeremias e seus com
panheiros profetas. As muralhas de Jerusalém foram rompidas e os exércitos
caldeus ocuparam a cidade. Zedequias tentou escapar furtivamente da morte
e do cativeiro, mas foi alcançado e conduzido à presença do rei da Babilônia.
Lá teve seus olhos vazados e foi conduzido cego e escravo para a capital do
Império. Jerusalém foi despojada de todos os seus ricos tesouros e queimada
a fogo (39.1-10). Enquanto isso, Jeremias foi libertado e não seguiu com os
exilados para a Babilônia, pois obteve o direito de escolher ir para o cativeiro
ou ficar em Jerusalém. O profeta, mesmo após essa devastação, ainda presen
ciaria acontecimentos terríveis e até mesmo seria envolvido em um deles.
E sperança D esvaneceste : A D esintegração d e J udá 495
84 Para uma nova e importante confirmação desse nome, ver Larry G. Herr, "The Sarvant
of Baalis," BA 48 (1985): 169-72. Henry O. Thompson e Fawzi Zayadine identificaram
anteriormente Baalis (corretamente) como o filho de Aminadabe que tem seu nome numa
inscrição cunhada em uma garrafa de Tel Siran ("The Works of Amminadab," BA 37
[1974]: 13-19).
85 Bartlett, "Edom and the Fall of Jerusalem," PEQ 114 (1982): 18-19.
496 H istória de I srael no A ntigo T estamento
com Baruque, a segui-los em direção sul, até que, por fim, chegaram a Táfnes
(Tel Dafanneh), no nordeste do Delta (43.1-7).86 Neste local, Yahweh reve
lou a Jeremias que Nabucodonosor construiria um toldo real exatamente no
local escolhido pelos judeus para se refugiarem. A destruição que viria so
bre o Egito também atingiria os judeus que para lá se refugiaram.
Jeremias preparou uma mensagem para circular entre todos os judeus
que habitavam no Egito. Eles já haviam assimilado o estilo de vida egíp
cio, incluindo o sistema religioso, e assim negaram sua identidade como
filhos da aliança com Yahweh. Então, sofreriam as conseqüências de seus
atos, da mesma forma que seus ancestrais. A comunidade judaica do Egi
to seria destruída, com exceção de um pequeno rebanho que voltaria para
a terra (44.1-14).
Novamente, a palavra profética foi desprezada. Ao invés de se volta
rem para o Senhor, os judeus do Egito votaram fidelidade aos deuses pa
gãos, atribuindo-lhes o mantimento e a proteção (44.15-19). Com resigna
ção, Jeremias profetizou que o Egito sofreria a ira de Deus por suas ofen
sas. Ofra (Apries), o governante na ocasião (589-570), seria entregue aos
inimigos estrangeiros, e a aparentemente proteção dos judeus simples
mente ruiria diante de seus próprios olhos (44.30).
A história de Jeremias se encerra neste ponto (c. 585), com exceção da
nota concernente à libertação de Jeoiaquim no ano 562. Na ausência de
documentos que provem o contrário, parece provável que Jeremias tenha
passado o resto de seus dias no Egito, vivendo entre a comunidade ali
estabelecida. Não se sabe por que ele não registrou os acontecimentos de
pois de 585. O que se pode imaginar é que ele manteve contato com os
judeus espalhados pelo mundo, como atesta a referência à libertação do
rei Jeoiaquim.
86 Para uma confirmação dos relatos históricos e geográficos do profeta Jeremias com res
peito aos acampamentos judaicos no Egito, ver Eliezer D. Oren, "Migdol: A New Fortress
on the Edge of the Eastern Nile Delta," BASOR 256 (1984): 31-32.
0exílio e o primeiro
mo no
Uma visão panorâmica
Os estágios das deportações
A vida na diáspora
O retorno do exílio
A situação m undial durante o exílio
O declínio e a queda âo Império Babilónico
As origens do Império Persa
O povo judeu durante o exílio
£m Judá
Em Babilônia
A visão de Ezequiel
A visão de Daniel
No Egito
A situação mundial durante o período da restauração
Cambises II da Pérsia
Dario Histapes da Pérsia
O prim eiro retorno
Ciro como um agente de Yahiveh
Sesbassar, o líder do retorno
O número dos que voltaram
Problemas decorrentes do retorno
A influên cia benéfica dos profetas
Ageu
Zacarias
U m a v is ã o p a n o râ m ic a
1 John Bright, feremiah, Arvchor Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1965), pp. 16—61.
Este é obviamente um número aproximado, visto que o cativeiro foi, de fato, apenas de
sessenta e seis anos, mas o número é bem aproximado ao do profeta Daniel (Dn 9.1,2). A
referência aos setenta anos em Zacarias 1.12 e 7.5 se aplica a um período diferente, ou
H h H i R i í i ,E 1 ' r:. ■L A - . T r ■T l - 7 E E
A vida na diáspora
seja, entre a destruição do templo (586) e sua reconstrução (515). Ver David L. Petersen.
Haggai and Zechariah 1-8 (Philadelphia: Westminster, 1984), p. 149; Petersen, porém, pre
fere as datas de 590-520.
2 O silêncio nos registros da Babilônia com respeito ao cerco de Jerusalém em 605 (ver Dn
1.1) não é suficiente para provar a inexistência de tal acontecimento. Ver D.J. Wiseman.
"Some Historical Problems in the Book of Daniel," em Notes on Some Problems in the Book
of Daniel, editado por D.J. Wiseman et al. (London: Tyndale, 1965), p. 18.
2 Quanto à conquista de Babilônia e aos eventos que a conduziram, ver A.T. Olmstead.
History of the Persian Empire (Chicago: University of Chicago Press, 1948), pp. 49-58.
O E xílio e o P rimeiro R etorno 499
parte do exílio foi vivida entre os anos 586 a 538. Há poucos dados, quer
nas fontes bíblicas quer não, a respeito das condições da Palestina durante
esse período, embora a evidência aponte para um profundo pessimismo
por toda a parte.4 Os judeus exilados que, antes ou depois das deporta
ções feitas por Nabucodonosor, decidiram partir para o Egito (novamente
as fontes são escassas) tiveram uma condição aparentemente melhor, ape
sar de ficarem confinados a um único lugar, Elefantina.5
Entretanto, é possível identificar melhor o cotidiano dos cativos na
Babilônia. A literatura bíblica contém indícios de a vida lá era agradável,
e o povo ajustou-se rapidamente ao novo local.6 Estas conclusões são
confirmadas por algumas placas de escrito cuneiforme que testificam
acerca da vida dos judeus.7 Yehezkel Kaufmann argumenta que não há
evidência de anti-semitismo entre os babilónicos e que, de fato, os ju
deus desfrutavam de bem-estar econômico e até mesmo assumiam altos
postos políticos.8
4 Ver William E Albright, The Biblical Period from Abraham to Ezra (New York: Harper,
1963), p. 84-87. Quanto a algumas sugestões acerca da organização política, ver Sean E.
McEvenue, "The Political Structure in Judah from Cyrus to Nehemiah," CBQ 43 (1981):
353-64.
5 Bezalel Porten, Archives from Elephantine: The Life of an Ancient Jewish Military Colony
(Berkeley: University of California Press, 1968). Quanto aos acampamentos espalhados
no Egito, ver em Elizer D. Oren, "Migdol: A New Fortress on the Edge of the Eastern
Nile Delta," BASOR 256 (1984): 35-36.
6 Por exemplo, Jeremias 29.4-7; Ezequiel, 33.30-32. Para uma visão contrária, ver J.M.
Wilkie, "Nabonidus and the Later Jewish Exiles," JTS 2 (1951): 36-44.
7 Esses consistem em documentos de Murashu e outros materiais discutidos em Michael
D. Coogan, "Life in the Diaspora: Jews at Nippur in the Fifth Century B.C.," BA 37
(1974): 6-12. Esses materiais foram originalmente publicados por Hermann V. Hilprecht
e Albert T. Clay, Business Documents of Murashu Sons of Nippur Dated in the Reign of
Artaxerxes I (464-424 B.C.i. Babylonian Expedition 9 (Philadelphia: University of
Pennsylvania, 1898).
8 Yehezkel Kaufmann, History of the Religion of Israel, vol.4, caps. 1-2, The Babylonian
Captivity and Deutero-Isaiah (New York: Union of American Hebrew Congregations,
1970), pp. 9-11; ver também Julian Morgenstern, "The Message of Deutero-Isaiah in
Its Sequential Unfolding," HLICA 29 (1958): 5-6. Evidência de um tratamento ainda
mais especial dos judeus é visto no caso de Jeoiaquim, que recebeu uma pensão real
por Evil-Merodaque; ver William F. Albright, "King Jehoiachin in Exile," em The Biblical
Archaeologist Reader, editado por David Noel Freedman e G. Ernest Wright (Garden
City, N.Y.: Doubleday, 1961), vol. 1, pp. 106-7. Coogan, "Life in the Diaspora," BA 37
(1974): 9-10, sugere que "não existem indícios de discriminação ou de restrição religi
osa ou de qualquer outra espécie de preconceito étnico. Os judeus estavam engajados
nas mesmas formas de contrato, participavam das mesmas taxas de juros como os
O E xílio e o P rimeiro R etorno 5 01
O retorno do exílio
em Versos Persas), que delata os pecados cometidos por Nabonido mas que, por outro
lado, exalta em refrões a escolha de Ciro como amado de Marduque, pode ser pesquisada
em Smith, Babylonian Historical Texts, pp. 82-97; e em A. Leo Oppenheim, "Babylonian
and Assyrian Historical Texts," em James B. Pritchard, Ancient Near Eastern Texts Relating
to the Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton University Press, 1955), pp. 312-315.
O famoso Cilindro de Ciro também relata a mesma coisa (pp. 315-316). Quanto a
transliteração do texto, ver F.H. Weissbach, Die Keilinschriften der Achameniden,
Vorderasiatische Bibliothek 3 (Leipzig: J.C. Hinrichs, 1911), pp. 2-7.
14 Stephen Langdon, Die neubabylonischen Königsinchiften, Vorderasiatische Bibliothek 4
(Leipzig: J.C. Hinrichs, 1912), pp. 252-61, n. 6 (Nabon), esp. 1.29-35.
15 Dougherty, Nabonidus and Belshazzar pp. 174-175.
16 Olmstead, History, pp. 38-51.
H
A situ a ç ã o m u n d ia l d u ra n te o exílio
17 H. Jacob Katzenstein, The History of Tyre (Jerusalem: Schocken Institute for Jewish
Research, 1973), pp. 330-31.
18 Ibid., pp. 338-39.
19 Oiinstead, History, pp. 35-36.
O E xílio e o P rimeiro R etorno 505
20 Peter R. Ackroyd, Exile and Resteration (Philadelphia: Westminster, 1968), pp. 19-20.
21 Dougherty, Nabonidus and Belshazzar, p. 31.
22 Albert Kirk Grayson, Assyrian and Babijlonimi Chronides (Locust Valley, N.Y.: J.J. Augustin,
1975), p. 107, Crônica de Nabonido 2.13-14; ver também Oppenheim, "Historical Texts,"
em Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, pp. 311-12, quanto aos assim chamados Textos
da Família de Nabonido, que traçam sua vida desde o vigésimo primeiro ano do reina
do de Assurbanipal até o nono de Nabonido.
23 D.J. Wiseman, Chronicles ofChaldaean Kings (626-556 B.C.) in the Brítsh Museum (London:
Trustees of the British Museum, 1961), p. 39.
24 Oppenheim, "Historical Texts," em Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, p. 310.
H 7 r
25 Sidney Smith, [saiah, Chapters XL-LV (London: Oxford University Press, 1944), p. 33.
26 Assim está soletrado no Relato Acerca de Nabonido Cantado em Versos Persas. Ver
Smith, Babylonian Historkal Texts, p. 88; Oppenheim, "Historical Texts," em Pritchard,
Ancient Near Eastern Texts, pp. 312-15.
27 Enquanto silencioso acerca do sexto ano, a Crônica de Nabonido registra que ele estava
em Tema no sétimo ano (549). Ver Grayson, Assyrian and Babylonian Cbronicles, p. 106,
Crônica de Nabonido 2.5.
25 Ver, porém, Dougherty, Nabonidus and Belshazzar, pp. 96-97,133; Gerhard F. Hasel, "The
Book of Daniel: Evidences Relating to Persons and Chronology," AUSS 19 (1981): 42-45;
A.R. Millard, "Daniel 1-6 and History," EQ 49 (1977): 71-72.
29 William L. Reed, "Nabonidus, Babylonian Reformer or Renegade?" LeiTQ 12 (1977):24
O E xílio e o P rimeiro R etorno 507
Ciro II 559-530
Cambises II 530-522
Gaumata 522
Dario Histaspes 522-486
Xerxes 486-465
Artaxerxes I 464-424
Dario II 423-404
Artaxerxes II 404-358
para o platô urartiano, e por volta de 1000 a.C. estabeleceram-se nas vizi
nhanças do lago Urmia (hoje geograficamente reconhecido como o extre
mo noroeste do Irã). Gradualmente, os medos se moveram para o leste e
ocuparam o oeste do Irã, no sul do mar Cáspio, enquanto os persas migra
vam para o sul, estabelecendo-se no sudoeste do Irã, voltados para o Gol
fo Pérsico.31
A linhagem real de que Ciro fazia parte foi fundada por Acamenes,
que reinou de 700 a 675.32 Foi ele quem emprestou seu nome para a di
nastia acamenida. Seu filho Teispes (675-640) estendeu os territórios da
Parsa (Pérsia) em direção sul, até atingir a Passárgada. Em razão da gran
de extensão do reino, Teispes dividiu-o entre seus dois filhos, Ariaramnes,
30 Grayson, Assyrian and Babylonian Chronicles, pp. 109-11, Crônicas de Nabonido 3.12-28.
31 Roman Ghirshman, Iran (Hammondsworth: Penguin, 1954), pp. 90-96.
32 Quanto ao próximo cenário até Ciro II, ver Ghirshman, Iran, pp. 95-126.
no sul, e Ciro I, no norte. Ele também reconquistou sua independência,
não mais submetendo-se aos medos, os quais controlaram a Pérsia em
cerca de 670.
A linhagem de Ariaramnes (640-615) incluiu Arsames, Histaspes e Dario
Histaspes; a de Ciro I (640-600) produziu Cambises I (600-559) e Ciro II (559
530), o que criou o império. Cambises, estabelecido como governante da Pérsia
após esta ser novamente tomada pelos medos e constituída uma província,
casou-se com a filha do rei da Média, conhecido por Astiages. Deste casamen
to nasceu Ciro II, que unia em si mesmo as famílias reais da Média e da Pérsia.
Um contemporâneo de Acamenes, da Pérsia, foi Deioces, da Média,
de quem muito pouco se sabe. Seu filho Fraortes (675-653) fez de Parsa
um estado vassalo, mas sua morte no campo de batalha contra os assírios,
em 653, contribuiu para Teipes readquirir a independência. O trono na
Média permaneceu sem monarca de 653 até 625 em conseqüência da do
minação Cita no noroeste do Irã. Porém, no tempo apropriado levantou-
se Ciaxares (625-585) que venceu os citas e os assírios, estabelecendo para
a Média o controle de toda a região norte da Mesopotâmia e do Irã. Nes
se mesmo tempo, ele forçou a submissão da Pérsia, momento em que
decidiu pôr Cambises no trono daquele estado vassalo. Ciaxares foi subs
tituído por seu filho Astiages (585-550), cuja filha viria a ser a mãe do
grande Ciro II.
O próprio Ciro, na verdade, era um vassalo de seu avô, e reinava em
uma região conhecida por Ansan.33 O jovem monarca tomou a liberdade
de estabelecer sua capital em Passárgada, e deu início ao processo de uni
ficação de uma série de tribos da Pérsia que ainda resistiam ao novo go
verno imperial. Ele também conseguiu estabelecer aliança com Nabonido,
rei da Babilônia, uma ação equivalente a uma rebelião contra Astiages,
visto que os babilónicos eram na ocasião, os inimigos mais hostis do reino
da Média. Por esta razão Ciro foi oficialmente convocado para compare
cer diante do rei em Ecbátana, capital do império. Mas corajosamente de
cidiu não ir. Astiages desferiu um ataque contra seu neto, mas seu exército
desertou. Ciro marchou contra Ecbátana, aprisionou seu avô, e fez da Média
uma província da Pérsia.
Com este golpe, Ciro reivindicou todos os territórios da Média, cau
sando uma confrontação imediata com a Lídia. Um poderoso reino no
mar Egeu, no lado oeste da Ásia Menor, Lídia era comandada naqueles
anos por Cresus, um monarca de reputação tão elevada que era conside
rado como os heróis épicos da literatura grega. Cresus antecipou-se às
34 As Crônicas de Nabonido declaram que no décimo sexto dia de Tashritu, "Ugbaru, gover
nador de Guti, e o exército de Ciro entraram em Babilônia sem qualquer batalha" (3.15-16).
Continua o relato dizendo que "Gubaru, seu oficial do distrito, designou os oficiais distritais
em Babilônia" (3.20) e que "na noite do décimo primeiro dia do mês de Marchesvan, Ugbaru
morreu" (3.22). William H. Shea sugere que (também é nossa opinião) Ugbaru e Gubaru são
a mesma pessoa, e que ambos têm de ser distinguidos do Gubaru constituído sátrapa por
Ciro algum tempo depois ("Darius the Mede: Na Update," AUSS 20 [1982]: 245).
H ut ■ A r
O p o v o ju d e u d u ra n te o exílio
Em Judá
Em Babilônia
fato, nos primeiros séculos da Era Cristã, Babilônia era um centro religio
so judaico que desenvolvera uma tradição completamente separada de
Jerusalém e Alexandria. Foi lá que os judeus mais devotos criaram o co
nhecido Talmude Babilónico, e uma escola de massoretas da Babilônia
produziu sua própria família de textos bíblicos e manuscritos.38
Particularmente isto não surpreende, pois os exilados, não tão nume
rosos, eram a nata política, intelectual e religiosa da sociedade judaica. No
cativeiro, eles viveram juntos em seus próprios guetos. Uma vez que esta
va evidente que permaneceriam no exílio ainda por muito tempo, come
çaram a fixar-se, compraram propriedades e se engajaram em negócios.
Há evidências de que alguns tentaram a resistência, mas finalmente per
ceberam que a coexistência pacífica seria o único caminho.39 De fato a vida
tornou-se tão confortável que a maioria não retornou para Judá quando
saiu o decreto de Ciro.
A visão de Ezequiel
A melhor percepção da vida no exílio da Babilônia é encontrada em
Ezequiel, que passou todos os anos de seu ministério público no local.
Como Jeremias, ele era sacerdote, conforme atesta seu testemunho (1.3) e
seu grande interesse pelo culto. Seus escritos auxiliam particularmente
nossa investigação, porque na maior parte estão em ordem cronológica e
repletos de dados históricos.40
O profeta inicia o relato definindo o cenário — ele estava com os exilados
próximo do rio Quebar, no décimo terceiro ano. O Quebar é o nar kabari men
cionado pelos registros babilónicos, um canal que forma uma extensão do rio
Gutmann (New York: Ktav, 1975), pp. 14-26; Martin Noth, "The Jerusalem Catastrophe
of 587 B.C. and Its Significance for Israel," em The Lazos in the Pentateuch and Other Essays
(Edinburgh: Oliver and Boyd, 1966), pp. 263-64; Peter R. Ackroyd, Israel Under Babylon
and Persia (London: Oxford University Press, 1970), pp. 27-28.
38 Samuel Safrai, "The Era of the Mishnah and Talmud (70-640)," em A History of the Jeivish
People, editado por Haim H. Ben-Sasson (Cambridge: Harvard University Press, 1976),
pp. 373-82. Quanto ao cativeiro da Babilônia como um cenário para o florescimento do
judaísmo, ver D. \Vinton Thomas, "The Sixth Century B.C.: A Creative Epoch in the
History of Israel," 155 6 (1961): 33-46.
39 John Bright, ,4 Histom of Israel, 3a edição (Philadelphia: Westminster, 1981), p. 346; William
H. Shea, "Daniel 3: Extra-Biblical Texts and the Convocation on the Plain of Dura,"
AUSS 20 (1982): 30-32.
40 Para uma revisão de todas as datas, ver K. S. Freedy e Donald B. Redford, "The Dates
in Ezekiel in Relation to Biblical, Babylonian and Egyptian Sources," JAOS 90 (1970):
462-85.
512 H istoria de I srael \o A'.t ;«;--
A visão de Daniel
41 Agora é conhecido por satt en-ntl; ver Walther Zimmerli, Ezekiel: A Commentary on the
Book of the Prophet Ezekiel (Philadelphia: Fortress, 1979), vol 1, p. 112.
42 Walther Eichrodt, Ezekiel (Philadelphia: Westminster, 1970), p. 52.
43 Zimmerli, Ezekiel, vol. 1, pp. 114-15.
O E xílio e o P rimeiro R etorno 513
44 Veja, por exemplo, Arthur J. Ferch, "The Book of Daniel and the 'Maccabean Thesis'"
AUSS 21 (1983): 129-41; John Goldingay, "The Book of Daniel: Three Issues," Themelios 2
(1977): 45-49; Gerhard F. Hasel, "The Book of Daniel and Matters of Language: Evidences
Relating to Names, Words, and the Arramaic Language,"ALiSS 19 (1981): 211-25; Millard,
"Daniel 1-6 and History," EQ 49 (1977): 67-73; Gordon J. Wenham, "Daniel: The Basic
Issues," Themelios 2 (1977): 49-52; Edwin M. Yamauchi, "Daniel and Contacts Between
the Aegean and the Near East Before Alexander," EQ 53 (1981): 37-47.
45 Shea, "Daniel 3," AUSS 20 (1982): 46-47.
Mais tarde Nabucodonosor teve outro sonho, e Daniel declarou-lhe a
interpretação: por não reconhecer a soberania do Deus Altíssimo, o rei
teria sua vida reduzida a uma existência animal. Por sete anos ele ficaria
insano e impossibilitado de reinar (Dn 4). Ao fim deste período, seria res
taurado e assumiria novamente a regência. Tudo isto se cumpriu, e Nabu
codonosor finalmente reconheceu que era apenas um instrumento nas mãos
do Deus do céu.
Os céticos negam que Nabucodonosor sequer tenha sofrido alguma
moléstia descrita por Daniel, mas seu argumento é extremamente fraco.46
Mesmo que a insanidade do rei seja corroborada pelos documentos
extrabíblicos, é importante notar que os registros babilónicos são quase
totalmente omissos a respeito da última década de sua vida. Os esforços
para salvar a credibilidade da história mediante a sugestão de que Daniel
não se referia a N abucodonosor mas a Nabonido47 são totalmente
insatisfatórios, pois não apenas compromete a credibilidade do registro
de Daniel como fonte histórica, como também a alegação da insanidade
de Nabonido traz pouca semelhança com acontecimentos relatados em
Daniel.48
Por razões desconhecidas, Daniel nada menciona acerca do período
entre os reinados de Nabucodonosor e Belsazar. Quando reassume a nar
rativa, ele trata da noite de 539 quando Belsazar, em um banquete regado
a muito vinho, recebeu uma palavra do Deus do céu, a qual dizia que os
Medos e os Persas estavam a caminho para destruir toda a glória de
Babilônia. Percebendo talvez a inevitabilidade do julgamento, Belsazar
decidiu honrar o homem de Deus que lhe trouxera a fatídica mensagem,
elevando-o a terceiro governante do reino. Isto implica em que Nabonido
era o primeiro, Belsazar o segundo, e Daniel o terceiro.49
Esta organização, porém, não iria adiante, pois Nabonido foi captu
rado por Gubaru, o general da Pérsia, Balsazar foi assassinado, e
Babilônia tornou-se apenas uma das satrapias do império persa. As re
ferências de Daniel a "Dario, o M edo" (Dn 5.31; 6.1) e "Dario, filho de
Xerxes" (Dn 9.1) parecem ser a descrição do general Gubaru. Foi ele
quem o imperador Ciro colocou sobre todo o reino da Babilônia (Dn
9.1). A mudança no governo babilónico apenas ergueu Daniel à posi
46 Veja, por exemplo, Louis F. Hartman e Alexander A. Di Lella, The Book of Daniel, Anchor
Bible (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1978), pp. 178-79.
47 Ackroyd, Exile and Restoration, p. 37.
48 Hasel, "The Book of Daniel," AUSS 19 (1981): 38-42.
49 William H. Shea, "Nabonidus, Belshazzar and the Book of Daniel: An Update," AUSS
20 (1982): 133-49.
O E xílio e o P rimeiro R ltôrno 515
50 Essa designação, embora decretada pelo próprio Ciro, foi posta em ação por "Dario, o
Medo" (Dn 5.31; 6.1; cf. 6.28). Parece melhor, sem iniciar um debate aqui, aceitar a opi
nião de Shea, que identifica "Dario, o Medo" com Gubaru, governador de Gutium, que
à frente do exército persa conquistou Babilônia ("Darius the Mede," AUSS 20 [1982]:
234-47). Quanto à opinião de ser Dario um segundo Gubaru (cf. n. 34), ver John C.
Whitcomb, Jr., Darius the Mede (Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1963). Para
uma identificação deste com o próprio Ciro, ver Wiseman, "Some Historical Problems,"
em Notes on Some Problems, pp. 9-16.
51 J. Dwight Pentecost, "Daniel," em The Bible Knowledge Commentary, editado por John F.
Walvoord e Roy B. Zuck (Wheaton, 111.: Victor, 1985), vol. 1, pp. 1361-65.
f 16 H a t . - a : e 1s =a - l A■:
No Egito
A s itu a çã o m u n d ia l d u ra n te o p e río d o de re s ta u ra ç ã o
Cambises II da Pérsia
Em 530, Ciro partiu para o rio Jaxartes, localizado na Ásia central, a fim
de impedir as intenções de Massageta, que violava as fronteiras noroeste
do reino da Pérsia. Mas a batalha foi a última participação de Ciro, que
morreu após ficar seriamente ferido por três dias. Seu filho Cambises, que
ficara a cargo dos negócios do reino, conduziu o corpo de seu pai de volta
para Passárgada, e providenciou o sepultamento. Em seguida, assumiu o
trono acamenida.
Cambises II (530-522) já vinha ocupando por muitos anos algumas po
sições importantes na administração de Ciro. E desde o início de 538 já
havia sido apontado por seu pai Ciro como o substituto no trono.53 Na
época em que assumiu o império, ele era governador do importante dis
trito que rodeava Sippar, no norte da Babilônia. E ainda possuía o título
de "Rei da Babilônia" — um claro e inconfundível indício de toda a fama
e prestígio que desfrutava na região. Ao assumir o império, consolidou
imediatamente a boa imagem que usufruía naquela região. Para garantir
que sua ascensão ao poder não fosse ameaçada por um outro candidato,
Cambises casou-se com suas irmãs e mandou executar seu irmão Bardiya,
um fato que escondeu do povo.
A primeira maior ação do novo rei foi a invasão do Egito, o único dos
quatro principais reinos pré-persas (Média, Lidia, Babilônia, Egito) que
ainda não havia sido conquistado.54 Juntamente com aliados da Fenícia,
ele atacou Amasis II (570-526) e continuou vencendo Psamtik III (526-525)
em Pelusium. Depois de executar Psamtik, Cambises marchou para o sul
até alcançar a fronteira com a Etiópia, anexando imediatamente seus terri
tórios mais próximos. Então organizou todo o Egito em uma satrapia cha
mada Mudraya, tendo Mênfis como capital. Estabeleceu ali um de seus
companheiros, Ariandes, como o sátrapa desta nova jurisdição, e retornou
imediatamente para a Pérsia.
Não demorou muito para Cambises descobrir que um usurpador —
que reivindicava ser Bardiya, seu irmão assassinado — havia tomado o
poder. O impostor provavelmente era Smerdis ou Gaumata, e já havia con
quistado muitos adeptos na Babilônia. Em 1 de Julho de 522, foi aclamado
rei de todo o império. Quando Cambises viu que tudo estava perdido,
cometeu suicídio.
61 G.B. Gray e M. Cary, "The Reign of Darius," em Cambridge Ancient History, 2a edição,
editado por J.B. Bury et al. (Cambridge: Cambridge University Press, 1939), vol. 4, pp.
182-84, 212-14.
62 Ibid., pp. 214-28.
63 Ibid., pp. 233-68.
O E xílio e o P rimeiro R etorno 52 1
O p rim e iro re to rn o
64 Essa política também tinha seu lado negativo. Ver Amelie Kuhrt, "The Cyrus Cylinder
and Achaemenid Imperial Policy," JSOT 25 (1983): 83-97.
522 H istoria de hRM.L \o A 1_
O número total dos que voltaram foi 42.360, acrescidos de 7.337 es
cravos e 200 cantores (Ed 2.64,65). Parece que estes eram basicamente
judeus, embora não seja descartada a possibilidade de israelitas estarem
incluídos nesse grupo.68 Neemias observa que em seus dias (7.4,5), ou
seja, quase cem anos depois, Jerusalém ainda era um local pobremente
habitado. Dessa forma, Neemias buscou as listas genealógicas para de
terminar ao certo se alguns dos que primeiro retornaram, em virtude de
sua linhagem, deveriam ter residido em Jerusalém ou em alguma locali
dade vizinha. Isto corrobora a impressão de que apenas uma pequena
porcentagem de judeus que estava de volta era de fato natural de Jerusa
lém. Entretanto, quando alguém lembra o sofrimento da cidade nas mãos
dos babilónicos em 605,597 e 586, e que apenas cerca de vinte e cinco mil
66 Por exemplo, Cari F. Keil, The Books of Ezra, Nehemiah, and Esther (Grand Rapids:
Eerdmans, 1950 reedição), p. 27.
67 Bright, History, p. 362; Hayim Tadmor, "The Babylonian Exile and the Restoration," em
A History of the Jewish People, editado por Haim H. Ben-Sasson (Cambridge: Harvard
University Press, 1976), p. 168.
68 Os povos cativos em Babilônia não deixaram de manter sua homogeneidade e identida
de por todo esse período, de sorte que não teriam tido qualquer problema para se reuni
rem em um grupo separado a fim de retornar para suas terras. Ver I. Eph'al, "The Western
Minorities in Babylonia in the 6th-5th Centuries B.C.: Maintenance and Cohesion," Or
47 (1978): 74-90, especialmente na p. S3.
524 H i s t ó r i a d e I s r a e l '. c .A
P ro b le m a s d e c o rre n te s d o re to rn o
69 F. Charles Fensham, The Books of Ezra and Nehemiah, New International Commentary
(Grand Rapids: Eerdmans, 1982), pp. 58-59.
O E xílio e o P rimeiro R etorno 525
A in flu ê n c ia b e n é fic a d o s p ro fe ta s
Ageu
a construção dos alicerces. Por outro lado, o povo construíra casas para si
mesmo e começava a desenvolver um próspero estilo de vida. Porém, a
casa de Yahweh estava em ruínas. E o povo acomodara-se diante da opo
sição dos samaritanos.
O profeta Ageu, acerca de quem nada se conhece, falou primeiro. Pro
vavelmente conhecendo que Dario havia se estabelecido em Susã e que,
não muito depois, apoiaria a causa dos judeus, Ageu exortou o povo para
que deixasse de lado seus próprios interesses e iniciasse as obras do tem
plo imediatamente (1.4-9). Em três semanas, Zorobabel e Josué reuniram
uma força de trabalho com novo entusiasmo. Conforme a construção to
mava forma, via-se que jamais poderia se comparar com a grandeza do
templo de Salomão. Mas isso não era o mais importante, Ageu dizia ao
povo. O que realmente importava era que um dia Yahweh encheria a hu
milde estrutura com sua glória (2.6-9). Então nesse dia o templo verdadei
ramente cumpriria sua real função.
Zacarias
A in flu ê n c ia p e rsa
1 Uma excelente fonte bibliográfica acerca deste período pode ser encontrada em
Menachem Mor e Uriel Rappaport, "A Survey of 25 Years (1960-1985) of Israeli
Scholarship on Jevish History in the Second Temple Period (539 B.C.E. - 135 C.E.),"
BTB 16 (1986): 56-58. As dificuldades de reconstruir a história de um período sobre o
qual há poucos textos bíblicos são bem descritos por Peter R. Ackroyd, "Faith and Its
Reformation in the Post-exilic Period: Sources," TD 27 (1979): 323-34.
530 H .s:
Xerxes
Dario Histapes, o rei por meio do qual o templo dos judeus foi nova
mente construído, morreu em 486, sendo sucedido por seu filho Xerxes —
conhecido no Antigo Testamento por Assuero.2 Já por alguns anos ele ti
nha sido apontado por seu pai como o herdeiro, de modo que não houve
tensão ou animosidade na substituição da liderança do império. Por sua
excelente administração em Babilônia, Xerxes foi admiravelmente prepa
rado para assumir a responsabilidade maior no Império Persa.
Os anos iniciais da administração de Xerxes foram dedicados ao térmi
no de seu palácio real em Susã, e ao embelezamento descomunal da cida
de de Persépolis. Este último projeto foi o que mais ocupou-o durante os
vinte anos que esteve à frente do império (486-465). Sua maior preocupa
ção, no entanto, era com o Egito, que se opusera contra a sua autoridade
logo que assumiu o trono. Contudo, a força de Xerxes era verdadeiramen
te grande, de maneira que conseguiu resolver o problema egípcio em me
nos de dois anos. Porém, reprimindo a religião egípcia, Xerxes alienou os
sacerdotes. Assim não poderia esperar uma subserviência egípcia.
Xerxes seguiu os mesmos passos de seu pai. Nutriu um interesse
incomum pelo oeste e pela conquista da Grécia. Após reorganizar seus
exércitos e navios, partiu para o oeste em 481. Os estados mal divididos
da Grécia não foram capazes de formar uma efetiva coalizão, sendo gra
vemente feridos pelos persas. Mesmos os bravos espartanos foram derro
tados na batalha de Termópila, uma luta sangrenta que lhes custou a vida
do último homem. Mas em Salamina o quadro mudou. Xerxes encurralou
milhares de guerreiros gregos na cidade e subestimou sua coragem quase
fanática. Como resultado, perdeu mais de duzentos navios. Foi necessário
buscar uma explicação para o grande fracasso, e os persas acusaram de
covardes os mercenários fenícios e egípcios. Ofendidos, os mercenários
decidiram retornar para suas terras, abandonando os exércitos persas.
Xerxes, então, decidiu voltar para a Pérsia, e deixou no comando das
tropas persas seu general Mardonius, que assumiu a guerra na Grécia. Em
razão de vários erros de estratégia, Mardonius foi perdendo batalha após
batalha, até que por fim perdeu a vida na batalha de Platea. O golpe final
nas aspirações de Xerxes à conquistar a Grécia foi administrado em Micale,
2 Quanto ao curso da história persa sob Xerxes, ver A.T. Olmstead, History of the Persian
Empire (Chicago: University of Chicago Press, 1948), pp. 230-88. Robert Dick Wilson, A
Scientific Investigation of the Old Testament (Chicago: Moody, 1959), p. 69, n. 25. Estas
obras têm demonstrado definitivamente que "Assuero" é a tradução do grego "Xerxes".
R estauração e N ova E sperança 531
Artaxerxes I
O governo deveria passar para Dario, filho mais velho de Xerxes, mas
seu irmão Artaxerxes assassinou-o e assumiu o trono da Pérsia. A conspi
ração foi ajudada por Artabanus, o capitão da guarda.4 Artaxerxes tentou
restabelecer a confiança do povo na administração central do império me
diante a reorganização do sistema de satrapias e pela redução das taxas de
impostos. Mas a medida não obteve o efeito esperado, e muitas terras par
ticulares passaram a ser incorporadas pelo governo porque não consegui
am pagar suas obrigações fiscais. O resultado foi a insatisfação e até mes
mo revoltas, particularmente nas mais remotas províncias. Por volta de
460, os egípcios se recusaram a pagar os tributos aos persas, solicitando
apoio à Liga Deliana, que decidiu apoiá-los. Mas os persas conseguiram
subornar os espartanos para que declarassem guerra contra Atenas. Este
fato não apenas neutralizou o apoio da Liga Deliana aos egípcios, como
também prejudicou os atenienses, colocando ambos em perigo.
Atenas conseguiu sobreviver e formou um império próprio,5 provo
cando a reação dos persas. De 450 até o início das Guerras do Peloponeso
(431), o controle territorial de ambos os lados do Egeu passava de um para
o outro, sem nenhuma vantagem permanente para os persas ou para os
atenienses. Péricles, orador e estadista, começava a conduzir os atenienses
para uma posição de liderança entre todos os estados gregos por volta de
458. Essa preeminência causou medo e ressentimento por parte dos ou
tros estados. As guerras civis na região livraram Artaxerxes da preocupa
3 Maiores informações acerca desses anos podem ser colhidas na obra de Heródoto, History
9.109-13.
4 Olmstead, History, pp. 289-90.
5 J.B. Bury, A History of Greece (London: Macmillan, 1963), pp. 346-425.
5A
Ester
6 Para uma típica visão, ver J. Alberto Soggin, Introduction to the Old Testament, traduzido
por John Bowden (Philadelphia: Westminster, 1980), p. 404, que resume o seguinte: "O
que nós temos não são detalhes de acontecimentos que, na verdade, ocorreram, mas
uma novela histórica". Quanto a uma forte defesa da historicidade do livro, ver Gleason
L. Archer Jr., A Survey of Old Testament Introduction (Chicago: Moody, 1964), pp. 404-6; e
J. Stafford Wright, "The Historicity of the Book of Esther," em New Perspectives on the
Old Testament, editado por J. Barton Payne (Waco: Word, 1970), pp. 37-47.
' Conforme Robert Gordis faz menção, "Qualquer que seja a data, o autor de Ester mos
tra-se intimamente conhecedor das leis da Pérsia, bem como de seus costumes e lingua
gens durante o período acamenida." ("Studies in the Esther Narrative," JBL 95 [1976]:
44). Para uma visão semelhante, ver A. R. Millard, "The Persian Names in Esther and
the Reliability of the Hebrew Text," JBL 96 (1977): 481-88.
s Porém, um dos textos persas não datados, menciona um certo Marduka (o equivalente
babilónico do nome hebreu Mardoqueu), que foi um dos altos oficiais durante Dario
Histapes ou Xerxes. Carey A. Moore sugere que "Marduka pode ser o Mardoqueu da
Bíblia" ("Archaeology and the Book of Esther," BA 38 [1975]: 74).
R estauração e N ova E sperança 533
te seis meses Xerxes mostrou o esplendor de sua corte. Agora coroava sua
estratégia com um banquete de sete dias.9 Depois de uma semana de festa
e vinho, o rei ordenou que a rainha Vasti fosse trazida até os convivas, a
fim de que sua beleza lhes fosse exibida (Et 1.10-12). Quando Vasti se recu
sou a apresentar-se, Xerxes a depôs da posição e passou a buscar outra
que pudesse assumir o lugar da rainha (Et 2.1-4).10
Assim o narrador introduz Ester, a moça judia que morava em Susã
com seu primo Mardoqueu. A presença deles ali sugere a larga exten
são da diáspora judaica um século depois da queda de Jerusalém e,
como já se enfatizou, o fato de a maioria dos judeus permanecerem
na terra do exílio mesmo após a autorização do retorno para Jerusa
lém. A influência da cultura babilónica é vista nos nomes dos prota
gonistas da história.11 "M ardoqueu" é a transliteração para o hebrai
co do nome do deus babilónico M ar duque. Por que um judeu piedoso
carregaria este nome não é fácil de responder.12 O nome da prima é
semelhantemente pagão em sua origem. "E ster" é uma forma de Istar,
a deusa babilónica do amor e da guerra. Ela também tinha um nome
hebreu, Hadassa, pelo qual provavelmente era conhecida na com uni
dade judaica da cidade.
A proeminência de Mardoqueu na corte persa atesta que os judeus po
deriam assumir altos cargos no governo e na sociedade.13 Não se deve
apoiar neste fato, entretanto, pois Mardoqueu orientou Ester a esconder
sua identidade judaica, sendo bem provável que ele tenha feito o mesmo.
Talvez isto explique por que ambos adotaram nomes pagãos para si.
Depois do tempo requerido para a preparação das moças, Ester foi de
clarada rainha de Xerxes em seu sétimo ano (479). Por esse tempo, Xerxes
já era senhor tanto do Egito quanto da Babilônia. Mas nem todas as suas
campanhas militares foram bem-sucedidas, pois a guerra contra os gregos
9 Há, portanto, uma separação entre os seis meses de celebração e a semana do banquete.
Carey A. Moore sugere que essa celebração tinha a ver com a vitória sobre o Egito e com
uma demonstração de confiança em preparação para suas campanhas gregas (Esther,
Anchor Bible [Garden City, N.Y.: Doubleday, 1971], p. 12; ver também Wright,
"Historicity," em Neiv Perspectives, p. 37).
10 Wright, "Historicity" em New Perspectives, pp. 40-43, apresenta alguns argumentos para
demonstrar que a Vasti do livro de Ester não é outra senão a Amestris dos textos clássicos.
11 Moore, Esther, pp. 19-20.
12 Para mais informações, ver Michael D. Coogan, "Life in the Diaspora: Jews at Nippur in
the Fifth Century B.C.," BA 37 (1974): 10-11.
13 Ibid., p. 10; Bezalel Porten, Archives from Elephantine: The Life of an Ancient Jewish Military
Colony (Berkeley: University of California Press, 1968), pp. 279-80. -
HíiTüP'- :> E h ‘ kEi ' . , . . A vt: g T íin v r -:
O u tro s re to rn o s p o s te rio re s : E s d ra s e N e e m ia s
O problema da prioridade
14 Uma discussão detalhada do problema pode ser vista em John Bright, A History of Israel,
3a edição (Philadelphia: Westminster, 1981), pp. 391-402.
15 Otto Eissfeldt, The Old Testament: An Introduction, traduzido por Peter R. Ackroyd (New
York: Harper and Row, 1965), p. 554; Norman H. Snaith, "The Date of Ezra's Arrival in
Jerusalem," ZAIN 63 (1951): 62-63.
H u r '.?u. ■■ A--.-
e cinco anos. Por outro lado, a posição de John Bright é de que Esdras
chegou em 428, já que, segundo ele, o "sétimo ano" em Esdras 7.7,8 é um
erro, pois deveria constar "trigésimo sétimo ano", uma opinião defendida
sem muito fundamento.16
Há quatro grandes argumentos que vão de encontro ao ponto de vista
tradicional:
1. Neemias voltou para Jerusalém para reedificar as muralhas; embora pareça
que quando Esdras retornou, as muralhas estavam de pé.1718Porém, as palavras
de Esdras — "... Deus, para restaurar as suas ruínas e para que nos desse
um muro de segurança em Judá e em Jerusalém" (Ed 9.9b) — dificilmente
podem ser entendidas literalmente, uma vez que não havia muros ao re
dor de Judá. Além disso, Esdras emprega a palavra gader para "muralha",
ao passo que a palavra comum para descrever as muralhas de Jerusalém é
hômâN Contudo, há razão para se acreditar que havia algum tipo de mu
ralha construída pouco antes da chegada de Neemias, já que ele está sur
preso pelo fato de estarem destruídas (Ne 1.3,4).19 Por que ele ficaria sur
preso ao descobrir, 140 anos depois do evento, que Nabucodonosor der
rubara as muralhas da cidade? De fato, é inconcebível que Neemias des
conhecesse o acontecimento. A muralha que ele menciona devia ser uma
referida em seus dias.
2. Parece que Esdras e Neemias não faziam idéia da existência um do outro, e
não há evidências de que foram contemporâneos. As três passagens em que eles
aparecem juntos — Neemias 8.9; 12.26,36 — são simplesmente glosas posterio
res.20 A última parte do argumento não possui qualquer base bíblica, e é
um clássico exemplo de se tomar uma questão como provada. A primeira
parte, então, perde completamente a sua força, uma vez que Neemias men
ciona Esdras. O fato de Esdras não ter mencionado Neemias pode ser ex
plicado pelo fato de ele ter iniciado seu trabalho cerca de treze anos antes
de Neemias chegar à Palestina. Além disso, era comum contemporâneos
não mencionarem um o outro. Isto pode ser ilustrado por Ageu e Zacarias,
Isaías e Miquéias, e outros.
Tentando respeitar os textos em Neemias que se referem a Esdras, Bright
admite que ambos foram contemporâneos, mas mantém que Neemias sur
giu primeiro. Ele também propõe uma reorganização cronológica do ma
terial histórico. Na interpretação tradicional, Esdras retornou para Jerusa
lém em 458 (Ed 7—8). Quando ele foi informado de que muitos de seu
povo haviam se casado com mulheres de outras culturas, raça e religião,
conduziu o povo a uma confissão pública de pecados (Ed 9— 10). Em 445,
depois de Neemias voltar e reconstruir as muralhas de Jerusalém, Esdras
leu a lei para os israelitas (Ne 8), que se arrependeram de seus pecados e
se comprometeram a guardar e cumprir a Lei (Ne 9— 10). Bright afirma
que, uma vez que Esdras foi comissionado por Artaxerxes para ensinar a
Lei (Ed 7.25), a leitura desta deve ter ocorrido logo após sua chegada. Além
disso, "a sensibilidade do povo quando confrontado pelo sacerdote por
causa dos casamentos mistos (Ed 10.1-4) e sua prontidão em conformar-se
com a Lei (v.3) sugere que a leitura pública já havia sido feita".21 Bright
então sugere que, logo que chegou à cidade em 428 (Ed 7—8; Ne 8), Esdras
procedeu à leitura da Lei, e o povo confessou seus pecados, jurando obe
diência aos preceitos contidos na aliança de Moisés (Ne 9— 10).
A proposta de Bright seria bastante atrativa se não fosse o acréscimo do
número "trinta" para os versículos 7 e 8 de Esdras 7. Sua opinião é que a
passagem originalmente era lida como se Esdras viesse a Jerusalém no tri
gésimo sétimo ano de Artaxerxes, em 428. Segundo essa cronologia, Neemias
chegou primeiro, em 445, retornou para Susã em 433, e então, em seu retor
no a Jerusalém poucos anos depois, encontrou com o sacerdote Esdras pela
primeira vez. Porém, na busca de uma solução, deve-se achar outra manei
ra de alcançá-la que não seja a manipulação arbitrária do texto.
3. Esdras parece ter tratado a questão dos casamentos mistos com mais severi
dade do que Neemias. Argumenta-se que Neemias foi bastante leniente, exi
gindo apenas que os pais não mais dessem seus filhos em casamento para
estrangeiros (13.25), ao passo que Esdras ordenou que todos os casamen
tos já efetuados fossem desfeitos (10.10-14).22 Entretanto, esta é uma tênue
evidência. Se, conforme a visão tradicional mantém, a reforma de Esdras
Neemias, o governador
prometendo não lhes fazer mal. Esta promessa foi sustentada por muitos
anos, mas em 449, a viúva de Xerxes e rainha mãe, exigiu a execução de
Amestris. Ao perceber que as exigências da mulher foram acatadas,
Megabyzus enfureceu-se sobremaneira, fugiu de volta para a Síria e de lá
declarou sua independência do governo persa. No início, por ter um forte
contingente que o seguia, saiu-se vitorioso em duas guerras que os persas
lhe fizeram, mas depois de conseguir apoio para suas causas, retornou a
Susã e declarou-se novamente fiel ao rei da Pérsia.31
A relevância deste fato para a narrativa da viagem de Neemias rumo a
Jerusalém é que a satrapia Siro-Palestina encontrava-se em situação extre
mamente precária. O rei Artaxerxes sabia que o acontecimento poderia se
tornar um modelo para futuras rebeliões nas províncias além do Eufrates,
e que, se isto realmente acontecesse, os persas não teriam condições de
reavê-las. Sem dúvida ele estaria disposto a tentar algo para consolidar
sua liderança naquelas longínquas províncias. Quando Neemias se tor
nou voluntário para voltar a Jerusalém, o rei viu a oportunidade para o
cumprimento de seus desejos e projetos, pois seu copeiro sempre lhe tinha
sido leal. Assim ele seria o elemento-chave para manter a harmonia e sub
missão de Judá à administração persa. A presença de Neemias seria um
instrumento de pacificação na região.32
Megabyzus rebelara-se em 449 e reafirmou sua lealdade em cerca de
dois anos depois. De acordo com Neemias, ele pediu autorização para
voltar a Jerusalém em 445, no vigésimo ano de Artaxerxes (2.1). Não seria
errado supor que as condições nas regiões siro-palestinas estivessem caó
ticas depois de 449, e que ali havia uma necessidade quase desesperadora
de liderança. A situação de Judá era uma das mais difíceis, pois sofria
rebeliões e contra-rebeliões, além de estar frequentemente sob ataques
verbais, se não físicos, dos samaritanos e seus aliados. O relato acerca das
muralhas quebradas de Jerusalém refletem, com toda certeza, os conflitos
e devastações que a cidade sofrera durante esses anos.
Neemias é uma das figuras mais inspiradoras da historia bíblica. Como
foi nos dias da diáspora judaica, muitos jovens que ali residiam eram inte
ligentes e capazes para assumir posições no governo persa. Neemias era
um desses que, por suas habilidades, foi levado à posição de copeiro do
rei.33 Para alguém exercer esta função era necessário haver uma confiança
mútua, pois o copeiro poderia ser subornado para derramar algum vene
no no copo do rei ou fazer outra maldade semelhante. A despeito da in
tensa fidelidade para com o rei, Neemias tinha uma fidelidade ainda mai
or para com seu Deus. Embora jamais estivesse em Jerusalém, seu coração
pertencia àquela cidade, e como Daniel ele deve ter orado todos os dias
com a face voltada para Sião.
Em 445, o irmão de Neemias, Hanani, e alguns de seus companheiros de
viagem retornaram de Jerusalém (Ne 1.1-3). Não se sabe a natureza da via
gem e nem se ele estava a serviço do rei, mas de qualquer forma eles relata
ram a Neemias a desgraça e a tristeza que presenciaram em todos os cantos
da cidade. Ao ouvir essas palavras, o coração de Neemias ficou completa
mente pesaroso, de sorte que entrou imediatamente em jejum e oração por
muitos dias. Ele lembrava ao Senhor as suas grandes e preciosas promessas
de restauração. Também se humilhou pedindo ao Senhor que ele pudesse
encontrar favor diante do rei, e depois disso fosse dispensado para viajar
para Jerusalém na intenção de ser usado por Deus de alguma forma.
Logo Artaxerxes notou no semblante de seu copeiro uma grande triste
za e inquiriu dele o motivo. Após ser inteirado de todos os fatos que atri
bulavam o espírito de Neemias, o rei autorizou a partida de seu copeiro
para a cidade de Jerusalém e lhe deu cartas reais que garantiam acesso
seguro por todas as províncias além do Eufrates, e patrocínio do governo
persa para a reconstrução (Ne 2.7,8). Quando chegou à cidade, Neemias
descobriu que a situação era bem pior do que imaginava. As muralhas e
outras estruturas estavam tombadas em ruínas e os oficiais e administra
dores de outros distritos foram radicalmente contrários à reconstrução.
Um desses governadores, Sambalate, o Horonita, tem seu nome confir
mado no papiro aramaico de Elefantina, onde está registrado que ele foi
governador de Samaria no décimo sétimo ano de Dario II, ou seja, em 407.34
Visto que por esse tempo ele já tinha filhos adultos, provavelmente ele ha
via sido governador quarenta anos antes. Tobias, governador de Amom, é
menos conhecido.35 Gesém, o arábio, o terceiro principal antagonista, é
visto nos registros extracanônicos. A fonte primária dessas informações
é uma bacia de prata descoberta em 1947 em Tel el-Masskhütah, no Bai
34 H.L. Ginsberg, "Aramaic Letters," em James B. Pritchard, Ancient Near Eastern Texts
Relating to the Old Testament, 2a edição (Princeton: Princeton University Press, 1955), p.
492; Porten, Archives, pp. 289-93. A família de Sambalate é bem conhecida nos papiros
de Samaria; ver Frank M. Cross, "Papyri of the Fourth Century B.C. from Dâliyeh," em
New Directions in Biblical Archaeology, editado por David Noel Freedman e Jonas C.
Greenfield (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1971), pp. 47-48, 59-63.
35 Ver, porém, Benjamim Mazar, "The Tobiads," em IEJ 7 (1957): 137-45.
R e s t a u r a ç ã o e N ova E s p e r a n ç a 543
xo Egito.36 Da mesma maneira que três outras bacias, esta contém uma ins
crição dedicatória à deusa Han'-Ilat. Além disso está escrito em certa linha,
"aquela que Qaynu, filho de Gasmu, rei de Quedar, trouxe como oferta para
Han'-Ilat." Gasmu é o Gesém da Bíblia. Com base na característica lingua
gem aramaica, na natureza da bacia e nas moedas atenienses descobertas
no mesmo sítio, essa inscrição foi datada em 400.
O motivo maior para esses antagonistas resistirem à obra de restaura
ção da cidade não se concentrava necessariamente no culto a Yahweh. Se
tenta e cinco anos antes do episódio, é verdade que as razões estavam
diretamente relacionadas com o culto (Ed 5.3). Porém agora a resistência
era contra o restabelecimento de mais um estado rival e poderoso dentre
os demais daquela região. Certamente eles se uniram a Megabyzus em
sua revolta contra a administração persa, e passaram a ver o governador
Neemias como um líder a favor da dominação persa naquelas províncias,
tornando-se uma espécie de vigia para o rei Artaxerxes. O próprio fato de
eles se sentirem no direito de interferir nas reformas comandadas por
Neemias é uma prova de que já havia uma certa independência desses
povos para com o governo persa, especialmente depois de tomarem ciên
cia do conteúdo da carta de autorização dada por Artaxerxes.37
Neemias não perdeu tempo: em três dias ele empreendeu uma grande
pesquisa do perímetro exato da cidade para, com os números exatos à
mão, poder determinar os passos necessários para a reconstrução dos
muros. Imediatamente os líderes se aproximaram e se dispuseram a aju
dar na tarefa, de maneira que a obra não tardou a começar. Depois de uma
tentativa fracassada, Sambalate, Gesém e Tobias, que tentaram desestimular
o povo escarnecendo da obra, partiram para uma tática diferente: argu
mentaram sobre a deslealdade dos judeus para com o trono da Pérsia,
mas isto foi em vão, pois a obra tinha sido autorizada pelo próprio rei. A
medida que a construção chegava ao fim, os inimigos de Israel se desespe
ravam, percebendo que a cidade ficaria novamente invulnerável à ação de
exércitos estrangeiros. Para eles, tudo isso tinha dois significados básicos:
os judeus automaticamente proclamariam sua independência dos persas,
e depois buscariam o controle de toda a região, criando um reino redivivo
de Davi, o que não estava distante das perspectivas dos profetas. Neemias
teve de defender a obra contra todos esses ataques.
36 William J. Drumbrell, "The Tel el-Maskhuta Bowls and the 'Kingdom' of Qedar in the
Persian Period," BASOR 203 (1971): 33-34.
37 J. Alberto Soggin, A History of Ancient Israel (Philadelphia: Westminster, 1984), pp.
272-74. ’ ’
544 H istória de I srael \ o A.xtigo T esta mesto
38 Yohanan Aharoni, The Land of the Bible (Philadelphia: Westminster, 1979), p. 440.
39 Esse era provavelmente considerado um lugar neutro, situado entre Asdode e Samaria,
e também fora das fronteiras de Judá; ver Jacob M. Myers, Ezra-Nehemiah, Anchor Bible
(Garden City, N.Y: Doubleday, 1965), p. 138.
40 Kathleen Kenyon, Jerusalem (New York: McGraw-Hill, 1967), p. 105-11.
R e s t a u r a ç ã o e N ova E s p e r a n ç a 545
42 Para Neemias 8-10 como um material do pacto, ver Dermis J. McCarthy, "Covenant and
Law in Chronides-Nehemiah," CBQ 44 (1982): 34-35.
R e s t a u r a ç ã o e N o va E s p e r a n ç a 547
43 Fensham, Ezra and Nehemiah, p. 260. Fensham indica corretamente, em nossa opinião,
que esse Eliasibe não deve ser confundido com o sumo sacerdote Eliasibe, visto que este
jamais seria identificado como alguém responsável pelos armazéns do templo (Ne 13.4).
44 Embora muitos estudiosos liguem Neemias 12.27-47 com 6.15 (eg., Myers, Ezra-Nehemiah,
p. 202), não há nada implícito na "dedicação" que a limite ao ato inicial de compromis
so. Bright (Histonj, p. 383) propõe que a dedicação inicial ocorreu alguns anos depois da
construção. As frases "naquele tempo" em Neemias 12.44 e "naquele dia" em 13.1, e a
unidade de 12.27-13.3 tornam claro que todos os eventos registrados dali em diante
aconteceram depois da volta de Neemias para Jerusalém em cerca de 430.
terminadas pela Lei. Ele também fez com que as determinações de Moisés
a respeito dos estrangeiros, especialmente os amonitas e moabitas, fos
sem lidas, de sorte que não houvesse mistura na santa congregação de
Israel (Ne 13.1-3; cf. Dt 23.3-6). Essa atitude foi uma resposta direta à
presença de Tobias, o amonita, nos recintos sagrados do templo. "Pm s^-
guida, as palavras se voltaram contra o problema da quebra do sábado,
e Neemias determinou que este fosse observado tanto pelos judeus quanto
pelos gentios que ali habitavam, a fim de evitar o juízo e a ira divina.
Finalmente, Neemias repreendeu os culpados pelos casamentos mistos,
castigou-os fisicamente e os advertiu que a continuação desta'prática
desagradava principalmente ao Senhor. y *-
M a la q u ia s , o p ro fe ta
O A n tig o O rie n te P ró x im o
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