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Homicida

Nunca pensei que um dia cometeria um homicídio. Mas quando fecho os olhos e
me recordo de como agi, não consigo sentir culpa. O crime foi em legítima defesa,
resultado de tudo o que ela me fez sofrer: ser humilhada, ter meu amor próprio roubado.
Assassinar aquela mulher era a única alternativa para encerrar meu sofrimento, para
voltar a viver. Minha necessidade de afeto, de carinho, minha carência e solidão me
levaram àquele relacionamento pérfido com a outra. Juntas, por um homem de quem eu
só recebi migalhas de sentimento, com as quais me contentei tantas vezes, como se
fosse um banquete.

Ainda sinto a ferida aberta. A mágoa da existência dela dentro de mim, a inveja
por nunca conseguir ser ela, assim como tristeza por meu crime ainda doem. Nunca quis
matar alguém. Não achei que precisaria chegar a este extremo. Mas não foi errado. Pela
primeira vez na vida, algo que fiz não me esmagou ou oprimiu. Estou mais leve depois
que ela se foi. A cobra venenosa, a competidora, a que me fazia de gato e sapato. A
mentirosa mascarada que ele tanto amou.

Nunca me senti bela ou atraente. Nunca pensei em conquistar alguém. Sempre


quis viver minha vida quieta e sozinha. Nunca fui de me apaixonar ou de tentar
conquistar. Os homens sempre apareceram por acaso. Sempre achei que eles me
queriam só porque eu não me interessava. Homem é assim. Gosta de conquistar o que
não tem de bandeja. Não ligava para isso, o meu não-querer era sincero, não era
máscara. Eles ficaram na minha vida, como tatuagens, eternos, inconformados por não
serem amados. Quando eu olho para eles, são como estátuas em uma galeria do passado.
Não voltam, não revivem.

Com ele sempre foi diferente. Ele nunca me amou. Para ele, a graça era
simplesmente a conquista. Me perseguia só por diversão. Depois de conseguir entrar em
meu coração, como ninguém antes, ele passou a me espezinhar, maltratar. Eu nunca
soube o que fazer e fazia de tudo, de tudo para ele me querer. Acho que, até por isso, ele
nunca me deu valor. Nunca me aceitou como eu sou. Nunca pensou em mim como
alguém com quem poderia se relacionar.

Rastejei. Não me respeitei. Dei tantos mimos, me declarei inúmeras vezes. Corri
atrás dele, me rebaixei, virei submissa. Tudo o que eu sempre quis era que ele ficasse na
minha vida. E eu pedia às estrelas. Eu nem mesmo conseguia entender o porquê.
Consegui me afastar uma vez, não do coração, mas do corpo. Eu já não tinha nenhuma
esperança de um dia voltar, a certeza absoluta de que eu não valia nada. Fiquei quieta,
vivendo em paralelo ao meu mundo real, que construí com perfeição, para que ninguém
me criticasse. Mas não funcionou.

Meu perfeccionismo é um defeito dos mais graves. É ele que me leva por aí,
pelos meandros da falta de autoestima. Eu nunca me vejo correta, eu nunca sirvo, eu
nunca mereço. Por muitos anos, achei que estava curada, vivendo isolada dentro de
mim. Mas fiquei infeliz. Infeliz na alma. Meu corpo brigou comigo e eu vomitava quase
diariamente. Não queria comer. Sim, eu ia morrer daquele jeito. Decidi me dar outra
chance. Mudar meu mundo perfeito para outro mundo perfeito. Queria recomeçar só,
com meus filhos, com meu trabalho. A ruptura funcionou, a coragem de mudar.

Foi então que ele voltou. De novo, só porque não me tinha. Querendo me provar
que era a ele que eu pertencia. E eu fui, de novo, para a armadilha daqueles braços.
Mais uma vez iludida. Mais uma vez achando que seria só uma noite. Acreditando do
fundo do peito que eu iria vê-lo, me decepcionar com o presente, e voltar a viver do
passado que eu gosto tanto... Mas não foi o que aconteceu. Comecei a sonhar com ele na
minha vida, novamente. Eu sentia um laço tão forte que não conseguia, de novo,
explicar. A falta de razão é a morte para alguém racional como eu. Eu preciso pensar e
entender. Não sei viver assim.

Depois que retomamos nosso não-relacionamento, tudo piorou. Muito. Patética,


desajustada, sem equilíbrio, assim eu passei a estar. Ou a não estar. Não entendi por que
aceitei voltar à roda viva, se eu já havia conseguido uma vez enterrar dentro de mim
aquilo que me fazia sofrer tanto. Ele me manipulou e com o tempo me fez aceitar a
presença dela novamente, me convencendo de que aquela mulher me faria bem. Ele
estava sozinho e sempre repetia isso para mim, eu não poderia me meter na vida dele,
mas eu estava com ele. Dominador, único, exclusivo. Ela voltou também. A fantasia, a
mulher que ele gostou tanto. Eu aceitei participar da brincadeira porque eu queria ficar
perto dele. Eu queria minha esmola de atenção, que vinha depois de fazer o que ele
mandava, depois de deixar de existir. Como uma cadela de rua, vadia, era enxotada e
sempre voltava, abanando o rabo, por um carinho.

Mas então veio aquele dia. Aquele dia em que não aguentei mais tanto choro.
Não aguentei mais tanto sofrimento. Não aguentei mais tanta decepção. Resolvi partir,
ir embora, mas ela não deixou. Ela queria que eu ficasse, porque precisava de mim. Sem
minha presença, ela sabia que não tinha valor, não existia. Sim, ela sempre soube de sua
fragilidade. Era só eu querer me desacorrentar e ela desapareceria da vida dele. Ele
queria as duas. Juntas. Ele me acorrentava na chantagem de uma relação inexistente,
dependente de uma mentira. Uma relação sem sentido, na qual eu nunca ganhei nada em
troca.

Foi um momento, um lapso no tempo.

De repente eu consegui quebrar as correntes, cai no chão com o esforço, desisti


de fugir. Me entreguei. Da entrega veio a força que eu precisava para matá-la. Eu não
pensei, eu agi. Olhei para ela e percebi o quanto ela era dispensável, não eu! Sem ela, eu
poderia voltar a existir, voltar a ser eu, mesmo que, no caminho, perdesse as ilusões de
ficar com ele um dia. Sim, eu me senti mais importante do que ela. De repente, percebi
que poderia viver assim. Sozinha, livre, sem ter que fazer coisas que me contrariavam.
Notei, pela primeira vez, que ela não era eu, ela fazia coisas que eu não queria
fazer. Ela era uma construção dele. Ele nunca me aceitou, nunca respeitou meu jeito.
Ele nunca percebeu que eu gosto de solidão, não gosto de abrir as portas da minha vida.
Ele nunca percebeu que é o único homem da minha vida e que eu não preciso ir para
cama com mais ninguém. Eu fico feliz assim. Disponível, sem me dividir, amando um
homem só. A vida inteira amando um homem só. Sem ver sentido em sexo sem
sentimento. Respeitando meu corpo. Respeitando minha vida.

O momento da minha gênese foi o momento da sua morte. Eu olhei para ela e
apertei o botão. Com um golpe certeiro, ela se desfez em pedaços de nada. Voltou para
a tela escura de onde tinha saído para sempre. Morta. Fria. Lixo.

Pensei no que tinha feito. Não iria contar para ele minha aventura homicida, mas
ele entrou pela porta, no momento em que eu apertava o botão do crime macabro. Ele
olhou para o computador desligado e perguntou o que eu fiz. Eu disse: assassinei sua
amante, sua mulher, sua namorada Bianca. Agora estou livre. Ela se foi, não volta mais.

Ele olhou para mim. Em silêncio – sua punição habitual por todas as vezes que
não fiz o que ele queria –, virou as costas e foi embora. Para nunca mais voltar. Eu não
chorei nem sofri. A escolha foi minha e por mim.

E assim cometi meu primeiro e único crime, em legítima defesa. Eu me perdoo.


Eu sobrevivi, para contar.

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