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António Aleixo

Este livro que vos deixo…

Uma produção da BE da escola sec. De


Tondela
António Aleixo
(Vila Real de Santo António, 18 de Fevereiro
de 1899 — Loulé, 16 de Novembro de 1949)
foi um poeta popular português.
Se pedir, peço cantando,
Sou mais atendido assim;
Porque, se pedir chorando,
Ninguém tem pena de mim.

Quem me vê dirá: não presta,


Nem mesmo quando lhe fale,
Porque ninguém traz na testa
O selo de quanto vale.
Forçam – me, mesmo velhotes,
De vez em quando, a beijar
A mão que brande o chicote
Que tanto me faz penar.
Eu não tenho vistas largas,
Nem grandes sabedoria,
Mas dão – me as horas amargas
Lições de filosofia.

Após um dia tristonho,


De mágoas e agonias
Vem outro alegre e risonho:
São assim todos os dias.
Fala quando te apeteça,
Mas desculpa que eu te diga
Que te falta na cabeça
O que te sobra em barriga.
Uma mosca sem valor
Poisa, com a mesma alegria,
Na careca de um doutor
Como em qualquer porcaria.

És parvo, mas és distinto,


Só vês bem o que tens perto;
Não compreendes que te minto
Quando te trato por esperto.
Para te tornares distinto
E mostrar capacidade,
Dizes sempre que te minto,
Quando te digo a verdade.
Foges de mim, sei porquê;
Queres ser grande, não estranho:
Receias que quem nos vê
Te julgue do meu tamanho.
São parvos, não rias deles,
Deixa – os ser, que não são sós;
Às vezes rimos daqueles
Que valem mais do que nós.

Olhas para mim e sorris,


Desdenhas dos meus tormentos;
Os gestos dos imbecis
Mostram os seus sentimentos.
Descreio dos que me apontem
Uma sociedade sã:
Isto é hoje o que foi ontem
E o que há – de ser amanhã.
Vós que lá do nosso império
Prometeis um mundo novo,
Calai – vos, que pode o povo
Querer um mundo novo a serio.

Que importa perder a vida


Em luta contra a traição,
Se a razão, mesmo vencida,
Não deixa de ser razão?
Inteligência há poucas,
Quase sempre as violências
Nascem das cabeças ocas,
Por medo às inteligências.
Casado que arraste a asa
À mulher desde e daquele,
Merece que tenha em casa
Outro homem em lugar dele.

Poisa sobre qualquer coisa


Um parasita, a brincar:
Se o não matam, quando poisa,
Já pode ele então matar.
Meu amor, vê se te ajeitas
A usar meias modernas,
Dessas meias que são feitas
Da pele das próprias pernas.

Eu não sei porque razão


Certos homens, a meu ver,
Quanto mais pequenos são
Maiores querem parecer.
O rato mete o focinho
Sem pensar que faz asneiras;
Depois, ou larga o toucinho,
Ou fica na ratoeira.
Para a mentira ser segura
E atingir profundidade,
Tem que trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade.

Faz mal o filho que mente


A seus pais, quando rapaz,
E é já tarde quando sente
O mal que a si próprio faz.
Sem que pró mal me convençam
Tenho que fingir, assim,
Que penso como eles pensam
P’ra que pensem bem de mim.
Há pessoas muito altas
Do nome ilustrado e sério,
Porque o oiro tapa as faltas
Da moral e do critério.
Mal de mim se tu pudesses
Fazer – me bem! Eu não queria…
O bem que tu me fizesses
Pior mal para mim seria.
Se o hábito faz o monge
E o mundo quer – se iludido,
Que dirá quem vê de longe
Um gatuno bem vestido?

Foste mordido como eles,


Sofreste, e sem que o recordes,
Agora mordes naqueles
Que sofrem quando lhes mordes.
Sei que pareço um ladrão…
Mas há muitos que eu conheço
Que, sem parecer o que são,
São aquilo que eu pareço.
Enquanto o homem pensar
Que vale mais que outro homem,
São como os cães a ladrar,
Não deixam comer, nem, comem.

Muito contra o meu desejo,


Sem lhe querer dizer porquê,
Finjo sempre que não vejo
Quem finge que me não vê.
Ainda não reparaste
Que és tal qual um cão na palha?
Tu, que nunca trabalhaste,
Censuras quem não trabalha!

Tu és feliz, vives na alta,


E eu de rastos como a cobra.
Porque? Porque tens de sobra
O pão que a tantos faz falta.
Não acho maior tortura,
Nem nada mais deprimente,
Que ter de chamar fartura
À fome que a gente sente…
Eu já não sei o que faça
Para juntar algum dinheiro;
Se se vendesse a desgraça
Já hoje eu era banqueiro.

Um homem quando tem notas,


Pode ser perverso e falso:
Todos lhe engraxam as botas
- Se as não tem, anda descalço.
Queremos ver sempre à distância
O que não está descoberto,
Sem ligarmos importância
Ao que está à vista e perto.
Porque será que nós temos
Na frente, aos montes, aos molhos,
Tantas coisas que não vemos
Nem mesmo perto dos olhos?

Mentes, mas nem caso faço


Das piadas que me atiras,
Porque no mundo há espaço
Para biliões de mentiras.
És um rapaz instuido,
És um doutor; em resumo:
És um limão, que espremido,
Não dá caroços nem sumo.

Só é feliz quem se ilude


Com o que o mundo lhe diz;
Mas eu não posso nem pude
Iludir – me para ser feliz.
A vida é uma ribeira;
Caí nela, infelizmente…
Hoje vou, queira ou não queira,
Aos trambolhões, na corrente.
O homem sonha acordado;
Sonhando a vida percorre…
E desse sonho dourado
Só acorda, quando morre!

Quantas, quantas infelizes


Deixam de ser virtuosas…
E depois são seus juízes
Os que as fazem criminosas!
Sem que o discurso eu pedisse,
Ele falou; e eu escutei.
Gostei do que ele não disse:
Do que disse não gostei.

Tu, que tanto prometeste


Enquanto nada podias,
Hoje que podes – esqueceste
Tudo quando prometias.
Os que bons conselhos dão
Às vezes fazem – me rir,
- Por ver que eles próprios são
Incapazes de os seguir.
Mesmo que te julguem mouco
Esses que são teus iguais,
Ouve muito e fala pouco:
Nunca darás troco a mais!

Entra sempre com doçura


A mentira, para agradar;
A verdade entra mais dura,
Porque não quer enganar.
Diz que viver é sofrer…
Concordo. Mas não compreendo
Que ninguém ouse dizer
Quanto se aprende sofrendo!
Se te censuram, estás bem,
Para que a sorte te perdure;
Mal de ti quando ninguém
Te inveje nem te censure!
Falas bem, mas antes queria
Que soubesses proceder
Menos em desarmonia
Com o que sabes dizer.

Tanto da vida conheço


Que, ao ver o mundo tão torto,
Às vezes, quando adormeço,
Desejava acordar morto.
Não sou esperto nem bruto,
Nem bem nem mal educado;
Sou simplesmente o produto
Do meio em que fui criado.
Os meus versos o que são?
Devem ser, se os não confundo,
Pedaços do coração
Que deixo cá neste mundo.

Não escolho amigos á toa,


Sempre temendo algum perigo:
Primeiro, escolho a pessoa;
Depois, escolho o amigo.
Julgando um dever cumprir,
Sem descer no meu critério,
- Digo verdades a rir
Aos que me mentem a sério!

Diz – nos a nossa consciência


Que temos obrigação
De pôr a inteligência
Ao serviço da razão.
Veste bem, já reparaste?
Mas ele próprio ignora
Que, por dentro, é um contraste
Com o que mostra por fora.
Tu és fonte de água clara
Que deixa ver a nascente
Porque me mostras, na cara,
O que o teu coração sente.

Só quando sinceramente
Sentimos a dor de alguém,
Podemos descrever bem
A mágoa que esse alguém sente.
Não digas que me enganaste,
Por ter confiado em ti;
Muito mais do que levaste,
Ganhei eu no que aprendi.
Até nas quadras que faço
Aos pobres que o mundo tem,
Sinto que sou um pedaço
Do mesmo pobre também.

Quando estas verdades digo


A um amigo, estou a ouvi – lo
Ele dizer lá consigo:
- Aquilo não é comigo,
Eu não sou nada daquilo.
Mas, se em meus versos bem digo
Dum amigo, fica feliz
A dizer lá para consigo:
- Oh diabo, aquilo é comigo,
Sou tal qual o que ele diz.

E assim crio inimigos:


Amigo, porque te iludes
Ao veres, nos teus amigos,
Erros, defeitos e perigos
Que em ti tudo são virtudes?
Ando num desassossego,
Tristonho, meditabundo,
Ao sentir que me despego
Daquilo a que mais apego
Nós podemos ter no mundo.
És um sábio a discutir
E a discursar; quem te ouvir,
Compreende que o teu intento,
Não é lutar pela razão;
É ganhar a discussão,
Pelo menos nesse momento.

Viste que te tinha visto


Rir dos farrapos que visto,
Mas não viste que eu sorri;
Se viesses e compreendesses,
Talvez não escarnecesses
De quem tem pena de ti.
No mundo – bola que gira –
Sendo a mentira um defeito
Em nós, dos mais vergonhosos,
Até parece mentira
Que a mentira tenha feito
Ricos, tantos mentirosos.
Até na fotografia
Parece que olhas para mim;
Meu amor, minha alegria,
Nunca mais me olhes assim,
Porque, se este amor tem fim,
Morro de melancolia.

Não sei se o amor existe.


Eu senti e tu sentiste
Aquilo que raramente
Se sente na nossa vida:
Uma dor desconhecida
Que torna feliz quem a sente.
Quando começo a cantar,
Eu bem quisera agradar,
Mas nem sempre sou capaz;
Só quando o coração canta
A minha pobre garganta
Faz o que nem sempre faz.

Ser artista é ser alguém!


Que bonito é ser artista….
Ver as coisas mais além
Do que alcança a nossa vista!
A arte é dom de quem cria;
Portanto não é artista
Aquele que só copia
As coisas que tem à vista.
Não sei o que de mim pensam
Quando me vêem chorar;
Mas quero que se convençam
Que a dor também faz cantar.

Vivo sempre satisfeito,


Pois, mesmo quando a sofrer,
Tenho um rouxinol no peito,
Que canta para me entreter.
Desce à escala a que pertenço
Que, com certeza, acharás,
Muito justo o mal que penso
Dos que estão onde tu estás.
Fala bem, gosto de ouvi – lo,
Mas sei que lá dentro fica
Para dizer, tudo aquilo
Que ele vê que o prejudica.
Foste por mim ofendido,
Desculpa se fiz tolice,
Que já estou arrenpendido
Das verdades que te disse.

Finge não ver a verdade,


Porque, afinal, tu compreendes
Que atrás dessa ingenuidade
Tens tudo quanto pretendes.
Fizeste – te meu amigo
Por teres medo de mim;
Não posso contar contigo,
Não quero amigos assim.
Homem, que te julgas fino
Sem querer que alguém em ti mande,
Tornas – te mais pequenino
Sempre que te julgas grande.

Negociando viveste,
Tens dinheiro e excelência:
São coisas que recebeste
A troco da consciência.
Para não fazeres ofensas
E teres dias felizes,
Não digas tudo o que pensas,
Mas pensa tudo o que dizes.

Quando te vês mal, e dizes


Que preferias a morte,
Pensa que outros menos felizes
Invejam a tua sorte.
Sem reparar que me feres,
Dizes – me, de vez em quando,
Coisinhas que tu não queres
Que eu te diga nem brincando.
Nunca julgues que quem canta
É feliz, porque é ilusão:
Nem sempre diz a garganta
O que sentes o coração.

Tira a mascara do teu rosto,


Senão serei obrigado
A dar – te o grande desgosto
De andar também mascarado.
Usas máscara, é bom usá – la,
Se a rasgares, fazes mal;
Terás tempo de rasgá – la,
Quando acabe o Carnaval.
Vai subindo lentamente,
Só assim serás alguém,
Que quem sobe de repente
Raramente sobe bem.

Nada peças de joelhos


A Jesus, não vás mentir,
Que quem segue os seus conselhos
Tem tudo sem lhe pedir.
As águias de hoje na guerra,
Com os seus golpes traiçoeiros,
Queimam os pastos da terra…
Morrem de fome os cordeiros.
O oiro, o cobre e a prata,
Que correm pelo mundo fora,
Servem sempre de arreata
Para levar burros à nora.

Que o mundo está mal, dizemos,


E vai de mal a pior;
E, afinal, nada fazemos
Para que ele seja melhor.
Talvez paz no mundo houvesse,
Embora tal não pareça,
Se o coração não estivesse
Tão distante da cabeça.

Ao ver uma triste cena


Quantos, sem vergonha alguma,
Ficam dizendo: - que pena!
… sem terem pena nenhuma.
Anda, a galope ou a trote
Uma besta à chicotada;
Mas, dos homens a chicote,
Ninguém pode fazer nada.
Bendita seja a mentira
Que nos vem trazer a esperança
Daquilo que a gente aspira,
Mas só por ela se alcança.
Deixá-lo, tudo se passa…
E, quando o mal tem raízes,
Aprendemos a ser felizes
Dentro da própria desgraça.

Como a morte é um segredo,


Quem sabe lá se, por sorte,
Os mortos têm mais medo
Da vida que nós da morte?
Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do mundo,
O que importa é que eles vejam
O que os homens são no fundo.

Nem sempre temos razão;


Nos defeitos que apontamos,
Nem todas as coisas são
Como nós as encaramos.
Quem prende a água que corre
É por si próprio enganado:
O ribeirinho não morre,
Vai correr por outro lado.
Quando me encontro contigo,
E não te posso falar,
Com os meus olhos te digo
O que me diz teu olhar.
Do nosso amor os segredos
Que tu crês que são só teus,
Os teus olhos e os teus dedos
Já disseram tudo aos meus.

Alheio ao significado,
Diz o povo, e com razão,
Quando ouve um grande aldrabão:
- Dava um bom advogado.
Foste beijar o menino,
Quando, afinal, eu vi bem
Que beijaste o pequenino
Porque gostavas da mãe.

Nem os sábios… nem os poetas


Sabem fazer,de bom grado,
Aldrabices mais completas
Do que um bom advogado.
Fim

António Aleixo

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