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Neste capítulo eu tratarei da estrutura organizacional e do funcionamento do Institute for

Historical Review (IHR). A proposição que articulará o desenvolvimento do texto é a de


que o IHR foi, durante o período compreendido pela pesquisa, uma instituição complexa
e polissêmica e, assim, meio e motor das práticas que constituem e instituem o
negacionismo. [Suponho que, se assim foi, os sentidos das práticas que estudo como caso
só podem ser inferidos e descritos a partir da objetivação da estrutura e do funcionamento
dessa organização] . Para testar e demonstrar esta hipótese, este capítulo funcionará de
acordo com um movimento modular que persegue o das relações que aqui serão
observadas. Assim, a exposição dos resultados da pesquisa e a argumentação se
desenvolvem em relação aos feixes e eixos formados pelas complexas relações sociais e
simbólicas que uniram os agentes no interior e ao redor da organização. Organizo, então,
este movimento a partir de duas angulares que serão expandidas ou retraídas em uma
narrativa que se desenvolverá em dois módulos correspondentes às funções às
representações do IHR. No primeiro momento o que estará em jogo são as relações entre
os agentes no interior e ao redor do IHR e os aspectos propriamente normativos da
instituição. A seguir, eu tratarei das relações do IHR com o universo de produtores e
divulgadores de narrativas e comemorações sobre o Holocausto. Isso deverá evidenciar
que as auto-imagens e o funcionamento do IHR só podem ser compreendidos em relações
à dinâmica interna de interações entre um pequeno grupo de agentes no interior e ao redor
da organização, e também em relação a um conjunto de narrativas e comemorações
públicas sobre o passado nazista e sobre o passado no geral. Assim, no final deste texto,
eu pretendo mostrar e demonstrar que determinados valores, projetos políticos, enfim,
formas de perceber e querer transformar o mundo através de representações sobre o
passado que circulam pelo campo da extrema-direita informaram e foram informados
pelas relações e práticas difusas e fragmentadas que instituíram o IHR e, provavelmente
por essa via, o negacionismo durante o período compreendido por este trabalho pesquisa.

I- O IHR como fábrica do negacionismo.

O que foi e como foi o IHR entre 1978 e 2002? Essa não é uma pergunta inédita.
Ela já foi formulada e respondida de diferentes formas e em diferentes lugares. Em sua
dispersão, as versões destas perguntas e respostas podem ser agrupadas em quatro
conjuntos. O primeiro dos grupos possíveis é aquele, por assim dizer, nativo; o segundo
é o formado por aquelas narrativas realizadas em trabalhos historiográficos ou de outros
campos das ciências sociais; o terceiro é formado por imagens construídas e veiculadas
por grupos que nos Estados Unidos ficaram conhecidos como watchdogs; e o quarto
conjunto seria formado pelas imagens produzidas por jornalistas. As imagens que
compõem esses conjuntos são variadas. Os conjuntos que elas formam são igualmente
diversos e se intersecionam ou se isolam de algumas maneiras. Os seguintes exemplos
demonstram essa situação.

Em 1980, David MaCalden, então diretor do IHR e editor do Journal for


Historical Review (JHR), apresentou a organização como um “grupo de acadêmicos
objetivistas1”. Essa imagem atravessou diferentes momentos da existência da
organização. Uma de suas atualizações exemplares é aquela operada pelo então diretor e
editor do IHR, Mark Weber, em 1944. Weber percebia e queria fazer ver aos seus leitores
que o IHR seria “o centro de uma rede mundial de especialistas e ativistas que
trabalhavam para separar da propaganda fictícia os fatos históricos”2.

Em meados da década de 1980, Pierre Vidal-Naquet3percebeu no IHR uma


espécie de “Internacional” negacionista. À esteira do historiador francês, em 1993
Deborah Lipstadt descreveu o instituto como a “coluna vertebral” do movimento e como
um “conglomerado de antissemitas, neonazistas e nativistas” disfarçado de organização
acadêmica4. Stephen Atkins não viu outra coisa quando descreveu o IHR como uma
espécie de fórum de articulação e organização do negacionismo enquanto um movimento
internacional5. Dessa mesma forma, o cientista político Robert A. Cahn percebeu o IHR
como o centro do negacionismo nos EUA6.

1
Quando disse “objetivista” MaCalden não se referiu diretamente ao dito sistema filosófico e ao
movimento intelectual organizado por e ao redor da escritora Ayn Rand em meados dos anos 1950.
Entretanto, não posso descartar a sugestão de que o editor e diretor do IHR estava tirando vantagens da
comunidade de sentido dos referenciais marcados aqui e lá por uma falsa oposição radical entre uma boa
(objetiva) e uma menos conforme (subjetiva) de saber do mundo. Por certo, os trabalhos de Rand não
eram estranhos ao universo potencial de interlocutores de McCalden. Na segunda metade do século XX,
os produtos e a produtora foram se tornando referências importantes no diversificado campo da direita,
por assim dizer, anti-liberal estadunidense, recebendo, inclusive, uma espécie de consagração do governo
Reagan e contanto com um robusto e diversificado aparato institucional que conta com institutos
dedicados à uma memória de Rand, à uma interpretação, à promoção e a à divulgação de seus trabalhos
através de periódicos, conferências, simpósios e colóquios. C.f. RAND, R. ficção e não ficção, BURNS, J.
Ayn Rand in American Memory. In: Goodess of the Free Market: Ayn Rand and the American Right. Nova
York: Oxford University Press, 2009.
2
3
REFERENCIA
4
REFERENCIA
5
REFERENCIA
6
REFERENCIA, p. 23.
A Anti-Defamation League (ADL) foi um dos principais alvos de oposição do
IHR. Organizações privadas como a ADL existem nos Estados Unidos em quantidade e
variedade significativas. Lá elas são chamadas de watchdogs (vigilantes) e não raro são
incluídas na categoria dos grupos de pressão (pressure groups)7. As principais atividades
desenvolvidas pela ADL por organizações desse tipo são a produção de materiais
educativos, a promoção de campanhas de conscientização, a elaboração e a proposição
de políticas públicas, educacionais e legislativas, a condução de investigações e a
produção e publicação de relatórios sobre a atividades de grupos percebidos como
extremistas. Geralmente, o objetivo dessas práticas é o de combater e neutralizar as
manifestações de grupos considerados como extremistas ou os crimes de ódio que
caracterizam legal e politicamente a atuação desses grupos. Os agentes da ADL
concentram suas ações sobre manifestações do antissemitismo. Em um de seus relatórios
sobre o desenvolvimento do negacionismo, o IHR aparece como uma empresa pseudo-
acadêmica (“pseudo acadêmic enterprise”)8. Em um relatório do Southern Poverty Law
Center (SPLC), uma destacada organização que funciona nos moldes da ADL e que tem
suas práticas voltadas para o combate e a prevenção e violações de crimes relacionados
ao racismo, a desigualdade de gênero, a homofobia e a desigualdade econômico-social, a
caracterização do IHR é a mesma. Em ambos os casos, a instituição negacionista está
classificada como uma instituição ou um grupo extremista.9

Em maio de 1985, enquanto noticiava um suposto atentado contra a uma pessoa


ligada ao IHR, um jornalista da equipe do Los Angeles Times apresentou a organização
como um “grupo de historiadores”10. Mais tarde, neste mesmo diário de grande circulação
na Costa Oeste dos Estados Unidos, o IHR apareceu como o “think-tank líder

7
REFERENCIA, GEORGE MICHAEL
8
REFERENCIA
9
ANTI-DEFAMATION LEAGUE. Origins of the Denial Movement. In: Holocaust Denial: an online guide to
exposing and combating anti-semitic propaganda. Disponível em
http://archive.adl.org/holocaust/origins.html#.WBySmiT8vp4, acessado pela última vez em 07/03/2016;
SOUTHERN POVERTY LAW CENTER. Institute for Historical Review. In: Hate/extremist files. Disponível em
https://www.splcenter.org/fighting-hate/extremist-files/individual/willis-carto, acessado pela útlima vez
em 07/03/2016. Sobre essas duas organizações e sobre grupos watchdogs nos EUA no geral, c.f. MICHEL,
G. Right-wing extremism in the land of free: repression and toleration in USA. In: EATWELL, R. Western
democracies and the new extreme-right challenge. Nova Yorque: Routledge, 2004. Parte II, Cap. 8, pp.
172-192.
10
JALON, Alan. In Northridge: Holocaust doubster is blast target. Los Angeles Times, Los Angeles, 16 de
maio de 1985.
internacional do negacionismo”11. Em 1981, quando o IHR deu pela primeira vez no New
York Times, ele apareceu como uma “organização de direita”12. No biênio de 1992-1994,
os agentes do IHR foram atrações de diversos programas televisivos de grande audiência
nos EUA. Nos auditórios de programas como o The Fill Donnahue Show ou no
sensacionalista Montel Willians Show, os agentes, a organização e o negacionismo eram
apresentados como uma mesma coisa exótica.13

Esse quadro de imagens diversas e as vezes divergentes que compõem os


conjuntos de narrativas sobre o IHR descreve a organização como uma unidade. Em
quaisquer que sejam as narrativas, o IHR aparece como uma espécie de instituição para-
acadêmica. Se os conjuntos se encontram nessa definição substantiva do IHR, eles se
afastam quando o que está em jogo é a referência adjetiva da organização. Se no primeiro
conjunto o IHR é uma instituição legítima, isto é, que produz, que comunica um
conhecimento sobre o passado válido como passado, no segundo e no terceiro conjuntos
o contrário é verdadeiro. Neles, o IHR aparece como uma fraude, como uma fachada para
manifestação dos agentes. No quarto conjunto a isso se somam referenciais marcados por
ambiguidades e exotismos.

À primeira vista, o caráter fragmentado e turbulento dessas imagens indica pelo


menos duas coisas. Antes de mais nada, ele nos diz que este é um terreno acidentado. E
derivada disso é a segunda coisa: uma imagem unívoca e unitária do IHR pode não ser
uma imagem ou uma representação justa ao real do IHR. Isso por que essas imagens
implicam em relações como intenções, estratégias, formas de perceber o passado e o
mundo, formas de querer transformar o mundo através de narrativas sobre o passado,
“lugares de fala”, por assim dizer, que não podem ser compreendidas se não forem
objetivadas em um espaço social, em um campo, que permite, regula e informa as tomadas

11
OWEN, M. Susan. Embezzlement Suspect Claims Raid on Home Was Illegal : Courts: Former head of
Costa Mesa group that claims Holocaust accounts exaggerate is being investigated in connection with
missing $7.5 million. Los Angeles Times, Los Angeles, 16 de junho de 1995.
12
NEW YORK TIMES, California Judge rules Holocaust did Happen. The New Yor Times, 10 de out. de 1991.
O artigo cobre os desenvolvimentos do processo judicial envolvendo o IHR e Mel Mermelstein. Durante a
primeira IHR-IRC, Carto lançou uma espécie de concurso: o IHR pagaria um prêmio de U$ 50.000,00 a
quem provasse através de “evidências físicas” que o Holocausto aconteceu. Mermelstein, um
sobrevivente que então residia na região da sede do IHR, participou do concurso e uma comissão interna
do IHR considerou suas evidências inválidas. Sobre o processo, c.f.: KAHN, Robert A. Holocaust Denial and
the Law: a comparative study. Nova Yorque: Palgrave McMillan, 2004.
13
: GAS CHAMBER DENIERS. The Fill Donahue Show. Nova York: Sindicalizado, 1994. (Talk-Show,
programa de TV); FRED LEUCHTER. The Fill Donahue Show. Nova York: Sindicalizado, 1992.
HOLOCAUST DISCUSSION WITH DAVID COLE & MARK WEBER. Montel Williams Show. Los
Angeles: Sindicalizado; Paramount Domestic Television, 1994.(Tabloid Talk-show, programa de TV).
de posições, as referências comuns, o léxico, enfim, as práticas dos diversos agentes
empregados na produção de narrativas negadoras do Holocausto.

Em outro nível, um olhar mais aprofundo sobre o IHR nesse espaço social nos
leva ao mundo dessas e imagens, e lá, às circunstâncias em que elas foram produzidas,
circuladas e comunicadas. E são essas variáveis que permitem uma entrada ao universo
relativamente fechado do IHR. Assim, se este trabalho de pesquisa quer saber como as
práticas negacionistas fizeram e fazem sentido, ele deve começar por devassar esse
terreno acidentado e mais ou menos hermético em que o IHR foi situado e, por assim
dizer, edificado.

A coleta, o mapeamento e a síntese dessas narrativas me permitam uma primeira


entrada nesta zona cinzenta que foi o IHR. Esses procedimentos permitiram testar certas
proposições que já haviam sido oferecidas em trabalhos como o de Lipstadt e o de Atkins.
E aí o resultado foi negativo. Trabalhando com um conjunto de fontes mais ou menos
idêntico ao usado nesses trabalhos, não pude ver o IHR como o ponto máximo de um
processo evolutivo e tautológico do negacionismo, como Lipstadt sugeriu. Da mesma
forma, não encontrei evidências para poder dizer se e como o IHR se constituiu como
uma espécie de fórum organizacional de um movimento internacional14. Na verdade, o
que percebi foi bem o contrário disso. A apresentação internacional do IHR era um
aspecto ritual de suas manifestações. Ela aparecia na folha de rosto do JHR que listavam
os conselheiros editoriais que não participavam dos processos de editoração; nas IHR-
IRC que eram espaços de exibição de atualização de relações, práticas e sentidos; e menos
nos artigos sobre o Holocausto ou sobre qualquer outro tema que enchiam os volumes do
Journal for Historical Review. As evidências que consegui e reunir e processar indicam
que o IHR era uma organização relativamente pequena, efetivamente composta não mais
de uma dezena de agentes que se localizavam e circulavam pelo campo da extrema-direita
estadunidense e em mercado de literatura conspiracionista.

14
A tese de Atkins sobre o negacionismo é que ele constitui um único movimento internacional. Ele
demonstra sua tese descrevendo prosopografias de agentes nacionalmente espalhados e nacionalmente
isolados. Aqui eu evito concordar ou discordar dessa abordagem. Faço isso por falta de evidências que
sugiram e apoiem essa ideia de unidade. Porquanto não tenho meios de tratar das dinâmicas de adesão
que certamente são atravessadas por redes e elos transnacionais, eu acato, de maneira controlada, a
sugestão de Moraes, quem fala do negacionismo como um movimento internacionalmente articulado.
C.f. Moraes, 2008, 2011, 2015.
Além disso, essas narrativas me diziam que o IHR se desenvolveu também, e
sobretudo, em relações ao seu oposto mais próximo, ao seu “grande outro”, por assim
dizer. Além dos sobreviventes, e contra eles, o IHR era definido em relações a pessoas,
grupos e organizações judaicas ou não que promoviam narrativas sobre o Holocausto de
grande circulação. As referências a historiadores e à historiografia do Holocausto são
raras e talvez não tenham sido definitivas na definição das práticas negacionistas. E,
mesmo na sua escassez, elas não se dirigem a quaisquer historiadores e a quaisquer
trabalhos. No geral, elas se referem aqueles que conseguem ultrapassar a fronteiras da
instituição histórica15 que é o lugar dos historiadores profissionais e da historiografia e
circular entre o grande público. E mesmo aí, quando essas referências são feitas, quem
fala dessa historiografia e desses historiadores são os agentes mais especializados e mais
destacados da casa.

Ao que tudo indica, quando os negacionistas se referiam a si mesmos como “ os


revisionistas/ o Revisionismo”, e faziam isso em relação negativa aqueles a quem
nomeiam de “os exterminacionistas/ o Exterminacionismo”, eles não se referiam
exatamente àquilo ao que historiadores profissionais entendem como uma escola ou uma
tendência, por assim dizer, historiográfica. Com isso, eu não quero sugerir que os usos
dessas categorias não tenham cumprido ou cumpram funções legitimadoras sobre a auto-
apresentação dos negacionistas. Há evidências consistentes sobre a eficácia desse modo
de classificação e elas já foram exploradas nos trabalhos que lidaram com o fenômeno.
Ao contrário, eu gostaria de sugerir que ao se apresentarem como “os revisionistas” os
agentes em questão não ativam ou atualizam um recurso meramente retórico.

Mais que isso, quando assim procediam, eles criaram e indicaram uma fronteira
que tornou possível sua atuação sobre o mundo e, a partir dessa fronteira, eles criam e
caracterizam a sua própria unidade de ação, ou aparência de, enquanto grupo. Talvez
tenha sido esse um dos princípios da eficácia propriamente política do negacionismo. E
isso porque, pelo menos no que se percebe no caso do IHR, no processo de criação dessa
pretensa unidade, os negacionistas incluíram em seu grupo todos aqueles que falam sobre
o passado de uma maneira que consideram boa e, fazendo isso, separaram, também como
uma unidade, todos aqueles a quem este referencial seria uma ausência essencialmente
definidora. Ficaram de fora os sobreviventes e suas narrativas sobre os campos, os centros

15
CHARTIER.
de memória, os museus, as organizações e instituições que produziam narrativas sobre o
Holocausto e também os historiadores. Ao contrário do que supõe este e outros aspectos
correlatos da auto-apresentação dos negacionistas, eles não travam ou pretendem uma
espécie debate com os seus oponentes. Suas relações, seus programas, intenções,
estratégias, tomadas de posição visam recusar, negar e inviabilizar as narrativas sobre o
Holocausto, e sobre o passado no geral, produzidas por pessoas e instituições que, para
os negacionistas, deturpariam e violariam o passado. Essa dinâmica atualizava, portanto,
uma estrutura semântica regular e variante da linguagem política, aquela dos conceitos
opostos assimétricos16. E isso em uma época em que, além de se falar muito e de
diferentes formas sobre o Holocausto, em determinadas situações e especialmente nos
EUA, falar sobre o processo e a política de exclusão e extermínio nazista não era sem
consequências políticas.

Como essas multifacetadas relações se davam no interior e ao redor do IHR é o


que sistematizarei no que segue.

I.I. A estrutura organizacional do IHR.

O que a estrutura organizacional de uma instituição negacionista pode nos dizer sobre o
sentido das práticas negacionistas? A princípio, é possível dizer que pode se saber alguma
coisa sobre as pessoas que eram os sujeitos dessas práticas. Podemos saber como elas se
relacionavam no interior da organização e em que circunstâncias elas se relacionavam. E
isso não é pouco se consideramos, acatando o axioma de Weber, que as relações sociais
associativas são dotadas de sentido. Mas há mais coisas que podemos ficar sabendo
através da estrutura organizacional e do funcionamento do IHR. É possível sugerir que
esses móveis nos dizem alguma coisa sobre os princípios mais ou menos regulares que
informam as relações entre os agentes e as práticas negacionistas. Além disso, e talvez
por causa disso mesmo, saber como era organizado e funcionava o IHR pode levar o
trabalho de pesquisa em direção às circunstâncias ou ao universo em que essas práticas
se sedimentam, adquirem sentidos e durabilidade. Dito de outra forma, saber da estrutura

16
organizacional do IHR é saber das relações entre os agentes do IHR e o mundo dessas
relações.

Sabemos pouco sobre essas relações – e talvez seja impossível saber muito sobre
elas. Elas nunca foram exploradas de maneira sistemática pela historiografia do
negacionismo, que produziu senão análises circunstanciais sobre o IHR. Deborah
Lipstadt foi a primeira a dedicar um capítulo inteiro a uma análise pontual do IHR em um
trabalho sobre o negacionismo nos EUA. E isso por que ela inclui o IHR no que percebeu
como uma espécie de desenvolvimento evolutivo unilateral e tautológico do
negacionismo nos EUA. Stephen Atkins fez o mesmo quando percebeu o negacionismo
do Holocausto como um fenômeno internacional baseado numa tipologia de agentes
produtores-divulgadores-consumidores e descreveu o IHR como o ponto nevrálgico da
articulação do movimento no mundo. No seu trabalho, Atkins se distancia de Lipstadt
apenas na medida em que oferece descrições proposográficas de agentes do negacionismo
nacionalmente distribuídas e isoladas uma das outras. Entretanto, Atkins não tira
consequências da sugestão de que não se trata de um movimento homogêneo e
monolítico, ele não explora as relações que a tipologia axial por ele proposta supõe e
subtende. Dispersos e com suas histórias de engajamento nacionalmente subscritas, os
agentes parecem estar flutuando, em uma espécie de vazio sociológico.

A pergunta e as respostas possíveis sobre o sentido das práticas negacionistas só


podem ser formuladas se essas relações forem extraídas desse vazio e colocadas em suas
multifacetadas circunstâncias. Para parafrasear Loïc Wacquant, da mesma forma como
não se pode compreender uma religião instituída sem que estude os detalhes da estrutura
e o funcionamento das organizações que a sustenta, não se pode elucidar os sentidos do
negacionismo sem que se examine o feixe de relações sociais e simbólicas que se
construíram ao redor e em torno das organizações negacionistas, ou do IHR, como aqui é
o caso. Assim, nesta seção eu lidarei com as relações dos agentes no interior do IHR.
Buscarei descrever as formas pelas quais eles interagiam, os princípios que ordenavam
essas relações, as adesões, as exclusões, as tomadas de posição, enfim, o conjunto do que
é possível observar das relações instituintes e instituídas do IHR.

Há duas formas possíveis de tratar desse problema. A primeira seria


retrospectiva, mas ainda assim capaz de capturar alguma coisa invariante do conjunto de
variáveis que devem ser observadas. Ela caminha para o interior da organização a partir
de um conjunto de narrativas diferentes e divergentes sobre uma crise no IHR que foram
produzidas e circuladas, paralelamente e à posteriori, no interior do movimento. A
seguinte forma é diacrônica, acompanha um processo ambíguo, difuso, mas regular. Ela
captura uma imagem do IHR sempre em construção e um processo simbiótico em relação
ao entorno da organização. Nos dois casos, os princípios e a lógica das relações são as
mesmas. Me refiro, respectivamente, a um movimento constante de intermitências de
posições e relações e a uma forma de compreender o passado, entendido e apresentado
como história, e da profissão de uma imagem negativa da política institucional democrata-
liberal. Esses elementos subtendem e informam as adesões, os movimentos e as práticas
dos agentes na organização.

Aqui eu parto do pressuposto

Opto por essa segunda forma de tratar do problema e esta é uma escolha
controlada. E parto do pressuposto de que o sentido das práticas negacionistas só podem
ser inferidos Antes de desenvolvê-la eu já havia testado a possibilidade anterior. Os
procedimentos não se revelaram adequados e os seus resultados não me permitiram
extrair consequências dessas variáveis que são, ao mesmo tempo e de formas variantes,
instituídas e instituintes tanto do IHR quanto do negacionismo.

Durante muito tempo o IHR funcionou em uma das salas de um prédio comercial que
ficava no número 1619 da Avenida Cabrillo, em Costa Mesa, California. A organização
parecia ser a única de seu tipo entre uma vizinhança de “lojas de carros usados e
restaurantes de comida rápida”17. Ela era registrada e se dava a ver como uma instituição
educacional sem fins lucrativos. Seus poucos funcionários dividiam essa sala que tinha
sido adaptada para caber uma recepção, dois escritórios e um depósito. Lá eles
trabalhavam como publicistas, editores, escritores e cumpriam rotinas administrativas. De
lá, eles também organizavam conferências, produziam vídeos e outras coisas do tipo.
Eram intelectuais e assim se apresentavam. Lá eles faziam cumprir a visão do fundador
da organização: a de dar voz a um tipo particular de “escritores espalhados pelo mundo”.
Eles faziam com que o IHR funcionasse mesmo como um centro editorial. Mas eles
também faziam da organização uma espécie de advocay group, um tipo de instituição que
existe em profusão nos EUA e que visam influir de alguma forma na vida pública.

17
Desde sua criação, e até 2001, o IHR fez parte de um conglomerado que
integrava outras organizações da extrema-direita estadunidense. Este emaranhado era
formado pelo Liberty Lobby (LL), pela Noontide Press (NP), pelo Partido Populista
(Populist Party - PP), pela Fundação pela Defesa da Primeira Emenda (The Foundation
to Defend the First Amendment - FDFA), pela Information Associates (IA) e a Legião
pela Sobrevivência da Liberdade (Legion for Survive of Freedon – LSF). Esse conjunto
de organizações, por sua vez, se relacionava com um conjunto variado de outras que eram
parceiras ou tinham se desenvolvido a partir do IHR, tal como foi o caso do Committee
for Open Debate on Holocaust (CODOH), de Bradley Smith18.

O LL funcionava como uma espécie de grupo de pressão que reunia e pretendia


representar interesses de grupos de extrema-direita de base local (grassroots) no governo
estadunidense. Dessa organização ativa entre 1950 e 2001, vários outros grupos foram
criados. Um exemplo é o comitê eleitoral juvenil formado para a campanha presidencial
de plataforma segregacionista do Partido Independente (Independent Party – IP)
encabeçada pelo então ex-governador do Alabama pelo Partido Democrata, George
Wallace, em 1968. Com a derrota eleitoral da candidatura, o comitê que recebeu o nome
de Youth for Wallace (Jovens por Wallace) foi transformado no National Youth Alliance
(Aliança Joven Nacional - NYA). Em 1972 o NYA deixaria de existir para dar lugar ao
que seria um dos mais longevos e destacados grupos da extrema-direita racista dos EUA:
o National Alliance ( Aliança Nacional – NA)19.

18
O QUE ERA O CODO? QUEM ERA BRADLEY SMITH
19
Paul W. Valentin, repórter do Washington Post, em artigo para o Los Angeles Times de 26/05/1969,
descreveu o grupo como “a post election holdover of the Youth for Wallace movent” (um desenvolvimento
pós-eleitoral do Jovens por Wallace). A matéria cobre manifestações violentas do NYA contra membros
de associações estudantis de esquerda, tais como a Students for Democractic Society (SDC). Segundo o
mesmo texto, as ações do NYA eram orientadas por um programa construído sobre os seguintes pontos:
“oposição violenta a drogas e aqueles que as faziam circular por campi universitários”; “neutralização e
destruição” dos movimentos Black Power”; remoção forçada de grupos anarquistas dos campi; e
“devolução da paz aos EUA através da resistência a quaisquer tentativas de envolvimento em guerras
estrangeiras”. Ainda segundo a matéria, Louis T. Byer, então presidente do NYA, seria amigo de Willis
Carto, fundador e diretor do LL. C.f.: Anexo Memorando FBI 157-3447-73, de 28/07/69, Pasta 157-3447;
este mesmo programa do NYA é encontrado no Memorando FBI 157-3447-89, de 19/09/1969, Pasta 157-
3447. Um relatório anexo ao Memorando FBI 151-6353-74, de 22/04/195, Pasta 151-6353, faz saber que
o NYA “é uma organização formada originalmente a partir de um núcleo do Youth for (George C.) Wallace.
Após a eleição presidencial de 1968, os apoiadores de Wallace se organizaram para se contrapor à influência
de grupos radicais esquerdistas e anarquistas em campi universitários. O NYA é atualmente controlado por
pessoas que militantemente promovem racialismo branco e antissionismo, e que sugerem que uma
revolução violenta é o meio pelo qual poderão implementar seus ideais políticos e raciais no país. ” A ênfase
é minha. O memorando 157-3447-6, de 11/02/1969, Pasta 157-3447, informa que o NYA estaria tentando
“unificar a antiga Youth for Wallace, o Young People for Reagan, e o Conservatives for Nixon”. Evidencias
sugerem que Carto cumpriu mesmo um importante papel na formação do NYA. Em uma carta de
04/11/1968 endereçada a Revilo P. Oliver, Carto o convidou para participar de uma reunião fechada para
O LL publicava periódicos de grande circulação e produzia programas de rádio
de ampla audiência. Os principais impressos publicados pela organização foram o Liberty
Letter (1960-1969), o American Mercury (1966-1981), Western Destiny (1964-1966),
Spotlight (1975- 2001) e o Barnes Review (1994- 2001). A NP funciona publicando livros
de extrema-direita desde meados da década de 1960 e servia como braço editorial do LL

discutir “problemas relacionados à criação de um grupo nacional de jovens”, referindo-se ao que se tornaria
a organização. Oliver, que foi professor na Universidade de Illinois e um ativo intelectual na cena da
extrema-direita racista estadunidense, recusou este convite aparentemente por razões programáticas.
Entretanto, antes disso ele já se correspondia com Carto e geralmente lhe fornecia aconselhamento político
e editorial. Mais tarde, Oliver participaria ativamente com artigos para os periódicos do NYA, participaria
de seminários de formação de lideranças do grupo, se tornaria um dos braços direitos de Willian Pierce no
National Alliance e membro do conselho editorial do JHR entre 1981 e 1994, ano de sua morte. C.f.:
CARTO, Willis. [carta] 04/11/1968 [para] OLIVER, Revilo P. Urbana, Illinois, 1 f. Convida para
participar de reunião fechada sobre construção de organização juvenil nacional; OLIVER, Revilo P. [carta]
29/11/1968, Urbana, Illinois [para] CARTO, Willis. 3 f. Resposta a convite para participar de reunião
fechada sobre construção de organização juvenil nacional. OLIVER, R. [carta] 24/12/1957, Urbana, Illinois
[para] ANDERSON, E.L. [Willis Carto], Sausalito, Califórinia, 1 f. Comentário sobre não publicação de
carta ao editor da National Review; OLIVER, R. [carta] 01/03/1598, Urbana, Illinois [para] CARTO, W.,
Sausalito, Califórnia, 1 f. Conselhos sobre situação do conservadorismo e sobre estratégias de ação;
CARTO, W. [carta] 24/03/1958 [para] OLIVER, R. P., Urbana, Illinois, 1 f. Resposta à correspondência
de 01/03/1958; comentários sobre National Review; CARTO, W. [carta], 08/12/1958 [para] OLIVER, R.
Urbana, Illinois, 1 f. Agradece pela renovação da assinatura bianual de Right e pede conselhos e
contribuição editorial; OLIVER, R.P. [carta] 18/08/1958, Urbana, Illinois [para] CARTO, W. 4 f. Fornece
conselho editorial e político; CARTO, W. [carta] 30/08/1958 [para] OLIVER, R. P., Urbana Illinois, 1 f.
Pede aconselhamento editorial. Carto teria sido o responsável por fazer de “Imperiun”, o livro spengleriano
de Francis Parker Yockey publicado pela NP e introduzido por Carto em 1968, “a bíblia no NYA” e por
definir a organização segundo os princípios estabelecidos por Yockey. C.f.: Memorando FBI 157-3447-82,
de 4/09/1969; Memorando FBI 157-3447-88, de 17/09/1696, Pasta 157-3447. Outras evidências sugerem
que o LL manteve relações próximas com o NYA pelo menos até os finais de 1969. C.f.: Memorando FBI
157-3447-86, de 23/09/1969; no relatório anexo ao Memorando 151-3447-103, de 7/02/1969, Pasta 151-
3447, faz saber que até então boa parte do financiamento e do suporte operacional do NYA vinha do LL.
Segundo este mesmo relatório, as relações com o LL e com Carto teriam sido aparentemente suspensas
depois que as disputas entre membros de um quadro diretor da organização tornou pública a presença de
“elementos nazistas” na organização. Até 1970, as edições da NP de “Imperiun” foram divulgadas e
comercializadas pelo NYA; c.f.: Memorando FBI 157-3447-109, de 02/08/1970.
O relatório sobre investigações conduzidas sobre o NYA entre 23/12/1970 e 16/06/1971 que compõe o
Memorando FBI 157-3347-116, de 13/07/1971, Pasta 157-3347, informa que o NYA teria sido
reorganizado e registrado na Virgínia por Willian Pierce, “antigo diretor de informação” e “teórico político”
do Partido Nacional Socialista do Povo Branco (National Socialist White People’s Party – NSWPP), a
partir de então “representante oficial, presidente e editor-chefe das publicações do NYA”. Passaram a
compor a diretoria do NYA Robert Allison Loyd III, “ex-diretor executivo do NSWPP”, e agora
“Organizador Nacional”; Louis T. Bayers, que foi promovido de “Organizador Nacional” a presidente do
Conselho do NYA; Charles H. McGuire, Diretor do Escritório Nacional; Earl Thomas Jr., diretor do
departamento de vendas postais. A então nova sede da NYA era situada em Washington e dividia espaço
com uma livraria especializada em títulos de extrema-direita, a Western Destiny Bookstore. Este mesmo
relatório ainda notifica que “o caráter da liderança e da equipe, assim como os seus objetivos, políticas e
programa, sugerem que o grupo se orienta por uma doutrina nacional socialista”. Pierce, que foi professor
de Física na Universidade Estadual de Oregon, teria deixado o NSWPP em virtude de disputas internas pelo
controle da organização. Em 1974, ele registrou, também no estado da Virgínia, o National Alliance e
manteve o NYA como o braço juvenil da organização. Segundo uma publicação nativa anexa ao relatório,
o NA seria “uma superestrutura para uma matriz antecipada de grupos especializados e coordenados”, tais
como o NYA. Por essa época, ele reuniu o controle e a administração dos dois grupos, bem como a redação
dos artigos que compunham os periódicos da organização, em suas mãos.
e de outras organizações. Parte significativa dos títulos oferecidos no catálogo editorial
do IHR eram publicados pela NP.

O Partido Populista foi fundado em meados da década de 1980. Nos EUA dessa
época, dizer populista era dizer um bocado de coisas diferentes. No caso do partido de
Carto, o nome servia, ao mesmo tempo, para marcar uma diferença e criar uma
continuidade. Primeiro, o nome era apresentado aos ditos patriotas e potenciais membros
como uma alternativa ao conservadorismo. Para os porta-vozes do partido, o governo
Reagan representava a falência desse referencial que ganhava ares de movimento ou
crença a qual eles antes haviam se vinculado e se identificado. Dizer populismo era, nesse
caso, equivalente a dizer: verdadeiros e autênticos patriotas. Ainda, dizer populismo, ou
registrar um partido com este nome, significava criar uma ligação com movimento
homônimo da segunda metade do século XIX: o chamado Populismo Sulista (Southern
Populism). O populismo do partido de Carto se reclamava herdeiro de um dos vários
movimentos populares que ameaçaram a dita era dourada (Gilded Age) estadunidense que
se seguiu após a da Reconstrução e daquela que seria sua expressão institucional, o
People’s Party. O partido de Carto propunha, portanto, uma programa de características
nacionalistas extremadas, de supremacismo racial, de isolacionismo e de anti-elitismo.20

Com esse programa, e a fim de dar viabilidade eleitoral ao seu PP, Carto recrutou
a aliança de Willian Shearer, diretor do Partido Independente (American Independet
Party), que em 1968 havia lançado a candidatura segregacionista de George Wallace à
presidência. Em troca da aliança, Carto deu a Shearer o decanato de uma dita Escola de
Política do PP, e à esposa deste ficou sendo a coordenadora nacional de campanha do
partido. Carto permaneceu como decano assistente da tal escola. O suporte financeiro e
midiático do Partido vinha do LL, do seu Spotlight, que então contava com cerca de cento
e cinquenta mil assinaturas, e da NP. O primeiro diretor do PP, Robert Weems, que antes

20
ZESKIND, L. Origin of the Populist Party and the break with Reaganism. In:______. Blood and Politics: the
history of the White nationalist movement from the margins to the mainstream. Nova York: Farrar, Strauss
and Giroux, 2009. Cap. 12. Ed. Digital. Sobre o Southern Populism, c.f.: HAHN, Steven. The roots of
Southern Populism: Yeoman farmers and the transformation of Georgia Upcountry, 1850-1890. Nova
York: Oxford University Press, 1983. Esse sentido do termo é o mesmo que atravessa o programa e
coletânea de perfis biográficos de “populistas” exemplares da história estadunidense escritos e
organizados por Carto em: CARTO, Willis. Populism vs. Plutocracy: the universal strugle. Washington:
Liberty Lobby, 1996. Este volume é uma reedição expandida de: Idem. Profiles in Populism. Washington:
Liberty Lobby, 1992. O programa a que me refiro está na introdução de ambos os volumes. Os artigos que
aparecem na reedição são os mesmos que compuseram a edição original. A edição expandida de 1996
conta com um prefácio que a apresenta e tem como apêndices um “glossário populista” e uma história
institucional do LL.
havia ocupado a mesma posição no LL, era um antigo chefe estadual da Ku Klux Kan
(KKK) do Mississippi. David Duke, que seria lançado candidato à presidência pelo
partido em 1984 e que se tornaria uma figura de proa da extrema-direita estadunidense,
tinha criado e presidia, à época, uma versão higienizada, por assim dizer, do KKK: os
Cavaleiros da Ku Klux Kan (The Knights of the Ku Klux Kan)21.

Por fim, havia o LSF. Essa organização era registrada como uma instituição
educacional. Apensar disso, ela funcionava como uma espécie de organização guarda-
chuva e como um fundo de investimentos. Sua principal função era a de arrecadar e
gerenciar os recursos do IHR, do LL, da NP, do PP e de outras organizações, tornando-
os livres de taxação fiscal.

Não era raro que o escritório do IHR servisse como base para operação de
negócios que envolviam e ssas outras empreitadas. Os agentes da casa se relacionavam e
circulavam de diferentes formas por uma ou outras dessas organizações. Apenas um deles
se movimentava e atravessava o funcionamento de todas essas organizações. Eu me refiro
ao fundador do IHR, Willis Carto22.

Carto foi conhecido e reconhecido como uma das grandes figuras da extrema-
direita estadunidense. A ocasião de sua morte, em 2015, rendeu obituários em jornais de
grande prestígio e circulação nos EUA. Douglas Martin, do The New York Times, falou
de Carto como uma espécie de mago que controlava a extrema-direita estadunidense, uma
figura dos bastidores, um articulador que teria se tornado notável em função de suas
atividades editoriais e políticas. Martin considerou que um dos grandes feitos de Carto
foi o de impulsionar o negacionismo através do IHR23. Um dia depois do artigo de Martin
ser publicado, na seção de obituários do diário apareceu uma fotografia que capturava
Carto no púlpito de uma das IHR-IRC. Na legenda que integra e identifica a foto, Carto
foi apresentado como um “ardente seguidor de Hitler, notável por fazer campanhas e
publicar materiais contra judeus e outras minorias”24. Para o staff de repórteres do

21
ZESKIND, 2009, op.cit.
22
É o que sugere uma nota crítica escrita por David McCalden logo depois que este teria sido desligado
do IHR.
23
MARTIN, Douglas. Willis Carto, far-right figure and Holocaust denier, dies at 89. The New York Times, 1
de Nov. de 2015. Disponível em < https://www.nytimes.com/2015/11/02/us/willis-carto-far-right-figure-
and-holocaust-denier-dies-at-89.html>. Acessado pela última vez em 18/11/2016.
24
The New York Times. Obituaries. The New York Times, 2 de nov. de 2016. Disponível em
<https://archive.nytimes.com/www.nytimes.com/imagepages/2015/11/02/obituaries/02carto-
sub.html> . Acessado pela última vez em 18/11/2016. Esta foto é a mesma que ilustrava o obituário do
L.A. Times publicado em 01/11/2015.
Washington Post, Carto tinha passado décadas liderando uma influente rede de
organizações da extrema-direita, na qual se incluíam o IHR e o Liberty Lobby25. David
Colker, então editor da seção de obituários do Los Angeles Times, viu e quis fazer ver
que a negação do Holocausto era o aspecto definitivo da trajetória de Carto. No seu
obituário, a vida de Carto só tem sentido em relação ao negacionismo e ao IHR. Para
Colker, Carto era apenas um “defensor de causas da extrema-direita” que publicou
materiais que tratavam do Holocausto como uma fraude26.

Se essas narrativas indicam, a contrapelo e como “meras notícias”27, por assim


dizer, alguma coisa sobre lugar de destaque de Carto no negacionismo e na extrema-
direita estadunidense, elas nos dizem pouco sobre a superfície social, os deslocamentos
e as colocações de Carto nesse mundo. E o mesmo vale para qualquer outro agente do
IHR. Isso por que, para continuar falando como Pierre Bourdieu, não por acaso, essas
narrativas são baseadas no pressuposto de que “uma vida é inseparavelmente o conjunto
dos acontecimentos de uma existência individual concebida como uma história e o relato
dessa história”. Portanto, para escapar do objeto pré-construído e do exotismo fornecido
por essas imagens, seria preciso situar esses agentes e os seus acontecimentos biográficos
“nos diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de
capital que estão em jogo” no espaço social que foi a extrema-direita durante o período
que marca a atuação e a circulação dessas pessoas.

Essa é uma tarefa complicada; sobretudo por que não existem estudos
sistemáticos sobre a extrema-direita estadunidense no pós-guerra. Os que existem são
estudos já clássicos que produziram generalizações e reproduziram essencialismos. Em
alguma medida, tais problemas foram identificados por trabalhos mais recentes, os quais,
todavia, se dedicam a manifestações circunstanciais, específicas e particulares do
fenômeno, tais como aquela que ficou conhecida como movimento de milícias durante os
anos 1990, as chamadas subculturas neonazistas, atentados e outras correlatas. O principal
problema desses estudos pioneiros e das generalizações que eles produziram, como

25
STAFF REPORTS. Willis Carto, influential figure of the far right, dies at 89. The Washington Post, 31 de
out. de 2015. Disponível em < https://www.washingtonpost.com/local/obituaries/willis-carto-influential-
figure-of-the-far-right-dies-at-89/2015/10/31/80eb8aee-7f36-11e5-afce-
2afd1d3eb896_story.html?utm_term=.00a2cc65f23f > . Acessado pela última vez em 18/11/2016.
26
COLKER, David. Willis Carto, rigtg wing activist whose publications called Holocaust a ‘hoax’,.dies at
89. Disponível em < http://www.latimes.com/local/obituaries/la-me-willis-carto-dead-20151031-
story.html>. Acessado pela última vez em 18/11/2016.
27
Kosseleck, estratos do tempo 41
apontaram esses trabalhos contemporâneos, está no fato de que a definição de extremismo
que eles forneceram e operaram pressupunha uma divisão radical entre a política
mainstream, normal, e uma compreensão fixa e unitária do que seria um sistema político.
Apesar disso, essas generalizações têm um potencial heurístico significativo e são as
únicas que fornecem um quadro sinótico da extrema-direita estadunidense para o período
em que se concentra esta pesquisa. Em função disso, e de maneira instrumental, eu as
usarei para situar as trajetórias de Carto e dos demais agentes do IHR em relações28.

O primeiro esforço coletivo para a produção de uma interpretação sistemática da


extrema-direita estadunidense do pós-guerra foi incorporado no volume de The New
American Right, livro-tese organizado pelo sociólogo Daniel Bell e publicado em 1955.
Derivado de um seminário, este volume resultou da colaboração de renomados cientistas
sociais que então se dedicavam a oferecer explicações para o McCartismo que fossem
alternativas àquelas baseadas em modelos que tratavam dos comportamentos políticos
exclusivamente em relação ao sistema eleitoral ou em termos de conflito/interesse de
classes. Essa mesma intenção atravessou e edição expandida e revisada deste trabalho que
saiu com o título de The Radical Right, em 1963.

A coleção de trabalhos que compuseram a primeira edição buscava compreender


o comportamento de grupos que, através da adesão ao anti-comunismo mccartista,
projetavam no campo político estadunidense um tipo de insegurança social (status
anxiety)29. Segundo este modelo, tais grupos reagiam de forma extremada ao que
percebiam como ameaças que supostamente punham em risco suas posições sociais
recém-adquiridas. Na edição seguinte, esses referenciais explicativos foram mantidos e
tiveram sua aplicação estendida para dar conta das manifestações de uma direita radical30
que “temia não apenas ao comunismo, mas também a modernidade, e que, ao equiparar
o liberalismo e o comunismo, representava um desafio diferente para o consenso

28
Quando falo de trabalhos recentes, me refiro especialmente a MULLOY, D.J. Ameican Extremism:
history, politics and the militia movement. Nova York: Routledge, 2004; CROTHERS, Lane. Rage on the
Right: the Americam Militia Movement from Ruby Ridge to Homeland Security. Lanham: Rowman &
Littlefield Publishers, Inc., 2003; POTOK, Mark. The American Radical Right: the 1990’s and beyound.
In:______. EATWELL, R. MUDDE, Cas. Western Democracies and the new extreme right challenge.
Routledge: Nova York, 2004, Cap. 2; MICHAEL, G. Righ-wing extremism in the land of the free: repression
and toleration in the usa. In: Idem. Cap. 8; C.f.: DAVIS, P.; LYNCH, D. The Routledge companion to Fascism
and the Far Right. Nova York: Routledge, 2002.
29
Rofstadter
30
democrático estadunidense”31. A tese que atravessa os artigos que compõem uma e outra
edição deriva desse pressuposto. Ela sugere que a política da extrema-direita
estadunidense do pós-guerra, e aquilo que seria o seu estilo paranoico, como o historiador
Richard Rofstadter o identificaria, seriam informados por valores e práticas contrárias ao
pluralismo democrático-liberal e, por essa via, ao sistema político estadunidense no
geral32.

Essa poderosa tese encontrou ressonância em outros trabalhos sobre o


extremismo de direita estadunidense e sobre o fenômeno no geral. Seus lastros, de alguma
forma atualizados, ficaram perceptíveis nas generalizações e nas tipologias produzidas
por Roger Griffin em seu trabalho sobre a natureza do nazismo e sobre as suas
metamorfoses globais no pós- II Guerra Mundial. Para Griffin, a forma mimetizada do
fascismo emulada pela extrema-direita estadunidense do pós-guerra foi, por assim dizer,
paradigmática. Nessa situação, salvo o anticomunismo que atravessava as manifestações
universais do fenômeno, um deslocamento e uma síntese, ao mesmo tempo ideológicos e
táticos, teriam levado o ultranacionalismo presente no núcleo dos referenciais do fascismo
do entre-guerras e o que seria um “cristianismo político nativo” a formas “seculares e
religiosas abertamente fascistas de supremacismo branco”. Aqui, e também nos trabalhos
organizados por Bell, essas manifestações estariam atravessadas por conjunturas
problemáticas marcadas pela manifestação de movimentos anti-segregacionistas e de
direitos civis, pelos movimentos contraculturais, pela chamada nova-esquerda, pelos
movimentos pacifistas, pelas reações diversas e divergentes a cada um desses e de outros
movimentos, por formas de conservadorismo antiliberais e anticomunistas, por uma crise
do rearranjo liberal produzido através do New-Deal, enfim, por complexas e profundas
mudanças que remontavam à década de 193033.

As manifestações dos agentes se dão, portanto, em relações a esse quadro e não


em um vazio social. Dessa mesma forma, elas não pairam em vácuo de institucionalidade
normativa. Parte desse mundo e das relações que ele comporta e conforma encontra
explicações mais ajustadas em relações ao sistema político estadunidense. Isso por que a
forma federativa e bipartidária pela qual essa estrutura tem funcionado e sido

31
Prefácio xii
32
LIPSET, HOFST.
33
GRIFFIN, Roger. Non-European and Post-War Fascisms. In:______. The Nature of Fascism. Nova York:
Routledge, 2006. Ed. Digital.
caracterizada não é sem consequências sobre o desenvolvimento da multiplicidade de
organizações e movimentos que, por assim dizer, orbitam ao seu redor34.

Para usar a metáfora de Daniel Bell, essa configuração particular faz com que
cada um dos dois partidos em jogo, o Partido Democrata e o Partido Republicano,
funcionem como grandes de lojas de departamentos dotadas de uma imensa variedade de
seções e de vendedores chamando atenção de grupos mais ou menos dispersos pelo
espectro político. Em decorrência disso, e de outros aspectos variantes ao longo do tempo
do processo de formação das instituições políticas estadunidenses, os movimentos sociais,
os grupos de pressão, os grupos de defesa, os movimentos sociais, os comitês, as ligas, os
lobbys, as associações no geral, proliferaram de maneira variada pela paisagem
estadunidense. Essa tem sido uma característica da política estadunidense desde, pelo
menos, meados do século XIX; em meados do século XX, sua escala teria se expandido.
E aí a diferença não teria sido somente quantitativa e tampouco absoluta. Se desde a
restauração da República essas associações incorporavam de diferentes formas as
diversas manifestações de uma política baseada no interesse de grupos de clivagens
variadas (interest-group politics/class politics), na “turbulenta metade do século XX
estadunidense”, elas passaram a funcionar de acordo como uma política de status de
grupos sociais que teve sua manifestação paradigmática no McCartismo35.

É nesta paisagem acidentada que Carto passou a transitar durante os anos 1950.
Carto nasceu em Forth Wayne, Indiana, em 1926. Em 1944, quando terminou seus
estudos regulares em sua cidade natal, ele se alistou no exército e prestou serviços em
uma divisão de infantaria lotada nas Filipinas, no front do Pacífico, durante os anos finais
da II Guerra Mundial. Quando foi dispensado, Carto frequentou algumas universidades
sem concluir curso algum. Por essa mesma época, ele trabalhou como representante de
vendas da Prockter & Gamble, em Cincinnati, Ohio. Em 1952 ele se instalou em São
Francisco e passaou a trabalhar primeiro em um banco local e, depois, em uma empresa
de serviços financeiros36.

Foi em São Francisco, por essa mesma época, que Carto começou a circular por
grupos da direita estadunidense. Isso é uma das coisas que ficam à mostra nos materiais

34
Sobre o sistema político estadunidense, os grupos de pressão, os movimentos sociais e os lobbys, c.f:
KOLLMAN, Ken. Interest groups and Social Movements. In:_______. The American Political System. 2. Ed.
Nova York: W.W. Norton & Company, 2015. Cap. 11.
35
BELL; Op. Cit. KOLLMAN, Ken, 2015.
36
Atkins.
produzidos por uma série de investigações conduzidas pelo Gabinete Federal de
Investigação (Federal Bureau of Investigation – FBI) do Departamento de Justiça
estadunidense. Carto foi objeto principal de três investigações paralelas e apareceu em
outras que miravam sobre pessoas que, como ele, eram considerados extremistas de
direita potencialmente subversivos. Essas investigações enquadraram Carto como uma
eventual ameaça à segurança nacional; um provável provocador ou influenciador de
atentados politicamente motivados; e um possível violador das leis raciais que revogaram
as segregacionistas Jim Crow37. Essas investigações visavam apenas monitorar as
atividades de Carto. Os memorandos, os relatórios, as fichas, e os anexos que elas
produziram mostram um Carto que circula por diferentes espaços da direita estadunidense
e que, através dessa movimentação, tenta organizar uma espécie de frente ou coalizão
ampla de grupos, comitês e associações de extrema-direita.38.

37
As leis que ficaram conhecidas como Jim Crow regulamentaram a segregação racial em 26 unidades
federativas dos EUA entre 1881 e 1964. Sobre elas, c.f.: TISCHAUER, Leslie V. Jim Crow Laws. Santa
Barbara; Denver; Oxford; Greenwood; ABC Clio, 2012; KLARMAN, Michael J. From Jim Crow to Civil Rights.
Nova York: Oxford University Press, 2004.
38
As investigações foram conduzidas entre 1954 e 1971. Os materiais produzidos durante esses processos
estão organizados em cinco pastas: 105-4222; 105-4222-A; HQ 105-47766; WFO 100-33381; WFO 157-
69. O caráter dos casos era identificado ou como segurança interna (Internal Security – Extrmemism IS-X),
ou como questão de segurança (Security Matter – SM), ou como questões raciais (Racial Matters – RM).
Referências a Carto são comuns nos materiais que compõem as três pastas que resultaram de investigações
sobre William Pierce, fundador do N.A., durante o mesmo período. Me refiro às pastas 157-3447/1; 157-
3447/2; 157-6353. Para operar com esse volume de materiais, eu recorri a um manual institucional
produzido pelo FBI. As pastas que contêm e organizam esses materiais foram liberadas após a morte de
Carto, em 2015, e a de Pierce, em 2002, de acordo como as regras estabelecidas pelo The Freedom of
Information Act (FOIA), que regula a liberação de arquivos confidenciais mantidos pelo governo
estadunidense. C.f.: Federal Bureau of Investigation. The Attorney General’s guidelines for domestic FBI
operations. Washington, D.C.: FBI Headquartes, 2001. O universo dessas e de outras investigações
politicamente motivadas era legalmente respaldado. Em parte, isso está relacionado as atribuições
institucionais do FBI, que “tem a autoridade e a responsabilidade de investigar todas as violações contra
leis federais que não sejam prerrogativas de outras agências federais” e que sejam consideradas ameaças à
segurança interna dos EUA. No caso em questão, as investigações foram justificadas e respaldadas por dois
conjuntos de leis: o Alien Registration Act, também conhecido como Smith Act, e o Internal Security Act,
ou Subversive Activities Control Act of 1950. O primeiro foi sancionado em 1940, pelo presidente
Roosevelt, e o segundo foi promulgado pelo senado, em 1950, depois de ter sido vetado pelo presidente
Harry Truman. Esses instrumentos legais regulamentavam o controle de atividades consideradas
subversivas ou, como as definiam, anti-americanas. Seus principais alvos eram pessoas e/ou organizações
comunistas ou socialistas. Entretanto, elementos considerados radicais da direita também foram
enquadrados, ainda que de maneiras diferentes e para fins diferentes, no escopo, nas funções, na aplicação
e nos efeitos, por assim dizer, extralegais dessas leis. Enquanto o Smith Act tinha uma abrangência mais
ampla e considerava como subversivas quaisquer movimentações e atividades que visassem a derrubada de
instituições governamentais dos EUA, o Internal Securiy Act era mais específico. Sua justificativa era
baseada no pressuposto da existência de um movimento comunista internacional e secreto que visaria o
estabelecimento de um governo totalitário nos EUA. Em função disso, ela tornava ilegal que qualquer
pessoa, individual ou coletivamente, intencionasse ou participasse efetivamente de planos ou tentativas de
tomadas de poder através de organizações comunistas ou por outas grupos que visassem o mesmo. Esses
outros grupos aparecem nomeados em apenas um dos dezenove incisos que compõem o texto da lei, quando
ela se refere a grupos de inspiração ou de filiação fascista e/ou nazista. Nesse caso, ambos são indistintos e
são equiparados ao comunismo; os três descritores são incorporados na mesma categoria de formas
As primeiras investigações averiguaram que foi naquela São Francisco da
primeira metade da década de 1950 que Carto encontrou o ainda desconhecido Robert
Lefevre e passou a circular por grupos que se auto-identificavam como libertários39. Carto
integrou o Congress of Freedon, grupo de plataforma anticomunista e anti-
internacionalista que tinha Lefevre como presidente. Como secretário da organização, ele
presidiu sua convenção anual que teve lugar no Memorial dos Veteranos da cidade, em
abril de 1955. Em dezembro desse mesmo ano, Carto foi escalado para falar em uma das
reuniões do S.F. Liberation Forum. Na ocasião, ele deveria falar sobre “traição e falência

totalitárias de governo. Sobre as intenções e os efeitos propriamente políticos dessas e outras atividades
conduzidas através do FBI durante esse período em especial, C.f.: CUNNINGHAM, David. There’s
something happening here: the New Left, the Klan and the FBI Counterintelligence. Berkley, Los Angeles;
Londres: University of California Press, 2004. O texto do Smith Act pode ser conferido em
<legisworks.org/congress/76/publaw-670.pdf>; o texto do Internal Security Act pode ser conferido em <
http://legisworks.org/congress/81/publaw-831.pdf>. Sobre as formas pelas quais Suprema Corte
estadunidense lidava com essas legislações, c.f.: BELKNAP, Michael R. Communism and Cold War. In:
HALL, Kermit L.; ELY, James W. Jr.; GROSSMAN, Joel B. (Orgs.). The Oxford Companion to the
Supreme Court of the United States. 2. Ed. Nova York: Oxford University Press, 2005, p. 198-199;
FEELEY, M.M. Communist Partty v. Subversive Activities Control Board. In: Idem., p. 199-200.
39
Lefevre se tornaria uma das figuras mais destacadas daquilo que ficou conhecido libertarianismo ou
anarco-capitalismo. Além de escritor influente nesses círculos de defensores extremados desse
movimento diverso que é apresentado como uma síntese do liberalismo clássico, do jusnatualismo, da
economia neo-marginalista e do isolacionismo, Lefevre fundou e dirigiu diversas publicações e centros
educacionais tais como o Freedom School e o Rampart College. Há muita controvérsia e disputas
simbólicas sobre os sentidos do termo libertarianismo. Aqui eu me refiro a uma categoria nativa. Nesse
sentido, dizer libertarianismo é falar sobre uma vertente, por assim dizer, desse movimento que se
identificava como libertário para marcar uma ruptura com o liberalismo, com o comunismo e com o
socialismo – categorias que, em meados do século XX, e especialmente nos EUA, não raro eram
homologizadas enquanto formas coletivistas de pensamento político, social e econômico. A herança
simbólica de Lefevre pode ser conferida em um perfil que o identifica e disponibiliza gratuitamente suas
obras no portal do Mises Institute dos EUA em < https://mises.org/profile/robert-lefevre >. Sobre essa
categoria nativa do libertarianismo a que me refiro, c.f.: HAMOWY, R. (Org.). The Enciclopedia of
Libertarianism. Thousand Oaks: Sage Publications; Catho Institute, 2008; BRENNAN, J.; VOSSEN, B. van
der; SCHIDTZ, D. (Orgs.). The Routledge Handbook on Libertarianism. Nova York: Routledge, 2018.
ROTHBARD, M. Por uma nova liberdade: o manifesto libertário. São Paulo: Instituto von Mises Brasil, 2013;
DOHERTY, Brian. Radicals for Capitalism: a freewheeling history of the modern American Libertanism.
Nova York: Public Affairs, 2007. Para uma análise sobre grupos e pessoas da extrema-direita
estadunidenses que se auto-identificavam como libertários, c.f.: MACLEAN, Nancy. Democracy in chains:
the deep history of the radical right’s stealth plan for America. Nova York: Viking/Penguin Randon House,
2017. Carto abandonaria esses círculos ao longo da década de 1970 e ao, que parece, definitivamente na
década de 1980 quando organiza o Partido Populista. Depois disso, o libertarianismo passou a ser para
ele uma difícil e irrealizável síntese entre o anarquismo de esquerda e o conservadorismo de direita
equalizados com a defesa do mercado livre, que seria um fundamento capitalista. Assim, o libertarianismo
seria “inviável política e filosoficamente por que é impraticável como o comunismo e somente pode ser
descrito de maneira adequada como uma religião secular.” C.f.: CARTO, Willis. Libertarianism. In:_____.
Populism vs. Plutocracy: the universal struggle. Washington: Liberty Lobby, 1996, p. 273, Apêndice 1 – A
Populist Glossary.
da política externa estadunidense” e então mostrar que “os verdadeiros criminosos de
guerra estariam em altos postos do governo estadunidense”40.

Ultrapassando o quadro preliminar das investigações, chega-se às iniciativas


movidas por Carto. Nesse quadro depara-se com a informação de que ele fundou e dirigia
desde 1954 um grupo identificado como Liberty and Property (L&P). As atividades de
Carto através desse grupo foram as que mais chamaram atenção dos agentes do FBI. E
isso em virtude de seu potencial subversivo ser um pouco mais acentuado. Eles haviam
averiguado que, através de suas publicações do L.P, a organização pela qual Carto era
responsável teria dirigido ataques difamatórios ao presidente Dwight Eisenhower,
publicado e distribuído uma versão alternativa do Bill of Rights, convocado manifestações
contra a Organização das Nações Unidas e organizado um comitê conservador para
disputar candidaturas majoritárias durante a Convenção do Partido Republicano de 1956,
o Conservative Republican Headquarters, e ainda aberto e dirigido uma seção do Northern
League, um grupo de supremacistas brancos sediado na Inglaterra41.

Para os agentes do FBI, o L&P era uma um “grupo de ação política de direita”
(right-wing political action group) registrado como uma “liga civil”42. Na verdade, o L&P
aparece como uma espécie de plataforma para tornar viáveis aquilo que parece ser um
projeto unificador sobre a extrema-direita estadunidense. Além das atividades que
receberam atenção especial dos agentes, isso também fica sugerido no programa da

40
Memorando FBI 105-4222-1, de 15/02/1956; Memorando FBI 105-4222-18, de 31/10/1956, Pasta 105-
4222
41
Memorando FBI 100-33381-1, de 15/08/1956, Pasta 100-33381; Memorando FBI 105-4222-1, de
15/02/1956, Memorando FBI 105-4222-2, de 20/02/1956, Memorando FBI 105-4222-5, de 29/08/1956,
Memorando FBI 105-4222-19, de 07/11/1958 Pasta 105-4222; Memorando FBI 105-47766-18, de
13/08/1956, Pasta 105-47766. Memorando FBI 105-4222-1, de 15/02/56, Pasta 105-4222; Memorando
FBI 105-47766-5, de 11/06/1956, Memorando FBI 105-47766-12, de 8/08/1956; Pasta 105-47766. O
Memorando FBI 105-47766-14 sugere o Conservative Republican Headquartes seria parte de uma
“Nationalist Network” que agiria para recrutar membros e lançar candidaturas nas convenções do Partido
Republicano e do Partido Democrata de 1956. Os agentes dessa rede, especialmente os que visavam
recrutar candidatos e delegados na Convenção do Democrata em Chicago, pretendiam causar “confusão”
durante o evento; parte deles foram identificados pelos agentes como neo-nazistas, nazistas, ou
simpatizantes do nazismo C.f.: Memorando FBI 105-47766-17, de 15/08/1956, Pasta 105-47766;
Memorando 105-47766-33, de 04/02/1957, Pasta 105-47766. A NP funcionava no mesmo escritório que
a NL., em Sausalito, Califórnia. C.f.: Memorando FBI 105-4222-19, de 07/11/1958, Pasta 105-4222. Em
uma das edições do Right, o NL foi apresentado como um grupo cujo objeto era “cultural” e que visava
“criar melhores relações entre o povo branco de todas as nações. Dessa forma, os desentendimentos
mútuos que até então teriam levado a duas terríveis guerras e que enfraqueceram a resistência da
cristandade na sua luta por sobrevivência seriam eliminados”. C.f.: Memorando FBI 105-4222-32, de
19/12/1958, Pasta 105-4222.
42
Esse tipo de registro garante a isenção de impostos sobre organizações. C.f.: Memorando FBI 100-
33881-1, de 15/08/1956, Pasta 105422;
organização que visava i) formar grupos e comitês direcionados à questões políticas,
sociais e econômicas; ii) pesquisar e produzir modelos de legislação para informar aos
cidadãos sobre “os meios adequados de ação para garantia dos direitos de propriedade e
liberdades pessoais”; iii) disseminar informação através quaisquer meios para que isso
fosse garantido43. Essa mesma intenção vinha estampada no boletim mensal publicado
pela organização, o Right, que era apresentado como uma publicação “da, para e pela
direita americana”. Em relatórios produzidos pelas investigações, a função declarada do
L&P aparece como a de “coordenar as atividades de grupos de direita estadunidense”44.

Através do L&P Carto publicou algumas edições do que seria o “primeiro


diretório de grupos de direita dos Estados Unidos”. Essa espécie de catálogo era
apresentada como uma lista exaustiva de tais grupos. Carto e Bruce Holman, este último
secretário do L&P e editor do Right, viram quiseram fazer através de um relatório de
progresso da organização que o diretório teve “um impacto significativo sobre o
pensamento da direita americana”. A publicação, segundo eles, teria motivado a esses
grupos a se pensarem sobre seus problemas e se perceberem como uma unidade, e não de
maneira isolada. Isso teria aproximado tais organizações uma das outras (“to get a little
close together”) e feito com que o L&P atingisse seu objetivo45. Em uma significativa
medida, essa lista foi sendo construída através das alianças que Carto teria arregimentado

43
Memorando FBI 100-33381-1, de 15/08/1956, Pasta 100-33381.
44
Memorando FBI 105-47766-4, de 22/06/1956, Pasta 105-47766.
45
Seria possível sugerir ainda, com alguma segurança, que essa lista servia também como um recurso
simbólico e como uma espécie de atestado da capacidade de articulação de Carto. Ela indicaria que Carto
não só conhecia, mas circulava com certo prestígio entre esses grupos. C.f.: Memorando FBI 105-4222-1,
de 15/02/1956, Pasta 105-4222. Memorando FBI 105-47766-18, de 15/08/1956, Pasta 105-47766,
informa que, segundo os seus editores, a segunda edição do diretório incluiria grupos e pessoas ligados a
direita dos EUA e de outros países e que se dedicaria a listar grupos percebidos como anti-
internacionalistas, libertários, anticomunistas, antissocialistas, grupos religiosos, grupos anti-fluoretação,
entre outros grupos anti-sindicatos e federalistas radicais. No relatório que está anexo ao Memorando
FBI 105-4222-10, de 30/09/1957, Pasta 105-4222, alguns dos grupos que compuseram a terceira edição
do diretório são listados. Entre os tais estão o American Reporter, o Associate Farmers of California, o
Aware Authority, o California Bible Research Forun, o California Bible Research, o Christian Vanguard, o
Committee for Free Golden Market, o Comitê Nacional do Partido Constitucional; o Crusade for Truth, o
Fist National Spirit of Freedon Crusade, o Health Research, o Keeping the Record Straight, o Liberty Lobby,
o Liberty and Property, o Lodi Anti-Fluoridation Comittee, o Mayflower Descendants in California, o
MaCaw Mail Order Service, o National Christian Journal, o National Health Federation, o Pure Water
Association of America e o Right. A lista constava era publicada e vendida pela NP. C.f.:Memorando FBI
157-69-16, de 19/02/19964, Pasta 157-69.
durante as viagens que fazia pelo país em função disso e também para divulgar suas
atividades e arrecadar recursos46.

Ao que tudo indica, esse programa unificador da extrema-direita tinha


Washington na mira desde cedo. Era 1955 e Carto já vislumbrava se instalar na capital da
República. A ideia para criação de um lobby na sede do governo federal teria sido
apresentada pela primeira vez aos diretores da seção do Congress of Freedom de Chicago
em meados daquele ano. Segundo uma “história oficial” da organização contada por Carto
em 1960, os diretores teriam gostado da ideia, mas a recusaram. Apesar da negativa, ele
teria continuado a trabalhar sobre projeto e, em 1957, saiu em busca de recursos para
financiá-lo. Com os recursos em mão, ele teria feito publicidade da organização e
continuado a recrutar parcerias. Até o final de 1958 ele já tinha garantido adesões das
seções do Congress of Freedon da Cidade do Kansas e do “We, The People”de Chicago.

Em 1959 Carto pôs funcionar o departamento de pesquisa do LL. Enquanto a


organização não funcionava integralmente, essa repartição cuidava da redação e da
publicação de relatórios sobre seções legislativas no congresso, notícias e comentários
políticos no geral. Aparentemente, esses materiais tinham circulação restrita às listas de
distribuição formada pelos pontenciais ou correntes apoiadores e financiadores das
iniciativas de Carto. Em 1959, o diretório político do IHR (Police Board) entra em cena
e o LL passa a operar em pequena escala. Nesse mesmo ano, o LL já estaria operando
integralmente e lidando com pequenas operações. 1960 a organização já estaria formando
comitês e participando ativamente de processos legislativos e arregimentando apoio de
deputados, senadores e juízes47.

Os objetivos e o programa do LL eram semelhantes ao do LP. Ambos eram


originalmente baseados em plataformas segregacionistas e anti-comunistas e eram
apresentados como grupos de pressão que visavam coordenar as atividades de pequenos
grupos de base local (grassroots). Entretanto, o LL teria sido a concretização decisiva do
projeto de Carto. Através do LL e de sua estrutura, por assim dizer, mais arrojada e

46
Memorando FBI 105-4222-1, de 15/02/1956, Pasta 105-4222, relata uma dessas viagens e lista algum
dos grupos com quais Carto teria estabelecido contato: o Abraham Lincoln Republican Club, o Nationalist
Conservative Party, o Citizen Council e a Federation for Constitutional Goverment.
47
C.f CARTO, W. Brief history of the Liberty Loby. Dat., dez. 1960. Disponível em <
http://willisacartolibrary.com/2017/10/31/liberty-lobby-the-official-history/>
estrategicamente localizada, ele poderia liderar uma coalizão ampla desses grupos e fazê-
la ser ouvida ou representada nas instancias do governo federal estadunidense.

Essa é uma das coisas que Carto quis fazer ver através de um artigo que visava
convencer aos leitores de Right da necessidade de um liberty lobby. Para Carto, a urgência
de uma organização desse tipo era a consequência inevitável de um cenário político
extremamente crítico. O governo dos EUA estaria “sitiado”: submetido ao “controle de
inúmeros grupos de pressão” “bem organizados e bem financiados” por “minorias que
eram consistentemente inimigas dos interesses americanos”. Resolver definitivamente
esta situação seria um trabalho hercúleo para o qual os pares de Carto não estariam
preparados; eles “estariam nem suficientemente fortes, nem suficientemente
organizados” para tanto. E enquanto não pudessem fazer uma “segunda revolução
americana”, restaria apenas uma alternativa: concorrer em par de igualdade com essa que
seria uma “agressiva coalizão de grupos” “estrangeiros, econômicos, raciais e religiosos”
que supostamente teriam sequestrado a vida política nacional48.

No projeto original de Carto, o LL iria

“complementar e suplementar o trabalho de base (grassroots) de vários dos


novos comitês partidários e grupos de ação política [...]. O lobby irá funcionar
no topo (top) – no centro do governo federal – enquanto esses grupos irão
continuar com o seu trabalho essencial na base (bottom), nas municipalidades
e distritos. Cada tipo de operação irá beneficiar mutuamente. E juntos, elas
serão mais poderosas que se isoladas. Um LIBERTY LOBBY irá ainda unir os
grupos do sul e do norte na ação política. Isso ira pavimentar o caminho para
uma duradoura e necessária coalizão de grupos conservadores. Unidas, as
forças patriotas poderão vencer mesmo os mais agressivos e destacados grupos
de pressão especiais das minorias.”49

Ao que parece, esse programa ao mesmo tempo pacificador e unificador


encontrou uma oportunidade para de ser concretizado e mesmo aprofundado em pouco

48
CARTO, Willis. A Liberty Lobby is needed. Right,
49
Tradução minha de “A LIBERTY LOBBY will complemente and supplement the grass-roots work of the
various new parrty groups and political action groups. Far from there being any conflict between the two
types of operations, the LOBBY will work at the ‘top’ – right at the seat of federal power – while the grass-
roots groups will continue their essential work at the ‘bottom’ – at the precint and district level. Each type
of operation will benefit the other. And together, they will be far stronger than alone. A LIBERTY LOBBY
will also bring Northern and Southern groups together for political action. This will pave the way for the
long-overdue formal coalition of conservative forces which is so desperately needed. United, the patrotic
forces in America can outstrip the most agressive and vocal minority special interest pressure grooups.
(...)”. CARTO, Willis. A Libert Lobby is needed. Right
tempo. A chance estava na campanha de George Wallace à presidência em 1968 pelo
Partido Independente. Antes disso, em 1964, o ex-governador do Alabama que mantinha
membros destacados do KKK em seu gabinete havia tentado, sem sucesso, uma pré-
candidatura à presidência pelo Partido Democrata. Wallace foi derrotado nas primárias
daquele ano. Apesar disso, ele obteve uma quantidade significativa de votos em estados
que não aqueles do sul que formavam sua base eleitoral. Para os estrategistas de Wallace,
isso indicava que o programa segregacionista de sua campanha tinha um potencial
nacional. Eles exploram isso até a candidatura relativamente bem-sucedida de Wallace
pelo terceiro partido que havia sido criado exclusivamente para o pleito do agitado ano
de 1968. E Carto também estava atento a esses indicadores.

Nas histórias institucionais do LL que vieram ao mundo depois da década de


1960, os capítulos sobre as relações da organização com Wallace foram excluídos. Isso
certamente por que a partir da década de 1980 o LL passou a se apresentar como se fosse
desde sempre uma organização populista e nunca conservadora ou libertária. Para os
produtores dessas narrativas, manifestar apoio e participar das campanhas políticas de
Wallace significava e indicava uma adesão ao conservadorismo. E isso não cabia na
imagem do LL de 1982, por exemplo.

De qualquer forma, em 1965, o LL financiou e produziu uma campanha massiva


de promoção da figura de Wallace. Centenas de milhares de cópias do panfleto “Stand up
for America: the story of George C. Wallace” foram publicados e distribuídos pela
organização naquele ano. E isso deve ter sido uma das coisas que levaram Carto a um
assento entre os coordenadores da campanha presidencial de Wallace em 1968. “Stand-
up for America” foi adotado como o slogan da campanha e, mais tarde, em 1979, tornou-
se o título da autobiografia do ex-governador do Albama.

Apesar disso, o LL disputava espaço com organizações da estatura da John Birch


Society e era mais um entre os vários grupos que foram estrategicamente recrutados para
ser a base operacional da campanha. Como o Partido Independente tinha sido criado
exclusivamente para aquela circunstância eleitoral, ele não contava com os aparatos
organizacionais de seus opositores. Na falta de comitês, diretórios e seções regionais
nacionalmente distribuídos e coordenados, os estrategistas de Wallace arregimentaram o
apoio de grupos como o Minutemen, o KKK e o Citzens Council. Esses grupos formaram
uma coalização parecida com aquela que o programa do LL vislumbrava. Mas a posição
da LL nessa frente não era aquela dos planos de Carto.
Uma parte significativa dos potenciais eleitores de Wallace era formada por
jovens brancos menores de 29 anos. Entre esse grupo eram comuns a oposição aos grupos
estudantis pacifistas de esquerda, aos movimentos anti-segregacionistas e ao governo
Johnson, em função da obrigatoriedade do serviço militar na Guerra do Vietnã. A par
dessa tendência, Carto organizou o Youth for Wallace para recrutar esse grupo de
eleitores. Durante a campanha, através do comitê, Carto e sua equipe do LL fizeram um
trabalho massivo de recrutamento e organização. Até as eleições, o Youth for Wallace
tinha cerca de 15 mil membros registrados. O comitê acabou se tornado das forças mais
significativas da campanha que rendeu um score de cerca de 10 milhões de votos a
Wallace. Ao final do processo, o candidato do Partido Republicano, Richard Nixon, foi
eleito presidente e os grupos que construíram a base da campanha de Wallace estavam
desgastados. Menos o LL e o Youth for Wallace.

Agora o LL tinha sua própria sede em prédio de três andares em uma região
comercial nobre de Washington, uma equipe que trabalhava em tempo integral, centenas
de milhares de assinaturas de seu Liberty Letter e uma lista formada por pelo menos vinte
e três mil doadores regulares e outros duzentos e trinta mil inativos. Com isso, Carto pode
empregar lideranças do Youth for Wallace e transformar o antigo comitê em uma espécie
de diretório juvenil relativamente independente do LL. E aí nascia o N.Y.A.

No final de 1968, Carto já estava preparando meios de organizar um grupo


juvenil “linha dura” (hard line). de alcance nacional Em novembro daquele ano ele havia
organizado uma conferência secreta com ativistas para “reunir ideias e experiências” e
para “melhor orientar a organização do grupo.” Ao que parece, reuniões desse tipo
continuaram a acontecer até o início de 1969 e meados daquele ano a organização já
estaria ativa. Nesse período, foi noticiada uma série de manifestações violentas contra
grupos como o Students for Democratic Society (SDS) em campi universitários da Costa
Oeste. Esses ataques eram promovidos por seções estudantis do NYA. Paul Valentin,
repórter do Washington Times cobriu essas manifestações para o Los Angeles Times. Ele
descreveu o N.Y.A como uma espécie de “reorganização” (holdover) do Youth for
Wallace que funcionava de acordo com um programa construído sobre os seguintes
pontos: i) oposição violenta ao consumo de drogas nos campi; ii) neutralização e
destruição dos movimentos Black Power; iii) remoção forçada dos grupos de esquerda
em campi universitários; iv) resistência física contra a obrigação de prestar serviço militar
em “guerras estrangeiras”. Nesse mesmo período, um agente do FBI relatou que o NYA
era “uma organização formada a partir de um núcleo do Youth for Wallace” que teria se
organizado para “se opor a grupos radicais esquerdistas e anarquistas em campi
universitários” e para promover “racialismo branco e antissionismo”. Segundo o relatório
desse agente, os agentes do NYA acreditavam que “uma revolução violenta era o único
meio pelo qual poderiam implementar seus ideais políticos e raciais no país”.

O trabalho de organização do NYA foi conturbado. Além desses conflitos


externos, disputas pelo controle e pelo rumo da organização foram tão intensas quanto
foram as tentativas de pacificação e controle pelo LL. Esses conflitos envolveram
elementos abertamente simpáticos ou aderentes ao nazismo, defensores de ações
violentas e aqueles que tentavam impor um programa baseado no racismo spengleriano
de Francis Parker Yockey. Esse último grupo, formado por agentes do LL, foi o vitorioso.
Pelo final de 1969, os jovens funcionários do LL que foram recrutados no NYA
instalaram uma sede da organização em Washington, formaram uma equipe para
organizar novas seções e diretórios regionais pelo país e começaram a publicar
regularmente um periódico. Carto assumiu o controle da organização e a vinculou ao LL
como uma espécie de seção juvenil independente. Até meados daquele ano o LL foi o
financiador exclusivo das atividades do N.Y.A. Os problemas da organização pareciam
resolvidos até que o financiamento foi suspenso depois que a direção do NYA se mostrou
incapaz de fazer o grupo se manter com seus próprios recursos. As disputas pelo controle
da organização se acenderam e Carto foi desligado do NYA. Isso não resolveu a situação.
As disputas pelo controle da organização iriam continuar até 1972, quando William Pierce
entrou em jogo e assumiu a direção da organização.

Era o início de 1969 e um então amigo pessoal de Carto e diretor NYA coordenava uma
dessas problemáticas conferências organizacionais. Do púlpito da sala de conferências de
um clube militar de Washington, Lois T. Beyers falava para um público que incluía
pessoas que cantavam canções e vestiam parafernálias nazistas. Em algum momento das
atividades, Beyers anunciou um livro que tinha acabado de sair da prensa da NP. O título
do volume era The Myth of Six Million.

Este pequeno livro era aberto com uma introdução assinada por E.L. Anderson,
PhD, um dos pseudônimos de Carto. Nessa introdução, Carto queria fazer ver aos leitores
que o problema tratado naquele volume lhes dizia respeito. Afinal de contas, ele falava
sobre “a mais bem-sucedida e lucrativa fraude já criada”: “o mito de que Hitler e seus
nazistas exterminado seis milhões de judeus”. Segundo a retórica conspiracionista de
Carto, aquele mito não era um qualquer. Ele tornava viável a extorsão de vultuosas somas
de dinheiro dos contribuintes alemães em forma de indenizações que iam para Israel ou
para “judeus individuais”; se baseava e reproduzia o dogma de que a Alemanha Nazista
era a culpada pela Guerra; tornava viável a vitória do sionismo e de seu outro, o
comunismo; e impedia que o problema da integração racial estadunidense fosse tratado
como um problema biológico e político. O mito, Carto deixa tacitamente sugerido, seria
uma maquinação de sionistas e comunistas. Dessa forma, e à esteira de Harry Elmer
Barnes, o famoso historiador da extrema-direita estadunidense que acabaria se tornando
o patrono do IHR anos mais tarde, saber sobre ele era mais importante que saber sobre a
culpa da guerra. Na verdade, o próprio problema da culpa se resolveria nele.

Aquela primeira edição da NP para The Myth of Six Million que foi apresentada
durante a reunião da NYA não tinha um autor creditado. Segundo Carto, este era um
professor universitário que teria preferido o anonimato ao ostracismo. Mais tarde soube-
se que o volume saiu das mãos de David Hoggan, que processara Carto por violação de
direitos autorais. Hoggan era doutor por Havard e foi professor em universidades
renomadas. Antes de reclamar a autoria de The Myth of Six Million, ele havia
transformado sua tese de doutoramento em uma peça apologética do nazismo. Na tese
Hoggan tratava de relações entre a Polônia e Alemanha nos anos imediatamente
anteriores à guerra; no livro que foi derivado da tese e que recebeu o título de “The Forced
War”, a guerra teria sido o produto de uma conspiração anglo-polaca. Harry Elmer
Barnes, historiador que tinha trânsitos consolidados na extrema-direita estadunidense,
colaborador de Carto e que se tornaria patrono do IHR foi o mentor de Hoggan na
produção da adaptação da tese que só foi receber uma edição em inglês depois da morte
de seu autor, em 1989, pelo IHR.

Barnes também assinava um dos artigos da coleção que apareceu como apêndice
na edição original de The Myth of Six Million. A antologia era composta por peças
publicadas em edições do American Mercury, uma tradicional revista da extrema-direita
estadunidense que Carto tinha adquirido e controlava através do LSF. Esses artigos foram
publicados entre 1967 e 1968. Em seu artigo, Barnes apresentava os trabalhos de Paul
Rassinier, uma das figuras pioneiras e destacadas do negacionismo francês. Barnes se
correspondia com Rassinier com regularidade; foi ele quem negociou a tradução e a
publicação dos trabalhos de Rassinier que saíram pela NP, em 1978. Barnes ainda
contribuiu para consagrar Rassinier como o “pai do revisioninsmo” nos EUA.

A publicação das obras de Rassinier em inglês pela NP coincidem com a


fundação do IHR. E a fundação do IHR está relacionada com a imigração de um jovem
escritor e editor da extrema-direira inglesa para a Costa Oeste estadunidense. Este jovem
era David McCalden. Ao que tudo indica, McCalden foi para os Estados Unidos naquele
mesmo ano contratado por Carto para trabalhar como editor auxiliar no American
Mercury e na NP. Seu currículo incluía postos de trabalho em órgãos de imprensa ligados
à Frente Nacional (National Front – NF) e ao Partido Nacional Britânico (British National
Party – BNP). McCalden também era próximo de Richard Verral, um destacado escritor
e editor negacionista. Verral e McCalden dividiam não só postos de trabalho, mas também
o pseudônimo através do qual publicavam trabalhos pela Historical Review Press. Por
essa casa, eles tinham publicado, respectivamente, em 1974, uma síntese panfletária dos
trabalhos de Hoggan e de Rassinier que saiu com o título de Did the Six Million Really
Die?, e, em 1978, “Nuremberg and another war crimes trials: a new look”. Entre um e
outro a Historical Press publicou aquele livro que se tornaria uma espécie de cânone do
negacionismo: The Hoax of 20th. Century, de Arthur Butz, professor de engenharia
elétrica em uma renomada universidade estadunidense.

A permanência de McCalden na NP e no American Mercury foi curta e


marcante. Há indícios de que o volume de obras negacionistas e antissemitas publicadas
pela NP tenha crescido consideravelmente durante o seu exercício. Na época já haviam
editoras da extrema-direita estadunidense especializadas nesse nicho ainda não
sistematicamente explorado por Carto50. Carto vendeu o American Mercury e, com os
recursos obtidos através da operação, criou o IHR. McCalden foi elevado a diretor do
IHR e editor de suas publicações. Assim ele permaneceu no IHR até 1981.

McCalden foi responsável por fazer o IHR conhecido fora do campo da extrema-
direita estadunidense. Em 1979, ele teria lançado através da organização um concurso
público que premiaria a quem provasse com “evidências físicas” que câmaras de gás
foram usadas para o extermínio sistemático de judeus pelos nazistas. Como não houve
candidatos a este concurso, McCalden lançou outro. Dessa vez, o prêmio de 50,000
dólares seria dividido entre quem atestasse a falsidade do “Diário de Anne Frank” e da

50
Liberty Bell cat.
narrativa de que nazistas teriam feito sabão da gordura de cadáveres de judeus
exterminados. Para fazer o concurso conhecido, McCalden enviou cartas a sobreviventes
do Holocausto. Um deles escreveu uma carta ao editor do Jerusalen Post condenando o
concurso. McCalden teria então escrito a este missivista oferecendo 50,000 dólares caso
ele provasse que as câmaras de gás nazistas funcionaram de fato para extermínio em
massa. O sobrevivente em questão era Mel Mermelstein. Mermelstein respondeu com as
evidências e, apesar disso, o IHR recusou-se a pagar a quantia oferecida. Ele então
processou o IHR. O imbróglio teve grande repercussão e fez o IHR conhecido. Como
estratégia de publicidade , McCalden também enviou, através de mala direta, números do
JHR para os membros de uma prestigiada associação profissional nacional de
historiadores estadunidenses especializada em ensino e história pública, a Organização
dos Historiadores Americanos (Organization of American Historians – OAH). As
respostas negativas à publicação que vieram dos membros da associação foram
publicadas na seção de correspondências do JHR como sinal de reconhecimento. Apesar
disso, Carto e McCalden teriam se desentendido em função dos custos e dos efeitos dos
caso Mermelstein. Esse desentendimento teria resultado no desligamento de McCalden
da organização.

Depois de seu desligamento do IHR, McCalden continuaria escrevendo e


editando boletins negacionistas na California. Suas empreitadas não teriam sido bem
sucedidas como aparentemente foi a do IHR nos anos que se seguiram. Seu desligamento
não produziu qualquer impacto sobre a organização. As edições do JHR continuaram a
ser publicadas trimestralmente, o catálogo editorial do IHR e da NP foi expandido e as
IHR-IRC continuaram a ser anualmente organizadas. A estrutura organizacional do IHR
também não se alterou.

Desde sua fundação até meados de 2002 o IHR funcionava através de um


pequeno número de pessoas. Empregados fixos e temporários dividiam as tarefas de
edição, redação, publicação, comercialização, propaganda, e cuidavam das rotinas
administrativas. Se eu representasse a dispersão dessas pessoas em relação à suas posições
na organização, eu teria um organograma em quatro níveis. No primeiro e no topo, estaria
o diretor da organização. No segundo nível, no eixo que deriva do anterior, estaria o editor
do JHR, da NP e da editora do IHR. No mesmo nível e paralelo ao que corresponde ao
editor, estariam os membros do conselho editorial da casa. No quarto nível, derivado de
uma conjunção das duas entidades que compõem o terceiro, estariam os autores mais
publicados pela organização. A imagem seria mais ou menos a que segue:

Figura 1- Organograma IHR

Essa representação gráfica, ainda que forneça uma boa imagem sobre a
organização formal do IHR, se mostra demasiadamente rígida se olhamos para o
funcionamento da organização. Ela impede que as mobilidades e os trânsitos entre os
agentes sejam percebidos. Uma alternativa viável a ela é a descrição funcional dessa
estrutura em quatro círculos concêntricos que se interseccionam em determinados pontos.

O primeiro desses círculos é aquele formado pelos “funcionários da casa”; nele


estão incluídos os diretores, os editores e os assistentes de edição. Este é o círculo de
menor circunferência. Aqui as relações entre os agentes são mais regulares e constantes
e acontecem numa mesma base geográfica: o escritório do IHR. Talvez seja esse o círculo
que goze de maior autonomia em relação aos outros. Este é o círculo executivo. O
segundo círculo é aquele composto pelos membros do conselho editorial da organização.
O terceiro é formado pelos escritores mais publicados pelos veículos do IHR. O quarto
círculo é formado pelos escritores menos publicados.

Olhando para a dinâmica desses círculos, o que se percebe é um movimento


constante de intermitências que atravessa a existência do IHR. As intersecções entre os
três primeiros círculos são maiores e mais constantes. Não era raro que um mesmo agente
estivesse posicionado entre os três ou que houvesse alguma mobilidade entre esses níveis.

O quarto círculo é o maior de circunferência, mas é composto por agentes que,


geral, tiveram até dois textos publicados no IHR e/ou que participaram de até duas IHR-
IRC. No geral, esses escritores não falavam sobre o Holocausto; falavam sobre
atrocidades ou crimes de guerra cometidos por países Aliados durante a Segunda Guerra
Mundial ou, no caso da Primeira, por países membros da Tríplice Entente, política externa
estadunidense ou inglesa, ou outros temas tais que, como o Holocausto, eram
apresentados como falsificação histórica.

O primeiro círculo era, por assim dizer, o centro estratégico e executivo do IHR.
Lá eram decididos o que publicar, como publicar, quem publicar, onde publicar, quem
chamar para falar nas IHR-IRC, onde empregar recursos, entre outras coisas. Este círculo
gozava de uma certa autonomia em relação aos outros círculos no geral. Aparentemente
ele era submetido à diretoria do LSF que foi formalmente presidida pela esposa de Carto,
Elizabeth Carto, até 1993, e ocupada pelos membros do quadro administrativo do IHR
que compunham este primeiro círculo. Na verdade, há relatos polêmicos de funcionários
que dão conta de que Carto era quem controlava tudo e todos no IHR e nas organizações
a ele vinculadas51. Fora isso e aparentemente, nos casos em que a pessoas desse círculo
também estão no segundo ou no terceiro, o que prevalece é a posição dela no primeiro
círculo. Essa autonomia relativa e esses trânsitos permitiam, por exemplo, que pessoas
com posições mais destacadas nos segundo e terceiro círculos participassem ou
influíssem nos processos de tomada de decisão52.

Não era incomum que os membros do primeiro círculo acumulassem as posições


de diretor e presidente da organização. A movimentação interna de posições também era
aí variante. David McCalden, foi diretor e editor da organização entre 1978 e 1981.
Thomas Marcellus, que tinha sido assistente de McCalden, o substituiu entre 1981 e 1982;
nesse período Keith Stimelly foi seu assistente. Entre 1983 e 1985, Stimely assumiu a
editoria da organização e parece que Marcellus permaneceu seu presidente até 199353.

51
REFERENCIA - STIMELY
52
CASOS – FAURISSON, Organização das conferências, trabalho de Smith.
53
Shemmer referência
Quando Stimely foi desligado do IHR, Weber tornou-se o editor-chefe e
permaneceu no cargo entre 1985 e 1988. Entre 1988 e 1992, Teodore O’ Keefe substitui
Weber como editor. Em 1993, ano em que o controle do IHR sai das mãos de Carto,
Weber assume a presidência do grupo e a chefia da edição. Durante este ano, O’Keefe foi
afastado. Entre 1994 e 2002, Weber permaneceu presidente e dividiu, com intervalos, a
chefia editorial com O’Keefe, que foi então recontratado. Dessa mesma forma e durante
o mesmo período, Greg Raven, membro do quadro administrativo da LSF, dividiu
assistência editorial com O’Keef e cuidava especialmente do sítio eletrônico do IHR.

Sabe-se pouco sobre o caminho dessas pessoas ao IHR e a posições destacadas


no IHR. Há casos em que adesões a grupos de extrema-direita são visíveis e notórios, há
outros em que as filiações são aparentemente ideológicas e a casos em que os vínculos
são nebulosos. McCalden, Weber e O’Keffe podem ser enquadrados no primeiro caso;
Stimely no segundo, e Raven e Marcellus no terceiro54.

Raven e Marcellus teriam ligações com grupos cientologistas da Califórnia.


McCalden, como se sabe, cultivava relações orgânicas com a extrema-direita inglesa
antes de se mudar para os EUA e começar a trabalhar com Carto. Há evidências de que
Weber e O’Keffe teriam se formado em História. Weber teria inclusive obtido grau de
mestre. Em sua apresentação oficial do IHR, antes de ele se tornar editor da casa, ele era
escritor e tradutor free-lancer. Além da formação, Weber e O’Keefe podem ter em
comum um passado no National Alliace. Em 1978, os dois ocuparam o púlpito da
Convenção Nacional da organização neonazista dirigida por William Pierce. Na ocasião,
Weber teria falado sobre uma suposta “crise cultural” que marcava aquele tempo e sobre
as formas pelas quais o NA poderia combater essa crise ou agir sobre esse cenário.
O’Keefe, por sua vez, teria fornecido “lições históricas” e discursado sobre a “nova
ordem” que o NA estaria construindo. A participação dos dois em evento importante
como era este no calendário do NA indica, em alguma medida, que os dois teriam alguma
posição de destaque nesta organização que era extremamente centralizada na figura de
seu líder nacional55. Weber e O’Keefe forneceram consultoria ao IHR durante o caso
Mermelstein. Weber permanece como diretor do IHR e colabora assiduamente com N.A.,
seja escrevendo artigos para sítios eletrônicos, seja fazendo vídeos para os mesmos. Ele

54
Greg Raven e Marcellus teriam ligações com grupos cientologistas.
55
https://nationalvanguard.org/2016/04/national-alliance-history-report-on-1978-national-alliance-
convention/
ainda é responsável pelas atualizações e publicações no site da organização e
eventualmente grava podcasts e vídeos que servem de conteúdo para o mesmo. O’Keefe
ainda escreve e edita para órgãos da extrema-direita estadunidense. Raven mantém um
sítio eletrônico como uma base de dados e arquivos que retrata Carto e sua esposa como
“fraudulentos e patriotas interesseiros” (embezzlers and patriots for profit). Stimelly e
McCalden faleceram; o primeiro, que tinha formação em história, em 1992, e o segundo
em 1990.56 Não se sabe sobre Marcellus depois de seu desligamento do IHR.

Esse foi, basicamente, o staff do IHR no período em que eu o investiguei.


Encontrei apenas menções a funcionários que eram contratados temporariamente para
tarefas operacionais. Ao que parece, no geral, as tarefas de edição, redação, tradução, as
atividades comerciais e as rotinas administrativas eram divididas entre os integrantes do
quadro administrativo e editorial do IHR57.

As principais funções dessas pessoas que compuseram esse primeiro círculo era
a de falar pela organização, a de produzir e circular os seus materiais editoriais e/ou
audiovisuais, organizar as conferências e a de cuidar das rotinas administrativas. Isso quer
dizer que eram eles os porta-vozes públicos do IHR, aqueles que davam entrevistas, que
se correspondiam com outras organizações e órgãos de imprensa, que testemunhavam ou
produziam os casos pela instituição durante os processos legais; editavam o JHR, os livros
publicados pela NP ou pelo selo do IHR, escreviam e publicavam a IHR-Newslleter,
cuidavam das campanhas de divulgação e de vendas de assinaturas, da circulação dos
materiais etc.; os que eventualmente escreviam e traduziam artigos, faziam resenhas,
cuidavam do catálogo editorial, escreviam notas editoriais e respondiam
correspondências, entre outras coisas.

Há indícios de que, depois da saída ou deposição de Carto, os membros do


quadro administrativo e editorial que compuseram este primeiro círculo assumiram
também cargos de destaque na LSF e NP. Na reunião anual dos funcionários e diretores
do fundo de investimentos que aconteceu em setembro de 2010, foi decidido que se
mantivessem no quadro diretor da organização os advogados Gerald Domitrocic, Robert
Lynch, Jack Riner, Harvey Taylor e também Mark Weber; da mesma forma, deliberou-

56
Arquivo Un. Oregon.
57
se que Weber continuasse na secretaria, Raven na direção e O’Keefe na tesouraria do
fundo de investimentos. E o mesmo vale para a Noontide Press: os diretores e editores da
editora, eram os mesmos do IHR. [documentos o’keefe].

Da mesma forma, a composição do conselho editorial que integra o segundo


círculo de agentes é relativamente constante. Apenas quatro pessoas foram adicionadas
ao conselho após 1993, enquanto aproximadamente 30 atravessam o período de maneira
regular ou com intervalos; outros seis saem antes de 1993, e aí em decorrência de fatores
variados, como o óbito. O mesmo acontece entre os escritores que compõem o terceiro
círculo. Dos 270 autores que foram publicados no JHR, só 9 tiveram mais de 10 textos
publicados no periódico ao longo do período em que ele foi circulado. Esses 9 autores,
que foram o terceiro círculo e que juntos foram responsáveis pela produção de cerca de
40% do conteúdo do JHR, eram também membros do conselho editorial ou do quadro
administrativo do IHR. Os mesmos foram aqueles que mais estiveram presentes nas IHR-
IRC e os que mais tiveram livros e panfletos publicados pelo IHR ou pela Noontide Press,
editora filiada ao IHR. A atividade deles atravessa a existência do IHR com poucas
baixas.

Os componentes do Conselho Editorial do IHR eram figuras destacadas do


negacionismo ou eram figuras relativamente obscuras apresentadas como especialistas.
Austin J. App (Lipstadt – Atkins) John Bennet (Australia – material IHR Adelaide
Institute- Atkins) R. Buchner (Argentina – ver), Butz (material IHR – Lipstadt- Atkins-
Shemer) James Elgof ? Faurisson (material ihr, obras completas, historiografia) Felderer
(material IHR) James Martin ? Udo Walendy (Atkins, Lipstadt); Konkin III ?, Le Fevre?

APP, Autin J.
BENEET, J.
BUCHNER, R.
BUTZ, Arthur
ELGOF, James
FAURRISON, R.
FELDERER, D.
MARTIN, James.
WALLENDI, Udo
KONKIN III, Samuel
LE FEVRE, Robert
WESSERLEE, Andreas ?
ALLENDE, Walter
(Argentina ??

KUCZEWSKI, Andre ?
LUTTON, Charles ?
IRWING, Thomas ?
LARSON, Martin ?
STAGLICH, Wilhelm ?
VEREALL, Richard
instauration, ihr,
lipstadt, Atkins.
GRAVES, Percy L. ?
WEBER, Charles E. ?
OLIVER, Revilo P.
(National Alliance – doc
IHR_)
ASHLEY, George ?

LINDSEY, William B. ?
ECKSTEIN, Albert J. ?
WEBER, Mark ?
FRANZ-WILLING, Georg
OMRCANIN, Ivo
BERKIS, Alexander
COUNTESS, Robert.
MATTOGNO, Carlo
BARKER, Phillip.
BERG, Friedrich
CATHEY, Boyd
LANG, Clarence R.
AYNAT, Enrique
FUERST, Verne E.
ROQUES, Henri
MIKI, Hideo
ZAVERDINOS, C.
PLATONOV, Oleg.
GRAF, Jürgen
RUDOLF, Germar
Foram raras as vezes em que Carto se apresentou como porta-voz do IHR.
Enquanto existe uma quantidade significativa de narrativas que o apresentam como o
chefe por trás das cortinas da organização, minha investigação conseguiu apurar apenas
três momentos em que Carto fala pelo IHR. Todos eles acontecem durante edições de
conferências organizadas pela instituição e em momentos solenes. Na primeira
conferência, que foi a de 1979, Carto abriu e encerrou os trabalhos anunciando o
lançamento o IHR e a publicação do JHR. Na terceira conferência, que aconteceu em
1981, ele fez um balanço da situação e das atividades do IHR com o objetivo de captar
doações. E o mesmo aconteceu durante a quinta conferência, em 1983. Fora esses
episódios, ficamos sabendo que Carto tinha uma ligação orgânica com o IHR apenas
através de uma nota publicada no sexto número do décimo terceiro volume do JHR, que
saiu no último bimestre de 1993, noticiando o seu desligamento do IHR.

Quem falava por e através do IHR eram os diretores e editores da organização.


Os veículos mais comuns para a essa comunicação eram os editoriais do JHR. Atraves
desses editoriais, os editores cumpriam uma de suas principais funções: a de criar uma
unidade narrativa sobre o material que apresentavam e, fazendo isso, em relações a
situações variadas, apresentar e reafirmar uma imagem do IHR.

[essa imagem depende dos interolocutores, dos adversários, das intenções, e,


sobretudo, da compreensão deles de história].

Segundo Theodore O’Keefe, editor chefe e assistente da organização entre


1985 e 2003, o IHR operava “vendendo assinaturas, livros, gravações (tapes) através de
mala-direta (direct-mail) e, em razão da importância e da dificuldade do seu trabalho,
inspirando doações. Conferencias, encontros e outras atividades do tipo consolidam a
ligação postal/impressa com o contato pessoal”.

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