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Marcia Tiburi
O que esperamos quando vamos ao cinema? Que o filme seja bom, nos
divirta, nos ensine, nos comova. Esperamos uma experiência estética, ou
seja, um conjunto de sensações com significado. Queremos sentir, mas não
basta, queremos também entender. O prazer com um filme é algo que surge
desta combinação entre sensibilidade e entendimento. Sem este último não
existe prazer. Após a projeção do filme usamos o veredicto espontâneo
“gostei” ou “não gostei” para definir se o filme é bom ou não. Se vimos o
filme acompanhados pode até surgir alguma discussão em torno das razões
e emoções de tais juízos, mas em geral cada um se apega ao próprio prazer
sentido para justificar seu julgamento. É claro que julgamentos, sejam de
críticos ou de pessoas em geral não fazem de um filme melhor ou pior. Mas
precisamos disso na tentativa de entender o que vimos. Mas a experiência
estética é ainda mais que isso.
A cultura da superficialidade
Tanto num filme de terror ou numa comédia banal, quanto numa película
mais elaborada intelectualmente, o que queremos é que algo nos dê prazer.
Do mesmo modo, queremos uma pessoa que nos entretenha ou nos agrade.
O que não ponderamos é que arte nem sempre agrada. Muitas vezes ela
provoca, como nas obras de arte contemporânea, uma abertura ao
insuportável. Por isso, tantas exigem de nós que nos tornemos intérpretes
sérios, cuidadosos e atentos, sob pena de simplesmente fugirmos das
experiências propostas. Do mesmo modo, as pessoas são bem mais
complexas do que o que delas podemos saber. Por isso também muitos
preferem fugir dos que conhecem, mas também dos que não conhecem.
Porém, este tipo de atitude não nos deixa longe de contradições. Junto deste
comportamento hoje em dia comum, cresce a queixa da solidão e da
dificuldade de relacionamento.
A idéia da beleza sempre dependeu deste ideal do prazer. Para muitos não
há como ver sentido longe dele. Kant falava da beleza como aquilo que agrada
sem que precisemos pensar por que agrada. Coisas sem significado não
podem agradar. Ele mesmo percebeu que há muita coisa que não produz um
prazer imediatamente agradável, mas mesmo assim funciona aos sentidos
humanos. Kant, que não entendia de arte, pensava no belo da natureza. Belas
eram as mulheres, as paisagens tranqüilas com riacho e flores. Pensava,
porém, no encanto estranho que sentimos com as tempestades de raios ou a
visão do imenso deserto, do mar aberto. Explicou isto pelo sentimento do
sublime, pelo qual entendia uma mistura de prazer com desprazer em que o
significado da coisa vista jamais era plenamente alcançado. O sentimento do
sublime mais do que a sensação de algo agradável provocaria o respeito. Por
isso justificava que a natureza dos homens era nobre, enquanto a das
mulheres era bela. Aqueles deviam motivar o respeito, enquanto estas
apenas o agrado.
Tudo isso no mostra o quão delicado é julgar e emitir juízos sobre as coisas
e as pessoas. Infelizmente vivemos uma cultura da leviandade em relação às
interpretações. E tudo isso porque não somos bons leitores do que vemos,
do que ouvimos, do que nos dizem. Certamente somos também desatentos
à nossas próprias opiniões. Contentamo-nos em gostar e desgostar como se
isso fosse a base legítima de uma relação na ordem pública, onde se exigem
argumentos tantos quando é o caso de colocar uma novela no ar, uma
exposição de pinturas ou um filme em cartaz. Interpretamos a vida com base
em nossos pré-conceitos, raramente questionando os reais motivos que nos
impelem a dizer isto ou aquilo de algo ou de uma pessoa. Raramente temos
atenção ao que realmente se dá à nossa volta. As obras de arte hoje em dia
servem para nos ensinar a atenção à nossa própria interpretação. Neste
sentido elas nos ensinam a cuidar de todo o campo de nossas relações. Elas
exigem que nos tornemos atentos. Talvez quando formos atentos, possamos
O que é bonito para mim?[1]
Marcia Tiburi
Terceirizamos a beleza há muito tempo. Por um lado porque nunca foi fácil
tê-la. Por outro lado, não foi simples dizer o que ela era e definir seu rumo.
Até hoje padecemos da confusão em relação a um parâmetro. Cada época
inventou o seu. E sempre evitamos uma apreciação original que parta da
sensibilidade própria a cada um. Por isso, tantos de nós pedem desculpas
quando, em exposições ou diante de um filme mais complexo, percebem que
“não entendem de arte”. Mas tentaram entender?
Decidir sobre a beleza ou usá-la é algo que não fazemos sem o aval de
especialistas. Chamamos os filósofos, os críticos, e até os artistas que nem
sempre conhecem as teorias da arte. É claro que ninguém precisa conhecê-
las. O público leigo também não tem esta obrigação. Porém, enquanto isso,
os especialistas comandam o gosto coletivo e individual, definem o que é o
bom e o mau gosto. Aquele que determina o gosto é dono de um poder
importantíssimo. Ele administra o reino da aparência e, com ele, do desejo
das pessoas pelas coisas. Mas se alguém administra meu desejo estou
perdendo de fazer algo importante na vida.
Todos querem a beleza. Até hoje, quem consulta o galerista para saber que
obra de arte acompanhará a decoração das paredes, até quem segue as dicas
de um cabeleireiro, passando por quem se veste de acordo com a moda e faz
a ginástica indicada, todos somos reféns de padrões estéticos que não
elegemos, mas pelos quais pagamos o preço. No pacote vem o direito de não
precisar decidir. E não se trata de uma obrigação da qual nos desincumbimos.
Mas de um direito que não desejamos. E, mais do que um gosto que
perdemos, é porque perdemos justamente “o gosto”, a capacidade da
apreciação estética que sustenta a sensibilidade e evita a anestesia geral para
o prazer e também para o sofrimento em relação a si mesmo e o outro.
De um lado temos, em nossa vida cotidiana, que decidir sobre a beleza das
coisas. É difícil pensar que algo seja belo independente de seu valor de
mercado, seja o mercado dos bens materiais, dos objetos de decoração, das
roupas, da arquitetura, dos carros. Se todos querem as coisas belas pagam
pelo belo e o obtém. Hesíodo, o poeta grego, conta que as musas diziam que
“o que é belo é caro, o que não é belo não é caro”. Talvez o valor neste caso
não fosse o da riqueza material apenas, mas também espiritual. Neste ponto,
o único sofrimento em relação ao alcance do belo é o do poder de compra de
cada um. Mas isso não reduz o sentido do que é realmente “belo” para cada
um de nós?