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ecologia y

A corrosão da Caatinga
Extração de madeira e uso da terra para
roças e pastagens reduzem biodiversidade
e transformam a paisagem do sertão

Carlos Fioravanti

D
urante três dias de sol forte, na segunda para cultivo agrícola ou pastagem. As saúvas
semana de março de 2018, uma equipe sobrepõem-se a outras espécies de formigas à
da Universidade Federal de Pernam- medida que a vegetação nativa é retirada.
buco (UFPE) cavou crateras na terra A proliferação dos ninhos de saúva evidencia o
seca de roças abandonadas no Parque Nacional empobrecimento da Caatinga causado pela retirada
do Catimbau, na região central de Pernambuco, lenta e contínua de árvores e de animais das matas.
para examinar o interior de ninhos de saúva. Por consistir na extração de pequenas porções de
Os pesquisadores viram que, em áreas de solo recursos naturais, esse processo escapa das imagens
raso como as que escavavam, as formigas guar- de satélite, mas, em silêncio, transforma a paisagem
davam matéria orgânica a até 3 metros (m) de do sertão nordestino e aumenta o risco de deser-
profundidade, dificultando o acesso das plantas tificação. Outro sinal visível da metamorfose é a
Ricardo Azoury / olhar imagem

a nutrientes e retardando a regeneração da vege- proliferação de plantas invasoras como a algaroba


tação original. Em outras expedições, já tinham (Prosopis juliflora), árvore nativa dos Andes usada
observado que a densidade das colônias de saúva para extração de madeira e alimentação do gado.
aumentava de duas por hectare (ha) nas áreas de As invasoras crescem com rapidez em ambientes
vegetação nativa para 15 por ha (1 ha corresponde mais abertos e tornam-se dominantes em roças ou
a 10 mil metros quadrados) nos trechos usados pastos abandonados.

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Retirada
de lenha no
interior de
Pernambuco

pESQUISA FAPESP 266  z  61


Situado no município de Buíque, com que priorizavam a produção de cana-de- de lenha foi de 606 quilogramas (kg) por
622 quilômetros quadrados (km2), o par- -açúcar. Como resultado de cinco séculos ano por pessoa, o que equivale a 10 ha por
que do Catumbi abriga cerca de 1.500 de exploração econômica, quase metade ano, somente para abastecer os fogões a
pessoas, que já viviam ali no momento (45%) da área original da Caatinga – 826 lenha. “Dentro do parque”, observa o bió-
de sua criação, em 2002. Os moradores mil km2, o equivalente a 11% do territó- logo Felipe Melo, professor da UFPE, “co-
usam as áreas de mata para plantar mi- rio nacional – já foi desmatada, como mo o governo impõe restrições ao uso da
lho e feijão, criar cabras, retirar madeira resultado principalmente da ação dos terra, as famílias são mais pobres e mais
para fazer cerca ou cozinhar e caçar para grandes produtores rurais. dependentes dos recursos naturais que
se alimentar. Ali, concluíram os pesqui- Na introdução ao livro Caatinga – The as de fora, mas também não conseguem
sadores da UFPE, as intervenções dos largest tropical dry forest region in South sair de lá porque não têm para onde ir”.
pequenos produtores rurais causaram America, publicado em 2017, Tabarelli, os Fora das áreas de proteção ambien-
a perda de pelo menos um terço da bio- biólogos Inara Leal, também da UFPE, e tal, há também a extração de lenha para
diversidade, principalmente de plantas. José Maria Cardoso, da Universidade de abastecer as empresas de produção de
“Não é um quadro isolado”, diz o Miami, nos Estados Unidos, observaram gesso, olarias, padarias e pizzarias. O
ecólogo Marcelo Tabarelli, da UFPE, que os moradores de comunidades ru- consumo doméstico e comercial implica
coordenador do grupo de pesquisa. “A rais da Caatinga dependem da vegetação uma perda estimada em 30 milhões de
trajetória da degradação, com a trans- nativa para sobreviver, o que causa uma metros cúbicos por ano de mata nativa,
formação da floresta em uma vegeta- lenta e contínua alteração do ambiente. segundo o Ministério do Meio Ambiente.
ção dominada por arbustos e depois por Segundo eles, somando a ação dos mora- A situação é similar na Mata Atlântica
herbáceas, ocorre em toda a Caatinga. dores do sertão com os grandes projetos no Nordeste. Um estudo de 2015 na Glo-
Quanto maior a pressão humana sobre de infraestrutura e a agricultura comer- bal Ecology and Conservation, com base
a vegetação nativa e quanto menos água, cial, pelo menos 63% da Caatinga já deve em 270 famílias de sete comunidades de
mais pobres serão o ambiente e as pes- ter sofrido os efeitos da ação humana. Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do
soas que vivem dele.” Das 89 famílias que vivem no parque Norte e Paraíba, registrou um consu-
A ação humana sobre a vegetação na- do Catimbau, 85% dependem da extração mo médio de 686 kg de lenha por ano
tiva do interior do Nordeste é antiga. No da madeira para cozinhar, de acordo com por pessoa, o que implicaria a retira-
século XVI, o sertão produzia carne e um levantamento de 2012 da bióloga da da de 2 mil ha de mata por ano nos 270
alimentos para os moradores do litoral, UFPE Laís Rodrigues. O consumo médio municípios da região com esse tipo de
vegetação. “Quanto menor a renda das
famílias, maior a dependência e a reti-
rada de lenha”, diz Melo. Florestas de
clima semiárido ou desértico da África
e da Índia que abrigam comunidades
humanas registram o mesmo fenômeno.

Menos espécies nativas


No Catimbau, espécies típicas como
aroeira (Myracrodruon urundeuva) e an-
gico-branco (Anadenanthera colubrina)
são as mais extraídas para construção
de cercas ou casas, de acordo com um
estudo de fevereiro deste ano na Envi-
ronmental Research Letters. Em Parna-
mirim, município pernambucano a 350
km a oeste do Catimbau, cujos 20 mil
moradores vivem da extração de madeira
e de plantas, os pesquisadores verifica-
ram que as espécies de árvores típicas
tendem a ser substituídas por outras, que
crescem com rapidez e suportam as al-
terações provocadas pelas roças e pastos
Mantidas em itinerantes, como marmeleiro-do-mato
cercados, (Croton sonderianus) e jurema-preta (Mi-
as cabras
alimentam-se
mosa tenuiflora). As cabras, por sua vez,
de plantas da comem os galhos de árvores com folhas
Caatinga, mais macias, deixando de lado arbustos
dificultando menores e plantas herbáceas com folhas
a regeneração
da vegetação
mais duras, que se tornam as predomi-
1 nantes em áreas de pastagens.

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Vista geral do Parque


Nacional do Catimbau (PE),
com áreas de roças Na Universidade Federal do Rio Gran- A integração entre a criação de cabras,
e pastos abandonados de do Norte (UFRN), a bióloga Gislene a agricultura e o plantio de espécies de
com solo exposto, em Ganade pode ter encontrado uma solu- árvores usadas como lenha é outra estra-
primeiro plano
ção para um antigo problema da recom- tégia cogitada para evitar a degradação
posição da Caatinga: as árvores plantadas ambiental e favorecer a renda dos proprie-
em campo dificilmente sobrevivem ao tários rurais. “Como não haveria recursos
Além da proliferação de saúvas, a ação clima seco, apesar de adaptadas a am- próprios para implementar os sistemas
humana altera as interações de outros gru- bientes inóspitos. Em seus experimentos, integrados do tipo lavoura-pecuária, a
pos de formigas e insetos com as plantas. árvores de 16 espécies foram inicialmen- participação dos órgãos governamentais
“Vimos que se perdem dois tipos de ser- te cultivadas em tubos plásticos até as é essencial, por meio de linhas de crédito
viço que as formigas prestam às plantas: raízes atingirem 1 m de comprimento. e do apoio a pesquisas”, diz o engenhei-
a proteção contra insetos herbívoros e a Depois, foram plantadas em uma cova ro-agrônomo Luiz Antonio Martinelli,
dispersão de sementes”, diz Inara. No pri- regada com 4 litros de água, na Flores- professor da Universidade de São Paulo.
meiro caso, segundo ela, por sofrerem mais ta Nacional de Assu, no Rio Grande do Políticas públicas já em vigor têm aju-
estresse em áreas mais abertas, as plantas Norte, em junho de 2016. dado a preservar a Caatinga, observa
acumulam menos néctar em seus nectários “Com água para abastecer as raízes, as Tabarelli, que desde 2012 percorre com
extraflorais, que atraem formigas. Por sua árvores mantiveram-se verdes por dois frequência o Catimbau. “Os programas
vez, as formigas se alimentam de insetos meses, mesmo na seca, e depois de oito de transferência de renda, principalmen-
herbívoros, que, sem elas, atacariam as meses, quando choveu, produziram fo- te a aposentadoria rural, desaceleraram
plantas. Com menos néctar e menos formi- lhas novas e frutos”, Gislene observou. a exploração da Caatinga e deixaram as
fotos 1 Inara Leal / UFPE 2 Katia Rito / UNAM

gas, as plantas tornam-se mais vulneráveis Segundo ela, um ano após o plantio, 75% famílias menos dependentes dos recur-
aos insetos herbívoros. No segundo caso, as das árvores tinham sobrevivido. Com sos naturais”, observa. “Em vez de caçar,
ações humanas causam uma redução das base nesse método, as equipes da UFRN os sertanejos podem comprar frango e,
populações e da atividade de espécies de e da UFPE pretendem recompor a vege- em vez de tirar lenha da mata, podem
formigas consideradas boas dispersoras tação do Catimbau. O plano é criar uma comprar gás para cozinhar.” n
de sementes, como a tocandira (Dinopo- área experimental de 5 ha com árvores
nera quadriceps). “Em consequência”, diz que possam servir para a produção de
Inara, “as sementes são dispersas em me- mel ou de alimento para os moradores As referências completas dos artigos e livros citados
nor quantidade e por menores distâncias.” do parque e para os animais de criação. estão na versão on-line desta reportagem.

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