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GREENBERG, D. - The Politics of American Science.

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O POSITIVISMO DE
PARSONS, T. - "Institutionalization of Scientific Investigation", In: Parsons, ÉMILE DURKHEIM
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SANT'ANNA - "A Política de Ciência no Brasil: uma Discussão", Estudos
Cebrap, n. 0 11, 1975.
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Technological Change, Londres, Penguin, 1971.
WEBER, M. - Ciência e Política: Duas Vocações, São Paulo, Cultrix, 1970.
atingir o real elucidando suas conexões e determinando suas
"leis" com graus de certeza crescentes.
Acreditamos encontrar nas obras de Émile Durkheim
"As Regras do Método Sociológico", o "Suicídio" momentos
privilegiados à análise dos aspectos mais relevantes dessa
questão já que se constituem os primeiros e mais consisten-
tes esforços de transpor uma orientação positivista já domi-
nante no campo das ciências não humanas para o âmbito
dos fenômenos sociais.
Examinaremos assim os pressupostos positivistas expres-
sos por Durkheim ao estabelecer as "regras do método so-
ciológico" que o autor pretende se constituam os passos a
serem percorridos na construção de um conhecimento obje-
tivo do social, decorrente do registro sistemático de suas
manifestações empíricas que conduziriam a "descoberta''
das relações regulares ou causais subjacentes. A natureza da
explicação nos termos em que é proposta seria determinada
pelo objeto decorrendo necessariamente das observações
acumuladas pelo sujeito. A teoria, consistindo no conjunto
de leis geradas por esta atividade de registrar dados é con-
siderada, por conseqüência, "produto final" e praticamente
destituída das funções de orientar o próprio processo de ges-
tação do conhecimento. Inexiste assim a concepção de uma
relação dialética entre teoria e pesquisa. A crença de que o
real é apreendido por observações registradas dentro dos pa-
râmetros de controle sistemático e neutralidade do sujeito

56 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PÁG. 41-56 1978 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978 57
empresta ao conhecimento assim obtido caráter de confia- Justifica a exterioridade ao afirmar que as formas cole-
bilidade e certeza. O próprio uso do termo lei indica nitida- tivas de comportamento antecedem e prosseguem aos indi-
mente uma vocação para o absoluto, em que as relações des- víduos, o que comprova portanto sua existência e autonomia
cobertas são apresentadas como verdadeiras e necessárias. às consciências e desejos individuais.
Pretendemos sobremaneira analisar criticamente até que A exterioridade se efetivaria também na pressão exerci-
ponto esta sedutora versão de um conhecimento positivo é da sobre os sujeitos de "fora para dentro" implicando no pro-
possível de efetivar-se. Para tanto confrontaremos os precei- cesso de interiorização ou individualização de formas específi-
tos metodológicos propostos por Durkheim com a forma co- cas de comportamentos que se tornam assim gerais.
mo ele os utiliza no estudo do Suicídio e com os resultados O autor recorre ao argumento da coercitividade presen-
ou leis a que chega. Esperamos neste confronto tornar mais te no processo de socialização para afirmar que o fato social
transparentes os vínculos entre teoria e pesquisa que, em "é geral porque é coletivo (isto é mais ou menos obrigatório)
última análise, envolvem toda uma gama de implicações epis- e está longe de ser coletivo por ser geral. Constitui um es-
temológicas mais gerais centradas na relação sujeito e obje- tado do grupo que se repete nos indivíduos porque se impõe
to no processo de conhecer. a eles" (Durkheim, 1974, pág. 7).
Durkheim preocupa-se em afirmar a existência real de
As Regras do Método Sociológico uma espécie de "consciência coletiva" distinta das "consciên-
cias individuais" e cujas manifestações podem ser captadas
A preocupação central de Durkheim é demonstrar que nas formas cristalizadas e relativamente permanentes dos
é possível um estudo objetivo dos fatos sociais, já que os mes- preceitos jurídicos, morais, etc., nas "correntes sociais" ou
mos preenchem as condições de observabilidade necessárias à seja, movimentos de opiniões e comportamentos menos con-
demarcação do conhecimento científico. Isto reflete bem o solidados e na base material da vida social tais como tecno-
axioma positivista de que "só o observável tem sentido para logia, formas de habitação, vias de comunicação, etc.
a ciência" pois os resultados produzidos, desde que se tome os É desta "entidade" consubstanciada e "isolada" através
mesmos pontos externos de referência, são necessariamente de taxas ou freqüência média de ocorrência de certos com-
os mesmos. Da objetividade derivaria a unicidade do conhe- portamentos dentro de grupos que o autor extrai todos os
cimento científico. elementos explicativos das regularidades encontradas já que
O autor inicia pois pela fixação do objeto de observação ela atuaria como força de pressão externa sobre as consciên-
da sociologia, caracterizando o que chama de fatos sociais co- cias individuais.
mo entidades reais, autônomas, passíveis de constatação em- Desse modo, excluindo a possibilidade de que as crenças,
pírica e não redutíveis a qualquer outra ordem de fatos, seja práticas e tendências de grupo tomadas coletivamente sejam
ela psíquica, orgânica ou física. determinadas por fatores psíquicos, orgânicos, físicos, etc.
Os fatos sociais podem ser captados concretamente nos Durkheim configura o objeto de investigação específico da
"modos de pensar, sentir e agir" que são regularmente adota- Sociologia.
dos pelos indivíduos em sociedade. A regularidade é não ape- O autor anuncia então as regras metodológicas de tra-
nas interpretada como sintoma de objetividade mas, principal- tamento deste objeto de modo a obter sobre o mesmo um co-
mente, como resultante de uma pressão exterior (coerção) nhecimento que se aproxime de todos os pressupostos posi-
que as formas coletivas de pensar, agir e sentir exercem so- tivistas que animavam a ciência àquela época.
bre os indivíduos. A regra que considera fundamental na observação dos
Toma assim como caracteres distintivos do fato social: fátos sociais é tmtá-los como caisas. Isto significa conside-
rá-los exteriores aos sujeitos, "dados" que só podem ser pe-
a) seu caráter de exterioridade em relação às consciên- netrados pela observação de suas manifestações, pela descri-
cias individuais; ção do que ocorre. Daí prescrever a suspensão de todas as
b) ação coercitiva que exerce ou é susceptível de exer- "pré-noções", que seriam "conceitos da coisa", constituídos
cer sobre os sujeitos. a partir da reflexão, dos sentimentos do sujeito e portanto

58 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PAG . 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PÃG . 57-82 1978 59
empresta ao conhecimento assim obtido caráter de confia- Justifica a exterioridade ao afirmar que as formas cole-
bilidade e certeza. O próprio uso do termo lei indica nitida- tivas de comportamento antecedem e prosseguem aos indi-
mente uma vocação para o absoluto, em que as relações des- víduos, o que comprova portanto sua existência e autonomia
cobertas são apresentadas como verdadeiras e necessárias. às consciências e desejos individuais.
Pretendemos sobremaneira analisar criticamente até que A exterioridade se efetivaria também na pressão exerci-
ponto esta sedutora versão de um conhecimento positivo é da sobre os sujeitos de "fora para dentro" implicando no pro-
possível de efetivar-se. Para tanto confrontaremos os precei- cesso de interiorização ou individualização de formas específi-
tos metodológicos propostos por Durkheim com a forma co- cas de comportamentos que se tornam assim gerais.
mo ele os utiliza no estudo do Suicídio e com os resultados O autor recorre ao argumento da coercitividade presen-
ou leis a que chega. Esperamos neste confronto tornar mais te no processo de socialização para afirmar que o fato social
transparentes os vínculos entre teoria e pesquisa que, em "é geral porque é coletivo (isto é mais ou menos obrigatório)
última análise, envolvem toda uma gama de implicações epis- e está longe de ser coletivo por ser geral. Constitui um es-
temológicas mais gerais centradas na relação sujeito e obje- tado do grupo que se repete nos indivíduos porque se impõe
to no processo de conhecer. a eles" (Durkheim, 1974, pág. 7).
Durkheim preocupa-se em afirmar a existência real de
As Regras do Método Sociológico uma espécie de "consciência coletiva" distinta das "consciên-
cias individuais" e cujas manifestações podem ser captadas
A preocupação central de Durkheim é demonstrar que nas formas cristalizadas e relativamente permanentes dos
é possível um estudo objetivo dos fatos sociais, já que os mes- preceitos jurídicos, morais, etc., nas "correntes sociais" ou
mos preenchem as condições de observabilidade necessárias à seja, movimentos de opiniões e comportamentos menos con-
demarcação do conhecimento científico. Isto reflete bem o solidados e na base material da vida social tais como tecno-
axioma positivista de que "só o observável tem sentido para logia, formas de habitação, vias de comunicação, etc.
a ciência" pois os resultados produzidos, desde que se tome os É desta "entidade" consubstanciada e "isolada" através
mesmos pontos externos de referência, são necessariamente de taxas ou freqüência média de ocorrência de certos com-
os mesmos. Da objetividade derivaria a unicidade do conhe- portamentos dentro de grupos que o autor extrai todos os
cimento científico. elementos explicativos das regularidades encontradas já que
O autor inicia pois pela fixação do objeto de observação ela atuaria como força de pressão externa sobre as consciên-
da sociologia, caracterizando o que chama de fatos sociais co- cias individuais.
mo entidades reais, autônomas, passíveis de constatação em- Desse modo, excluindo a possibilidade de que as crenças,
pírica e não redutíveis a qualquer outra ordem de fatos, seja práticas e tendências de grupo tomadas coletivamente sejam
ela psíquica, orgânica ou física. determinadas por fatores psíquicos, orgânicos, físicos, etc.
Os fatos sociais podem ser captados concretamente nos Durkheim configura o objeto de investigação específico da
"modos de pensar, sentir e agir" que são regularmente adota- Sociologia.
dos pelos indivíduos em sociedade. A regularidade é não ape- O autor anuncia então as regras metodológicas de tra-
nas interpretada como sintoma de objetividade mas, principal- tamento deste objeto de modo a obter sobre o mesmo um co-
mente, como resultante de uma pressão exterior (coerção) nhecimento que se aproxime de todos os pressupostos posi-
que as formas coletivas de pensar, agir e sentir exercem so- tivistas que animavam a ciência àquela época.
bre os indivíduos. A regra que considera fundamental na observação dos
Toma assim como caracteres distintivos do fato social: f~tos sociais é tratá-los como caisas. Isto significa conside-
rá-los exteriores aos sujeitos, "dados" que só podem ser pe-
a) seu cm·áter de exterioridade em relação às consciên- netrados pela observação de suas manifestações, pela descri-
cias individuais; ção do que ocorre. Daí prescrever a suspensão de todas as
b) ação coercitiva que exerce ou é susceptível de exer- "pré-noções", que seriam "conceitos da coisa", constituídos
cer sobre os sujeitos. a partir da reflexão, dos sentimentos do sujeito e portanto

58 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PAG . 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS, VOL . IX, N.0 s 1 e 2 PÃG . 57-82 1978 59
não refletindo a sua natureza. Como vemos, Durkheim se- Em se tratando de uma ciência do social, mais ainda o autor
para a "idéia" do objeto (coisa), mas admite que se a idéia julga necessário responder a questão: "de que adianta se
é imposta pela observação do objeto ela se identifica com o esforçar por conhecer o real, se o conhecimento adquirido
mesmo. Portanto os conceitos científicos deveriam ser sem- não nos pode servir em nada na vida prática?" (Durkheim
pre construídos a posteriori e nunca a priori ao processo de 1974, pág. 42.) Para Durkheim a questão comporta a delimi~
investigação para garantir assim sua adequação à natureza tação de fronteiras entre o normal e o patÕlógico e como
das "coisas". decorrência a distinção de formas de condutas desejáveis em
Em outras palavras, o que se prescreve é uma atitude oposição às não desejáveis. Para estabelecer tais distinções
de neutralidade do sujeito face ao "objeto de observação" sem incorrer em atitudes valorativas, e, portanto, subjetivas,
pois que apenas dele poderá vir a explicação de sua natureza. propõe critérios que derivando da própria natureza dos fa-
Como forma de excluir as "pré-noções" Durkheim pro- tos preencheriam assim o requisito de objetividade postulado
põe a "construção do objeto positivo da pesquisa" através da pela versão positivista da ciência.
fixação de um "conceito inicial" do que irá ser observado . Neste intuito é que toma como critério de normalidade
O conceito inicial tem por base o agrupamento ou classifi- o grau de generalidade de ocorrência de um fenômeno em
cação dos fatos por seus sinais exteriores mais evidentes. O uma espécie social dada. O tipo normal ou tipo médio pode-
ato de classificar, de categorizar, seria neste caso, para Dur- ria ser assim objetivamente construído pela computação
kheim, inteiramente determinado pelo objeto (pressuposto "dos caracteres mais freqüentes da espécie em sua forma ha-
positivista) e portanto distinto da classificação lógica em que bitual".
o sujeito toma por referência suas próprias idéias. O critério de normalidade social é portanto relativo, pois
Como exemplo de conceito inicial menciona o agrupa- se refere a regularidade de fenômenos não em abstrato mas
mento de todos os fatos que resultam em punição (sinal ex- considerando as espécies sociais ou tipos de sociedade nos
terior) como crime. Nesse caso todos os fatos incluídos na diferentes estádios de evolução em que se encontrem.
categoria "crime" deverão ser sistematicamente estudados Desse modo o crime é normal se considerarmos que ocor-
independente das variaç:es que apresentem quanto aos re com uma freqüência regular e específica em todos os ti-
graus ou modalidades de punição. A seleção antecipada de pos de sociedade. As variações das taxas de criminalidade
certos tipos de crime contrariaria a orientação positivista de são correlatas à transformação da própria natureza dos or-
que todo conhecimento é gerado do contacto com o objeto. ganismos sociais.
O preceito a ser seguido na seleção dos caracteres exteriores O passo seguinte é tentar demonstrar que à generalida-
é que sejam os mais objetivos dentre todos e portanto que de, que permite identificar o normal, corresponde a própria
permitam uma classificação correta, ou seja, não agrupar natureza dos fenômenos, ou seja, não é ocasional mas "se
coisas diferentes ou distinguir coisas semelhantes. prende às condições gerais da vida coletiva do tipo social con-
siderado". Em outras palavras, pretende apresentar o gerar
Para Durkheim a classificação preliminar dos fenômenos como o necessário. Na explicação da generalidade transpira a
por suas características superficiais é necessária à realização tendência determinista e funcionalista do autor: "seria inex·
das observações que permitem atingir as causas mais pro- plicável que certos caracteres se possam generalizar em um.a
fundas que lhes são subjacentes e que lhes explicam a exis- espécie, caso não fossem pelo menos em seu conjunto os ma1s
tência. Os caracteres exteriores considerados não acidentais vantajosos e produzissem nos indivíduos meios de resistir me-
devem ser para o cientista elos que permitam desvendar as lhor às causas da destruição" (Durkheim, cap. I, 1974) . O
propriedades fundamentais dos fatos. pressuposto evolucionista da seleção natural, ou seja, da per-
Ao estabelecer as regras relativas à distinção entre o manência das formas superiores e eliminação dos inferiores
normal e o "patológico", Durkheim tenta conciliar o ideal é manipulado para justificar a defesa da "normalidade".
cognitivo da "ciência pura" com o ideal pragmático, ou se- Nos casos de transição social, em que "um aspecto so-
ja, de aplicação do conhecimento sociológico na planificação cial não cumpriu sua evolução integral" a verificação da nor-
de conduta humana tendo em vista atingir fins desejáveis. malidade seria indispensável pois poderia ocorrer que um fa-

60 REV. DE C. SOCIAIS, VOL IX, N.0 s 1 e 2 PÁG. 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978 61
não refletindo a sua natureza. Como vemos, Durkheim se- Em se tratando de uma ciência do social, mais ainda o autor
para a "idéia" do objeto (coisa), mas admite que se a idéia julga necessário responder a questão: "de que adianta se
é imposta pela observação do objeto ela se identifica com o esforçar por conhecer o real, se o conhecimento adquirido
mesmo. Portanto os conceitos científicos deveriam ser sem- não nos pode servir em nada na vida prática?" (Durkheim
pre construídos a posteriori e nunca a priori ao processo de 1974, pág. 42.) Para Durkheim a questão comporta a delimi~
investigação para garantir assim sua adequação à natureza tação de fronteiras entre o normal e o patÕlógico e como
das "coisas". decorrência a distinção de formas de condutas desejáveis em
Em outras palavras, o que se prescreve é uma atitude oposição às não desejá veis. Para estabelecer tais distinções
de neutralidade do sujeito face ao "objeto de observação" sem incorrer em atitudes valorativas, e, portanto, subjetivas,
pois que apenas dele poderá vir a explicação de sua natureza. propõe critérios que derivando da própria natureza dos fa-
Como forma de excluir as "pré-noções" Durkheim pro- tos preencheriam assim o requisito de objetividade postulado
põe a "construção do objeto positivo da pesquisa" através da pela versão positivista da ciência.
fixação de um "conceito inicial" do que irá ser observado. Neste intuito é que toma como critério de normalidade
O conceito inicial tem por base o agrupamento ou classifi- o grau de generalidade de ocorrência de um fenômeno em
cação dos fatos por seus sinais exteriores mais evidentes. O uma espécie social dada. O tipo normal ou tipo médio pode-
ato de classificar, de categorizar, seria neste caso, para Dur- ria ser assim objetivamente construído pela computação
kheim, inteiramente determinado pelo objeto (pressuposto "dos caracteres mais freqüentes da espécie em sua forma ha-
positivista) e portanto distinto da classificação lógica em que bitual".
o sujeito toma por referência suas próprias idéias. O critério de normalidade social é portanto relativo, pois
Como exemplo de conceito inicial menciona o agrupa- se refere a regularidade de fenômenos não em abstrato mas
mento de todos os fatos que resultam em punição (sinal ex- considerando as espécies sociais ou tipos de sociedade nos
terior) como crime. Nesse caso todos os fatos incluídos na diferentes estádios de evolução em que se encontrem.
categoria "crime" deverão ser sistematicamente estudados Desse modo o crime é normal se considerarmos que ocor-
independente das variaç~es que apresentem quanto aos re com uma freqüência regular e específica em todos os ti-
graus ou modalidades de punição. A seleção antecipada de pos de sociedade. As variações das taxas de criminalidade
certos tipos de crime contrariaria a orientação positivista de são correlatas à transformação da própria natureza dos or-
que todo conhecimento é gerado do contacto com o objeto. ganismos sociais.
O preceito a ser seguido na seleção dos caracteres exteriores O passo seguinte é tentar demonstrar que à generalida-
é que sejam os mais objetivos dentre todos e portanto que de, que permite identificar o normal, corresponde a própria
permitam uma classificação correta, ou seja, não agrupar natureza dos fenômenos, ou seja, não é ocasional mas "se
coisas diferentes ou distinguir coisas semelhantes. prende às condições gerais da vida coletiva do tipo social con-
siderado". Em outras palavras, pretende apresentar o gerar
Para Durkheim a classificação preliminar dos fenômenos como o necessário. Na explicação da generalidade transpira a
por suas características superficiais é necessária à realização tendência determinista e funcionalista do autor: "seria inex-
das observações que permitem atingir as causas mais pro- plicável que certos caracteres se possam generalizar em um_a
fundas que lhes são subjacentes e que lhes explicam a exis- espécie, caso não fossem pelo menos em seu conjunto os ma1s
tência. Os caracteres exteriores considerados não acidentais vantajosos e produzissem nos indivíduos meios de resistir me-
devem ser para o cientista elos que permitam desvendar as lhor às causas da destruição" (Durkheim, cap. I, 1974) . O
propriedades fundamentais dos fatos. pressuposto evolucionista da seleção natural, ou seja, da per-
Ao estabelecer as regras relativas à distinção entre o manência das formas superiores e eliminação dos inferiores
normal e o "patológico", Durkheim tenta conciliar o ideal é manipulado para justificar a defesa da "normalidade".
cognitivo da "ciência pura" com o ideal pragmático, ou se- Nos casos de transição social, em que "um aspecto so-
ja, de aplicação do conhecimento sociológico na planificação cial não cumpriu sua evolução integral" a verificação da nor-
de conduta humana tendo em vista atingir fins desejáveis. malidade seria indispensável pois poderia ocorrer que um fa-

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to fosse geral por ser herança de um tipo social passado sem reconhecimento prévio de que é ou não essencial sem que se
que correspondesse às exigências da situação atual. Neste incorresse em subj etivismos.
caso, mesmo sendo geral, o fato apenas teria aparência de A solução sugerida é a análise das sociedades do ponto
normalidade. de vista de sua composição, ou "morfologia". Ao propor a
Desse modo, explicando a generalidade por causas su- decomposição do todo, apóia-se no pressuposto estruturalis-
postamente naturais, Durkheim supõe ter enquadrado "o ta de que a natureza do produto depende da natureza, nú-
desejável" em termos do que "é observável" e portanto man- mero e organização dos elementos que compõem. Desse mo-
tendo-se objetivo ao propor esquemas de ação que permitam do a classificação seria feita através da identificação do mais
aos homens de Estado "manter o estado normal", restabele- primitivo e simples elemento, do átomo . a que em última
cendo-o quando está perturbado pelo reencontro de suas con- análise seriam redutíveis todas as sociedades. A linha clas-
dições de equilíbrio. sificatória se aproxima assim do evolucionismo de Spencer
As Regras, Relativas à Constituição dos Tipos Sociais, em que os tipos sociais se tornam mais complexos à medida
já implícitas na forma de distinguir o normal do patológico, que cresce o número de elementos componentes a serem
reforçam a posição do autor de, através de fatos devidamen- articulados.
te observados, agrupados e catalogados sob o critério de se- A horda é tomada como átomo social ou unidade mais
melhanças e diferenças (tipos sociais), chegar a descobrir simples. Considerando que toma como critério de primiti-
relações relativamente invariantes (leis) a serem enfeixados vismo o número de componentes de uma estrutura e sua di-
em teorias. ferenciação interna, a horda refere-se à sociedade que se
"constitui de um único segmento, sem que contenha, no in-
O conceito de espécie social é análogo ao de espécie bio- terior do grupo total, grupos especiais, e não apresenta ne-
lógica pois que resulta do agrupamento das unidades obser- nhum traço de segmentação anterior".
vadas, no caso sociedades, a partir das características estru- O autor admite a inexistência histórica de sociedades do
turais comuns que apresentem. tipo horda, mas vê nas sociedades clânicas uma repetição de
Considerando a espécie social como o resumo das uni- hordas justapostas, que por sua vez dariam origem às so-
dades com constatadas semelhanças, reconhece a impossi- ciedades polissegmentárias ~imples às polissegmentárias\
bilidade de um inventário completo de todos os casos indi- compostas, até os exemplos mais evoluídos das sociedades in-
viduais para a Constituição das espécies. dustriais.
As críticas ao método indutivo que envolveria na passa- Sem pretender ter chegado a uma classificação comple-
gem do nível do particular ao nível de generalizações o erro ta da escala tipológica social, Durkheim enuncia o princípio
lógico da regressão ao infinito, Durkheim responde que tais de que a espécie mais complexa resulta sempre do processo
dificuldades pod.e m ser contornadas pela substituição dos de evolução do tipo que a antecede.
"fatos vulgares que não são demonstrativos senão quando Constituídos os tipos, poder-se-ia distinguir variedades
muito numerosos", por critérios de seleção que referindo-se em cada um deles, verificando até que ponto a composição
a características essenciais dos fatos dispensam o levanta- ~r~mitiva não afeta mais a organização administrativa e po-
mento exaustivo de dados. lltlca da sociedade resultante. (Durkheim, 1974, pág. 74) .
Somente deste modo a classificação atingiria os objeti- _ Todos os procedimentos e regras fixados para delimita-
vos de simplificar o trabalho científico substituindo a multi- çao, observação e classificação do objeto do estudo apenas
plicidade infinita de fatos por um número reduzido de tipos, preparam o caminho para o que, segundo Durklleim, com-
dando pontos de referência que permitam a classificação de pete realmente à sociologia, como ciência, a explicação dos
outros caracteres além daqueles que lhe servem de base e tatos sociais.
possibilitando novas descobertas. A explicação sociológica abrange a identificação das cau-
O problema que se coloca, porém, é como selecionar tais sas e funções dos fatos sociais. O autor deixa claro que mos-
critérios se, segundo Durkheim,- no início da pesquisa t em-se trar para que servem os fenômenos sociais, ou seja, quais as
apenas dados cuja natureza desconhecida não permitiria um suas funções, não é suficiente para explicar-lhes a natureza,

62 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PAG . 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PAG . 57-82 1978 63
to fosse geral por ser h erança de um t i po social passado sem reconhecimento prévio de que é ou não essencial sem que se
que correspondesse às exigências da situação atual. Neste incorresse em subjetivismos .
caso, mesmo sendo geral, o fato apenas teria aparência de A solução sugerida é a análise das sociedades do ponto
n ormalidade. de vista de sua composição, ou "morfologia " . Ao propor a
Desse modo, explicando a generalidade por causas su- decomposição do todo, apóia-se no pressuposto estrut uralis-
postamente nat urais, Durkh eim supõe ter enquadrado "o ta de que a natureza do produto depende da n atureza, nú-
desejável" em termos do que "é observável" e portanto man- mero e organização dos element os que compõem. Desse mo-
t endo-se objetivo ao propor esquemas de ação que permitam do a classificação seria feita através da identificação do mais
a os homens de Estado "manter o estado normal", restabele- primitivo e simples elemento, do á tomo . a que em últim a
cen do-o quando está perturbado pelo reencontro de suas con- análise seriam redutíveis todas as sociedades. A linha clas-
dições de equilíbrio. sificatória se aproxima assim do evolucionismo de Spencer
As Regras, Relativas à Constituição dos Tipos Sociais, em que os tipos sociais se tornam mais complexos à medida
já implícitas na forma de distinguir o normal do patológico, que cresce o número de elementos componentes a serem
reforçam a posição do autor de, através de fatos devidamen- articulados.
t e observados, agrupados e catalogados sob o critério de se- A horda é tomada como átomo social ou unidade mais
melhan ças e diferenças (tipos sociais), chegar a descobrir simples. Considerando que toma como critério de primiti-
relações relativamente invariantes (leis) a serem enfeixado~3 vismo o número de componentes de uma estrutura e sua di-
em teorias . ferenciação interna, a horda refere-se à sociedade que se
"constitui de um único segmento, sem que contenha, no in-
O conceito de espécie social é análogo ao de espécie bio - terior do grupo total, grupos especiais, e não apresenta ne-
lógi ca pois que result a do agrupamen to das unidades obser- nhum traço de segmentação anterior".
vadas, n o caso sociedades, a partir das características estru- O autor admite a inexistência histórica de sociedades do
turais comuns que apresentem . tipo horda, mas vê nas sociedades clânicas uma repetição de
Considerando a espécie social como o resumo das uni- hordas justapostas, que por sua vez dariam origem às so-
dades com constatadas semelhanças, recon hece a impossi- ciedades polissegmentárias simples às polissegmentárias\
bilidade de um inventário completo de todos os casos indi- compostas, até os exemplos mais evoluídos das sociedades in-
viduais pa ra a Constituição das espécies. dustriais.
As críticas ao método indutivo que envolveria na passa- Sem pretender ter chegado a uma classificação comple-
gem do nível do particular ao nível de generalizações o erro ta da escala tipológica social, Durkheim enuncia o princípio
lógico da regressão ao in finito, Durkheim responde que tais de que a espécie mais complexa resulta sempre do processo
dificuldades pod.e m ser contorn adas pela substituição dos de evolução do tipo que a antecede.
"fat os vulgares que não são demonstrativ-os sen ão quando Constituídos os tipos, poder-se-ia distinguir variedades
muito numerosos", por critérios de seleção que r eferindo-se em cada um deles, verificando até que ponto a composição
a características essenciais dos fatos dispen sam o levanta- ~r~mitiva não afeta mais a organização administrativa e po-
mento exaustivo de dados . lltiCa da sociedade resultante . (Durkheim, 1974, pág. 74) .
Somente deste m odo a classificação atin giria os objeti- _ Todos os procedimentos e regras fixados para delimita-
vos de simplificar o trabalho científico substituindo a multi- çao, observação e classificação do objeto do estudo apen as
plicidade infinita de fatos por um número reduzido de tipos, preparam o caminho para o que, segundo Durklleim, com-
dando pontos de referência que permitam a classificação de pete realmente à sociologia, como ciência, a explicação dos
outros caracteres além daqu eles que lhe servem de base e tatos sociais.
possibilitando novas descobertas . A explicação sociológica abrange a identificação das cau-
O problema que se coloca, porém, é como selecionar tais sas e funções dos fatos sociais. O autor deixa claro que mos-
critérios se, segundo Durkheim,- no início da pesquisa t em-se trar para que servem os fenômenos sociais, ou sej a, quais as
apenas dados cuja n at u reza descon hecida não permitiria um suas funções, não é suficiente para explicar-lhes a natureza,

62 REV. DE C. SOCIA IS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PAG . 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978 63
nem o porquê de sua existência. As causas, ou seja, os fato- consiste no fato mesmo da associação, tais fenômenos devem
res dos quais depende a ocorrência dos fatos, não se confun- variar de acordo com as formas de associação, isto é, segundo
dem com a utilidade que porventura tenham. a maneira como se agrupam as partes constituintes da Socie-
Os fatos sociais, tais como quaisquer outros fatos natu- dade" (Durkheim, 1974, pág. 98) .
rais, não encontram explicação no âmbito dos desejos e das Daí a sua afirmação de que "a origem primeira de t odo
necessidades humanas já que sua existência é determinada processo social deve ser buscada na constituição do meio
por fatores externos aos sujeitos e que somente a investiga- social interno" (Durkheim, 1974, pág. 98) . Este meio s~cwl
ção rigorosa permitirá identificar. interno se constitui de duas espécies de elementos: coisas,
A pesquisa social para o autor deverá orientar-se no sen- objetos materiais utilizados, o direito constituído, usos esta-
tido de responder as seguintes questões: belecidos, monumentos literários, artísticos, etc. e pessoas.
Mas como julga que as transformações sociais são aciona-
a) Qual a causa eficiente que produz o fato social? das pelas pessoas, é no meio humano, que recomenda sejam
b) Qual a função que desempenha? concentrados os esforços para detectar quais diferentes pro-
priedades do meio social são suscetíveis de atuar sobre o cur-
A noção de causalidade é relacionada com a regularida- so dos fenômenos sociais. O autor cita inclusive duas ordens
de com que o fenômeno se reproduz dadas as mesmas cir- de propriedades que admite tenham este caráter determinan-
cunstâncias. É no quadro circunstancial que envolve a sua te na configuração dos fenômenos sociais:
ocorrência que a causa deve ser procurada. Durkheim ex-
plicita porém que, se um fenômeno é de natureza sociológi- a) O número de unidades sociais que compõem a so-
ca, a causa que o determina deverá necessariamente ser da ciedade, ou seja, o volume social.
mesma natureza, ou seja, social, sendo portanto falsas todas b) A intensidade dinâmica que abrange o grau de in-
as explicações de caráter psicológico, biológico, geográfico, teração e estreitamento moral que se estabelece en-
etc. Durkheim delimit a assim o ângulo sociológico de inves- tre os indivíduos. Admitindo uma relação relativa-
tigação da causalidade ~ue abrangeria todos os fatores que mente constante entre densidade material (que in-
compõem o ambiente ou meio social. clui não apenas número de habitantes por superfí-
As emoções, as representações e tendências coletivas, etc., cie, mas as diversas vias de comunicação social) e
não podem ser reduzidas às consciências individuais, pois em- densidade dinâmica propõe o seguinte princípio:
bora o coletivo não exista no vácuo, ou seja, sem a presença "todo acréscimo no volume e na densidade dinâmi-
dos indivíduos, não se pode deduzir daí que "o todo é a me- ca das sociedades, tornando a vida social mais in-
ra soma das partes" e portanto por elas explicável. O cami- tensa, estendendo o horizonte que cada indivíduo
nho da explicação sociológica é para Durkheim exatamente abarca com o pensamento e enche com sua ação,
inverso: é pelo fato de pertencer a um certo ambiente social, modifica profundamente as condições fundamentais
que lhes é portanto exterior, que as consciências individuais da existência coletiva" (Durkheim, 1974, pág. 100) .
praticamente reproduzem os "modelos coletivos".
A explicação é complementada pela localização da jun- Nas Regras Relativas à Administração da Prova o autor
ção que o fato social em questão desempenha, ou seja, como estabelece o método para demonstrar empiricamente a rela-
contribui para manter a harmonia do sistema mais amplo ção de causalidade entre fatos sociais. Em termos empíricos
em que se insere. Segundo Durkheim, a permanência de um a relação de causalidade entre dois fenômenos reduz-se à cons-
fenômeno social depende de sua funcionalidade dentro do tatação de que a presença de uma (causa) condiciona a ocor-
sistema, embora admita que possa ocorrer a sobrevivência rência do outro (efeito), do que decorre a exigência de ob-
de certos fatos que perderam suas funções. servações comparativas entre a forma como os fenômenos
O autor enfatiza a importância do que chama fatos da reagem entre si.
morfologia social para a explicação sociológica já que admi- Durkheim admite que o método de experimentação em
te que ''se a condição determinante dos fenômenos sociais que o pesquisador produz artificialmente os fenômenos a se-
64 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2. PÁG . 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PAG . 57-82 1978 65
nem o porquê de sua existência. As causas, ou seja, os fato- consiste no fato mesmo da associação, tais fenômenos devem
res dos quais depende a ocorrência dos fatos, não se confun- variar de acordo com as formas de associação, isto é, segundo
dem com a utilidade que porventura tenham. a maneira como se agrupam as partes constituintes da Socie-
Os fatos sociais, tais como quaisquer outros fatos natu- dade" (Durkheim, 1974, pág. 98) .
rais, não encontram explicação no âmbito dos desejos e das Daí a sua afirmação de que "a origem primeira de t odo
necessidades humanas já que sua existência é determinada processo social deve ser buscada na constituição do meio
por fatores externos aos sujeitos e que somente a investiga- social interno" (Durkheim, 1974, pág. 98) . Este meio S()cial
ção rigorosa permitirá identificar. interno se constitui de duas espécies de elementos: coisas,
A pesquisa social para o autor deverá orientar-se no sen- objetos materiais utilizados, o direito constituído, usos esta-
tido de responder as seguintes questões: belecidos, monumentos literários, artísticos, etc. e pessoas.
Mas como julga que as transformações sociais são aciona-
a) Qual a causa eficiente que produz o fato social? das pelas pessoas, é no meio humano, que recomenda sejam
b) Qual a função que desempenha? concentrados os esforços para detectar quais diferentes pro-
priedades do meio social são suscetíveis de atuar sobre o cur-
A noção de causalidade é relacionada com a regularida- so dos fenômenos sociais. O autor cita inclusive duas ordens
de com que o fenômeno se reproduz dadas as mesmas cir- de propriedades que admite tenham este caráter determinan-
cunstâncias. É no quadro circunstancial que envolve a sua te na configuração dos fenômenos sociais:
ocorrência que a causa deve ser procurada. Durkheim ex-
plícita porém que, se um fenômeno é de natureza sociológi- a) O número de unidades sociais que compõem a so-
ca, a causa que o determina deverá necessariamente ser da ciedade, ou seja, o volume social.
mesma natureza, ou seja, social, sendo portanto falsas todas b) A intensidade dinâmica que abrange o grau de in-
as explicações de caráter psicológico, biológico, geográfico, teração e estreitamento moral que se estabelece en-
etc. Durkheim delimita assim o ângulo sociológico de inves- tre os indivíduos. Admitindo uma relação relativa-
tigação da causalidade !.: ue abrangeria todos os fatores que mente constante entre densidade material (que in-
compõem o ambiente ou meio social. clui não apenas número de habitantes por superfí-
As emoções, as representações e tendências coletivas, etc., cie, mas as diversas vias de comunicação social) e
não podem ser reduzidas às consciências individuais, pois em- densidade dinâmica propõe o seguinte princípio:
bora o coletivo não exista no vácuo, ou seja, sem a presença "todo acréscimo no volume e na densidade dinâmi-
dos indivíduos, não se pode deduzir daí que "o todo é a me- ca das sociedades, tornando a vida social mais in-
ra soma das partes" e portanto por elas explicável. O cami- tensa, estendendo o horizonte que cada indivíduo
nho da explicação sociológica é para Durkheim exatamente abarca com o pensamento e enche com sua ação,
inverso: é pelo fato de pertencer a um certo ambiente social, modifica profundamente as condições fundamentais
que lhes é portanto exterior, que as consciências individuais da existência coletiva" (Durkheim, 1974, pág. 100) .
praticamente reproduzem os "modelos coletivos".
A explicação é complementada pela localização da fun- Nas Regras Relativas à Administmção da Prova o autor
ção que o fato social em questão desempenha, ou seja, como estabele<!e o método para demonstrar empiricamente a rela-
contribui para manter a harmonia do sistema mais amplo ção de causalidade entre fatos sociais. Em termos empíricos
em que se insere. Segundo Durkheim, a permanência de um a relação de causalidade entre dois fenômenos reduz-se à cons-
fenômeno social depende de sua funcionalidade dentro do tatação de que a presença de uma (causa) condiciona a ocor-
sistema, embora admita que possa ocorrer a sobrevivência rência do outro (efeito), do que decorre a exigência de ob-
de certos fatos que perderam suas funções. servações comparativas entre a forma como os fenômenos
O autor enfatiza a importância do que chama fatos da reagem entre si.
morfologia social para a explicação sociológica já que admi- Durkheim admite que o método de experimentação em
te que ''se a condição determinante dos fenômenos sociais que o pesquisador produz artificialmente os fenômenos a se-
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rem estudados é inviável para a sociologia, restando-lhe ape-
nas o caminho que denÕmina, "experimentação indireta", cisão. No entanto fixa procedimentos que visam "corrigir a
"método comparativo" ou mais especificamente das "varia- subjetividade" dessa decisão que são:
ções concomitantes".
a) Procurar com o auxílio da dedução saber como um
Isto significa que a "lei de causalidade" seria demons-
trada na constatação de que dois fenômenos variam regu- dos dois termos pode produzir o outro;
b) Verificar o resultado desta dedução como auxílio
larmente em uma determinada direção.
de experiências ou seja novas comparações.
Considerando que, para Durkheim, as manifestações em-
píricas expressam a "natureza das coisas", se há uma corre- Se a dedução é possível e confirmada pelos fatos, a lei
lação na forma como dois fenômenos se desenvolvem empi- de causalidade está provada. No caso de não se perceber ne-
ricamente, isto significa que suas naturezas estão também nhuma "relação lógica" dedutível dos fatos correlacionados
conectadas, ou seja, um depende do outro. empiricamente ter-se-á que procurar um terceiro fator que
Deslocando a noção de causalidade para o plano do cons- funcione como explicação causal da regularidade. As regras
tatável empiricamente, o autor tenta descartá-la das proprie- do método conferem com a concepção positivista da ciência
dades de "construção lógica" do sujeito que perturbariam o de que toda regularidade tem uma causa e que a tarefa do
caráter absoluto das "leis" estabelecidas. O axioma da plu- cientista é descobrir a peça que se encaixa no lugar que lhe
ralidade causal ou seja que "talvez um mesmo conseqüente é reservado no "quebra-cabeça".
não resulte sempre de um mesmo antecedente", admitido por Durkheim afirma que o método das variações concomi-
Stuart Mill, é veementemente negado por Durkheim pois neste tantes aplicado à sociologia supre a ausência de outros mé-
caso as "leis causais" fixadas pela ciência seriam abaladas em todos dada a imensa gama de variações dos fatos sociais sus-
sua feição determinista. Se uma causa relaciona-se apenas a ceptíveis de comparação, além de oferecer a vantagem de
um efeito e vice-versa, a tarefa científica de descobrir tais prescindir de um número ilimitado de casos para que se che-
relações torna-se mais simples, pois é possível partir de um gue às leis ou generalizações. "Desde que se provou que, num
ou de outro ponto para chegar às mesmas conclusões, já que certo número de casos, dois fenômenos variam um e outro,
um conduz necessariamente ao outro, sem o perigo de "des- da mesma maneira, pode-se ter certeza de estar na presença
vios" neste percurso imposto pelas evidências concretas. A de uma lei" (Durkheim, 1974, pág. 117). No entanto acres-
pluralidade de causas assim como a unidade exterior dos centa que o método só produz resultado, se aplicado com ri-
efeitos são sempre aparentes, e, segundo Durkheim, não re- gor, ou seja, de forma a demonstrar as variações de dois fe-
sistem a observações metódicas. Entre vários exemplos cita nômenos em uma seqüência regular e contínua de seu de-
o crime (efeito) a que o senso comum atribui diferentes cau- senvolvimento tomando-se, para tanto, número razoável de
sas que na verdade se reduziriam a uma única: o desrespei- dados. O modo de construir as séries estatísticas varia se-
to aos valores e normas do grupo. gundo os fenômenos que se pretende analisar, podendo os
O próprio autor reconhece porém que as leis elaboradas dados serem extraídos de uma única sociedade, de muitas
pelo método das variações concomitantes não indicam sem- sociedades da mesma espécie ou de espécies sociais distintas.
pre causalidade, ou seja, pode ocorrer que os dois fenômenos Nos casos de "correntes sociais" que induzem a taxas
sejam efeitos de uma mesma causa ou ainda que exista en- específicas de suicídios, desquites, crimes, etc., o autor afir-
tre eles um terceiro fator que é efeito do primeiro e causa do ma que, desde que se disponha de número suficiente de da-
segundo. dos estatísticos, é possível restringir a pesquisa apenas a
Desse modo como decidir "objetivamente" quando uma comparações das variações dos fenômenos nos vários meios
série de variações concomitantes indica ou não relação de especiais que compõem a sociedade: região, profissão, idade,
causalidade? Neste ponto torna-se impossível ao próprio au- sexo, etc. Quando se trata ·de instituições ou normas que
tor deixar de reconhecer que somente a interpretação dos agem quase uniformemente sobre toda a extensão de uma
resultados elaborados pelo sujeito permite tal ordem de de- sociedade, tais como as que regulam o casamento, devem ser
incluídas comparações sobre a forma como se desenvolveram
66 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PÁG. 57-82 1978
REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978 67
rem estudados é inviável para a sociologia, restando-lhe ape-
nas o caminho que denÕmina, "experimentação indireta", cisão. No entanto fixa procedimentos que visam "corrigir a
"método comparativo" ou mais especificamente das "varia- subjetividade" dessa decisão que são:
ções concomitantes".
a) Procurar com o auxílio da dedução saber como um
Isto significa que a "lei de causalidade" seria demons-
trada na constatação de que dois fenômenos variam regu- dos dois termos pode produzir o outro;
larmente em uma determinada direção. b) Verificar o resultado desta dedução como auxílio
de experiências ou seja novas comparações .
Considerando que, para Durkheim, as manifestações em-
píricas expressam a "natureza das coisas", se há uma corre- Se a dedução é possível e confirmada pelos fatos, a lei
lação na forma como dois fenômenos se desenvolvem empi- de causalidade está provada. No caso de não se perceber ne-
ricamente, isto significa que suas naturezas estão também nhuma "relação lógica" dedutível dos fatos correlacionados
conectadas, ou seja, um depende do outro. empiricamente ter-se-á que procurar um terceiro fator que
Deslocando a noção de causalidade para o plano do cons- funcione como explicação causal da regularidade. As regras
tatável empiricamente, o autor tenta descartá-la das proprie- do método conferem com a concepção positivista da ciência
dades de "construção lógica" do sujeito que perturbariam o de que toda regularidade tem uma causa e que a tarefa do
caráter absoluto das "leis" estabelecidas. O axioma da plu- cientista é descobrir a peça que se encaixa no lugar que lhe
ralidade causal ou seja que "talvez um mesmo conseqüente é reservado no "quebra-cabeça".
não resulte sempre de um mesmo antecedente", admitido por Durkheim afirma que o método das variações concomi-
Stuart Mill, é veementemente negado por Durkheim pois neste tantes aplicado à sociologia supre a ausência de outros mé-
caso as "leis causais" fixadas pela ciência seriam abaladas em todos dada a imensa gama de variações dos fatos sociais sus-
sua feição determinista. Se uma causa relaciona-se apenas a ceptíveis de comparação, além de oferecer a vantagem de
um efeito e vice-versa, a tarefa científica de descobrir tais prescindir de um número ilimitado de casos para que se che-
relações torna-se mais simples, pois é possível partir de um gue às leis ou generalizações. "Desde que se provou que, num
ou de outro ponto para chegar às mesmas conclusões, já que certo número de casos, dois fenômenos variam um e outro,
um conduz necessariamente ao outro, sem o perigo de "des- da mesma maneira, pode-se ter certeza de estar na presença
vios" neste percurso imposto pelas evidências concretas. A de uma lei" (Durkheim, 1974, pág. 117). No entanto acres-
pluralidade de causas assim como a unidade exterior dos centa que o método só produz resultado, se aplicado com ri-
efeitos são sempre aparentes, e, segundo Durkheim, não re- gor, ou seja, de forma a demonstrar as variações de dois fe-
sistem a observações metódicas. Entre vários exemplos cita nômenos em uma seqüência regular e contínua de seu de-
o crime (efeito) a que o senso comum atribui diferentes cau- senvolvimento tomando-se, para tanto, número razoável de
sas que na verdade se reduziriam a uma única: o desrespei- dados. O modo de construir as séries estatísticas varia se-
to aos valores e n01·mas do grupo. gundo os fenômenos que se pretende analisar, podendo os
O próprio autor reconhece porém que as leis elaboradas dados serem extraídos de uma única sociedade, de muitas
pelo método das variações concomitantes não indicam sem- sociedades da mesma espécie ou de espécies sociais distintas.
pre causalidade, ou seja, pode ocorrer que os dois fenômenos Nos casos de "correntes sociais" que induzem a taxas
sejam efeitos de uma mesma causa ou ainda que exista en- específicas de suicídios, desquites, crimes, etc., o autor afir-
tre eles um terceiro fator que é efeito do primeiro e causa do ma que, desde que se disponha de número suficiente de da-
segundo. dos estatísticos, é possível restringir a pesquisa apenas a
Desse modo como decidir "objetivamente" quando uma comparações das variações dos fenômenos nos vários meios
série de variações concomitantes indica ou não relação de especiais que compõem a sociedade: região, profissão, idade,
causalidade? Neste ponto torna-se impossível ao próprio au- sexo, etc. Quando se trata de instituições ou normas que
tor deixar de reconhecer que somente a interpretação dos agem quase uniformemente sobre toda a extensão de uma
resultados elaborados pelo sujeito permite tal ordem de de- sociedade, tais como as que regulam o casamento, devem ser
incluídas comparações sobre a forma como se desenvolveram
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nas vànas espec1es de sociedades e nos vários estádios de permanecendo quase inalterável durante longo período de
sua evolução, -de modo a captar em razão de quais fatores tempo. Esta tendência coletiva ou taxa social de suzcídios de
tendem a variar . uma sociedade pode ser medida e representada numerica-
A análise das "Regras do Método Sociológico" não deixa mente tomando-se a relação entre o número global de mortos
dúvidas sobre a orientação positivista de Durkheim presente voluntários e a população global.
na ênfase de engendrar um conhecimento sociológico cien- Durkheim utiliza o raciocínio por exclusão para de-
tífico tendo por critério de cientificidade a objetividade que monstrar que tal regularidade apenas é explicável por fato-
pretende possível ser atingida. O método que prescreve é, res sociais, ou seja, decorrentes da natureza e organização do
em todas as etapas, marcado pelo esforço de demonstrar tal meio social. Assim é que elimina a possibilidade que a "taxa
possibilidade: quando empresta o caráter de "coisa" aos fa- de suicídios" seja provocada por fatores de ordem individual
tos sociais; na ênfase à classificação e ordenação dos dados (orgânica ou psíquica) ou de ordem cósmica (ambiente físi-
para extrair daí a revelação da sua natureza; na crença de co). A objetividade das deduções é "garantida" pela compa-
que se constrói indutivamente o corpo teórico, na ânsia pe- ração minuciosa das curvas evolutivas do suicídio em vários
lo conhecimento absoluto expresso em leis de causalidade, países com as curvas de evolução dos fenômenos que o senso
que seriam verdadeiras já qu-e não são construções arbitrá- comum freqüentemente toma como explicativos, tais como:
rias de uma "lógica subjetiva" mas sim a expressão de re- estados psicopáticos, alcoolismo, a imitação, estados psicoló-
lações naturais registradas pelo pesquisador. gicos, raça, hereditariedade, clima, estação do ano, hora do
dia, etc. O autor mostra que na maior parte dos casos não há
Aplicação da "Regra do Método Sociológico" ao relações regulares na forma como os fenômenos comparados
"Suicídio" - análise crítica se comportam. Nos casos em que há concomitância de varia-
ções, tais como maior incidência de suicídios nas estações ou
Não faremos aqui uma descrição exaustiva do estudo de horas mais quentes do dia, o autor apela para um outro fator
Durkheim sobre o "Suicídio". Grande parte dos dados serão de ordem social subjacente às correlações e que seriam para
omitidos, conservando-se apenas as linhas gerais do método ele a explicação verdadeira: nas horas mais quentes do dia, as-
e da argumentação utilizadas para chegar às "leis" e inter- sim como no verão e primavera, as atividades sociais são tam-
pretações sobre o suicídio, de modo a tornar possível a aná- mém mais intensas.
lise crítica do grau de objetividade que o autor acredita ter As correlações entre suicídio, sexo e idade, também cons-
atingido. tatadas, recebem o mesmo tipo de tratamento, sendo inter-
Para delimitar quais fatos constituirão o universo de pretadas como decorrentes de condições sociais distintas a
observação, o autor parte do seguinte conceito inicial do suicí- que estão submetidas pessoas de sexo e idades diferentes.
dio: "todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente Em síntese, todos os procedimentos de investigação con-
de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima, sistem em procurar nos diferentes meios sociais as condições
ato que a vítima sabia dever produzir este resultado" (Dur- de que dependem as variações da "taxa de suicídios".
kheim, 1973, pág. 11).
A preocupação seguinte é demonstrar empiricamente o O Método para construir a "Explicação Social do
caráter social do suicídio, fixando os parâmetros de análise Suicídio": tipologia, cau.sa e junção
dentro de uma perspectiva especificamente sociológica.
A Natureza Social do fenômeno deveria assim ser apre- Partindo do pressuposto de que a explicação científica
endida no conjunto de suicídios cometidos numa dada socie- emana dos dados é para estes que Durkheim se volta.
dade em uma certa unidade de tempo, ou seja, a "taxa social" O seu procedimento inicial é agrupar os casos de suicídio
de suicídios que cada sociedade apresenta. A especificidade de acordo com as semelhanças e diferenças apresentadas.
social é evidenciada no exame de séries estatísticas que reve- Aliás, a atividade classificatória é para Durkheim indispen-
lam que o fenômeno evolui de modo regular e que cada socie- sável para a solução do enigma da natureza dos fatos e por-
dade mantém uma taxa de suicídios que lhe é característica tanto ele a utiliza em todas as etapas do estudo. A descoberta

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nas vanas espécies de sociedades e nos vários estádios de permanecendo quase inalterável durante longo período de
sua evolução, -de modo a captar em razão de quais fatores tempo. Esta tendência coletiva ou taxa social de suzcídios de
tendem a variar. uma sociedade pode ser medida e representada numerica-
A análise das "Regras do Método Sociológico" não deixa mente tomando-se a relação entre o número global de mortos
dúvidas sobre a orientação positivista de Durkheim presente voluntários e a população global.
na ênfase de engendrar um conhecimento sociológico cien- Durkheim utiliza o raciocínio por exclusão para de-
tífico tendo por critério de cientificidade a objetividade que monstrar que tal regularidade apenas é explicável por fato-
pretende possível ser atingida. O método que prescreve é, res sociais, ou seja, decorrentes da natureza e organização do
em todas as etapas, marcado pelo esforço de demonstrar tal meio social. Assim é que elimina a possibilidade que a "taxa
possibilidade: quando empresta o caráter de "coisa" aos fa- de suicídios" seja provocada por fatores de ordem individual
tos sociais; na ênfase à classificação e ordenação dos dados (orgânica ou psíquica) ou de ordem cósmica (ambiente físi-
para extrair daí a revelação da sua natureza; na crença de co). A objetividade das deduções é "garantida" pela compa-
que se constrói indutivamente o corpo teórico, na ânsia pe- ração minuciosa das curvas evolutivas do suicídio em vários
lo conhecimento absoluto expresso em leis de causalidade, países com as curvas de evolução dos fenômenos que o senso
que seriam verdadeiras já qu-e não são construções arbitrá- comum freqüentemente toma como explicativos, tais como:
rias de uma "lógica subjetiva" mas sim a expressão de re- estados psicopátioos, alcoolismo, a imitação, estados psicoló-
lações naturais registradas pelo pesquisador. gicos, raça, hereditariedade, clima, estação do ano, hora do
dia, etc. O autor mostra que na maior parte dos casos não há
Aplicação da uRegra do Método Sociológico" ao relações regulares na forma como os fenômenos comparados
usuicídio" - análise crítica se comportam. Nos casos em que há concomitância de varia-
ções, tais como maior incidência de suicídios nas estações ou
Não faremos aqui uma descrição exaustiva do estudo de horas mais quentes do dia, o autor apela para um outro fator
Durkheim sobre o "Suicídio". Grande parte dos dados serão de ordem social subjacente às correlações e que seriam para
omitidos, conservando-se apenas as linhas gerais do método ele a explicação verdadeira: nas horas mais quentes do dia, as-
e da argumentação utilizadas para chegar às "leis" e inter- sim como no verão e primavera, as atividades sociais são tam-
pretações sobre o suicídio, de modo a tornar possível a aná- mém mais intensas.
lise crítica do grau de objetividade que o autor acredita ter As correlações entre suicídio, sexo e idade, também cons-
atingido. tatadas, recebem o mesmo tipo de tratamento, sendo inter-
Para delimitar quais fatos constituirão o universo de pretadas como decorrentes de condições sociais distintas a
observação, o autor parte do seguinte conceito inicial do suicí- que estão submetidas pessoas de sexo e idades diferentes.
dio: "todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente Em síntese, todos os procedimentos de investigação con-
de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima, sistem em procurar nos diferentes meios sociais as condições
ato que a vítima sabia dever produzir este resultado" (Dur- de que dependem as variações da "taxa de suicídios".
kheim, 1973, pág. 11).
A preocupação seguinte é demonstrar empiricamente o O Método para construir a ((Explicação Social do
caráter social do suicídio, fixando os parâmetros de análise Suicídio": tipologia, causa e função
dentro de uma perspectiva especificamente sociológica.
A Natureza Social do fenômeno deveria assim ser apre- Partindo do pressuposto de que a explicação científica
endida no conjunto de suicídios cometidos numa dada socie- emana dos dados é para estes que Durkheim se volta.
dade em uma certa unidade de tempo, ou seja, a "taxa social" O seu procedimento inicial é agrupar os casos de suicídio
de suicídios que cada sociedade apresenta. A especificidade de acordo com as semelhanças e diferenças apresentadas.
social é evidenciada no exame de séries estatísticas que reve- Aliás, a atividade classificatória é para Durkheim indispen-
lam que o fenômeno evolui de modo regular e que cada socie- sável para a solução do enigma da natureza dos fatos e por-
dade mantém uma taxa de suicídios que lhe é característica tanto ele a utiliza em todas as etapas do estudo. A descoberta

68 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978 69
de relações de causalidade se vincula diretamente à consti- giosas proporciona aos seus membros. O livre arbítrio porém
tuição de tipologias. Isto porque, como já discutimos na pri- não seria mais que efeito de uma outra causa já que surge
meira parte deste trabalho, o autor admite que as regulari- apenas quando ocorre o abalo dos credos tradicionais que
dades observadas são efeitos de uma única causa. Daí a regra perdem assim o poder de determinar e orientar o comporta-
de que para constituir "tipos" se deve partir dos aspectos mento dos sujeitos. Na ausência de controles externos da con-
mais "exteriores" dos fenômenos, da forma como se manifes- duta tenderiam a desenvolver-se critérios individuais indu-
tam. zindo ao aumento da "capacidade de reflexão e amor à cul-
Durkheim encontra porém dificuldades em dispor de cri- tura". Tal conjunto de deduções lógicas que a explicação im-
térios objetivos para classificar os suicídios por suas diferentes plica conduz a novas hipóteses que o autor tenta constatar:
manifestações externas. Soluciona a questão pela inversão do
método: em vez de partir da superfície dos fenômenos (efeitos) a) o "amor pela cultura é mais forte entre protestantes
para chegar às causas, propõe uma classificação mista dos que entre os católicos";
suicídios, ou seja, levando em conta possíveis causas (etiolo- b) "na medida em que se revela um abalo dos credos
gia) e as formas concretas de realização dos atos (morfologia). vulgares, variação idêntica é revelada pelo suicídio". (Dur-
Desse modo é que constitui a tipologia dos suicídios sem kheim, 1973, pág. 171).
discutir inicialmente porque são diferentes, apenas reunin-
do-os em classes segundo as condições de semelhanças e dife- Resta, porém, o caso que não confirma a lei: entre os
renças observadas. A vantagem da classificação etiológica judeus o grau de instrução é o mais alto, e o número de sui-
mencionada por Durkheim é que "penetra-se mais fundo nos cídios é o mais baixo. A exceção necessita também ser expli-
fenômenos e pode-se a partir da natureza das causas deduzir cada e Durkheim o faz afirmando que entre os judeus não é
a natureza dos efeitos que se encontram assim simultanea- o "livre arbítrio" que leva à procura de mais instrução, mas,
mente caracterizados e classificados. sim, o fato de que sendo um grupo minoritário necessita bus-
Combinando os critérios etiológico e morfológico Dur- car canais de reconhecimento social.
kheim distingue três tipos de suicídios: Conclui o autor então que "não é à natureza das con-
cepções religiosas que se deve a influência benéfica da reli-
a) suicídio egoísta; gião na redução dos suicídios" mas sim o atributo da natu-
b) suicídio altruístico; reza da religião como sociedade, qual seja, o grau de coesão
c) suicídio anômico. ou de integração que lhe é peculiar e que pode ser atestado
"no número de crenças e práticas comuns a todos os crentes,
Suicídio Egoísta- o primeiro tipo é constituído a partir e por conseguinte obrigatórios" (Durkheim, 1973, pág. 182).
da análise do comportamento da curva dos suicídios nos se- As religiões católica e judaica apresentariam em comum
guintes meios sociais especiais: sociedade religiosa, sociedade um alto grau de integração ou coesão.
familiar, sociedade política. Para analisar o efeito da sociedade familiar sobre o sui-
Compara a taxa de suicídios em países europeus predo- cídio compara a taxa de suicídios de solteiros e casados em
minantemente católicos, protestantes e judaicos, encontrando números absolutos atestando que os primeiros se suicidam
as seguintes correlações estatísticas para a generalidade dos menos que os segundos. Esta comparação porém para o autor
casos: quanto maior o número de p11otestantes mais alta a seria inadequada, conduzindo a concluseõs falsas por não
taxa de suicídios, quanto maior o número de católicos, mais considerar a influência do fator idade. Os solteiros são mais
baixa a taxa de suicídios, sendo que a taxa mais baixa foi en- jovens e por isso tendem a se suicidar menos já que a ten-
contrada entre os judeus. dência para o suicídio se agrava com a idade.
Constatada as conexões empíricas restaria localizar em Isolando o fator idade dos dados agregados e comparan-
que diferem tais credos religiosos de modo a afetar as taxas do a taxa de solteiros e casados dentro de uma mesma faixa
de suicídio. Durkheim aponta como diferença fundamental o etária a relação se inverte: os casados apresentaram uma
gmu de livre arbítrio que cada uma das três sociedades reli- taxa de suicídios mais baixa.
70 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978 71
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de relações de causalidade se vincula diretamente à consti- giosas proporciona aos seus membros. O livre arbítrio porém
tuição de tipologias. Isto porque, como já discutimos na pri- não seria mais que efeito de uma outra causa já que surge
meira parte deste trabalho, o autor admite que as regulari- apenas quando ocorre o abalo dos credos tradicionais que
dades observadas são efeitos de uma única causa. Daí a regra perdem assim o poder de determinar e orientar o comporta-
de que para constituir "tipos" se deve partir dos aspectos mento dos sujeitos. Na ausência de controles externos da con-
mais "exteriores" dos fenômenos, da forma como se manifes- duta tenderiam a desenvolver-se critérios individuais indu-
tam. zindo ao aumento da "capacidade de reflexão e amor à cul-
Durkheim encontra porém dificuldades em dispor de cri- tura". Tal conjunto de deduções lógicas que a explicação im-
térios objetivos para classificar os suicídios por suas diferentes plica conduz a novas hipóteses que o autor tenta constatar:
manifestações externas. Soluciona a questão pela inversão do
método: em vez de partir da superfície dos fenômenos (efeitos) a) o "amor pela cultura é mais forte entre protestantes
para chegar às causas, propõe uma classificação mista dos que entre os católicos";
suicídios, ou seja, levando em conta possíveis causas (etiolo- b) "na medida em que se revela um abalo dos credos
gia) e as formas concretas de realização dos atos (morfologia). vulgares, variação idêntica é revelada pelo suicídio". (Dur-
Desse modo é que constitui a tipologia dos suicídios sem kheim, 1973, pág. 171).
discutir inicialmente porque são diferentes, apenas reunin-
do-os em classes segundo as condições de semelhanças e dife- Resta, porém, o caso que não confirma a lei: entre os
renças observadas. A vantagem da classificação etiológica judeus o grau de instrução é o mais alto, e o número de sui-
mencionada por Durkheim é que "penetra-se mais fundo nos cídios é o mais baixo. A exceção necessita também ser expli-
fenômenos e pode-se a partir da natureza das causas deduzir cada e Durkheim o faz afirmando que entre os judeus não é
a natureza dos efeitos que se encontram assim simultanea- o "livre arbítrio" que leva à procura de mais instrução, mas,
mente caracterizados e classificados. sim, o fato de que sendo um grupo minoritário necessita bus-
Combinando os critérios etiológico e morfológico Dur- car canais de reconhecimento social.
kheim distingue três tipos de suicídios: Conclui o autor então que "não é à natureza das con-
cepções religiosas que se deve a influência benéfica da reli-
a) suicídio egoísta; gião na redução dos suicídios" mas sim o atributo da natu-
b) suicídio altruístico; reza da religião como sociedade, qual seja, o grau de coesão
c) suicídio anômico. ou de integração que lhe é peculiar e que pode ser atestado
"no número de crenças e práticas comuns a todos os crentes,
Suicídio Egoísta- o primeiro tipo é constituído a partir e por conseguinte obrigatórios" (Durkheim, 1973, pág. 182).
da análise do comportamento da curva dos suicídios nos se- As religiões católica e judaica apresentariam em comum
guintes meios sociais especiais: sociedade religiosa, sociedade um alto grau de integração ou coesão.
familiar, sociedade política. Para analisar o efeito da sociedade familiar sobre o sui-
Compara a taxa de suicídios em países europeus predo- cídio compara a taxa de suicídios de solteiros e casados em
minantemente católicos, protestantes e judaicos, encontrando números absolutos atestando que os primeiros se suicidam
as seguintes correlações estatísticas para a generalidade dos menos que os segundos. Esta comparação porém para o autor
casos: quanto maior o número de p11otestantes mais alta a seria inadequada, conduzindo a concluseõs falsas por não
taxa de suicídios, quanto maior o número de católicos, mais considerar a influência do fator idade. Os solteiros são mais
baixa a taxa de suicídios, sendo que a taxa mais baixa foi en- jovens e por isso tendem a se suicidar menos já que a ten-
contrada entre os judeus. dência para o suicídio se agrava com a idade.
Constatada as conexões empíricas restaria localizar em Isolando o fator idade dos dados agregados e comparan-
que diferem tais credos religiosos de modo a afetar as taxas do a taxa de solteiros e casados dentro de uma mesma faixa
de suicídio. Durkheim aponta como diferença fundamental o etária a relação se inverte: os casados apresentaram uma
grau de livre arbítrio que cada uma das três sociedades reli- taxa de suicídios mais baixa.
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REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PÁG. 57-82 1978
Efetuando novas séries de comparações com os dados destes deteriora-se o coeficiente de preservação em relação
desagregados por sexo, idade e estado civil, Durkheim chega aos solteiros.
às seguintes "leis": A interpretação desta ação diferenciada da sociedade fa-
miliar sobre os sexos é para Durkheim decorrente do fato de
1) "Os casamentos demasiado precoces têm uma influên que as mulheres têm um nível de vida rudimentar e portanto
cia agravante sobre o suicídio, sobretudo no que diz respeito ~ua ?onduta é regulada por centros mais instintivos, o que
aos homens"; rmpllca que o casamento atue sobre elas como uma sobre-
2) "A partir dos 20 anos os casados dos dois sexos se carga à sua liberdade sem que retirem dele vantagem equiva-
beneficiam de um coeficiente de preservação do suicídio em lente.
relação aos solteiros"; A explicação mais geral, por se ajustar a todas as "leis"
3 "O coeficiente de preservação dos solteiros varia segun- deduzidas das investigações é a de que é o grau de integração
do os se~os"; da sociedade familiar em sua densidade física e moral que
4) "O sexo mais favorecido pelo casamento varia confor- determina a taxa de suicídios.
me as sociedades e a importância da diferença entre as taxas Explicação análoga é dada para a variação da taxa de
dos dois sexos varia segundo a natureza do sexo mais favo- suicídios em diferentes sociedades políticas, que aumentaria
recido"; ou declinaria em função dos graus de integração do sistema
5) "A viuvez reduz o coeficiente de ambas as partes mas político (participação e idéias comuns, institucionalização,
na maior parte das vezes não o suprime completamente;" etc.).
6) "O coeficiente de preservação dos viúvos em relação aos A univocidade causal observada no estudo das sociedades
celibatários varia conforme o sexo;" familiar, religiosa e política leva o autor a classificar este
7) "O sexo mais favorecido na viuvez varia conforme as tipo de suicídio como egoísta, já que seria determinado por
sociedades e a importância da diferença entre as taxas dos um exacerbamento do individualismo permitido pela regres-
dois sexos varia segundo a natureza do sexo mais favorecido." são da coesão dos diversos meios sociais. ·
(Durkheim, 1973, pág. 193-195.)
Após o estabelecimento das "leis" ou correlações empí-
• A explicação assume assim o status de generalização
absoluta.
ricas, o autor passa a interpretá-las sociologicamente ou seja Suicídio Altruísta - o autor agrupa os suicídios que
excluindo a possibilidade de que a explicação resida em or- julga tenham como causa comum a "individualização insufi-
dem de fatores extra-sociais entre os quais a seleção matri- ciente" ou seja a diluição dos indivíduos no meio social ao
monial é o mais citado. Usando o mesmo método das varia- ponto de uma alienação total de si. Daí o nome suicídio al-
ções concomitantes demonstra a independência da taxa do truísta, já que o controle do comportamento dos sujeitos é
suicídio de "possíveis qualidades excepcionais" que conduzi- inteiramente comandado "de fora" e apenas a noção dos va-
ram as pessoas ao casamento. lores grupais tem significado.
Para localizar o fator causal decompõe a sociedade fami- Este tipo de suicídio, segundo Durkheim, é endêmico nas
liar em seus componentes: sociedades primitivas exatamente porque elas se caracteri-
a) O outro cônjuge; zam pela homogeneidade do meio social, onde não existem
b) Os filhos. padrões alternativos de conduta e o controle social direta-
mente exercido praticamente impossibilita desvios dos pa-
Novas comparações são então efetuadas entre os índices drões estabelecidos. O autor procura validar suas proposi-
de suicídios entre casais com e sem filhos, considerando idade ções não mais apoiado em séries estatísticas mas na descri-
e sexo dos cônjuges; entre viúvos com e sem filhos, etc., che- ção de suicídios nas sociedades primitivas, em que a morte
gando Durkheim a concluir que os homens se beneficiam é considerada ato de heroismo ou de desprendimento. O au-
mais da sociedade conjugal, e que as mulheres apenas sebe- tor distingue dentro deste tipo duas variedades: o suicí~i.o
neficiam do casamento, se têm filhos, pois que na ausência obrigatório e o facultativo. Na primeira variedade os suJei-
REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PÁG. 57-82 1978
73
72 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PÁG. 57-82 1978
Efetuando novas séries de comparações com os dados destes deteriora-se o coeficiente de preservação em relação
desagregados por sexo, idade e estado civil, Durkheim chega aos solteiros.
às seguintes "leis": A interpretação desta acão diferenciada da sociedade fa-
miliar sobre os sexos é para·Durkheim decorrente do fato de
1) "Os casamentos demasiado precoces têm uma influên que as mulheres têm um nível de vida rudimentar e portanto
cia agravante sobre o suicídio, sobretudo no que diz respeito ~ua ?onduta é regulada por centros mais instintivos, o que
aos homens"; rmpllca que o casamento atue sobre elas como uma sobre-
2) "A partir dos 20 anos os casados dos dois sexos se carga à sua liberdade sem que retirem dele vantagem equiva-
beneficiam de um coeficiente de preservação do suicídio em lente.
relação aos solteiros"; A explicação mais geral, por se ajustar a todas as "leis"
3 "O coeficiente de preservação dos solteiros varia segun- deduzidas das investigações é a de que é o grau de integração
do os se~os"; da sociedade familiar em sua densidade física e moral que
4) "O sexo mais favorecido pelo casamento varia confor- determina a taxa de suicídios.
me as sociedades e a importância da diferença entre as taxas Explicação análoga é dada para a variação da taxa de
dos dois sexos varia segundo a natureza do sexo mais favo- suicídios em diferentes sociedades políticas, que aumentaria
recido"; ou declinaria em função dos graus de integração do sistema
5) "A viuvez reduz o coeficiente de ambas as partes mas político (participação e idéias comuns, institucionalização,
na maior parte das vezes não o suprime completamente;" etc.).
6) "O coeficiente de preservação dos viúvos em relação aos A univocidade causal observada no estudo das sociedades
celibatários varia conforme o sexo;" familiar, religiosa e política leva o autor a classificar este
7) "O sexo mais favorecido na viuvez varia conforme as tipo de suicídio como egoísta, já que seria determinado por
sociedades e a importância da diferença entre as taxas dos um exacerbamento do individualismo permitido pela regres-
dois sexos varia segundo a natureza do sexo mais favorecido." são da coesão dos diversos meios sociais. ·
(Durkheim, 1973, pág. 193-195.) A explicação assume assim o status de generalização
Após o estabelecimento das "leis" ou correlações empí- absoluta.
ricas, o autor passa a interpretá-las sociologicamente ou seja Suicídio Altruísta - o autor agrupa os suicídios que
excluindo a possibilidade de que a explicação resida em or- julga tenham como causa comum a "individualização insufi-
dem de fatores extra-sociais entre os quais a seleção matri- ciente" ou seja a diluição dos indivíduos no meio social ao
monial é o mais citado. Usando o mesmo método das varia- ponto de uma alienação total de si. Daí o nome suicídio al-
ções concomitantes demonstra a independência da taxa do truísta, já que o controle do comportamento dos sujeitos é
suicídio de "possíveis qualidades excepcionais" que conduzi- inteiramente comandado "de fora" e apenas a noção dos va-
ram as pessoas ao casamento. lores grupais tem significado.
Para localizar o fator causal decompõe a sociedade fami- Este tipo de suicídio, segundo Durkheim, é endêmico nas
liar em seus componentes: sociedades primitivas exatamente porque elas se caracteri-
a) O outro cônjuge; zam pela homogeneidade do meio social, onde não existem
b) Os filhos. padrões alternativos de conduta e o controle social direta-
mente exercido praticamente impossibilita desvios dos pa-
Novas comparações são então efetuadas entre os índices drões estabelecidos. O autor procura validar suas proposi-
de suicídios entre casais com e sem filhos, considerando idade ções não mais apoiado em séries estatísticas mas na descri-
e sexo dos cônjuges; entre viúvos com e sem filhos, etc., che- ção de suicídios nas sociedades primitivas, em que a morte
gando Durkheim a concluir que os homens se beneficiam é considerada ato de heroismo ou de desprendimento. O au-
mais da sociedade conjugal, e que as mulheres apenas sebe- tor distingue dentro deste tipo duas variedades: o suicí~ii.o
neficiam do casamento, se têm filhos, pois que na ausência obrigatório e o facultativo. Na primeira variedade os suJei-
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tos estão submetidos a situações sociais em que a pressão O Caráter de Normalidade e Função do Suicídio
social os induz ao suicídio (sanções negativas) e ~a se- Partindo do critério de generalidade para definir o que
gunda o suicídio é procurado por ser socialmente valoriza- é normal Durkheim enquadra nesta categoria o suicídio já
do, implicando em "aumento de estima" (sanção positiva).
que todas as sociedades apresentariam uma tendência espe-
Nas sociedades mais modernas o autor admite a exis- cífica para tal comportamento.
tência do suicídio al truista em meios sociais específicos, cuja Da concepção do normal como o que não pode ser su-
!111
natureza se aproximaria das sociedades primitivas em ter- primido já que deriva da "natureza da coisa", o autor ex-
mos do alto grau de poder regulador da conduta, incluindo trai o conceito de "função": um fato é geral e tende a per-
como exemplo as organizações militares. manecer quando preenche a certos fins úteis, mantendo o
Retoma à utilização de séries estatísticas para mostrar equilíbrio da estrutura de que é parte.
que a curva do suicídio assume índices regularmente mais Considera portanto que as correntes suicidógenas que
altos para os militares em relação aos civis. Por novas com- atingem certos meios sociais específicos desempenham fun-
parações exclui a possibilidade de que essa regularidade se- ções de manutenção de focos de individualismo, de altruís-
ja ocasionada por fatores não sociais tais como as dificulda- mo e anomia necessários ao "desenvolvimento saudável" das
des e rigores da vida na caserna. sociedades .
A explicação desta relação empírica prende-se pois à Para o autor sem que o individualismo e a anomia es-
"natureza social" específica das corporações militares que tejam em um certo grau presentes na constituição das so-
treinam seus membros para seguirem ordens e disporem da ciedades não se tornaria possível o progresso que supõe exa-
própria vida quando assim lhes for exigido pelos valores na- tamente a oposição entre o indivíduo e o meio social, e um
cionais feridos. certo enfraquecimento do poder de coesão que o mesmo é ca-
O Suicídio Anômico. Nesta categoria o autor inclui o sui- paz de exercer.
cídio cuja causa atribui a redução do poder regulador do O altruísmo, por outro lado, permitiria que os interes-
comportamento que o meio social exerce. ses coletivos se impusessem aos sujeitos e os levassem a de-
Para chegar a concluir que existe uma relação entre a fendê-los, quando isto se fizesse necessário.
maneira como a sociedade exerce sua ação reguladora e a ta- Durkheim acrescenta porém que a condição de "norma-
xa social de suicídios, Durkheim verificou que o número de lidade" do suicídio só é concebível se para cada espécie suas
suicídios aumentava sistematicamente nos períodos de trans- taxas se mantêm dentro de certos limites. -
formações sociais, crises financeiras, transições políticas e Daí admitir que o crescimento excessivo de todos os atos
sociais. considerados socialmente criminosos, em que o suicídio é in-
Nega que fatores tais como privações, miséria, dificul- cluído, seja indício de um desenvolvimento anormal assumi-
dades de vida envolvidos em situações de crise estejam rela- do pelas sociedades e portanto a exigir medidas corretivas.
cionados com a elevação da taxa de suicídios já que não se Para fazer retornar as correntes suicidógenas ao "curso
confirma empiricamente a predição de que a mesma decres- normal", prescreve como "terapia" a reformulação das as-
ça com o aumento do bem estar. Para o autor a explicação sociações profissionais por julgar que são as únicas capazes
se encontra no estado de anomia ou seja, a não substituição de mobilizar os sujeitos e reviver tanto o espírito altruístico
dos antigos critérios normativos por outros, ponto comum como a coesão social perdidos no decorrer de um desenvolvi-
a todas as situações de transformações sociais. mento social desordenado .
A classificação etiológica do suicídio centrada nos fato- Análise Crítica
res: baixa coesão social (suicídio egoísta), alta coesão (al-
truísta) e anomia, Durkheim associa ainda os "estados indi- Como já acentuamos anteriormente, Durkheim ao enun-
viduais" dos suicidas para compor um quadro classificató- ciar as "Regras do Método Sociológico" e ao aplicá-las orien-
rio mais abrangente, em que entram tipos mistos tais como ta-se no sentido de atingir um conhecimento absolutamente
o ego-maníaco, o anômico-altruista e o ego-altruísta. objetivo.
74 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS , VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PAG . 57-82 1978 75
tos estão submetidos a situações sociais em que a pressão O Caráter de Normalidade e Função do Suicídio
social os induz ao suicídio (sanções negativas) e ~a se-
gunda o suicídio é procurado por ser socialmente valoriza- Partindo do critério de generalidade para definir o que
do, implicando em "aumento de estima" (sanção positiva). é normal Durkheim enquadra nesta categoria o suicídio já
que todas as sociedades apresentariam uma tendência espe-
Nas sociedades mais modernas o autor admite a exis- cífica para tal comportamento.
tência do suicídio al truista em meios sociais específicos, cuja Da concepção do normal como o que não pode ser su-
natureza se aproximaria das sociedades primitivas em ter- primido já que deriva da "natureza da coisa", o autor ex-
mos do alto grau de poder regulador da conduta, incluindo trai o conceito de "função": um fato é geral e tende a per-
r como exemplo as organizações militares.
Retorna à utilização de séries estatísticas para mostrar
que a curva do suicídio assume índices regularmente mais
manecer quando preenche a certos fins úteis, mantendo o
equilíbrio da estrutura de que é parte.
Considera. portanto que as correntes suicidógenas que
altos para os militares em relação aos civis. Por novas com- atingem certos meios sociais específicos desempenham fun-
parações exclui a possibilidade de que essa regularidade se- ções de manutenção de focos de individualismo, de altruís-
ja ocasionada por fatores não sociais tais como as dificulda- mo e anomia necessários ao "desenvolvimento saudável" das
des e rigores da vida na caserna. sociedades .
A explicação desta relação empírica prende-se pois à Para o autor sem que o individualismo e a anomia es-
"natureza social" específica das corporações militares que tejam em um certo grau presentes na constituição das so-
treinam seus membros para seguirem ordens e disporem da ciedades não se tornaria possível o progresso que supõe exa-
própria vida quando assim lhes for exigido pelos valores na- tamente a oposição entre o indivíduo e o meio social, e um
cionais feridos. certo enfraquecimento do poder de coesão que o mesmo é ca-
O Suicídio Anômico. Nesta categoria o autor inclui o sui- paz de exercer.
cídio cuja causa atribui a redução do poder regulador do O altruísmo, por outro lado, permitiria que os interes-
comportamento que o meio social exerce. ses coletivos se impusessem aos sujeitos e os levassem a de-
Para chegar a concluir que existe uma relação entre a fendê-los, quando isto se fizesse nece.s sário.
maneira como a sociedade exerce sua ação reguladora e a ta- Durkheim acrescenta porém que a condição de "norma-
xa social de suicídios, Durkheim verificou que o número de lidade" do suicídio só é concebível se para cada espécie suas
suicídios aumentava sistematicamente nos períodos de trans- taxas se mantêm dentro de certos limites. -
formações sociais, crises financeiras, transições políticas e Daí admitir que o crescimento excessivo de todos os atos
sociais. considerados socialmente criminosos, em que o suicídio é in-
Nega que fatores tais como privações, miséria, dificul- cluído, seja indício de um desenvolvimento anormal assumi-
dades de vida envolvidos em situações de crise estejam rela- do pelas sociedades e portanto a exigir medidas corretivas.
cionados com a elevação da taxa de suicídios já que não se Para fazer retornar as correntes suicidógenas ao "curso
confirma empiricamente a predição de que a mesma decres- normal", prescreve como "terapia" a reformulação das as-
ça com o aumento do bem estar. Para o autor a explicação sociações profissionais por julgar que são as únicas capazes
se encontra no estado de anomia ou seja, a não substituição de mobilizar os sujeitos e reviver tanto o espírito altruístico
dos antigos critérios normativos por outros, ponto comum como a coesão social perdidos no decorrer de um desenvolvi-
a todas as situações de transformações sociais. mento social desordenado.
A classificação etiológica do suicídio centrada nos fato-
res: baixa coesão social (suicídio egoísta), alta coesão (al- Análise Crítica
truísta) e anomia, Durkheim associa ainda os "estados indi- Como já acentuamos anteriormente, Durkheim ao enun-
viduais" dos suicidas para compor um quadro classificató- ciar as "Regras do Método Sociológico" e ao aplicá-las orien-
rio mais abrangente, em que entram tipos mistos tais como ta-se no sentido de atingir um conhecimento absolutamente
o ego-maníaco, o anômico-altruista e o ego-altruísta. objetivo.
74 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS , VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PAG . 57-82 1978 75
A nossa crítica apoia-se nos próprios preceitos metodo- ria localizado na constituição física dos sujeitos (extra-so-
lógicos e resultados a que chega Durkheim em seu estudo cial portanto). Enfim, no decorrer de todo o processo de in-
sobre o suicídio para mostrar a fragilidade das pretensões vestigação os procedimentos adotados tendem a fechar cada
de objetividade extrema. Desse modo é que fixaremos nossa vez mais o ângulo de observação de modo a que comporte
análise nos seguintes pressupostos positivistas que tran~ui­ apenas o que se ajusta ao que o autor concebe como fato so-
ram ao longo das obras de Durkheim já mencionadas (Re- cial. Poder-se-ia acrescentar ainda que o critério de ser ou
gras do Método Sociológico e O Suicídio). não suicídio um ato voluntário peca pela ambigüidade que
o autor condena já que na maioria dos casos trata-se de um
a) f.. suposição de que todo conhecimento científico estado com fronteiras pouco nítidas para o próprio sujeito
é extraído do contacto com os dados; e muito mais ainda para observadores.
b) Por derivar dos dados as teorias seriam necessaria- Para isentar a análise de quaisquer resquícios de inter-
mente construídas a posteriori pelo método de in- pretações centradas em motivações individuais o autor re-
dução; comenda que apenas as taxas de suicídio apresentadas pelas
c) A noção de causalidade como "nexo natural" entre sociedades devem ser objeto de investigação. Subjacente a
fatos e por conseqüência captável pela observação. essa seleção há toda uma gama de pressupostos teóricos que
o autor assume no que se refere a "natureza social" destas
Questionaremos a "objetividade" do critério de decisão taxas entre as quais destacamos:
sobre a funcionalidade de um fato social nos seguintes ter-
mos: 1) A permanência das taxas prende-se a característi-
É isenta de tendenciosidade a forma como o autor dis- cas próprias da "consciência coletiva".

~I
tingue o normal do patológico e indica como o conhecimen- 2) A regularidade das mesmas indica que sua ocorrên-
to sociológico pode ser aplicado na "profilaxia e terapêutica cia relaciona-se com as condições específicas das di-
da saúde" das sociedades? ferentes estruturas dos meios sociais em que ocorrem.
No que se refere ao item a, Durkheim supõe que é pela
observação e classificação dos fatos por semelhanças e dife-
renças que se chega a elucidar a sua natureza (daí a regra Outros argumentos poderiam ainda ser arrolados para
que considera fundamental: "tratar os fatos sociais como contestar a suposição de que o conhecimento é determinado
coisas") . Ora, as operações de observar e classificar realiza- pelo objeto que se oferece à observação. Cremos porém que
das pelo sujeito não se processam em um vácuo teórico ou os já levantados são suficientes para mostrar que desde os
com o isolamento de todas as "pré-noções" como supunha momentos iniciais o estudo do suicídio carrega em seu bojo
Durkheim. as concepções teóricas do autor que delimitam o que obser-
Como ele próp1io afirma, a classificação dos fatos deve var, como observar e interpretar. Isto reforça a tese defendi-
ser feita por critérios essenciais. Ora, o objeto tem inúmeras da por Pedro Demo de que a questão empírica é primeira-
características captáveis mas nada nos informa sobre qual ou mente uma questão teórica (Demo, 1974) .
quais podem ser consideradas essenciais. Na verdade o cri- O "objeto de observação" é na verdade "construído" por
tério essencial se prende de forma nítida aos objetivos do su- Durkehim. Não queremos afirmar com isto que não se re-
jeito, assim é que varia em função da perspectiva de análise fira a coisas reais mas sim que o "recorte deste real", que é
assumida. Ao limitar o "conceito inicial" de suicídio apenas condição para efetivação do conhecimento, envolve uma cer-
às mortes voluntáTias, em que "existe consciência dos resul- ta dose de subjetividade, mesmo quando o autor pretende
tados do ato realizado", o autor traça as fronteiras que com- que os momentos que envolvam decisões sobre o que selecio-
patibilizam o "objeto de observação" com a sua perspectiva nar, como classificar, tenham oor base critérios impessoais.
de análise sociológica já que o elemento ser intencional é ple- É o que ocorre quando Durkheim propõe como critério obje-
no de significado social. Ficam desde logo excluídos todos os tivo para classificar os tipos de sociedades, partir da forma
casos de suicídios de psicopatas cujo fator explicativo esta- mais simples de sociedade existente (a horda) para ordenar

76 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978 77
A nossa crítica apoia-se nos próprios preceitos metodo- ria localizado na constituição física dos sujeitos (extra-so-
lógicos e resultados a que chega Durkheim em seu estudo cial portanto). Enfim, no decorrer de todo o processo de in-
sobre o suicídio para mostrar a fragilidade das pretensões vestigação os procedimentos adotados tendem-a fechar cada
de objetividade extrema. Desse modo é que fixaremos nossa vez mais o ângulo de observação de modo a que comporte
análise nos seguintes pressupostos positivistas que tran~pi­ apenas o que se ajusta ao que o autor concebe como fato so-
ram ao longo das obras de Durkheim já mencionadas (Re- cial. Poder-se-ia acrescentar ainda que o critério de ser ou
gras do Método Sociológico e O Suicídio). não suicídio um ato voluntário peca pela ambigüidade que
o autor condena já que na maioria dos casos trata-se de um
a) /4. suposição de que todo conhecimento científico estado com fronteiras pouco nítidas para o próprio sujeito
é extraído do contacto com os dados; e muito mais ainda para observadores.
b) Por derivar dos dados as teorias seriam necessaria- Para isentar a análise de quaisquer resquícios de inter-
mente construídas a posteriori pelo método de in- pretações centradas em motivações individuais o autor re-
dução; comenda que apenas as taxas de suicídio apresentadas pelas
c) A noção de causalidade como "nexo natural" entre sociedades devem ser objeto de investigação. Subjacente a
fatos e por conseqüência captável pela observação. essa seleção há toda uma gama de pressupostos teóricos que
o autor assume no que se refere a "natureza social" destas
Questionaremos a "objetividade" do critério de decisão taxas entre as quais destacamos:
sobre a funcionalidade de um fato social nos seguintes ter-
mos: 1) A permanência das taxas prende-se a característi-
É isenta de tendenciosidade a forma como o autor dis- cas próprias da "consciência coletiva".
tingue o normal do patológico e indica como o conhecimen- 2) A regularidade das mesmas indica que sua ocorrên-
to sociológico pode ser aplicado na "profilaxia e terapêutica cia relaciona-se com as condições específicas das di-
da saúde" das sociedades? ferentes estruturas dos meios sociais em que ocorrem.
No que se refere ao item a, Durkheim supõe que é pela
observação e classificação dos fatos por semelhanças e dife-
renças que se chega a elucidar a sua natureza (daí a regra Outros argumentos poderiam ainda ser arrolados para
que considera fundamental: "tratar os fatos sociais como contestar a suposição de que o conhecimento é determinado
coisas"). Ora, as operações de observar e classificar realiza- pelo objeto que se oferece à observação. Cremos porém que
das pelo sujeito não se processam em um vácuo teórico ou os já levantados são suficientes para mostrar que desde os
com o isolamento de todas as "pré-noções" como supunha momentos iniciais o estudo do suicídio carrega em seu bojo
Durkheim. as concepções teóricas do autor que delimitam o que obser-
Como ele próp1io afirma, a classificação dos fatos deve va?·, como observar e interpretar. Isto reforça a tese defendi-
ser feita por critérios essenciais. Ora, o objeto tem inúmeras da por Pedro Demo de que a questão empírica é primeira-
características captáveis mas nada nos informa sobre qual ou mente uma questão teórica (Demo, 1974) .
quais podem ser consideradas essenciais. Na verdade o cri- O "objeto de observação" é na verdade "construído" por
tério essencial se prende de forma nítida aos objetivos do su- Durkehim. Não queremos afirmar com isto que não se re-
jeito, assim é que varia em função da perspectiva de análise fira a coisas reais mas sim que o "recorte deste real", que é
assumida. Ao limitar o "conceito inicial" de suicídio apenas condição para efetivação do conhecimento, envolve uma cer-
às mortes voluntárias, em que "existe consciência dos resul- ta dose de subjetividade, mesmo quando o autor pretende
tados do ato realizado", o autor traça as fronteiras que com- que os momentos que envolvam decisões sobre .o que selecio-
patibilizam o "objeto de observação" com a sua perspectiva nar, como classificar, tenham por base critérios impessoais.
de análise sociológica já que o elemento ser intencional é ple- É o que ocorre quando Durkheim propõe como critério obje-
no de significado social. Ficam desde logo excluídos todos os tivo para classificar os tipos de sociedades, partir da forma
casos de suicídios de psicopatas cujo fator explicativo esta- mais simples de sociedade existente (a horda) para ordenar
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76 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PÁG. 57-82 1978
os tipos seguintes por graus de complexidade que apresen- dos -7 geral), havendo uma relação de reciprocidade entre os
tem e que podem ser medidos em função do número e for- elos do círculo.
ma como se combinam os elementos de que são compostos. Concordamos com Van Dalen quando afirma que a pró-
Ora, dos dados não exalam indicações suficientes que garan- pria utilização da "metodologia científica" para chegar a ge-
tam a objetividade do critério. Na verdade o que se pode no- neralizações ou leis confiáveis, baseia-se em certos postula-
tar é uma seqüência de "deduções lógicas" tendo por base dos teóricos sobre a natureza do real (objeto do conhecimen-
a noção de estrutura (que por sua vez já é um constructo) to) quais sejam (Dalen, 1962, pág. 29-45):
como "arranjo de partes" e a transposição por analogia dos
princípios evolutivos explicativos da formação e transforma- a) os fenômenos naturais apresentam certas regula-
ção das espécies biológicas. Os dados são portanto manipu- ridades ou semelhanças que permitem classificá-los
lados em razão da postura teórica do autor o que contraria como pertencentes ao mesmo tipo;
a sua própria suposição de que por se encontrar a sociologia b) apresentam certas constâncias ou seja possuem es-
em fase de imaturidade como ciência deveria partir tão-so- truturas pelo menos relativamente estáveis de mo-
mente dos dados para construir indutivamente o seu corpo do a tornar possível não apenas captá-los mas ad-
teórico (item b). O caminho percorrido por Durkheim no mitir que o conhecimento obtido tem poder expli-
seu estudo sobre o suicídio não é exatamente o que preconiza cativo por uma dimensão de tempo mais ou menos
ou seja, a elaboração a posteriori da teoria. Diríamos que longo;
o seu livro As Regras do Método Sociológico é essencial- c) negação de que os mesmos ocorram aleatoriamente,
mente teórico e como tal orienta todo o processo de investi- ou seja, é sempre possível descobrir a causa que de-
gação que o autor realiza. Nele, o autor elabora, entre ou- termina a sua ocorrência.
tros, os conceitos de "fato social", de "meio social", de "ano-
mia", de "coesão", de "controle social", de "função social", Analisemos no estudo do suicídio até que ponto as re-
que são instrumentais teóricos-chave na montagem da ex- lações de causalidade estabelecidas pelo autor são impostas
plicação social do suicídio. Quando Durkheim afirma que pelos dados.
a principal tarefa do sociólogo é descobrir os aspectos espe- Como vimos a classificação etiológica do suicídio elege
cíficos do meio social que podem exercer alguma influência três fatores causais respectivamente correspondentes a cada
sobre o desenvolvimento dos fenômenos sociais fornece exa- tipo de suicídio: baixa coesão, alta coesão e anomia. Para
tamente o roteiro teórico da investigação social. Especifica chegar a identificar estes fatores causais, Durkheim parte
quais fatores deverão ser "selecionados", quais as explica- d.o exame de séries contínuas de variacões do suicídio em
ções possíveis, quais fatores deverão ser "descartados" etc. diferentes meios sociais específicos: a família, a religião, so-
Na verdade, a noção do meio social é de abrangência abso- ciedades políticas, etc. Como a taxa de suicídio varia con-
luta, funcionando como "universo teórico" ao qual se deve comitantemente às diversas formas de organização social,
voltar a explicação para, virtualmente, todas as manifesta- admite encontrar aí a causa que explica sua ocorrência. Ora,
ções da conduta humana. O processo de investigação é as- objetivamente, o que se oferece são apenas dados correlacio·
sim direcionado para o estudo dos efeitos específicos da com- nados e, como o próprio Durkheim reconhece, nem sempre
posição dos diversos meios soeiais considerados causas de expressam relações causais. Fara atingir o nível da explica-
quaisquer manifestações de regularidades no comportamen- ção estes dados exigem do pesquisador a formulação de in-
to humano que possam ser taxadas de sociais. O percurso terpretações lógicas, de deduções que necessariamente reme-
é, pois, do geral ao particular (fatos) e não o inverso como tem a um quadro referencial teórico. É o que Durkheim faz
supunham os defensores do mito da "observação ingênua" quando exclui explicações alternativas possíveis para uma
(sem embasamento teórico) que julgavam estar as teorias mesma correlação empírica conservando apenas a expli-
na "ponta final" do processo de investigação. cação que se ajusta à ótica sociológica. Em termos indu-
Na verdade o processo de produção de conhecimentos tivos não há garantias de que no "salto" dos dados para a
nos parece circular ou seja, geral (teórico) -7 particular (da- explicação (que admite verdadeira) se tenha realmente tes-

"78 HEV. DE C. SOCIALS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PÁG. 57-82_ 1978 HEV. DE C. SOCIALS. VOL . .IX, N. 0 s.. 1 e 2 PAG. 57-8.2 1978 79
os tipos seguintes por graus de complexidade que apresen- dos-? geral), havendo uma relação de reciprocidade entre os
tem e que podem ser medidos em função do número e for- elos do círculo.
ma como se combinam os elementos de que são compostos. Concordamos com Van Dalen quando afirma que a pró-
Ora, dos dados não exalam indicações suficientes que garan- pria utilização da "metodologia científica" para chegar a ge-
tam a objetividade do critério. Na verdade o que se pode no- neralizações ou leis confiáveis, baseia-se em certos postula-
tar é uma seqüência de "deduções lógicas" tendo por base dos teóricos sobre a natureza do real (objeto do conhecimen-
a noção de estrutura (que por sua vez já é um constructo) to) quais sejam (Dalen, 1962, pág. 29-45):
como "arranjo de partes" e a transposição por analogia dos
princípios evolutivos explicativos da formação e transforma- a) os fenômenos naturais apresentam certas regula-
ção das espécies biológicas. Os dados são portanto manipu- ridades ou semelhanças que permitem classificá-los
lados em razão da postura teórica do autor o que contraria como pertencentes ao mesmo tipo;
a sua própria suposição de que por se encontrar a sociologia b) apresentam certas constâncias ou seja possuem es-
em fase de imaturidade como ciência deveria partir tão-so- truturas pelo menos relativamente estáveis de mo-
mente dos dados para construir indutivamente o seu corpo do a tornar possível não apenas captá-los mas ad-
teórico (item b). O caminho percorrido por Durkheim no mitir que o conhecimento obtido tem poder expli-
seu estudo sobre o suicídio não é exatamente o que preconiza cativo por uma dimensão de tempo mais ou menos
ou seja, a elaboração a posteriori da teoria. Diríamos que longo;
o seu livro As Regras do Método Sociológico é essencial- c) negação de que os mesmos ocorram aleatoriamente,
mente teórico e como tal orienta todo o processo de investi- ou seja, é sempre possível descobrir a causa que de-
gação que o autor realiza. Nele, o autor elabora, entre ou- termina a sua ocorrência.
tros, os conceitos de "fato social", de "meio social", de "ano-
mia", de "coesão", de "controle social", de "função social", Analisemos no estudo do suicídio até que ponto as re-
que são instrumentais teóricos-chave na montagem da ex- lações de causalidade estabelecidas pelo autor são impostas
plicação social do suicídio. Quando Durkheim afirma que pelos dados.
a principal tarefa do sociólogo é descobrir os aspectos espe- Como vimos a classificação etiológica do suicídio elege
cíficos do meio social que podem exercer alguma influência três fatores causais respectivamente correspondentes a cada
sobre o desenvolvimento dos fenômenos sociais fornece exa- tipo de suicídio: baixa coesão, alta coesão e anomia. Para
tamente o roteiro teórico da investigação social. Especifica chegar a identificar estes fatores causais, Durkheim parte
quais fatores deverão ser "selecionados", quais as explica- d.o exame de séries contínuas de variacões do suicídio em
ções possíveis, quais fatores deverão ser "descartados" etc. diferentes meios sociais específicos: a família, a religião, so-
Na verdade, a noção do meio social é de abrangência abso- ciedades políticas, etc. Como a taxa de suicídio varia con-
luta, funcionando como "universo teórico" ao qual se deve comitantemente às diversas formas de organização social,
voltar a explicação para, virtualmente, todas as manifesta- admite encontrar aí a causa que explica sua ocorrência. Ora,
ções da conduta humana. O processo de investigação é as- objetivamente, o que se oferece são apenas dados correlacio·
sim direcionado para o estudo dos efeitos específicos da com- nados e, como o próprio Durkheim reconhece, nem sempre
posição dos diversos meios sociais considerados causas de expressam relações causais. Fara atingir o nível da explica-
quaisquer manifestações de regularidades no comportamen- ção estes dados exigem do pesquisador a formulação de in-
to humano que possam ser taxadas de sociais. O percurso terpretações lógicas, de deduções que necessariamente reme-
é, pois, do geral ao particular (fatos) e não o inverso como tem a um quadro referencial teórico. É o que Durkheim faz
supunham os defensores do mito da "observação ingênua" quando exclui explicações alternativas possíveis para uma
(sem embasamento teórico) que julgavam estar as teorias mesma correlação empírica conservando apenas a expli-
na "ponta final" do processo de investigação. cação que se ajusta à ótica sociológica. Em termos indu-
Na verdade o processo de produção de conhecimentos tivos não há garantias de que no "salto" dos dados para a
nos parece circular ou seja, geral (teórico) -? particular (da- explicação (que admite verdadeira) se tenha realmente tes-

"78 HEV. DE C. SOCIALS, VOL. IX, N. 0 s .1 e 2 PÁG. 57-82.. 1978 REV. DE C. SOCIALS. VOL. .IX, N. 0 s. 1 e 2 PAG. 57-8.2 1978 79
tado a ação de todos os fatol'es que poderiam explicar os mes- uma perspectiva que lhe é peculiar. A objetividade escapa
mos dados, i.Durkheim elimina apenas os fatores que supõe mais uma vez quando o autor afirma que nos casos de tran-
irrdevantes). Quando explica, por exemplo, que as mulhe- siçãfJ pode ocorrer que um fato seja geral e não seja normal
res se suicidam menos que os homens (constatação empiri- por constituir-se herança de estágios anteriores da sua evo-
ca) porque sua constituição moral é menos evoluída, sem lução. Para tais casos indagamos se há fatos definitivos que
comp~.)rtamento mais instintivo, não são os dados correia··
nos informem quando uma sociedade completou ou não um
cionados empiricamente que fornecem tais argumentos ... certo estádio de sua evolução .
Como toma para comparação sociedades, ou seja unidades Voltamo-nos neste ponto a uma questão subjacente a
complexas e compactas, apenas o "faro teórico" poderia con- qualquer classificação e que Bachelard explícita: a ordem é
duzir o autor a especificar como fatores causais a coesão, a própria da natureza ou introduzida por um sujeito para aten-
anomia, a mtegração. Já vimos inclusive que o próprio au- der a determinados objetivos? O que nos faz acreditar em
tor constroi teoricamente as noções de "coesão", "anomia" uma ação nítida do sujeito é que os mesmos dados se pres-
e "integração social" ao mesmo tempo que fornece, apenas tam a diferentes classificações dependendo do critério que se
de modo impreciso, os indicadores ou referenciais empíricos adote. Nos vários autores encontramos diferentes marcos
que lhe são correspondentes. para distinguir os "estádios de evolução social", o que de-
Como já dissemos os termos leis e relações causais, uti- monstra a mobilidade de fronteiras que se deslocam sob im-
lizados por Durkheim atestam uma inclinação positivista em pulsos emanados dos sujeitos. Se Durkheim afirma que o
que os dados são sacralizados. suicídio é "normal" desde que sejam mantidas para cada ti-
A diversidade de causas que Durkheim atribui ao sui- po de sociedade taxas que não ultrapassem certos limites,
cídio nos parece imprópria. Como afirma Theodore Abel, o como saber objetivamente qual volume de suicídios passa a
que Durkheim faz é muito mais especificar quais as condi- ~er anormal e portanto disfuncional?
ções que tendem a agravar ou reduzir a ocorrência de suicí- A atitude de neutralidade do autor quando defende a
dios. As "causas" são inferidas de um bloco de informações ação prática da Sociologia na manutenção da normalidade
sem nenhuma garantia objetiva dos "nexos necessários e na- dos fenômenos sociais, é portanto bastante duvidosa. Durk-
turais" das "leis" enunciadas. heim prttende a tarefa ilnpossível de montar critérios éticos
Na verdade os três tipos de suicídios podem ser reduzi- cujo caráter emane da natureza das coisas.
dos a apenas um já que Õs fatores explicãtivos aludidos re- A proposta de medidas que corrijam o grau de anomia
ferem-se apenas à coesão em diferentes graus. e de egoísmo que produziriam taxas patológicas de suicídios
A concepção de que a uma causa se vincula apenas um das sociedades modernas escapa totalmente aos ideais de
único efeito e vice-versa é um recurso utilizado por Durkheim objetividade contidas na afirmação do autor: "não são senão
que lhe permite preservar a validade de suas "leis'' já que as experiências metódicas que podem arrancar às coisas o seu
sempre que não haja correspondência entre os efeitos que segredo". (Durkheim, pág. 126, 1974) . A roupagem de "obje-
se observa e as predições feitas é sempre possível apelar pa- tividade" não consegue disfarçar a ideologia da estabilidade.
ra a afirmação de que se trata de "coisas diferentes" e por-
tanto dependendo de "causas diferentes" ... Considerações Finais
As pretensões de objetividade de Durkheim tornam-se
extremamente vulneráveis principalmente quando o autor O que criticamos em Durkheim é a ilusão de que os pro-
estabelece que a generalidade de um fato social indica a sua cedimentos metodológicos que prescreve permitem um acesso
normalidade e o que é normal tende a ser funcional (item d) . aos fatos que por si só é revelador.
O que se pode constatar empiricamente é tão-somente a É essa versão de um conhecimento determinado predomi-
alta freqüência de ocorrência de um fato. Todo o arcabouço nante pelo objeto que rejeitamos. O que não implica em di-
de deduções posteriores de que se é geral deve corresponder minuir o papel da investigação empírica como único recur-
as condições específicas da organização social, não poderia so de contrastação entre o especulativo e o real sem o qual
deixar de existir etc., são construções do autor (sujeito) sob nenhuma ciência avança. O erro consiste exatamente em
80 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N. 0 s 1 e 2 PÁG . 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PÁG . 57-82 1978 81
tado a ação de todos os fato1·es que poderiam explicar os mes- uma perspectiva que lhe é peculiar . A objetividade escapa
mos datlos, \Durkheim elimina apenas os fatores que supõe mais urna vez quando o autor afirma que nos casos de tran-
irrdevantes) . Quando explica, por exemplo, que as mulhe- siçãa pode ocorrer que um fato seja geral e não seja normal
res se suicidam menos que os homens (constatação empiri- por constituir-se herança de estágios anteriores da sua evo-
ca) porque sua constituição moral é menos evoluída, sem lução. Para tais casos indagamos se há fatos definitivos que
comp\.)rtamento mais instintivo, não são os dados correia·· nos informem quando urna sociedade completou ou não um
cionados empiricamente que fornecem tais argumentos . . . certo estádio de sua evolução .
Corno torna para comparação sociedades, ou seja unidades Voltamo-nos neste ponto a uma questão subjacente a
complexas e compactas, apenas o "faro teórico" poderia con- qualquer classificação e que Bachelard explícita: a ordem é
duzir o autor a especificar como fatores causais a coesão, a própria da natureza ou introduzida por um sujeito para aten-
anomia, a mtegração. Já vimos inclusive que o próprio au- der a determinados objetivos? O que nos faz acreditar em
tor constroi teoricamente as noções de "coesão", "anornia" uma ação nítida do sujeito é que os mesmos dados se pres-
e "integração social" ao mesmo tempo que fornece, apenas tam a diferentes classificações dependendo do critério que se
de modo impreciso, os indicadores ou referenciais empíricos adote. Nos vários autores encontramos diferentes marcos
que lhe são correspondentes. para distinguir os "estádios de evolução social", o que de-
Como já dissemos os termos leis e relações causais, uti- monstra a mobilidade de fronteiras que se deslocam sob im-
lizados por Durkheirn atestam uma inclinação positivista em pulsos emanados dos sujeitos. Se Durkheirn afirma que o
que os dados são sacralizados. suicídio é "normal" desde que sejam mantidas para cada ti-
A diversidade de causas que Durkheirn atribui ao sui- po de sociedade taxas que não ultrapassem certos limites,
cidio nos parece imprópria. Como afirma Theodore Abel, o como saber objetivamente qual volume de suicídios passa a
que Durkheim faz é muito mais especificar quais as condi- :ser anormal e portanto disfuncional?
ções que tendem a agravar ou reduzir a ocorrência de suicí- A atitude de neutralidade do autor quando defende a
dios. As "causas" são inferidas de um bloco de informações ação prática da Sociologia na manutenção da normalidade
sem nenhuma garantia objetiva dos "nexos necessários e na- dos fenômenos sociais, é portanto bastante duvidosa. Durk-
turais" das "leis" enunciadas. heim pn:tende a tarefa impossível de montar critérios éticos
Na verdade os três tipos de suicídios podem ser reduzi- cujo caráter emane da natureza das coisas.
dos a apenas um já que Õs fatores explicãtivos aludidos re- A proposta de medidas que corrijam o grau de anornia
ferem-se apenas à coesão em diferentes graus. e de egoísmo que produziriam taxas patológicas de suicídios
A concepção de que a uma causa se vincula apenas um das sociedades modernas escapa totalmente aos ideais de
único efeito e vice-versa é um recurso utilizado por Durkheirn objetividade contidas na afirmação do autor: "não são senão
que lhe permite preservar a validade de suas "leis'' já que as experiências metódicas que podem arrancar às coisas o seu
sempre que não haja correspondência entre os efeitos que segredo". (Durkheim, pág. 126, 1974). A roupagem de "obje-
se observa e as predições feitas é sempre possível apelar pa- tividade" não consegue disfarçar a ideologia da estabilidade.
ra a afirmação de que se trata de "coisas diferentes" e por-
tanto dependendo de "causas diferentes" ... Considemções Finais
As pretensões de objetividade de Durkheim tornam-se
extremamente vulneráveis principalmente quando o autor O que criticamos em Durkheirn é a ilusão de que os pro-
estabelece que a generalidade de um fato social indica a sua cedimentos metodológicos que prescreve permitem um acesso
normalidade e o que é normal tende a ser funcional (item d). aos fatos que por si só é revelador.
O que se pode constatar empiricarnente é tão-somente a É essa versão de um conhecimento determinado predomi-
alta freqüência de ocorrência de um fato. Todo o arcabouço nante pelo objeto que rejeitamos. O que não implica em di-
de deduções posteriores de que se é geral deve corresponder minuir o papel da investigação empírica como único recur-
as condições específicas da organização social, não poderia so de contrastação entre o especulativo e o real sem o qual
deixar de existir etc., são construções do autor (sujeito) sob nenhuma ciência avança. O erro consiste exatamente em
80 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PÁG . 57-82 1978 REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PÃG . 57-82 1978 81
supor que o conhecimento se constrói apenas em um dos
pólos, seja no sujeito ou no objeto.
A nosso ver a questão "objetividade versus subjetivida-
de" é equacionada por Piaget através da visão dialética da
relação entre sujeito e objeto. A sua tese, fundamentada em
dados psico-genéticos, é de que o conhecimento se constrói
progressivamente na ação do sujeito sobre o real, atingindo
níveis cada vez mais complexos de apreensão cujo ápice são O CONCEITO DE ANTECIPAÇÃO
as operações simbólicas ou formais (as estruturas lógico- NO PENSAMENTO DE POPPER
-matemáticas).
A realidade exterior (objeto) é apreendida por um su-
jeito através de uma "assimilação ativa" que comporta pro- Hermano Ferreira Lima
cessos de interpretar, tirar referências "acomodar" os dados
aos esquemas mentais de que dispõe o sujeito de modo que
o produto ou conhecimento do "objeto" nem é determinado As principais concepções de Popper sobre a ciência e so-
por ele nem por outro lado lhe é independente . Para Piaget, bre o conhecimento em geral podem ser esquematicamente
tanto a "coisa" é construída como os esquemas mentais se compreendidas a partir de duas críticas que ele faz logo no
reconstroem progressivamente da ação do sujeito sobre o início de La Logica de la Investigación Científica (1): a pri-
real. meira é sua crítica radical à indução e a processos indutivos;
a segunda sua recusa a qualquer tipo de psicologismo. Estes
dois pontos perpassam toda a sua obra, dando-nos a impres-
são de que seus demais escritos são como que desdobramentos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ou conseqüências - quase sempre imprevisíveis- destas po-
ABEL, Theodore. - Os Fundamentos da teoria sociológica. Ri o de Janeiro, sições iniciais, dando ao pensamento de Popper uma orga-
Zahar Ed., 1972. nicidade quase linear como se as primeiras críticas fossem
BACHELARD. -· Pcnsée philosophique et esprit scienti[ique. In : La phi/oso- sendo completadas e assim houvesse um aprofundamento de
phie du 110 11 r'ssai d'unc plzilosoplzic du no\'el sprit scientifique. Paris,
suas idéias.
1970, p. 1-17. No entanto, esta impressão é a primeira e mais super-
BUNG E, Mario. - Filo~ofar cientificamente y encarar la ciencia filosofica-
mente. fn : La ciencia, su métvdo y Sll fi/~sofia. Buenos Aires: siglo XX, ficial, pois, se nos ativermos mais detalhadamente ao pen-
1972, p. 123-156. samento de Popper examinando conceitos importantes, ve-
DALEN, Deobald B. Van. - General concepts concerning the cientific me- remos que ele nem sempre é linear e que alguns destes con-
thod. In: Undertanding educacional research. New York, 1962, p. 29-45.
DEMO, Pedro. - Base empírica da pesquisa social. Rio de Janei ro, Centro ceitos não são apenas desdobramentos do que foi escrito na
João XXlli, 1974, mimeografado. '·L. I. C." . Desde já, ressalve-se que Popper jamais recusou
DURKHE1M, Emile. - O suicídio. Lisboa, Ed. Presença, 1973 . seus escritos anteriores. Em suma, ele não faz correções a
- - - - - . - A.1 regras do método sociológico. São Paulo, Ed. Nacional, seu pensamento, o que pode dar esta impressão de lineari-
1974. dade.
1\lENEZES, E. Diatay B. de. - Une epistcm o /ogie dcs scienccs de /'ho m e:
rupects de la contributioll de Jean Piaget. Université de Tours, 1975. Tais enganos são freqüentes entre seus comentádores.
PIAGET, Jean. - A Epistemologia genética. Rio de Janeiro, Vozes, 1971. Tomemos o exemplo de Lakatos (2) que divide o pensamento
POPPER, Karl. - "Três concepções acerca do conhecimento humano". In :
El desarrollo del co11ocimiellto cientifico-conjecturas e refutaciones. Buenos 1 -· POPPER , Karl R. - Ln Lús:ica de la inl·e~tigación cien tífica. Trad.
Aires, Paidós, 1967, p. 116-141. Victor S. de Zavala. Madrid, Tecnos. 1971. Original inglês.
2 - LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A. Ed. - La Crítica y e/ desnrrollo
de/ conocimiento. Trad. Francisco Herm an. Barcelona, Grijalbo. 1975,
p. 291-2. Original inglês.

REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PAG. 57-82 1978


REV. DE C. SOCIAIS, VOL. IX, N.0 s 1 e 2 PÁG. 83-92 1978 ·81
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