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Esse ensaio sobre minha vivência em Nova York está inacabado_ e, imagino,
vai permanecer assim por longo tempo.
Vou colando, reescrevendo e repensando artigos que publico, a partir do meu
aprendizado sobre o ato de ensinar e aprender numa sociedade de informação,
vivendo na difusa fronteira entre o jornalismo e a educação.
Educar é, em essência, ensinar o encanto pela possibilidade. Logo, educação é
a arte de ensinar o exercício da liberdade. Só é livre quem é capaz de
optar entre as diferentes possibilidades.
O professor é, então, agente da liberdade, administrador da curiosidade.
Sentimos medo, de fato, quando não temos alternativa. A morte é o maior
dos medos porque é a ausência total de alternativa.
Educar, no Brasil, é transmitir os mais elementares direitos _ e lidar
com o impacto das novas tecnologias.
Temos o medo da internet, da máquina que corta empregos. E de andarmos
sozinhos na ruas inseguras. Ainda vemos o trabalho escravo ou infantil,
mas já estamos discutindo como criar o teletrabalho.
Chegamos ao final do século com o medo de andar na rua com a janela do
carro aberta, mas exportando aviões.
Resolvi compartilhar esse ensaio inacabado justamente no dia do professor _ o agente da
liberdade.
Esse ensaio vai incorporando as heranças; gente que vou conhecendo pelo
mundo que me ensina a tecnologia da paixão pelo saber.
Um paixão que não encontro apenas na academia ou redações. Mas nas favelas
e até nas flores de um museu em Nova York.
Flores do museu
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Ensaio - Gilberto Dimenstein
Metropolitan.
A partir dessa multiplicidade de ângulos e vivências, estou
convencido de que é preciso fechar os olhos aos mais elementares
números para desconhecer que o Brasil melhorou _e melhorou muito.
Vou repetir: nunca estivemos tão bem.
Mas é preciso fechar os olhos para os mais elementares números para
ver que, se nunca estivemos tão bem, ainda continuamos péssimos.
Estamos longe da mentalidade que faz brotar as flores do
Metropolitan.
Não temos o sentido de urgência. Estamos mais para Nova Déli do que
para Nova York.
Publicada desde setembro de 1995, a coluna América se propôs a fazer
também um jornalismo de soluções. Saí do Brasil enfastiado com o
jornalismo irritadiço, à beira de um ataque de nervos, do qual não
fui exceção.
Meter pau e ser crítico não são a mesma coisa. Esculhambar por
esculhambar é a doença infantil do jornalismo. Assim como elogiar
não é igual a adular.
Quis retratar a inventividade charmosa de pessoas e projetos, por
menores que fossem, que fazem a diferença, colhida em minhas
viagens.
Mostrei como o sul da Índia, apesar de toda pobreza, atingia níveis
baixos de mortalidade infantil. Ex-matadores da Colômbia organizados
em cooperativa para sair do crime organizado e arrumar empregos
decentes. Os projetos na Suécia para valorizar a família, as
soluções urbanas na Turquia que conseguiram melhorar o caótico
trânsito de Istambul.
Tentei documentar ao máximo as experiências contra o crime em Nova
York, o rejuvenescimento dos bairros deteriorados, os milagres
educacionais, os novos desafios e conquistas dos trabalhadores.
A coluna se propôs a propagar a necessidade urgente da alfabetização
digital para que pudéssemos tirar proveito ao máximo das novas
tecnologias. Quando vim morar aqui, a Internet já estava
popularizada, permitindo que eu pudesse servir de ponte e oferecer,
sem nenhum custo, textos complementares e mais aprofundados pela
rede.
Foi uma lição ver como a elite econômica americana doa e participa.
O que me faz olhar com mais desconsideração a indigência da maioria
dos nossos empresários.
Ainda mais quando os vejo aqui, em Nova York: contratam limusines
para andar três quarteirões, compram mais do que observam, vão a
restaurantes mais pelo preço do que pela comida ou usam celular numa
cidade que tem telefone a cada esquina _nem se dão conta do
ridículo. Imaginam-se chiques, mas se portam como deslumbrados.
Sempre que pude, detalhei o maior envolvimento comunitário no
Brasil, movido por empresários lúcidos. Há uma notável coleção de
inovações nas cidades brasileiras, pouco conhecidas porque
concentramos atenção demasiada em Brasília.
A linha que costura esses fatos é a convicção de que o Brasil
depende da parceria criativa entre comunidade e governo. A
prioridade das prioridades é a educação para a cidadania, enraizando
a noção de direitos e deveres.
O princípio básico é de que público não é oficial. Por isso, levei
de Nova York a sensação de que as descartáveis flores do Metropolitan
valeram para mim mais do que as raras e eternas antiguidades.
Também vi várias "flores" nos lugares mais inesperados _ "flores" capazes de
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Morte súbita
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Educar é o jeito mais nobre de viver. Não faço injustiça com os médicos.
Educar é atividade mais nobre do que medicina porque é o jeito de
transmitir o valor da liberdade, ensinando o direito de ter direitos
_e de optar. Só opta quem tem informação.
Mas também porque salva vidas.
Qualquer um _do motorista de táxi, ao plantonista de pronto-socorro,
chegando ao presidente da República, pode ser um educador. O que dá
a chance a qualquer um de viver nobremente.
A nobreza de ensinar está em qualquer lugar. Raras vezes me emocionei
tanto com essa nobreza como no Harlem.
Lição de Dante
Por causa da minha dificuldade em dizer não, fui parar na rua 136,
no Harlem, região de Nova York povoada por gangues, traficantes de
drogas e desempregados. Naquele dia, literalmente, redescobri o
inferno de Dante.
Um tanto a contragosto, aceitei o convite de última hora de amigos
do Instituto de Tecnologias do Aprendizado (Institute for Learning
Technologies), da Universidade de Columbia, para ver apresentação de
adolescentes sobre a Divina Comédia, de Dante Alighieri.
Pesquisadores daquele instituto (http://www.ilt.columbia.edu/)
vinham trabalhando o poeta florentino com alunos de uma escola do
Harlem, chamada Frederick Douglas Academy, onde o professor é tão
importante quanto o policial encarregado de evitar a violência.
A caminho da apresentação, dia 4 de junho passado, vislumbrei-me,
sentado, disfarçando o mal-estar por assistir a um interminável
massacre poético. Dante para crianças pobres no Harlem? Seria como
ver adolescentes de escolas públicas brasileiras, deterioriadas,
encenando Camões.
Naquele improvável cenário, onde adolescentes desfilam com rádios
enormes ouvindo rap em alto volume, bonés ao avesso, falando um
inglês incompreensível, lixo nas esquinas, prédios abandonados,
muros grafitados, redescobri o encanto do poeta italiano. E
experimentei uma das cenas mais marcantes dos 20 anos em que tenho
trabalhado com transmissão de informação.
Aquele dia reafirmou minha crença na necessidade de educarmos nossas
crianças para um novo mundo que já existe, onde as descobertas
digitais definem os limites do saber e do aprender. O debate sobre o
papel e a influência das novas tecnologias percorre as salas dos
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Repensando o inferno
Sedução da rebeldia
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Educação ambulante
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Por que escolhi o Harlem para abrir este artigo? Para mostrar que a
alfabetização digital avança e se universaliza em locais que dariam
medo a brasileiros de classe média. Não estamos, portanto, falando
das zonas ricas do país, com suas escolas repletas de recursos e
pais educados.
Estamos nós, brasileiros, conseguindo empatar pelo menos com o
Harlem?
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Tempos modernos
Pedagogia da paranóia
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Laboratórios ultrapassados
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Reciclagem permanente
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Desperdício
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Não se sabe, ao certo, como ensinar - mas, pelo menos, sabemos como
não se deve ensinar.
Idiotizar o aprendizado é obrigar a memorização de regras, numa era
de abundância de informação.
Idiotizar é estimular o aluno a ir bem nos testes, em vez de
envolvê-lo na experimentação para que desenvolva a paixão pela
curiosidade.
É não mostrar como as várias disciplinas se relacionam, aplicadas ao
cotidiano.
Paixão
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"Gostar de viver".
Por coinciência, naquele momento eu estruturava meu mais recente
livro, o "Aprendiz do Futuro" (editora Ática), um trabalho didático
para ajudar o aluno a aprender, em sala de aula, noções básicas de
cidadania, computação e Internet (http://www.atica.com.br/). Usando
minhas colunas semanais na "Folha de S. Paulo" como plataforma,
dissequei palavras-chaves, estabeleci diferenciações temáticas,
buscando unir a linguagem pedagógica à jornalística.
Naquele domingo em minha casa, reunimos em torno de Paulo Freire
alguns dos mais importantes especialistas em educação de Nova York,
interessados em trocar idéias, ou simplesmente admiradores antigos
de sua obra, ansiosos por conhecê-lo.
Um dos convidados era o professor Frank Moretti, uma das estrelas da
educação de vanguarda americana. Ele orientou as experiências do uso
de computador em sala de aula na Dalton, uma escola privada situada
no chique Upper East Side de Manhattan.
Com uma mensalidade de 1,7 mil mensais (e ainda não pagam os
custos), a Dalton é apontada como o melhor modelo de uso de novas
tecnologias, recebendo diariamente romarias de educadores. Através
do computador e com a criação de programas de Internet, eles
transformaram o mundo numa sala de aula, onde o conhecimento pode
ser obtido a qualquer hora e em qualquer lugar. Aluno e professor
tiveram de mudar de papel.
"O professor é o centro de gravitação", afirma Frank Moretti, que
dirigiu até recentemente o laboratório de novas tecnologias da
Dalton e que agora vai se dedicar à disseminação dessa experiência
entre as escolas públicas de Nova York. A homepage da Dalton
(http://dewey.dalton.org/about_Dalton) virou fonte de pesquisa
obrigatória das faculdades de educação americanas.
Perguntei a Frank Moretti, um apaixonado por tecnologia, jazz,
fotografia, restaurantes e, em especial, por Nova York, o que ele
achava da definição de Paulo Freire:
"Só os idiotas acham que a máquina deixa o professor menos
importante. É justamente o contrário. Um professor apaixonado pela
vida estimula a curiosidade e a curiosidade é fonte do saber".
Na quarta-feira seguinte ao jantar, Freire voltou ao meu
apartamento. Não estava tão bem disposto, sentia dores no peito,
temia que fosse o coração. Durante o jantar falou da perspectiva da
morte, fez um balanço de sua vida, entremeado com seus planos para
Harvard, onde daria aulas. Como o inverno de Nova York, naquele
final de março, ele também dava sinais de que estava se despedindo.
Na confluência de visões de Freire e Moretti, hoje na direção do
Centro de Novas Tecnologias da Faculdade de Educação da Universidade
de Columbia, temos o seguinte: bom educador é um administrador de
curiosidades, disposto a criar um aprendiz permanente.
Diante da abundância de dados acessíveis via bancos eletrônicos, o
bom professor é aquele que guia as curiosidades, transformando-se
num facilitador, auxiliando a reflexão para que o aluno não se perca
na floresta de informações. Ele deixa de ser o único provedor de
informação, auxiliado por alguns livros, para ser o administrador da
curiosidade da criança ou do jovem.
Há uma diferença vital entre encantamento e deslumbramento com as
possibilidades tecnológicas para transmissão de conhecimento.
Ninguém aprende nada apenas exposto à informação. Informação não
significa entendimento. Do contrário, os guardas das bibliotecas
seriam intelectuais. Ou os vigias dos museus, críticos de arte.
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