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A ideologia do ressentimento
Reprodução
AwayfromtheFlock"
(Distante do
Rebanho),
instalação de
DamienHirst na
mostra "Sensation",
em Londres (1997)
JACQUES RANCIÈRE
especial para a Folha
Foi ele que acabou por converter a arte moderna no frenesi vanguardista da
busca do novo ou da antecipação forçada do futuro. Foi ele que absolutizou
a noção de arte e a submeteu aos fantasmas irracionais da criação original.
Os fracassos da arte acompanharam assim os crimes da utopia, nascidos do
mesmo solo. Ontem, nos diz Jean Clair, os expressionistas alemães -
herdeiros do romantismo encarnado no simbolismo- preparavam o nazismo
(que os condenaria) anulando os limites entre o sentido e os sentidos. Hoje,
essa vertente artística, despida de todo conteúdo, insiste em se proclamar por
meio do vale-tudo a que ela se consagra.
Aqui, a conclusão não é ainda muito clara. Segundo essa lógica, poderíamos
dizer que a utopia chegou a seu termo. O vale-tudo, tão depreciado,
corresponderia ao final da ditadura das vanguardas e à coexistência pacífica,
própria das formas de arte pós-moderna de uma sociedade multicultural.
Este, em suma, é o argumento do livro de Yves Michaud. Contudo, esse
"happyend" multicultural não é visto com bons olhos pelos luminares da
nova ideologia francesa. Para ela, o que se deve opor à derrocada das utopias
não é o simples consenso multicultural, mas o sentido renovado dos valores
republicanos e nacionais.
Jacques Rancière é filósofo político francês, autor de "A Noite dos Proletários"
(Companhia das Letras) e "O Desentendimento" (Ed. 34), entre outros.
Tradução de José Marcos Macedo.